DO CHEIO PARA O VAZIO
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DO CHEIO PARA O VAZIO METODOLOGIA E ESTRATGIA NA AVALIAO DE ESPAOS URBANOS OBSOLETOS
Claudia Azevedo de Sousa
Dissertao para a obteno para Grau de Mestre em:
Arquitectura
Jri
Presidente: Professor Antnio Barreiros Ferreira Orientador: Professor Doutor Pedro Brando
Vogal: Professor Nuno Loureno
Outubro 2010
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RESUMO
Da dificuldade em atribuir uma classificao ao conjunto de espaos obsoletos
encontrados na Ajuda, imps-se-nos a necessidade de compreenso desse conceito. O
que so esses espaos na cidade? A ausncia de construo, a ausncia de pessoas, o
espao residual, o estacionamento improvisado e at o espao ajardinado mais
descuidado parecem caber no conceito. Mas a definio desta ideia muito
complexa e associada a ela surgem outros conceitos - Vazios Urbanos, Terrain Vague
para os quais tambm ambicionamos uma definio clara e global. Embora o
carcter destes conceitos seja relativamente ambguo e justifique o seu uso, ao mesmo
tempo gera controvrsia. Esta dissertao pretende aclarar um problema
epistemolgico que deriva de mutaes emergentes da cidade assim como do espao
pblico, e constitui oportunidade para importante reflexo.
A ideia de que o espao pblico j no o que era est em muito relacionada com a
natural evoluo da sociedade, do espao pblico e do mundo urbano em geral. Sendo
um elemento em transformao, h necessidade de o reinventar, mas percebendo
quais e como so efectivamente os espaos pblicos do presente e do futuro. Esta
dissertao procura responder a esta necessidade.
Procurmos assim desenvolver uma metodologia de avaliao daqueles espaos de
forma a poder elaborar estratgias para a sua introduo no desempenho da cidade.
Essas estratgias tm como ponto de partida o caso de estudo da Ajuda, apoiando-se
na mobilidade urbana como elemento agregador destes novos espaos, na cidade
existente e, incorporando um carcter de mudana e risco associado a cenrios de
incerteza, subjacente a um novo urbanismo que se desenhe na cidade actual, como
reflexivo, participativo, flexvel e performancial.
O que podemos concluir que a maior complexidade da cidade se traduz nos espaos
pblicos, que sofrem processos de desterritorializo e reterritorializo, originando o
aparecimento de espaos urbanos obsoletos, ou de transio e no seu grau de
obsolescncia, que se pode traduzir em espaos urbanos desocupados, desafectados e
subutilizados, que tm diferentes potenciais estratgicos para o desenho urbano.
Palavras-Chave: Cidade Contempornea, Espao Pblico, Vazios (Urbanos), Terrain
Vague, Mobilidade.
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ABSTRACT
Of the difficulty in assigning a classification to the set of obsolete spaces found in
Ajuda, emerges the need to understand that concept. What are these spaces in the
city? The lack of construction, the absence of people, the residual space, the
improvised parking lot and even the garden space more careless seems to 'fit' in the
concept. But the definition of this idea is very complex and associated with it come
other concepts - 'Urban Voids', terrain vague for which, we also aspire to a clear and
comprehensive definition. Although the nature of these concepts is relatively
ambiguous and justify their use, at the same time generates controversy. This thesis
attempts to clarify an espistemological problem that derives from emerging mutations
of the city, as well as the public space, and represents an important opportunity for
reflection.
This idea that the public space 'is no longer what it was' is closely related to the natural
evolution of society, public space and the urban world in general. As an element in
transformation, there is a need to reinvent it, but realizing what and how are the
public places of the present and the future. This investigation addresses this need.
We tried to develop a methodology of evaluation of those spaces, so we can elaborate
strategies for its introduction in the performance of the city. These strategies have its
starting point in the Ajudas case study, supporting on urban mobility as an aggregator
element of these 'new' spaces, in the existing city, incorporating a character of change
and risk associated to scenarios of uncertainty, underlying to a new urbanism that
draw in the current city, such as reflective, participatory, flexible and performance.
What we can conclude is that the greater complexity of the city translates in public
spaces that suffer reterritorialization and deterritorialization processes, leading to the
emergence of obsolete or transition urban spaces, and in their degree of obsolescence
that may result in unoccupied, disused and underutilized urban spaces, that have
different strategic potentials for the urban design.
Keywords: Contemporary City, Public Space, Urban Voids', Terrain Vague, Mobility.
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(...) o caso de certo formoso queijo com buracos no qual, ainda que os buracos no
alimentem, eles so indispensveis para a total definio das suas caractersticas. (...) o
espao que se deixa to importante como o espao que se preenche.
Fernando Tvora, Da Organizao do Espao
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DO CHEIO PARA O VAZIO METODOLOGIA E ESTRATGIA NA AVALIAO DE ESPAOS URBANOS OBSOLETOS
NDICE
CAPTULO 1 - INTRODUO
Objecto de Estudo 11
Motivao 14
Objectivos a atingir 14
Estrutura e Metodologia 15
Estado da arte 16
Restries e Problemas 18
CAPTULO 2 REFERENCIAL TERICO
2.1 CIDADE E ESPAO URBANO 21
2.1.1 Conceito de Cidade 21
2.1.2 Conceito de Espao Pblico 24
Espao Pblico e Espao Privado 29
Espao Pblico e Espao Colectivo 31
Espaos Pblicos Privatizados 34
2.1.3 Conceito de Paisagem Urbana 37
Paisagem 37
Ambiente e Imagem urbana 39
Sensao e Percepo 40
2.1.4 Cidade Contempornea, Ps-Industrial, da Sobremodernidade 42
Espao e Tempo 52
Espao e Lugar 53
2.2 NOVOS CONCEITOS 57
2.2.1 Vazios Urbanos 57
2.2.2 Terrain Vague 63
2.2.3 No-Lugares 67
Notas Conclusivas 71
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2.2.4 Conceitos baseados no tempo/ciclo de vida 73
Espaos Urbanos Obsoletos 73
Tipologias de Obsolescncia 77
Processo de Formao, Permanncia e Transformao 78
2.3 OUTROS FACTORES TEMPORAIS DOS ESPAOS URBANOS OBSOLETOS
2.3.1 Acessibilidade 81
2.3.2 Mobilidade 83
2.3.3 Transformao da Identidade 87
2.3.4 Estratgias de Mudana 91
Desenhar a Mudana 92
Arquitectura Lquida, uma resposta? 93
Princpios para um Novo Urbanismo 94
CAPTULO 3 CASO PRTICO
3.1 CARACTERIZAO DA REA EM ESTUDO 97
3.1.1 Delimitao Temtica e Fsica 97
3.1.2 Contexto/Evoluo Histrica 99
3.1.3 Diagnstico 103
3.2 METODOLOGIA PARA AVALIAO DOS ESPAOS URBANOS OBSOLETOS DA
REA EM ESTUDO 107
3.2.1 Classificao das Tipologias de Espaos 107
3.2.2 Processo de Obsolescncia 112
3.2.3 Processo de Formao Anlise da Permanncia e Transformao 116
3.2.4 Estratgias e Possibilidades
119
CAPTULO 4 CONCLUSES 127
BIBLIOGRAFIA 133
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NDICE DE IMAGENS
Figura 1 Perspectivas (Olhares, 2010)
Figura 2 Amor em Veneza (Olhares, 2010)
Figura 3 Espao Pblico (Olhares, 2010)
Figura 4 Paisagem Urbana (Olhares, 2010)
Figura 5 Cidade Contempornea (Olhares, 2010)
Figura 6 Estao de Alta Tenso Desactivada (Olhares, 2010)
Figura 7 Fbrica de Celulose Abandonada (Olhares, 2010)
Figura 8 Estao Caminho Ferro (Olhares, 2010)
Figura 9 Tempo, um ciclo de vida (Getty Images, 2010)
Figura 10 Porta Aberta (Getty Images, 2010)
Figura 11 Mobilidade Urbana (Getty Images, 2010)
Figura 12 Framing Landscape (Getty Images, 2010)
Figura 13 Mudana (Getty Images, 2010)
Figura 14 Aplicabilidade (Getty Images, 2010)
Figura 15 Mapa de Identificao da rea de Estudo (Google Earth, 2010)
Figura 16 Projecto da Avenida a Meia Encosta (Fotografia da autora, 2009)
Figura 17 Planta da cidade de Lisboa em 1875 (Fotografia da autora, 2010)
Figura 18 Diagnstico (Getty Images, 2010)
Figura 19 Mapa de Identificao dos Espaos Urbanos Desocupados na rea em
estudo (Elaborado pela autora, 2010)
Figura 20 Mapa de Identificao dos Espaos Urbanos Desafectados na rea em
estudo (Elaborado pela autora, 2010)
Figura 21 Mapa de Identificao dos Espaos Urbanos Subutilizados na rea em
estudo (Elaborado pela autora, 2010)
Figura 22 A Caminho da Luz (Olhares, 2010)
Figura 23 - Mapa identificativo dos espaos urbanos obsoletos e proposta da avenida a
meia encosta (Elaborado pela autora, 2010)
Figura 24 Concluses (Olhares, 2010)
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NDICE DE QUADROS
QUADRO 1 - Quadro de identificao dos Espaos Urbanos Desocupados na rea em
estudo
QUADRO 2 - Quadro de identificao dos Espaos Urbanos Desafectados na rea em
estudo
QUADRO 3 - Quadro de identificao dos Espaos Urbanos Subutilizados na rea em
estudo
QUADRO 4 - Quadro de identificao dos espaos em obsolescncia fsica/estrutural
QUADRO 5 - Quadro de identificao dos espaos em obsolescncia funcional
QUADRO 6 - Quadro de identificao dos espaos em obsolescncia locacional
QUADRO 7 - Quadro de identificao dos espaos em obsolescncia de imagem
QUADRO 8 - Quadro de identificao dos espaos consoante o seu processo de
formao, permanncia e transformao
QUADRO 9 - Quadro de identificao das potencialidades e dos objectivos estratgicos
para cada espao urbano obsoleto
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CAPTULO 1 - INTRODUO
Objecto de Estudo
A partir de sucessivas discusses sobre determinados espaos urbanos obsoletos
pertencentes cidade e qual o seu significado para ela e para os seus utilizadores,
surge a necessidade de compreender e sistematizar no s esse conceito em si, como
a sua envolvente, e alguns outros conceitos associados.
essencialmente uma questo epistemolgica que surge a partir do conceito de Vazio
Urbano e que nos interessa esclarecer. Como tal, outros conceitos associados tambm
sero alvo de estudo terico de forma a nos auxiliarem nessa compreenso.
