DOUGLAS DO LAGO WESTPHAL - PUCPR
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DOUGLAS DO LAGO WESTPHAL
DE DIREITO FUNDAMENTAL À MERCANTILIZAÇÃO DA SAÚDE:
DECISÕES REFERENTES À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ NO ANO DE 2010
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito Econômico e Socioambiental. Orientadora: Profª Dra Claudia Maria Barbosa
CURITIBA
2012
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DOUGLAS DO LAGO WESTPHAL
DE DIREITO FUNDAMENTAL À MERCANTILIZAÇÃO DA SAÚDE:
DECISÕES REFERENTES À ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ NO ANO DE 2010
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental.
COMISSÃO EXAMINADORA
Profª Drª Claudia Maria Barbosa Orientadora
Prof Dr Carlos Frederico Marés de Souza Filho Membro Interno
Prof Dr Guilherme Souza Cavalcanti de Albuquerque Membro Externo
Curitiba, 23 de março de 2012
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DADOS DA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central
Westphal, Douglas do Lago W53
7d De direito fundamental à mercantilização da saúde : decisões referentes à
2012 assistência farmacêutica no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no ano
de 2010 / Douglas do Lago Westphal ; orientadora: Claudia Maria Barbosa.
– 2012. 126 f. : il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012 Bibliografia: f. 117-124 1. Direito à saúde. 2. Direitos fundamentais. 3. Política farmacêutica. 4. Sistema Único de Saúde (Brasil). 5. Poder judiciário – Paraná. 6. Paraná. Tribunal de Justiça. I. Barbosa, Claudia Maria. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título Doris 4. ed. – 341.6731
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Aos meus pais pelo apoio nas horas difíceis.
Ao meu porto seguro e grande motivador: Gabriele, Mariana e Laura.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora professora doutora Claudia Maria Barbosa
por seu auxílio, compreensão e pela forma como sempre acolheu meus argumentos e os
devolveu de maneira a instigar a pesquisa e o debate.
Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná pela oportunidade de debater meus
argumentos, mudar concepções e expurgar alguns preconceitos arraigados, em especial
aos professores doutores Carlos Frederico Marés de Souza Filho, Danielle Ane
Pamplona, Emerson Gabardo, Helini Sivini Ferreira, Jussara Maria Leal de Meirelles e
Katya Kozicki. Também à Eva Curelo, secretária do Programa de Pós-Graduação em
Direito da PUC-PR pelo carinho e acolhimento.
Agradeço ao doutor Marco Antônio Teixeira coordenador do CAOP Saúde
Pública e sua equipe, tenho orgulho de ter tido a oportunidade de contribuir com o
trabalho em prol da saúde exercido por essa instituição.
Agradeço à doutora Margarete Solá Soares e à Celeste Aparecida Wrubleski
de Freitas pelo apoio no processo de pesquisa e pelas discussões sempre instigantes a
respeito da saúde no Estado do Paraná.
Agradeço aos colegas do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da
Universidade Federal do Paraná que certamente contribuíram não somente com a
dissertação mas também para minha formação pessoal
Agradeço também aos amigos Alexandre Gaio e Ana Paula Pina Gaio pela
amizade e pelo ombro amigo nos momentos em que o campo acadêmico foi talvez
“árido demais”.
Agradeço, por fim, a Deus que, ao invés de ser uma muleta metafísica, são
as pernas que me distanciam do niilismo e afirma a esperança no futuro.
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“A gente quando tem saúde tem tudo”
(Maria Conceição do Lago)
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RESUMO
Nas últimas décadas, a política de saúde (regulamentada pelo pode Legislativo e efetivada pelo poder Executivo) vem sofrendo influência do Poder Judiciário, fenômeno denominado de judicialização. No processo de judicialização da política o Poder Judiciário, ao fornecer a assistência farmacêutica para um requerente, reafirma para a sociedade os preceitos constitucionais referentes à saúde efetivando o direito apenas para o cidadão esclarecido que buscou o auxílio da justiça, enquanto a grande maioria que, cerceada pela ignorância ou limitada pelo tempo (pois morrem à espera da efetivação de seus direitos) sofrem os reflexos de uma política de saúde ineficiente e bastante aquém do que prevê a Carta Magna. O Poder Judiciário, desta forma, funciona como mecanismo de redução de tensão social e garante que o direito seja efetivado na exata medida para garantir o apaziguamento da sociedade, permitindo ajustes da política pública de saúde e desmobilizando movimentos sociais. Assim, ao conceder assistência farmacêutica pleiteada em juízo, o Judiciário acaba por negar ampla justiça a todos os cidadãos, sendo conivente com a constituição de uma sociedade de desiguais que é insustentável em sua própria concepção. A fim de verificar como se estrutura o fenômeno da judicialização da saúde no Estado do Paraná, mais especificamente da assistência farmacêutica (fonte dos maiores gastos nesta política pública), realizou-se pesquisa quali-quantitativa que utilizou decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) relacionadas a pedidos de assistência farmacêutica no âmbito da saúde pública no ano de 2010 (escolhido por apresentar maior probabilidade de refletir os efeitos da Audiência Pública – Saúde). Identificaram-se os principais argumentos nas referidas decisões por intermédio da aplicação do método de análise do Discurso do Sujeito Coletivo que permitiu, entre outros elementos, caracterizar o processo de trabalho no TJ-PR, classificar e evidenciar os principais argumentos das decisões, além de identificar os medicamentos mais requeridos e a fundamentação do voto que deferia ou indeferia seu fornecimento. Entre os casos analisados, ressalta-se a falta de critérios técnicos para avaliação de terapias sugerindo que o TJ-PR se beneficiaria caso constituísse câmara técnica composta por profissionais da saúde para avaliação dos requerimentos. Também se verifica, em grande número de decisões, que a saúde é concebida como um bem de consumo, passível de ser comprada e vendida, sujeita à lógica de mercado como os demais produtos, cabendo ao Sistema Único de Saúde (SUS) o atendimento aos cidadãos que comprovam hipossuficiência numa clara inversão do texto constitucional e dos princípios do SUS transformando o sistema de saúde pública em sistema suplementar ao setor privado.
Palavras-chave: Judicialização da saúde. Sistema Único de Saúde. Assistência farmacêutica. Poder judiciário. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
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ABSTRACT In recent decades, health policy (regulated by the Legislature and may take effect by the executive branch) has come under the influence of the judiciary, a phenomenon called judicialization. In the process of judicialization of politics, the judiciary, to provide pharmaceutical assistance for an applicant, to society reaffirms the constitutional provisions relating to health effecting the right only to the enlightened citizen who sought the aid of justice, while the great majority, constrained by ignorance or limited by time (for die waiting for the realization of their rights) suffer the consequences of a health policy inefficient and very short of providing the constitution. The judiciary, therefore, works as a mechanism to reduce social tension and ensures that the right to take effect in exact measure to ensure the appeasement of society, allowing adjustments of public health policy and demobilizing social movements. Thus, granting pharmaceutical assistance pled in court, the judiciary wide ends up denying justice to all citizens, conniving with the constitution of an unequal society that is unsustainable in its very conception. In order to determine how to structure the phenomenon of judicialization of health in the state of Paraná, more specifically of pharmaceutical care (source of the biggest public spending in this policy), there was research that used qualitative and quantitative decisions of the Court of the State of Paraná (TJ-PR) related to applications for pharmaceutical assistance in public health in the year 2010 (chosen because it provided more likely to reflect the effects of Public Hearing - Health). Identified the main arguments of those decisions through the application of the method of analysis of the collective subject discourse that allowed, among other things, characterize the process of working in TJ-PR, sort and highlight the main arguments of the decisions, and identify the most needed medicines and the reasons for voting or rejecting supply. Among the cases analyzed, it emphasizes the lack of technical criteria for evaluating therapies suggesting that the TJ-PR would benefit if constituted Technical Chamber composed of health professionals to assess requirements. Also there is a large number of decisions that health is conceived as a commodity, which can be bought and sold, subject to the logic of the market like other products, being the Unified Health System (SUS) to care citizens who demonstrate weakness clear reversal of the constitutional text and principles of SUS transforming the public health system in supplementary system to the private sector. Keywords: Health judicialization. National Health System pharmaceutical assistance. Judiciary. Court of the State of Paraná.
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SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS .............................................................................................................. 10 LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................... 11 LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................. 12 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 14 1. JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........................................................... 17 1.1 SOBRE A GÊNESE DO ESTADO CAPITALISTA E DO PODER JUDICIÁRIO: DA
SUPOSTA CRISE ENTRE OS PODERES ............................................................................ 17 1.2 A SAÚDE NO CONTEXTO CAPITALISTA: O CASO DO BRASIL ............................... 28 1.3 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE ......................................................................................... 36 1.4 A JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL ................... 40 1.5 SAÚDE E JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO ESTADO DO
PARANÁ ................................................................................................................................ 47 2. A ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
PARANÁ NO ANO DE 2010 ............................................................................................... 51 2.1 METODOLOGIA ................................................................................................................. 51 2.2 DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO ............................................................................... 53 2.3 RESULTADOS .................................................................................................................... 55 2.3.1 Idéias Centrais das decisões analisadas .............................................................................. 55 2.3.2 Discurso do Sujeito Coletivo nas decisões analisadas ....................................................... 56 2.3.3 Análise geral ...................................................................................................................... 60 2.3.4 Fundamentação das decisões e dos votos dos relatores ...................................................... 73 2.3.5 Análise dos pedidos indeferidos de assistência farmacêutica ............................................ 75 3. DISCUSSÃO .......................................................................................................................... 79 3.1 SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO PARANÁ NO ANO DE 2010 .......................................................................................... 79 3.2 SOBRE AS DECISÕES ANALISADAS ............................................................................. 85 3.3 SOBRE OS MEDICAMENTOS PLEITEADOS ................................................................ 101 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 115 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 118 ANEXO I ................................................................................................................................. 126 ANEXO II ................................................................................................................................ 126
10
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Idéias centrais nas decisões analisadas..........................................................56
Tabela 2 – Distribuição das decisões do TJ-PR referentes a assistência farmacêutica do
SUS de janeiro a dezembro de 2010................................................................................61
Tabela 3 – Peças processuais a que se referem as decisões do TJ-PR que tratam da
assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010...................................62
Tabela 4 – Réus nos processos analisados a que se referem as decisões do TJ-PR que
tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010..................63
Tabela 5 – Distribuição de decisões por magistrados no TJ-PR que tratam da assistência
farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010.....................................................64
Tabela 6 – Prevalência de idéias centrais nas decisões do TJ-PR que tratam da
assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010...................................66
Tabela 7 – Distribuição de doenças nos processos a que se referem as decisões do TJ-
PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010.....68
Tabela 8 – Distribuição por classe de medicamentos mais prevalentes nas decisões do
TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de
2010.................................................................................................................................70
Tabela 9 – Distribuição de medicamentos no grupo de anticorpos monoclonais
requeridos nos processos a que se referem as decisões do TJ-PR que tratam da
assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010...................................71
Tabela 10 – Distribuição de idéias centrais por magistrado nas decisões do TJ-PR que
tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de
2010.................................................................................................................................74
Tabela 11 – Prevalência de idéias centrais nas decisões do TJ-PR que indeferiram o
requerimento de assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010........76
Tabela 12 – Distribuição de decisões por magistrados do TJ-PR que indeferiram o
requerimento de assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010........77
Tabela 13 – Distribuição de idéias centrais por magistrado nas decisões do TJ-PR que
indeferiram o pedido de assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de
2010.................................................................................................................................78
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Distribuição por mês das sentenças analisadas..............................................61
Figura 2 – Peças processuais analisadas..........................................................................62
Figura 3 – Tipo de procurador nos processos..................................................................63
Figura 4 – Pólo passivo das ações nas decisões analisadas.............................................64
Figura5 – Distribuição do número de decisões por relatores..........................................65
Figura 6 – Decisões a respeita do fornecimento da assistência farmacêutica.................66
Figura 7 – Idéias centrais (números absolutos) na fundamentação das decisões............67
Figura 8 – Distribuição por grupo de patologia..............................................................69
Figura 9 – Distribuição por classe de medicamentos.....................................................70
Figura 10 – Distribuição de medicamentos na classe anticorpos monoclonais..............72
Figura 11 – Assistência farmacêutica mais requerida....................................................73
Figura 12 – Prevalência de idéias centrais por magistrado............................................75
Figura 13 – Prevalência das idéias centrais nos pedidos de AF indeferidas..................76
Figura 14 – Decisões e relatoria nos pedidos indeferidos de AF...................................77
Figura 15 – Prevalência de idéias centrais por magistrado nas AF indeferidas.............78
Figura 16 – Distribuição por especialidade médica das AF indeferidas........................79
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LISTA DE ABREVIATURAS
AF Assistência Farmacêutica
ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AMB Associação Médica Brasileira
ANMP Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência
Social
ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar
Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária
APAC Autorizações de Procedimentos de Alta
Complexidade/Alto Custo
ATC Anatomical Therapeutic Chemical Classification
ATS Avaliação Tecnológica em Saúde
BIRD Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento
Cacons Centros de Alta Complexidade em Oncologia
CAOP Saúde Pública Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção
à Saúde Pública
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CFB Constifuição da República Federativa do Brasil
CFM Conselho Federal de Medicina
CID-10 Classificação Estatística Internacional de Doenças e de
Problemas Relacionados à Saúde
CITEC Comissão para Incorporação de Tecnologias
CNS Conferência Nacional de Saúde
CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias
DEF Dicionário de Especialidades Farmacêuticas
DPOC Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
DSC Discurso do Sujeito Coletivo
EUA Estados Unidos da América
FDA Food and Drug Administration
FMI Fundo Monetário Internacional
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HAP Hipertensão Arterial Pulmonar
LOS Lei Orgânica da Saúde
MP-PR Ministério Público do Estado do Paraná
MS Ministério da Saúde
OHB Oxigenoterapia Hiperbárica
OMS Organização Mundial da Saúde
OSS Orçamento da Seguridade Social
PCDT Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
PDR Physician’s Desk Reference
PIB Produto Interno Bruto
PNAF Política Nacional de Assistência Farmacêutica
PNGTS Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde
Rename Relação Nacional de Medicamentos Essenciais
SESA Secretaria Estadual da Saúde (Estado do Paraná)
SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
TJ-PR Tribunal de Justiça do Estado do Paraná
UNACONs Unidades de Alta Complexidade em Oncologia
USP-DI Drug Information for the health care professional
WHO World Health Organization
14
INTRODUÇÃO
A ideologia vigente apresenta o Estado como uma instituição sem rosto pois
tem por intuito mascarar a sutil e efetiva violência estatal.
Quem admitiria que alguém (um indivíduo qualquer) entrasse em sua casa,
falasse o que deveria ser ensinado ao seu filho, repreendesse os familiares e, ao final,
ainda lhes tomasse parte do salário? O Estado, no entanto, pode fazê-lo livremente, e de
fato o faz através de aparelhos ideológicos que permitem a propagação da ideologia do
capital e promove a submissão das mentes moldando mentes submissas. Entre os
mecanismos de coerção e violência estatal, destaca-se o Direito e seu produto mais
palpável, a lei. Lei esta que ganha a aura legitimadora da “vontade de todos” por
intermédio da pretensa representação política. A lei determina quem trabalha, como
trabalha, onde trabalha, quem é (praticamente desde o nascimento) e quem nunca será
criminoso. O cidadão submete-se aos desmandos da lei (que de certa forma é emanação
de sua própria vontade, afinal Josef K. vota) ainda que isto resulte em sua própria
morte.
Entre os elementos legitimadores do Estado está a teoria da separação dos
Poderes, como mecanismo capaz de garantir a descentralização do poder e equilíbrio
entre os representantes destes poderes. Contudo, a teoria da separação dos poderes é
justamente, apenas uma teoria: a organização dos poderes no Estado moderno não
evidencia limites claros entre estes e não há elementos que permitam afirmar que, de
fato, existam tais delimitações.
A teórica separação entre os poderes deve-se a processos distintos de
legitimação do poder (entendido como determinação e obediência) e da violência
(concebida como o dano, de qualquer espécie, atribuída propositadamente a pessoa ou
grupo de pessoas) do Estado, cuja finalidade encontra-se na manutenção do status quo e
das condições essenciais ao modo de produção capitalista.
No processo de legitimação do poder as classes subordinadas demandam
certas ações estatais e, em processo dialético, o Estado faz certas concessões. Entre tais
concessões encontra-se a previsão constitucional de direitos e, entre eles, o direito à
saúde.
15
Nas últimas décadas, a política de saúde (regulamentada pelo Poder
Legislativo e efetivada pelo Poder Executivo) vem sofrendo influência do Poder
Judiciário, fenômeno denominado de judicialização. O fenômeno, no entanto, não
representa “avanço” da emancipação da classe trabalhadora mas um instrumento de
adequação do Estado às demandas sociais, possibilitando a desarticulação de
movimentos sociais (estes sim capazes de demandar alterações profundas no sistema) e
a estabilização e manutenção das condições essenciais para o modo de produção
capitalista.
O Poder Judiciário, apresenta-se como instrumento responsável por compor
as tensões sociais decorrentes da contradição entre as classes dominante e dominada,
fato que se evidencia no exemplo da saúde (mais especificamente na assistência
farmacêutica que é parte da política pública de saúde), constitucionalmente prevista
como direito e tratada como mercadoria por gestores da saúde do setor público e
complementar (privado). O estudo utiliza o método indutivo, partindo do estudo
sistemático a través da análise do Discurso do Sujeito Coletivo construído com base nas
decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) relacionadas ao
fornecimento (ou negativa) de assistência farmacêutica no âmbito da saúde pública no
ano de 2010 (escolhido por apresentar maior probabilidade de refletir os efeitos da
Audiência Pública – Saúde). A metodologia permite apresentar, de forma palpável
como a saúde, prevista como direito, via-de-regra é tratada como mais um bem de
consumo.
No primeiro capítulo descreve-se a gênese do Estado capitalista como
instrumento de repressão de uma classe, buscando evidenciara a relação íntima e
orgânica entre os poderes, supostamente separados mas que, na realidade, manifestam-
se de formas distintas para legitimar o poder estatal, revezando-se no protagonismo
político de acordo com as impressões da sociedade a respeito do poder que seria mais
“legítimo”. Como na atualidade o Poder Judiciário gozaria de melhor reputação entre os
cidadãos, reserva-se a este poder maior papel político inclusive sobre a política pública
de saúde, em especial na assistência farmacêutica, destacando-se como exemplo recente
a Audiência Pública – Saúde ocorrida no Supremo Tribunal Federal em 2009.
No segundo capítulo aborda-se as repercussões da judicialização no Estado
do Paraná, justificando o estudo mais aprofundado por intermédio de pesquisa de
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campo a respeito do comportamento do Tribunal de Justiça paranaense com relação ao
tema. Identificou-se os principais argumentos nas decisões analisadas por intermédio da
aplicação do método de análise do Discurso do Sujeito Coletivo que, por sua vez,
permitiu identificar 9 (nove) Discursos do Sujeito Coletivo (elencados no referido
capítulo) e permitiu a análise quali-quantitativa do estudo.
Na sequência, discute-se os resultados obtidos que identificaram os
principais argumentos nas referidas decisões que permitiu, entre outros elementos,
caracterizar o processo de trabalho no TJ-PR, classificar e evidenciar os principais
argumentos das decisões, além de identificar os medicamentos mais requeridos e a
fundamentação do voto que deferia ou indeferia seu fornecimento.
Conclui-se que as decisões divergentes entre os magistrados evidenciam,
logicamente, divergência de concepções a respeito do Direito à Saúde e do próprio o
Sistema Único de Saúde (SUS). A reserva do possível ou eventual prejuízo ao
orçamento da saúde não configuram parâmetros claros para o julgamento e desconsidera
a condição real da política pública, refletindo racionalidade formal que permite a
restrição do Direito constitucional à saúde.
A alta incidência de decisões favoráveis ao fornecimento de assistência
farmacêutica pode indicar falha na estruturação do programa de assistência
farmacêutica no SUS, obrigando os usuários a demandarem o Estado (lato sensu) na
Justiça. O Poder Judiciário, nesse caso, atuaria como instrumento para o alívio das
tensões sociais decorrentes da falta de assistência farmacêutica, efetivando o direito à
saúde e à assistência farmacêutica na exata medida em que é requerida por parte da
população, possibilitando que o Poder Executivo continue a oferecer uma política
pública que está longe de ser universal e integral.
Pela abrangência do Direito tratado, não é razoável que as decisões
prescindam também de fundamentação técnica acurada. As decisões analisadas indicam
que o Tribunal de Justiça se beneficiaria de constituição de câmara técnica composta
por profissionais da saúde para avaliação dos requerimentos. Tal proposta não sugere
que as decisões deveriam ser puramente baseadas no conhecimento médico, mas de que
o conhecimento técnico poderia embasar melhor as decisões.
17
1. JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
1.1 SOBRE A GÊNESE DO ESTADO CAPITALISTA E DO PODER
JUDICIÁRIO: DA SUPOSTA CRISE ENTRE OS PODERES
A lei vem sendo utilizada, há séculos, como instrumento de dominação e
controle, possibilitando a dominação de um pequeno grupo sobre a grande maioria. O
pressuposto de que a lei é “justa” e “boa” torna o ser humano facilmente manipulável
pelas mãos que escrevem, interpretam e executam a lei. Diante da lei, nada mais resta
ao homem além da violência1. A violência individual de requerer a satisfação de sua
pretensão em primeiro lugar deve ser sopesada com a violência institucional de efetivar
direitos apenas àqueles com recursos para requerer tal atividade do Poder estatal. A
violência de fechar as portas ao restante de desassistidos que mínguam à porta do
judiciário. Os meandros do poder são sempre violentos2.
A violência, no entanto, ganha novos contornos no modo de produção
capitalista. O capitalismo configura-se como um sistema de mercantilização universal e
de exploração da mais-valia. O sistema demanda a garantia da propriedade dos meios de
produção e, assim, há necessidade de um aparato coercitivo que resguarde, antes de
tudo, a propriedade. Sob a égide dessa demanda precípua, molda-se o Estado capitalista.
O Estado, portanto, pode ser conceituado conforme Althusser:
O Estado é uma máquina de repressão que permite às classes dominantes (no século XIX à classe burguesa e à “classe” dos grandes latifundiários) assegurar a sua dominação sobre a classe operária, para submetê-la ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer, à exploração capitalista)3.
1 Conforme conceitua Michaud: “[...] há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, acusando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais”( MICHAUD, Y. A violência. São Paulo: Ática, 1989.p10). 2 A violência é requisito para se ver concretizada a previsão de Direitos, ou seja, se exige do titular do Direito uma ação positiva e não se justifica qualquer forma de passividade (vide o brocardo: “O Direito não socorre os que dormem”). A esse respeito, destaca-se o fragmento da parábola apresentado pelo clérigo ao Sr. K. no capítulo intitulado “Diante da lei’ da obra “O processo” (KAFKA, Franz. O processo. São Paulo: Círculo do livro, 1983. p.215-217) , na qual o camponês aguarda pacificamente para ser admitido pela lei e acaba morrendo de velhice, sugerindo que a passividade e obediência não são requisitos para “ser admitido pela lei”. 3ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado.Rio de Janeiro: Graal, 1985. p.62.
18
O Estado é uma dimensão essencial do sistema capitalista pois encontra-se
envolvido com todas as contradições fundamentais do capitalismo: configura o poder
organizado de uma classe e uma superestrutura do sistema. Depreende-se dessa
premissa que o Estado e a sociedade não são politicamente distintos e, portanto, não é
público nem privado visto ser a própria condição para propriedade4.
Dentre as condições para a formação do Estado destaca-se o Direito como
elemento repressor e de legitimação do poder estatal. No Estado capitalista,
logicamente, o Direito está estruturado para garantir as condições essenciais para o
modo de produção capitalista, ou seja, preocupa-se primeiramente com a garantia do
direito de propriedade.
O poder estatal exercido através de aparelhos de Estado atuam, tanto por
preponderância da violência quanto com a preponderância da ideologia. Reunindo as
funções de aparelho repressor e ideológico de Estado5 encontra-se o Poder Judiciário
uma vez que o poder jurisdicional realiza o controle repressor e o controle o ideológico.
O sistema legal fruto da centralização, opressão e legitimação de uma
sociedade desigual e hierarquizada6 não é fenômeno recente, nem tampouco uma
manifestação exclusiva do Estado.
O Direito não é elemento exclusivo do Estado e sofreu diversas mudanças
no decorrer da história e sempre se adequou ao modo de produção. O Direito Romano,
por exemplo, sofreu profundas mudanças conforme a organização da sociedade romana,
sendo marcante a forma como se apresentava no período do realeza, da república e do
império.
4Ibid., p.69. 5A respeito dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE), Althusser afirma que o sistema capitalista necessita além das condições materiais (salário), proporcionar a disseminação da ideologia da classe dominante para todas as classes a fim de garantir a reprodução dos meios de produção, da força de trabalho e das próprias relações de produção. A disseminação da ideologia capitalista seria realizada pelos AIE. Os AIE não se confundem com o aparelho repressivo do Estado e utilizam a ideologia para determinar a conduta de indivíduos. Designa um certo número de realidades que “apresentam-se ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas” e propõe como aparelhos ideológicos do Estado: AIE religiosos, AIE escolar, AIE familiar, AIE jurídico, AIE sindical, AIE político, AIE de informação e AIE cultural. Afirma, que o AIE escolar seria o AIE dominante pois “(...) se encarrega das crianças de todas as classes desde o Maternal, e desde o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles em que ao criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de Estado familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (o francês, o cálculo, a história natural, as ciências, a literatura), ou simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral, educação cívica, filosofia) Ibid, p.79. 6 GARCIA, J.A.A. Temas de historia del derecho: derecho primitivo y romanización jurídica. Sevilla, 1977, p. 97. Apud: SURGIK, Aloísio. Gens gothorum: as raízes bárbaras do legalismo dogmático. Curitiba: Edições livro é cultura, 2003, p. 52.
19
No período da realeza, os romanos tinham uma forma de organização
aparentemente liberal (os reis eram eleitos, mas o cargo era vitalício).
Durante o período romano clássico (República), o direito prima pela clareza
e simplicidade. Os institutos jurídicos são construídos como formas isoladas evitando o
hibridismo e as abstrações7. O deslocamento da fonte do direito para a lei, acompanha a
transição do poder da república (exercido como resultante das tensões entre a
aristocracia e o povo) para o império (onde a aristocracia é substituída pelo imperador).
A própria expansão e necessidade de gestão dos domínios romanos e a
consolidação do controle sobre os povos conquistados faz com que se desenvolvam
instrumentos mais sutis de dominação. O uso do poder militar não é suficiente para
garantir a gestão dos povos e, caso fosse o único instrumento de controle demandaria a
manutenção de um exército de grandes proporções para cada região conquistada. A
“romanização”, ou seja, processo de aculturação dos povos dominados é o principal
elemento de controle e o principal instrumento de “romanização” é, sem dúvida, o
direito romano cujas leis romanas e sistema jurídico funcionavam como elemento
promotor da “pax romana” e requeria a manutenção de pequenas tropas nas áreas já
dominadas possibilitando a concentração de tropas em regiões a serem “conquistadas”.
Evidente que o Direito romano é percebido de forma distinta entre os
dominados (como evidente manifestação da vontade de Roma e, dessa forma, como um
instrumento de opressão) e os dominantes, para quem o Direito era expressão de
liberdade e justiça (ou seja, a lei em si seria legitimada caso seu produto final resulte em
decisões justas).
Na perspectiva do dominado, a lei é expressão da vontade dos dominantes,
não é uma construção social e tem sua legitimidade na força e na violência dos
conquistadores. A lei, sob tal perspectiva, passa a se justificar por si mesma.
