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Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
Pesquisa de Jurisprudência e Anotações – Perseu Gentil Negrão – 21/07/2003
OBS: Na jurisprudência citada, sempre que não houver indicação do tribunal, entenda-se que é do Superior Tribunal de Justiça.
Índices
Ementas – ordem alfabética
Ementas – ordem numérica
Índice do “CD”
Tese 213HOMICÍDIO – QUALIFICADO – DOLO EVENTUAL E RECURSO QUE
DIFICULTE OU TORNE IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO –
COMPATIBILIDADE
O crime de homicídio pode ser praticado com dolo eventual e recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (surpresa).
(D.O.E., 22/06/2005, p. 38)
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MODELOEXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR 2º VICE-PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos autos do Recurso em Sentido Estrito nº 477.390-3/4-00, Comarca de Iguape, em que figura como recorrente
DANIEL FERNANDO DOS SANTOS, com fundamento no artigo
105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição da República e
artigos 26 e seguintes da Lei nº 8.038/90, vem interpor
RECURSO ESPECIAL para o Colendo Superior Tribunal de
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Justiça, contra o v. acórdão de fls. 284/288, pelos motivos
adiante deduzidos.
1- O RESUMO DOS AUTOS
DANIEL FERNANDO DOS SANTOS foi
denunciado por infração ao artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV, do
Código Penal, porque no dia 15 de setembro de 2003, por volta
da 02h50min, na Rua Capitão Izidro de Oliveira, 265, na cidade
de Iguape, agindo com manifesta intenção homicida, mediante
recurso que dificultou a defesa da vítima, munido de arma de
fogo, matou a adolescente Ana Paula Ferreira de Aguiar,
disparando contra ela, provocando-lhe ferimentos que a levaram
à morte.
Segundo a inaugural acusatória, “o denunciado, portando arma de fogo, foi até o local dos fatos, onde se encontravam Ana Paula , Simone, Willian, Alais, Diego, Júlio César, Rodrigo e Alaor, os quais se reuniram para o consumo de bebidas alcoólicas. No horário acima narrado, o denunciado, Willian, Simone e Ana Paula foram para a cozinha, ocasião em que, quando Simone estava junto ao fogão preparando comida e a vítima estava ao seu lado fumando um cigarro, o denunciado, que estava atrás delas junto com Willian, sacou da arma de fogo que trazia consigo, e, após lubrificá-la, com evidente “animus necandi”, apontou-a para a vítima e efetuou um disparo, cujo projétil acertou sua cabeça, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo de exame de corpo de delito – exame necroscópico, que foram a causa eficiente de sua morte. Ato contínuo, o denunciado disse para a testemunha Simone: “aí Simone, só você que viu, e se falar alguma coisa, eu mato você” (fls. 06), empreendendo
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fuga após. O crime foi praticado mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, vez que foi atingida pelo disparo da arma de fogo quando se encontrava distraída fumando um cigarro, não tendo condições, assim, de apresentar qualquer defesa à conduta do denunciado”
Pela r. decisão de fls. 185/188, o acusado foi
pronunciado como incurso no artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV
do Código Penal.
Mercê de reclamo defensivo, os autos foram
encaminhados à Segunda Instância, onde a Colenda Primeira
Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação
unânime, deu parcial provimento ao recurso, para excluir da
pronúncia a qualificadora do inciso IV do parágrafo 2º do artigo
121, do Código Penal, de conformidade com o relatório e voto
do Relator (fls. 284/288).
Transcreve-se o v. acórdão:
"homicídio. Recurso em sentido estrito. Indícios de autoria e
materialidade que fundamentam o julgamento pelo Tribunal
do Júri. Qualificadora afastada, ausência de surpresa.
Qualificadora do artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal
afastada da pronúncia. Incompatibilidade com o dolo eventual
ou a conduta culposa. Recurso provido em parte."
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“Daniel Fernando dos Santos foi
pronunciado por eventual prática do artigo 121, § 2º, inciso IV
do Código Penal.
Irresignado recorreu em sentido estrito a fim
de que o crime seja desclassificado para homicídio culposo, ou,
caso contrário, que seja afastada a qualificadora da pronúncia.
Pleiteia também aguardar o julgamento em liberdade (fls.
212/25).
No juízo de retratação a decisão de
pronúncia, como juízo de admissibilidade, foi mantida por seus
próprios fundamentos (fls. 262).
A Procuradoria de Justiça é pelo não
provimento do recurso.
É o relatório.
O recorrente foi pronunciado porque,
segundo a denúncia, no dia 15 de setembro de 2003, por volta
de 02h50 min, na Rua Capitão Izidro de Oliveira, n.º 265, em
Iguape, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima,
efetuou disparo de arma de fogo, atingindo Ana Paula Ferreira
de Aguiar, causando-lhe a morte, conforme laudo necroscópico
de fls. 121 e v.º.
Diz a inicial acusatória que o recorrente,
portando arma de fogo, foi até local dos fatos, encontrando Ana
Paula (a vítima), Simone, Willian, Alais, Diego, Júlio César,
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Rodrigo e Alaor (tio de Simone e proprietário da casa). Os
jovens se reuniram a fim consumirem bebidas alcoólicas.
Em determinado momento, Simone dirigiu-
se à cozinha para preparar algo ao fogão. Foi acompanhada da
vítima e dos amigos Willian e Daniel. Este sacou a arma de fogo
que trazia consigo, lubrificou-a e, antes que a vítima pudesse
esboçar qualquer reação, atirou, atingindo-a na cabeça, enquanto
fumava um cigarro ao lado de sua amiga Simone, causando-lhe
os ferimentos descritos no exame necroscópico.
Importante se frisar que a pronúncia se
constitui em juízo de admissibilidade (ou não) da acusação
descrita na denúncia. É vedado o exame aprofundado no mérito
da causa, que é de competência do tribunal do Júri. Portanto
circunscreve-se este exame de admissibilidade à análise da
existência de prova da materialidade e indícios (ou
probabilidade) de autoria, o que fundamenta a decisão de
pronúncia.
No caso dos autos, ao contrário do afirmado
neste recurso pela defesa, estão presentes os pressupostos da
pronúncia. A materialidade está comprovada pelo exame
pericial constante dos autos (fls. 122/126). A autoria dos
disparos restou incontroversa pelo próprio interrogatório do
acusado (fls. 88 e v.º).
Por outro lado, a tese apresentada pelo
recorrente em seu interrogatório, no sentido de que efetuou o
disparo acidentalmente não é incontroversa no procedimento a
fim de que fosse permitido seu acolhimento de plano. Simone
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afirmou que estava de costas e não pode observar quem foi o
autor do disparo (fls. 102). Willian afirmou que a arma
encontrava-se com Daniel, e que este estava "brincando" com a
mesma (fls. 100). O policial militar Carlos Martins e o
investigador Manoel das Matas disseram em juízo que ouviram
de Simone e outras adolescentes que William brincavam de
"roleta russa" fls. 99 e 101).
Assim, por ora, não se pode alegar que o
recorrente não tenha agido com animus necandi, o que faz
inviável a impronúncia ou a absolvição sumária em razão de
eventual disparo acidental.
