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EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA ALTERNATIVA PARA A EMANCIPAÇÃO
HUMANA? – UMA ANÁLISE DO CENTRO DE ENSINO FUNDAMENTAL
PIPIRIPAU II – DF
Sávia Bona Vasconcelos Soares
Estudante de Licenciatura em Geografia
Universidade de Brasília - UnB
RESUMO
Para se manter no poder, a classe dominante necessita do domínio dos aparelhos
repressivos (polícia, exército), mas também é fundamental o domínio sobre os aparelhos
ideológicos do Estado (caracterizado pelas escolas, religião e cultura). O aparelho
ideológico escolar caracteriza-se como o mais importante, nos dias atuais, para cumprir
a função de reforçar as classes dominantes no poder. Isso se dá, pois a escola abarca
crianças de diferentes classes sociais além de estar presente desde os anos iniciais, até a
formação profissional. A partir da educação infantil se reproduz o discurso dominante,
no qual a criança aprende a aceitar. (ALTHUSSER, 1972) Palavras chave: educação do campo; trabalho; emancipação.
INTRODUÇÃO
A escola possui um papel essencial para desvendar as contradições resultantes
do modo de produção capitalista, materializado nas desigualdades sócio-espaciais.
Entretanto a escola acaba muitas vezes reproduzindo a ideologia liberal, legitimando as
desigualdades, o individualismo e a competição em vez de proporcionar uma educação
crítica onde se revele as contradições estruturais do sistema capitalista. A educação
capitalista reproduz a sociedade de classes, distinguindo duas formas de educação: para
as crianças burguesas, destina-se uma educação intelectual, enquanto para as crianças
filhas da classe trabalhadora é oferecido um ensino técnico, “Desde a infância haveria
uma separação por classes, facilitando a ascensão dos alunos da elite e impedindo o
desenvolvimento intelectual e, posteriormente profissional, dos estudantes pobres”
(Pericás, 2006, p.194 apud Pimenta, 2010, p.5). A escola necessita ser um mecanismo
para contribuir com a emancipação total da humanidade. Há apenas duas opções de
construção da educação: a partir da ótica dominante, ou seja, da ótica burguesa,
institucionalizada e reprodutora da ideologia ou a partir da perspectiva dos
trabalhadores, representados pelos movimentos sociais. (ARROYO, 2008)
A Educação do Campo nasce como uma tentativa de construção educacional a
partir dos trabalhadores do campo, dos movimentos sociais camponeses, teve sua
origem a partir das lutas no campo. A Educação do Campo tenta superar a visão do
campo como estático e eleva os povos do campo à posição de sujeitos na busca por
direitos. Na proposta da Educação do Campo há uma tentativa de superação da
dicotomia campo-cidade, propõe-se também a valorização da cultura, do modo de vida
dos trabalhadores do campo, e ainda conceber o trabalho como princípio educativo.
O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II surgiu a partir da luta da
população que habita a região do Pipiripau. Esta população sentiu a necessidade de ter
uma escola próxima à comunidade que atendesse aos filhos dos trabalhadores do local.
Inicialmente a escola funcionava em uma área cedida por um morador da região do
Pipiripau. Somente após muita luta da comunidade é que se foi construída a sede atual
da escola. A escolha pelo CEF Pipiripau II se deu por se localizar numa zona rural do
Distrito Federal com ligação próxima ao centro urbano de Planaltina e por se tratar de
uma escola composta, majoritariamente, por estudantes que vivem em um pré-
assentamento da região, Oziel I, II e III.
O objetivo do presente trabalho é discutir acerca dos pressupostos da Educação
do Campo e como eles contribuem para a emancipação da humanidade. Através do
estudo do Centro de Ensino Pipiripau II, localizado em Planaltina-DF, buscou-se
verificar de que forma ocorre a discussão da Educação do Campo no Distrito Federal.
Com o intuito de materialização da pesquisa, foram realizadas saídas de campo
na escola a ser estudada. Foram entrevistados sete professores, dezesseis alunos e o
diretor da escola.
2 PRESSUPOSTOS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Para o aprofundamento da discussão da educação do campo é necessário o
entendimento do papel o qual o campo foi relegado ao longo da história. A partir do
crescimento da industrialização no Brasil, principalmente durante a Era Vargas, o
campo (assim como os povos do campo: trabalhadores rurais, indígenas, quilombolas
etc.) virou sinônimo de atraso, de arcaico. Ao campo e ao camponês foi relegada uma
posição de submissão. Na lógica citadina o camponês é considerado algo a parte da
sociedade, pois seu modo de vida, seus costumes, estariam em vias de extinção.
(MOLINA, 2003)
Para pensar a vida no campo, é preciso pensar na relação campo-
cidade no contexto do modelo capitalista de desenvolvimento em
curso no país. O rápido avanço do capitalismo no campo esteve
baseado, no Brasil, em três elementos fundamentais: um
desenvolvimento desigual, nos diferentes produtos agrícolas e nas
diferentes regiões; um processo excludente, que expulsou e continua
expulsando camponeses para as cidades e para regiões diferentes de
sua origem; e um modelo de agricultura que convive e reproduz,
simultaneamente, relações sociais de produção atrasadas e modernas,
desde que subordinadas à lógica do capital. No campo, esse processo
tem gerado uma maior concentração da propriedade e da renda.