Assim, o relacionamento com povos dominados determinou profundas
alterações nas sociedades denominadas, bárbaras em especial dos godos (povos que
posteriormente tomaram o poder dentro do Império romano). A vivência no Império
romano, em um contexto em que a lei vigorava como instrumento do poder imperial
influenciou, segundo inspiração romana, na alteração do perfil do rei visigodo,
originalmente um guia da comunidade, para a fonte “criadora do direito através do
7 SURGIK, Aloísio, op.cit., p. 11.
20
instrumento legal, tratamento ao mesmo tempo de eliminar qualquer fonte de caráter
popular”8.
Principalmente a partir das interações com os povos visigóticos, as leis
passaram a ser centralizadas.
Com a deteriorização da jurisprudência, cujo desenvolvimento sofreu todas as restrições provenientes do ambiente que lhe era adverso, só restou nesta época a via legal. Porém, não se trata já de leis nascidas do povo, nos comícios, nem do senado ou dos magistrados, mas de leis emanadas do governante.9
Posteriormente, com a proliferação da fé cristã nos reinos visigodos, o trono
passou a ser legitimado pela vontade divina e a vontade do monarca, expresso através
das leis, a materialização da vontade do próprio Deus. O legitimador do poder passou a
ser a fé, contudo, a lei permaneceu como emanação do poder, independente dos
resultados que produzisse.
Como representante de Deus, a quem se esforçava em agradar, o monarca visigodo tinha como dever supremo a direção da sociedade cristã colocada a seu cargo para conseguir o fim traçado por Deus. Os métodos e fins particulares de seu governo estavam totalmente condicionados por esta razão teológica. O instrumento essencial com que contava para tal tarefa era a lei, forma de expressão de todas as decisões de ordem prática de que o governo se valia para regular a sociedade.10
Não sendo possível distinguir a divindade, o monarca e o direito, pode-se
afirmar que “o direito assumia um caráter inegavelmente dogmático, em forma de lei,
instituindo-se assim, em face da proliferação legal, o que é possível chamar de
legalismo dogmático”.11
O legalismo se transmutou, no mundo ocidental, do legalismo dogmático-
religioso para legalismo-estatal12 por intermédio do racionalismo jurídico. Visto que a
lei tornou-se a forma de exercício de poder, não é de se estranhar a proliferação legal
observada na atualidade.
Os elementos essenciais ao constitucionalismo moderno (limitação de poder
do Estado e declaração de direitos fundamentais) são encontrados na Magna Carta de
8 Ibid., p. 80. 9 Ibid, p. 52. 10 Ibid, p. 77. 11 Idem. 12 O Estado é conceito histórico que surge com a idéia e prática da soberania, principalmente a partir do século XVI. (Ibid., p. 19)
21
1215, no Reino Unido. Contudo, são a constituição estadunidense (1787) e as
constituições francesas do período revolucionário (1791, 1793, 1795, 1799 e 1804) que
marcam o início do constitucionalismo moderno e, não por acaso, do Estado liberal13.
O constitucionalismo moderno foi a forma encontrada para estruturar o
Estado liberal e o modelo econômico liberal, vez que é o instrumento legitimador da
liberdade individual às custas da omissão do Estado e da garantia da propriedade
privada.
No período das revoluções burguesas a criação dos Estados nacionais é
responsável pela despersonalização do poder: o soberano é substituído pelo Estado, a
entidade que incorpora a “vontade popular”, ou “encarna” o poder em si.
A partir do início do século XVIII o Poder Judiciário passou a se consolidar
como poder de Estado e tinha como função limitar o poder do soberano, resguardando
os direitos dos cidadãos perante o Estado e assegurando as liberdades individuais14.
Esse movimento foi possível, como já exposto, pois o poder soberano passou a ser
legitimado pela lei (expressão da racionalidade do poder), ou seja, o Direito deixa de ser
apenas um instrumento de repressão e passa a ter também a função de legitimar o poder
da classe dominante.
El Estado liberal de derecho tenia necesariamente uma connotación sustantiva, relativa a las funciones y fines del estado. En esta nueva forma de Estado característica del siglo XIX lo que destacaba en primer plano era “la protección y promoción del desarrollo de todas las fuerzas naturales de la población, como objetivo de la vida de los indivíduos y de la sociedad”. La socidedad, com sus propias exisgencias, y no la autoridad del Estado, comenzaba a ser el punto central para la comprensión del Estado de derecho. Y la ley, de ser expresión de la voluntad del Estado capaz de imponerse incondicionalmente en nombre de intereses transcendentes propios, empezaba a concebirse como instrumento de garantia de los derechos.15
A tripartição do poder16 resulta em uma despersonalização do poder que tem
por finalidade perpetuar o controle da classe uma vez que não há um tirano a ser
derrubado, há apenas expressões da vontade democrática.
13MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional. Tomo I. Belo Horizonte: Fundamentos, 2004, 2º ed. 14 BARBOSA, Cláudia Maria. O processo de legitimação do Poder Judiciário brasileiro. Disponível em: < http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/Claudia%20Maria%20Barbosa.pdf> Acesso em: 20 de nov. 2011. 15 ZAGREBELSKI, Gustavo. El derecho dúctil. Madrid, Editorial Trotta, 2006. p.23. 16 Cabe ressaltar, entretanto que mesmo a separação de poderes sempre foi uma tarefa realizada facilmente na teoria mas dificilmente verificada na prática. Todos os poderes legislam, todos julgam,
22
Ao tomar o poder e ao iniciar o processo de apropriação do aparelho estatal
a burguesia idealizava um poder judiciário que resguardasse o direito mais importante
para a classe que chegava ao poder: a liberdade (mais apropriadamente, a liberdade de
propriedade). Nesse, sentido, defende Carlos Frederico Marés de Souza Filho:
O direito se construiu sobre a idéia da propriedade privada capaz de ser patrimoniada, isto é, de ser um bem, uma coisa que pudesse ser usada, fruída, gozada. Portanto, esta propriedade é material, concreta. Isto significa que o direito individual é, ele também, físico e concreto17.
A função judicial, portanto, não é estática e se altera conforme as
necessidades sociopolíticas e se correlaciona e modula com os demais poderes. Desta
forma, o judiciário deixa de ter uma atuação meramente burocrática e consolida-se
como emanação do poder do Estado. Entretanto, como historicamente os tribunais eram
compostos por representantes do soberano, faz-se necessário limitar o poder judiciário
através do princípio da legalidade. Há períodos de expressões distintas da função
judicial nas sociedades capitalistas contemporâneas conforme as relações sociopolíticas,
refletindo na construção do modelo judicial moderno18.
No momento seguinte à tomada do poder pela classe burguesa, fez-se
necessário garantir que os antigos representantes do judiciário não subvertessem a nova
ordem. Dessa forma, era necessário que o poder político fosse concentrada no Poder
Legislativo, relegando ao judiciário a função de exegese jurídica através do princípio da
legalidade.
todos executam , como afirma Ville: “La doctrina pura de la separación de poderes implicaba que las funciones del Estado se dividieran de manera exclusiva entre las ramas del Estado, de manera que ningunatuviera nunca por qué ezercer la función de outra. Em la práctica, jamás se há conseguido llegar a esta división de funciones; de hecho, ni siquiera sería deseable que se lograra, pues implicaria um grado de disunción intolerable em la acción estatal “ (VILLE, M.J.C. Constitucionalismo y separación de poderes. Centro de estúdios políticos y constitucionales. Madrid, 2007. p.354.). 17 SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. O renascer dos povos indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá, 2009. p. 166. 18 SANTOS, Boaventura de Souza; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n.30, 1996. Disponível em: < http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_07.htm> Acesso em:18 de fev. 2011.
23
El Estado liberal de derecho era un Estado legislativo que se afirmaba a sí mismo a través del príncípio de la legalidad. El principio de legalidad, em general, expresa la Idea de la ley como acto normativo supreme e irresistible al que, em línea de principio, no es oponible ningún derecho más fuerte, cualquiera que sea su forma y fundamento: Ni el poder de excepción del Rey y de su administración, em nombre de um a superior “razón de Estado”, ni la inaplicación por parte de los jueces o la resistência de los particulares, em nombre de um derecho más alto (el derecho natural o el derecho tradicional) o de derechos especiales (los privilégios locales o sociales). 19
Assentado o poder burguês, iniciam-se os movimentos contra-hegemônicos
demandando melhores condições para o proletariado, resultando em direitos sociais que
passam a ser reconhecidos. A segunda metade do século XIX é marcada pelos grandes
movimentos sociais que evidencia a insatisfação com o sistema instituído e a
organização do proletariado em torno de lutas que visavam principalmente a redução da
jornada de trabalho e o combate contra a redução de salários. A fim de manter o status
quo, faz-se necessário realizar concessões à classe operária o que demanda do Estado
uma nova postura: não é possível assegurar apenas o direito de propriedade, há
necessidade de contraprestações ao proletariado insatisfeito. Em resposta a esta
demanda o Estado amolda-se, há uma reconfiguração dos poderes e do próprio
entendimento do “dever” do Estado, há um profusão legislativa para a modificação da
realidade social e o Estado passa a ser devedor de certas prestações (não sem antes
enfrentar a atuação reacionária de grupos políticos). Processo esse que na realidade se
expressa como uma “guerra de posições” segundo Gramsci20, na qual há planejamento,
organização e construção de consenso nos conflitos de idéias. A resultante dessa
contradição reflete-se na legislação onde se passa a prever certos direitos mas estes são
efetivados dentro dos limites do capital. Essa tensão social associada à necessidade de
expansão do capitalismo internacional (que ocorre de maneira desorganizada ao final do
século XIX) resulta no grande conflito da guerra mundial do século XX, geralmente
dividida como primeira e a segunda guerra mundiais com um entreato na guerra civil
espanhola21. Tais conflitos evidenciam duas expressões do capitalismo: o capitalismo
liberal e o capitalismo de Estado22.
19 ZAGREBELSKI, Gustavo, op.cit., p.24. 20GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere. v.4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 21 O grande conflito do ocidente teve como causa o expansionismo e a busca pela hegemonia de países da Europa, Estados Unidos e Japão em busca de mercados. 22 Jacques Ellul demonstra como a hipótese marxista de passagem do estágio de comuna primitiva ao estágio socialista tendo por etapa intermediária apenas o modo produção asiático é equivocado. Após
24
A derrota primeiramente da Alemanha na II Guerra Mundial e
posteriormente da extinta URSS marcaram o recrudescimento do capitalismo de Estado.
Importantes passos para a estruturação da hegemonia do Estado Liberal são
dados logo após a Segunda Guerra Mundial com o tribunal de exceção23 de Nuremberg,
onde se lança as bases do que mais tarde será denominado de “Direitos Humanos” e dos
núcleos de direitos fundamentais que orientarão o processo constitucional em todo o
mundo ocidental. Na realidade, trata-se de um marco dos valores necessários para a
estruturação de um mercado mundial para os Estados liberais.
Assim, o processo de elaboração e consolidação dos ditos “Direitos
Humanos” tem pouco a ver com os horrores da guerra e estão mais relacionados com a
construção de um espaço internacional que minimize a possibilidade de conflito entre os
grandes Estados liberais (na realidade os grandes baluartes do capital) ao mesmo tempo
em que fornece subsídios capazes de legitimar a intervenção em países “emergentes” ou
“subdesenvolvidos”.
Contudo, o capitalismo de Estado ainda não estava derrotado e a
reconstrução da Europa servia como uma vitrine para realizar a propaganda do
capitalismo liberal. Com base nos novos parâmetros e regras de mercado (pautados nos
recém criados Direitos Humanos) começa a se erigir o Estado de bem-estar social
(welfare state). Surge, desta forma, o Estado-Providência normatizado com muitas
promessas de direitos, mas a princípio sem elementos institucionais que permitissem
efetivá-los.
A legislação do “capitalismo organizado”, entre outras características singulares, surge como vocação, por força das contingência específicas que lhe vinham da dimensão econômica, de regular o futuro a partir do tempo presente, contrariando ao cânon classicamente liberal, orientado, em nome do princípio da certeza jurídica, pelo tempo passado.24
gerar o Estado absoluto não é possível mais desmantelá-lo, e o Estado total e integrador não é nada além de um Estado capitalista coletivo. Desta forma o que se convencionou chamar de “comunismo” se tornaria, de fato, um “capitalismo de estado”. (ELLUL, JACQUES. Mudar de revolução: o inelutável proletariado. Rio de Janeiro: Rocco, 1985) 23Os tribunais de exceção são assim denominados pois foram constituídos em caráter excepcional e impostos pelos vencedores aos vencidos apurando “crimes” cometidos pelos vencidos. Eventos que envolveram os aliados como o bombardeio de Dresden (alvo militar questionável ou, no mínimo, controverso que sofreu intenso bombardeio com dispositivos incendiários) ou o massacre de Katyn (em 1990 o governo russo divulgou documentos que evidenciavam que Stálin ordenou o extermínio de oficiais poloneses após a invasão da Polônia – em operação conjunta entre Alemanha e URSS - em 1939) por exemplo, não foram apurados. 24VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins. Dezessete anos de judicialização da política. Revista Tempo Social, São Paulo, v.19, n.2, nov.2007. p.40.
25
As normas que prevêm direitos fundamentais não ganham contornos muito
bem definidas pois são o fruto da composição entre grupos divergentes, havendo
necessidade de haver certa indefinição para garantir que o Direito seja normatizado. A
saúde, por exemplo pode ser prevista como “direito de todos e dever do estado” mas o
conceito de saúde permanece uma incógnita. De acordo com cada concepção de saúde
desdobra-se uma expectativa distinta de política de saúde gerando demandas a esse
respeito por intermédio também do Poder Judiciário. Assim, há um aumento da
litigiosidade, visto a “vagueza e a imprevisão das normas de sentido promocional
prospectivo25” e exigindo do Poder Judiciário uma atuação mais efetiva o que resultava
em interferência sobre a atuação do poder Executivo26.
O Estado de bem-estar social promove a redução da tensão política dentro
dos Estados capitalista liberais ao mesmo tempo em que serve de vitrine e faz frente ao
capitalismo de Estado. O Estado de bem-estar é marcado pela promoção de políticas
públicas que promovem os direitos sociais e coletivos (sempre dentro dos limites do
capital).
Cabe ressaltar que desde os tribunais de exceção do pós-guerra o poder
judiciário vem ganhando força política e aumentando suas atribuições. Como as novas
constituições prevêem direitos voltados ao futuro, criam-se espaços legislativos a serem
preenchidos. Acossados pela demanda sociais e pela falta de ação dos demais Poderes,
resta ao Poder Judiciário a função de “garantir Direitos” e, ao mesmo tempo, manter a
viabilidade do Estado capitalista.
A previsão de direitos sociais funciona como um mecanismo de alívio de
tensão social já que, ao mesmo tempo em que passa a idéia de que os Direitos
garantidos são passíveis de serem efetivados (na prática há efetivação para uma pequena
25 SANTOS, Boaventura de Souza; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n.30, 1996. Disponível em: < http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_07.htm>. Acesso em:18 de fev. 2011. 26 A vagueza e imprevisão das normas se dão não porque há uma nova lógica (ideologia) do Direito. Trata-se de uma resposta aos movimentos sociais que demandam alterações profundas do Estado capitalista e exigem ações positivas do Estado. A resposta a esses movimentos são as normas vagas ou em branco, pois “garantem” os direitos requeridos. Outro efeito da previsão dos direitos demandados pelos movimentos sociais é que a legalização desses direitos promovem a redução da tensão política e desarticulem os movimentos sociais organizados para “garantir direitos” não tenham mais razão para existir.
26
parcela da população) desmobiliza os movimentos sociais e os deslegitima (afinal, os
direitos seriam garantidos e efetivados).
O colapso da URSS ao final do século XX, marca a queda do capitalismo de
Estado e o fim da ameaça ao sistema do capitalismo liberal. O sepultamento de um
modelo que propagandeava ser voltado primeiramente para o bem-estar do cidadão
abriu espaço para uma nova expressão do Estado capitalista liberal, com redução da
atuação e intervenção estatal, além da expansão para novos nichos econômicos (aqueles
preenchidos pelas políticas públicos do Estado de bem-estar social, tais como a
educação, a saúde e, mais recentemente, a segurança).
A expansão global do liberalismo (globalização neoliberal) foi
proporcionada não somente pela propaganda, mas por políticas efetivas de grupos
econômicos e entidades financeiras como o Banco Mundial (braço financeiro do
FMI)27,28 que vincula o apoio econômico com a adoção, em última análise, de
princípios e valores que refletem-se em uma legislação alinhada ao interesse neoliberal
sob os preceitos dos Direitos Humanos e do constitucionalismo ocidental com seus
direitos fundamentais.
Nesse contexto , em que o direito e o Poder Judiciário já tinham ampliado sua presença na sociedade e na política, é que vai instalar-se, ao longo dos anos de 1970, a crise do Welfare State, cuja resposta radical se manifestou na emergência do neoliberalismo e suas intervenções no sentido de desregulamentar o mercado e recriar a economia como dimensão autônoma. As reformas neoliberais afrouxam, quando não retiram de cena, as escoras que asseguravam direitos a amplos setores sociais, ao mesmo tempo em que
27 As mudanças sugeridas pelo documento técnico nº 319 /96 intitulado “O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe – elementos para reforma) produzido pelos Estados Unidos e publicado pelo Banco Mundial, por exemplo, reflete uma imposição aos magistrados e à classe político-administrativa que passem de “construtores da ordem” em “garantidores da certeza jurídica” (MELO FILHO, Hugo Cavalcanti. A reforma do poder judiciário brasileiro: motivações, quadro atual e perspectivas. Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 79-86, abr./jun. 2003). 28 A análise do documento técnico nº 319/96 deixa claro que tanto a fundamentação quanto a finalidade das alterações “necessárias” do poder judiciário são econômicas e voltadas a possibilitar um maior volume de trocas comerciais internacionais: A economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz para governos e setor privado visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os mercados se tornam mais abertos e abrangentes e as transações mais complexas as instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância. Sem estas instituições, o desenvolvimento no setor privado e a modernização do setor público não será completo. Similarmente, estas instituições contribuem com a eficiência econômica e promovem o crescimento, que por sua vez diminui a pobreza. A reforma do judiciário deve ser abrangida quando da elaboração de qualquer reforma legal, posto que sem um judiciário funcional, as leis não podem ser garantidas de forma eficaz. Como resultado, uma reforma do judiciário racional pode ter um tremendo impacto no sucesso da modernização do estado dando uma importante contribuição para um processo de desenvolvimento mais amplo.” (DAKOLIAS, Maria. Documento técnico número 319: O setor judiciário na América Latina e Caribe – elementos para reforma. Washington D.C: BIRD/Banco Mundial, 1996. p.16).
27
provocam, inclusive pela reestruturação do sistema produtivo, o retraimento da vida sindical e da vida associativa em geral. Ao mundo da utopia do capitalismo organizado e do que deveria ser da harmonia entre as classes sociais, induzida pela política e pelo direito, sucede uma sociedade fragmentada entregue às oscilações do mercado, onde o cimento das ideologias e da religião, mesmo dos laços da família tradicional, perde força coesiva. Sem Estado, sem fé, sem partidos e sindicatos, suas expectativas de direitos deslizam para o interior do Poder Judiciário, o muro das lamentações do mundo moderno, na forte frase de A. Garapon.29
Essa conformação, portanto, permite que a judicialização, ou seja, a
expansão do Poder Judiciário sobre os demais Poderes tome proporções globais.
O fenômeno da judicialização é bastante interessante ao capital.
Primeiramente a uniformidade jurídica30 proporciona “segurança jurídica” aos negócios
e permite uma maior previsibilidade do mercado. Por outro lado também elitiza
conflitos, uma vez que a demanda jurídica requer tempo e, principalmente, dinheiro31
existindo importantes críticas a respeito da legitimidade do Poder Judiciário para
interferir em políticas públicas (já que o executivo conta com a legitimidade do voto
para a representação).
Assim, o aumento do campo de atuação do Poder Judiciário protege os
interesses do capital, já que não expõe o mercado a mudanças abruptas32 decorrentes de
processos eleitorais. Desta forma, o fenômeno da judicialização da política não pode
ser interpretada como uma “crise”, no sentido de ser uma situação que de fato ameace
as estruturas do poder, mas tão somente de um situação de contradição, condição
intrínseca ao sistema capitalista. Há, no máximo, uma alternância no protagonismo
político dos Poderes conforme a necessidade conjuntural.
29VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins, op.cit., p.40. 30Ao contrário do sistema político, bastante volátil dependente de alianças e influências externas, o Poder Judiciário estrutura como um sistema que deve ser lógico e coerente, portanto, mais previsível que a “arena política”. 31 Bom exemplo disso encontra-se no Direito Civil e sua preferência por provas documentais e periciais, modelo que claramente exclui classes mais desassistidas, uma vez que os procedimentos para conferir validade a documentos e os honorários periciais significam gastos. 32O perfil do magistrado no Brasil publicado em 1997, demonstrava que os juízes, em sua maioria, apresentavam valores conservadores (VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende et al. Corpo e alma da magistratura brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro, Revan, 1997.
28
1.2 A SAÚDE NO CONTEXTO CAPITALISTA: O CASO DO BRASIL
As origens do sistema brasileiro de saúde (SUS) remontam o final da década
de 70 e início dos anos 80 do século XX. Trata-se de um conturbado contexto da
história do Brasil: em meio à polarização político econômica entre o comunismo e o
capitalismo (com uma política incipiente do que viria a ser conhecido como
neoliberalismo nos EUA e Europa – marcadamente Inglaterra) iniciava-se o movimento
em favor da redemocratização que culminaria com o fim de um longo período de
ditadura militar.
Enquanto os países capitalistas sofriam uma crise de suas políticas públicas
e o mundo assistia a derrocada do comunismo, o Brasil construiu uma política de saúde
ampliada culminando no surgimento do SUS.
Sistema esse que desde sua gênese passou a conviver com pesadas críticas.
O fenômeno é compreensível levando-se em consideração que passou a ser implantado
na década de 90 do século XX, período marcado pela globalização financeira, além do
constante discurso midiático que insistia na “ineficiência do público” e a “eficiência do
privado”. Em um país que iniciava uma política intensa de privatizações se propõe um
sistema de saúde que tem como princípios a universalidade, integralidade e equidade.
Assim, fez-se necessária a passagem de uma tradição política de saúde
predominantemente liberal-privatista, isto é, calcada na atuação de prestadores privados
(marcadamente médicos) para a definição das formas concretas de organização da
atenção e ofertas de serviços, para um modelo de sistema nacional, construída em
articulação com a luta dos trabalhadores para a efetivação de políticas públicas. Nota-se
que, a mudança de modelo se acentua a transformação da profissão médica que sofre,
juntamente, com outras profissões liberais um processo de assalariamento crescente.
Os médicos, por exemplo, se tornam assalariados em grandes hospitais ou empresas de prestação de serviços de saúde – sujeitando-se a regras e regulamentos e a critérios de rentabilidade – ou se submetem à mediação de uma terceira parte (empresas de seguro médico ou o próprio Estado, entre outras) em seus contatos com os clientes, perdendo o controle da relação33.
33 DINIZ, Marli. Repensando a teoria da proletarização dos profissionais. Tempo social: revista de Sociologia da USP, São Paulo, 10 (1): 165-184, maio de 1998.
29
O assalariamento e a perda progressiva sobre o controle do processo de
trabalho configuram a proletarização dos profissionais liberais. Embora a proletarização
seja uma teoria bastante controversa como um fenômeno universal das profissões
liberais, na área médica ela se mostra evidente, uma vez que se entenda a perda sobre o
controle do processo de trabalho (com a retração lenta e gradativa a autonomia
profissional) não como um evento instantâneo, mas como um lento avanço neste
sentido. A perda de autonomia e, de forma conseqüente, do processo de trabalho pode
ser evidenciada pelo crescente aumento da importância dada a protocolos e diretrizes
pela gestão do SUS, de forma que tais documentos passam não mais a sugerir e orientar,
mas por alocar recursos, determinar condutas34 e submeter os profissionais à um modelo
taylorista35 de produção.
34 A tese da proletarização está baseada na teoria da desqualificação do trabalho especializado que Harry Braverman expressa na obra “Trabalho e capital monopolista” de 1974, iniciando intenso debate sobre o processo de trabalho. Braverman abordou a questão da “natureza da qualificação e o aparente declínio do trabalho qualificado, as estratégias gerenciais de controle de trabalhadores e a extensão e natureza da resistência operária a tais estratégias” (MEIKSINS, Peter. Trabalho e capital monopolista para os anos 90:uma resenha crítica do debate sobre o processo de trabalho. Revista Crítica Marxista, nº3, Fundação Editora Unesp, São Paulo, 1996. p.106). Existem críticas diversas ao trabalho de Braverman como a questionável natureza da qualificação no “Trabalho e capital monopolista” , uma visão romantizada da qualificação manual, além de críticas a respeito da própria degradação do trabalho (questionando-se a tese de que há uma tendência capitalista de longo termo, no sentido de homogeneização e desqualificação do trabalho) e da gestão científica como lógica do capitalismo (já que não haveria evidências de que as técnicas de racionalização e controle do trabalho estejam presentes em todos os locais). Também se critica a separação artificial entre subjetividade e processo de trabalho feita por Braverman e o foco limitado ao plano da fábrica em sua obra. Embora se reconheça a procedência de muitas das críticas e se considere que as premissas do autor não sejam universais é inegável a pertinência da análise no caso da medicina no Brasil. Freidson evidencia um claro aumento na proporção de médicos assalariados no Brasil entre a década de 70 e o final da década de 80 (FREIDSON, Eliot. Profissionalism and the occupacional pinciple. Londres: Sage, 1993 Apud: DINIZ, Marli, op.cit.). Os debates no ao final da década de 90 do século XX – marcado no Brasil pela propagação do neoliberalismo e da globalização – refutavam a tese de que a perda do controle do processo de trabalho ocorresse na classe médica visto que essa seria capaz de resguardar certa autonomia no que se refere ao pocesso de trabalho. Contudo, há que se notar que alguns segmentos da medicina são em grande parte assalariados e enfrentam constantes ataques à autonomia da profissão (ensejando consultas da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social – c.f. no sítio da ANMP, por exemplo a matéria: CFM reitera autonomia da perícia médica previdenciária, disponível em: <http://www.anmp.com.br/umanot.php?idn=2990> acesso em: 12 dez. 2011), podendo-se entre outros citar o ramo da perícia médica previdenciária, que há alguns anos requer liberdade para estabelecer o tempo necessário para cada perícia e é assediada por normas regulamentadoras e orientações internas que buscam orientar a conduta do perito médico previdenciário. Também é possível citar a adoção do modelo de “saúde da família” como estrutura para a atenção básica no Brasil. A maioria dos profissionais atuantes no programa não receberam treinamento específico para o trabalho com atenção básica (c.f. MACHADO, MH (Coord.). Perfil dos médicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2000. Disponível em:< http://www.ensp.fiocruz.br/psf_perfil/apresentacao.html >. Acesso em: 22 de set. 2010.) sendo essa falta suprimida por meio de protocolos de atendimento para programas específicos da estratégia de Saúde da Família. Desta forma, não é preciso deter o conhecimento obstétrico necessário para se realizar um bom pré-natal, basta seguir o programa que já prevê quais os exames a serem solicitados no primeiro trimestre da gestação, por exemplo. Sobre o segmento de médicos de saúde da família, esse é um processo claro de
30
Anteriormente ao SUS o Estado, por meio da Previdência Social atuava
como um seguro estatal, que dinamizava o mercado da saúde (funcionava como um
intermediário entre prestadores privados e o consumidor). Assim, ao Estado cabia um
papel meramente regulatório para o estabelecimento de contratos ou convênio com
prestadores, negociando preços e fiscalizando a adequação entre custos e procedimentos
realizados36. Nota-se que esse modelo de atenção não está protegido da racionalidade do
mercado, resultando em uma hipertrofia dos setores mais lucrativos em detrimento da
saúde coletiva. Havia, portanto, a necessidade de melhorar a oferta e as condições de
acesso aos serviços de saúde.