De bom alvitre, pois, que a tese da defesa
seja apreciada em plenário, onde a discussão é ampla e as
circunstâncias que rodearam o evento poderão ser melhor
analisadas.
Portanto, impõem-se pronúncia do
recorrente.
A qualificadora do artigo 121 § 2º, inciso IV,
do Código Penal deve ser afastada. Ela se caracteriza pela
surpresa, que aproxima-se da emboscada, da dissimulação e,
evidentemente, só existe quando se traduz num comportamento
insidioso em que se mascara a intenção agressiva de forma tal
que a vítima, em nenhum momento, teve qualquer razão para
suspeitar sequer do ataque, vindo a ser colhida de modo
desprevenido.1
1 RJTJSP 1/218
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No caso dos autos, as provas indicam duas
possibilidades: dolo eventual (fls. 187) ou crime culposo (fls.
157/158), que por sua vez não se harmonizam com a
qualificadora do homicídio cometido mediante emprego de
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima.
Em verdade, a sentença de pronúncia
constitui um juízo de suspeita e não um juízo de certeza que se
exige para o decreto condenatório. Daí a necessidade de se
pronunciar o réu quando houver indícios suficientes de autoria e
materialidade, salvo se desde logo for demonstrada a desvalia
dos mesmos, de maneira incontroversa, o que não ocorre neste
procedimento.
Nestes termos, dou parcial provimento ao
recurso para afastar a qualificadora do artigo 121, § 2º, inciso
IV, do Código Penal da r. decisão de pronúncia.”
Assim decidindo, a douta Turma Julgadora recusou
vigência ao artigo 408 do Código de Processo Penal,
extravasando os limites do poder que lhe foi conferido, e
também dissentiu de anteriores julgados do E. Superior Tribunal
de Justiça, dois aspectos:
a) O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é executado (surpresa).
“EMENTA: PROCESSUAL E PENAL. HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL E SURPRESA COEXISTÊNCIA.
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I - O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é executado. Assim, nada impede que o agente, embora prevendo o resultado morte, o aceite e pratique o ato usando de meio que surpreenda a vítima, dificultando ou impossibilitando a defesa, tal o quadro que entremostra nos autos.
II - Recurso Especial conhecido e provido.” STJ – Recurso Especial nº 57.586-9 – PR, 5ª Turma, Rel. Min.
JESUS COSTA LIMA, j. 30/08/1995, D.J.U. de 25/09/1995,
documento anexo)
b) Salvo caso excepcionalíssimo, é defeso, ao Tribunal, afastar qualificadora na fase de pronúncia, subtraindo a questão do exame pelo juízo natural: o Tribunal do Júri.
“RESP. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E CRUELDADE. ACÓRDÃO QUE AFASTA AS QUALIFICADORAS – SUBTRAÇÃO DA MATÉRIA AO SEU JUÍZO NATURAL: O TRIBUNAL POPULAR – INVIABILIDADE, NÃO SE TRATANDO DE CASO EXCEPCIONALÍSSIMO, EM QUE, DE PRONTO, SE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA QUE LEVAM A UM TRATAMENTO MAIS SEVERO DA AÇÃO DELITUOSA. PRECEDENTES DESTA CORTE.
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1. Não se deve, quer na pronúncia, quer no seio do
Tribunal de Justiça, afastar qualificadoras insertas na
denúncia vestibular, salvo casos excepcionalíssimos,
em que, de plano, se reconhece a sua
incompatibilidade.
2. No caso, as duas que restaram da pronúncia, são
viáveis e sua análise é de ser levada ao Júri, para
que ali sejam devidamente apreciadas e, se assim
entenderem os jurados, aplicadas, ou não.
3. Recurso conhecido” (STJ - Recurso Especial nº
138.802-GO, 6ª Turma, j. 02/06/1998, D.J.U. –
29/06/1998, p. 342 - documento em anexo)
2 – DA COMPATIBILIDADE ENTRE O DOLO EVENTUAL E RECURSO QUE DIFICULTE OU IMPOSSIBILITE A DEFESA DA VÍTIMA – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar
o Recurso Especial nº 57.586-9 – PARANÁ, em que é recorrente
o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, sendo
recorrido JOSÉ FERNANDES, por sua 5ª Turma, com o relato
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do eminente Ministro JESUS COSTA LIMA, proferiu a seguinte
decisão – que ora se adota como paradigma - em 30 de
agosto de 1995, publicada no D.J.U. de 25 de setembro de 1995
(cópia autenticada em anexo):
EMENTA: PROCESSUAL E PENAL. HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL E SURPRESA COEXISTÊNCIA.
I - O dolo eventual pode coexistir com a forma pela qual o crime é executado. Assim, nada impede que o agente, embora prevendo o resultado morte, o aceite e pratique o ato usando de meio que surpreenda a vítima, dificultando ou impossibilitando a defesa, tal o quadro que entremostra nos autos.
II - Recurso Especial conhecido e provido.”
Transcrevem-se o relatório e o voto do ilustre
Ministro JESUS COSTA LIMA:
“O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
interpõe recurso especial com base na alínea a do permissivo
constitucional, alegando contrariedade aos artigos 18, inciso I,
segunda parte e 121, § 2º, inciso IV, ambos do Código Penal,
por parte do v. Aresto de fls. 157/166, proferido pela 2ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que manteve a
sentença de pronúncia ao entendimento de que a qualificadora
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da surpresa exige para a sua existência uma preordenação
delitiva. Como conseqüência, é incompatível com o dolo
eventual, tendo o réu sido pronunciado por homicídio simples.
Pretende o recorrente que seja restabelecida a
classificação contida na inicial acusatória, incluindo-se na
pronúncia a qualificadora de surpresa, eis que não vislumbra
qualquer incompatibilidade com o dolo eventual (fls. 182/200).
Dá parecer a Dra. JULIETA E. FAJARDO CAVALCANTI
DE ALBUQUERQUE, ilustrada Subprocuradora-Geral da
República, pelo provimento do recurso, a fim de que o Tribunal
a quo examine as circunstâncias de fato da alegada
qualificadora, afastada a incompatibilidade com o dolo eventual,
acolhendo os fundamentos exarados no apelo extremo (fls.
217/222).
Relatei”
“VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO JESUS COSTA LIMA (RELATOR):
Entendeu o acórdão:
"O doutor Promotor de Justiça, como primeiro
recorrente, suplica, unicamente, o restabelecimento da
arredada qualificadora da surpresa, a integrar o modo de
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execução capaz de dificultar ou tornar impossível a defesa da
vítima, aludida na denúncia, com relação ao homicídio.
Impróprio seria, como assente na doutrina e na
jurisprudência, privar-se o juiz natural da lide, no caso, o
Tribunal do Júri, da faculdade de reconhecer a qualificação do
homicídio, quando não se possa afiançar sejam de manifesta
improcedência as circunstâncias qualificadoras do delito. Nesse
sentido é a doutrina (cf. José Frederico Marques, "Elementos
de Direito Processual Penal", vol. III, pág. 723; e a
Jurisprudência (cf. RT. 211/240, 560/323, Paraná Judiciário,
25/244).