(KOLLING, NÈRY, MOLINA, 1999, p.30).
O desenvolvimento foi relacionado com a urbanização, e o campo assim como
os povos do campo foram considerados inferiores, sinônimos de subdesenvolvimento.
Ao relacionar o campo ao subdesenvolvimento legitimou-se o abandono ao campo.
Pois, não faria sentido a criação de políticas públicas voltadas para um lugar sinônimo
de atraso, e que sua população já estaria em vias de extinção. (MOLINA, 2003)
Contudo, é necessário reconhecer a relação de interdependência entre o campo e
a cidade. Cidade e campo não vivem a parte, não são independentes. Como
exemplificam Kolling, Néry e Molina (1999) “a combinação do trabalho agrícola e do
industrial é a expressão mais que concreta que nega a concepção de que a cidade e o
campo são mundos a parte”. Ou seja, no campo se produz matérias-primas que nas
indústrias se transformam em outras mercadorias, sem a produção do campo não
haveria as ‘iguarias’ industrializadas. Para contribuir com o avanço do campo e com a
superação da visão de campo e cidade de forma separada, não relacionada, é necessária
uma educação que também se desenvolva contrapondo-se a essa idéia dicotomizada.
Neste sentido, a Educação do Campo para se tornar efetiva na sua proposta de
valorização do campo como opção de vida, precisa conceber a educação de uma forma
mais ampla. É necessária também a valorização da cultura dos camponeses. Além disso,
é fundamental um rompimento com a visão que associa o campo ao passado, e a sua
população como não pertencente à modernidade. Para isso, primeiramente é necessária
a superação da visão bucólica do campo e conceber o campo como ativo, reconhecendo
as relações sociais que se dão no campo, e assim vinculando uma educação condizente
com a realidade do camponês. Um entendimento do campo como local de atraso vincula
ao campo uma educação igualmente atrasada. O campo possui especificidades que vão
além de um calendário atrelado aos tempos de colheita e conteúdos relacionados com o
cultivo. O campo é ativo, e as lutas do campo fazem parte da realidade dos povos do
campo. Uma escola condizente com a realidade do campo não pode ignorar essas lutas
que fazem parte do cotidiano do camponês. (ARROYO, 2008)
Além da superação da dicotomia campo/cidade a Educação do Campo se propõe
a conceber o trabalho como princípio educativo.
A educação para contribuir com a emancipação humana tem que estar vinculada
ao mundo do trabalho. Entretanto essa vinculação do trabalho com a educação não deve
se dá através do entendimento burguês de trabalho, que o iguala a emprego. “A
concepção burguesa nega o princípio fundamental do trabalho na transformação do
homem como sujeito ativo na construção de uma sociedade na perspectiva
emancipatória” (SILVA, 2007). Ao conceber o trabalho desta maneira, a burguesia
transfere para a escola um papel de preparadora para o trabalho, o que justifica as
escolas técnicas, o ensino tecnicista.
Para se contrapor a essa proposta burguesa de educação é necessário a
concepção de trabalho como categoria ontológica (Lucáks, 1979 apud Silva, 2007) ou
como afirmou Engels (1975) apud Silva (2007) trabalho “como a condição básica e
fundamental de toda a vida humana”. Através do trabalho há o domínio do homem
sobre a natureza, há a transformação desta pelos seres humanos e, além disso, o trabalho
é que difere o ser humano dos outros animais.
O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo
em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu
metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria
natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças
naturais pertencentes às corporalidades, braços e perna, cabeça e mão,
a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua
própria vida (MARX, 1988, p.149 apud SILVA, 2007, p.20).
Na sociedade capitalista o trabalho é alienado. Essa alienação decorre da divisão
social do trabalho que, além de outras separações (como a divisão do trabalho
masculino e feminino) divide trabalho intelectual do trabalho manual, ou seja, há uma
fragmentação do saber. O saber técnico e o teórico não andam juntos, a consequência
disso é a apropriação da teoria pela classe burguesa que a utiliza em benefício próprio,
com o intuito de se manter no poder, como já foi discutido anteriormente nos tópicos
“Educação e Ideologia” e “Educação e Emancipação Humana”. (SILVA, 2007)
A questão da divisão social do trabalho acaba tendo como consequência, na
educação, da divisão social do saber (MACHADO, 1890 apud SILVA, 2007). A divisão
do saber está materializada nas políticas educacionais atuais, quando estas se propõem a
oferecer uma educação tecnicista para a classe trabalhadora (SAVIANI, 1988), uma
educação com intuito de obter mão-de-obra, enquanto isso a prática pedagógica
destinada à elite proporciona o domínio da teoria. Ou seja, oferecer educação intelectual
para os filhos da burguesia e ensino técnico, profissionalizante para os filhos dos
trabalhadores. (SILVA, 2007).