O modelo de saúde anterior ao SUS, principalmente no fim da década de 70
e meados da década de 80 do século XX, excluía a população com baixa renda sem
inserção no mercado formal de trabalho, sendo voltada para consultórios médicos em
hospitais privados. Nota-se que ocorreu um rápido crescimentos dos leitos hospitalares
privados, que passaram de 74.543, em 1969, para 348.255, em 1984, e pelo aumento das
internações hospitalares, das consultas médicas e dos procedimentos de apoio
diagnóstico nos serviços da Previdência Social37.
Em 1987 nasce o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS)
fruto direto da VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) e que avança na
descentralização da saúde e do orçamento, permitindo maior autonomia dos estados
para as ações em saúde.
No ano de 1988 a Assembléia Nacional Constituinte corrobora as idéias
desenvolvidas na VIII CNS de 1986 no texto da Constituição Federal.
proletarização da classe e não é de se estranhar que a grande maioria dos formandos não optem em realizar pós-graduação nesta especialidade médica. 35 A possibilidade de “economizar tempo” poupando gestos supérfluos e inúteis, encontrou adeptos até mesmo no campo da medicina. Em novembro de 193-, A Folha Médica publicava no Brasil um artigo em que o Dr Leonídio Ribeiro, elogiando o taylorismo, discutia “como o sistema de Taylor (poderia) ser aplicado à cirurgia” e criticava “o hábito da maioria de nossos cirurgiões (de) collocar ao acaso seus ferros na mesa misturando-os à proporção que vae operando, de tal modo que num dado momento não póde mais encontrar, com rapidez, entre os instrumentos, aquelle que deseja (...)”. Aconselhava os médicos em geral a distribuírem os instrumentos de trabalho “na mesma ordem e em igual número em mesas confortáveis e adequadas , onde tudo fique no mesmo lugar”. O Dr Leonídio conseguia ainda ilustrar como a aplicação do método taylorista permitiria realizar operações em muito menos tempo. Assim, uma operação de câncer no seio poderia ser realizada em 4 minutos, ao invés dos 19 necessários pelos métodos tradicionais (RAGO, Luzia Margareth; MOREIRA, Eduardo F. P. O que é taylorismo. São Paulo: Brasiliense, 1989.p.99). 36 CAMPOS, G.W.S. O SUS entre a tradição dos Sistemas Nacionais e o modo liberal-privado para organizar o cuidado à saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 12 (sup), 1865-1874, 2007. p.1866. 37 SILVA, S.F. da. Sistema único de Saúde 20 anos: avanços e dilemas de um processo em construção. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 38-46, jan./abr. 2009.p.38.
31
A lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 institui o Sistema Único de Saúde
que passa a ser definido, no artigo primeiro da lei, como todas “as ações e serviços de
saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por
pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado”38.
O modelo de saúde previsto na constituição federal apresenta-se como um
amálgama de política de saúde “socialista” e liberal privatista: ao mesmo tempo em que
prevê a integralidade e universalidade dos serviços a serem garantidos pelo Estado,
permite a atuação da iniciativa privada em caráter complementar. Assim, optou-se pela
não estatização de hospitais privado ou filantrópicos sendo mantida a política de compra
de serviços39.
Também é preciso ressaltar que, desde sua criação o SUS enfrenta o
problema do subfinanciamento. O financiamento insuficiente impossibilita a
implementação desta importante política pública da forma como era idealizada na
assembléia constituinte. Nota-se, desde a década de 90 uma constante e progressiva
redução da participação da esfera federal com os gastos em saúde. Como afirma Nelson
Rodrigues dos Santos a utilização da variação nominal do PIB para a atualização do
financiamento federal não acompanha o crescimento populacional, a inflação na saúde e
a incorporação de tecnologias. Desta forma, o financimento público anual per capita no
Brasil mantém-se abaixo do investido no Uruguai, Argentina, Chile e Costa Rica, sendo
por volta de 15 vezes menor que a média do Canadá, países europeus, Austrália e
outros. A indicação de 30% do Orçamento da Seguridade Social (OSS) constante no
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Carta Maior era o mínimo
para iniciar a implementação do SUS com universalidade, igualdade e integralidade.
Esse porcentual corresponderia hoje a R$ 106,6 bilhões e não aos R$ 48,5 bilhões
aprovados para o orçamento federal de 200840.
Com a Emenda Constitucional 29 de 13 de setembro de 2000 o
financiamento do SUS seria previsto constitucionalmente e seria vinculado à receita
tributária. O orçamento teria base vinculável compostas pelos impostos pagos deduzidas
38 BRASIL. Lei nº 8080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá ou traz providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 20 set 1990. Poder Executivo. Seção I 39 CAMPOS, G.W.S. op., cit., p.1870. 40 SANTOS, N.R. A reforma sanitária e o Sistema Único de Saúde: tendências e desafios após 20 anos - Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 13-26, jan./abr. 2009. p.15.
32
as transferências entre governos, sendo fixado um período de transição até o ano de
2004, período no qual o governo Federal deveria corrigir anualmente o orçamento da
saúde com base na variação do PIB do ano anterior e os Estados deveriam, também até
2004, aplicar pelo menos 12% da base vinculável em saúde, os Municípios 15%41,
entretanto, a Emenda permaneceu sem regulamentação até 2012, permitindo que os
gestores da Saúde Pública incluísse como gastos em saúdes, investimentos em setores
diversos, contribuindo para redução ainda maior do orçamento para a saúde em suas
localidades.
Mesmo contando com financiamento precário, o SUS é responsável pelo
atendimento, por intermédio de agentes comunitários, de 110 milhões de pessoas em
95% dos municípios e 87 milhões atendidos por 27 mil equipes de saúde da família. No
ano de 2007 realizou 2,7 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 610 milhões de
consultas, 10,8 milhões de internações, 212 milhões de atendimentos odontológicos,
403 milhões de exames laboratoriais; 2,1 milhões de partos; 13,4 milhões de ultra-sons,
tomografias e ressonâncias; 55 milhões de seções de Fisioterapia; 23 milhões de ações
de vigilância sanitária; 150 milhões de vacinas; 12 mil transplantes; 3,1 milhões de
cirurgias; 215 mil cirurgias cardíacas; 9 milhões de seções de radioquimioterapia; 9,7
milhões de seções de hemodiálise e o controle mais avançado da Aids entre os países
em desenvolvimento42.
Ainda que nos últimos 20 anos tenha ocorrido uma importante expansão da
oferta assistencial, o serviço de saúde no Brasil está aquém da necessidade apresentada.
Enquanto em 2004 na Europa o número de consultas habitante/ano foi de 7,44 consultas
habitante/ano, no Brasil em 2007 esse número foi de 3,15 (considerando apenas a
população usuária exclusiva do SUS, estimada em 75% do total)43.
A cobertura claramente insuficiente é responsável pela “universalização
excludente”44 com a inclusão das camadas mais pobres e exclusão das mais ricas
promovida pelo serviço, seguindo-se um verdadeiro esvaziamento do seguro social
41 PAULUS JÚNIOR, Aylton; CORDONI JÚNIOR, Luiz. Políticas públicas de saúde no Brasil.Revista Espaço para a Saúde. Londrina, v.8, n.1, p.13-19, dez.2006. p.17. 42 SANTOS, N.R. , op.cit., p.18. 43 SILVA, S.F. da., op.cit., p.43. 44 FAVERET FILHO, P.; OLIVEIRA, P. A universalização excludente: reflexões sobre as tendências do sistema de saúde. Dados, Rio de Janeiro, v. 33, n. 2, p. 257-283, 1990.
33
brasileiro reforçando o mercado de planos de saúde, que para alguns autores atuou
“desafogando” o SUS45.
Para ser efetivado e consolidar-se como sistema universal de saúde deve
atender a algumas condições, entre as quais46:
a) gasto público superior a 6% do PIB, como condição necessária, mas não suficiente;
b) eficiência dos gastos e das instituições;
c) participação da população na gestão dos serviços;
d) aliança público-privada subordinada às necessidades do sistema nacional de saúde;
e) baseados na atenção primária à saúde.
Os problemas de efetivação do SUS são ainda mais evidentes no
fornecimento da assistência farmacêutica (programa que integra o SUS).
O SUS é um sistema financiado com recursos arrecadados através dos
impostos pagos pela população. Os recursos federais provem do orçamento da
Seguridade Social (que também financia a Previdência e a Assistência Social)
acrescidos de outros recursos da União, constantes na lei de Diretrizes Orçamentárias,
aprovada anualmente pelo Congresso Nacional.
Os recursos geridos pelo Ministério da Saúde são divididos em duas partes:
uma é retida para o investimento e custeio das ações federais; a outra é repassada às
secretarias estaduais e municipais de saúde de acordo com critérios definidos em função
da população através do Fundo Nacional de Saúde.
Há uma série de princípios que estabelecem a plataforma sobre a qual
devem ser erigidas as ações no SUS.
Como a saúde é prevista como um “direito de todos”, podemos inferir daí o
primeiro princípio norteador do SUS: a universalidade. Trata-se do princípio que
confere a garantia do acesso universal, eficiente, eficaz e efetivo às ações em saúde.
Outro princípio norteador do SUS é equidade. Trata-se da tentativa de
reduzir as diferenças sociais e regionais em saúde em busca de um maior equilíbrio.
A descentralização é um princípio estratégico quando se pensa um sistema
de saúde de proporções continentais. Esse princípio garante que os problemas sejam
45 OCKÉ-REIS, C.O.; SOPHIA, D.C. Uma crítica à privatização do sistema de saúde brasileiro: pela constituição de um modelo de proteção social público de atenção à saúde. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 72-79, jan./abr. 2009.p.75 46 SILVA, S.F. da., op.cit., p.44.
34
abordados regionalmente, respeitando-se diferenças culturais e econômicas,
proporcionando maior dinamicidade e eficácia ao sistema.
A integralidade constitui o princípio que considera as necessidades
específicas de um indivíduo ou grupo de indivíduos, levando em conta o ser humano
como um todo. Tal princípio garante, em tese, a assistência integral à saúde incluindo a
assistência farmacêutica47. Entretanto, o conceito de integralidade não é unívoco e sua
interpretação poderá justificar tanto a necessidade de fornecimento de medicamentos
pelo poder estatal (caso se entenda que a integralidade é o acesso a todos os recursos em
saúde disponíveis) quanto justificar sua negativa (entendendo-se que integralidade é o
acesso aos recursos disponíveis no sistema).
A organização da assistência farmacêutica no Sistema Único de Saúde se
faz com base na Política Nacional de Medicamentos (Portaria GM/MS 3916/1998,
posteriormente revogada pela Portaria GM/MS 2048/2009) que proporcionou a
descentralização na programação do fornecimento de medicamentos, tendo como
objetivos a reorientação da assistência farmacêutica, a regulamentação sanitária de
medicamentos48 e a responsabilização dos gestores pelo financiamento.
O Ministério da Saúde publica, a cada dois anos, a Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais (RENAME – Portaria GM/MS 1-44/2010) que é utilizada
pelos Municípios para elaborar suas listas de assistência farmacêutica básica49.
Entretanto, nem todos os medicamentos constantes na lista RENAME são de
responsabilidade do Município, mas, conforme dispõe o artigo 3º da Portaria GM/MS
4217/2010:
47 BRASIL. Lei 8.080/90, op.cit. 48 O presente trabalho entende medicamento como “É o produto farmacêutico, tecnicamente, obtido ou elaborado, que contém um ou mais fármacos e outras substâncias, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.” (Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário Nacional da Farmacopeia Brasileira. 2 Ed. Brasília: Anvisa, 2011. 256p. p.19). A assistência farmacêutica engloba além de medicamentos, todos os insumos – mesmo aqueles que não contém fármacos - utilizados para a promoção da saúde. 49BRASIL. Ministério da Saúde. Portal da Saúde. Disponível em:< http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/area.cfm?id_area=1337> . Acesso em: 22 de fev. 2011.
35
Art. 3º O Elenco de Referência Nacional, composto por medicamentos integrantes da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME 2010), de que trata o Anexo I, e por medicamentos fitoterápicos e homeopáticos, de que trata o Anexo II, destina-se a atender aos agravos prevalentes e prioritários da Atenção Básica50.
Os procedimentos ambulatoriais de baixa complexidade, indispensáveis
para o atendimento dos problemas mais corriqueiros da população compõem a atenção
básica em saúde e são de responsabilidade do gestor municipal. Tendo em vista a
diferença do perfil epidemiológico de diferentes regiões do país, os Municípios têm a
liberdade de elencar outros medicamentos para compor a farmácia básica, mas estes
devem estar presentes na RENAME.
Medicamentos especializados são previstos pela Portaria GM/MS
2981/2009 que prevê grupos de medicamentos com responsabilidade a cargo da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios conforme disposição do artigo 8º da portaria:
Art. 8º O Componente Especializado da Assistência Farmacêutica é uma estratégia de acesso a medicamentos no âmbito do Sistema Único de Saúde, caracterizado pela busca da garantia da integralidade do tratamento medicamentoso, em nível ambulatorial, cujas linhas de cuidado estão definidas em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas publicadas pelo Ministério da Saúde. Parágrafo único. O acesso aos medicamentos que fazem parte das linhas de cuidado para as doenças contempladas no âmbito deste Componente será garantido mediante a pactuação entre a União, estados, Distrito Federal e municípios, conforme as diferentes responsabilidades definidas nesta Portaria51.
Os medicamentos oncológicos (geralmente de alto custo), são disciplinados
pela Portaria GM/MS Nº2439/2005) e ficam a cargo de instituições credenciadas cujo
ressarcimento é feito via autorização de procedimentos de alta complexidade/custo
(APAC).
A complexidade do arcabouço jurídico que estrutura a assistência
farmacêutica muitas vezes não acompanha as demandas em saúde (que equacionam a
pressão exercida pela indústria farmacêutica, as necessidades dos usuários e o
50BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS Nº 4.217, de 28 de dezembro de 2010. Disponível em < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4217_28_12_2010.html> Acesso em: 25 de fev. 2011. 51 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS Nº 2.981, de 26 de novembro de 2009. Disponível em < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2981_26_11_2009_rep.html>. Acesso em: 22 de fev. 2011.
36
orçamento para a saúde) o que gera conflitos que cada vez mais frequentemente são
levados para a apreciação do Poder Judiciário.
1.3 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
A judicialização é um fenômeno que marcou o final do século XX período
no qual grande número de países adotou o tribunal constitucional como mecanismo de
controle dos poderes.
O aumento de atribuições do Poder Judicial o incluiu no debate político. O governo, além de negociar seu plano político com o Parlamento, teve que se preocupar em não infringir a Constituição. Essa seria, de maneira bastante simplificada, a equação política que acomodou o sistema político (democracia) e seus novos guardiões (a Constituição e os juízes)52
A respeito da judicialização, estudos de casos conduzidos por Tate e
Vallinder na década de 90 do século XX proporcionaram um modelo de análise
empírica obedecendo padrão de abordagem institucional53.
Segundo os autores, a expansão do poder judiciário estaria ligada à
decadência do sistema soviético, o que teria promovido o capitalismo liberal e
confirmado os EUA como superpotência econômica.
Shifting our attention once more, from the United States to the world, those who are blasé about the ubiquity of judicial dictates of public policy in the Unites States might be surprised to learn that the phenomenon of judges making public policies that previously had been made or that, in the opinion of most, ought to be made by legislative and executive officials appears to be on the increase. In fact there are several factors that support this development, this move toward what all would recognize as the American pattern: the expansion of judicial power. Several of these factors are international in their scope. Perhaps the most stunning of these has been the breakdown of totalitarian communism in Eastern Europe and the disappearance of the Soviet Union, leaving the United States, the home of the judicialization of politics, as the one and only superpower.54
52 CARVALHO, Ernani Rodrigues. Em busca da judicialização da Política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia e Política, novembro, número 23. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, pp 115-126. p.116. 53 Ibid, p 115-126. 54“Alterando nossa atenção mais uma vez, dos Estados Unidos para o mundo, aqueles que são indiferentes a respeito da onipresença do controle judicial em políticas públicas nos Estados Unidos pode se surpreender ao saber que o fenômeno de juízes fazerem políticas públicas que anteriormente tinha sido feito ou que, na opinião da maioria, deveriam ser feitas por representantes legislativos e executivos parece aumentar. Na verdade, existem vários fatores que sustentam esse desenvolvimento, este movimento em
37
Assim, o sistema de controle de constitucionalidade e demais mecanismos
institucionais estadunidenses teriam se tornado modelo para o mundo com grande
influência sobre as novas democracias. Tal fato repercutiria no aumento do poder
judicial. Com base nas análises realizadas, propuseram como condições políticas para o
surgimento da judicialização que evidencia que o avanço do direito sobre o social
ocorre não por decorrência de um suposto ativismo judicial55, mas por uma série de
fatores que substituem o Estado e os recurso institucionais republicanos pelo Poder
Judiciário56.
a) Democracia: o fenômeno da judicialização foi verificado em países
democráticos e configura-se como condição necessária mas não suficiente para a
judicialização da política
b) Separação de poderes: a separação de poderes é pressuposto lógico sem o qual
não seria possível fazer referência a interferência do Poder Judiciário sobre os demais
Poderes
c) Direitos políticos: a existência de direitos políticos é importante para garantir a
possibilidade de prevalência de interesses de minorias contra a supremacia da maioria.
d) O uso dos tribunais pelos grupos de interesses: os interesses sociais e
econômicos devem ser capazes de utilizar os tribunais para suas demandas.
e) O uso dos tribunais pela oposição: a utilização dos tribunais para fazer frente às
demandas dos partidos da situação. Há uma aproximação entre direitos e interesses faz
com que sejam apenas distinguíveis quando os direitos assumem discursos mais
legalistas.
f) Inefetividade das instituições majoritárias: as instituições majoritárias devem ser
incapazes de atender às demandas sociais para, desta forma, haver justificativa para a
intervenção judicial.
direção ao que se reconhece como o padrão americano: a expansão do poder judicial. Alguns desses fatores são internacionais em seu escopo. Talvez a mais impressionante destes tenha sido a queda do comunismo totalitário na Europa Oriental e do desaparecimento da União Soviética, deixando os Estados Unidos, a casa da judicialização da política, como a superpotência única.” – tradução livre (TATE, C. Neal. VALLINDER, Torbjörn. The global expansion of judicial power. New York: New York University Press, 1995. p.2). 55 O suposto “ativismo judicial”, dessa forma, é entendido como um ponto de vista. Quando a intervenção judicial é considerada como impertinente, se denomina ativismo social, quando considerada pertintente, é o mero exercício do dever constitucional do judiciário. 56 VIANNA, Luiz Werneck; BURGOS, Marcelo Baumann; SALLES, Paula Martins, op.cit, p.41.
38
g) Percepções das instituições de decisão política: a imobilidade no que se refere a
políticas públicas por parte das instituições majoritárias legitima o poder judiciário que
goza de boa reputação e respeito em relação às demais instituições de governo.
h) Delegação das instituições políticas: o custo político de algumas decisões que
nortearam políticas faz com que instituições majoritária optem por delegar a decisão ao
poder judiciário57.
Após a redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988,
o Brasil reuniu condições que possibilitaram a expansão do poder judicial, com um
aprofundamento dos mecanismos causadores do processo de expansão do poder
judiciário.
A judicialização significaria, portanto, a transferência de decisões
político/administrativas para os tribunais ou, a propagação de métodos de decisões
judiciais para fora da esfera judicial.
Segundo Barroso, a judicialização significa a transferência de poder de
instâncias políticas para o poder judiciário:
Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.58
A transferência de poder ao Judiciário opera-se segundo uma nova
conformação da distribuição do poder no contexto constitucional e democrático59 que
ganhou ênfase a partir da segunda metade do século XX, a partir de quando as normas
57 TATE, C. Neal. VALLINDER, Torbjörn, op.cit., p.28-33. 58BARROSO, Luiz Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil contemporâneo. Disponível em : <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/constiucao_democracia_e_supremacia_judicial_11032010.pdf> Acesso em: 20 out 2010. 59 O autor define resumidamente os termos da seguinte forma “Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of Law, Rechtsstaat). Democracia , por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria” (BARROSO, Luiz Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em : <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf> . Acesso em: 12 de dezembro de 2010).
39
constitucionais passam a ser aplicáveis diretamente ao invés de serem entendidas como
normas programáticas. A efetividade das normas constitucionais, entretanto, não deve
ser entendida como uma evolução gradual de conceitos filosóficos, mas interpretada
segundo a perspectiva das crises cíclicas do capital que requerem, em maior ou menor
grau, intervenções do Estado e mecanismos para a manutenção da ordem social. A
efetividade das normas constitucionais acompanha o “pulsar” mercadológico sendo
previstas, inicialmente, quando se fez necessário reunir um grupo em função da
formação ou fortalecimento do Estado: foi assim com a Constituição de Weimar (e a
recente formação do Estado Alemão), de igual forma ocorreu com a Constituição
Mexicana (em um complicado contexto de mobilização popular e reforma agrária).
Após o final do grande conflito do capitalismo do século XX, a proposta de capitalismo
de Estado ainda sobrevivia e a simples previsão de direitos não bastava para barrar a
ameaça ao capitalismo liberal60. Desta forma, há necessidade de se dar mais efetividade
às normas constitucionais, demandando tutela do Estado liberal nesse sentido. Contudo,
reafirma-se, não se trata de “avanços” ou “evoluções”, mas um “pulsar” da esfera de
atuação do Estado que se expande nos períodos de crise do capital e se encolhe quando
o mercado requer uma intervenção menor do Estado.
Bom exemplo do pulsar do Estado encontra-se no direito à saúde no Brasil
que é fruto de movimentos sociais da década de 60 e 70 do século XX e que é foco de
grande tensão social ao final da década de 80 no Brasil. A saúde é prevista,
inicialmente, como um direito, um dever do Estado. Desta forma, se estrutura um
sistema de saúde que é, por conseqüência lógica, público e se pretende integral.
Entretanto, esse “direito” garantido constitucionalmente deve ser efetivado em um
contexto neoliberal e globalizante, onde a saúde não é interpretada como um direito,
mas como uma nicho de mercado. A desmobilização social (fenômeno marcante no
neoliberalismo) e os fortes apelos do mercado de saúde fazem com que, cada vez mais,
se questione o que, afinal de contas, significa a “integralidade” do Sistema Único de
Saúde (SUS)? Trata-se de acesso a saúde por intermédio de todos os meios existentes
ou somente aqueles possíveis? Quem define a medida do possível no caso de prevalecer
60 Na realidade, os mecanismos de intervenção do Estado (o caso em tela trata do Direito) não existem apenas para fazer frente a outros modelos de capitalismo mas para regular e gerir as crises do capital. Somente o ente Estatal pode atuar contra as leis do mercado. Suas empresas continuam a funcionar mesmo dando prejuízo, assim, somente o Estado poderia contratar em um momento de recessão e alterar os cursos das crises capitalistas.
40
a última hipótese? A resposta parece variar conforme as necessidades do próprio Estado
e o Poder Judiciário é o órgão ideal a exercer o papel, já que desfruta de relativa boa
reputação perante a sociedade e mascara o embate político que encontra-se por detrás da
“garantia do direito à saúde”.
1.4 A JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL
Em virtude do elevado número de Suspensão de Segurança, Suspensão de
Liminar e Suspensão de Tutela Antecipada em trâmite no STF que objetivavam
suspender medidas cautelares que determinam o fornecimento das mais variadas
prestações de saúde pelo SUS (fornecimento de medicamentos, suplementos
alimentares, órteses e próteses; criação de vagas de UTI; contratação de servidores de
saúde; realização de cirurgias; custeio de tratamentos fora do domicílio e de tratamentos
no exterior; entre outros), e também por se considerar que tais decisões suscitam
inúmeras alegações de lesão à ordem, à segurança, à economia e à saúde públicas61, foi
convocada Audiência Pública – Saúde, realizada no STF em abril e maio de 200962.
Decisão emblemática a respeito da assistência farmacêutica pautanda na
referida audiência encontra-se no voto do Ministro Gilmar Mendes no agravo
regimental interposto pela União contra a decisão da Presidência do STF, na qual foi
indeferido o pedido de suspensão de tutela antecipada n.º 175, formulado pela União,
(que contém apensa a Suspensão de Tutela Antecipada n.º 178, de idêntico conteúdo,
formulada pelo Município de Fortaleza), contra acórdão proferido pela 1ª Turma do
Tribunal Regional Federal da 5ª Região, nos autos da Apelação Cível no 408729/CE
(2006.81.00.003148-1).
O voto do Ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelos demais,
estabeleceu alguns parâmetros a respeito da assistência farmacêutica, pois vedou a
possibilidade de exigir que o poder público garanta o fornecimento de assistência
farmacêutica de medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância
61 BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Despacho de convocação de Audiência Pública. Disponível em:< http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/dwnld/sd_corr_518.pdf>.Acesso em: 13 de jul. 2011. 62 BRASIL.Supremo Tribunal Federal Agravo Regimental nos autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1). Disponível em:< http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/STA175.pdf>. Acesso em: 13 de jul. 2011.
41
Sanitária (ANVISA), também vedou a exigibilidade de fornecimento de tratamentos
experimentais, definiu a responsabilidade solidária entre os entes federativos e garantiu
o uso de tratamentos não previstos no Sistema Único de Saúde (SUS) quando houver
possibilidades de resultados mais eficazes para o paciente (comprovado
cientificamente).
A interpretação do artigo 196 da Constituição Federal Brasileira é foco de
discussão quanto ao âmbito de proteção da norma constitucional ao direito à saúde,
sendo necessário se compatibilizar a natureza prestacional desse direito com os recursos
disponíveis para efetivá-lo.
A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nesse sentido, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal quanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos Poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível63.
Com efeito o argumento de gestores diretamente afetados por demandas
judiciais para prestações em saúde consiste em referir a escassez dos recursos. O fornecimento de medicamentos pela via judicial não está vinculado à reserva orçamentária, consumindo recursos consideráveis e causando dificuldades para garantir aquisição de medicamentos previstos na legislação e aqueles pactuados nas Comissões Intergestoras64.
Segundo o Ministro, os teórico do “mínimo existencial” ou da “reserva do
possível” defendem que a inexistência de suportes financeiros implica em escolhas
alocativas segundo o critério de justiça distributiva.
Nessa linha de análise, argumenta-se que o Poder Judiciário, o qual estaria vocacionado a concretizar a justiça do caso concreto (microjustiça), muitas vezes não teria condições de, ao examinar determinada pretensão à prestação de um direito social, analisar as conseqüências globais da destinação de recursos públicos em benefício da parte, com invariável prejuízo para o todo (AMARAL, Gustavo. Direito, Escassez e Escolha. Renovar: Rio de Janeiro, 2001)65.
63 BRASIL.Supremo Tribunal Federal Agravo Regimental nos autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1). Op cit. p.08. 64 LOPES, L.C; BARBERATO-FILHO, S;COSTA, A.C. et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de São Paulo. Revista de Saúde Pública. 2010; 44 (4):620-628. p.621. 65 BRASIL.Supremo Tribunal Federal Agravo Regimental nos autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1). Op cit. p.09.
42
Os defensores da judicialização da saúde, por outro, lado, defendem que a
atuação do Poder Judiciário é necessária para garantir o direito, que é condição para
efetivar a dignidade da pessoa humana.
Ao tratar na intervenção do Poder Judiciário na Saúde, o Ministro pondera:
Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias.66
Defende, dessa forma, a intervenção do Poder Judiciário na política de
saúde, levando em consideração também as questões econômicas envolvidas,
representando um avanço do Direito sobre o social e caracterizando a judicialização da
saúde.
Ao tratar do direito constitucional à saúde o Ministro Gilmar Mendes o
aborda o artigo 196 da Constituição Federal como composto por seis elementos e os
analisa separadamente.