Todavia, por outra face, forçoso é reconhecer que a
qualificadora arredada da surpresa, como modo de execução a
integrar o recurso que impossibilitou a defesa da vítima
Adenilson, data venia, foi bem afastada, na decisão
hostilizada, posto que, como se sabe, não se pode falar em
surpresa, sem cogitar do dolo premeditado, ou deliberado do
delinqüente.
Não havia como reconhecê-la, na hipótese
vertente, se as circunstâncias em que desenrolou o crime
(homicídio), somente foram revelados pelo próprio acusado,
não sendo dado presumi-la.
A qualificadora da surpresa exige para a
configuração uma preordenação delitiva. Não se pode,
efetivamente, falar em surpresa, sem que haja por parte do
agente, premeditação, falar em surpresa, sem que haja por
parte do agente, premeditação ou deliberação criminosa.
Notou bem o MM. Juiz processante, a
inconfiguração da surpresa, daí vir a excluí-la, como
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qualificadora, no caso vertente, onde ocorreu por parte do
agente, deliberação instantânea.
Portanto, nenhum reparo merece a r. decisão
recorrida, neste particular.
De resto, ao exame do recurso interposto pelo réu-
recorrente, verifica-se que dois temas são focalizados em
relação aos diferentes crimes lhe irrogados e reconhecidos na
decisão de pronúncia.
Com relação ao homicídio simples (art. 121, caput, do Código Penal), força é reconhecer que, efetivamente, a
prova coligida mostra, com segurança, de forma clara e
incontestável, que o acusado se houve com dolo eventual na
consecução deste crime. Pois, emerge do quadro probatório
que o réu-recorrente, sacou instantaneamente da arma que
trazia consigo, a apontou em direção a algumas pessoas ali
presentes, dentre as quais, se achava a vítima Adenilson,
fazendo, em seguida um disparo que atingiu, provocando-lhe
os ferimentos descritos no aludo de exame de necropsia
encartado às fls. 31 e verso, deste caderno criminal.
Denota-se ainda da prova colhida que o réu-
recorrente, logo a seguir, empunhando mesma arma,
novamente levando-a em direção às pessoas para detonar um
segundo disparo, teve a mão empurrada pela também vítima
Júlio Fontoura Faria, levantando-a, ocorrendo este segundo
disparo para o alto, sem outras conseqüências (fls. 15 e verso).
A reiteração dos disparos revela, sem dúvida que o
acontecimento não foi acidental e muito menos, por brincadeira.
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Ao contrário. A ação do réu-recorrente á típica,
como define com acerto a r. sentença combatida, de dolo
eventual e não de simples culpa.
Numa análise da conduta do réu-recorrente, à luz
da prova colhida e já expendida, claro é afastar-se, de logo o
dolo direto. O acusado não quis, como afirma, o resultado.
Sequer individualizou a vítima, pois, apontou a arma em
direção à várias pessoas, dentre estas, a vítima. Mas agiu com
dolo eventual, sem dúvida.
Pois, como se sabe, há dolo eventual quando o
agente assume o risco de produzir o resultado (art. 18, inciso I,
in fine, do Código Penal).
Assumir o risco significa prever o resultado como
provável e possível a aceitar ou consentir sua superveniência.
O dolo eventual muito se avizinha da culpa
consciente, como enfatizou o MM. Juiz processante, na r.
sentença recorrida, mas, nesta o agente, embora prevendo o
resultado com possível e provável, não aceita nem consente.
O réu-recorrente estava bêbado. Sacou da arma,
apontou em direção às pessoas ali presentes e disparou o
revólver. Para ele completamente indiferente viesse, ou não, a
atingir qualquer daquelas pessoas. Mas, inegavelmente,
assumia o risco do resultado.
Dolo, segundo melhor doutrina, é vontade
informada pela previsão do ato e do resultado. A isto se junta,
como complemento a teoria do consentimento, que Anibal
Bruno entende melhor chamá-la de teoria da anuência, esta
concluindo por dolo também quando o agente não quer
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propriamente o resultado, mas prevê e aceita que ele ocorra
com conseqüência possível ou provável de seu ato.
Enfim, no caso em exame, o réu-recorrente quando
se pôs àquele comportamento completamente desajuízado,
previa o resultado como possível e o admitia como
conseqüência de sua conduta.
Sua vontade, é certo, não se dirigia propriamente
ao resultado, mas, apenas, ao ato inicial que era ilícito, e o
resultado era representado como provável." (fls. 160/162).
O recurso especial aponta como vulnerado o art.
121. § 2º, IV, do Código Penal, além de relacionar precedentes
jurisprudenciais, inclusive desta Quinta Turma.
A excelência da argumentação expendida pelo Dr.
FELIZ FISCHER, ilustre Procurador de Justiça, vai dispensar-
me de outros fundamentos, como se verá a seguir:
"Permissa venia, não se vislumbra a incompatibilidade
divisada nos vv. acórdãos reprochados entre dolo eventual e a
surpresa, de modo a isentar o réu de responder por homicídio
qualificado perante o juiz natural da causa.
O dolo eventual e a circunstância da surpresa não se
confundem, são figuras independentes e plenamente
harmonizáveis na configuração do ilícito capitulado no art. 121,
§ 2º, inc. IV, do Código Penal.
Com efeito, consoante se sabe a farta, o crime de
homicídio pode restar qualificado, (com resposta penal mais
severa), seja em face dos motivos que o determinam (paga,
promessa de recompensa ou outro motivo torpe ou fútil - incs. I
e II do § 2º do art. 121, CP), seja pelos meios empregados
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(veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou meio insidioso ou
cruel, ou de que possa resultar perigo comum - inc. III), ou
ainda pela forma de execução (traição, emboscada, mediante
dissimulação ou outro do ofendido (inc. IV), ou, por fim, pela
circunstância da conexão com outro crime (praticado para
assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem
inc. V).
Pois bem, a surpresa encontra adequação no inc. IV
do § 2º do art. 121 do CP, sendo certo que ela se subsume, em
decorrência de interpretação analógica (admitida em relação
aos tipos incriminadores, ao revés da analogia), à formula
genérica "recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima". O que caracteriza essa qualificadora é o ataque
feito pelo réu de modo não previsível, e que colhe a vítima
desatenta e indefesa (cfme. RF 106/128 e 154/385). É o
procedimento inesperado do agressor, sem que haja razão
para a espera ou, pelo menos, suspeita da agressão por parte
da vítima (cfme. RT 596/3240).
De sua vez, não se pode falar em dolo eventual sem
que se invoque, para bem entendê-lo, a lição do mestre
Francisco de Assis Toledo, insigne integrante do C. Superior
Tribunal de Justiça, na sua consagrada obra "Princípios
Básicos de Direito Penal" (ed. Saraiva, 4ª ed. 1991, pág. 303,
n.º 266): "No dolo eventual, o agente não prevê o resultado danoso como também o aceita como uma das alternativas possíveis. É como se pensasse: vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas, apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado".