Constitui-se, dessa forma, o estabelecimento de dois marcos teóricos
no âmbito pedagógico. De um lado é posta em prática uma pedagogia
que objetiva a formação de quadros, cuja função será a de
planejamento, controle e domínio dos fundamentos científicos. E de
outro lado, uma pedagogia que terá o papel de manutenção da
diferenciação social, que prepara os quadros profissionais munidos de
um conhecimento parcelar do trabalho em sua complexidade e alheio
a uma visão global do processo produtivo. (SILVA, 2007, p. 22)
Dessa forma, é fundamental romper com essa visão fragmentada. Para isso, é
necessário relacionar educação e trabalho, na tentativa de buscar uma formação
integrada. A escola necessita unificar com conteúdos teóricos gerais com a
aprendizagem profissional.
O trabalho no sentido mais abrangente de poiésis, (Dussel, 1978), no
sentido da produção do próprio existir humano – físico e psíquico,
material e imaterial, individual e social, objetivo e subjetivo -, do
desdobramento e da produção do mundo, e a educação como processo
permanente de capacitação do ser humano para esse existir, para esse
descobrir, para esse produzir e produzir-se (...) (ARRUDA, 1989,
p.71)
Para avançar no processo de conscientização dos camponeses, a Educação do
Campo necessita superar a dicotomia campo/cidade, entender o trabalho como princípio
educativo, para assim conseguir conceber a educação de forma geral, ou seja, diferir
educação de escola.
A Educação do Campo, por ter nascido dos movimentos sociais camponeses
possui um diferencial básico da educação de forma geral, pois somente quando os
movimentos camponeses tomam a frente da educação esta pode possuir um caráter
emancipador (FERNANDES, 2008) . Isto ocorre porque os movimentos sociais estão
constantemente avançando no que se refere à luta por direitos, na pauta da educação
isso se reflete em uma escola rural mais dinamizada e construída de baixo para cima,
isto é, a partir dos movimentos sociais rurais e não como uma escola que, ao ser imposta
pelo Estado reproduz a ideologia e se acha capaz de por si só dinamizar a sociedade
rural. (ARROYO, 2008)
A Educação do Campo necessita ser um contraponto a atual escola estatal
burguesa, que historicamente defendeu a ideologia dominante.
O Estado ou o que é estatal não é público ou do interesse público, mas
tende ao favorecimento do interesse privado ou aos interesses do
próprio Estado, com a sua autonomia relativa. (SANFELICE, 2005
apud SOUZA).
3 A DISCUSSÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO NO DISTRITO FEDERAL – O
CASO DO CENTRO DE ENSINO FUNDAMENTAL PIPIRIPAU II
Caracterização da região do Pipiripau II – Planaltina-DF
A área rural do Pipiripau faz parte da Região Administrativa de Planaltina (RA
VI). Seu povoamento se deu juntamente com o da RA VI. Segundo Bertran (2000) apud
Portilho (2006) inicialmente as terras foram ocupadas por indígenas do tronco Jê. O
nome Pipiripau dado ao rio teria uma origem tupi que significaria rio raso e cheio de
pedras no meio (BERTRAN, 2000, p.22 apud PORTILHO, 2006).
A população da região do Pipiripau é majoritariamente composta por
trabalhadores de baixa renda, vaqueiros, meeiros, arrendatários, trabalhadores rurais
assalariados. No início da ocupação da região predominavam migrantes vindos do Sul
do Brasil, entretanto agora predomina população de origem nordestina. A ocupação da
área se deu inicialmente pelo empréstimo de terra, ou seja, o GDF cedia terra para as
famílias produzirem. A agricultura é a atividade primordial da população dessa região,
em especial a horticultura. Entretanto observa-se um avanço do agronegócio,
materializado pela produção de soja e pelo uso indiscriminado de agrotóxico. Segundo
Portilho (2006) ocorrem frequentemente pulverizações aéreas em grandes propriedades
da região, prática ilegal que não é denunciada devido ao monopólio da lei por parte dos
grandes proprietários. Em geral, a população possui um baixo grau de instrução.
Registra-se, também, na região casos de subnutrição infantil. (CAESB, 2001, p.74 apud
PORTILHO, 2006).
A maioria das propriedades da região do Pipiripau são de pequenas extensões e
estão situadas relativamente longe da bacia do Pipiripau, enquanto as grandes
propriedades, apesar de corresponderem a um número menor situam-se,
majoritariamente nos limites da bacia. Com isso podemos inferir que há um maior
acesso à água, recurso natural indispensável para a agricultura, por parte dos grandes
proprietários. O acesso limitado a este recurso natural pode ocasionar dificuldades no
plantio para os pequenos produtores e conflitos na região.
As grandes extensões de terra nessa região não eram prioritariamente permitidas,
pois como foi citado anteriormente, as terras eram emprestadas pelo Governo do
Distrito Federal. Esse empréstimo se dava por meio de pequenas propriedades logo um
ponto que poderia ser investigado num trabalho posterior poderia ser o questionamento
acerca da origem dessas grandes propriedades.
O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II
O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II foi fundado no dia 2 de abril de
1969, a partir de uma luta da comunidade do Pipiripau pela independência do Núcleo
Rural de Taquara que ocorreu conjuntamente com a luta por uma escola na comunidade.