Partimos da Cidade e Espao Urbano, at porque, embora esta ideia de espao
obsoleto possa tambm desenhar-se em espao rural, no urbano que estamos
interessados em caracteriz-los, avali-los e estud-los.
Definir cidade no fcil, principalmente nos dias que correm. um conceito que gera
diferentes opinies, no sendo muitas vezes consensual, e integra um factor de
mudana muito importante na reformulao e formao de novas definies o
tempo.
Figura 1
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importante que quando olhamos para cidade no a consideremos apenas enquanto
um produto meramente cultural, mas tambm como um sistema complexo e em
mudana, com vrias manifestaes espaciais. Estas manifestaes decorrem no
tempo, ao qual designados de processo, mais precisamente processo de
modernizao.1
A compreenso do processo de modernizao importante porque na passagem de
uma fase para a outra e medida que estas revolues urbanas se instalam, que os
diferentes espaos urbanos perdem ou ganham importncia, o que se traduz no que
actualmente designamos por Vazios Urbanos e que aqui os consideraremos como
espaos urbanos obsoletos, o que impulsionou o estudo desta dissertao.
Estas crises de modernidade que tm as suas repercusses nas diferentes cidades que
se fazem ao longo dos sculos, tm a sua origem nos comportamentos sociais.
medida que as sociedades mudam, muda tambm o desenho da cidade e torna-se,
portanto fulcral, para o urbanismo de hoje, compreender os comportamentos da
sociedade contempornea.
O desenho da cidade, mais precisamente do Espao Pblico, torna-se ento outro
conceito fundamental de estudo. Estes espaos so indicadores da qualidade social da
cidade avaliando essencialmente a intensidade e qualidade das relaes sociais, e a
mistura no espao pblico, pretendendo-se que sejam espaos democrticos que
promovam o carcter colectivo do seu uso, assim como os valores de dignidade,
igualdade e diferenciao.
Est na origem de espao pblico esse processo de democratizao urbana2, que se
ope ao processo de privatizao dos espaos pblicos. Este ltimo processo decorre
do desenvolvimento da cidade e da sociedade que se traduz na pouca disponibilidade
1 Franois Ascher, Novos Princpios para o Urbanismo seguido de Novos Compromissos Urbanos. Um Lxico, Lisboa: Livros Horizonte, 2010. 2 Jordi Borja, Zaida Muxi, El Espacio Pblico: Ciudad y Ciudadana, Barcelona: Electa, 2003
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do espao pblico para a vida pblica, proporcionando a transferncia de algumas
actividades desempenhadas no domnio pblico para o domnio privado.
A paisagem urbana surge como outro tema de reflexo, uma vez que traduz a
conformao fsica da cidade num determinado tempo, assim como as relaes que
nela interagem. No podemos afirmar que hoje em dia haja uma clara diferena entre
cidade e paisagem, uma vez que, actualmente, os sistemas da paisagem so
englobados nos sistemas da cidade.3
Quando analisamos este conceito, esclarecemos ainda as componentes associadas
imagem ambiental (identidade, estrutura, significado)4 , assim como dois conceitos
fundamentais para o caso de estudo que se baseiam na convivncia do indivduo com
o espao urbano a sensao e a percepo.
Analisando todos estes conceitos luz da investigao terica coloca-se a questo: o
que define a cidade contempornea, ps industrial, da sobremodernidade?
fundamental percebermos como os factores de mudana influenciaram e continuam
a influenciar a cidade e a sua evoluo. Traduzindo-se pelo processo de
modernizao, a cidade est em constante mudana. Como tal torna-se fundamental
compreender a fase do processo em que vivemos a terceira revoluo urbana5
cujas dinmicas de transformao sempre presentes (racionalizao, individualizao e
diferenciao social) geram uma sociedade mais complexa que se reflecte na cidade e
no seu territrio.
O caso de estudo parte destas reflexes sobre a passagem do tempo no espao, e a
sua transformao e permanncia de forma a identificar, analisar e classificar os
espaos urbanos obsoletos existentes no territrio da Ajuda.
Como tal, a partir dos seus usos e ocupaes actuais, classificamos os diferentes
espaos urbanos a estudar como: espaos urbanos desocupados, espaos urbanos
desafectados e espaos urbanos subutilizados.
3 Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar, Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009. 4 Kevin Lynch, A imagem da cidade. Lisboa: Edies 70, 2009 5 Franois Ascher, Novos Princpios para o Urbanismo seguido de Novos Compromissos Urbanos. Um Lxico, Lisboa: Livros Horizonte, 2010.
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Aplicando o conceito de ciclo de vida aos espaos urbanos, determinamos uma
classificao luz do tipo de obsolescncia urbana que os caracterize.
Independentemente da tipologia de espao, este caso de estudo tem como base uma
metodologia de avaliao do seu processo de obsolescncia, determinando as causas
de transformao e permanncia do mesmo ao longo do tempo.
A pergunta condutora desta dissertao ento: Quais as caractersticas dos espaos
urbanos em processo de transformao e obsolescncia, e qual o seu potencial nos
processos de regenerao urbana, como contributo para o projecto urbano?
Motivao
A escolha deste tema surge a propsito das disciplina de Projecto Final, onde nos foi
proposto analisar um conjunto de variveis existentes no territrio urbano, neste caso
especfico, o da Ajuda, Lisboa.
Ao olhar para o territrio com maior cuidado e pensar em determinados conceitos
comeam a surgir dvidas em relao ao seu significado e sua abrangncia,
nomeadamente do conceito de Vazio Urbano.
Como tal, da procura em responder a estas dvidas, decorrem novas questes acerca
de outras noes, que se pensam serem fundamentais para a total compreenso desta
matria.
proposto, em primeira instncia, um conceito que entendemos ser o mais adequado
o de Espao Urbano Obsoleto e uma metodologia que o justifica aplicada a casos
de estudo.
Objectivos a atingir
Com esta dissertao, procurmos entender quais os universos dos conceitos j
existentes para este tema, capazes de nos guiarem na construo de um outro
conceito. Como tal, tivemos como objectivos:
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a) Investigar as diferentes abordagens aos conceitos Cidade, Espao Pblico,
e Vazio Urbano, organizando e explorando o conjunto de fundamentos
tericos que concretizam cada um deles e as suas implicaes recprocas.
b) Quando possvel estabelecer paralelismos com outros conceitos que
procuram responder ao mesmo problema, fazendo uma anlise crtica dos
mesmos.
c) Criar instrumentos que caracterizem e classifiquem o espao pblico
desqualificado, desadequado ou sem uso, definindo tipologias de espaos a
estudar.
d) Avaliar cada uma dessas componentes aplicando-as a um caso de estudo,
propondo possveis estratgias de interveno e melhoramento.
Estrutura e Metodologia
Este trabalho estrutura-se, essencialmente, por dois captulos principais:
Um primeiro captulo, terico, em que se pretende estudar a envolvente terica
relacionada com o tema da Cidade e Espao Pblico assim como dos Vazios Urbanos,
apoiando-se em autores que reflictam sobre os temas e conceitos que estamos
interessados em estudar;
As metodologias adoptadas foram, por um lado, a reviso de literatura relevante e a
recolha de informao em fontes documentais, assim como a observao directa do
local e anlise de documentos utilizados no mbito da disciplina de Projecto Final.
Um segundo captulo, mais de aplicao prtica, que prope um olhar diferente sobre
a problemtica dos Vazios Urbanos e Terrain Vague, atravs do conceito de Espao
Urbano Obsoleto, e que pretende elaborar uma metodologia de avaliao destes
espaos para os caracterizar de uma forma terica e prtica.
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Estado da Arte
Como referncias centrais deste trabalho que serviram de apoio elaborao do
referencial terico e na definio dos conceitos abordados, destacam-se:
Jan Gehl em La Humanizacin del Espacio Pblico
Este autor levanta um conjunto de questes relacionadas com aquilo que prejudica a
qualidade urbana, e aquilo que torna atractivo o espao pblico. Reflecte sobre o
conceito de ponto de encontro e de como o centro comercial assume um novo papel
nesta matria, muito embora, seja a cidade que torna saudveis os espaos pblicos.
um trabalho profundamente relacionado com questes sensoriais e humanas,
procurando explorar as nossas necessidades enquanto seres, necessidades que se
prendem com questes como o ter que contactar com pessoas. A cidade assume aqui
um papel fundamental proporcionando espaos pblicos que facilitem e estabeleam
esses contactos atravs das actividades bsicas como sejam o ver, andar ou sentar.
Matthew Carmona [et al] em Public Places Urban Spaces The dimension of Urban
Design
essencialmente um guia que reflecte sobre as muitas dimenses do design urbano,
por vezes muito complexas. Este autor desenvolve ideias, teorias e pesquisas que
passam pelas prticas do design urbano, a partir de uma variedade de fontes,
explicando quais os catalisadores de mudana e renovao, e explorando os contextos
globais e locais, assim como os processos no qual actua o desenho urbano.
Apresenta seis dimenses chave essenciais para a teoria e prtica do desenho urbano:
social, visual, funcional, temporal, morfolgica e perceptual.
especialmente relevante para este trabalho a questo temporal uma vez que as
transformaes geram espaos que j no so e outros que ainda no so conforme
as circunstncias contextuais.
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Marc Aug em No-Lugares: Introduo a uma antropologia da sobremodernidade
Este autor explora o conceito no-lugares como sendo espaos de anonimato que
acolhem pessoas e que de dia para dia vai aumentando o seu nmero.
Estes no-lugares so nada mais, nada menos, que os supermercados, aeroportos,
hotis, auto-estradas, entre outros. So o resultado de uma alterao de conscincia,
algo que percebemos mas de uma forma parcial e incoerente. Como tal, este autor usa
o fenmeno da supermodernidade para descrever esta lgica de excesso de
informao e de espao recorrente de uma sociedade consumista.