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No mesmo sentido, o ensinamento de Jair Leonardo Lopes (in curso de Direito Penal", por parte geral, ed. RT, pág. 122) nos mostra que "ocorre o dolo eventual, na realização típica, quando o agente emprega meios que, em razão de sua natureza e das circunstâncias, poderá produzir, além do fim querido, outros concomitantes e não queridos, porém admitidos. Se ao empregar tais meios, o agente, apesar de prever os efeitos concomitantes, não recua e efetivamente, ocorrem aqueles efeitos, o agente por eles há de responder". E, mais adiante: "...como está no Código Penal (art. 18, I, considera-se realizada, dolosamente, a conduta típica, tanto quando o a agente quis o resultado como quando assumiu o risco de produzi-lo" (pág. 123).
Não é diferente, em sede do tema "dolo eventual" o
posicionamento do destacado mestre E.R. Zafforoni, sucessor
de Sebastian Soler, (in "Manual de Decreto Penal", ed. Ediar,
6º., 1991, pág. 419), para quem: "El dolo eventual, conceptuado em términos corrientes, es la conducta del que se dice "que se aguante", "que se fastidie", "si pasa, mala suerte", "que me importa". Obsérvese que aqui no hay una aceptacion del resultado como tal, sino su aceptación como posibilidad, como probabilidad".
Da mesma forma, o grande penalista H.H. Jescheck
(in "Tratado de Decrecho Penal", ed. Comares, vol. 1, pág. 404
e segts.) mostra que o dolo eventual "significa que el autor
considera seriamente como possible la realización del tipo legal
y se conforma com ella. El contenido de injusto del dolo
eventual es menor que el de las otras das clases de dolo, ua
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que em aquél ni si persigne el resultado ni es segura su
producción, sino que se abandona el curso de las cosas.
Constituyen el dolo eventual, de una parte, la conciência de que
concurre um peligro concreto de que se realice el tipo y, de
outra parte, que el autor tome en serio dicho peligro. Tomar em
serio el peligro significa que el autor juzga el riesgo de
realizacion del tipo relativamente elevado".
Pois bem, feitas estas considerações acerca da
qualificadora da surpresa e do dolo eventual, cumpre destacar
que predomina hoje em dia o entendimento de que o tipo de
injusto, nos delitos comissivos dolosos (excluídos, por sua
estrutura, os culposos e, pelas peculiaridades subjetivas, em
parte, os omissivos), se bifurca, de forma homogênea e
acentuada, em tipo objetivo, sendo que o primeiro, como
informa Heleno C. Fragoso (in "Lições de Direito Penal", pág.
7ª ed., ed., Forense, 1985, pág. 166), "correspondendo ao
aspecto exterior da ação, tem nesta o seu núcleo
fundamental". Ou, como prefere o extraordinário H. Wezel, o
tipo objetivo "compreende aquello del tipo que tiene que encontrarse objetivado en el mundo exterior" (in "Derecho
Penal Aleman", pág. 12ª ed., 3ª ed. cast, Editora Jurídica de
Chile, pág. 93). Em posição similar, E.R. Zaffaroni (in "Tratado
de Derecho Penal", vol. III, 1981, págs. (263/265), F. Muñoz Conde (in "Teoria General del Delito", 1984, pág. 53), E. Bacigalupo (in "Princípios de Derecho Penal Espanõl, vol. II,
1984, pág. 31, e in "Manual de Derecho Penal", pág. 90/92) e,
de certa forma, J. Wessels (in "Direito Penal", pg. Págs. 30/37),
bem assim, Maurach-Zipf (in "Strafrecht", AT., 1977, págs.
309/339). Já o tipo subjetivo, conforme Heleno C. Fragoso,
Compilação: Perseu Gentil Negrão 19
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se compõe "necessariamente do dolo e, eventualmente, de outros elementos subjetivos do tipo (injusto)" (ob., cit., pág.
175). Neste mesmo diapasão, os autores acima citados,
ressalvada uma ou outra divergência ora e aqui irrelevantes. Nesta linha de pensamento, o dolo (dolus naturalis, na acepção esposada por Damásio E. de Jesus. In "Direito
Penal", pg. Saraiva, 1991, pág. 246) é "consciência e vontade na realização da conduta típica" (H.C. Fragoso, ob. cit. pág.
175) ou "el conecimento y voluntad de la realización del tipo objetivo" (E. Bacigalupo, in "Lineamentos de La Teoria del Delito", B. Aires, 1986, pág. 33) e, como tal, se apresenta como núcleo necessário do tipo subjetivo dos delitos comissivos dolosos. E, dentro do seu âmbito, podem ser elaboradas classificações ou graus. Desta maneira, a priori, ressalta a distinção entre dolo direto e o eventual ,
ocorrendo o primeiro quando o agente "se propõe à realização da conduta típica" (h. c. Fragoso, ob. cit., pág.
177). Já no segundo (dolo eventual), como restou asseverado
nos ensinamentos trazidos antes à colação, o agente, na forma
como se admitiu nos vv. Acórdãos recorridos, assume o risco,
prevendo resultado como provável ou possível e aceita ou
consente a sua superveniência. Tudo isso, vale dizer,
observando na perspectiva da vontade e não da representação,
conforme ensinança tecnicamente escrupulosa de Heleno C. Fragoso (ob. cit., pág. 178).
Portanto, data venia, colocada esta sistemática,
percebe-se que não é possível estabelecer o vínculo, in abstrato, tal qual nos vv. Acórdãos recorridos, entre o dolo e
qualquer dos demais elementos do tipo, sejam eles objetivos ou
Compilação: Perseu Gentil Negrão 20
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
subjetivos. se o modelo de conduta proibida admite, pela sua estrutura, o dolo eventual, então qualquer pretensa incompatibilidade só poderá ser reconhecida no plano concreto, pela própria forma de execução do tipo e nunca por conflito interno, apriorístico. Este suposto conflito interno, data venia, não existe!
Tanto é assim, que o próprio colendo Superior Tribunal de Justiça, apreciando tema até mais árduo do que o
retratado nestes autos, emitiu o seguinte v. Acórdão:
"Penal. Homicídio. Dolo eventual e motivo fútil.
Compatibilidade.
Não há, no crime de homicídio, incompatibilidade
entre dolo eventual e motivo fútil. É possível, por motivo fútil,
alguém assumir o risco de produzir o resultado. Afastado,
assim o óbice de tal incompatibilidade, cabe ao Tribunal a quo examinar, em conseqüência, a existência da qualificadora
referente ao motivo fútil.
Recurso especial conhecido e parcialmente provido".
(RSTJ 5/463)Ora, se o colendo STJ declinou que inexiste
qualquer incompatibilidade entre dolo eventual e motivo fútil (circunstância subjetiva), como se pode sustentar o raciocínio
de que, a priori, o dolo eventual e incompatível com a
qualificadora da surpresa (que tem caráter objetivo)?
O dolo, (seja direto ou eventual) consoante se sabe,
e está na mente do autor da conduta, é elemento psíquico. A
surpresa, por sua vez, indica certa forma que agente imprime à
ação criminosa para evitar defesa do ofendido, e qual se dá
Compilação: Perseu Gentil Negrão 21
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
com traição, é circunstância que se configura ainda mesmo no
caso de que o autor não a procure de propósito, e deve ser
verificada no momento da execução do crime e nos meios
empregados (nesse sentido: STF - RECr nº 73225 - Rel. Min.