Inicialmente a escola começou a funcionar em uma chácara cedida por um morador da
comunidade. Nesse mesmo ano já foram registradas 37 matrículas. Em 2006 a escola
possuía 304 alunos matriculados no ensino fundamental e em 2011 possuía 392 alunos e
21 professores. É possível observar um aumento significativo do número de alunos, em
um período relativamente curto, que pode estar relacionado com a instalação do pré-
assentamento Oziel I, II e I. Logo, pode-se inferir que no campo há uma demanda
crescente interessada na educação fundamental. Entretanto, alunos interessados em
cursar o ensino médio necessitam se deslocar para outras escolas, como a escola do
núcleo rural do Taquara.
A escola atende alunos do pré-assentamento Oziel I, II e III (MST), filhos de
trabalhadores rurais assalariados, vaqueiros, meeiros, entre outras profissões vinculadas
ao campo, além de receber estudantes de outras áreas rurais próximas, como alunos do
Capão das Negras (GO). De acordo com relato de professores mais antigos, quando a
escola recebeu alunos provenientes dos assentamentos da redondeza houve inicialmente
um estranhamento por parte dos alunos e mesmo dos próprios professores. Os alunos
reproduziam discursos preconceituosos em relação aos alunos dos assentamentos,
relacionavam a queda do rendimento da escola com a chegada dos assentados. A partir
da chegada dos novos alunos assentados os professores começaram a adotar novos
métodos na sala de aula com o intuito de conscientização dos alunos para aceitarem a
nova ‘clientela’.
O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II funciona em horário integral. Na
parte da manhã ocorrem aulas normais e na parte da tarde há atividades
extracurriculares. Vários projetos foram implementados, inclusive com participação de
alunos da Universidade de Brasília (UnB). Atualmente, não há um convênio com a
universidade, mas ainda existem alguns projetos de iniciativa dos professores da escola.
Um deles é o ABCerrado que ensina alunos a ler e a escrever relacionando os conteúdos
com a vegetação local, o cerrado.
Alguns alunos da escola são de “origem humilde”, segundo o diretor da escola, e
há alunos que vivem abaixo da linha da pobreza. Muitos alunos vão à escola para
poderem ter o que comer, há muitas crianças que só comem na escola. Há casos de
subnutrição. Mais da metade dos alunos da escola são de pré-assentamentos (Oziel I, II
e III), muitos não possuem energia elétrica nem água encanada em casa, ainda morando
em barracos de lona. Os pais das crianças são em sua maioria analfabetos. Há uma
dificuldade de condução da escola por conta da verba insuficiente que é repassada,
sendo muitas vezes inferior as das escolas urbanas, segundo informou o diretor. Além
disso, há uma alta rotatividade de alunos na escola, muitos saem ou por falta de
condições de se manterem na escola, ou então quando pais são demitidos da fazenda
que trabalham e com isso os alunos abandonam a escola. No caso dos alunos do pré-
assentamento há uma desistência ocasionada pelas condições precárias que se
encontram. Os pais não conseguem melhorar de vida e acabam retornando as suas
regiões de origem.
A Educação do Campo na perspectiva de alunos e professores do CEF Pipiripau II
A idade do corpo docente entrevistado varia de trinta e seis a cinquenta anos. Os
entrevistados moram em casas localizadas em Formosa (GO) ou em Planaltina (DF).
Todos os professores já trabalharam em outras escolas, porém o Centro de Ensino
Fundamental Pipiripau II foi a primeira experiência de escola rural dos docentes. A
professora entrevistada com mais tempo de trabalho na escola já faz parte do corpo
docente há dezessete anos, e a que tem menos tempo no CEF Pipiripau II está na escola
há dois anos. Todos os professores entrevistados têm filhos e os filhos dos professores
estudam ou estudaram em escolas na cidade. Não há professores na escola que não
tenham curso superior, a maioria dos educadores possuem pós-graduação, o que pode
caracterizar um corpo técnico qualificado. Foram entrevistados professores graduados
em: Biologia (1), Ciências Sociais (1), Geografia (1), História (1), Letras Inglês e
Português (2), Matemática (1) e Pedagogia (2), totalizando oito docentes.
De acordo com as respostas da pergunta: “Você acha que há
necessidade/possibilidade de vincular todos os conteúdos ensinados na disciplina que
você ministra com a realidade do aluno do campo?”, os professores acreditam que há a
possibilidade de vincular todos os conteúdos com a realidade do aluno do campo.
Muitos afirmaram fazê-lo em sua disciplina e deram exemplos de como isso é possível.
A professora de inglês coloca “os alunos tem mais facilidade para aprender o inglês
relacionando com as verduras que eles cultivam”. A professora que trabalha na
biblioteca afirma separar uma estante de livros sobre a cultura dos povos do campo,
pois, para ela, “tem que valorizar o meio rural” para que os alunos gostem de morar no
campo. Entretanto a professora argumenta que os alunos não têm interesse em visitar a
estante, “não é do interesse dos alunos”, esse desinteresse por parte dos alunos pode
estar relacionado com a posição que o campo foi relegado. Como o campo e a cultura
campesina foram historicamente atrelados a uma concepção de atraso, isso pode refletir
em um desinteresse por parte dos próprios moradores do campo em conhecer mais sobre
sua própria cultura, pois acabam entendendo o campo, sua cultura, suas relações sociais,
como inferiores a cidade, logo, acabam se afeiçoando mais aos valores citadinos.