(1) direito de todos: É possível identificar, na redação do referido artigo constitucional, tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde. Dizer que a norma do artigo 196, por tratar de um direito social, consubstancia-se tão somente em norma programática, incapaz de produzir efeitos, apenas indicando diretrizes a serem observadas pelo poder público, significaria negar a força normativa da Constituição.67
A interpretação do artigo como norma programática a transformaria em uma
mera “promessa constitucional”, retirando a efetividade da norma. A garantia de
efetividade da norma é o mote que alavancou o Poder Judiciário ao patamar em que se
encontra atualmente. Isto porque o poder judiciário não é a única instituição capaz de
explorar as tensões geradas pelo presidencialismo. A ditadura militar, por exemplo,
explorou essa tensão na América Latina após a década de 50 do século XX. Contudo, o
enfraquecimento das ditaduras, associado ao controle de constitucionalidade e o esforço
de demonstrar que a constituição não é uma política retórica vazia, “mas uma realidade
66 Ibid,. p.10. 67 Ibid. p.12.
43
viva da vida social”68 proporcionou a paz social necessário e fundamenta o poder
experimentado atualmente pelo judiciário brasileiro.
O direito subjetivo público à saúde, no entanto, não é absoluto, mas
assegurado por políticas sociais e econômicas, de forma que a prestação individual de
saúde estaria condicionada ao não comprometimento do SUS, devendo ser o direito
demonstrado e fundamentado caso a caso, segundo o voto do Ministro.
(2) dever do Estado: O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)69.
O Ministro entende que a responsabilidade entre os entes federativos é
solidária, contudo, na prática o que se verifica é que há uma facilidade maior em se
demandar o ente federativo mais próximo ao cidadão: o Estado ou o Município. Em que
pese a responsabilidade solidária, deve-se considerar também o palco político, onde
muitas vezes a possibilidade de represálias em relação ao repasse de recurso faz com
que alguns entes federativos respondam sozinhos às demandas jurídicas.
(3) garantido mediante políticas sociais e econômicas: A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada70. (4) políticas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos: Tais políticas visam à redução do risco de doença e outros agravos, de forma a evidenciar sua dimensão preventiva. As ações preventivas na área da saúde foram, inclusive, indicadas como prioritárias pelo artigo 198, inciso II, da Constituição. (5) políticas que visem ao acesso universal e igualitário: O constituinte estabeleceu, ainda, um sistema universal de acesso aos serviços públicos de saúde71.
68 ACKERMAN, Bruce. Nós, o povo soberano: fundamentos do Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. XLVIII. 69 BRASIL.Supremo Tribunal Federal Agravo Regimental nos autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1). Op cit. p.14. 70 Ibid. p.16 71 Ibid. p.17
44
A análise dos elementos de garantia do direito de saúde mediante políticas
sociais e econômicas abre a possibilidade de intervenção judiciária na política pública
em função do descompasso entre os avanços técnico-científicos da medicina e a
alocação de recursos pelos gestores.
(6) ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde: O estudo do direito à saúde no Brasil leva a concluir que os problemas de eficácia social desse direito fundamental devem-se muito mais a questões ligadas à implementação e à manutenção das políticas públicas de saúde já existentes - o que implica também a composição dos orçamentos dos entes da Federação - do que à falta de legislação específica. Em outros termos, o problema não é de inexistência, mas de execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes federados72.
Segundo o Ministro Gilmar Mendes, as ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde já estariam garantidas pela existência, sendo a eficácia
do direito à saúde uma questão de implementação e manutenção dessa política pública.
O voto em análise, questiona a judicialização da saúde no Brasil, como se
verifica no trecho:
Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência Pública- Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes73.
E ainda
Assim, também com base no que ficou esclarecido na Audiência Pública, o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente74.
A conclusão de inexistência de judicialização no caso em tela deve ser
questionada, pois aparentemente, o Ministro interpreta a judicialização como a criação e
implementação de políticas públicas. Os conceitos de judicialização, no entanto, são
72 Idem. 73 Ibid, p. 19. 74 Ibid, p.20.
45
diversas e partindo do conceito de judicialização como a “reação frente a provocação de
um terceiro que tem por finalidade revisar a decisão de um poder político tomando
como base a constituição”75, por exemplo, conclui-se que a “judicialização” na saúde
seria inegável. A preocupação e afastar o argumento da judicialização, estaria
relacionado com a possibilidade de se interpretar a judicialização como afronta ao
princípio da separação dos poderes76.
O Ministro evidencia a necessidade de se verificar se a ausência de
prestação de saúde pleiteada decorre de omissão legislativa ou administrativa, de
decisão administrativa de fornecê-la ou de vedação legal de sua dispensação. Em caso
de inexistir registro de medicamento na ANVISA, por exemplo, há vedação legal (Lei
Federal nº6.360/76) de fornecimento da medicação.
Assim, aborda os casos em que o SUS decidiu não custear o tratamento.
Há casos em que se ajuíza ação com o objetivo de garantir prestação de saúde que o SUS decidiu não custear por entender que inexistem evidências científicas suficientes para autorizar sua inclusão. Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia77.
Considerando que o SUS pauta suas decisões em achados científicos, o
magistrado defende que se deva privilegiar o tratamento alternativo fornecido pelo
sistema público em detrimento da escolha do paciente, mas não impede que o Poder
Judiciário, levando em considerações características particulares do caso concreto e com
comprovação de que o tratamento fornecido pelo SUS é ineficaz, decida que medida
distinta daquela custeada pelo SUS seja aplicada.
No caso de inexistência de tratamento na rede pública, se propõe diferenciar
tratamento experimentais de tratamento não testados no SUS.
75 CARVALHO, E.R, op.cit., p.115. 76 No Tribunal de Justiça do Estado do Paraná a judicialização é admitida e o entendimento seria de que “O Poder Judiciário ao conceder o medicamento pleiteado a cidadão hipossuficiente está apenas assegurando o direito à vida, seguindo o que dispõem o art. 5º, XXXV da Constituição Federal. Não há qualquer ofensa ao princípio da separação dos poderes” (cf. idéia central “B”, D.1 do anexo 1 ). 77 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Agravo Regimental nos autos da Apelação Cível no 408729/CE (2006.81.00.003148-1), op. cit. p.22.
46
Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los78.
Também, a respeito dos novos tratamentos:
Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia administrativa. Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada. Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar79.
Assim, ao estabelecer que os protocolos e diretrizes (ou a sua falta) não são
critérios suficientes para determinar o fornecimento de insumos em saúde, o Magistrado
avoca para o Poder Judiciário a escolha da fundamentação científica que determinará a
implementação da política de saúde pública. Trata-se, sem dúvida, de uma grande
interferência na elaboração da política de saúde no Brasil, uma vez que os dados
científicos relevantes e determinantes para o fornecimento da prestação em saúde será
arbitrado pelo judiciário.
1.5 SAÚDE E JUDICIALIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO
ESTADO DO PARANÁ
A Comarca de Paranaguá e Curitiba foi elevada a categoria de província em
1853, contava então com pequenos centros urbanos que se desenvolveram em torno de
atividades extrativistas e campeiras. A província possuía 62.358 habitantes e Curitiba,
78Ibid, p. 23 79 Ibid. p.24
47
eleita capital da província, não tinha nessa época mais de 7 mil habitantes e contava
com os Municípios de Curitiba e Paranaguá, as vilas de Guaratuba, Antonina, Morretes,
São José dos Pinhais, Lapa, Castro e Guarapuava, as freguesias de Campo Largo,
Palmeira, Ponta Grossa, Jaguariaíva, Tibagi e Rio Negro, além das capelas curadas de
Guaraqueçaba, Iguaçu, Votuverava e Palmas. A densidade populacional estimada do
estado era de 0,3 pessoa por quilômetro quadrado80.
O ciclo de erva-mate juntamente com a economia de invernada e venda de
muares para a província de São Paulo promove um período de relativa riqueza e
aumento demográfico (também estimulado por incentivos a emigrantes, devido à
necessidade de ocupação e abastecimento da província), com invenstimentos em infra-
estrutura como a construção de estradas-de-ferro que integram a região das araucárias
aos portos de Antonina, Paranaguá e São Paulo81, poucos centros populacionais
separados por grandes extensões de mata, campos gerais e pela serra do mar.
Com o aumento das populações nas cidades se fez necessário iniciar obras
de saneamentos básico e construção de estabelecimentos médicos.
Diante do progressivo aumento da densidade populacional nas cidades, surgiram as preocupações com o tratamento de água e esgoto, o enterramento dos mortos e as condições de saúde dos cidadãos. Em Curitiba já havia um hospital, criado em 7 dezembro de 1852, que, pelo menos até o início da década de 1860, acabava por abrigar “um ou outro louco que para ali tem entrado e sido sustentado pelos cofres provinciais”, em lugar de enfermos propriamente. Já o hospital existente em Paranaguá, na mesma época, contava em média com cinqüenta enfermos e as tripulações dos navios mercantes82.
As doenças contagiosas configuravam problemas de saúde pública
principalmente nos portos sendo as doenças mais freqüentes a febre amarela,
tuberculose pulmonar e afecções cardíacas83.
As primeiras ações em saúde na província são realizadas por intermédio de
comissões sanitárias, como, por exemplo, as comissões organizadas para controlar a
difusão de varíola no litoral paranaense no surto de 1886.
80 ENCICLOPÉDIA. Nova enciclopédia Barsa: volume 11. São Paulo: Enciclpaedia Britannica do Brasil, 1998.p 138. 81 Idem. 82 RONCAGLIO C, NEUERT M, MARTINS M.A.B. Apontamentos para uma história da saúde: as fontes documentais do Paraná. História, Ciência e Saúde-Manguinhos. [periódico na Internet]. 2001 Jun; 8(1):223-35. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v8n1/a10v08n1.pdf>. Acesso em 13 de set. de 2010. p.225. 83 Ibid, p.226.
48
Se nos voltarmos para a realidade brasileira de fins do século XIX e início do século XX, mais detidamente no exemplo paranaense, poderemos perceber a confluência ou a justaposição das três etapas de formação da medicina social. Há um esforço no sentido de regulamentar as atividades médicas, normalizar a higiene pública, atender especialmente aqueles que cumprem o dever de prevenir, evitar e curar os males, como a força policial e os médicos (medicina estatal). Ocorrem também tentativas de sanear as cidades, os espaços coletivos, definir regras e usos dos objetos, coisas e lugares públicos (medicina urbana). E há, aparentemente, num relance das fontes, preocupação com uma parcela especial da população: os alienados, os loucos, os imigrantes, os vagabundos, os trabalhadores (medicina da força de trabalho)84.
A saúde tem, desta forma, um caráter policial comprometida com a
higienização dos ambientes, com as condições da vida e do meio.
A idéia de progresso no Paraná, ao final do século XIX e início do XX, possuiu várias facetas, entre elas a capacidade da medicina em usar a sua racionalidade para assumir a gestão da vida em sociedade. A ciência da higiene cunhou a atualidade, de várias maneiras; de fato, refletiu-se na mudança dos ares e lugares do Paraná por meio de controle de algumas endemias, da reconstrução e saneamento dos espaços urbanos e do aliciamento da população – de forma compulsória ou não para hábitos ditos higiênicos, pessoais ou coletivos85.
A história da política de saúde no Paraná acompanha o modelo brasileiro
claramente “campanhista”86 e voltado ao modelo agro-exportador.
No período de 1897 até 1930 os assuntos relacionados com a saúde, como funções públicas, eram tratados no Ministério da Justiça e Negócios Interiores, em específico, na Diretoria Geral de Saúde Pública. Médice1 relata que a assistência à saúde ofertada pelo Estado até a década de 1930 estava limitada às ações de saneamento e combate às endemias. É também dessa época, o surgimento e desenvolvimento do chamado sanitarismo campanhista, fortemente presente até o final da década de 1940. Tal política visava dar apoio ao modelo econômico agrário-exportador, garantindo condições de saúde para os trabalhadores empregados na produção e na exportação. As campanhas visavam ao combate de endemias tais como a peste, a cólera, a varíola, dentre outras. Progressivamente, o Estado vai acentuando sua intervenção no setor saúde e, após a segunda guerra mundial, passa a assumir obrigações financeiras no que se refere à assistência à saúde da população87.
84 Ibid, p.228. 85 LAROCCA, Liliane Müller; MARQUES, Vera Regina Beltrão. Cogitare Enfermagem. A construção do novo Paraná: uma análise dos discursos higienistas (1853 - 1930) 2010 Jan/Mar; 15(1):153-7. p.157 86 “Campanhista” – adjetivo que caracteriza as ações de modelo de saúde pública pautado por “campanhas de saúde” que tinham um caráter centralizado (determinado pelo governo central) deixando aos Estados/províncias a função de executar a política nas localidades. 87 PAULUS JÚNIOR, Aylton; CORDONI JÚNIOR, Luiz, op.cit., p.14.
49
Os dados a respeito da saúde no Estado do Paraná são escassos até meados
da década de 1950, quando a Divisão de Bioestatística e Epidemiologia passa a publicar
mapas dos Municípios.
Após a formação do Sistema Único de Saúde os serviços são reconfigurados
e a Secretaria Estadual de Saúde passa fornecer assistência farmacêutica através de
programas de saúde respondendo, desta forma, à demanda em nível estadual.
Entre os programas de saúde no SUS estão aqueles voltados ao
fornecimento de assistência farmacêutica à população. Supõe-se que a assistência
farmacêutica seja a principal responsável pelas demandas judiciais relacionadas com a
saúde já que, segundo a Pesquisa Mundial de Saúde 2003 promovida pela OMS88, os
medicamentos constituem o principal componente dos gastos mensais em saúde,
correspondendo a 32% do total com uma média mensal de gastos com medicamentos de
R$ 44,27.
Segundo a pesquisa, o impacto dos gastos com medicamentos é maior sobre
a população que declarava o menor número de bens, perfazendo 58,9% do gasto mensal
em saúde (R$ 22,88). Os dados da pesquisa indicam os gastos com saúde tem maior
peso entre a população menos favorecida.
Frente à alta demanda por medicamentos pela população, e as limitações
financeiras do SUS (que sofre o problema crônico de subfinanciamento89) é
compreensível que a maior parte das demandas judiciais verse a respeito da obtenção de
medicamentos.
Em São Paulo, no ano de 2008, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo
“gastou em média R$ 2.500 por paciente/ano no Programa de Dispensação de
Medicamentos Excepcionais, contra R$ 10.600 por paciente/ano com determinações
judiciais .90”
No ano de 2009 o Estado do Paraná os gastos decorrentes de decisões
judiciais já chegaram a comprometer mais da metade do orçamento com programas
88SZWRCWALD, C.L. et. al. Pesquisa mundial de saúde 2003: o Brasil em números. Revista Radis, v.23, p. 14-33, 2004. 89 SANTOS, N.R., op.cit., p.15 90 DOMINGUEZ, B. Um freio na judicialização: associação entre saúde e justiça aponta caminhos para o bom uso da lei. Revista Radis, v.92, p. 08-09, 2010. p.09.
50
estaduais de saúde91, com um aumento gradativo dos gastos em relação ao ano de 2007,
acompanhando a tendência de aumento de gastos em assistência farmacêutica adquirida
por ordem judicial observado também no Ministério da Saúde (de 2003 a 2009 o gasto
em assistência farmacêutica determinada por ordem judicial cresceu quase mil vezes
sainde de R$100 mil para R$150 milhões92). Em 2010 os gastos com demandas
judiciais no setor da saúde foram de R$ 35.718.740,24. Considerando que o total de
gastos em saúde foi de R$ 61.612.059,20 verifica-se que os gastos com demandas
judiciais foram de 57,97% do gasto total em saúde93.
Ainda assim, o Estado vinha declarando como gastos em saúde programas
de caráter assistencial implicando não só na não aplicação dos 12% de sua Receita
Própria em saúde de acordo com o estabelecido no artigo 198 e artigo 77 do ADCT da
Constituição Federal de 1988, mas também no gasto com ações não são exclusivas da
saúde94, alegando que a falta de regulamentação da Emenda 29 permitiria a inclusão de
programas de saneamento e de combate à desnutrição fossem incluídos no orçamento da
saúde95. Tal fato pode justificar uma alta demanda de ações requerendo assistência
farmacêutica uma vez que o Estado, ao deixar de aplicar, em tese, os gastos devidos
com saúde deixa de efetivar a política pública, fazendo com que alguns cidadãos
busquem a ver as garantias de cidadania ser efetivadas pela via judicial.
91 PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Relatório e Parecer Prévio – Contas do Governador, exercício 2009. p. 40 92 BOREKI, Vinícius. Paraná gasta 64% de verba para remédios via ordem judicial. Caderno vida e cidadania. Jornal Gazeta do Povo. Publicado em 26.10.2010. 93 PARANÁ., op.cit., p. 21. 94 Ibid,p. 24. 95 Em 2003 o projeto que regulamenta a EC 29 chegou ao congresso e começou a ser debatida. A Lei Complementar 141sancionada pela presidente Dilma Roussef em 16 de janeiro de 2012 apresentou vetos (ao todo foram 15 vetos) que acabaram por impedir que a União precisasse dispor de mais recursos para a Saúde, principalmente pelo veto que determinava a atualização automáticoa dos recursos da Saúde quando houvesse revisão do PIB. A respeito dos vetos o Dr Gilson Carvalho afirma “mais uma vez o governo Federal – sob as ordens da presidente Dilma – nega a possibilidade da União oferecer mais recursos mínimos federais para a saúde pública. Já prevíamos esta atitude quando a presidente Dilma e vários de seus ministros enveredaram pelo discurso de que o problema da saúde era exclusivamente de má gestão. Só para efeito de comparação: se a saúde pública brasileira usasse o mesmo per capita que os planos e seguros de saúde brasileiros necessitaria de mais 163 bilhões de reais. Se fosse utilizado o paradigma internacional da média de todos os países cujo gasto pública representa 5,5% do PIB para elevaro nosso de 3,7% precisaríamos de mais 60 bilhões. Temos problema de gestão, mas muito mais de falta de dinheiro em especial federal. (CARVALHO, GILSON. LEI COMPLEMENTAR 141- REG-EC. Instituto de Direito Sanitário Aplicado. Disponível:< http://www.idisa.org.br/site/documento_6945_0__2012---27---604---domingueira---lei-complementar-141--reg-ec.html>. Acesso em: 22 de jan. 2012).
51
2. A ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO PARANÁ NO ANO DE 2010
2.1 METODOLOGIA
Com o intuito de evidenciar o tratamento do Poder Judiciário dispensado à
Assistência Farmacêutica no Estado do Paraná, se estruturou pesquisa quali-
quantitativa96 que utilizou decisões judiciais relacionadas ao fornecimento de assistência
farmacêutica (ou sua negativa).
O projeto inicial visava analisar processos judiciais que tinham por objeto o
fornecimento de medicamentos e insumos em saúde pelo Estado (representado por
qualquer ente federativo ou entidade autárquica) no período de janeiro de 2008 a janeiro
de 2010 nas Varas da Fazenda Pública do Estado do Paraná. Para tanto, o projeto de
pesquisa foi submetido a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná que julgou ser desnecessária a aprovação visto se
tratar de análise de documentos públicos. Buscou-se, então acesso aos livros de
sentenças nos cartórios das Varas da Fazenda Pública do Estado do Paraná no
Município de Curitiba, sendo impossibilitado seu acesso sob argumentos diversos (de
que não estariam disponíveis no cartório, ou mesmo de que seria necessária requisição
formal ao TJ-PR). Visto a dificuldade em se obter as informações necessárias, e a
exigüidade do prazo para realização da pesquisa, alterou-se o foco de pesquisa para a
realização de estudo a ser realizado no Tribunal de justiça do Estado do Paraná (TJ-PR)
que é instância competente para julgar os ações de competência originárias do Tribunal
e recursos de ações judiciais que visavam o fornecimento de assistência farmacêutica no
Sistema Único de Saúde. O TJ-PR foi escolhido por disponibilizar o inteiro teor de
acórdãos e decisões monocráticas em meio eletrônico no sítio do TJ – PR
(http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/).
Foram realizadas buscas no sítio do TJ-PR, com o parâmetro temporal de 12
(doze) meses no ano de 2010 dos seguintes descritores: “assistência farmacêutica”,
96 Parte-se do pressuposto de que as pesquisas não seriam exclusivamente qualitativas ou quantitativas pois, conforme Lefèvre e Lefèvre “quantidade e qualidade são conceitos complementares e não, como muitos acreditam, mutuamente exclusivos” (LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A.M.C. O Discurso do Sujeito Coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul: EDUCS, 2003. p.34).
52
“doença”, “doenças”, “farmácia”, “farmácias”, “medicamento”, “medicamentos”,
“patologia”, “patologias”, “saúde”, “tratamento” e “tratamentos”, totalizando 8.831
(oito mil oitocentos e trinta e uma) ocorrências. Destas, foram selecionadas inicialmente
578 (quinhentas e setenta e oito decisões) sendo excluídas 152 (cento e cinqüenta e
duas) decisões por não estarem relacionadas nos critérios de inclusão do universo de
estudo, totalizando 426 (quatrocentos e vinte e seis) decisões analisadas. Como critérios
de inclusão, selecionou-se decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná no ano de 2010 a respeito de processos judiciais pleiteando assistência
farmacêutica no Sistema Único de Saúde. O ano de 2010 foi escolhido por apresentar
maior probabilidade de refletir os efeitos da Audiência Pública – Saúde, realizada neste
Supremo Tribunal Federal nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009.
Foram excluídas do universo de estudo as decisões proferidas anteriormente
ao ano de 2010, também decisões que tratavam de assistência farmacêutica mas eram
propostas em face de planos de saúde ou instituições particulares onde a discussão a
respeito do fornecimento da assistência farmacêutica era realizada com embasamento
principalmente no código de defesa do consumidor.
Após a leitura dos acórdãos e decisões monocráticas, foi confeccionado um
questionário preliminar como pré-teste e aplicado a 20 decisões selecionadas
aleatoriamente, que resultou na versão definitiva do questionário que identifica o tipo de
autor (individual ou coletivo), representação em juízo, objeto da ação, doença (décima
revisão da Classificação Internacional de Doenças - CID10)97, custo do
medicamento ou insumo, decisão favorável ao fornecimento de medicamento ou insumo
e tipo de réu. Os resultados do questionário proporcionaram a análise quantitativa do
estudo.
Juntamente ao preenchimento do questionário, realizou-se a identificação
dos principais argumentos nas decisões analisadas por intermédio da aplicação do
método de análise do Discurso do Sujeito Coletivo que, por sua vez, permitiu a análise
quali-quantitativa do estudo.
97 Os medicamentos foram classificados segundo a Anatomical Therapeutic Chemical Classification (ATC) sistema composto por cinco níveis classificatórios que descrevem o medicamento desde o local de ação ao nome genérico do fármaco (Capellà, D. Descritive tools and analysis. In: Dukes, M. N. G. (org). Drug Utilization Studies: Methods and Uses. Copenhagen: WHO Regional Publications, European Series nº 45; 1993.)
53
2.2 DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
O discurso é a manifestação de uma argumentação que, não traduz apenas
os sistemas de dominação mas configura a própria materialização do poder, como
defende Foucalt.
(...) o discurso – como a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo, é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que – isto a história não cessa de ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.98
A produção do discurso em nossa sociedade por procedimentos de exclusão,
como a interdição (as próprias convenções sociais determinam que não se possa falar de
tudo em qualquer circunstância), a separação e rejeição99 e a oposição entre verdadeiro
e o falso. Esta última forma de exclusão deve ser analisada de uma perspectiva distinta
daquela realizada no interior do discurso.
Certamente se nos situamos no nível de uma proposição, no interior de um discurso, a separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem institucional, nem violenta. Mas se nos situamos em outra escala, se levantamos a questão de saber qual foi, qual é constantemente, através de nossos discursos, essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa vontade de saber, então é talvez algo como um sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente constrangedor) que vemos desenhar-se.100
Como exemplo em nossa sociedade de um sistema de separação e rejeição
encontra-se a própria ciência, como forma oficial e privilegiada de conhecimento que
proporcionar privilégios extracognitivos (sociais, políticos, culturais) a quem os
detém101. Assim, a produção científica não poderia ser “imparcial” como já pretenderam
alguns autores, pois existem condições de possibilidade que estabelecem os critérios
para o discurso científico, como afirma Breilh.
98 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso – aula inaugural no Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 1996. p.10 99 Foucalt refere-se à oposição razão e loucura que torna o discurso nulo. A palavra do louco não é ouvida ou, se ouvida, é escutada como uma palavra de verdade que refletia uma razão ingênua ou astuciosa mas, de qualquer forma, não existe e permite por si reconhecer a loucura do louco. (Ibid, p.11) 100 Ibid, p.14 101SANTOS, Boaventura de Souza. Ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. Porto: Edições Afrontamento, 2006.
54
(...) a análise da produção científica em um campo como o da epidemiologia, por exemplo, não pode fechar-se nos fatos e elações da comunidade de cientistas e técnicos que trabalham nele, porque nenhum discurso científico se explica por si mesmo, mas se recria em meio às condições de possibilidade do que se pode pensar, conhecer e dizer em um dado momento histórico, o que, por sua vez, faz parte do ‘modo de vida’ de uma sociedade, modo de vida este que é mais amplo do que a episteme e tem profunda influência em sua gênese. Isso significa que “os conceitos científicos se geram em relação ao discurso social comum, tanto em termos sintáticos quanto semânticos (...), adotando estruturas lingüísticas e transcrevendo séries significantes.102
Esse exemplo pode ser extrapolado para os demais discursos, de forma que
a análise do discurso não pode prescindir das condições materiais de existência em que
é proferido.
As decisões proferidas no bojo dos processos analisadas constituem
expressões de interesses caracterizados como discursos.
Embora seja insuficiente para a explicação da realidade, a análise do
discurso permite uma melhor abordagem do pensamento de indivíduos e coletividades.
(...) se estará descrevendo muito melhor e mais adequadamente os pensamentos de indivíduos e coletividades quando estes estiverem sendo coletados, processados e apresentados sob a forma de discurso, porque os pensamentos pertencem à família das línguas e linguagens e, portanto, à ordem do discurso ou do texto.103
No estudo, foram analisados os discursos dos magistrados que proferiram
decisões por meio de acórdãos ou decisões monocráticas.
Para sintetizar os diversos argumentos semelhantes em discursos analisáveis
utilizou a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo, objetivando fazer o grupo analisado
se manifestar através do discurso coletivo, utilizando as figuras metodológicas de
expressões-chave (expressões presentes nos discursos que traduziam a essência dos
argumentos que fundamentavam a decisão) e as idéias centrais (expressões que
expressam de forma resumida o sentido de cada expressão-chave)104
As decisões foram numeradas de 1 a 426, e os trechos mais importantes de
cada argumento foi destacado permitindo identificar as expressões-chave presentes em
cada decisão, sendo as expressões-chave numeradas de acordo com o número da
decisão.
102 BREILH, Jaime. Epidemiologia crítica: ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. p.91. 103 LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A.M.C, op.cit., p.14. 104LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A.M.C, op.cit.
55
Agrupou-se cada expressão-chave que apresentavam o mesma idéia central105,106
(núcleo de sentido idêntico), sendo que esta última tem como função:
A Idéia Central tem pois uma função eminentemente discriminadora, ou paradigmática e classificatória, permitindo identificar e distinguir cada sentido ou posicionamento presente nos depoimentos ou nos conjuntos semanticamente equivalentes de depoimentos.107
No estudo realizado foram identificadas 9 (nove) idéias centrais distintas
fundamentando as decisões proferidas no Tribunal de Justiça do Paraná. Estas idéias
centrais foram elencadas de “A” a “I”.
A partir das idéias centrais, foi possível construir o Discurso do Sujeito
Coletivo, assim entendido:
O Discurso do Sujeito Coletivo é uma reunião num só discurso-síntese homogêneo redigido na primeira pessoa do singular de expressões-chave que tem em a mesma idéia central.108
Por intermédio do Discurso do Sujeito Coletivo se pretendeu construir com
base nos discursos individuais uma representação social sobre o fenômeno da
judicialização da saúde no Paraná, visto que a metodologia permite examinar o
pensamento e a estruturação dos argumentos que embasam as decisões a respeito da
assistência farmacêutica no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e como esses
diversos discursos se relacionam entre si e com a realidade social e política paranaense.