Antonio Neder - DJU 09.11.73, pág. 8486).
Em se tratando, bem se vê, de elementos tão
diversos. O dolo de caráter nitidamente psíquico e a surpresa
pertinente ao meio de execução -, impõem-se concluir que não
há mínima incompatibilidade entre ambos.
Destarte, mostrando-se despiciendas maiores
ilações acerca da qualificadora da surpresa e, também , acerca
do dolo eventual, faz-se mister delinear perfeitamente o
episódio retratado nos autos para, ao depois, verificar se ele se
amolda aos conceitos antes fixados e, sobretudo, se, no caso
concreto, mostram-se compatíveis a aludida qualificadora com
o dolo eventual.
Extrai-se, pois dos autos que na data 30 de maio de
1991 o réu José Fernandes, armado de um revólver calibre 38,
encontrava-se no interior do estabelecimento "Bar do Mauro"
situado na Av. na Av. Paraná, cidade e comarca de Ibiporã, PR,
sendo certo que no aludido bar achavam-se ainda diversas
outras pessoas, inclusive porta a fora do dito estabelecimento.
A algazarra no local era, compreensivelmente, grande,
notadamente porque a maioria das pessoas que ali estavam
haviam ingerido considerável quantidade de bebidas alcoólicas.
Por volta de 3:00 hs da madrugada o réu, irritado
com o barulho existente no local, ou, segundo relatou em seu
interrogatório, supondo que ocorria uma desavença defronte ao
estabelecimento, pura e simplesmente sacou de seu revólver e
Compilação: Perseu Gentil Negrão 22
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
com ele desferiu um tiro em direção às pessoas que estavam
fora do bar, atingindo com ele a vítima Adenilson Gonçalves
Mendes que, ferida no pescoço, morreu dias depois em face
dessa agressão.
Na seqüência, ao ser obstado de efetuar o segundo
disparo, acabou lesionando de forma leve a vítima Júlio
Fontoura de Faria.
Não há, acerca desses fatos, a menor controvérsia.
Assim eles se deram. Assim restaram reconhecidos na r.
decisão de pronúncia e assim foram admitidos pelos vv.
Acórdãos objurgados". (fls. 191/199).
Além dos precedentes mencionados nos autos, os
que se seguem guardam pertinência com o tema do recurso
especial.
"PROCESSO PENAL. JÚRI. NULIDADES.Admite-se a figura do homicídio privilegiado-qualificado, sendo
fundamental, no particular, a natureza das circunstâncias. Não
há incompatibilidade entre circunstâncias subjetivas e objetivas,
pelo que o motivo de relevante valor moral não constitui
empeço a que inicia a qualificadora da surpresa.
O homicídio pode ser duplamente privilegiado.
Conseqüentemente, a não submissão aos jurados do quesito
relativo à prática do crime sob o domínio de violenta emoção,
logo em seguida a injusta provocação da vítima, tido como
prejudicado, em face da resposta afirmativa dos jurados ao
quesito atinente ao cometido do crime por motivo de relevante
valor , constitui causa do julgamento.
Alegação de que a defesa não só não sofreu nenhum prejuízo
como não argüiu a nulidade no momento processual oportuno."
Compilação: Perseu Gentil Negrão 23
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
"RESP. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SURPRESA. A qualificadora surpresa representa a circunstância de que o
agente, dissimulado o propósito homicida, atacar a vítima, sem
que esta aguardasse a investida. A defesa, assim, é dificultada
ou se torna impossível. No recurso especial (não reexamina o
conjunto probatório), o fato é recebido conforme definição do
Tribunal de origem. Apenas em hipóteses teratológicas (sentido
jurídico do termo), reverenciando decisão justa,
excepcionalmente, promover-se-à a correção."2
Do que se vê nos autos o réu, sentindo-se
molestado, alta madrugada, com o barulho que, por certo,
pertuva-lhe o sono, o réu levantou-se, armou-se, indo em
direção as pessoas que estavam fora do bar, atirou de modo
inesperado, colhendo a vítima, com quem não discutira e que,
assim, desprevenida, foi atingida com uma bala no pescoço,
falecendo em consequência dos ferimentos recebidos. Com
essa atitude, sem a menor dúvida, ao acionar a arma, sabia o
que poderia acontecer, mas assim mesmo, acionou-a de forma
repentina sem razão para a espera daquela atitude por quem
se encontrava no local.
De todo o exposto, conheço do recurso, provendo-o
parcialmente, a fim de que o Egrégio Tribunal, afastada a
incompatibilidade que encontrou, a aprecie a existência da
qualificadora, no caso concreto.”
2 RESP Nº 1209-1/MG, Rel. Ministro VICENTE CERNICCHIARO
Compilação: Perseu Gentil Negrão 24
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
2a – CONFRONTO ANALÍTICO DOS JULGADOS
Perfeitamente nítida, como se vê, a similitude das
hipóteses confrontadas, cuidando ambas da incidência do dolo
eventual e da qualificadora da surpresa (recurso que dificulta ou
mesmo impossibilita a defesa da vítima).
Todavia, diversas as soluções encontradas.
Para o v. acórdão combatido:
“No caso dos autos, as provas indicam duas
possibilidades: dolo eventual (fls. 187) ou crime culposo (fls.
157/158), que por sua vez não se harmonizam com a
qualificadora do homicídio cometido mediante emprego de
recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima.”
Já para o v. aresto paradigma:
"Permissa venia, não se vislumbra a
incompatibilidade divisada nos vv. acórdãos reprochados entre
dolo eventual e a surpresa, de modo a isentar o réu de
responder por homicídio qualificado perante o juiz natural da
causa.
Compilação: Perseu Gentil Negrão 25
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
O dolo eventual e a circunstância da surpresa não se
confundem, são figuras independentes e plenamente
harmonizáveis na configuração do ilícito capitulado no art. 121,
§ 2º, inc. IV, do Código Penal.”
Com o devido acatamento, melhor a solução alvitrada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça.
3 – DA IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DE
QUALIFICADORAS NA PRONÚNCIA, SALVO CASOS
EXCEPCIONALÍSSIMOS – NEGATIVA DE VIGÊNCIA DE LEI
FEDERAL
Segundo conhecida lição do saudoso Ministro
ALIOMAR BALEEIRO perfeitamente ajustável à hipótese em
exame, "denega-se vigência de lei não só quando se diz que
esta não está em vigor, mas também quando se decide em
sentido diametralmente oposto ao que nela está expresso e
claro" (RTJ 48/788).
Compilação: Perseu Gentil Negrão 26
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
Nesse passo, a r. decisão emanada da Douta Turma
Julgadora, vênia máxima concessa, contrariou o que dispõe o
artigos 408 do Código de Processo Penal, afastando-se da
melhor doutrina quanto à exclusão da qualificativa na
oportunidade da decisão de pronúncia, tema que deve ser
submetido à apreciação dos jurados.
Reza o mencionado dispositivo da lei processual:
"Art. 408. Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento".