Segundo outra professora que trabalha com a escola integral, não há um preparo do
professor para que este possa estabelecer essa relação. “Existe a possibilidade, mas
existe um despreparo”. Esse despreparo pode estar relacionado tanto com a deficiência
de políticas específicas que se proponham a formar professores para o campo como
pode ser relacionado com o fato de que quase todos os professores entrevistados
(87,5%), não apresentam vínculo aparente com o campo, moram na cidade, e vão ao
campo apenas a trabalho. Conforme Arroyo, “As normalistas, pedagogas ou professoras
formadas para as escolas das cidades poderiam ir e voltar cada dia da cidade para a
escolinha rural e pôr em prática seus saberes da docência com algumas adaptações”
(ARROYO, 2007, p.159).
Os movimentos sociais têm clareza de que a conformação do sistema
de educação com uma rede de escolas do campo no campo e com um
corpo profissional com formação específica exige educadoras e
educadores do campo no campo. Sabemos que um dos determinantes
da precariedade da educação do campo é a ausência de um corpo de
profissionais que vivam junto às comunidades rurais, que seja
oriundos dessas comunidades, que tenham como herança a cultura e
os saberes da diversidade de formas de vida no campo. A maioria das
educadoras e educadores vai, cada dia, da cidade à escola rural e de lá
volta a seu lugar, a cidade, a sua cultura urbana. Conseqüentemente,
nem tem suas raízes na cultura do campo, nem cria raízes. (ARROYO,
2007, p. 169)
A pergunta, “Você acha que o Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II é ou
deve ser neutro frente aos conflitos agrários? Por quê?”, objetivou saber a opinião do
corpo docente sobre a função da escola enquanto formadora de consciência de classe,
enquanto formadora de consciência política. E ainda, se a escola deve ou não se
posicionar contra a lógica dominante, tendo em vista que o discurso da neutralidade é
um discurso que buscar manter o status quo. A resposta da primeira professora
entrevistada reconhece a impossibilidade de haver neutralidade: “Não existe
neutralidade, mas a opção política é de cada um”. Outros professores apontam da
necessidade da escola abordar temas referentes à questão agrária, argumentando que a
maioria dos alunos são do pré-assentamento do MST, “Tem que estar em pauta, porque
a maioria dos alunos são de assentamentos, vivem na dificuldade, vivem a margem da
sociedade.”, outra professora seguindo essa linha coloca, “a escola tem que, no mínimo
esclarecer, questionar, colocar o assunto em voga. Tem aluno que não tem água ou luz.
A escola não pode fechar os olhos”. O diretor da escola argumenta que a escola tem o
papel de conscientizar, esclarecer, mas não pode se envolver diretamente com os
conflitos agrários. Essa afirmação tira da escola seu papel revolucionário, e acaba
levando a uma função apenas esclarecedora. Conforme verificado na discussão teórica
sobre a educação no campo, a escola, materializada pelos professores e alunos que a
compõem, tem sim que se envolver diretamente nas questões que dizem respeito à
sociedade a qual ela faz parte, somente com o envolvimento direto nas lutas é que a
escola pode ter um caráter emancipador. Entretanto, como argumenta Meszaros (2005),
a educação formal nunca vai ser verdadeiramente contra-ideológica, pois existem
limitações legais, que impedem os próprios professores e o diretor de parte diretamente
das lutas em favor da maioria marginalizada e assim romperem com o modo capitalista
de produção.
Em contraposição as respostas anteriores, uma professora apontou a inexistência
de conflitos agrários na região: “Não temos conflitos agrários na região. Existe
assentamento, mas muito distante.”, ela argumenta que não apóia o assentamento pois
as condições são muito precárias, onde as pessoas moram em casa de papelão e
argumenta, “tem que dar infra-estrutura”. De acordo com essa professora, há uma
diferença entre politicagem e educação, ou seja, aparentemente a educadora tem uma
concepção que vincula educação com neutralidade. A neutralidade, nada mais é que
uma defesa de um discurso acrítico, ou seja, um discurso que contribui com a
manutenção da classe dominante no poder. (IANNI, 1976)
Na última pergunta, “Você acha que os conteúdos ministrados em sala de aula
contribuem para a compreensão da realidade e transformação da sociedade? De que
maneira?”, a maioria dos professores (75%) acredita que sim, a escola contribui para a
compreensão da realidade e transformação da sociedade. Porém, grande parte dos
exemplos mencionados não apontam em um sentido de transformação social,
relacionada à emancipação humana, um rompimento com o modo de produção
capitalista e sim a uma transformação individual, para os alunos virarem ‘cidadãos’. “...
não vai transformar tudo, a gente planta uma sementinha para o aluno se tornar um
cidadão...” e, continua, “... transformar a pessoa sabendo seus direitos e deveres, saber
calar na hora que é preciso e falar na hora necessária”. Seguindo uma linha distinta,
outra professora argumentou que, ao estimular a crítica na escola estaria contribuindo
com a transformação da sociedade, “quando se trabalha com a criticidade em sala de
aula”. O estímulo à criticidade é de extrema relevância no processo de transformação
social, pois auxilia o aluno na construção de um pensamento contestador, ao invés de
ensiná-lo a “... saber calar na hora que é preciso...”, ou seja, ensiná-lo a não contestar.