2.3 RESULTADOS
2.3.1 Idéias Centrais das decisões analisadas
Como já abordado, foram identificadas 9 (nove) idéias centrais como
demonstrado na Tabela 1:
105 Segundo LEFÈVRE e LEFÈVRE, “a idéia central tem, portanto, a importante função de individualizar um dado discurso ou conjunto de discursos, descrevendo, positivamente, sua especificidades semânticas o que permite dintinguí-lo de outros discursos portadores de outras especificidades semânticas” (Ibid, p.25) 106Vide expressões-chave e idéias centrais no Anexo I. 107LEFÈVRE, Fernando. Fernando Lefèvre Disponível em:< http://www.fsp.usp.br/~flefevre/Discurso_principais_conceitos.htm>. Acesso em: 26 de jan. 2011. 108 LEFÈVRE, Fernando. op.cit.
56
Tabela 1 – Idéias centrais nas decisões analisadas
Idéias Centrais Idéia Central A – Há competência na composição dos pólos processuais (ativo e passivo) Idéia Central B – Descumprimento de direito fundamental permite a judiciabilidade de política pública (não ofende o princípio de separação dos poderes) Idéia Central C - O autor comprova ser portador de doença e hipossuficiente sendo obrigatória a assistência farmacêutica
Idéia Central D - O artigo 196 da Constituição Federal é de aplicação imediata e não depende de regulamentação Idéia Central E - O direito à vida deve ser garantido integralmente, estando acima de questões orçamentárias e burocrática Idéia Central F – Os profissionais prescrevem o tratamento adequado de uma enfermidade e seu provimento da Assistência Farmacêutica não inviabiliza o sistema Idéia Central G - O protocolo de atendimento não foi observado e o fornecimento da AF onera o sistema Idéia Central H - O medicamento não é regulamentado pela ANVISA
Idéia Central I - O pedido não está devidamente instruído ou há erro de procedimento
2.3.2 Discurso do Sujeito Coletivo nas decisões analisadas
A partir das idéias centrais, foram elaborados os seguintes Discursos do Sujeito
Coletivo
Idéia Central A Há competência na composição dos pólos processuais (ativo e passivo)
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
A legitimidade para atua no pólo ativo e passivo na ação é determinada pela
Constituição Federal. A saúde é dever do Estado (lato sensu) sendo a responsabilidade
solidadária entre os entes públicos, podendo ser cada um deles demandado para que
seja daado efetivo cumprimento ao direito constitucional. Em relação à legitimidade
para atuar no pólo ativo, a Carta Magna prevê como função inerente do Ministério
Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos individuais
indisponíveis, entres eles a vida e, de forma indissociável, a saúde.
57
Idéia Central B
Descumprimento de direito fundamental permite a judiciabilidade de política pública (não ofende o princípio de separação dos poderes)
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
O Poder Judiciário ao conceder a assistência farmacêutica pleiteada está assegurando o
direito fundamental à vida e seguindo disposição do artigo 5º XXXV da Constituição
Federal. Ao implementar políticas públicas ineficientes através de adequação ou
flexibilização dessas políticas o Judiciário garante que a norma constitucional torne-se
efetiva. No caso da saúde esta é decorrente dos demais bens jurídicos devendo ser
garantida de modo concreto, afastando a discricionariedade dos atos administrativos e
permitindo a judiciabilidade das políticas públicas.
Idéia Central C
O autor comprova ser portador de doença e hipossuficiente sendo obrigatória a
assistência farmacêutica
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
Comprovadas a doença, a hipossuficiência do cidadão e a necessidade da medicação é
dever do Estado fornecer a assistência requerida. Tanto a doença quanto a necessidade
da medicação são atestadas pela receita do médico assistente (cuja capacidade técnica
não foi questionada) que acompanha o paciente e possui conhecimento científico sobre
o tratamento da doença, estando apto a prescrever a melhor terapia.Assim, não há
necessidade de prova pericial.
58
Idéia Central D
O artigo 196 da Constituição Federal é de aplicação imediata e não depende de
regulamentação
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
Os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal são de aplicação imediata.
O Ente Público não pode se furtar ao dever que lhe impõe o artigo 196 da Constituição
Federal, devendo implementar políticas públicas e econômicas que visem reduzir o
risco de doenças, promovendo o acesso universal ao sistema de saúde, a fim de
resguardar a saúde dos cidadãos. No caso concreto, a proteção ao direito à saúde
implica no fornecimento da assistência farmacêutica requerida.
Idéia Central E
O direito à vida deve ser garantido integralmente, estando acima de questões
orçamentárias e burocrática
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
Os procedimentos e política de saúde não devem preponderar frente ao direito à vida,
visto que normas infraconstitucionais não podem ficar acima do texto constitucional.
Desta forma, não há que se falar em obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos
somente quando existir consonância com os protocolos administrativos que têm por
finalidade otimizar a ação estatal. O princípio da reserva do possível também não pode
ser utilizado como uma justificativa genérica para o não atendimento de pedido
específico de assistência farmacêutica, uma vez que a aplicação dos recursos
orçamentários deve prever gastos com a assistência farmacêutica de alto custo.
59
Idéia Central F
Os profissionais prescrevem o tratamento adequado de uma enfermidade e o
provimento da Assistência Farmacêutica não inviabiliza o sistema
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
O profissional médico não realiza a prescrição de assistência farmacêutica a ser
fornecida pelo Poder Pública mas sim o tratamento mais adequado para o tratamento de
uma doença, sendo o Estado instado a fornecê-la somente quando o cidadão não possui
condições de adquiri-la com recursos próprios. A concessão de assistência
farmacêutica em casos específicos e isolados não inviabilizará o sistema único de
saúde.
Idéia Central G
O protocolo de atendimento não foi observado e o fornecimento da assistência
farmacêutica onera o sistema
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
As opções disponíveis nos Sistema Único de Saúde devem ser privilegiadas sempre
que não for comprovada a improbidade da política de saúde existente e a eficácia
exclusiva do medicamente pleiteado. Como o poder público não possui recursos
suficiente para atender a todas as necessidades do cidadão, o direito à saúde deve ser
ponderado com o princípio da reserva do possível e, desta forma resguardar-se-á a
ordem e economias públicas.
60
Idéia Central H
O medicamento não é regulamentado pela ANVISA
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tem a função de promover a
proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitária da produção e
comercialização de produtos e serviços de saúde de forma que a falta de registro da
assistência farmacêutica junto ao órgão torna impossível exigir-se que o Estado a
forneça às pessoas que a postula.
Idéia Central I
O pedido não está devidamente instruído ou há erro de procedimento
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
Os procedimentos burocráticos para a prestação de assistência farmacêutica no Sistema
Único de Saúde existem para otimizar a ação estatal garantindo acesso aos cidadãos.
Desta forma, é preciso haver prova de que a assistência farmacêutica não possa ser
substituída por similar disponível no Sistema Único de Saúde, além de comprovar a
recusa de fornecimento pelo órgão competente.
2.3.3 Análise geral
A distribuição das decisões por mês do ano evidencia uma maior
concentração ao final do primeiro e início do segundo semestre (Tabela 2 e Figura 1).
61
Tabela 2 – Distribuição das decisões do TJ-PR referentes a assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Mês N % JAN 18 4,22 FEV 12 2,81 MAR 37 8,66 ABR 42 9,85 MAI 45 10,56 JUN 41 9,66 JUL 48 11,26 AGO 45 10,56 SET 36 8,45 OUT 36 8,45 NOV 41 9,66 DEZ 25 5,86 TOTAL 426 100 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
Figura 1 – Distribuição por mês das sentenças analisadas Entre as peças processuais estudadas, nota-se o predomínio de agravos de
instrumento (Tabela 3 e Figura 2).
62
Tabela 3 – Peças processuais a que se referem as decisões do TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Peças processuais N % Agravo 16 3,76 Agravo Regimental 6 1,41 Agravo de instrumento 159 37,33 Apelação Cível 80 18,78 Apelação Cível e Reexame necessário 91 21,36 Mandado de Segurança 64 15,02 Reexame necessário 10 2,34 TOTAL 426 100 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
Figura 2 – Peças processuais analisadas
Quanto ao tipo de procurador, verifica-se que o Ministério Público do
Estado do Paraná foi responsável por grande número das peças processuais que
motivaram as decisões estudadas, na realidade, 185 decisões ( 43% do total) das peças
tinham o Ministério Público como representante dos demandantes, enquanto em 241
(57% do total) a representação foi feita por advogado particular (figura 3).
63
Figura 3 – Tipo de procurador nos processos
No polo passivo das ações, o Estado do Paraná foi o mais demandado,
seguido pelo secretário de saúde e Município (Tabela 4 e Figura 4).
Tabela 4 – Réus nos processos analisados a que se referem as decisões do TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Réus nos processos N % Estado do Paraná 298 69,96 Município 68 15,97 Particular/Autarquia 1 0,23 Secretário de Saúde 51 11,97 Secretário Municipal de Saúde 8 1,87 _____________________________________________________________________ TOTAL 426 100 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
64
Figura 4 – Pólo passivo das ações nas decisões analisadas
A análise da prevalência de relatores no ano de 2010 demonstra uma
predominância de relatoria e decisões por parte do magistrado M1(Tabela 5 e Figura 5).
Tabela 5 – Distribuição de decisões por magistrados no TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010.
Magistrado N %
M1 91 21 M2 40 9,38 M3 33 7,74 M4 33 7,74 M5 30 7,04 M6 28 6,57 M7 21 4,92 M8 15 3,52 M9 31 7,26 M10 1 0,23 M11 13 3,05 M12 8 1,87 M13 1 0,23 M14 1 0,23 M15 36 8,45 M16 25 5,86 M17 9 2,11 M18 1 0,23 M19 2 0,46 _________________________________________________________________ TOTAL 426 100 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
65
Figura5 – Distribuição do número de decisões por relatores
As decisões analisada, em 95% dos casos (401 decisões), foram favoráveis
em conceder ao requerente a assistência farmacêutica pleiteada, enquanto em 5% (21
decisões) a decisão foi pelo indeferimento do pedido (Figura 6).
66
Figura 6 – Decisões a respeita do fornecimento da assistência farmacêutica
Analisando o discurso presente na fundamentação do voto dos relatores,
verificou-se que as idéias centrais mais predominantes foram aquelas classificadas
como A, C e E (Tabela 6 e Figura 7)
Tabela 6 – Prevalência de idéias centrais nas decisões do TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Idéias centrais Prevalência em 426 decisões A 218 B 115 C 265 D 107 E 238 F 74 G 4 H 3 I 13 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
67
Figura 7 – Idéias centrais (números absolutos) na fundamentação das decisões
As decisões analisadas faziam referência principalmente a neoplasias,
doenças pulmonares,hepáticas, reumatológicas e neurológicas (Tabela 6 e Figura 8).
68
Tabela 7 – Distribuição de doenças nos processos a que se referem as decisões do TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Doenças N % DOENÇAS ALÉRGICAS 4 0,93 NEOPLASIAS 82 19,34 DOENÇAS CARDIOVASCULARES 21 4,92 DOENÇAS DERMATOLÓGICAS 8 1,87 DOENÇAS ENDOCRIONOLÓGICAS 15 3,52 DOENÇAS GASTRO-INTESTINAIS 3 0,71 DOENÇAS HEMATOLÓGICAS 2 0,46 DOENÇAS HEPÁTICAS 45 10,56 DOENÇAS INFECCIOSAS 8 1,87 DOENÇAS NEFROLÓGICAS 2 0,46 DOENÇAS NEUROLÓGICAS 35 8,21 DOENÇAS OFTALMOLÓGICAS 19 4,46 DOENÇAS ORTOPÉDICAS 8 1,87 DOENÇAS OTORRINOLARINGOLÓGICAS 1 0,23 DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS 18 4,22 DOENÇAS PNEMOLÓGICAS 70 16,43 DOENÇAS REUMATOLÓGICAS 35 8,21 SEQUELAS DE TRAUMA 3 0,71 DOENÇAS UROLÓGICAS 2 0,46 CAUSA DESCONHECIDA 45 10,56 _____________________________________________________________________ TOTAL 426 100 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
69
Figura 8 – Distribuição por grupo de patologia
Entre as classes de medicamentos mais requeridos, verifica-se que houve
uma maior incidência de solicitação de anticorpos monoclonais, seguidos por
broncodilatadores (Tabela 8 e Figura 9)
70
Tabela 8 – Distribuição por classe de medicamentos mais prevalentes nas decisões do TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Medicamentos Prevalência em 426 decisões Anticorpo monoclonal 84 Antiviral 20 Broncodilatadores 49 Imunomoduladores/quimioterápicos 16 Insumos 50 Interferon 22 Proteína dimérica recombinante 14 Psicofármacos 20
Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
Figura 9 – Distribuição por classe de medicamentos
71
Na classe de anticorpos monoclonais, a distribuição por medicamentos
evidencia um maior número de decisões a respeito de ranibizumabe, transtuzumabe e
adalimumabe (Tabela 9 e Figura 10)
Tabela 9 – Distribuição de medicamentos no grupo de anticorpos monoclonais requeridos nos processos a que se referem as decisões do TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Anticorpo monoclonal N % Adalimumabe (Humira) 14 16,66 Bevacizumabe (Avastin) 4 4,77 Cetuximabe (Erbitux) 1 1,19 Imatinib (Glivec) 5 5,95 Infliximabe (Remicade) 4 4,77 Lapatinibe (Tykerb) 1 1,19 Natalizumabe (Tysabri) 3 3,57 Omalizumabe (Xolair) 5 5,95 Palivizumabe (Synagis) 1 1,19 Ranibizumabe (Lucentis) 4 4,77 Rituxumabe (Mabtera) 16 19,04 Soratinibe (Nexavar) 4 4,77 Sunitinibe (Sutent) 7 8,33 Trastuzumab (Herceptin) 15 17,85 _____________________________________________________________________ TOTAL 84 100 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
72
Figura 10 – Distribuição de medicamentos na classe anticorpos monoclonais
Verificou-se que a assistência farmacêutica mais requerida entre os casos
analisado e afastando-se o grupo de anticorpos monoclonais foram o brometo de
tiotrópio (47 solicitações), seguido de interferon peguilado (18 solicitações) etanercepte
(14 solicitações), oxigenoterapia hiperbárica (11 solicitações) e citrato de sildenafil (9
solicitações) (Figura 11).
73
Figura 11 – Assistência farmacêutica mais requerida
2.3.4 Fundamentação das decisões e dos votos dos relatores
As idéias centrais presentes nas decisões e votos dos relatores foram
esquematizados conforme demonstrado na tabela 10:
74
Tabela 10 – Distribuição de idéias centrais por magistrado nas decisões do TJ-PR que tratam da assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Magis*/IC** A B C D E F G H I Total M1 61 60 72 73 52 67 0 2 1 91 M2 6 7 20 2 25 0 0 0 0 40 M3 24 5 16 2 26 0 1 0 3 33 M4 16 4 20 3 18 0 0 0 2 33 M5 10 5 11 3 26 0 0 0 2 30 M6 24 4 22 3 12 0 0 0 0 28 M7 9 0 16 2 2 0 0 0 0 21 M8 8 1 12 6 8 0 0 0 0 15 M9 13 16 20 2 23 6 0 1 0 31 M10 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 M11 3 2 4 0 10 0 0 0 0 13 M12 3 3 5 0 3 0 0 0 0 8 M13 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 M14 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 M15 17 3 26 7 9 1 1 0 0 36 M16 13 1 17 2 9 0 0 0 2 25 M17 7 1 2 0 8 0 0 0 1 9 M18 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 M19 1 1 1 0 2 0 0 0 0 2 M20 1 0 0 0 1 0 0 0 1 2 M21 1 1 1 0 1 0 0 0 0 1 M22 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 M23 1 1 0 1 2 0 0 0 0 3
Total 218 115 265 107 238 74 4 3 13 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
* Magis = magistrado **IC = Idéia central
Visto que as idéias centrais não apresentam distribuição homogênea,
percebe-se que cada magistrado apresenta perfil distinto do padrão de decisões. Embora
os dados na pesquisa sejam bastante restritos, a extrapolação dessa tendência pode
indicar que seria possível identificar o magistrado de acordo com a prevalência de idéias
centrais, como sugerem os dados expressos na figura 12.
75
Figura 12 – Prevalência de idéias centrais por magistrado.
2.3.5 Análise dos pedidos indeferidos de assistência farmacêutica
Analisando as decisões que indeferiram o pedido de assistência
farmacêutica as idéias prevalentes foram apresentaram distribuição com prevalência das
idéias centrais “I”, “G” e “H” (Tabela 11 e Figura 13)
76
Tabela 11 – Prevalência de idéias centrais nas decisões do TJ-PR que indeferiram o requerimento de assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Idéias centrais Prevalência em 21 decisões
A 2 B 0 C 0 D 1 E 0 F 0 G 4 H 3 I 13
Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
Figura 13 – Prevalência das idéias centrais nos pedidos de AF indeferidas
Nas decisões que indeferiram o pedido de assistência farmacêutica, nota-se
que o magistrado M3 foi o que apresentou maior número de decisões em relação aos
demais (Tabela 12 e Figura 14).
77
Tabela 12 – Distribuição de decisões por magistrados do TJ-PR que indeferiram o requerimento de assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Magistrado Decisões M1 3 M3 5 M4 2 M5 2 M9 1 M13 1 M14 1 M15 1 M16 2 M17 1 M18 1 M20 1 TOTAL 21 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria
Figura 14 – Decisões e relatoria nos pedidos indeferidos de AF
A distribuição de idéias centrais por magistrado nas decisões que
indeferiram o pedido de assistência farmacêutica não obedece padrão homogêneo, mas
nota-se identidade entre decisões de magistrados, como por exemplo entre M4, M16,
M18 e M20, também entre M13, M14 e M15 (Tabela 13 e Figura 15).
78
Tabela 13 – Distribuição de idéias centrais por magistrado nas decisões do TJ-PR que indeferiram o pedido de assistência farmacêutica do SUS de janeiro a dezembro de 2010. Magis*/IC A D G H I TOTAL M1 0 0 0 2 1 3 M3 0 1 1 0 3 5 M4 0 0 0 0 2 2 M5 1 0 0 0 1 2 M9 0 0 0 1 0 1 M13 0 0 1 0 0 1 M14 0 0 1 0 0 1 M15 0 0 1 0 0 1 M16 0 0 0 0 2 2 M17 1 0 0 0 1 2 M18 0 0 0 0 1 1 M20 0 0 0 0 1 1 TOTAL 2 1 4 3 12 Fonte: TJ-PR. Elaboração própria * Magis = magistrado **IC = Idéia central
Figura 15 – Prevalência de idéias centrais por magistrado nas AF indeferidas.
A distribuição quanto às especialidades a que se referiam a assistência
negada mais prevalentes foram a oncologia (3 decisões), a oftalmologia (3 decisões), a
79
reumatologia (3 decisões) e a infectologia (duas decisões) afastando o grupo de decisões
onde não foi possível identificar a doença e, de maneira conseqüente, a especialidade
médica (Figura 16).
Figura 16 – Distribuição por especialidade médica das AF indeferidas
3. DISCUSSÃO
3.1 SOBRE O PROCESSO DE TRABALHO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO PARANÁ NO ANO DE 2010
A distribuição de decisões por meses do ano evidencia uma sensível queda
de produção nos meses de janeiro, fevereiro de dezembro. Tal fato pode ser atribuído a
períodos de recesso e suspensão de prazos processuais. Segundo informações do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, atendendo a pedido da OAB-PR, suspendeu-se
os prazos processuais entre 21 de dezembro de 2009 a 6 de janeiro de 2010 por
intermédio da resolução número 15/2009 do Órgão Especial do TJ-PR que instituiu o
plantão judiciário (mantendo atendimento ao público nas repartições judiciárias, não
80
impedindo a prática de ato processual de natureza urgente e necessário à preservação de
direitos) de 21 a 24 e 28 a 31 de dezembro de 2009 e de 4 a 6 de janeiro de 2010,
retomando-se os prazos em 7 de janeiro de 2010109.
A queda do número de decisões no mês de dezembro de 2010 também pode
ser explicada por suspensão de prazos processuais entre 20 de dezembro de 2010 a 6 de
janeiro de 2011 estabelecida em sessão do Órgão Especial do TJ-PR em 12 de
novembro de 2010, expressa na resolução nº16/2010110.
A respeito das peças processuais mais prevalentes, verifica-se a
predominância do agravo de instrumento. O fato pode ser atribuído à própria natureza
do direito discutido nas decisões estudadas. Trata-se do direito à saúde relacionado ao
direito à vida sendo a falta de assistência farmacêutica, nesses casos, considerada como
causadora de dano de difícil reparação. Assim, espera-se que nesses casos haja um
número relativamente elevado de pedidos liminares que ensejariam a possibilidade de
agravo de instrumento, como demonstrado em estudo conduzido em São Paulo que
estudou processos referentes ao fornecimento de medicamentos entre os anos de 1997 e
2004 nas 4ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 10ª, 11ª, 12ª, 13ª e 14ª Varas da Fazenda Pública do Estado de
São Paulo que concluiu: Verificou-se que os autores interpõem ora ações ordinárias com pedido de antecipação de tutela e ora mandado de segurança. Destaca-se que, independente do tipo de ação interposta em juízo, em 100% dos casos há pedido liminar por parte do autor, visando à concessão imediata do medicamento pleiteado. A urgência na satisfação deste pedido é demonstrada pelo autor através da alegação de iminente risco de morte ou agravo em decorrência do não uso da medicação111.
Desta forma, o recurso cabível em decisões de juízes de primeiro grau que
concedam ou deneguem a segurança no mandado de segurança, seria o agravo de
109 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Resolução nº15/2009 do Orgão Especial. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/pesquisa_athos/publico/ajax_concursos.do?tjpr.url.crypto=8a6c53f8698c7ff7801c49a82351569545dd27fb68d84af89c7272766cd6fc9f934d73d1e0dbffb0f1558d03b7583af3560ab941bad62ff9b8704e452bb7154f>. Acesso em: 12 de nov. 2011. 110 Brasil. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Resolução nº16/2010 do Orgão Especial. Disponível em:< http://portal.tjpr.jus.br/pesquisa_athos/publico/ajax_concursos.do?tjpr.url.crypto=8a6c53f8698c7ff7801c49a82351569545dd27fb68d84af89c7272766cd6fc9f8cf9693591f825466a474f0a9fbc9b46560ab941bad62ff9b8704e452bb7154f> . Acesso em: 12 de nov. 2011. 111 MARQUES, Silvia Badim. A relação do sistema jurídico e do sistema político na garantia do direito social à assistência farmacêutica: o caso do Estado de São Paulo. Dissertação (mestrado) – Universidade de São Paulo. p. 34 e 35.
81
instrumento, como previsto no parágrafo primeiro do artigo 7º da Lei 12.016 de 2009
que disciplina o mandado de segurança individual e coletivo. §1º Da decisão do juiz de primeiro grau que conceder ou denegar a liminar caberá agravo de instrumento, observando o disposto na Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil112.
Assim, embora não seja o foco do trabalho, é possível que o grande número
de agravos de instrumentos nas decisões analisadas esteja correlacionado com grande
número de pedidos liminares formulados pelos autores.
A respeito do pólo passivo, considerando a competência do Tribunal
estudado é de se esperar que não exista demandas em face da União. Verifica-se uma
predominância de ações contra o Estado e contra o Secretário de Saúde que talvez seja
explicada pelo próprio procedimento de busca de assistência farmacêutica: o cidadão
dirige-se ao Município que o encaminha para a SESA e lá se dá a negativa definitiva.
Outra possibilidade, considerando que o Ministério Público é o principal representante
neste tipo de lide, é que o Ministério Público tenha preferência em demandar o Estado
ao invés do Município.
Como se frisou, a presença do Ministério Público nas ações a que se referem
as decisões analisadas é marcante. A Constituição Federal Brasileira de 1988 atribuiu ao
Ministério Público o papel de zelar pelas “liberdades públicas, os interesses difusos, o
meio ambiente, as vítimas não só da violência como as da chamada criminalidade do
colarinho branco – ainda que o agressor seja muito poderoso ou até mesmo se o
agressor for o governo ou o governante”113.
O artigo 127 da Constituição Federal114 confere ao Ministério Público
autonomia necessária para atuar na defesa de direitos dos cidadãos inclusive contra o
próprio Estado para garantir, entre outros, o direito à Saúde.
112 BRASIL. Lei 12.016 de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 10 ago 2009. Poder Executivo. Seção I 113 MAZZILI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. 114“Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares,
82
Por tratar-se de matéria de relevância pública e interesse social, deve o Ministério Público zelar pelo respeito de fato as ações e serviços de saúde, lançando mão de todas as medidas judiciais ou extrajudiciais necessárias à sua preservação, seja para atuação preventiva ou curativa, (art. 129, II e III c/c art.197 da CF/88 e art 5º, inciso V, alínea “a” da Lei Complementar nº75/93), dispondo portanto de instrumental próprio , como é o caso das Ações Civis Públicas e outros, os quais permitem o ajuste legal de possíveis irregularidades115.
As atribuições do Ministério Público em relação à política pública no setor
da saúde permitem a atuação extrajudicial preventiva (em situações que poderão
acarretar prejuízo aos cidadãos) além da atuação judicial curativa. Em virtude do amplo
espectro de competências do Ministério Público e a especificidade do tema, foi
necessário organizar uma estrutura especializada para fiscalizar o cumprimento da
legislação pertinente para a prestação do serviço de saúde à população. O Ministério
Público do Estado do Paraná foi pioneiro neste sentido, criando o Centro de Apoio
Operacional de Defesa da Saúde Pública (CAOP Saúde Pública) por intermédio da
Resolução Nº1051, de 11/08/1997 – PGJ e nº 1014, de 15/08/1997 – PGJ, seguido pelo
Ministério Público do Distrito Federal (Portaria nº653/PGJ , de 1º de setembro de 1997
que criou e instalou a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde – PROSUS) e
Ministério Público do Estado de São Paulo (com a criação do Grupo de Atuação
Especial da Saúde Pública e da Saúde do Consumidor – GAESP por intermédio do Ato
nº 173/99, de 11/02/1999).116
Pesquisa conduzida em 2004 no Município de Londrina demonstrava que
foram realizados, naquele ano, 217 solicitações de intervenção no Ministério público
provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. § 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. § 4º Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3º. § 5º Se a proposta orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em desacordo com os limites estipulados na forma do § 3º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. § 6º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais”. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, 5 out. 1988. Poder Executivo. Seção I). 115BRASIL. Ministério Público do Estado do Espírito Santo. Centro de Estudos e Aperfeiçoamanto Funcional. Saúde: um Direito inviolável à vida. Vitória, CEAF, 2002. p.81. 116 Ibid p.83 e 84.
83
para a garantia e efetivação do direito à saúde (de um total de 632 atividades
catalogadas pela promotoria) e destes, 144 requisições faziam solicitação de
medicamentos, 24 requisitava cirurgias, 19 requisições de exames e 49 pedidos
distribuídos entre consultas, exames e tratamento médico.117 A natureza de tais
requisições no Município de Londrina (que provavelmente devem se repetir pelas
promotorias da maioria das Comarcas do Estado do Paraná) ressalta a ausência da
Defensoria Pública Estadual, outro órgão que ajudaria a auxiliar na efetivação do direito
à saúde. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a Defensoria Pública foi
responsável por 83% das representações em ações que solicitavam assistência
farmacêutica no ano de 2006, em estudo realizado no Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro118. Desta forma, há elementos que permitem afirmar que no Estado do
Rio de Janeiro a falta de assistência farmacêutica seria um problema que afetaria
principalmente cidadãos hipossuficientes, fato que provavelmente se repita nos demais
Estados da federação. Também é possível inferir que, caso os resultados da pesquisa
realizado no Estado do Rio de Janeiro possam ser extrapolados, o Ministério Público
tenha substituído a Defensoria no Estado do Paraná.
A assistência jurídica no Brasil é prevista no artigo 5º, caput, da
Constituição Federal de 1988 que institui o princípio do acesso à justiça e o devido
processo legal119, além de garantira a integralidade e a gratuidade do acesso, que juntos,
configuram verdadeira inovação no Brasil, pois de certa forma, amplia o dever do
Estado de prestar assistência jurídica.