Pacificado é o entendimento, tanto na doutrina como
na jurisprudência, de que em sede de pronúncia é vedado ao
magistrado ou ao Tribunal Estadual em grau de recurso, subtrair
da apreciação do Tribunal do Júri, as qualificadoras indicadas na
denúncia, salvo quando irremediavelmente impertinentes, o
que não ocorre no caso em tela, eis que o próprio Colendo
Superior Tribunal de Justiça já admitiu a compatibilidade entre o
dolo eventual e a causa de aumento que dificulte ou impossibilite
a defesa da vítima (surpresa).
Compilação: Perseu Gentil Negrão 27
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
Essa é, aliás, a orientação que, no tema, perfilham
nossos melhores processualistas. O emérito MAGALHÃES
NORONHA, após lembrar que, na pronúncia, em atenção ao
mandamento do artigo 416 do Código de Processo Penal, o juiz
deve explicitar as qualificativas cabíveis, aduz: "Mesmo na dúvida sobre elas, deve a sentença acolhê-las para não retirar do júri a possibilidade de apreciá-las, já que se as omitir, é vedado ao libelo articulá-las"("Curso de Direito
Processual Penal", ed. Saraiva, 1986, p.250). Igualmente, assim
se pronunciam ADRIANO MARREY, ALBERTO SILVA
FRANCO, ANTONIO LUIZ CHAVES CAMARGO e RUI STOCO,
lecionando que somente devem ser expungidas as
qualificadoras do delito em tal instante processual apenas
"quando manifestamente improcedentes e descabidas", de
acordo com inúmeros julgados dessa mesma Corte (RT
421:310, 424:357); unicamente quando "impertinentes devem ser subtraídas ao Júri, que é o juiz natural da causa (RT
366:119, 393:123, 438:386), lembrando com a autoridade de
FREDERICO MARQUES e ESPÍNOLA FILHO, que, na dúvida
razoável quanto ao reconhecimento das circunstâncias,
"preferível será deixar para o Tribunal do Júri a decisão sobre a matéria porque é este por força de mandamento constitucional, o juiz natural da lide", mesmo porque como
lembra o segundo jurista, na pronúncia não se cuida da fixação
da pena a cumprir, "assunto deixado à consideração do
Compilação: Perseu Gentil Negrão 28
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
Presidente do Júri, mas por ocasião do julgamento final, após o veredicto do Conselho de Sentença"("Júri" ed. RT
1988, p. 114). Esse, igualmente, o pensamento de HERMÍNIO
MARQUES PORTO ao afirmar competir ao Júri a apreciação da
causa de aumento, "com melhores dados, em face da maior amplitude da acusação e da defesa em plenário (RT 211:140, 282:163, 290:134, 305:784, etc), justificando-se, porém a exclusão, quando evidente e manifesta a inocorrência de qualquer delas" ("Júri", ed. RT, 1973, p. 161). Mais
recentemente assim também se pronúncia o Professor JÚLIO
FABBRINI MIRABETE: "Tratando-se de pronúncia, ou seja juízo de admissibilidade, as qualificadoras só podem ser excluídas quando manifestamente improcedente, sem qualquer apoio nos autos, vigorando aqui também o "indubio pro societate"("Processo Penal", ed. Atlas, 1992, p.
466).
Força, portanto concluir, acatando-se o magistério
dos doutrinadores lembrados, que excluindo da pronúncia a
circunstância da surpresa na prática do delito os eminentes
julgadores contrariaram a letra do dispositivo processual, cuja
interpretação está pacificada no Colendo Superior Tribunal de
Justiça. E mais, coartaram a competência constitucional do
Tribunal Popular, impedindo os julgadores de fato de
apreciarem, por inteiro, a acusação deduzida contra o réu.
Compilação: Perseu Gentil Negrão 29
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
3.1. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
No julgamento do Recurso Especial nº 138.802-GO,
ocorrido em 02 de junho de 1998, do qual foi Relator o
MINISTRO ANSELMO SANTIAGO, cujo acórdão (cópia
autenticada anexa) adota-se como paradigma, assim se
pronunciou a SEXTA TURMA do Egrégio Superior Tribunal de
Justiça:
“RESP. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E CRUELDADE. ACÓRDÃO QUE AFASTA AS QUALIFICADORAS – SUBTRAÇÃO DA MATÉRIA AO SEU JUÍZO NATURAL: O TRIBUNAL POPULAR – INVIABILIDADE, NÃO SE TRATANDO DE CASO EXCEPCIONALÍSSIMO, EM QUE, DE PRONTO, SE RECONHECE A INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA QUE LEVAM A UM TRATAMENTO MAIS SEVERO DA AÇÃO DELITUOSA. PRECEDENTES DESTA CORTE.4. Não se deve, quer na pronúncia, quer no seio do
Tribunal de Justiça, afastar qualificadoras insertas na
denúncia vestibular, salvo casos excepcionalíssimos,
Compilação: Perseu Gentil Negrão 30
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
em que, de plano, se reconhece a sua
incompatibilidade.
5. No caso, as duas que restaram da pronúncia, são
viáveis e sua análise é de ser levada ao Júri, para
que ali sejam devidamente apreciadas e, se assim
entenderem os jurados, aplicadas, ou não.
6. Recurso conhecido” (destaque nosso).
Transcreve-se o voto do Eminente Relator, na parte
de interesse deste recurso:
“Tenho que procede o inconformismo do órgão
da acusação, pois as qualificadoras foram
indevidamente retiradas à apreciação do Júri, local
apropriado para o seu exame.
Só em casos excepcionalíssimos, como adverte
o Min. Adhemar Maciel no Resp nº 58.279/MG, é que se
deve afastar, na pronúncia, as qualificadoras insertas na
denúncia. Não é o caso dos autos.
De fato, pode-se acolher a futilidade da ação, se
se considerar que a hipotética abordagem da vítima à
amásia do agente teria se dado há uns três ou quatro
anos antes, período no qual réu e vítima
“constantemente se encontravam em bares e nas ruas
desta cidade, sem que seu amásio dissesse uma
Compilação: Perseu Gentil Negrão 31
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
palavra sequer de ameaça ou de vingar a vítima;”
(depoimento de Ana Maria Fátima Santos, companheira
do criminoso, à fls. 33).
(...)
Também não se houve bem o Colegiado
recorrido, ao desconsiderar a qualificadora do meio
cruel, pois existem, da mesma forma, decisões em
sentido contrário àquele esposado pela Corte goiana, o
que se demonstra com os acórdãos adiante indicados...
(...)
Como se vê, não estamos diante de um caso
excepcionalíssimo, razão pela qual não haveria
motivos para se retirar, do Júri, a apreciação das
qualificadoras adotadas na primeira instância.
À vista do exposto, acolho o parecer do Parquet
Federal, e conheço do recurso, cassando a decisão
recorrida e restabelecendo, na íntegra, a sentença de
pronúncia.
É o meu voto”.
No mesmo rumo a orientação já pacificada no
Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MERO JUÍZO DE SUSPEITA. LEGALIDADE DO DECISUM.