Nas entrevistas realizadas com os alunos foram ouvidos dezesseis estudantes do
sétimo e oitavo ano. Dos dezesseis alunos entrevistados dois moram no pré-
assentamento Oziel II, três moram no pré-assentamento Oziel III, oito alunos moram em
chácaras na região do Pipiripau, um estudante mora em chácara própria na região do
Capão das Negras (GO) e os demais, dois estudantes, em fazendas localizadas na região
do Pipiripau.
A idade dos entrevistados varia de onze até dezessete anos. Apenas dois alunos
(12,5%) afirmaram trabalhar fora de casa, recebendo salário para exercer suas
atividades. Um deles tem um emprego fixo em uma fazenda próxima de onde mora e a
outra trabalha como diarista e babá em dias esporádicos. Os dois alunos que trabalham
possuem dezesseis e dezessete anos e cursam o sétimo ano do ensino fundamental, os
dois estudantes são, juntamente com uma outra aluna de dezesseis anos os mais velhos
da turma (7º ano B). Os estudantes que trabalham apontaram a dificuldade de
permanecerem na escola no período vespertino para as atividades da escola integral.
Isso mostra como pessoas oriundas das camadas mais pobres da classe trabalhadora têm
menos tempo de dedicação ao processo de aprendizagem, que constantemente resulta
em uma educação de qualidade inferior e, ao precisarem realizar um trabalho manual
repetitivo acabam prejudicando o seu próprio desenvolvimento intelectual. Esses
adolescentes poderiam estar se dedicando a um processo integrado de teoria e prática,
pois é nas atividades da escola integral que os professores buscam fazer essa relação, ao
invés disso, eles têm que assumir empregos, muitas vezes, alienantes. Os demais
entrevistados não trabalham formalmente apenas ajudam os pais em afazeres
domésticos.
A primeira pergunta direcionada aos estudantes foi, “Na escola você aprende
coisas que você utiliza no seu dia-a-dia? Exemplifique”, esta tinha a intenção de saber
se há uma relação entre os conteúdos ministrados em sala de aula com as peculiaridades
do campo. As respostas demonstraram que a maioria dos alunos (81,25%) acredita que
há uma relação entre os conteúdos ensinados com o dia-a-dia deles. Desses 81,25% que
responderam sim a pergunta quatro, aproximadamente 40% deram exemplos que
demonstraram que, apesar do currículo e os livros adotados serem iguais aos das escolas
urbana, há uma tentativa por parte dos professores de relacionar os conteúdos ensinados
a realidade desses alunos. Os exemplos que demonstram isso foram: aprender a
identificar plantas, ensinar a aproveitar alimentos, a questão do artesanato, discussões
sobre agrotóxico, desmatamento, queimadas. “Aprendo contas, matemáticas, identificar
uma planta...”. Outro aluno afirma: “Tudo, na escola a gente conversa sobre
agrotóxico...”, e uma estudante responder: “Sim, é... ensina como aproveitar alimentos,
artesanato”.
Já nas perguntas dois, três e quatro, a intenção foi descobrir um pouco acerca da
consciência de classe dos alunos. Sobre a pergunta dois: “Você já participou de alguma
manifestação, ou outra forma de luta por direitos? Se sim, em que situação”, apenas
cinco alunos (31,25%) responderam que sim, dos que deram resposta positiva, três
(60%) são do pré-assentamento, todos os três afirmaram que participaram de lutas
relacionadas ao próprio assentamento, não somente de manifestações como de
audiências públicas. Um dos outros dois, que mora em uma fazenda, afirmou ter
participado de um vídeo da escola em que reivindicavam a construção de uma quadra e
de um posto de saúde para a região, sendo este o único que relatou experiências de luta
ligada a escola. Apesar da relativa baixa participação em lutas, todos os entrevistados
responderam sim a questão de número três, “Você considera importante a organização
coletiva na luta por direitos?” as justificativas iam no sentido de que a organização
coletiva ajuda a dar visibilidade, como relata uma aluna entrevistada que mora em uma
chácara da região: “eu acho importante sim porque se você está tendo algum problema,
as vezes um abaixo-assinado, uma manifestação ajuda a abrir os olhos”. A aluna
moradora do Oziel III, que declarou participar de reuniões das decisões do
assentamento, demonstra uma consciência coletiva, quando responde a pergunta sobre a
importância da organização coletiva na luta por direitos: “Eu acho bom, porque além de
ajudar quem necessita o povo não fica por si mesmo. Se você tá precisando de alguma
coisa, de alguma ajuda, tipo assim, você saber que é entre o grupo, entre as pessoas,
não é uma coisa individual. Eu faço isso por que isso serve aos outros. Algumas coisas
a gente discorda, mas assim, é muita reunião, a gente decide junto”. A importância da
organização coletiva, reconhecida pelos estudantes entrevistados se contrapõe a visão
dominante que é disseminada de que o individualismo é uma característica intrínseca do
que romper com essa visão de que o homem do campo não se organiza coletivamente.