Pretende criar aquilo que ele chama de armadura intelectual para uma antropologia
da supermodernidade. Tenta faz-lo, num primeiro momento, atravs da distino
entre lugar antropolgico (ligado a monumentos histricos e a vida social interactiva) e
no-lugar (onde as pessoas se relacionam de uma maneira uniforme e onde a vida
orgnica no mais possvel).
Esta distino ainda mais visvel se a contrapusermos com a viso de modernidade
de Baudelaire, onde o novo e o velho se entrelaam. Neste caso, a supermodernidade
auto-suficiente, mas ainda no abrangente. Auge sugere que ainda existe o lugar
fora dos no lugares.
Sol-Morales em Territrios
Este autor prope-nos um pensamento sobre a cidade e arquitectura a partir do que
existe, mas tambm do que se pode desenhar consoante a sua evoluo.
a partir de uma anlise do existente, que os diferentes ttulos que este autor nos
prope ao longo de livro, tentam compreender os mecanismos sobre os quais a se
produz a cidade contempornea.
So um conjunto de reflexes que procuram estabelecer alguns conceitos de forma a
contriburem para a compreenso e entendimento da cidade e do espao urbano
actual, de forma a actuar nas mudanas e nas respostas decisivas que estes enfrentar
na actualidade
Foram especialmente importantes as reflexes sobre os terrain vague, enquanto
espaos do disponvel de forma a confrontar conceitos e perceber limites, assim
como as reflexes sobre a arquitectura lquida, que relaciona tempo e espao de uma
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outra maneira, tornando-se num conceito emergente e cada vez mais presente nas
cidades contemporneas.
Franois Ascher em Novos Princpios do Urbanismo seguido de Novos Compromissos
Urbanos. Um Lxico
Este livro rene duas obras de Franois Ascher sobre urbanismo:
A primeira editada em 2001 com o ttulo Les Nouveaux Principes de L'Urbanisme - La
fin des villes n'est pas l'ordre du jour e a segunda, editada em 2008 com o ttulo Les
Nouveaux Compromis Urbains - Lexique de la ville plurielle.
essencialmente uma reflexo sobre a evoluo da cidade, concentrando-se nas
diferentes fases do processo de modernizao, assim como o que as define e
diferencia umas das outras, tentando compreender os critrios fundamentais da sua
evoluo.
Reflecte ainda sobre os conceitos de urbanizao e modernizao relacionando-os um
com o outro, e parte do sistema de mobilidades (sistema bip bens, informaes e
pessoas) que caracterizam a evoluo destes processos e que se traduzem no desenho
das cidades, sendo o reflexo de comportamentos sociais.
Prope um conjunto de conceitos que definem o desenho das cidades de hoje e de
amanh, traduzindo-os num novo-urbanismo, assim como um lxico que auxilia na
compreenso de alguns conceitos que surgem destes novos princpios e se traduzem
em novos compromissos.
Restries e Problemas
Esta dissertao pretende estudar universos mutveis e complexos, elaborando
questes que servem de guia para a sua concretizao. Como tal, necessrio
compreender:
Quais so as mutaes emergentes nos conceitos de cidade e espao pblico,
que se constituem importantes para reflexo?
Em que se traduz a necessidade de reinventar o espao pblico, elemento em
transformao, de forma a compreender os espaos pblicos do presente e do
futuro?
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Quais os novos factores a considerar no desenho urbano e que desafios coloca?
Este trabalho no pretende ser um estudo fechado nem de total objectividade, mas
sim um trabalho terico e prtico para pesquisas posteriores, com aceitao dos
parmetros de incerteza inerentes Cidade e ao Espao Urbano e consequentemente
ligados ao seu desenho.
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CAPTULO 2 REFERENCIAL TERICO
2.1 CIDADE E ESPAO URBANO
Na reviso da literatura que se apresenta neste captulo, vamo-nos concentrar nos
esclarecimentos de alguns conceitos essenciais para esclarecer a questo
epistemolgica dos chamados vazios urbanos, nomeadamente os conceitos de Cidade
(Espao Urbano), Espao Pblico e Paisagem Urbana, e como se manifestam hoje.
2.1.1 CONCEITO DE CIDADE
Franois Ascher define as cidades como sendo agrupamentos de populao
que no produzem elas prprias os seus meios de subsistncia alimentar. 6
J para Max Weber a cidade surge no momento em que o conceito primitivo de
lugar substitudo por o de lugar de intercmbio, de mercado, onde as
convenincias impem uma vida comunitria desenraizada, enfim, onde se
instauram formas de poder ilegtimo. 7
6 Franois Ascher, Novos Princpios para o Urbanismo seguido de Novos Compromissos Urbanos. Um Lxico, Lisboa: Livros Horizonte, 2010. 7 Max Weber cit. in Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar, Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009.
Figura 2
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Em 1979, o Scientific American publica que uma cidade uma comunidade de
considervel magnitude e de elevada densidade de populao que contm
dentro de si uma grande quantidade de trabalhadores especializados, no
agrcolas, a bem de uma elite cultural, intelectual.8
Tambm no mesmo ano, o Banco Interamericano de Desarrollo refere que: a
cidade pode ser vista como uma unidade complexa composta de actividades e
comunicaes humanas altamente interrelacionadas que se desenvolvem
dentro de certos espaos fsicos. Populao, estrutura material e espacial,
actividades e comunicaes, guardam entre si relaes estruturais que se
modificam constantemente ao longo do processo urbano.9
Alm das citadas, existem outras inmeras definies para o conceito de cidade, umas
que j no correspondem realidade dos nossos dias, mas outras que so
relativamente alargadas e que representam, ainda, o que a cidade contempornea.
Interessa-nos mostrar algumas definies diferentes por dois motivos: porque a
definio de cidade no consensual desde sempre, continuando a gerar opinies
distintas e diversificadas no que toca sua definio; e porque a no correspondncia
de algumas definies cidade de hoje, revela um factor muito importante e sempre
presente ao longo do tempo e histria da cidade o factor de mudana: o tempo10.
O que define ento a cidade? Quando falamos em cidade, podemos dividir o conceito
em duas realidades distintas: a sociocultural e a fsica11:
A realidade sociocultural da cidade traduz-se na produo social de territrios, ou seja,
uma construo social de espaos de excluso e segregao e/ou de integrao e
valorizao de espaos pblicos e privados, de elementos que promovam a diferena,
a diversidade, a igualdade/desigualdade, modos de vida; de espaos de contacto e
8 Scientific American, La Ciudad. Madrid: Ed. Alianza, 1979 cit. in Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar, Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009. 9 Banco Interamericano de Desarrollo, Proyectos de Desarrollo Urbano. Mexico: Ed. Limusa, 1979 cit. in Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar, Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009. 10 O estudo do tempo no desenho da cidade largamente aprofundado na tese de mestrado da Arquitecta Ana Brando Estvo, com o ttulo: Cidade um Drama no tempo. Uma reflexo organizada, sobre factores temporais no desenho da cidade. Lisboa, 2008. 11 Javier Garca Bellido, La ciudad del futuro: hacia una pantpolis universal?, Madrid: C y TET, 2004 cit in Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar, Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009.
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simblicos; e de lugares de relaes sociais, onde tm lugar actividades de diferentes
naturezas.
A realidade fsica da cidade corresponde s aglomeraes de paisagens, de espaos
organizados e de vida urbana, de deslocamentos espaciais, de modos de vida e de
espaos simblicos;
Tanto historicamente como actualmente podemos ainda dividir a cidade em trs
dimenses (BORJA, 2003):
Cidade Urbs - dimenso fsica: sendo definida atravs da aglomerao humana, num
territrio definido pela densidade demogrfica e pela diversidade funcional e social.
No entanto devido sobreposio de diferentes realidades, hoje em dia no fcil
delimitar a dimenso da cidade-urbs e determinar a sua identidade, sim possvel
referir diversos territrios e mltiplas identidades e densidades de concentrao do
edificado e dos usos (centralidades).
Cidade Civitas - dimenso social: onde a cidade o lugar de cidadania por excelncia,
tendo por base a igualdade de cidados que constituem uma sociedade urbana
heterognea, baseada na convivncia e tolerncia, com valores e elementos de
identidade com referncias fsicas e simblicas.
Cidade Polis - dimenso poltica: o lugar da poltica de proximidade, da participao e
representao da identidade colectiva da sociedade urbana, assim como da oposio,
expresso e mobilizao social e mudana nas relaes de poder.
indispensvel, para a existncia da cidade, que estas trs dimenses existam e se
interrelacionem.
Falar em cidade ainda falar em espao pblico, porque o espao pblico das
pessoas, daqueles que o frequentam e portanto, nas praas e ruas da cidade que se
estabelece, materializa e expressa a relao entre os seus cidados e o poder poltico.
O espao pblico a cidade (BORJA, 2003) e a histria de um consequncia da
histria do outro.
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24
Como tal, a cidade representa as mudanas sociais e culturais da sociedade, desde
logo porque ao concentrarem um grande nmero de populao, tambm concentram
os seus problemas e as suas potencialidades.
Os espaos que constituem a cidade espaos urbanos constituindo o quadro de
vida dessas pessoas, proporcionam aquilo que normalmente se designa por vivncia
urbana o conjunto de actividades, usos e intervenes sociais, na cidade.
importante que vejamos a cidade no s como um produto cultural, mas como um
sistema aberto complexo e em mudana, que se manifesta espacialmente e
ambientalmente de vrias formas num processo urbano que Ascher12 refere como
modernizao. A esse processo no se conhece o fim e est associado o factor de
incerteza, pois a cidade o reflexo da sociedade, e prever a sua evoluo era o mesmo
que dizer que a sociedade tinha desaparecido ou paralisado (SOLS, 2009).
2.1.2 CONCEITO ESPAO PBLICO
12 Franois Ascher, Novos Princpios para o Urbanismo seguido de Novos Compromissos Urbanos. Um Lxico, Lisboa: Livros Horizonte, 2010.
Figura 3
-
25
O que que chamamos de espao pblico? o espao com um carcter colectivo do
seu uso, com uma forma aberta e descoberta, contnuo e acessvel que deve privilegiar
a incluso, ou seja, espaos democrticos que promovam os valores de dignidade,
igualdade e diferenciao, estimulando novas capacidades e competncias tanto dos
seus utilizadores como deles mesmos.