117 NUNES, Alexsandra Santana; ALAPANIAN, Silvia. O Ministério Público e o Direito à Saúde em Londrina. Serviço Social em revista. Volume 8, número 1, jul/dez 2005. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/ssrevista/c-v8n1_alexandrea.htm>. Acesso em: 22 de dez 2011. 118 PEPE, Vera Lúcia Edais; et. al. Caracterização de demandas judiciais de fornecimento de medicamentos “essenciais” no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 26(3):461-471, mar, 2010. 119 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Op.cit)
84
Com essas prerrogativas está garantido em termos legais, o acesso da população carente às instituições de Justiça, em todos os graus de jurisdição. Ao estado cabe oferecer também orientação jurídica de forma abrangente, enfrentando não somente os obstáculos econômicos ao acesso à Justiça, mas também os obstáculos sociais e culturais, a fim de garantira a igualdade no exercício desse direito (...) Esse preceito foi reforçado com a definição em âmbito constitucional da criação e funcionamento da Defensoria Pública, e sua inclusão nas funções essenciais da Justiça brasileira, juntamente com o Ministério Público, a Advocacia Geral da União e a Advocacia. O artigo 135 define a defensoria pública como “instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a orientação jurídica, a defesa, em todos os graus, dos necessitados (...) na União, no Distrito Federal, nos Territórios e nos Estados.120
Sob esse prisma, a Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994
organizou e apresentou as normas gerais da Defensoria Pública.
Embora prevista constitucionalmente a instituição, no Estado do Paraná a
defensoria era inexistente, sendo que a função da mesma era exercida por advogados
dativos desde 1991. Antes do término do mandato o governador do Estado, prestes a ser
substituído por um candidato de oposição, encaminhou projeto de regulamentação da
Defensoria Pública à Assembléia Legislativa, aprovando o texto em primeira discussão
em 2010. Após assumir o cargo, o governador eleito alegando que o projeto continha
falhas, tentou retirá-la de pauta, deflagrando a reação de movimentos sociais no Estado,
que se organizaram em um movimento denominado de “Pró-Defensoria” sob o slogan
“Defensoria Já”121.
Assim, após um ano de embates políticos o governador sancionou “o projeto
de Lei Complementar nº 359, de 2011, que organiza a Defensoria Pública do Estado do
Paraná, em harmonia com a Lei Complementar nº 80, de 1994, com a redação dada pela
Lei Complementar, nº 132, de 2009, organizando a Defensoria Pública da União, do
Distrito Federal e dos Territórios e prescrevendo normas gerais para sua organização
nos Estados”122.
120 CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Acesso à Justiça e assistência jurídica em São Paulo. In: SADEK, Maria Tereza (Org.). Acesso à Justiça. São Paulo: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2001. (Pesquisas, n. 23). p.159. 121 PRIOSTE, Fernando. Criação da Defensoria Pública do Estado do Paraná é inadiável: Defensoria já! Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos. Disponível em:< http://terradedireitos.org.br/biblioteca/notas/criacao-da-defensoria-publica-do-estado-do-parana-e-inadiavel-defensoria-ja/>. Acesso em: 14 de jan 2012. 122 DOTTI, René Ariel. Defensoria Pública do Estado do Paraná (I) Finalmente: legem habemus em favor dos necessitados. Coluna Breviário Forense. Jornal O Estado do Paraná. Disponível em: < http://www.parana-
85
A demora para regulamentar a Defensoria Pública Estadual talvez esteja
relacionado com o fato de ser o Estado o foco principal de ações que tenham por
finalidade garantir direitos fundamentais. Esta hipótese ganha relevo na presente
pesquisa já que se nota que o Estado do Paraná é o mais demandado quando o assunto
versa a respeito de assistência farmacêutica. Assim, parece ser um contra-senso esperar
que o ente federativo crie uma entidade que terá como principal produto de sua atuação
demandar o Estado judicialmente.
Não se afasta a importância dos movimentos sociais para a regulamentação
da Defensoria Pública no Estado, mas não se pode afastar a conjuntura política que
possibilitou a atuação desses movimentos de forma que, no momento, se aguarda os
desdobramentos da regulamentação e a concretização do projeto de uma instituição
estadual que atue em favor dos despossuídos e hipossuficientes.
Com relação ao número de decisões proferidas, seja como relator, seja em
decisões monocráticas evidencia uma produção exacerbada do magistrado M1 que
totalizou 91 decisões (mais que o dobro de M2 que emitiu 40 decisões). O fato pode ser
atribuído a eventual especialidade do magistrado M1 no assunto123, já que a análise do
regimento interno do TJ-PR não fornece justificativa para um número tão grande de
decisões.
3.2 SOBRE AS DECISÕES ANALISADAS
As idéias centrais mais prevalentes, como demonstrado, foram as idéias A
(“Há competência na composição dos pólos processuais - ativo e passivo”), C (“O autor
comprova ser portador de doença e hipossuficiente sendo obrigatória a assistência
farmacêutica”) e E (“O direito à vida deve ser garantido integralmente, estando acima
de questões orçamentárias e burocrática”).
online.com.br/colunistas/149/85695/?postagem=A+DEFENSORIA+PUBLICA+DO+ESTADO+DO+PARANA+I>. Acesso em: 14 de jan. 2012. 123 Foi realizada busca do currículum vitae do magistrado na plataforma Lattes e por intermédio de instrumentos de busca na internet, contudo, não foi possível obter informações nesse sentido.
86
O discurso do sujeito coletivo da idéia central A refere-se a preliminar de
ilegitimidade da composição do pólo ativo e passivo124. A parte demandada alega nas
preliminares a ilegitimidade da composição do pólo ativo, geralmente quando este é
composto pelo Ministério Público125. Como demonstrado, quase metade das decisões
analisadas tinham o Ministério Público como procurador da parte demandante. Assim,
caso o argumento de ilegitimidade do Ministério Público prevalecesse haveria evidente
impacto sobre as decisões referentes à assistência farmacêutica.
Entre os argumentos que afastam a ilegitimidade do Ministério Público
destaca-se o fragmento da decisão 03 (anexo 2) como exemplo de como o Tribunal
rejeita esse tipo de entendimento.
O direito à saúde é indisponível, próprio ao Ministério Público sua defesa, no termos do art. 127 da CF, verbis: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. A Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.º 8.625/93), no art. 25, inc. IV, alínea “a”, prevê que ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública “para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos”. No mesmo sentido a Lei 7437/85.
Também merece destaque a menção ao trabalho do Ministério Público em
face da inexistência da Defensoria Pública Estadual presente na decisão 353 (anexo 2),
tema já abordado no ítem 3.1 do presente trabalho.
Há muito tem se reconhecido a legitimidade ativa do Ministério Público para atuar em defesa do direito individual indisponível à saúde, em especial de pessoal carente (como é o caso dos autos), mormente porque age, aqui, em substituição à Defensoria Pública, inexpressiva (senão ausente) na região.
Em relação à legitimidade do pólo passivo, a argumentação se faz por
intermédio de interpretação do artigo 196 da Constituição Federal de 1988, que
determinada que a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo este termo
124 A legitimidade tanto do pólo ativo quanto do pólo passivo se dão por determinação legal (texto constistucional) com a mesma estrutura de argumentação, motivo pelo qual foram aglutinados na mesma idéia central e compõem o mesmo discurso do sujeito coletivo. 125 A parte demandada, nesses casos, geralmente alega carência de ação por falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. Esse último argumento sustenta que a decisão implicaria em ingerência do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo ferindo o princípio da separação de poderes, idéia central B no presente trabalho. A idéia central B, contudo, só foi considerada como tal quando o magistrado afasta, justificadamente, esta tese.
87
interpretado de forma ampla, e a solidariedade de financiamento entre os entes
federativos tem por base a disposição do II do artigo 23 Art.23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência126;
Neste sentido, também o §1º do artigo 198 da Carta Magna.
Art. 198 §1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes127.
Desta forma, entende-se que não há litisconsórcio necessário entre os entes
federativos, como exemplifica fragmento da decisão 14 (anexo 2) Portanto, diante da responsabilidade solidária dos entes públicos (pessoas jurídicas de direito público interno da administração direta) quanto à garantia do direito fundamental à saúde, qualquer um deles, como é o caso do Estado do Paraná, poderá ser demandado para que seja dado efetivo cumprimento ao referido direito constitucional. Por isso desnecessário que a União figure como litisconsorte passivo necessário no feito.
O Discurso do Sujeito Coletivo decorrente da idéia central C embasa o
fornecimento da assistência farmacêutica em três constatações. A primeira na
comprovação da doença e necessidade da assistência farmacêutica, a segunda na
hipossuficiência do requerente e a terceira na obrigatoriedade de fornecimento por parte
do requerido.
A comprovação da doença é feita pelo diagnóstico do médico assistente
devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina128. Partindo dessa premissa, o
operador do direito desconsidera uma série de variáveis que influem sobre a concepção
de doença, bem como sobre a necessidade de intervenção.
126 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.op.cit. 127 Idem. 128 Como exemplo, a decisão 01 (anexo 2) que afirma: “A simples receita médica elaborada por médico que acompanha o paciente, conhecendo seu quadro, é suficiente para demonstrar a necessidade do remédio (fls. 27). A qualificação do médico e sua capacidade técnica não foram desmentidas, negadas ou rejeitadas, suas conclusões, porque acompanha a paciente, devem prevalecer”.
88
A filosofia e a prática do modelo político-econômico-social na moderna sociedade capitalista apontam para o "consumismo" como estratégia básica da dinâmica econômica. Na área da saúde a imposição compulsiva ao consumo se expressaria na demanda de ações de saúde — ou mais restritamente na demanda de "atos médicos" — impulsionada, fundamentalmente, por necessidades endógenas do chamado "complexo médico-industrial" ainda que muitas vezes sob a máscara de um propósito ético ou social de melhorar o nível de bem-estar da coletividade. Atendendo às exigências do mercado, as classes com maior poder aquisitivo passam a adquirir produtos e a consumir serviços supérfluos, obviamente não estando imune desse processo o setor saúde. E a própria população de baixa renda que dificilmente tem acesso ao atendimento de suas necessidades básicas de saúde — e, mesmo, de vida — ainda assim paga elevado tributo ao consumo supérfluo — por exemplo, de medicamentos estimulada que é pelas técnicas de venda de atos e produtos "desnecessários", — quando não efetivamente danosos129.
A saúde, como já discutido, é concebida como um bem de consumo,
passível de ser comprada e vendida, sujeita à lógica de mercado como os demais
produtos130. O produto que, sem dúvida “materializa” a saúde e ilustra muito bem o
processo de consumo neste contexto é, sem dúvida, o medicamento. O medicamento
ganha importância no contexto capitalista após a Guerra Mundial do século XX, quando
o processo de quimiossíntese proporciona a produção em escala e o “sucesso” da
penicilina proporciona ao medicamento uma importância simbólica ao paciente (que
recebe a “cura” de sua doença) e ao médico (para quem a “o medicamento
adequadamente prescrito dá prestígio e realça o seu poder sobre o paciente, para quem,
129BARROS, J.A.C. Estratégias mercadológicas da indústria farmacêutica e o consumo de medicamentos. Revista de Saúde Pública. São Paulo, 17:377-86,1983. p.378 130 O valor e a formação de valor são conceitos essenciais para a compreensão da economia política na qual estamos incluídos. As esferas da produção e a circulação devem ser compreendidos. Quando um produto não vai ao mercado é apenas um produto, se vai ao mercado se torna mercadorias. O mercado é a esfera de circulação das mercadorias. As mercadorias não são todas tangíveis, possuem uma estrutura composta por um estrato natural (valor de uso) e um estrato social (valor de troca). A força de trabalho também é um valor traduzido como salário. O salário, no entanto, não é igual aos produtos produzidos pela força de trabalho. O trabalhador produz um valor acima de seu salário (quantum necessário para sua sobrevivência) que é a mais valia. A mais valia é transformada em mais força de trabalho para produzir mais valia. O mercado é um espaço para realização de um sistema de produção. Na relação mercantil simples há uma simetria básica entre as trocas, exceto quando há entesouramento (um dá menos do que o que está sendo pago). Em uma relação capitalista não há essa relação. Na relação capitalista o dinheiro compra força de trabalho e esse trabalho produz mais valor do que aquele empregado para comprá-lo. Com o aumento do dinheiro se compra mais valor de trabalho realizando a acumulação capitalista. A acumulação de capital é importante porque é a determinação mais profunda, a lógica que impõe as condições para todo o resto. A acumulação para ser mais rápida necessita de tecnologia (para gerir a acumulação), pilhagem e o fundamentalismo de mercado (tratados de livre comércio, tratados agressivos para dominar o mercado). A acumulação acelerada produz um perfil híbrido de enfermidades: uma para os pobres, outra para os ricos ao mesmo tempo em que oferece assistência para tais enfermidades em troca de dinheiro, ou seja, mercantiliza a saúde (BREILH, Jaime. op.cit.).
89
igualmente, nada mais importante para caracterizar a boa consulta que a prescrição,
preferencialmente, da mais recente novidade farmacêutica”131).
Assim, o “produto saúde” (medicamento) está sujeito, como os demais
produtos comercializados, ao marketing, à construção da necessidade a tal ponto que
houve necessidade de regulação de propagandas de medicamentos.
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina, reconhecendo os potenciais riscos de patrocínios e propagandas, emitiu Resoluções que proíbem a vinculação da prescrição médica ao recebimento de vantagens materiais oferecidas por agentes econômicos interessados na produção ou comercialização de produtos farmacêuticos ou equipamentos de uso da área médica. Tais resoluções determinam que os médicos, ao proferirem palestras ou escreverem artigos que divulguem ou promovam produtos farmacêuticos ou equipamentos para uso na medicina, declarem os agentes financeiros patrocinadores, assim como a metodologia empregada nas pesquisas - quando for o caso - ou a bibliografia que serviu de base à apresentação quando esta transmitir conhecimento proveniente de fontes alheias. Foi também proibida “a inserção de matéria publicitária, vinculada à área médico-hospitalar e afim, em jornais e revistas editadas pelo Conselho Federal de Medicina e Conselhos Regionais de Medicina, como também em sítios na internet”132
Sabe-se que quase um terço da receita global das indústrias farmacêuticas
destina-se ao Marketing e propaganda de medicamentos.
Sob a égide da economia de mercado, a informação disponível sobre os medicamentos, destinada ou não aos prescritores, é produzida e disseminada, em grande medida, pelos próprios fabricantes. Confirmando a importância que é outorgada à publicidade, é suficiente recordar que os produtores gastam nessa atividade entre 15% e 25% do seu faturamento global.133
A propaganda de medicamentos, no entanto, não está restrita a veiculação
de chamadas publicitárias, mas a práticas que tem por intuito de influir na prescrição
médica. Exemplo dessa prática é a distribuição de amostras grátis.
131 Ibid p.378 132PALÁCIOS, M.; REGO, S.; LINO, M.H. Promoção e propaganda de medicamentos. Revista Interface – comunicação, saúde e educação v.12, n.27, p.893-905, out./dez. 2008, p. 894. 133 BARROS, J. A. C. A (des)informação sobre medicamentos. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 16(2):421-427, abr-jun, 2000. p.422
90
Westfall, McCabe e Nicholas (1997), ao analisarem a questão da distribuição e uso de amostras grátis pelos médicos, concluíram que só existe uma razão para a distribuição de amostras grátis pela indústria: mudar o comportamento do médico na hora de prescrever um medicamento. Segundo eles, a questão fundamental não seria se o médico pode ou não ter relacionamento com a indústria, mas, sim, se a relação do médico com o paciente deve sempre ter precedência. Entendem que prescrever uma medicação pela conveniência de ter uma amostra não é a melhor maneira de exercer a medicina para o paciente. A pertinência dessas conclusões para o nosso contexto pode ser reforçada ao considerarmos que a amostra disponível pode não ser suficiente para todo o tratamento, além de ser, quase como uma regra, mais cara que o medicamento já disponível.134
Outra forma de intervir na forma de prescrição de medicamentos é através
de diretrizes e informação médica. Estudo conduzido por BARROS135 no ano de 2000,
avaliou 44 especialidades farmacêuticas mais vendidas no Brasil, comparando
informações existentes no PDR (Physicians’ Desk Reference) e USP-DI (Drug
Information for the Health Care Professional) dos Estados Unidos com aquelas
presentes, para os mesmos produtos, no DEF (Dicionário de Especialidades
Farmacêuticas) brasileiro. Adotou como parâmetro de comparação as informações que a
Organização Mundial de Saúde (OMS) considera com indispensável para o prescritor,
quais sejam, nome genérico, mecanismo de ação, efeito farmacológico, indicação,
contra-indicação, posologia, reações adversas, interações, superdosagem, apresentação,
fabricante e importador. Os resultados demonstraram ausência, no manual brasileiro de
contraindicações, reações adversas, interações, o que permite desconfiar da qualidade da
prescrição.
Comercializado por uma editora de publicações de natureza médica, o referido compêndio, com freqüência, é distribuído gratuitamente por empresas farmacêuticas. Seu conteúdo é fruto de informações fornecidas aos editores pelas empresas fabricantes, sem antes passar pelo crivo de especialistas em farmacoterapia, dando muito mais a impressão de que se trata de um somatório de bulas, em um caso ou outro, mais completas. Tudo isto nos permite concluir que o texto em tela, eivado como está de tendenciosidades, tem conotação mercadológica, sendo muito mais que um manual informativo isento, de natureza técnico-científica, conforme se propõe a ser.136
Não é possível, portanto, deixar de considerar o assédio da indústria
farmacêutica aos profissionais que fazem as prescrições e, segundo entendimento do
134 WESTFALL, J.M.; MCCABE, J.; NICHOLAS, R.A. Personal use of drug samples by physicians and office staff. Journal of the American Medical Association, v.278, p.141-3, 1997. Apud: PALÁCIOS, M.; REGO, S.; LINO, M.H. op.cit., p. 897. 135 BARROS, J. A. C, op.cit., 2000. 136 Ibid, p.426.
91
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, estabelece o melhor tratamento para a doença
do paciente, sob pena de deixar a política pública de saúde à mercê do interesse
comercial de grandes grupos econômicos em detrimento da saúde da população.
Haveria portanto que as decisões referentes a medicamentos fossem, necessariamente
embasadas com critérios científicos, reduzindo a possibilidade de que o Poder Judiciário
atue em prol do mercado farmacêutico às custas do erário público.
Entre os requisitos para o fornecimento de assistência farmacêutica, nas
decisões que continham a idéia central C, há a necessidade de constatação de
hipossuficiência por parte do requerente.
A necessidade de comprovação de hipossuficiência não deveria ser requisito
a um sistema que se declara universal, ou seja, voltado para o atendimento de toda
população, não apenas dos hipossuficientes. A hipossuficiência é instituto do Direito de
Consumidor, previsto na Lei 8.078, de 11.09.1990, que dispõe no inciso VIII do art. 6º: Art.6º VIII - são direitos básicos do consumidor, a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
Desta forma, verifica-se que no caso a utilização do termo denota a
concepção de saúde como bem de consumo, o que poderá implicar em decisões que
desconsideram a universalidade do sistema e que poderão transformar a política pública
de saúde, na realidade em uma seguradora de saúde (atuando somente quando os
contratos de planos de saúde não proporcionem o tratamento adequado).
Assim, o que se verifica é uma descaracterização do SUS (que voltado
apenas para hipossuficientes não é universal) nos discursos presentes nas decisões de
magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, como afirma Lígia Bahia: “(...)
quem disser que esse SUS que aí está não é aquele aprovado pela Constituição porque
nem é único e nem tão universal não estará mentindo”.137
Embora não tenha se verificado qualquer decisão que negasse a assistência
farmacêutica com base na falta de hipossuficiência do requerente, é com receio que se
verifica que a tese é, de certa forma, acolhida pelo tribunal. O SUS nesse prisma, seria
um sistema complementar, voltado para aqueles que seriam considerados
137 BAHIA, Lígia. Superávit de saúde. Jornal O Globo, 26 de dez. 2011. Disponível em: <http://www.abrasco.org.br/noticias/noticia_int.php?id_noticia=865>. Acesso em: 16 de jan 2012.
92
hipossuficientes. Ressalta-se que a hipossuficiência não implica em pobreza,
necessariamente, mas em falta de recursos para custear determinado tratamento. Como
conseqüência, a política pública de saúde ficaria responsável por serviços de alto custo e
com baixa margem de lucro, subvertendo, desta forma, a formatação do sistema
teoricamente único.
A obrigatoriedade de fornecimento de assistência farmacêutica por parte do
requerido se faz com base no texto constitucional como evidencia fragmento da decisão
14 (anexo 2).
(...) o art. 196 da Constituição dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, sendo que a acepção de Estado tratada nesta norma jurídica deve ser compreendida de forma ampla, referindo-se a União, aos Estados-membros, aos Municípios e ao Distrito Federal. Sobre a interpretação da acepção ‘Estado’, Carlos Maximiliano já ensinava: “Quando as palavras forem suscetíveis de duas interpretações, uma estrita, outra ampla, adotar-seá aquela que for mais consentânea com o fim transparente da norma positiva. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p.256.) E José Afonso da Silva assevera: "A norma do art. 196 é perfeita, porque estabelece explicitamente uma relação jurídica constitucional em que, de um lado, se acham o direito que ela confere, pela cláusula a saúde é direito de todos, assim como os sujeitos desse direito, expressos pelo signo todos, que é signo de universalização, mas com destinação exclusiva aos brasileiros e estrangeiros residentes - aliás, a norma reforça esse sentido a prever o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde -, e, de outro lado, a obrigação correspondente, na cláusula a saúde é dever do Estado, compreendendo aqui a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que podem cumprir o dever diretamente ou por via de entidade da Administração indireta."(SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 768). Logo, o Estado do Paraná é responsável solidariamente pelo atendimento da garantia da saúde de sua população, notadamente daqueles que não possuem condições financeiras de subsidiarem sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
Verifica-se, portanto, que a responsabilidade do Estado para o fornecimento
de assistência farmacêutica é determinada por interpretação do texto constitucional.
Outro grupo de decisões que merece atenção são aquelas embasadas pela
idéia central E que defende a supremacia do direito à vida frente a questões burocráticas
e mesmo orçamentárias.
Os procedimentos para obtenção de assistência farmacêutica é esperado em
um Sistema de Saúde que abrange um país de dimensões continentais, devendo se
93
adequar a peculiaridades regionais e ao perfil de usuários de cada região. Desta forma, a
burocracia é parte necessária para viabilizar o sistema e garantir o planejamento para
ações em saúde.
No plano internacional a discussão da reforma do setor saúde foi
amplamente debatido na década de 90 do século XX em função de um conjunto de
pressões sobre os governos nacionais para alterar o perfil das políticas públicas. Entre as
questões de ordem estruturais podem-se citar as mudanças demográficas com o
envelhecimento da população, aumentando consideravelmente a demanda por serviços
de maior complexidade. A dificuldade de equacionamento do financiamento e gastos
públicos nos quadros de ajustes financeiros macroeconômicos, além das significativas
alterações nas tecnologias disponíveis nas áreas de cuidados médicos de provisão dos
serviços também podem ser citados.
Tais fatores determinaram uma tendência convergente de orientações nas
modificações das políticas público privadas para o setor. Se por um lado países com
tradição liberal passaram a utilizar instrumentos de planejamento e de regulação, países
com tradição de controle centralizado passam a utilizar instrumentos administrativos e
gerenciais, além de mecanismos que diminuem as formas diretas de intervenção do
setor público na operação dos serviços138.
Segundo Lígia Bahia, no Brasil há um evidente avanço do componente
privado no sistema de saúde brasileiro após a Constituição Federal de 1988. Os
deslocamentos das relações ente público e privado decorrem dos movimentos de forte
expansão da oferta da rede básica e o aumento em menor escala de leitos públicos
conjugados ao crescimento do financiamento privado e incremento da oferta privada em
diagnose e terapia e substituição de leitos hospitalares tradicionais por unidades de
terapia intensiva. Tal fenômeno não ocorreu de forma espontânea, ocorreram sob a
liderança de agentes empresariais, governamentais e entidades e associações
profissionais139. A ação coordenada em favor de uma concepção de saúde como
mercadoria determina relação público-privada no setor da saúde que vem se
caracterizando por um crescente subsídio ao setor privado (traduzido por isenção
138 SILVA, P.L.B. Serviços de saúde: o dilema do SUS na nova década. São Paulo em Perspectiva, 17(1): 69-85,2003. p.70. 139 BAHIA, L. O sistema de saúde brasileiro entre normas e fatos: universalização mitigada e estratificação subsidiada. Ciência & Saúde Coletiva, 14(3):753-762, 2009. p. 757.
94
tributária a hospitais privados, participação do orçamento público no financiamento de
planos privados aos servidores públicos e deduções no imposto de renda de
consumidores de serviços privados de saúde).
Neste contexto de subfinanciamento da saúde pública e incentivos ao setor
privado a atuação do Poder Judiciário vem a agravar, ainda mais a situação do SUS. A
situação é pior para os pequenos Municípios que comprometem no mínimo 15% do
orçamento com a saúde e que demandados na Justiça, teriam direito a ação regressiva
sobre Estado e União em caso de condenação. Contudo, eventual ação regressiva seria
sobre o responsável para o repasse para o Município. Desta forma, possivelmente o
Município demandado arca isoladamente com o gasto não previsto, visto o custo
político de eventual ação regressiva poderia proporcionar.
A pesquisa realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná apresentou
baixa porcentagem de indeferimentos referentes ao pleito de assistência farmacêutica
(5% das decisões) contudo, cabe lembrar que o estudo analisou decisões também
mandados de segurança. Desta forma, não é possível afirmar que a porcentagem de
deferimento de fato se reflita sobre o fornecimento da assistência farmacêutica pleiteada
a longo prazo. O índice de deferimento indica que a insuficiência da política pública de
saúde seja patente e reconhecido pelo Poder Judiciário, entretanto, o fato de reconhecer
a deficiência da política pública e fornecer a assistência farmacêutica requerida para um
requerente não causa repercussão, via de regra, sobre a política de saúde. Pelo
contrário, ao fornecer a assistência farmacêutica para um requerente o Poder Judiciário
reafirma para a sociedade os preceitos constitucionais referentes à saúde efetivando o
direito para o cidadão esclarecido que buscou o auxílio da justiça, a grande maioria que,
cerceados pela ignorância ou limitados pelo tempo (pois morrem à espera da efetivação
de seus direitos) sofrem os reflexos de uma política de saúde ineficiente e bastante
aquém do que prevê a Carta Magna. O Poder Judiciário funciona como mecanismo de
redução de tensão social e garante que o direito seja efetivado na medida certa para
garantir o apaziguamento da sociedade (e dessa forma, favorece a desmobilização dos
movimentos sociais). O aumento de número de demandas na justiça que tenha como
foco uma doença ou medicamento específico pode alterar a política (caso o custo das
demandas seja superior à dispensação de medicamentos para toda a sociedade). Não há,
como se pode notar, compromisso com a efetivação do direito à saúde.
95
Os casos de indeferimento tratam, em sua maioria, de doenças oncológicas,
oftalmológicas e reumatológicas140. A fundamentação nos casos de indeferimentos se
fez com as idéias centrais I (“O pedido não está devidamente instruído ou há erro de
procedimento”), G (“O protocolo de atendimento não foi observado e o fornecimento da
assistência farmacêutica onera o sistema”) e H (“medicamento não é regulamentado
pela ANVISA”) havendo, ainda, a presença da idéia central A (“Há competência na
composição dos pólos processuais - ativo e passivo”) e D (“O artigo 196 da
Constituição Federal é de aplicação imediata e não depende de regulamentação”)
geralmente utilizadas para fundamentar o deferimento da assistência farmacêutica.