A pergunta quatro “Você sabe por que existem assentamentos e ocupações de
terra?” foi a mais problemática, pois demonstrou um desconhecimento da causa de
existência de assentamentos pelos próprios assentados. Os alunos assentados que
afirmaram participar de reuniões, manifestações do assentamento responderam a essa
pergunta, “tem gente que não tem terra e invade pra ter onde morar”, outra aluna
complementa “falta emprego na cidade aí a gente vem pra cá”. Mas os que afirmaram
não participar das reuniões, não sabiam o porquê da existência de assentamentos e
ocupações de terra, “não sei não”. Esse desconhecimento justo dos alunos que não
participam das reuniões pode significar que, apesar de os professores reconhecerem a
importância de se esclarecer, de colocar a questão dos conflitos agrários da região, há
uma deficiência da escola em explicar a realidade do aluno assentado, de fazer com que
esse aluno entenda as razões dele morar onde mora, e relacionar isso com a questão
agrária brasileira. É fundamental abordar esse tema em sala de aula, mesmo que não
seja feito de forma aprofundada, respeitando faixa-etária dos alunos, pois assim ajuda na
formação da consciência de classe, incentivando-os a lutar e a não reproduzirem
discursos preconceituosos em relação a eles mesmos. Outro ponto essencial para
problematização é sobre a atuação do MST na escola. Mais da metade dos alunos
moram no pré-assentamento do MST e, segundo relato do diretor, o movimento não tem
atuação direta dentro da escola, entretanto há propostas de trabalho junto com ao MST
por parte de algumas professoras. Os motivos para o Movimento dos Sem Terra não
atuar diretamente na escola são desconhecidos, entretanto a atuação direta do MST
dentro da escola é fundamental na construção da consciência de classe dos alunos. A
Educação do Campo nasce dos movimentos sociais e estes necessitam construir e
administrar a escola, pois quando a realidade da escola difere disso, volta-se a um
estágio onde os “aparelhos ideológicos do Estado”, ou seja, o próprio Estado, se propõe
a romper com ele mesmo. Exceto por meio do poder dos movimentos sociais, sua
atuação contra-ideológica, e através da independência da escola frente ao Estado, é que
a escola pode contribuir com a emancipação humana, caso contrário, por mais
‘libertadora’ que ela se proponha a ser, continuará cumprindo uma função ideológica a
favor da burguesia, classe social dominante, e contra os trabalhadores. Pois, como foi
discutido anteriormente, sempre haverá barreiras ditas legais que impedem os
professores e diretores de atuar buscando um rompimento com a lógica do capital.
Sendo a luta de classes o objetivo dessa educação dos trabalhadores
ainda dentro do capitalismo, ela deveria cumprir certos critérios para
compreender-se enquanto alternativa e ruptura com a educação
hegemônica.
Um deles, já explicitado é a vinculação educação-trabalho produtivo,
superando a dicotomia da escola capitalista de teoria-prática. A outra,
já implícita, é a independência dessa educação diante as instituição
burguesas. Essa característica de suma importância foi tratada por
Marx (2006, p.127): “É preciso rejeitar peremptoriamente uma
‘educação popular a cargo do Estado’ [...] É preciso antes banir toda a
influência sobre a escola, tanto de parte do governo quanto da Igreja.
(Pimenta, 2010, p.13)
Na pergunta de número cinco, foi questionado aos alunos se o que eles
aprendiam na escola podia ajudá-los a transformar a sociedade e como isso se daria.
Essa pergunta teve o intuito de perceber qual a relação que os alunos entendem entre
escola e emancipação humana. Apenas dois (12,5%) responderam que o que aprendiam
na escola não podia ajudá-los a transformar a sociedade. “Não aprendo nada que me
faça pensar em mudanças”, o outro respondeu “Às vezes, quer dizer, acho que não”.
Já os outros alunos responderam a essa indagação com exemplos que se referiam a
mudanças individuais, a crescimento econômico individual, e não a mudanças sociais.