O espao pblico funciona como um indicador de qualidade da cidade, uma vez que
demonstrativo da qualidade de vida e de cidadania dos seus habitantes. por isso
importante que todos os espaos pblicos das cidades sejam democrticos, isto ,
sejam acessveis fisicamente e simbolicamente a todos os seus utilizadores no
distinguindo sexo, idade, classe social, raa nem religio. Uma cidade democrtica
aquela em que os direitos de centralidade e de mobilidade so universais,
promovendo a cidadania13.
Nos pargrafos anteriores lemos autores que se referem a duas caractersticas do
espao pblico:
a) impossvel dissociar o conceito de espao pblico do de cidade. O espao pblico
da cidade o espao quotidiano, dos jogos, das relaes casuais ou habituais com os
outros, do decorrer dirio entre as diversas actividades e do encontro (BORJA, 2003).
b) O espao pblico representa a cidade, tanto fisicamente como simbolicamente.
o espao mediador, ou espao democrtico entre o territrio, sociedade e poltica.
Projectar o espao pblico pressupe a existncia de um colectivo que compartilha a
identidade e dignidade, nos seus direitos e deveres (SOL-MORALES, 2002).
No entanto importante distinguir entre espao pblico e espao do pblico. O
espao pblico corresponde prtica de um debate pblico, podendo ter diversas
formas, no necessariamente todas espaciais, enquanto que o espao do pblico o
lugar onde os indivduos se cruzam, se encontram e socializam (utopicamente),
pressupondo a existncia de um suporte fsico, espacial (AUG, 2005).
13 Jordi Borja define cidadania como um status que reconhece os mesmos direitos e deveres para todos que vivem e convivem num mesmo territrio caracterizado por uma forte continuidade fsica e relacional e com uma grande diversidade de actividades e funes
-
26
Para Marc Aug14 esta distino faz sentido uma vez que separa o espao onde a
informao corre mas onde os indivduos no interagem - a que ele chama de No-
Lugares - dos lugares onde efectivamente existe essa interaco e onde se constri
assim o espao pblico, chegando a afirmar que no possvel encontrar nos No-
Lugares o espao pblico.
A origem do espao pblico surge de um processo de democratizao urbana, contra
o processo de apropriao privada, onde existe uma conquista social (BORJA, 2006),
sendo que a qualidade do espao pblico contribui para a criao ou, em muitos casos,
reconverso de determinadas zonas em espaos cidados, tendo muitas vezes um
carcter qualificante.
Como tal, espao e sociedade esto claramente relacionados e a sua relao assenta
num processo bilateral onde, por um lado as pessoas e sociedades criam e modificam
o espao, mas pelo outro so influenciadas por esse mesmo espao (CARMONA, 2003).
Dear an Wolch15 refere que as relaes sociais podem ser:
a) constitudas pelo espao quando as caractersticas do espao pblico influenciam
a forma como os indivduos se instalam nele;
b) constrangidas pelo espao quando o ambiente fsico facilita ou obstrui a
actividade humana;
c) mediada pelo espao quando a frico da distncia facilita ou inibe o
desenvolvimento de vrias prticas sociais.
Pretende-se do espao pblico que ele seja um espao distmico, semelhana do
lugar antropolgico, mas o que habitualmente acontece hoje em dia, fruto da
sociedade moderna, um espao pblico proxmico (LOPES, 2009)
Importa ento compreender o significado destes dois conceitos:
a) Os espaos distmicos so espaos de representao e apresentao, de si e dos
outros. um espao que requer elementos de referncia, marcos, multifuncionalidade 14 Marc Aug, No-Lugares. Introduo a uma antropologia da sobremodernidade. Lisboa: 90 Editora, 2005 15 Cit in Mathew Carmona [et al], Public Places - Urban Spaces. The dimension of Urban Design. Oxford: Architectural Press, 2003
-
27
e diversidade de acesso e usos. Deve promover a mobilidade dos seus utilizadores
oferecendo-lhes as ferramentas (configurao do espao, mobilirio urbano ...) para
promover a socializao e a mistura de funes.
b) Os espaos proxmicos, apesar de existir uma viso optimista acerca deste conceito
(locais de socializao e conscincia colectiva das sociedades urbanas) so, como foi
descrito pelo antroplogo Edward Hall16, o conjunto das observaes que o homem
faz do espao referentes a um determinado uso. Este autor define um conjunto de
distncias sociais e posturas que o homem determina, no intencionalmente, como
politicamente correctas no uso do espao pblico e que variam de cultura para
cultura. O espao proxmico no fundo o espao pessoal de cada indivduo no
domnio pblico.
Embora o uso e apropriao do espao muitas vezes seja feito de forma pessoal e
individualizada, a verdade que o espao pblico desenhado supondo um domnio
pblico, um uso social colectivo e uma multifuncionalidade, uma vez que a sua
qualidade avalia-se, essencialmente, pela intensidade e qualidade das relaes sociais
que proporciona assim como pela mistura social, pela identificao simblica e pela
expresso cultural (BORJA, 2003).
Como tal, pode colocar-se a questo: A ideia de que o espao pblico j no
corresponde ao lugar antropolgico define por si s a sua morte, to aclamada aps
o movimento moderno? O espao pblico uma ferramenta social e portanto
medida que a sociedade muda, se complexifica, este tambm o faz. No quer dizer que
a mudana emergente seja obviamente m, simplesmente diferente, adaptada ao
seu tempo e sua gente, porque semelhana do lugar do passado, o espao pblico
o elemento por excelncia que reflecte uma determinada sociedade, uma
determinada cidade, num determinado tempo. Esse um factor que nunca muda.
16 Edward Hall, The Hidden Dimension. Paris: Seuil, 1971 cit in Jan Gehl La humanizacin del espacio urbano. La vida social entre los edificios. Barcelona: Editorial Revert, 2006
-
28
Podemos tambm definir globalmente o conceito de espao pblico atravs de trs
desafios globais de poltica urbana que ele comporta (BORJA, 2003):
1. Desafio Urbanstico - o espao pblico no o espao residual entre o que
se construiu e o espao virio. um elemento ordenador do urbanismo que
actua independentemente da escala do projecto urbano, tendo a capacidade
de organizar um territrio capaz de suportar diversos usos e funes e de criar
lugares.
2. Desafio Poltico - divide-se em duas dimenses: por um lado as relaes
sociais no espao pblico (vida comunitria, encontro, intercmbio...) o que faz
com que haja a necessidade de criar espaos de transio que contribuam para
o uso colectivo; e por outro lado relaciona-se com o direito do cidado
afirmao, confrontao e manifestao, sendo por isso fulcral o direito
acessibilidade a espaos pblicos que interajam com edifcios polticos ou
administrativos e com a capacidade para concentraes urbanas.
3. Desafio Cultural - o grau de monumentalidade de um espao um dos
melhores indicadores dos valores urbanos predominantes nesse espao, sejam
de ndole urbanstica, histrica, poltica ou simblica.
Podemos ento afirmar, em sntese, que os espaos pblicos configuram uma rede
contnua que se estende em toda a rea urbana, assumindo diferentes papis17:
So o elemento articulador e de conectividade entre a rea urbana e a sua
envolvente territorial;
Suportam a mobilidade urbana interna ao integrar os canais de comunicao
necessrios para os indivduos se moverem;
So elementos participantes na edificao e usos privados, permitindo-lhes o
acesso e fornecendo-lhes um ambiente urbano;
17 Julio Esteban Noguera, La ordenacin urbanstica. Barcelona, 2003 cit in Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009.
-
29
So elementos expressivos da imagem da cidade, introduzindo variantes na
paisagem urbana;
So espaos de representao e identificao social, assim como de lazer;
Tm um carcter funcional para as redes de servios urbanos necessrias
cidade.
A estas caractersticas do espao pblico podemos acrescentar:
O seu carcter geral, uma vez que se refere cidade na sua totalidade;
O seu carcter colectivo, sendo um espao de uso para todos os habitantes e
visitantes;
Um espao comum, regido pelo direito pblico, e por conseguinte, pertencente
a todos os cidados, ou dando-lhes direitos de uso.
Espao Pblico e Espao Privado
Antes de falarmos em espao pblico ou espao privado importa compreender o
conceito de domnio pblico, uma vez que uma noo mais ampla e ultrapassa as
distines entre os contornos pblicos e privados nos quais decorrem as actividades
dos indivduos.
Idealmente, o domnio pblico funciona como um frum para a aco e representao poltica; como
um elemento neutro para a interaco social, entrelaamento e comunicao; como um estgio para a
aprendizagem social, desenvolvimento pessoal e troca de informao.18
O domnio pblico tem dimenses fsicas e sociais que se traduzem pelo espao e pelas
actividades, respectivamente.
A sua dimenso fsica corresponde essencialmente aos espaos pblicos ou privados
que suportam ou facilitam a vida pblica e a interaco social, enquanto que a sua
dimenso social reflecte-se nas actividades e eventos que ocorrem nesses espaos
(CARMONA, 2003).
18 Mathew Carmona [et al], Public Places - Urban Spaces. The dimension of Urban Design. Oxford: Architectural Press, 2003
-
30
Com o desenvolvimento da cidade e da sociedade assiste-se a uma reduzida
disponibilidade do espao pblico para a vida pblica, traduzindo-se no que muitos
interpretam como sendo o declnio do domnio pblico. Como reflexo desta realidade
ocorre a transferncia de algumas actividades que antes eram desempenhadas em
domnios pblicos, para domnios privados, no que muitas vezes apelidado de
privatizao do espao pblico.
Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicao e de informao e os
desenvolvimentos dos transportes que desafiam o uso do espao pblico com o
aumento da mobilidade pessoal, a dissoluo entre o que pblico e o que privado
torna-se mais evidente19 sendo que esta ideia associada transferncia de actividades
no ocorre s nos espaos fisicamente privados como tambm nos virtualmente
privados.
