Dramatirgia Da Luz Um Conceito Operistico

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  • Dramaturgia da luz, um conceito operstico Caetano Vilela

    O conceito da luz cnica como dramaturgia se deve ao compositor de peras alemo Richard Wagner. Ironicamente a luz eltrica ainda no havia sido inventada por Thomas Edison (1879), mas isso no impediu Wagner de mandar apagar todos os candelabros da plateia do seu recm-inaugurado teatro em Bayreuth (1876) para que a elite de amantes da msica lrica prestasse ateno ao que estava acontecendo no palco, especialmente construdo por ele para receber seus espetculos opersticos, propagandeado (por ele mesmo) at hoje como Obra de Arte Total (Gesamtkunstwerk). Seus escritos tericos, principalmente Opera e drama e Arte e revoluo, j apontavam uma preocupao em remodelar no s a mise-en-scne dos espetculos lricos, mas tambm toda a arquitetura cnica (palco, fosso de orquestra, plateia, acstica, urdimento, tecnologia de efeitos etc.) e, por sua vez, o comportamento do pblico, exigindo deste resistncia fsica (ciclos de pera com mais de quinze horas) e intelectual nunca experimentada antes do sculo XIX. O conceito de leitmotiv, outra de suas revolues, no se limitava identificao dos temas musicais dos personagens ou dos elementos principais dos seus dramas, mas abrangia tambm a cor e a luz que acompanhavam cada personagem, criando assim o primeiro leitmotiv de iluminao numa partitura de pera. Com isso possibilita-se a sofisticao dos efeitos de luz antes restritos s rubricas nos libretos como os raios e trovoadas to frequentemente indicados nas peras de Rossini e Mozart, por exemplo. Wagner no viveu para assistir evoluo de suas propostas alis chegou a renegar o peso do prprio conceito influenciado pelo pessimismo romntico do filsofo Schopenhauer sendo que suas produes opersticas eram dirigidas, regidas, compostas e concebidas no teatro construdo e

    idealizado por ele mesmo em Bayreuth, utilizando ainda recursos cnicos

    ultrapassados (segundo suas prprias teorias) como teles pintados, ribaltas

    de luz e outros efeitos identificados em montagens lricas barrocas que reduziram

    em parte, quando encenadas, a genialidade da sua maior criao:

    O anel do Nibelungo, tetralogia completa estreada em 1874 composta pelas

    peras O ouro do Reno, A valquria, Siegfried e Crepsculo dos deuses.

    No era s a luz eltrica que no havia sido inventada nesse perodo; o

    papel do encenador ainda no existia na pera (muito menos o de iluminador

    ou cengrafo): as montagens eram dirigidas pelos pintores de arte, responsveis pelos teles e s vezes tambm pelos figurinos dos espetculos,

    e era comum que compositores regessem e dirigissem suas prprias criaes.

    Visionrios Deve-se atribuir ao russo Vsevolod Meyerhold o status de primeiro encenador

    do teatro moderno. Ao contrrio dos seus contemporneos, ele no dirigia

    peas de teatro, dirigia espetculos. Assim como Wagner, que escrevia seus prprios libretos em busca de uma nova dramaturgia que representasse

    o povo alemo, Meyerhold o principal responsvel pela renovao da dramaturgia

    russa ao elevar a limites extremos o simbolismo teatral com autores

    como Ibsen, Maeterlinck e Aleksandr

  • Blok. Se o simbolismo lhe trouxe

    sucesso, reconhecimento do pblico

    e diferenciou definitivamente seu teatro

    do de seu ex-mestre Stanislavski,

    foi na vanguarda construtivista que

    Meyerhold pde se afirmar como um artista total; durante esse perodo, apaixonado

    pela msica erudita, exigia de seus atores conhecimentos musicais

    para aproximar a fala do canto lrico, desenvolveu um mtodo corporal conhecido

    como biomecnica, segundo o qual a partitura corporal dos atores era

    trabalhada em oposio partitura vocal, criando uma sinfonia corporal que era muito mais do que uma coreografia hermtica, sendo, na verdade,

    um primeiro passo para o desenvolvimento do ator tridimensional.

    Se o compositor alemo causou revolta e perplexidade ao apagar as luzes

    da sua plateia no incio das apresentaes de suas peras, o encenador russo

    causou estranheza e indignao em 1906 numa encenao de Espectros, de

    Ibsen, ao eliminar a cortina do palco e utilizar o proscnio do palco italiano

    como extenso de rea da encenao. Esse descortinar da cena foi um passo para, em montagens posteriores, revelar tambm toda a caixa cnica explorando

    toda a teatralidade de seus recursos de maquinaria e iluminao.

    Suas encenaes teatrais lhe deram segurana para arriscar seus conceitos

    em produes de pera. Em 1909, ao dirigir Tristo e Isolda, de

    Wagner, ignorou certas rubricas do compositor com a justificativa de que

    na Obra de Arte Total do futuro seria sempre preciso criar o novo como decorrncia desse pensamento redimensionou o papel do cantor no espao

    cnico, equilibrando a interpretao com o canto.