Nas respostas não foi encontrada nenhuma menção à tentativa de diminuição das
desigualdades sociais, muito menos alguma referência à emancipação. “Pode. Pra
ajudar uma pessoa que quer colocar dinheiro na bolsa de valores, ajudar fazer algum
empreendimento. Meu pai se quiser comprar uma plantadeira, ..., mexer num GPS”,
outros responderam que com o que aprendem podem ajudar os pais com alguma coisa
que eles não saibam “o que eu aprendo aqui posso até passar pros meus amigos que
pararam de estudar. O que eu aprendo aqui posso ir repassando pros meu amigos... O
professor de Geografia ensina muito a gente sobre a bolsa de valores, então se eu for
fazer um investimento eu já sei né porque o professor já passou pra gente”. Essas
respostas elaboradas pelos alunos vão ao encontro à lógica individualista do sistema
capitalista, onde por mais que se tenha uma consciência de que existem ricos e pobres,
não há uma menção à diminuição das desigualdades e sim a um crescimento individual
proporcionados pelos conhecimentos da escola. Dois alunos colocam como importante e
como mudança ‘social’, fazer investimentos na bolsa de valores, lógica estritamente
capitalista que em nada busca uma diminuição de desigualdades muito menos um
rompimento com o sistema vigente em busca da emancipação humana. A fala dos
alunos revela um problema onde, dos conteúdos ensinados o que eles conseguem captar
como ‘mudança’ nada mais é do que uma adaptação a lógica vigente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho objetivou levantar discussões acerca do movimento da
Educação do Campo e, através da análise do Centro de Ensino Fundamental Pipiripau
II, discutir sobre os limites e possibilidades para a emancipação humana desse
movimento. Até que ponto a Educação do Campo pode, por si só, contribuir com um
rompimento com o modo de produção capitalista em busca da emancipação total da
humanidade, quais os limites da escola formal, institucionalizada e qual a função do
movimento social na construção da educação foram os questionamentos centrais
A educação formal é limitada, pois somente consegue fazer discussões que não
contestam diretamente o poder vigente. Por melhor intenção que tenham os professores
e diretores, há uma obrigatoriedade de abrandar o discurso. Esse abrandar o discurso
ocorre, muitas vezes, quando os professores desvinculam a escola da luta, como no caso
dos professores da escola estudada, que entendem a importância da escola esclarecer
sobre a razão da existência de assentamentos, mas desconsideram o envolvimento direto
da escola com a luta dos assentados da região. Isso pode estar relacionado com o fato de
a educação formal pertencer ao Estado e este não permitiria grandes contestações, muito
menos um envolvimento direto da escola com lutas populares, que são opostas aos
interesses das classes dominantes que o Estado sempre defendeu. E quando ocorrem
questionamentos, na escola formal, que ponham em risco a hegemonia do Estado e a
classe econômica que este defende, o Estado utiliza de aparatos ‘legais’ para barrar o
desenvolvimento de uma escola de luta e busca criminalizá-la. A título de exemplo
podemos nos remeter ao processo de fechamento de escolas itinerantes no Rio Grande
do Sul. Mesmo depois da conquista do movimento em reconhecer as suas escolas como
legais perante o Estado burguês, aos poucos essas escolas vão sendo fechadas com
argumentos como do promotor Gilberto Thums (19/02/2009) sobre o fechamento de
uma escola itinerante no Rio Grande do Sul “Pode vir qualquer padreco falar o que
quiser, mas não podemos permitir que se use dinheiro público para pagar professor que
é indicado e finge dar aula. Querem dar um ensino à Fidel Castro, e isso não é
possível”(www.mst.org.br; acesso em 20/06/2011). A fala do promotor demonstra o que
o Estado burguês espera da educação e como utilizará de aparatos para barrar o
desenvolvimento de uma educação verdadeiramente libertadora. Desmerece os
conhecimentos dos professores do movimento, pois argumenta que estes não são
concursados. Como se o conhecimento de quem tem vínculo com a luta não fosse
suficiente e, o melhor conhecimento fosse aquele que reproduz o discurso dominante.
Os movimentos sociais por serem expressões da classe trabalhadora necessitam estar no
poder da escola, administrando, conduzindo, somente dessa forma a educação popular
será realmente em benefício da classe trabalhadora.
A referida possibilidade de emancipação humana da Educação do Campo está
quando esta se propõe a conceber o trabalho como princípio educativo, rompendo com a
separação, tipicamente burguesa, entre teoria e prática; quando esta busca romper com a
dicotomia campo-cidade, quando critica o desenvolvimento desigual do capitalismo,
que acabou expulsando milhares de camponeses para as cidades objetivando o
desenvolvimento do agronegócio; quando contesta a idéia de um individualismo ‘inato’
do camponês; quando propõe que a escola tem que estar sob o poder dos trabalhadores;
quando se concebe a educação de forma mais ampla, diferindo escola de educação, e
vincula a educação à luta dos trabalhadores; quando contesta o capitalismo e propõe um
rompimento com o modo de produção atual.
A classe trabalhadora não pode abaixar a bandeira e aceitar concessões.
Parafraseando Arroyo (2008), é preciso lutar por uma educação do campo, no campo,
feita pelos povos campo. A escola necessita ser conduzida, administrada pelo povo,
somente assim poderemos falar de educação verdadeiramente popular.
O Centro de Ensino Fundamental Pipiripau II é um exemplo de que mesmo com
os esforços e boa vontade de alguns professores, que procuram estabelecer uma nova
lógica para a educação no campo, quando não há um vinculo dos educadores com o
campo, e com o movimento social, esta se torna fraca na construção de consciência de
classe e com a perspectiva de mudança social efetiva, em busca da superação do modo
capitalista de produção.
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