Exemplo disso so as actividades de lazer e entretenimento, o consumo entre outras,
que antigamente s estavam disponveis de forma pblica e colectiva mas que hoje j
o esto de forma individualizada e privada enquanto que o uso do espao pblico tem
sido desafiado por vrios desenvolvimentos e mudanas, como o aumento da
mobilidade pessoal inicialmente atravs do carro e consequentemente atravs da
internet.
Nem todos consideram que o domnio pblico esteja efectivamente em declnio, bem
pelo contrrio, consideram que esta crise um processo de transformao
sociocultural que poder fazer ressurgir o espao pblico, uma vez que avaliam a
esfera pblica como mais densa, diversa e democrtica do que alguma vez foi.
(...) novas formas de vida pblica requerem novos espaos (...)20
19 Catlogo de la exposicin Revolving Doors, Fundacin Telefnica. Madrid, 2004 cit in Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009. 20 Mathew Carmona [et al], Public Places - Urban Spaces. The dimension of Urban Design. Oxford: Architectural Press, 2003
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31
Quais so ento os espaos ditos pblicos, na sua dimenso fsica21? So todos
aqueles acessveis ao pblico e usados por este, incluindo (CARMONA, 2003) :
Espaos Pblicos Exteriores: so os espaos entre as zonas privadas. Em solo
urbano so as praas, ruas, auto-estradas, parques, entre outros. Em solo rural
so as florestas, lagos, rios. o espao acessvel a todos, o espao pblico na
sua forma mais pura.
Espaos Pblicos Interiores: instituies pblicas como bibliotecas, museus e
transportes pblicos como comboio, autocarro, aeroportos, estaes, entre
outros.
Espaos Semi-Pblicos Interiores e Exteriores: apesar de serem legalmente
privados, espaos como campos universitrios, locais de desporto,
restaurantes, cinemas, shoppings centers, tambm so parte do domnio
pblico. Esta categoria tambm inclui o que normalmente so descritos como
espaos pblicos privatizados ou num sentido mais negativo pseudo-public
spaces.
Espao Pblico e Espao Colectivo
A riqueza civil e arquitectnica, urbanstica e morfolgica de uma cidade, a dos seus espaos
colectivos, a de todos os lugares onde a vida colectiva se desenrola, se representa e se recorda. (...)
espaos que no so nem pblicos nem privados mas os dois vez. Espaos pblicos absorvidos por usos
particulares ou espaos privados que adquirem uma utilizao colectiva.22
A definio de espao pblico, na sua generalidade, determina que este seja um
espao democrtico, de livre acesso a todos os cidados. Acontece que, na realidade,
os espaos pblicos de hoje so muitas vezes espaos que foram apropriados por
instituies ou por determinados grupos e que no esto ao acesso da populao em
geral.
21 Excluem-se portanto os espaos virtuais, j referidos anteriormente, uma vez que embora de domnio pblico so, quase sempre, usados maioritariamente de forma privada. Isso no invalida que os espaos virtuais tambm no sejam usados colectivamente pelos indivduos, no entanto supe um suporte privado para o fazer. 22 Ignasi de Sol-Morales, Territrios. Barcelona: Gustavo Gili, 2002
-
32
Uma nova definio, a de espao colectivo, tenta colmatar esta falha e ser aquilo que o
espao pblico teoricamente , mesmo quando no de propriedade ou de gesto
pblica.
O espao colectivo assegura a articulao das diversas escalas do projecto urbano. uma componente
chave na identidade histrica das cidades que permite a sua projeco no futuro. O que supe que uma
teoria integradora de espaos colectivos no se poder formular sem a confrontao das mltiplas
experincias e percepes que estes espaos produzem na sociedade.23
Esta poderia bem ser a definio de espao pblico, e em larga medida o , no entanto
a grande diferena entre o espao pblico e o espao colectivo que o espao pblico,
na realidade, no assim to pblico, ou melhor colectivo, quanto seria desejado.
Muitas vezes o espao pblico apropriado por entidades pblicas, semi-pblicas e
at privadas fazendo com que este esteja apenas acessvel a uma minoria restrita de
pessoas e no aos cidados em geral. O espao pblico muitas vezes, na realidade,
um espao individualista. Esta atitude vista por muitos autores como a actual crise
do espao pblico.
Dietman Steiner24 acrescenta ainda que a grande diferena entre o espao pblico e o
espao colectivo que o primeiro um elemento claramente social, onde se exerce o
direito pblico, enquanto que o espao colectivo o espao determinado pelas
pessoas, isto , caracteriza-se pelo uso que os seus utilizadores lhe do e pela sua
acessibilidade.
Os espaos colectivos so, portanto, espaos fortemente vivenciados, espaos de
encontro e de cultura, espaos de experincias e de intercmbios entre pessoas, entre
os utilizadores das cidades, os cidados.
23 Debates sobre Ciudad y ciudadanos del siglo XXI. O dilogo sobre La ciudad, entorno de convivencia realizados dentro das actividades didatico-cientficas programadas pela organizao do Frum de las culturas de Barcelona, 2004. 24 idem
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33
Existem, por exemplo, apropriaes excludentes do espao pblico (BORJA, 2006)
como o caso de Barcelona, mais concretamente do Frum Mundial das Culturas,
espao esse com um carcter de parque temtico, completamente afastado do tecido
urbano e da vida da cidade. Para este autor esta tendncia est a destruir no s o
espao pblico, como consequentemente a cidade. Estes espaos no so, claramente,
espaos colectivos, mas sero para alguns os espaos pblicos da actualidade.
Deste modo, os espaos colectivos enquanto elementos fortemente multiculturais,
tornam a cidade em algo em constante mudana, algo que se molda favorvel ou
desfavoravelmente aos seus cidados, independentemente da raa, religio ou
estatuto social, uma vez que so eles os condutores dos usos e da vivncia destes
lugares.
No entanto necessrio ter em ateno ao mundo actual em que vivemos, fortemente
pressionado pelo consumo, pelo que estes espaos colectivos devem ser
desenvolvidos pelos cidados mas no esquecendo a identidade cultural da cidade
subjacente. Os usos do espao pblico fazem parte das competncias do cidado, so
sua responsabilidade e exigncia tica, assim como a participao cultural que nele se
pode desenrolar uma condio da cidadania global e mltipla (LOPES, 2009).
No planeamento actual importante o desenvolvimento de uma sociedade
participativa, aberta a todos os cidados, mas consciente, respeitando a memria e
identidade dos lugares. Esta ideia dever estar subentendida tanto na criao de novos
espaos pblicos, mas mais ainda na reconverso de antigos espaos, pblicos ou no.
(...) caso se queira fazer uma boa operao de reconverso urbana numa zona porturia, o que se crie
de novo tem que cheirar a porto, caso contrrio perderia a sua especificidade, a sua originalidade. E se
se quer fazer uma operao de renovao urbana numa antiga zona industrial, h que manter os
edifcios das fbricas, primeiro porque memria urbana; uma histria de trabalho, muito suor.
trabalho acumulado o que est nestas pedras, no somente memria; uma histria de luta obreira,
de empreendedores com uma iniciativa e, ademais, o que d originalidade aquela zona (...)25
25 Jordi Borja Espao pblico, condio da cidade democrtica. A criao de um lugar de intercmbio. Arquitextos, 072, 2006.
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34
Segundo Borja trs processos negativos contribuem para o desaparecimento da
cidadania no espao pblico: a dissoluo, a fragmentao e a privatizao.
A cidadania traduz-se pela igualdade de apropriao do espao pblico por todos os
indivduos, independentemente da classe social, raa, gnero e idade, atribuindo ao
espao uma caracterstica de diversidade, promovida pela mistura social.
Transformar o espao pblico da rua num espao comercial privatizado de um centro comercial tem
custos sociais danosos no que toca ao acesso democrtico e a responsabilidade pblica. A domesticao
do espao atravs da purificao e privatizao envolve crescentes excluses sociais e acrescenta as
desigualdades26
Espaos Pblicos Privatizados
Os espaos pblicos privatizados so lugares controlados, aparentemente seguros mas
sobretudo fictcios onde a aparncia prevalece sobre a realidade. So espaos que
encerram pessoas e promovem a disperso esvaziando os espaos pblicos de seres
humanos e de atraces interessantes (GEHL, 2006). So espaos que podem fazer
emergir uma nova cidadania: aquela em que o indivduo no capaz de se relacionar
com o outro retirando ao espao pblico uma caracterstica fundamental a
diversidade.
Alm do mais, a privatizao do espao pblico supe o perigo da perda de direitos
cidados j conquistados como por exemplo os de algumas minorias tnicas ou sexuais
(BORJA, 2003).
O risco e aventura so to necessrios como a proteco e a segurana.27
Efectivamente, a vida pblica tem crescido em espaos privados, isto porque estes
oferecem uma sensao de segurana, que na realidade se traduz numa vivncia em
ambientes controlados.
26 P. Nicolas Jackson, Images of the street. Planning, Identity and Control in Public Space. Routledge, London and New York: Nicolas R. Fyfe, 1998 cit in Jordi Borja, Zaida Muxi, El Espacio Pblico: Ciudad y Ciudadana. Barcelona: Electa, 2003. 27 Jordi Borja, Zaida Muxi, El Espacio Pblico: Ciudad y Ciudadana. Barcelona: Electa, 2003.
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35
Quais so ento as questes que se levantam com a privatizao do espao pblico?
Essencialmente so questes relacionadas com a suposta insegurana do espao
pblico frente anunciada segurana do espao privado.
Jordi Borja foi um dos autores que desenvolveu bastante esta questo. Apelidou-a de
agorafobia urbana, isto , o medo pelo espao pblico. A agorafobia urbana surge
de uma ideia de que na cidade era preciso fazer-se um higienismo social:
A soluo consiste em limpar a cidade dos outros, substituindo os espaos pblicos por reas
privatizadas consideradas, como zonas protegidas para uns e excludentes para outros.28
Num contexto ps-industrial, onde a cidade est compartimentada (zonamento
funcional) e segregada , fruto do movimento moderno, o combate agorafobia urbana
faz-se atravs do uso do automvel e do refgio nestes habitats privados, acessveis
apenas a uma parte da populao porque, embora sejam considerados espaos
pblicos, no esto abertos a toda a gente.