Ao negar o fornecimento da assistência farmacêutica utilizando-se a idéia
central I ocorre, aparentemente, contradição com a idéia central E (“O direito à vida
deve ser garantido integralmente, estando acima de questões orçamentárias e
burocrática”). Verifica-se que, nas decisões indeferidas com idéia central I, há falta de
elementos que permitam caracterizar a doença, ou prescrição adequada a respeito da
assistência farmacêutica requerida, conforme exemplifica a decisão 90 (anexo 2): A inicial do mandado de segurança não especifica a quantidade que deve ser concedida, a dosagem necessária para a realização do tratamento, nem mesmo o tempo pelo qual a impetrante deverá fazer uso deste para conter a enfermidade (...) o que implica no indeferimento da inicial, pois não se pode conhecer a extensão da necessidade da concessão, vez que não há se sequer documentação hábil com referência à prescrição do remédio, na dosagem, quantidade e especificando o período pelo qual a paciente deve fazer uso do medicamento. Não há como avaliar a procedência do pleito, porque alcados em elementos que não vieram aos autos de recurso.
Ou seja, o requerente não consegue fazer prova da necessidade da
assistência farmacêutica ou não traz elementos específicos que determinem a dose e
tempo de terapia.
No caso das decisões que continham a idéia central E, as “questões
burocráticas” a que a idéia central faz referência, referem-se a protocolos que não
contemplam a assistência farmacêutica requerida, sendo a necessidade desta
devidamente comprovada. Como exemplo, apresenta-se a decisão 154 (anexo 2) onde a
requerente solicita medicamento para tratamento de artrite reumatóide não contemplado
pelo programa de medicamentos excepcionais da SESA. Na apelação, o Estado refere
que a requerente foi inscrita no programa para tratamento de artrite reumatóide da
140 Desconsidera-se os casos em que a doença não é informada na decisão analisada.
96
SESA e poderia fazer uso de medicamento similar. Como a requerente não fez prova de
que necessitaria apenas do medicamente requerido ou que o medicamento similar
ofertado pela SESA: Na espécie, a apelante insiste na tese de que o medicamento adalimumabe é necessário para sua sobrevivência e que é de alto custo, desconsiderando o fato de que a segurança foi denegada por existir nos autos a notícia da existência de outro medicamento disponibilizado pelo SUS para o tratamento da doença – o infliximab (remicade) – e por não ter ela, embora instada a se manifestar antes da prolação na sentença, esclarecido nem comprovado que tal medicamento já fora ministrado sem sucesso. Segue, então, que as razões recursais não se prestam a motivar o inconformismo da apelante, que tinha o ônus, no recurso, de se contrapor ao fundamento invocado na sentença – existência de outro medicamento disponibilizado pelo apelado -, daí a inadmissibilidade do recurso.
Nas decisões com idéia central E, como no caso da decisão 19 (anexo 2), o
que se constata é que o requerente faz prova de que necessita de assistência
farmacêutica específica e, ainda que esta não esteja prevista no rol de medicamentos dos
protocolos do Ministério da Saúde, seu fornecimento pelo Estado é devido. Negar o fornecimento dos medicamentos Zoladex 3,6 mg e Flutamida 250 mg, ambos prescritos para o tratamento de idoso hipossuficiente, firmando estar amparado por protocolos clínicos, criados pelo Ministério da Saúde, o qual remete aos Centros de Alta Complexidade em Oncologia CACONs o tratamento de pessoas portadoras de câncer e que não indicam a prescrição do fármaco para a moléstia que acomete o impetrante é descumprir a Constituição Federal que impera enquanto norma superior em nosso Ordenamento Jurídico. A saúde é direito fundamental constitucionalmente assegurado no sentido de que o Poder Público deve ter como escopo sua promoção, não estando positivado na Carta Maior qualquer restrição de acesso pelo usuário do serviço público de saúde, como a obrigação de submissão integral ao tratamento.
A idéia central G (“O protocolo de atendimento não foi observado e o
fornecimento da assistência farmacêutica onera o sistema”) invoca, para negar a
assistência farmacêutica a necessidade de observação do protocolo de atendimento e o
princípio da reserva do possível. As decisões que indeferiram a assistência farmacêutica
e cuja argumentação continha a idéia central G foram quatro: decisão 60, decisão 66,
decisão 78 e decisão 278 (vide anexo 2). Destas, duas se referiam a medicação
oftalmológica e referiam como evento que caracterizaria a improcedência do pedido, o
fato do requerente não ter se dirigido a centros de referência em oftalmologia, como
evidencia a decisão 60 (anexo 2)
97
Conseqüentemente, uma vez disponibilizado tratamento oftalmológico pelo SUS para a patologia da paciente, ele deve, via de regra, ser privilegiado, sempre que não for comprovada a impropriedade da política de saúde existente ou a eficácia exclusiva do medicamento postulado. Este é o caso dos autos, em que a paciente não demonstrou ter se dirigido a uma das unidades do SUS especializadas em oftalmologia e nem demonstrou a eficácia exclusiva do medicamento pretendido. E, em assim sendo, revela-se desarrazoado obrigar o ente público a realizar um gasto desprovido de previsão orçamentária. Entendimento em contrário importa em evidente lesão à ordem e economia públicas, haja vista o risco de comprometimento da dotação orçamentária estadual e interferência na eficácia do serviço estadual de saúde, com evidente afronta ao princípio da responsabilidade fiscal e do acesso igualitário aos serviços de saúde, nos termos do disposto no art. 196 da Constituição Federal.
No mesmo sentido, a decisão 78 (anexo 2):
Conseqüentemente, uma vez disponibilizado tratamento oftalmológico pelo SUS para a patologia da paciente, o mesmo deve, via de regra, ser privilegiado, sempre que não for comprovada a impropriedade da política de saúde existente ou a eficácia exclusiva do medicamento postulado. Este é o caso dos autos, onde a agravante não demonstrou ter se dirigido a uma das unidades do SUS especializadas em oftalmologia e nem demonstrou a eficácia exclusiva do medicamento pretendido, tendo se limitado a trazer uma declaração unilateral, prestada por médico não credenciado junto ao SUS. E, em assim sendo, revela-se desarrazoado obrigar o ente público a realizar um gasto de alto custo e desprovido de previsão orçamentária. Entendimento em contrário importa em evidente lesão à ordem e economias públicas, haja vista o risco de comprometimento da dotação orçamentária estadual e interferência na eficácia do serviço estadual de saúde, com evidente afronta ao princípio da responsabilidade fiscal e do acesso igualitário aos serviços de saúde, nos termos do disposto no art. 196 da Constituição Federal.
Infere-se, desta forma, que no caso específico há necessidade de que o
requerente submeta-se a atendimento em centros específicos para que seja justificada a
indicação, não sendo suficiente a prescrição do médico assistente. Esse entendimento
não está em conformidade com as demais decisões analisadas, pois quando é requerida
assistência farmacêutica em oncologia, por exemplo, não se exige que o requerido tenha
prescrição necessariamente feita em CACONs (Centros de Alta Complexidade em
Oncologia), como evidencia a decisão 19, já citada anteriormente:
98
Consequentemente, repele-se a arguição de incompetência do Juízo Estadual para apreciar e julgar o feito, pois esta Justiça detém competência plena para apreciar o writ ante o reconhecimento jurisprudencial da responsabilidade solidária dos entes federativos para a concessão de medicamentos, independentemente da existência de programas específicos normatizados infraconstitucionalmente a respeito do tratamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde aos portadores de câncer.141
A contradição, no entanto, não é exclusividade no Tribunal de Justiça
paranaense. Algumas decisões da Ex-Ministra Ellen Gracie no ano 2007 a respeito de
assistência farmacêutica ganharam grande repercussão na imprensa. Na Suspensão de
Tutela Antecipada 91 a Ex-Ministra parecia inaugurar novo entendimento afirmando
que o direito à saúde não se realizaria individualmente, mas por meio da efetivação de
políticas públicas que alcançassem a população como um todo, sendo obrigatório o
fornecimento somente de medicamentos que constassem na lista do SUS. A decisão fez
com que várias secretarias pleiteassem a interrupção do fornecimento de drogas que não
constavam na lista do Ministério da Saúde mas que eram fornecidas em função de
decisões judiciais142. Na Suspensão de Segurança 3073 a Ex-Ministra decidiu que não
havia direito do cidadão ao fornecimento de medicamento elencando os mesmos
argumentos da Suspensão de Tutela Antecipada 91. Em decisões posteriores (suspensão
de segurança 3205, 3158, 3183 e 3231), no entanto, a Ex-Ministra afirma que estaria
ocorrendo uma interpretação ampliativa em relação às demandas por fornecimento de
medicamentos pelos Estados e que tais demandas deviam ser analisadas caso a caso, de
forma concreta e não de forma abstrata e genérica. A análise das decisões da Ex-
Ministra, à época, evidencia uma falta de clareza em relação aos critérios que levariam
ao fornecimento de medicamentos. Nas suspensões de segurança 3205, 3158, 3231 e
3183 o fornecimento do medicamento pelo Estado fundamentou-se na hipossuficiência
dos pacientes, na gravidade das enfermidades e no fato do tratamento ser contínuo e nos
efeitos de sua interrupção. No caso da Suspensão de Segurança 3205 o medicamento em
questão era importado e não foram abordados o custo do medicamento ou o fato de não
estar na lista de medicamentos do SUS143.
141 A título de exemplo, cf. também decisões 2, 10 e 55 do anexo 2 onde o requerente encontra-se em tratamento em clínicas não credenciadas como UNACONs (Unidades de Alta Complexidade em Oncologia). 142 Há referência expressa à Suspensão de Tutela Antecipada Nº 91 na decisão 190 do anexo 2. 143WANG, Daniel; TERRAZAS, Fernanda. Decisões da Ministra Ellen Gracie sobre medicamentos. Sociedade Brasileira de Direito Público. Disponível em:< http://www.sbdp.org.br/artigos_ver.php?idConteudo=66> . Acesso em: 16 de out 2010.
99
As divergências na fundamentação das decisões, na realidade, evidenciam o
conflito de concepções distintas do termo saúde. Ao sistema não interessa demandas
coletivas, pois as demandas coletivas pressupõem a identificação de um “direito
coletivo”, uma pretensão coletiva que requer atendimento do Estado. Desta forma, as
decisões analisam os pedidos “caso a caso”, sem nunca poderem ser generalizadas. As
demandas coletivas em saúde demandam a necessidade de em termos jurídicos a
determinação social da saúde e necessitaria que o judiciário abordasse outras vertentes
da determinação e não apenas em seus efeitos, resultando daí que o direito à saúde não
poderia ser um direito individual, mas um direito coletivo144. A fundamentação da
decisão, nesse caso, é uma escolha política que opta por tratar a saúde como um bem, e
não como um direito coletivo.
Também merece o destaque o entendimento de que as decisões que
onerariam o sistema ou não respeitariam o princípio da reserva do possível145. Essa
questão também é abordada nas decisões (favoráveis ao fornecimento da assistência
farmacêutica) com a idéia central F (“Os profissionais prescrevem o tratamento
adequado de uma enfermidade e o provimento da Assistência Farmacêutica não
inviabiliza o sistema”). Afinal, não está claro como o peso econômico da decisão é
sopesado resultando, ou não, na inviabilização do sistema de saúde.
O que se debate ao se discutir se é lícito ou não requerer que o SUS forneça
assistência farmacêutica não arrolada em seus protocolos de serviço ou, ainda, se
obrigar o SUS a fornecer assistência farmacêutica, na realidade, é o princípio da
integralidade do sistema. Embora o texto constitucional não mencione o princípio da
integralidade há menção a “atendimento integral” no artigo 198146 e termo integralidade
vem sendo utilizado para designar essa diretriz147. A discussão confronta uma
144 BREILH, Jaime. op.cit. 145 Princípio elaborado na Alemanha, a partir da década de 70 do século XX que busca compatibilizar as prestações estatais em razão dos direitos sociais de acordo com as capacidades financeiras do Estado, criando uma limitação f ática para as exigência que o indivíduo pode requerer da coletividade (SCAFF, Fernando Facury. “Sentenças aditivas, direitos sociais e reserva do possível”. In: SARLET, I.W. e TIMM, L.B. (Org.). Direitos Fundamentais – orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 170.) 146 “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;” grifou-se. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, op.cit). 147MATTOS, Ruben Araújo de. Os Sentidos da Integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde. Disponível
100
racionalidade formal na qual os meios determinam os fins possíveis e, nesse contexto,
admite-se a reserva do possível e no caso da saúde a integralidade seria entendida como
acesso a todos os recursos disponíveis pelo SUS. De outro lado, há uma racionalidade
material na qual os fins requerem (exigem) meios adequados. Assim, segundo a
racionalidade material a integralidade determinaria o orçamento para a saúde e não o
contrário.
A Lei 12.401 de 28 de abril de 2011 estabeleceu novos paradigmas na Lei
Orgânica da Saúde (nº 8.080/90), restringindo o instituto da assistência terapêutica
integral. (art. 7º, II) ao inserir o capítulo VII que trata da assistência terapêutica e da
incorporação de tecnologia em saúde. Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; II - oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde - SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado.148
As disposições da lei ordinária dão interpretação ao artigo 198, II da
Constituição Federal, restringindo o conceito de integralidade e exige que as prescrições
dos profissionais de saúde estejam em consonância com as diretrizes do SUS.
Quando a assistência farmacêutica baseia-se na falta de regulamentação pela
ANVISA (idéia central H –“ O medicamento não é regulamentado pela ANVISA" ) o
entendimento está alinhado com o STF, como discutido na decisão do Ministro Gilmar
Mendes no ítem 1.4 do trabalho.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária foi criada pela Lei nº 9.782, de
26 de janeiro de 1999 como uma autarquia sob regime especial (agência reguladora com
independência administrativa, estabilidade dos dirigentes durante o mandato, autonomia
em: < http://www.lappis.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=25&infoid=180&tpl=view_participantes>. Acesso em: 26 de jan 2012. 148BRASIL. Lei Nº 12.401, de 28 de abril de 2011. Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 29 abr 2011. Poder Executivo. Seção I
101
financeira e com gestão realizada por diretoria colegiada de cinco membros). A
ANVISA faz parte do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária juntamento com o
Ministério da Saúde o e o Conselho nacional de Secretários Estaduais de Saúde e tem
por função realizar o controle sanitário da produção e comercialização de produtos e
serviços de interesse sanitário. A finalidade institucional da Agência é promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados149
As idéias centrais A (“Há competência na composição dos pólos processuais
- ativo e passivo”) e D (“O artigo 196 da Constituição Federal é de aplicação imediata e
não depende de regulamentação”) são invocadas, nas decisões que negam o
fornecimento da assistência farmacêutica, para afastar a carência de ação e para
confirmar a competência do juízo.
Ao analisar o mérito e se verificar a presença das idéias centrais “A” e “D”,
no entanto, a assistência farmacêutica acaba sendo negada com base nas idéias centrais
“I”, “G” e “H” como já descrito.
3.3 SOBRE OS MEDICAMENTOS PLEITEADOS
As classes de assistência farmacêutica mais solicitadas, verifica-se que os
anticorpos monoclonais (nessa classe, com prevalência dos medicamentos rituxumabe,
trastuzumab e adalimumab) seguida por insumos (materiais, equipamentos e
medicamentos associados) e broncodilatadores.
As assistências analisadas isoladamente (independente da classe de
assistência), apresenta a predominância da medicação brometo de tiotrópio, seguido por
interferon peguilado, etanercepte, oxigenoterapia hiperbárica e citrato de sildenafil. Há
correspondência entre os medicamentos requeridos e as patologias encontradas
sugerindo uma fundamentação mínima entre o requerimento e a doença na maior parte
dos casos.
149AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. A Agência. Disponível em:< http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/anvisa/agencia> . Acesso em: 25 de janeiro 2012.
102
Os anticorpos monoclonais que representam o grupo mais prevalente entre
as decisões analisadas são utilizados como antineoplásicos150 e também para o
tratamento de doenças reumáticas151.
Os antineoplásicos, ainda que não formassem o grupo predominante,
certamente configuram o grupo mais oneroso visto os preços praticados nessa categoria
de medicamentos conforme demonstrou estudo descritivo e transversal foi realizado no
Estado de São Paulo em 2006 e 2007. Entre a justificativa para o Estudo os autores
alegam que no ano de 2005 os antineoplásicos representavam 7,2% do total de itens
solicitados pela via judicial mas geraram gastos de R$ 661 mil (seiscentos e sessenta e
um mil reais), aproximadamente 75% do gasto com aquisição de medicamentos por
demanda judicial. O referido estudo foi realizado a pedido da Secretaria Estadual de
Saúde de São Paulo, analisando os antineoplásicos Bevacizumabe, Capecitabina,
Cetuximabe, Erlotinibe, Imatinibe, Rituximabe e Temozolamida (os sete medicamento
antioneoplásicos solicitados por via judicial com maior impacto financeiro sobre o
orçamento da Secretaria Estadual de Saúde). Foram incluídos, além das ações judiciais,
os pedidos administrativos e se investigou as variáveis: indicação clínica, prescritor,
representação jurídica e origem do pleito. Os gastos foram estimados com base no
período e preços obtidos da Banca das Atas dos Registros de Preços da SES – SP. As
indicações terapêuticas foram avaliadas segundo revisões e metanálises em que o
medicamento, para qualquer indicação terapêutica fosse comparado com placebo
(selecionou-se 38 revisões sistemáticas publicadas até 2008). O estudo concluiu que os
gasto com os 7 medicamentos foi 120% maior em 2007 que em 2006 devido ao número
de pedidos. Parte das prescrições foram feitas por profissionais do SUS. A origem dos pedidos se concentrou em nove prescritores e sete advogados. Um único médico foi responsável por quase 40% das prescrições de Erlotinibe e um único advogado por 70% das ações judiciais envolvendo Cetuximabe.152
Com base na metodologia empregada, constatou-se que cerca de 30% das
prescrições era para tratamento de outros tipos de câncer para os quais não tinha
indicação. Os autores concluem:
150 Antineoplásicos: medicamentos utilizados para o tratamento de câncer. 151 Doenças reumáticas: doenças do sistema músculo-equelético. 152 LOPES, Luciane Cruz; BARBERATO-FILHO, Silvio; COSTA, Augusto Chad; OSÓRIO-DE-CASTRO, Claudia Garcia Serpa, op.cit., p.623.
103
(...) o atendimento à demanda farmacêutica pela via judicial não está vinculado à reserva orçamentária, consumindo recursos consideráveis e causando dificuldades para garantira a aquisição de medicamentos previstos na legislação e aqueles pactuados nas Comissões Intergestoras153.
Dados do estudo descrito realizado no Estado de São Paulo também
embasaram outra pesquisa que sugeria uma possível relação entre advogado e indústria
farmacêutica para a introdução de novos medicamentos no sistema de saúde154.
Os anticorpos monoclonais constituem uma classe de medicação com ação
bastante específica e que, consequentemente, acarretam em melhores resultados para o
tratamento de células prejudiciais (neoplásicas) acarretando, teoricamente, em menos
efeitos colateral155.
Como se pode observar, o processo de produção de anticorpos monoclonais
é bastante complexa, o que eleva bastante o custo do medicamento. O alto custo da
medicação também encontra justificativa na inovação trazida pela nova medicação e o
possível interesse da indústria farmacêutica em fomentar o uso de medicação recente e
que ainda não fora afetada pela queda tendencial da taxa de lucro156.
153 Ibid, p.621. 154 CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita de Cássia Barradas. Ações judiciais: estratégia da indústria farmacêutica para introdução de novos medicamentos. Revista de Saúde Pública 2010, 44(3):421-9 155 Anticorpos monoclonais são aqueles originários de um únio clone de linfócito B. Para sua obtenção, geralmente são sensibilizados camundongos com antígeno para o qual se deseja uma resposta imunológica. É retirado o baço desses animais porque as células B esplênicas são grandes produtoras de imunoglobulinas. Sequencialmente, são acrescentadas células humanas de mieloma múltiplo, que têm como características pertencerem a uma linhagem celeular de proliferação contínua. Na presença de glicol polietileno há fusão dos genomas dos dois tipos celulares (células B e de mieloma) dando origem a uma célula híbrida, murina e humana. As células de mieloma em excesso são destruídas em meio de cultura contendo lipoxantina. As células híbridas sofrem em seguida várias diluições para obtenção de uma única célula. Essa célula híbrida única é tratada em meios de cultura apropriados, dando início, após alguns dias, à síntese de anticorpos monoclonais oriundos desse único clone celular produzido. Esses anticorpos são retirados do sobrenadante e as células híbridas estocadas em nitrogênio. Há proliferação constante pelo componente do mieloma, podendo-se retirar os anticorpos secretados sempre que necessário. (...) Os anticorpos monoclonais são especialmente úteis para lise de células prejudiciais ao organismo, atuando por mecanismos imunológicos através de citotoxicidade celular dependente de anticorpo e de lise celular mediada por complemento. Pode haver ainda anticorpos monoclonais carreadores, transportados por outras células para o local onde a lise celular é necessária. Os anticorpos monoclonais são utilizados, ainda, para identificação de células e antígenos solúveis. Assim, são úteis na identificação de leucócitos anômalos, de sub-populações de linfócitos, na detecção de antígenos leucocitários humanos (HLA), de hormônios, de antígenos relacionados a tumores, de tipagem de leucemias e linfomas, e identificação de bactérias, vírus e parasitas. Existem cada vez mais anticorpos monoclonais utilizados no tratamento de doenças, com leucemia linfocítica aguda e crônica, leucemia mielocítica aguda, linfomas de células B e T , alguns tumores sólidos, rejeição imunológica a transplantes, doença enxerto versus hospedeiro, doenças reumatológicas, contra mediadores endógenos e septicemias. São promissores os tratamento com anticorpos monoclonais (FORTE, Wilma Carvalho Neves. Imunologia: do básico ao aplicado. 2 ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. p.86-87) 156 A definição resumida e sem maiores aprofundamentos sobre a queda tendecinal da taxa de lucros pode ser assim elaborada: “Com o desenvolvimento da industria a da produtividade do trabalho, uma
104
Pode-se caracterizar a Indústria Farmacêutica como um oligopólio diferenciado baseado na ciência. Um oligopólio diferenciado porque o principal fator competitivo é o lançamento de novos produtos no mercado e é baseado na ciência porque a diferenciação dos produtos ocorre devido aos novos conhecimentos gerados, ou seja, principalmente referente a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Neste mercado, existem grandes monopólios e oligopólios por classes e subclasses terapêuticas, isso porque, em geral, as empresas farmacêuticas se especializam devido à variedade e complexidade dos processos e conhecimentos envolvidos, e também devido às peculiaridades de cada segmento, de mercado. Assim, pode-se dizer que a competição e a diferenciação do produto se dão no nível das classes terapêuticas e não entre as indústrias como um todo. No que diz respeito às vendas no mercado farmacêutico, estas são altamente concentradas, sendo cerca de 50% delas originadas de apenas 10 indústrias.157
Desta forma, os preços158 geralmente mais altos de medicações mais
modernas, não encontram correlação com maior eficácia da droga.
proporção crescente das despesas do capitalista é dedicada às matérias-primas e às maquinas mais sofisticadas. No sentido contrario, o trabalho vivo diminui na mesma proporção. O problema para o capitalista é que é unicamente o trabalho vivo (o capital variável) que produz um valor adicional que constitui o lucro capitalista. Este fenômeno é diretamente perceptível em cada mercadoria que gera assim um lucro decrescente” (CORRENTE COMUNISTA INTERNACIONAL. Marx, a questão dos mercados e a queda tendencial da taxa de lucro.Disponível em: < http://pt.internationalism.org/icconline/2006/marx-mercados>. Acesso em: 26 de jan 2012). 157 FIGUEIREDO, Tatiana Aragão. Análise dos medicamentos fornecidos por mandado judicial na Comarca do Rio de Janeiro: A aplicação de evidências científicas no processo de tomada de decisão. Dissertação (mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. p.23. 158 A precificação de medicamentos no Brasil é feito por intermédio da Resolução da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) nº 2 de 5 de março de 2004. O preço é fixado pelo preço de fábrica (estabelecido pela indústrica produtora no país de origem) corrigido pelo câmbio utilizado pelo do Banco Central nos últimos 60 dias. O preço máximo ao consumidor é o preço de fábrica acrescido pelos impostos. Assim não se leva em consideração os custos diretos de importação ou de produção. A precificação tem ajuste anual linear, o que faz a indústria farmacêutica uma das mais rentáveis do mundo, visto que há mecanismo legal para atenuar a queda tendencial da taxa de lucros e desta forma, a queda dos lucros se daria mais pela queda no consumo de determinada droga ou de sua substituição por outra forma de tratamento.
105
A aprovação de novos medicamentos sem resultados superiores aos daqueles em uso pressiona os serviços públicos, as operadoras de saúde e os próprios doentes. E a preços muitas vezes maiores do que os dos medicamentos existentes, preços estes que não se justificam dado que os novos medicamentos são geralmente equivalentes em eficácia e segurança àqueles de utilização já padronizada. A semelhança na atividade terapêutica faz com que qualquer avaliação farmacoeconômica torne-se praticamente irrelevante. Exemplos que se vêm tornando clássicos se impõem, entre outros apontados por Garattini e Bertele: faz-se difícil explicar porque o preço do Toremifeno é mais do dobro do preço do Tamoxifeno; porque um ciclo de Temozolamida custa 350 vezes mais do que um ciclo de Procarbazina, a despeito de haver sérias dúvidas sobre a eficácia de ambos como terapêutica de glioblastoma e de astrocitoma; porque a menor toxicidade cardíaca da doxorrubicina lipossomal não é lembrada em favor da epirrubicina, igualmente menos cardiotóxica do que a doxorrubicina - isso sem levar em consideração que a cardiotoxicidade deste último antracíclico não representa um fator limitante do seu uso.159
Assim, ao surgir novo medicamento para determinada doença, o novo
medicamento provavelmente apresentará preço superior às demais drogas já disponíveis
no mercado. Há, portanto, interesse da indústria farmacêutica em estimular o consumo
de medicamentos, sendo a situação ideal um grande número de doenças tratáveis através
de medicamentos, ou seja, a medicalização da vida. Tem sido chamado de “medicalização”, a ampliação crescente do âmbito de intervenção da medicina na vida das pessoas, passando para a alçada médica, inclusive, problemas claramente determinados pela forma de ser da sociedade, no interesse de se manter o “status quo” (por exemplo, escamoteando os conflitos inerentes às relações Capital Trabalho). De igual forma, processos antes tidos como naturais ou fisiológicos crescentemente passaram a ser merecedores da intervenção médica.160
O processo de trabalho da indústria farmacêutica envolve, desta forma, tanto
a pesquisa por novos diagnósticos, novas tecnologias para seu tratamento e também
para o convencimento de profissionais a fazerem diagnósticos e prescreverem seus
medicamentos. Entre as estratégias da indústria farmacêutica, destaca-se a cooptação de
profissionais estratégicos para obter ingerência nas políticas de pesquisa.
159 KLIGERMAN, Jacob. Pesquisa médica e incorporação tecnológica – Editorial. Revista Brasileira de Cancerologia, 2003, 49(1): 3-4. p.3. 160 BARROS, J.A.C, op.cit., 1983. p.378
106
Entre os mecanismos menos diretos ou explícitos, sobressaem a ingerência nas políticas de pesquisa, financiamento de jornais e revistas médicas e o relacionamento com médicos que possam representar um suporte no incremento das vendas, a exemplo dos professores e autoridades sanitárias. Hemminki os denomina "leading physicians" ou "Key-physicians". Seguindo estudo realizado por esse autor 16 entre os 337 médicos finlandeses passíveis de inclusão nessa categoria, por ela estudados, nada menos que 41% evidenciaram algumas formas de relacionamento — particularmente na qualidade de membro do conselho científico ou administrativo — com a indústria. Uma influência mais direta se faz sentir através do apoio a instituições às quais esse tipo de médicos estejam ligados (sociedades científicas e profissionais ou revistas médicas). É bastante revelador saber que quase metade do orçamento da Associação Médica Finlandesa, em 1972, proveio da indústria de remédios.