Compilação: Perseu Gentil Negrão 32
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. ERRO MATERIAL. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA NA PRONÚNCIA. FUGA DO RÉU. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES FINAIS. IRRELEVÂNCIA. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. APELO INCOMUM NÃO-ADMITIDO. INEXISTÊNCIA DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROPRIEDADE DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
I. A exposição, pelo Julgador monocrático, de consistente suspeita jurídica da existência do delito, assim como da possível participação do paciente no mesmo, com base nos indícios dos autos, já legitima a sentença de pronúncia.
II. As qualificadoras só podem ser excluídas em casos excepcionalíssimos, quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes, sem qualquer apoio nos autos, sendo que o habeas corpus é meio impróprio para tal análise, eis que envolveria reexame do conjunto fático-probatório.
III. Omissão de referência à qualificadora constante da denúncia pelo Julgador monocrático prolator da sentença de pronúncia que consistiu em mero erro material.
IV. É impróprio o argumento de que a decisão que pronunciou o réu seria um simples despacho ou decreto de prisão preventiva, pois o Julgador foi claro ao referir-se à pronúncia do acusado, tendo decretado sua custódia cautelar em virtude da ocorrência de fuga – o que, por si só, demonstra a intenção de furtar-se à aplicação da lei penal.
V. Não transcorrido o lapso temporal exigido para a extinção da punibilidade pelo reconhecimento da prescrição entre nenhum dos marcos interruptivos previstos em lei – in casu, data do fato, sentença de pronúncia, e acórdão que a confirmou –, em feito com máximo da pena em abstrato de 30 anos de reclusão, é
Compilação: Perseu Gentil Negrão 33
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
imprópria a alegação de prescrição da pretensão punitiva.
VI. A ausência das alegações finais, nos processos de Competência do Tribunal do Júri, não enseja à declaração de nulidade, pois, na sentença de pronúncia, não há julgamento de mérito e, sim, um mero juízo de admissibilidade, positivo ou negativo, da acusação formulada. Precedentes desta Corte.
VII. Recurso especial e extraordinário que não têm, de regra, efeito suspensivo.
VIII. O Tribunal ad quem não possui competência para a atribuição de efeito suspensivo a recurso que ainda não foi admitido pelo Tribunal a quo.
IX. Hipótese dos autos em que o apelo incomum sequer foi admitido pela Corte Estadual, não havendo notícias de que tenha sido interposto agravo de instrumento perante este STJ.
X. O habeas corpus não é a via adequada para se atribuir efeito suspensivo a agravo de instrumento, recurso especial ou recurso extraordinário, pedido que normalmente é veiculado por medida cautelar inominada e só é acolhido em casos excepcionalíssimos.
XI. Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 26259 – PI, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, j. 08/04/2003, D.J.U. de 02/06/2003, p. 317).
RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA.
Não há falar em exclusão de qualificadoras pela sentença de pronúncia – exceto quando manifestamente improcedentes – que não se confunde com a de mérito, pois examina os indícios da autoria, a existência do fato e a materialidade do delito, caracterizando o juízo da probabilidade, observando o princípio in dubio pro
Compilação: Perseu Gentil Negrão 34
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
societate, enquanto aquela aplica o juízo de certeza, exigido à condenação.
"Cabe ao Tribunal do Júri, diante dos elementos probatórios a serem produzidos, julgar o réu culpado ou inocente e declarar a incidência ou não das qualificadoras." (Precedentes)
Recurso conhecido e provido. (Recurso Especial nº 330059 – DF, 5ª Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, j. 01/04/2003, D.J.U. de 28/04/2003, p. 232).
PENAL. PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL DEMONSTRADA. SÚMULA N.º 7 DO STJ. INAPLICABILIDADE. PRONÚNCIA. QUALIFICADORAS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATIS. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O dissídio jurisprudencial restou demonstrado nos moldes exigidos pelo art. 541 do Código de Processo Civil e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Não se aplica, in casu, o enunciado da Súmula n.º 7 do STJ.
2. Não se reconhece a nulidade da sentença de pronúncia, pois motivou suficientemente a existência de indícios das circunstâncias qualificadoras do homicídio, abstendo-se, como não poderia deixar de ser, de um profundo exame do mérito, porquanto o juiz natural da causa é o Tribunal do Júri.
3. Outrossim, a sentença de pronúncia, salvo em casos excepcionais, não pode afastar as circunstâncias qualificadoras propostas na denúncia, pois havendo indícios de sua existência e incerteza sobre as
Compilação: Perseu Gentil Negrão 35
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
circunstâncias fáticas, deve prevalecer o princípio in dúbio pro societatis.
4. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 423237 – RS, 5ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. 18/02/2003, D.J.U. de 31/03/2003, p. 249).
CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MERO JUÍZO DE SUSPEITA. LEGALIDADE DO DECISUM. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. PRONÚNCIA. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. GRAVIDADE DO DELITO. DESNECESSIDADE DE NOVA FUNDAMENTAÇÃO. RÉU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO DO PROCESSO. ORDEM DENEGADA.
I. A exposição, pelo Julgador monocrático, de consistente suspeita jurídica da existência do delito, assim como da possível participação do paciente no mesmo, com base nos indícios dos autos, já legitima a sentença de pronúncia. As qualificadoras só podem ser excluídas em casos excepcionalíssimos, quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes, sem qualquer apoio nos autos, sendo que o habeas corpus é meio impróprio para tal análise, eis que envolveria reexame do conjunto fático-probatório. Não se vislumbra ilegalidade na decisão que decretou a custódia cautelar do paciente, se demonstrada a necessidade da prisão, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante, sendo que a gravidade do delito e a periculosidade do agente podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Precedentes. Inexistindo fato novo a ensejar a soltura do paciente,
Compilação: Perseu Gentil Negrão 36
Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais – Modelo da Tese nº 213
tem-se como desnecessária, quando da pronúncia, nova fundamentação para que seja mantida a custódia de réu que já se encontrava preso durante a instrução processual. Precedentes.
Ordem denegada. (Habeas Corpus nº 21745 – SP, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, j. 10/12/2002, D.J.U. de 10/03/2003, p. 259).
RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORAS. CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO.
1. A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição daRepública, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.
2. Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos, inidôneos à incidência da norma invocada.
3. A motivação da pronúncia é condição de sua validade e, não, vício que lhe suprima a eficácia, limitando-a, contudo, em intensão e extensão, a sua natureza específica de juízo de admissibilidade da acusação perante o Tribunal do Júri. É que, versando sobre o mesmo fato-crime e sobre o mesmo homem-autor, nos processos do júri, o judicium accusationis tem
Compilação: Perseu Gentil Negrão 37
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por objeto a admissibilidade da acusação perante o Tribunal Popular e o judicium causae o julgamento dessa acusação por esse Tribunal Popular, do que resulta caracterizar o excesso judicial na pronúncia, usurpação da competência do Tribunal do Júri, a quem compete, constitucionalmente, julgar os crimes dolosos contra a vida (Constituição da República, artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "d").
4. A observância, portanto, dos limites da pronúncia pelo magistrado, enquanto juízo de admissibilidade da acusação perante o Tribunal do Júri, é elemento da condição de validade da pronúncia que se substancia na sua motivação.