Esta atitude gera diversos problemas sociais relacionados com a desigualdade de
direitos e provocando a dita violncia urbana, que gera insegurana urbana. Este tipo
de problema no deve ser ignorado mas sim lido como um alerta social, pois no
espao pblico que se manifestam tambm os descontentamentos e revoltas, e onde
se evidenciam os problemas de injustia social, econmica e poltica.
Expressa a contradio entre uma socializao relativa, mas considervel do espao urbano (usada pela
maioria da populao) e a excluso e pouca integrao econmica e cultural de numerosos colectivos
sociais que ocupam a cidade mas que no podem usar as suas ofertas (maioritariamente comerciais)
nem tem ao seu alcance as liberdades potenciais que so de facto negadas a muitos.29
No entanto preciso compreender que no o espao pblico que gera os perigos,
assim como tambm no o espao privado que os elimina, apenas os esconde, os
controla e em ltima instncia, os aumenta. Torna-se portanto urgente pensar, no
28 Jordi Borja, Zaida Muxi, El Espacio Pblico: Ciudad y Ciudadana. Barcelona: Electa, 2003. 29 idem
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36
numa soluo que resolva parcialmente o problema, mas num urbanismo que no
gere insegurana.
Quanto mais se apostar num urbanismo de reas protegidas e especializadas frente a
reas excludas, estaremos a promover a segurana de alguns, mas sem dvida
nenhuma, a insegurana de todos (BORJA, 2003).
A excluso refora os problemas de segurana portanto fulcral pensar em estratgias
de desenho urbano que melhorem a incluso, e no apenas em estratgias de
privatizao que resolvem apenas parte do problema. A ideia de que os ambientes
devem aumentar a escolha e serem inclusivos central ao pensamento do desenho
urbano (CARMONA, 2003) e deve ser aplicado tanto aos espaos pblicos como
privados.
Mas no podemos considerar que tudo o que se relacione com a privatizao do
espao pblico obviamente e necessariamente negativo.
Temos ento de falar em parcerias pblico-privadas (PPP). A ideia de parceria
pressupe o melhor para ambas as partes e a partir da que devemos trabalhar. O
processo de PPP uma forma nova de aco pblica que introduz na prpria
concepo dos servios pblicos lgicas privadas (ASCHER, 2010).
No entanto este um tema em discusso, porque embora parea muito til esta ideia
do poder pblico tirar vantagens do poder privado, redefinindo por exemplo os
servios pblicos, necessrio que do ponto de vista da gesto haja uma
especializao do poder pblico, para que estes espaos no sejam monopolizados em
prol de vantagens exclusivamente privadas.
Os centros comerciais podem ser um bom exemplo de propriedades pblico-privadas
porque tm um carcter regenerador e dinamizador na rea onde so inseridos.
No entanto hoje em dia, j se comea a assistir a um conjunto de pessoas que
consideram este tipo de comrcio demasiado impessoal e procuram relaes de
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37
proximidade. Nesse sentido, o comrcio tradicional pode encontrar a uma
oportunidade, uma vez que para alm de estabelecer laos mais prximos com os seus
consumidores proporcionam qualificao e segurana aos espaos pblicos animando
a vida urbana.
2.1.3 CONCEITO DE PAISAGEM URBANA
Paisagem
Se me fosse pedido para definir o conceito de paisagem urbana, diria que um edifcio arquitectura,
mas dois seriam j paisagem urbana, porque a relao entre dois edifcios prximos suficiente para
libertar a arte da paisagem urbana. (...) multiplique-se isto escala de uma cidade e obtm-se a arte do
ambiente urbano30
Este autor desenvolve uma viso romntica da paisagem (radicada em Camillo Sitte) e
esta definio apenas considera a dimenso visual da paisagem construda. A
paisagem urbana engloba no s a conformao fsica da cidade como tambm as
30 Gordon Cullen, Paisagem Urbana. Lisboa: Edies 70, 2008
Figura 4
-
38
relaes que nela interagem, sejam de natureza ambiental, social, econmica, poltica
e/ou comportamental, num meio altamente dinmico.
Podemos definir paisagem como um sistema espacial num determinado tempo, ao
qual corresponde um contexto ambiental e social. No entanto devemos consider-la
como um elemento em mudana pois depende, da aco da Natureza e tambm da
aco do Homem. Estes so os grandes intervenientes na modificao da paisagem,
independentemente de ser urbana ou rural.
Actualmente, no estamos em condies de afirmar que existe diferena entre cidade
e paisagem, e se ainda existe, tendencialmente perde sentido. Isto porque no novo
urbanismo que se traa com esta fase de modernizao os sistemas da paisagem so
englobados nos sistemas da cidade, e vice-versa (SOLS, 2009).
Sendo a Natureza e o homem os principais intervenientes na paisagem podemos ento
considerar a existncia de duas dimenses na sua leitura:
A dimenso ambiental/natural, que corresponde ao territrio propriamente
dito, independentemente de ser natural ou artificial, o seu suporte fsico. A
paisagem parte sempre de um ecossistema;
A dimenso sociocultural, que est relacionada com as actividades humanas,
onde o homem o principal actor modelador. Por um lado so as relaes que
estabelece nela e com ela, por outro as modificaes que faz nela, modificando
a sua histria e valores. Para o homem a paisagem claramente um recurso e
transforma-a no tempo e no espao. Como tal, podemos afirmar que a
paisagem funciona como um processo, com diferentes apropriaes e usos ao
longo do tempo que modificam a sua histria e tornam-se parte integrante da
mesma.
Esta diferenciao entre a dimenso ambiental/natural e a dimenso sociocultural,
interessa-nos particularmente para o caso de estudo, porque ajuda-nos a elaborar uma
metodologia de anlise de espaos urbanos com diferentes tipos e graus de
obsolescncia. Isto porque a paisagem urbana, decorrente de vrias transformaes,
-
39
hoje objecto de processos de regenerao (BRANDO, 2008) que ocorrem nesses
mesmos espaos urbanos obsoletos. Esses espaos, para alm de outras
caractersticas, so actualmente parte integrante de uma paisagem urbana, mas tm
potencial para a transformar, tornando-se os protagonistas da mudana de uma nova
paisagem urbana.
Ambiente e Imagem urbana
O conceito de paisagem urbana indissocivel do de ambiente urbano. A cada
paisagem est subjacente um ambiente urbano. Este sugere especificidades e relaes.
Mas falar em ambiente tambm falar em imagem. A imagem ambiental importante
no processo de orientao pois tem a ver com o reconhecimento e a padronizao que
o observador faz do ambiente. Como tal, resulta de um processo bilateral entre quem
observa e o ambiente em questo (LYNCH, 2009)
Segundo Lynch, um autor que aprofundou largamente estas questes, a imagem
ambiental pode ser decomposta em trs componentes: identidade, estrutura e
significado:
A identidade tem a ver com aquilo que a distingue das outras coisas;
A estrutura com a relao espacial do objecto com o observador e com outros
objectos;
O significado relativo ao sentido que tem, material e emocionalmente, para o
observador. Esta ltima componente da identidade depende do observador e
da leitura que ele faz do objecto, algo pessoal, mas que se cruza com as
identidades de todos os outros para quem o objecto tambm tem significados
ou memrias (BRANDO, 2008), isto o observador selecciona, organiza e
confere significado quilo que v, criando a sua prpria imagem.
Aos polticos e aos urbanistas interessa-lhes que a mesma imagem seja comum a um
determinado grupo de observadores, isto , que exista uma imagem de grupo da
-
40
cidade, porque assim garantem que esses ambientes urbanos iro ser utilizados por
muitas pessoas. A esta caracterstica dos ambientes urbanos, Kevin Lynch atribuiu o
conceito de imaginabilidade: que so as caractersticas que um objecto fsico tem em
evocar uma imagem forte, independentemente do observador. Como tal, um
ambiente urbano com alta imaginabilidade aquele que de fcil identificao e
estruturao visual.
Como avaliamos ento a imaginabilidade de um ambiente urbano? Podemos
considerar trs aspectos: a sua funcionalidade, a sua legibilidade e a sua visibilidade.
A sua funcionalidade porque se um determinado espao urbano funcionar
bem, independentemente das suas caractersticas estticas ou formais, um
elemento forte que contribui para a sua utilizao.
A sua legibilidade porque um espao claro, de fcil leitura e reconhecimento
contribui para a orientao e criao de uma imagem ambiental no observador.
A sua visibilidade, ou melhor a qualidade esttica. Um espao esteticamente
agradvel contribui para a criao de uma imagem urbana dele.
Sensao e Percepo
No contexto da paisagem urbana, falar em imagem ou ambiente implica a existncia
de um observador, neste caso o homem. Torna-se portanto de maior utilidade a
compreenso dos sentidos (dimenso perceptual) que este faz do ambiente que o
rodeia.
No sendo muito fcil distinguir sensao de percepo, levando muitas vezes
sobreposio de conceitos uma vez que difcil determinar onde uma termina e a
outra comea podemos definir (CARMONA, 2003):
A sensao como a reaco sensorial do homem a estmulos. Fazem parte
desses estmulos:
- a viso, enquanto elemento de orientao espacial que relaciona a distncia,
a cor, a forma, a textura e o contraste;
-
41
- a audio, que embora a informao que revela seja pobre, mais rica em
emoo;
- o cheiro, ainda mais pobre em informao mas por sua vez mais rico em
emoo;
- e o tacto, essencialmente atravs dos ps quando andamos, ou do contacto
fsico que estabelecemos com o espao quando nos sentamos.
So mecanismos sensitivos que dependem do ambiente externo, contudo h a
destacar neste contexto, com especial importncia, a viso, a audio e o olfacto que
so considerados por Edward Hall os receptores de distncia31.
Dado que a viso e a audio esto relacionadas com as actividades sociais exteriores mais completas
(os contactos de ver e ouvir), o seu funcionamento , naturalmente, um factor fundamental do
projecto32
A percepo que mais do que apenas ver ou sentir o ambiente urbano. um
processo complexo de compreenso de estmulos que varia conforme o
indivduo. Esses estmulos tm de ser percebidos, processados, interpretados e
julgados interpolando a mente do observador e provocando emoes. algo
extremamente pessoal.