Estudo publicado no British Medical Journal avaliando os quadros de
responsáveis pela elaboração de 14 diretrizes de tratamento no Canadá e EUA em 2011.
Das diretrizes estudadas, 5 não apresentaram qualquer declaração de conflito de
interesses pelos membros da comissão formuladora das diretrizes. Entre os 288
membros, 138 (48%) relataram conflitos de interesses no momento da publicação da
diretriz. Entre 73 entrevistados que declararam não ter conflitos, 8 (11%) tinham um ou
mais conflitos. A pesquisa constatou-se conflito de interesses financeiros em 12 das 14
diretrizes e em 150 membros dos comitês de formulação de diretrizes, sendo 138
declarados e 12 não declarados. Também se verificou que membros patrocinados pelo
governo eram menos propensos a ter conflitos de interesse em comparação com
membros patrocinados por organizações não-governamentais161.
A estratégia, portanto, é conseguir influir em documentos estratégicos e
também em revistas científicas. A esse respeito também a declaração do conselheiro
Edevard José de Araújo, que representa a Associação Médica Brasileira (AMB) no
plenário do Conselho Federal de Medicina (CFM): O médico, ao verificar a instituição de origem da pesquisa ou os nomes dos autores, costuma esquecer de avaliar o estudo de forma crítica. Sobre conflito de interesse, já se chamou atenção para o fato de que varia entre 70% e 85% a quantidade de artigos patrocinados pela indústria farmacêutica em revistas internacionais de renome. Essa foi uma manifestação de Richard Smith, editor chefe do British Medical Journal por 25 anos. No Brasil, cito o professor Valdemar Ortiz (Unifesp), que aponta conflitos de interesse nas publicações médicas desde 2005. Em artigos patrocinados pela indústria
161 NEUMAN, Jennifer; KOREINSTEIN, Deborah; ROSS, Joseph S; KEYHANI, Salomeh. Prevalence of financial conflicts of interest among panel members producing clinical practice guidelines in Canada and United States: cross sectional study. British Medical Journal. 2011; 343: d5621.
107
farmacêutica, quadruplicam os resultados favoráveis à droga ou ao procedimento estudado.162
Tendo em vista tamanha pressão e influência das indústrias farmacêuticas é
esperada que haja uma resposta dos gestores de saúde. Já no início da década de 80 do
século XX, Moçambique (independente de Portugal desde 1975 cujo gasto com saúde
traduzia-se em 17 escudos ou 53 centavos de dólar/pessoa em 1977) foi obrigado a
tomar medidas reguladoras para o fornecimento de assistência farmacêutica, criando o
Comitê Técnico de Terapêutica e Medicamentos e elaboração de um “Formulário
Nacional” para a racionalização e economia com medicamentos163.
No Brasil a Portaria GM/MS nº152 de 19 de janeiro de 2006 organizou o
fluxo para incorporação de tecnologias no SUS por intermédio da criação da Comissão
para Incorporação de tecnologias do Ministério da Saúde (CITEC). Ainda em 2006, a
portaria GM/MS de 27 de dezembro alterou a redação e incluiu também a Saúde
Suplementar. A última alteração ocorreu com a portaria GM/MS nº2.587 de 30 de
outubro de 2008 que vinculou a gestão do CITEC à Secretaria de Ciências, Tecnologia e
Insumos Estratégicos – SCTIE, criando um novo fluxo de análise. Em 2011 a Lei nº
12.401, de 28 de abril, altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 para dispor
sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS) criando a Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no SUS (CONITEC). A CONITEC é constituída por secretaria executiva e
plenária com a seguinte composição:
Treze (13) titulares com 1º e 2º suplentes representando as seguintes entidades/órgãos: a)Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE/MS); b) Secretaria-Executiva (SE/MS); c)Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI/MS); d) Secretaria de Atenção à Saúde (SAS/MS); e) Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS); f) Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP/MS); g)Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES/MS); h)Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); i)Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); j) Conselho Nacional de Saúde (CNS); k)Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS); l)do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS); e m)Conselho Federal de Medicina (CFM), especialista na área.164
162ARAÚJO, Edevard José de. Entrevista: Edevard José de Araújo. Jornal Medicina. Entrevista concedida ao Conselho Federal de Medicina. p.9. 163 BARROS, J.A.C, op.cit., 1983. p.378 164 BRASIL. Ministério da Saúde. O que muda da antiga CITEC para a atual CONITEC no processo de incorporação de tecnologias no SUS. Disponível em:<
108
A composição da plenária apresenta avanços em relação ao CITEC visto
que há relativa possibilidade de representação de usuários por intermédio do Conselho
Nacional de Saúde, entretanto, verifica-se que há uma grande representatividade do
poder executivo através de suas secretarias. A segunda instância do CONITEC também
é regida pelo executivo de forma, que, ao final, o poder de decisão a respeito da
incorporação fica exclusivamente com o gestor. Segunda Instância superior: Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o qual, se não reconsiderar a decisão no prazo de 5 (cinco) dias, o encaminhará de ofício ao Ministro de Estado da Saúde.165
Ainda que a saúde não seja sinônimo de medicamentos, há que se ressaltar a
falta de participação dos usuários do sistema (o chamado “controle social”) quando se
trata da assistência farmacêutica, que é determinado pelo Poder Executivo que dá
interpretação à integralidade do tratamento de forma bastante restritiva por intermédio
da Lei Ordinária 12.401/2011 como já abordado anteriormente neste trabalho. Neste
contexto, é legítimo questionar se a questão orçamentária (em um sistema claramente
subfinanciado) seria argumento legítimo para negar incorporação tecnológica e permite
concluir que, se de um lado há a indústria farmacêutica pressionando o mercado em
busca de lucros de outro há a gestão tentando barrar “gastos” com a assistência
farmacêutica (em detrimento das condições de saúde da população).
Medicamento que chama atenção na demandas analisadas é o Brometo de
Tiotrópio (Spiriva® do laboratório Boehringer-Ingelheim).
SPIRIVA é indicado para o tratamento de manutenção de pacientes com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC - incluindo bronquite crônica e enfisema), associada à falta de ar, e para a prevenção dos episódios de piora da doença (exacerbações).166
A DPOC, doença com estreita correlação com tabagismo, vem ganhando
importância no cenário nacional visto a morbidade e mortalidade da doença, que
ocupava a 5ª posição em causa de morte e 290 mil pacientes internados em 2004,
http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/O_que_muda_da_CITEC_para_CONITEC2.pdf>. Acesso em: 20 de nov 2011. 165 Idem. 166 AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA Brometo de Tiotrópio: identificação do medicamento. Disponível em:< http://www4.anvisa.gov.br/base/visadoc/BM/BM%5B25949-1-0%5D.PDF> acesso em: 26 de jan de 2012.
109
representando significativo gasto em saúde e acarretando, ainda, gastos indiretos através
de dias perdidos de trabalho, aposentadorias precoces e mortes prematuras.167 A DPOC
pode ser definida da seguinte forma: A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma enfermidade respiratória prevenível e tratável, que se caracteriza pela presença de obstrução crônica do fluxo aéreo, que não é totalmente reversível. A obstrução do fluxo aéreo é geralmente progressiva e está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de partículas ou gases tóxicos, causada primariamente pelo tabagismo. Embora a DPOC comprometa os pulmões, ela também produz conseqüências sistêmicas significativas.168
O uso do brometo de tiotrópio na DPOC deve-se à sua ação prolongada e
pela menor quantidade de efeitos colaterais em relação a outros medicamentos. É um fármaco mais seguro, pois sendo sua única apresentação em pó, leva a menor risco de contato direto com os olhos, diminuindo a possibilidade do aparecimento de glaucoma. Em acréscimo, o número de efeitos colaterais é pequeno, sendo seu efeito colateral mais freqüente a boca seca, em 16% dos indivíduos que utilizam a medicação. O brometo de tiotrópio reduz o número de exacerbações e hospitalizações e melhora a qualidade de vida relacionada ao estado de saúde, comparado com placebo e ipatrópio.169
Embora, como demonstrado, a DPOC seja uma doença de grande
repercussão econômica, o Estado do Paraná não ofertava (como ainda não o faz)
tratamento para esta doença. Nota-se que entre as listas de medicamentos disponíveis na
SESA – PR não há previsão de tratamento para a DPOC, sendo os medicamentos
previstos tão somente para asma (muitos dos medicamentos poderiam também ser
usados para DPOC caso o CID da doença também fosse contemplado nas listas).170 A
respeito da situação do portadores de DPOC no Estado do Paraná, foi ajuizada ação pelo
Ministério Público do Estado do Paraná, Ação Civil Pública (ACP) solicitando
tratamento para a doença como o fornecimento de: (i) broncodilatadores de poucas
horas de duração - salbutamol, fenoterol, terbutalino e ipratrópio ou brometo de
ipatrópio; (ii) broncodilatadores de longa duração - salmeterol, formoterol e tiotrópio ou
167 SOCIEDADE BRASILEIRA DE PNEUMOLOGIA E TISIOLOGIA. II Consenso brasileiro sobre doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC – 2004. Jornal de Pneumologia, volume 30 - Suplemento 5 - novembro de 2004 168 Ibid, p. S1. 169 Ibid, p. S13. 170 PARANÁ. Secretaria Estadual de Saúde. Assistência Farmacêutica. Disponível em:< http://www.sesa.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2792>. Acesso em: 28 de jan. 2012.
110
brometo de tiotrópio; (iii) metilxantinas, de curta ou de longa duração - aminofilina,
talofilina e bamifilina; (iv) antiinflamatórios corticóides não inalatórios - prednisona e
prednisolona; (v) antiinflamatórios corticóides inalatórios - budesonida, fluticasona,
beclometasona e triancinolona; e, (vi) tratamentos de reabilitação pulmonar e
oxigenoterapia. Na ACP, há citação de declaração da Associação Paranaense dos
Portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica em fls 13/16 nos autos de Inquérito
Civil nº135/2008, nos seguintes termos : De fato, as principais substâncias ou medicamentos utilizados no tratamento da DPOC não constam de nenhuma relação oficial dos serviços de saúde pública para fornecimento aos seus portadores junto ao Sistema Único de Saúde. Isto, entretanto, não significa que o Estado não tenha a obrigação legal de fornecê-los. Por outro lado, os medicamentos pleiteados pelos portadores de DPOC são específicos e insubstituíveis em determinados casos. Ainda, os que existem e estão acima indicados estão direcionados para a distribuição aos doentes portadores de asma e não aos de doença pulmonar obstrutiva crônica. Assim existe efetivamente a necessidade e demanda pelas substâncias e medicamentos próprios ao tratamento da doença pulmonar obstrutiva crônica. (...) Neste contexto, a única alternativa para os portadores de DPOC é a busca de providências que possam impor ao Estado a obrigação do fornecimento das substâncias que se fazem urgentes e necessárias ao tratamento da DPOC, mormente, o TIOTRÓPIO (ou BROMETO DE TIOTRÓPIO), substância de alto custo no mercado e a mais indicada para o tratamento da DPOC.171
A falta de disponibilização de tratamento para essa doença em específico,
talvez esteja relacionada com os custos da mesma. Os medicamentos para a doença são
considerados excepcionais ou de alto custo e a oxigenoterapia (também indicada) requer
a disponibilização de equipamentos e torpedos de oxigênio aos pacientes. Assim, seria
menos oneroso não prever o tratamento e deixar que somente pacientes com tempo,
recurso ou que tivessem conhecimento de seus direitos procurassem o tratamento pela
via judicial.
Outro medicamento de interesse na presente pesquisa que também pode
estar correlacionado com o DPOC (quando há ocorrência de hipertensão arterial
pulmonar - HAP172), com previsão de utilização em diretriz de tratamento e sem
171 BRASIL. Ministério Público do Estado do Paraná. Correio da Saúde - Informe nº 635 - 31/08/2010.Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública. Disponível em:< http://www.saude.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=569> acesso em: 12 de novembro de 2011. 172 Hipertensão arterial pulmonar pode ser definida como “condição clínica e hemodinâmica de elevação persistente da pressão na artéria pulmonar” (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia: diagnóstico, avaliação e terapêutica da hipertensão pulmonar. São Paulo, 2005. p.20).
111
previsão de fornecimento pelo SUS é o citrato de sildenafil (quarto medicamento mais
prevalente nas decisões analisadas).
O manuseio da HPP utiliza o Óxido Nítrico inalatório (NOi) que possui
ação vasodilatadora (reduzindo a pressão nos vasos) através do aumento de
concentração da enzima 5´-‐monofosfato de guanosina cíclica (cGMP)173. A enzima
cGMP é inativada pela enzima fosfodiesterase tipo 5 (PDE5). Desta forma, a fim de
manter o efeito vasodilatador do NOi utiliza-‐se medicamentos inibidores da PDE5,
mais especificamente o citrato de sildenafil174.
Embora não existisse nenhum estudo clínico multicêntrico publicado à
época, a Diretriz Brasileira de tratamento da HAP de setembro de 2005, já fazia
indicação de uso de citrato de sildenafil no tópico “novos tratamentos” do capítulo
“tratamento da hipertensão pulmonar”.
173 Enzima: grupo de substâncias com ação intra e/ou extracelular cuja função é auxiliar a promover (catalisar) certas reações químicas. 174 Mais detalhadamente, a ação pode ser assim do medicamento pode ser assim compreendida: “O Sildenafil foi estudado em modelos animais de hipertensão pulmonar e mostrou-se vasodilatador pulmonar seletivo sem efeitos na pressão arterial sistêmica, potencializando os efeitos do óxido nítrico inalatório (ONi) quando administrado via oral ou EV5,10. É potente inibidor da enzima 5-fosfodiesterase que é responsável pela conversão do GMPc em GMP. Com a inibição dessa enzima, ocorre aumento da concentração de GMPc nos pulmões, com conseqüente relaxamento do músculo liso da parede vascular” (BENTLIN, Maria Regina Bentlin; SAITO, Adriana Saito; DE LUCA, Ana Karina C. De Luca; BOSSOLAN, Grasiela Bossolan; BONATTO, Rossano C.; MARTINS, Antonio S.; RUGOLO, Ligia M. S. S. Sildenafil no tratamento da hipertensão pulmonar após cirurgia cardíaca. Jornal de Pediatria - Vol. 81, Nº2, 2005, 175-178. p.176).
112
As fosfodiesterases são enzimas que degradam o AMP cíclico e o GMP cíclico intracelulares. A inibição da fosfodiesterase-‐5 pela sildenafil tem sido utilizada na disfunção erétil, visando o aumento dos níveis intracelulares de GMP cíclico e relaxamento da musculatura lisa vascular no corpo cavernoso. Devido à grande concentração de fosfodiesterase-‐5 no tecido pulmonar, foi considerado que a inibição da enzima pudesse produzir vasodilatação naquele território, como de fato tem sido demonstrado. Diversos estudos com casuísticas pequenas têm sugerido efeito benéfico da inibição da fosfodiesterase-‐5 pela sildenafil em pacientes com hipertensão pulmonar. No final de 2004, foram disponibilizados os resultados finais do estudo multicêntrico envolvendo a sildenafil na hipertensão arterial pulmonar, estudo este controlado por placebo . A dose a ser recomendada no adulto, para o início do tratamento, será de 60 mg/dia (3 administrações de 20 mg). Entretanto, há experiências recentes, inclusive em nosso meio, de que a dose pode ser aumentada gradualmente, se necessário, até 225 ou 300 mg/dia (3 administrações de 75 ou 100 mg) (45, 51). Em pacientes pediátricos, já foram utilizadas doses até 3 mg/kg/dia (3 administrações de 1 mg/kg/dose), por exemplo, um paciente de 25 kg recebendo 25 mg a cada 8 hs) (45). Essas doses, entretanto, são relativamente altas e requerem confirmação mediante uso em casuísticas maiores. Em nosso meio, temos utilizado doses a partir de 0,3 mg/kg/dia (3 tomadas), correspondendo portanto, a cerca de 1/10 da dose máxima utilizada na literatura (dados ainda não publicados). Estas doses são aumentadas gradualmente até 3 mg/kg/dia, observando-‐se eventuais efeitos colaterais com paciente internado. O principal efeito colateral a ser observado é a retinopatia, com alterações visuais sobretudo para cores. Esta possibilidade obriga o exame oftalmológico no seguimento do paciente, incluindo avaliação de fundo de olho com atenção para a retina. Dores musculares levando à necessidade de suspensão do tratamento podem ser observadas em raros casos175.
O estudo multicêntrico citado na Diretriz foi publicado na revista New
England Journal of Medicine somente em novembro de 2005 que avaliou 278 pacientes
com HAP idiopática, associada à colagenose ou secundária a shunt sistêmico-pulmonar
já corrigido cirurgicamente. Os resultados mostraram que os pacientes que usaram o
sildenafil apresentaram melhora da capacidade de exercício e nos parâmetros
hemodinâmicos em comparação com os pacientes que fizeram uso de placebo e os
benefícios obtidos com o uso de sildenafil foram mantidos durante o ano de
seguimento176.
A situação do citrato de sildenafil, portanto, é semelhante à do brometo de
tiotrópio pois trata-se de doença com alta mortalidade, com diretriz orientando uso do
medicamento, contudo, não há previsão de fornecimento do tratamento dentro do SUS.
175 Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, op.cit., p.158. 176 Galiè N, Ghofrani HA, Torbicki A et al. Sildenafil citrate therapy for pulmonary arterial hypertension. New England Journal of Medicine, 2005;353:2148-2157.
113
Situação que merece destaque também, diz respeito ao fornecimento de
tratamento com oxigenoterapia hiperbárica no Estado do Paraná. No universo amostral,
foram 11 decisões (decisão 42, 44, 179, 216, 225, 237, 245, 274, 275, 384 e 394 do
anexo 2) referentes ao tratamento todos eles favoráveis ao fornecimento da terapia
requerida.
Verificou-se que a comarca de origem das ações eram, em sua maioria, da
Comarca de Londrina (em 10 das 11 decisões) e uma ação da Comarca de Santo
Antônio da Platina (distante 154 km do Município de Londrina) o que sugere algum
elemento fomentador de ações para o requerimento de sessões de oxigenoterapia
hiperbárica na região. Nos relatórios das decisões analisadas pode-se verificar entre as
alegações dos demandados nas ações, (na maioria, Município de Londrina) de que o
tratamento em questão não teria eficácia comprovada e que fora prescrito pelo
proprietário da câmara de oxigenoterapia hiperbárica177. De fato, na decisão 216 há
menção a profissional que faz parte do corpo clínico da empresa que opera a câmara de
oxigenoterapia hiperbárica.
As decisões não apresentam o nome dos profissionais que fazem a indicação
de sessões de oxigenoterapia bariátrica, contudo, as transcrições de justificativas
médicas são bastante semelhantes.
177 OX MEDICINA HIPERBÁRICA. Corpo clínico. Disponível em:< http://www.oxmedicinahiperbarica.com.br/corpo.aspx> acesso em 26 de jan de 2012.
114
Decisão 179 – “A conduta médica adequada para o paciente consiste em realização de Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB) adjuvante para a resolução do quadro além das medidas que já estão sendo realizadas como o uso de antibioticoterapia sistêmica e procedimentos cirúrgicos conforme necessidade clínica. A OHB aumenta a tensão de oxigênio nos tecidos hipóxicos contribuindo e acelerando processos dependentes de oxigênio como a cicatrização. A OHB tem um papel muito importante no tratamento das lesões crônicas refratárias como o pé diabético, com índice de resolução da infecção e cicatriz de 50-75%. Solicito inicialmente a liberação de 30 sessões de Oxigenoterapia Hiperbárica. O número total de sessões irá depender da resposta clínica do paciente ao tratamento.” Decisão 216 – “A OHB tem um papel muito importante no tratamento de infecções necrosantes de partes moles como faceites, miosistes e celulites, reduzindo a gravidade das mesmas, possibilitando uma taxa de cicatrização de até 90% e diminuindo o uso de antibióticos em até 40%”. Decisão 245 – “A conduta médica adequada para o paciente consiste em realização de Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB) (...). A OHB aumenta a tensão do oxigênio nos tecidos hipóxicos contribuindo e acelerando processos dependentes de oxigênio como a cicatrização..." Decisão 394 – “A conduta médica adequada para o paciente consiste em realização de Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB) (...)”178
Como o estudo atual limita-se às decisões emanadas pelo Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, não se teve acesso aos autos para verificar a autoria das
prescrições, nem as fundamentações das mesmas. Contudo, algumas críticas podem ser
levantadas a respeito dos relatos de eficácia do tratamento com oxigenoterapia
hiperbárica para os casos tratados nas decisões analisadas (pé diabético, insuficiência
venosa de membros inferiores, celulites e fasceítes).
A respeito da oxigenoterapia hiperbárica: A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) é uma modalidade terapêutica que consiste na administração de oxigênio puro, por via respiratória, a um indivíduo colocado em uma câmara hiperbárica, na qual são aplicadas pressões superiores à pressão atmosférica padrão. A OHB é o tratamento universalmente aceito da doença descompressiva, da embolia gasosa ocupacional e da intoxicação grave pelo monóxido de carbono (CO).179
Análise de evidências disponíveis em revisões sistemáticas a respeito do
tratamento com oxigenoterapia hiperbárica realizado pela Agência nacional de Saúde
Suplementar em 2009 selecionou 2 revisões sistemáticas com tamanho amostral
178 Não há coincidência entre os demandantes nas referidas decisões. 179 AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Oxigenoterapia hiperbárica no tratamento de úlceras dos pés em diabéticos (pé diabético). Informe ATS: avaliação de tecnologia em saúde. Rio de Janeiro: ANS, 2009. p.05
115
reduzido e qualidade metodológica questionável. Assim, a qualidade de evidências era
fraca e os resultados bastante inconsistentes180. Desta forma, a indicação de tratamento
com oxigenoterapia hiperbárica para casos similares são, no mínimo, questionáveis.
Casos como os descritos envolvendo medicamentos e novas tecnologias em
saúde requerem conhecimento técnico relativamente aprofundado, o que sugere que os
julgadores seriam beneficiados caso tivessem à sua disposição câmara técnica
especializada para auxiliar com pareceres técnicos que ajudassem a fundamentar as
decisões.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Direito como instrumento de coerção não é fenômeno recente, suas
origens são anteriores, inclusive, à formação do próprio Estado. Ao mesmo tempo em
que impõe e reafirma a ideologia do poder vigente o Direito determina a conduta da
população. Assim, o Direito se apresenta como importante elemento para garantir as
condições essenciais para o modo de produção.
Nos Estados modernos, a autoridade do Direito é reforçada pela teoria da
repartição dos Poderes que confere ao Judiciário o dever/poder de jurisdição e através
de suposta imparcialidade e rigor técnico-científico para o exercício de seu papel. Essa
aura de ciência, de certa forma, alcança os demais Poderes, já que haveria um sistema
de controle entre eles. Contudo, a divisão entre os poderes não é tão evidente e, a
análise de casos práticos, indica que há relação tão estreita que torna impossível
delimitar fronteira entre um e outro. A relação entre os Poderes demonstra uma atuação
convergente para a manutenção do status quo. O que se costuma denominar
judicialização (que muitos interpretam como interferência do Poder Judiciário sobre a
política pública da saúde) na realidade é instrumento de ajuste entre as demandas sociais
e a prestação Estatal.
No Estado capitalista, os poderes existem para garantir as premissas básicas
do capitalismo, qual seja, a garantia da propriedade e a mercantilização universal.
Contudo, não é possível desconsiderar os movimentos contra-hegemônicos nascidos da
contradição intrínseca do sistema, e que geram demandas que necessitam composição.
180 Idem.
116
Os movimentos sociais conquistaram “direitos coletivos” que requerem atuação estatal
para sua efetivação. Entre esses direitos, é possível citar a saúde.
Confere-se à saúde o status de “direito fundamental” na Constituição
Federal de1988 e deveria ser, antes de tudo, universal. Entretanto, aquela concepção de
saúde vem se mostrando cada vez mais distinta daquela idealizada na Constituição
Federal, sofrendo interferência de grupos políticos tanto no Poder Executivo, quanto no
Legislativo e no Judiciário.
A assistência farmacêutica materializa muito bem o panorama da saúde no
Brasil. O Poder Judiciário não altera a política de saúde ao determinar fornecimento de
assistência farmacêutica a um cidadão. Na realidade ele atua demonstrando para a
sociedade que o Direito à Saúde de fato existe quando, na realidade, não se traduz em
uma política pública efetiva e universal (como determina a Constituição). Ao mesmo
tempo as demandas atuam como indicador ao Poder Executivo do que é requerido pela
sociedade e, caso a discussão judicial de determinada demanda torne-se
demasiadamente oneroso justifica-se a sua adoção na política pública de saúde e
previsão de fornecimento para todos os cidadãos. A ação do Poder Judiciário também
tem influxo sobre o Poder Legislativo que, também recebendo pressão do Poder
Executivo, legisla para adequar a demanda social ao interesse Estatal e fornece novos
elementos para a interpretação judicial. Os poderes, portanto, não se regulam mas
constituem um sistema de adequação da sociedade ao Estado. Ao conceder assistência
farmacêutica pleiteada em juízo o Judiciário contribui para a constituição de uma
sociedade de desiguais que é insustentável em sua própria concepção.
A pesquisa realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no ano de
2010 proporcionou conclusões a respeito do processo de trabalho na corte em questão.
Verificou-se, com o estudo comparativo com outros entes federativos (onde a maioria
das ações referentes à assistência farmacêutica tem a Defensoria Pública como
representante legal do demandante), que há possibilidade de haver uma demanda
reprimida no Estado do Paraná, já que no período da pesquisa não havia Defensoria
Pública constituída, sendo que a função de defensoria era exercida pelo Ministério
Público estadual (que acumula, desta forma, grande número de funções).
Também foi possível constatar, através da análise do Discurso do Sujeito
Coletivo que, ao realizar sua função, os operadores do Direito reforçam a ideologia
117
capitalista e, desta forma, com sua prática subvertem o texto constitucional tratando a
saúde não como Direito, mas como uma mercadoria. Isto ocorre pois o Direito no
Estado Capitalista, existe para garantir primeiramente o direito de propriedade,
possuindo a tendência de tratar os elementos sob sua proteção em uma perspectiva de
mercado. A análise dos discursos demonstra essa tendência, sendo que a saúde é tratada
como bem de consumo, reservando ao Estado a função de garantir assistência
farmacêutica aos comprovadamente hipossuficientes, ao invés do universalismo
previsto na Carta Magna. Entre as decisões também se notou, tanto em decisões que
deferiram quanto naquelas que negaram a assistência farmacêutica, argumentos tratando
da reserva do possível e do impacto econômico da decisão sem menção ao
subfinanciamento da saúde pública ou mesmo de parâmetros financeiros que permitam
afirmar como a decisão alteraria a política pública. As fundamentações contraditórias
nas decisões analisadas demonstram uma opção política ao tratar da saúde e do Sistema
Único de Saúde que vai de encontro à lógica capitalista e desconsidera a coletividade.
Ao se estudar detidamente alguns dos medicamentos solicitados e as
fundamentações utilizadas nas decisões verifica-se que há falta de critérios técnicos
adequados. Embora o grande número de ações evidencie que a política pública de saúde
no Estado do Paraná não atende aos anseios da população, é preciso sopesar a real
necessidade da população com a necessidade construída pelo marketing de indústrias
farmacêuticas. Esta condição sugere que o TJ-PR se beneficiaria caso constituísse
câmara técnica composta por profissionais da saúde para avaliação dos requerimentos.
Embora a constatação da simbiose entre os poderes seja desencorajadora, é
preciso lembrar que a sociedade foi capaz se organizar à margem do Estado e
transformou a saúde em um direito fundamental como demonstra o histórico do
movimento sanitarista no Brasil. Assim, a mobilização social já se provou capaz de
fazer frente à máquina estatal, mas há necessidade de que essa mobilização seja
permanente para evitar que o discurso reacionário inutilize os direitos conquistados
transmutando a Constituição em mera folha de papel.
118
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126
ANEXO I
IDÉIAS CENTRAIS NAS DECISÕES ANALISADAS
ANEXO II
DECISÕES ANALISADAS
127