    A Europa acompanhava as inovaes meyerholdianas e estava atenta a

    elas, e dois pilares da renovao cnica do sculo XIX, Appia e Gordon

    Craig, deslocavam-se com frequncia a Moscou a fim de assistir a suas encenaes

    teatrais e opersticas. Esses encontros evoluam no processo criativo

    de cada um exatamente no ponto o outro, por falta de recursos ou apoio

    poltico, havia parado. No caso de Meyerhold, embora sempre contasse com

    uma companhia teatral para pr em prtica suas teorias, ele achava que, com

    a sua popularidade, estivesse imune s exigncias de uma poltica cultural

    imposta pelo regime totalitrio de Stalin. Embora chocante, sua morte por

    fuzilamento, em 1940, era o final bvio para os que resistiam na crena de

    que a arte e a vida podiam transformar o mundo.

    Vem da arquitetura a ltima evoluo dos conceitos wagnerianos; o suo

    Adolphe Appia (encenador, cengrafo e arquiteto) e o ingls Gordon Craig

    (encenador, ator, cengrafo e filho de arquiteto) conceberam cenografias mais

    slidas e imponentes inspiradas nas praas e na arquitetura dos prdios europeus,

    abrindo assim a ao para desnveis, planos, escadarias, janelas superiores,

    calabouos que surgem das quarteladas abertas do palco etc. Uma explorao

    de toda a teatralidade possvel da nudez j exposta por Meyerhold. Appia foi mais conhecido pelas encenaes das peras de Wagner, inclusive

    as que no conseguiu encenar, proibido pela mulher do compositor

    depois da sua morte por achar muito modernas suas propostas. Delas existem apenas esboos e detalhamento tcnico, inclusive sobre a utilizao

    da iluminao que para ele era o nico elemento que podia evocar determinadas

    atmosferas e ambientes de forma subjetiva substituindo os signos

    da pintura (teles de fundo) e criando a cenografia de si mesma atravs de

    sombras e fontes assimtricas.

    Craig radicalizou com imponentes cenrios arquitetnicos fixos e representava

    qualquer ao lrica ou dramtica num nico cenrio dando

    poder especial iluminao para mudar esse ambiente de acordo com o

    desenvolvimento das aes. Desrespeitava, assim, a noo geogrfica exigida

    nos textos e libretos valorizando o simbolismo das aes e a capacidade

    mgica do jogo de iluso da iluminao. Quando d importncia

    luz como mais um elemento dramatrgico em cena, Craig transforma

    seu cenrio de arquitetura slida num cenrio de arquitetura difana,

  • utilizando tules e telas transparentes s vezes pintados de forma abstrata e geomtrica em tramas distintas e em sobreposio no palco, criando camadas e volumes que so realados pela iluminao revelando e escondendo

    aes, objetos e pessoas em diversos planos no palco.

    O caminho j estava traado quando surge a ltima evoluo da Obra

    de Arte Total: o encenador, cengrafo e tambm arquiteto Josef Svoboda

    (1920-2002). At hoje copiado em encenaes de pera e teatro, esse artista

    nascido onde hoje a Repblica Tcheca foi a ltima evoluo das teorias

    wagnerianas. A sntese do seu trabalho a mais perfeita unio entre cenografia,

    iluminao, projees flmicas e atuao a servio das artes cnicas.

    Construiu narrativas apenas com recursos cenogrficos e efeitos de luz difceis

    de serem superados na sua beleza e simplicidade. Se Wagner em busca

    de uma nova sonoridade para a sua orquestra inventara novos instrumentos

    para as suas peras, Svoboda inventou tambm novos equipamentos de luz

    que at hoje so conhecidos pelo seu nome1.

    Embora a tecnologia cnica tenha evoludo muito nas ltimas dcadas,

    ns, artistas, ainda estamos criando sem evoluir em absolutamente nada se

    confrontados com esses revolucionrios do sculo XIX. Partimos de suas

    evolues e criaes, nos inspiramos em suas obras, mas ainda assim estamos

    presos num coup-de-thtre conservador, no que concerne a narrativa e

    tcnica. Exemplos recentes de encenaes do Ciclo do Anel wagneriano de

    artistas totais como Bob Wilson e Robert Lepage revelam muito pouco alm do deslumbre tecnolgico em que muitos encenadores, cengrafos,

    iluminadores e figurinistas ficaram presos.

    Mas nem tudo so trevas, um caminho para o futuro passa pelas experincias

    da companhia de teatro italiana Societas Raffaello Sanzio, dirigida

    por Romeo Castelluci (reverenciado como um ps-Artaud), e as encenaes e cenografias absolutamente inquietantes e geniais do artista russo

    George Tsypin.

    Resta nova gerao de artistas e tcnicos pensar as necessidades e crises

    de sua poca antes de criar seus prprios espetculos. Quem sabe por a

    teremos uma nova revoluo cnica sem reverenciar tanto o passado.

    H luz atrs da cortina! CAETANO VILEL A encenador e iluminador, diretor da Cia. de pera Seca 1. O refletor Svoboda foi uma evoluo dos antigos set-lights para iluminar cicloramas. O poder de controlar individualmente o conjunto de nove lmpadas, alm de sua baixa voltagem e de uma qualidade de emisso de luz mais difusa prxima das lmpadas fresnis o que faz

    dele at hoje um equipamento moderno e especial.