Ittelson33 identifica ainda quatro dimenses de percepo:
- cognitiva: pensar sobre, organizar e manter a informao
- afectiva: envolve os nossos sentimentos, o que influencia a percepo do ambiente;
- interpretativa: comparamos os nossos com os outros j vividos;
- evaluativa: valores e preferncias. Determinao de bom ou mau.
31 Edward Hall, antroplogo, autor de The Hidden Dimension define dois tipos de receptores: os receptores de distncia (viso, audio e olfacto) e os receptores imediatos (pele, membranas e msculos) cit in Jan Gehl La humanizacin del espacio urbano. La vida social entre los edificios. Barcelona: Editorial Revert, 2006 32 Jan Gehl La humanizacin del espacio urbano. La vida social entre los edificios. Barcelona: Editorial Revert, 2006 33Cit in Mathew Carmona [et al], Public Places - Urban Spaces. The dimension of Urban Design. Oxford: Architectural Press, 2003
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42
So as experincias pessoais de cada indivduo que formam o seu universo real, que
tm influncia no significado diferente que cada um atribui a uma determinada
paisagem urbana.
Os mecanismos cognitivos intervm nos mecanismos sensitivos, pois a cada indivduo
correspondem interesses, conhecimentos prvios, memrias e valores (caractersticas
individuais e culturais) que os diferenciam uns dos outros.
importante falar em sensao e percepo de imagens urbanas, porque estes so
elementos relevantes na anlise do caso de estudo e na construo de uma
metodologia baseada na convivncia do indivduo com o espao urbano. So factores
determinantes para a identificao de usos e apropriaes de um determinado espao
(diagnstico) e para a elaborao de estratgias e cenrios futuros.
2.1.4 CIDADE CONTEMPORNEA, PS-INDUSTRIAL, DA SOBREMODERNIDADE
Figura 5
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43
A cidade contempornea atinge assim uma forma dominadora, uma escala visual cujo domnio o
homem no pode controlar, e domina e absorve no seu crescimento todo o espao que a envolve, quer o
espao horizontal onde assenta, quer o espao vertical que as possibilidades da tcnica lhe permitem
ocupar. E no seu crescimento incontrolado arrasa tudo, desde a paisagem natural at ao prprio homem
que a cria (...) E cresce, cresce sempre porque para a cidade parar morrer.34
Ao longo dos sculos as cidades sofreram vrias crises e reformulaes. Essas crises
podem ser traduzidas como um processo de transformao da sociedade apelidado de
modernizao. Este processo, independentemente da fase35 em que se encontre,
resulta da interaco de trs dinmicas sempre presentes - a individualizao, a
racionalizao e a diferenciao (ASCHER, 2010):
Individualizao definida como a representao do mundo feita no a partir
do grupo ao qual pertence o indivduo mas a partir da sua prpria pessoa;
Racionalizao como a substituio gradual da tradio pela razo na
determinao dos actos. A repetio d lugar s escolhas;
Diferenciao como um processo de diversificao das funes dos grupos e
dos indivduos no seio de uma mesma sociedade. A diferenciao produz a
diversidade e desigualdades entre grupos e indivduos e gera uma sociedade
cada vez mais complexa.
Actualmente, vivemos a terceira fase do processo de modernizao, tambm
apelidada de ps-industrial, baixa modernidade ou sobremodernidade. nela que se
desenham os princpios para o novo urbanismo. Esta fase inicia-se no final do sculo
XX e precede um pensamento dito moderno onde eram aplicados cidade os mesmos
34 Fernando Tvora, Da Organizao do Espao. Porto: FAUP Publicaes, 2006 35 Franois Ascher define 3 fases de modernizao: a 1 fase ou alta modernidade corresponde ao paleourbanismo e ocorreu desde a Idade Mdia at ao incio da Revoluo Industrial. Corresponde passagem da cidade medieval para a cidade clssica e introduz o conceito de cidade-projecto ambicionando controlar e definir o futuro e concretizar espacialmente uma nova sociedade; a 2 fase ou mdia modernidade corresponde ao urbanismo e ocorre desde o perodo da Revoluo Industrial at ao final do sc.XX. Caracteriza-se pela construo de grandes vias de comunicao servindo gares e armazns, por uma sociedade industrial voltada para a produo em massa e para o consumo, e pela decomposio e simplificao da cidade procurando a especializao (zonamentos monofuncionais e estruturas urbanas hierrquicas); a 3 fase ou baixa modernidade corresponde ao novo urbanismo e decorre desde o final do sc.XX. Caracteriza-se pela libertao do pensamento funcionalista, demasiado simplista, e pela introduo de novos conceitos como a reflexividade, incerteza, risco, autonomia espao-temporal, flexibilidade, participao, gesto urbana estratgica e performancial.
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44
princpios aplicados indstria, traduzindo-se na decomposio e simplificao para
melhorar o seu desempenho.
A herana do movimento moderno do ponto de vista do urbanismo gerou aquilo a que
muitos consideram ser a derradeira crise da cidade, e outros, em casos mais extremos,
a morte da cidade.
O funcionalismo foi mais um desses modelos, que em grande parte levaram ao que
hoje a cidade. Borja chega mesmo a referir:
A deformao do urbanismo funcionalista em combinao com o zonamento e privatizao a
caricatura mais perversa do movimento moderno, cria uma nova imagem da cidade emergente em que
as peas, os produtos, a arquitecturas dos objectos substituem a cidade do intercmbio e da
diversidade.36
O desenvolvimento dos transportes e o aumento do seu desempenho, do
armazenamento de bens, de informaes e de pessoas desencadeou uma
transformao social essencialmente de ordem cientfica e tcnica (ASCHER, 2010).
Os territrios urbanos expandem-se e recompem-se a um escala alargada, formando
bairros sociais monofuncionais nas periferias urbanas e subrbios industriais.
Traduzem-se nestas adaptaes sociedade industrial os modelos de periferizao
como a Cidade-Jardim, desenvolvida por Howard, que favoreceu um efeito de
suburbanizao atravs da expanso urbana de baixa-densidade em terrenos agrcolas
ou ainda a Cidade Radiosa, desenvolvida por Le Corbusier onde a racionalizao
simplista dos critrios de funcionalidade e eficincia eram levados ao limite.
Esta nova imagem de cidade emergente traduzia-se por zonamentos monofuncionais
e estruturas hierrquicas que percorriam o modelo industrial, ou seja a produo em
massa, pelas circulaes a vrios nveis, pelas zonas industriais e a criao do estado-
providncia que apostava nos equipamentos colectivos, servios pblicos e habitao
social.
36 Jordi Borja, Zaida Muxi, El Espacio Pblico: Ciudad y Ciudadana. Barcelona: Electa, 2003.
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45
Com a viragem do final sc. XX (ltimo quartel) a sociedade comea a tentar libertar-se
desse racionalismo demasiado simplista que marcou o movimento moderno. Inicia-se
uma nova crise da modernidade, qual vem associada a crise da cidade.
No entanto isto no significa que estejamos perante o fim ou at mesmo a superao
do processo de modernizao, embora seja sempre interessante pensar sobre isso
uma vez que, quando o fazemos, estaremos a questionarmo-nos acerca das mudanas
que esto a ocorrer actualmente.
Vista pelas Cincias Sociais, a sociedade assumiu uma nova organizao, muitas vezes
designada por sobremodernidade cujas principais caractersticas so essencialmente
trs figuras de excesso: o tempo, o espao e o indivduo (AUG, 2005).
O excesso de tempo traduz-se em mltiplas anlises do mesmo objecto o que
faz com que tudo seja um acontecimento, acabando por provocar exactamente
o contrrio, e tornando-se necessrio dar um sentido ao presente;
O excesso de espao devido a inmeras transformaes espaciais, ao enorme
fluxo de informao assim como mobilidade social faz com que haja uma
alterao da escala e o aparecimento de No-Lugares;
O excesso de individualismo decorre das duas figuras definidas
anteriormente tempo e espao provocando a falta de referncias colectivas
e de identidade.
Estamos perante uma sociedade de velocidade (tempo) e do consumo (indivduo) que
se materializa atravs dos No-Lugares (espao) definidos por Aug. As vivncias so
do tipo meio-fim, onde o importante no o espao entre mas o fim a atingir, o
objectivo ir de um ponto ao outro, o mais rapidamente possvel, sem obstculos.
Essa a lgica do indivduo da sociedade actual. (S, 2006)
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46
Apelidada esta crise como a terceira revoluo urbana (ASCHER, 2010), a
racionalizao, a individualizao e a diferenciao social continuam a fazer parte
desta fase de modernizao, embora com contornos diferentes das fases anteriores.
O que novo ento em relao s dinmicas das fases anteriores?
Racionalizao
No contexto da ps-modernidade contempornea, a introduo do conceito de
reflexividade importante para a noo de modernidade reflexiva, ou seja, a
avaliao de sucessivas hipteses provisrias para poder agir estrategicamente.
uma procura de racionalidade que til no planeamento urbano uma vez que
a gesto estratgica ajuda a controlar as crescentes incertezas.
Nesse mesmo contexto do incerto surge outro conceito o do risco. O facto de
termos noo da ocorrncia de cenrios imprevisveis alerta-nos para a
necessidade de precauo atravs da formulao de hipteses de risco feitas
numa primeira anlise racional perante uma situao de incerteza.
O crescimento das possibilidades de aco e de interaco do ponto de vista
espacial e temporal foi de tal ordem que cria uma autonomia espao-temporal
que faz com que o individuo se sinta capaz de estar em vrios espaos a vrios
tempos.
Um sentimento de ubiquidade e de multitemporalidade acompanha assim um duplo processo
de deslocalizao e de desinstaneizao37
O desenvolvimento dos meios de transportes e de telecomunicaes so
especialmente utilizados pelos indivduos de forma a tentar dominar o mais
possvel os seus espaos-tempo.
A vida quotidiana contempornea, premiada de microacontecimentos incertos
afasta o homem do que poderia ser uma rotina diria introduzindo na cidade
37 Franois Novos Princpios do Urbanismo seguido de Novos Compromissos Urbanos. Um Lxico. Lisboa: Livros Horizonte, 2010.
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um novo conceito: o da flexibilidade. A cidade tenta adaptar-se a esta
necessidade de mltiplos lugares a mltiplas horas, um contexto mais variado e
de circunstncias menos previsveis.