5. O artigo 121, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal, após citar fórmulas casuísticas tais como o homicídio mediante paga ou promessa de pagamento, exige, alternativamente, para que incida, por meio de fórmula genérica, que o agente se impulsione à prática delitiva por "outro motivo torpe", reclamando, assim, motivação tão vil, ignóbil e abjeta quanto aquelas retratadas nas hipóteses previamente determinadas. Trata-se, como se vê, de hipótese de interpretação analógica ou intra legem.
6. A exclusão das qualificadoras da sentença de pronúncia, quando manifestamente improcedentes, é medida que se impõe.
7. Recurso conhecido e improvido. (Recurso Especial nº 233797 – GO, 6ª Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, j. 12/03/2002, D.J.U. de 19/12/2002, p. 455).
PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXCLUSÃO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. IMPROVIMENTO.
Compilação: Perseu Gentil Negrão 38
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As qualificadoras só podem ser excluídas da sentença de pronúncia quando manifestamente improcedentes e descabidas, o que não é o caso dos autos.
Cabe ao Tribunal do Júri, que é o juiz natural para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, dirimir a ocorrência ou não das qualificadoras.
Recurso especial a que se nega provimento. (Recurso Especial nº 317828 – ES, 5ª Turma,Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, j. 07/11/2002, D.J.U. de 02/12/2002, p. 333).
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SER CONTRA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I. As qualificadoras só podem ser excluídas da sentença de pronúncia quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes - o que não se vislumbra in casu, eis que o acórdão não se apóia em elementos aptos a excluírem, de plano, a indigitada traição.
II. Em caso de incerteza sobre a situação de fato - ocorrência ou não de qualificadora - a questão deverá ser dirimida pelo Tribunal do Júri, o juiz natural para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
III. Recurso conhecido e provido para restabelecer a inclusão da qualificadora do inc. IV do § 2º do art. 121 do CP na sentença de pronúncia. (RESP 184646 – DF, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 11/04/2000, D.J.U. de 15/05/2000, p. 00179).
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAl. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO
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ANALÍTICA DO DISSÍDIO - CASOS DIFERENTES. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. QUALIFICADORA MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. EXCLUSÃO. POSSIBILIDADE.
"O conhecimento dos embargos de divergência pressupõe seja demonstrado analiticamente o dissídio entre os julgados, consistente na transcrição de seus trechos divergentes, bem como na prévia indicação das circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados". (Corte Especial, ERESP 53306 / DF, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 09.03.98, p. 02) Acórdão da Corte a quo - mantido pelo decisum embargado - que está em sintonia com o entendimento pacífico desta Corte, segundo o qual as qualificadoras propostas na denúncia não podem ser afastadas pelo juízo da pronúncia, salvo se forem elas manifestamente improcedentes.
Embargos de divergência não conhecidos. (ERSP 182769- DF, 3ª Seção, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 13/12/1999, D.J.U. de 13/03/2000, p. 00127).
PROCESSUAL PENAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA TRAIÇÃO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. ORDEM DENEGADA.
I. As qualificadoras só podem ser excluídas da sentença de pronúncia quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes - o que não se vislumbra in casu, eis que a impetração não se apóia em elementos aptos a excluírem, de plano, a indigitada traição.
II. Em caso de incerteza sobre a situação de fato - ocorrência ou não de qualificadora - a questão deverá ser
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dirimida pelo Tribunal do Júri, o juiz natural para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
III. Ordem denegada. (HC 11106 – SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 07/12/1999, D.J.U. de 14/02/2000, p. 00056).
PROCESSO PENAL. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. QUALIFICADORAS. CPP, ART. 408.
- Segundo a moldura legal do art. 408, do Código de Processo Penal, a sentença de pronúncia consubstancia mero juízo de admissibilidade da acusação, em que se exige apenas o convencimento da prova material do crime e da presença de indícios de autoria.
- Se a denúncia imputa ao réu crime de homicídio qualificado, na sentença de pronúncia o Juiz monocrático somente pode excluir circunstância qualificante se esta, a luz da prova condensada no sumário, for manifestamente improcedente, pois havendo incerteza sobre a situação de fato, deve o tema ser reservado ao Tribunal do Júri, que é o Juiz natural competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, ex vi do art. 5º, XXXVIII, da Constituição.
- Não tem substância a alegação de nulidade de defesa pela ausência da reconstituição do crime e da realização de exame de corpo delito, se estas foram requeridas nas contrariedades e o libelo e deferidas pelo juiz.
- Recurso ordinário desprovido. (RHC 8269 –
RS, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, j. 18/05/1999, D.J.U.
de 11/10/1999, p. 00087).
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3.1.a - CONFRONTO ANALÍTICO DOS JULGADOS
É perfeita a identidade entre a situação dos autos e
aquela apreciada no v. aresto indicado como paradigma do
dissídio. Nas duas, devidamente materializada a análise sobre a
configuração de causas de aumento da pena na fase de
pronúncia; opostas, no entanto, as conclusões a que chegaram
o v. acórdão recorrido e a r. decisão confrontada.
Para o v. acórdão recorrido:
“A qualificadora do artigo 121 § 2º, inciso
IV, do Código Penal deve ser afastada. Ela se caracteriza pela
surpresa, que aproxima-se da emboscada, da dissimulação e,
evidentemente, só existe quando se traduz num comportamento
insidioso em que se mascara a intenção agressiva de forma tal
que a vítima, em nenhum momento, teve qualquer razão para
suspeitar sequer do ataque, vindo a ser colhida de modo
desprevenido.” (fls. 287/288)
Enquanto para o r. julgado colacionado:
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“Só em casos excepcionalíssimos, como adverte
o Min. Adhemar Maciel no Resp nº 58.279/MG, é que se
deve afastar, na pronúncia, as qualificadoras insertas na
denúncia.”
Em síntese, enquanto para a r. decisão recorrida é possível a exclusão das qualificadoras acolhidas na pronúncia, para o v. acórdão paradigma somente em casos excepcionalíssimos deve-se retirar da apreciação do Tribunal do Júri tais qualificadoras.
Assim, melhor a nosso ver, o entendimento
consagrado no Colendo Superior Tribunal de Justiça.
4 - O PEDIDO
Em face de todo o exposto, demonstrados os
dissensos jurisprudenciais quanto aos temas destacados e a
negativa de vigência de lei federal, aguarda o Ministério Público
do Estado de São Paulo que seja deferido o processamento do
presente recurso especial, a fim de que, subindo à elevada
consideração do Colendo Superior Tribunal de Justiça, mereça
provimento, cassando-se o acórdão recorrido, para que o
acusado seja submetido a julgamento perante o Tribunal
Compilação: Perseu Gentil Negrão 43
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Popular, nos exatos termos da r. decisão de pronúncia de
primeiro grau.
São Paulo, 15 de março de 2005.
LUIZ ANTONIO CARDOSO
Procurador de Justiça
ANDRÉ LUIZ RIERA NEVES
Promotor de Justiça Designado
Índices
Ementas – ordem alfabética
Ementas – ordem numérica
Índice do “CD”
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