Individualizao
A multiplicidade de escolhas que existe actualmente cria perfis de vida e de
consumo cada vez mais diferenciados tornando o indivduo cada vez mais
nico.
Da definio de cidade proposta por Manuel Delgado interessa-nos
particularmente a diferenciao que o autor faz das relaes sociais do campo
(ou rural) com as cidades:
A cidade uma composio espacial definida pela alta densidade populacional e pelo
assentamento de um amplo conjunto de construes estveis, uma colnia humana densa e
heterognea conformada essencialmente por estranhos entre si. A cidade neste sentido ope-se
ao campo ou ao rural, reas onde tais caractersticas no se do. O urbano, em mudana
outra coisa: um estilo de vida marcado pela proliferao de teias relacionais deslocalizadas e
precrias.38
Na cidade as pessoas so estranhas entre si e as relaes no urbano em
mudana so deslocalizadas e precrias.
J Franois Ascher prope-nos uma viso diferente das novas relaes entre os
interesses individuais e colectivos:
O social no se dissolveu, os laos sociais no se romperam. O social funciona. Mas as
ligaes mudam de natureza e de suporte. 39
Os laos sociais actuais, embora sejam mais fracos e menos estveis, so
tambm mais numerosos e mais variados. Esses laos pertencem a mltiplas
redes sociais, correspondendo cada uma a um campo social distinto, que
38 Manuel Delgado , El animal pblico. Barcelona, Anagrama 1999 cit in Jorge Benavides Sols, Diccionario Urbano Conceptual y Transdisciplinar. Barcelona: Ediciones del Serbal, 2009 39
Franois Novos Princpios do Urbanismo seguido de Novos Compromissos Urbanos. Um Lxico. Lisboa: Livros Horizonte, 2010.
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normalmente no se sobrepe, onde o indivduo o elemento comum, mas
interagindo em cada um de forma diferenciada. Esta a definio de
sociedade hipertexto proposta por Ascher.
As peas e produtos referidos anteriormente por Jordi Borja demonstram a
intensificao da individualizao na arquitectura e no urbanismo atravs da
substituio do projecto colectivo por uma cultura de individualidade (CAVACO,
2006). Estamos, na realidade, a fazer desurbanismo ao admitirmos que um
edifcio pode ser a totalidade e finalidade do urbanismo. Estamos a
desrespeitar a concepo de paisagem urbana, cujos conjuntos de edifcios e
relao dos espaos entre eles, escala da cidade, formam o ambiente urbano
(CULLEN, 2008).
Diferenciao Social
talvez das trs dinmicas a mais complexa. A acelerao do individualismo,
do espao e do tempo proposta por Aug como excesso, altera os modos de
vida e os valores aumentando a diversidade. Associado a esse aumento de
diversidade a globalizao40 a juno perfeita para promover o reforo da
diferenciao social, territorial e cultural.
Torna-se portanto inevitvel falar em mobilidade social enquanto
consequncia directa da diferenciao. semelhana do que j foi referido
acima, os laos sociais modificaram-se muito. Um carcter mais significativo
dos meios de comunicao, de informao e de deslocao tem influncia na
forma como nos relacionamos actualmente com os outros (mais individualista e
diferenciada em relao ao passado, mas tambm muito mais complexa), mas
tambm na modificao de trajectrias e prticas quotidianas menos ligadas s
origens sociais que se traduz na perda do contacto com o meio dos pais,
procurando uma socializao mais alargada.
40 A globalizao j no consiste apenas no movimento de homens, capitais, matrias primas e mercadorias mas tambm pela organizao de processos de produo escala internacional e por uma mobilidade generalizada. (ASCHER, 2010)
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Esta socializao mais alargada consegue-se atravs da mobilidade fsica das
pessoas e da informao. atravs dos contactos e das trocas feitas de forma
regular e/ou espordica, independentemente da distncia, que se constroem e
apoiam as diferenas ou afinidades entre os indivduos e grupos sociais.
Estas trs dinmicas (racionalizao, individualizao e diferenciao), embora sempre
presentes em todas as fases da modernizao, tm tendncia a gerar uma sociedade
cada vez mais complexa, e consequentemente, a construo dessa sociedade mais
complexa faz com que estas dinmicas evoluam e introduzam novos handicaps.
claramente uma relao de reciprocidade.
Associado ao processo de modernizao fala-se de um outro conceito: o da
transmodernidade que surge como tentando ser o elemento reformador, com uma
perspectiva de reconverso e de restabelecimento de valores naquilo que Marc Aug
considera ser o fundamento da sobremodernidade: a intensificao dos regimes
espao e tempo.
A transmodernidade no se ope sobremodernidade mas, partindo da, funda-se na pretenso de
reencontrar esquemas que possam repensar, na contemporaneidade, as categorias de espao e de
tempo na identidade e na relao do indivduo com os outros e como mundo. (AUG, 1992)
portanto um novo conceito que tenta estabelecer valores e construir novos modelos
de desenvolvimento ajustados a uma nova sociedade.
No entanto, semelhana do que frente ir ser discutido acerca do conceito vazio
urbano, tambm a escolha do conceito mais adequado para caracterizar a
complexidade do territrio contemporneo no consensual.
Existem um conjunto de autores que apelidam esta nova cidade, fruto da ento
terceira revoluo urbana, de diferentes formas: cidade difusa (Indovina), cidade
genrica (Koolhas), cidade global (Sassen), metapolis (Ascher), cidade de bites
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(Mitchell), cidade em rede (Dematteis) e paisagem urbanizada Zwischenstadt
(Sieverts)41.
Para cada um dos casos, os autores analisam o conceito de cidade na
contemporaneidade e prope modelos conceptuais para aquilo que entendem ser os
elementos reguladores da cidade actual.
O elemento comum em todos estes pensamentos o de que a cidade contempornea
constituda por espaos fragmentados, sejam eles de carcter urbanstico, social ou
cultural, cujo aparecimento se deve natural evoluo da sociedade que tem
influncia nos comportamentos sociais, s estratgias imobilirias implementadas em
territrio urbano e s polticas pblicas urbanas adoptadas na cidade actual.
A cidade fragmentada tem tendncia a ser uma cidade fisicamente do desperdcio, socialmente
segregada, economicamente pouco produtiva, culturalmente miservel e politicamente ingovernvel. a
negao da cidade que na prtica nega o potencial das liberdades urbanas, a promessa de justia e os
valores democrticos42
A cidade actual43 o fruto da industrializao, da segregao de funes e do
automvel, a cidade que cresce a um ritmo exorbitante onde se torna difcil criar um
sistema de relaes coerentes entre os seus espaos, no formando um todo
estruturado onde se misturam e confundem funes, mas sim uma soma de espaos
individualizados (TVORA, 2006).
Pelo contrrio, a cidade antiga apontada por alguns autores como a cidade onde as
pessoas interagem, onde os espaos provocam estmulos. So cidades ricas em
experincias (GEHL, 2006). O factor chave dessas cidades e consequentemente dos
seus espaos pblicos, so as pessoas na rua, porque segundo Gehl as pessoas
41 Cristina Cavaco Reflexes sobre o Planeamento de Pormenor e a Boa Forma da Cidade. Ordem dos Arquitectos, Encontro Cidade para o Cidado. O Planeamento de Pormenor em Questo, 2006 42
Jordi Borja, Zaida Muxi, El Espacio Pblico: Ciudad y Ciudadana. Barcelona: Electa, 2003. 43
Embora alguns autores refiram que esta cidade a cidade industrial, da 2 fase da modernizao e que actualmente a cidade contempornea j no corresponde a essa descrio, uma descrio da cidade do passado, certo que, em muitas outras cidades esta ainda a realidade actual, a cidade contempornea. Este carcter de actualidade varia conforme o avano ou atraso econmico, poltico, social e/ou cultural da cidade em questo. No entanto, mesmo que em alguns casos j no seja a cidade actual, pelo menos a cidade do passado que prevalece no presente e com o qual o novo urbanismo tambm tem de trabalhar.
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sentem-se atradas pelas pessoas. O problema das cidades fragmentadas,
influenciadas pelo funcionalismo, o desaparecimento da rua e da praa para dar
lugar aos edifcios cones, grandes superfcies congregadoras de actividades centrais
ligadas entre si por vias rpidas ou auto-estradas.
Tentando estabelecer ilaes entre as leituras que vimos registando, a cidade do
futuro deve olhar para as cidades do passado, compreender os seus mecanismos de
sucesso e os seus erros e fracassos, isto porque no urbanismo de hoje constroem-se
cidades dentro de cidades j existentes.
Fazer cidade hoje em primeiro lugar fazer cidade sobre a cidade, fazer centros sobre os centros, criar
novas centralidades e eixos articuladores que dem a continuidade fsica e simblica, estabelecendo
bons compromissos entre o tecido histrico e o novo, favorecendo a mistura social e funcional em todas
as reas 44
evidente que importante ler a sociedade actual profundamente complexa,
composta por indivduos com mltiplas prticas e vontades, o que se traduz numa
cidade bastante heterognea e que coloca problemas ao urbanismo muito diferentes
do passado e com contextos incertos. No entanto, importante reflectir sobre a
cidade j existente e aproveitar alguns mecanismos do passado para prever e controlar
cenrios imprevistos e evitar a repetio de solues pouco eficazes para a contnua
construo da cidade.
importante ressalvar que o novo-urbanismo deve trabalhar com esta diversidade e
heterogeneidade social que se materializa nos espaos urbanos das cidades
contemporneas.
Embora seja importante olhar para o passado, as solues no esto no regresso s
formas urbanas antigas, mais precisamente, na aposta da continuidade do edificado e
na densidade, mas exactamente no contrrio, na percepo de que o urbano extenso
e descontnuo faz parte da cidade do sculo XXI e de que o urbanismo no pode,
44
Jordi Borja, Zaida Muxi, El Espacio Pblico: Ciudad y Ciudadana. Barcelona: Electa, 2003.
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assim, ser uniforme. (ASCHER, 2010) em grande parte devido s alteraes sociais
introduzidas pela velocidade das deslocaes e o uso das telecomunicaes.
Espao e Tempo
O Espao e o Tempo esto intimamente relacionados. Podemos experimentar a
passagem do tempo no ambiente urbano de duas formas: atra