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O que é insônia? Insônia é um sintoma, e como sintoma é subjetivo, ou seja, de- pende individualmente de como cada pessoa sente a sua falta de sono. As queixas dos insones são muito diversas. Alguns pacientes referem dificuldade para começar a dormir. Outros dizem que até conseguem dormir rapidamente, porém logo, após poucas horas, despertam e não conseguem mais dormir. Geralmente após esse despertar segue um sono referido superficial, com muitos desper- tares, sendo que sempre que despertam sentem dificuldade em retomá-lo. Alguns pacientes referem ter um sono superficial e não reparador, sendo suas queixas bizarras e curiosas como: “Minha mente não pára”, “Tenho um sono de vigília”, “Não sei se durmo ou se estou acordado”, “Penso muito a noite toda”. Antes, porém, de entendermos quais são os mecanismos envolvidos nas insônias temos que entender o que é dormir bem. Como é o sono normal? O sono normal, ou dormir bem, envolve três aspectos: quantida- de, qualidade e ritmo. Quantidade é o tempo total de sono ade- quada para cada indivíduo. Sendo uma característica individual pode variar de valores menores para um número maior de horas de sono. Pode-se dizer que a média assim dita normal de horas de sono seria de oito horas. Os assim chamados curtos dormidores podem se beneficiar com menos horas de sono, assim como, em outro extremo, os longos dormidores necessitam de muitas horas de sono para se sentirem bem. O que define uma boa quantidade de horas de sono é como o indivíduo acorda pela manhã e como se apresentará durante o dia. O simples fato de se acordar com um despertador pode ser um sinal de que necessitaríamos de mais horas de sono, sendo um despertar espontâneo o ideal, fato esse que costuma acontecer durante os finais de semana. Atualmen- te podemos observar que as necessidades sociais e profissionais nos impedem de se ter uma quantidade de sono normal. Vivemos numa sociedade que seguramente está nos tornando seres priva- dos cronicamente de sono. A conseqüência dessa privação de sono é a sonolência excessiva diurna a qual pode ser de tal intensidade que não raramente se confunde com outras hipersônias patológicas como a narcolep- sia ou transtornos intrínsecos do sono. O diagnóstico de privação do sono é feito quando o próprio paciente refere que quando dorme um número adequado de horas de sono a sonolência diurna desaparece. Já os curtos dormidores freqüentemente procuram o especialista queixando-se de que gostariam de dormir mais, ou seja, o mesmo que a maioria das pessoas dormem. Alguns profissionais podem medicar esses pacientes com hipnóticos, pensando tratar-se de uma insônia. O segundo aspecto que envolve o sono normal é aquele rela- cionado com uma boa qualidade de sono. O sono é constituído de vários estágios e fases que por sua vez traduzem os diferen- tes níveis de consciência. O primeiro estágio do sono é o estado de sonolência, de curta duração e passagem para o estágio 2. O terceiro estágio é caracterizado por um alentecimento da ati- vidade elétrica cerebral (sono de ondas lentas). Após 90 minutos do início do sono atingimos uma fase diferente das demais, e se caracteriza por sonhos, movimentos oculares rápidos e ativi- dade cerebral próxima do estado de vigília. Essa importante fase do sono é denominada de sono REM (rapid eye movements) ou sono paradoxal. Todos esses estágios e fases do sono aconte-

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O que é insônia?

Insônia é um sintoma, e como sintoma é subjetivo, ou seja, de-pende individualmente de como cada pessoa sente a sua falta de sono. As queixas dos insones são muito diversas. Alguns pacientes referem dificuldade para começar a dormir. Outros dizem que até conseguem dormir rapidamente, porém logo, após poucas horas, despertam e não conseguem mais dormir. Geralmente após esse despertar segue um sono referido superficial, com muitos desper-tares, sendo que sempre que despertam sentem dificuldade em retomá-lo. Alguns pacientes referem ter um sono superficial e não reparador, sendo suas queixas bizarras e curiosas como: “Minha mente não pára”, “Tenho um sono de vigília”, “Não sei se durmo ou se estou acordado”, “Penso muito a noite toda”. Antes, porém, de entendermos quais são os mecanismos envolvidos nas insônias temos que entender o que é dormir bem.

Como é o sono normal?

O sono normal, ou dormir bem, envolve três aspectos: quantida-de, qualidade e ritmo. Quantidade é o tempo total de sono ade-quada para cada indivíduo. Sendo uma característica individual pode variar de valores menores para um número maior de horas de sono. Pode-se dizer que a média assim dita normal de horas de sono seria de oito horas. Os assim chamados curtos dormidores podem se beneficiar com menos horas de sono, assim como, em outro extremo, os longos dormidores necessitam de muitas horas de sono para se sentirem bem. O que define uma boa quantidade de horas de sono é como o indivíduo acorda pela manhã e como se apresentará durante o dia. O simples fato de se acordar com um

despertador pode ser um sinal de que necessitaríamos de mais horas de sono, sendo um despertar espontâneo o ideal, fato esse que costuma acontecer durante os finais de semana. Atualmen-te podemos observar que as necessidades sociais e profissionais nos impedem de se ter uma quantidade de sono normal. Vivemos numa sociedade que seguramente está nos tornando seres priva-dos cronicamente de sono.

A conseqüência dessa privação de sono é a sonolência excessiva diurna a qual pode ser de tal intensidade que não raramente se confunde com outras hipersônias patológicas como a narcolep-sia ou transtornos intrínsecos do sono. O diagnóstico de privação do sono é feito quando o próprio paciente refere que quando dorme um número adequado de horas de sono a sonolência diurna desaparece.

Já os curtos dormidores freqüentemente procuram o especialista queixando-se de que gostariam de dormir mais, ou seja, o mesmo que a maioria das pessoas dormem. Alguns profissionais podem medicar esses pacientes com hipnóticos, pensando tratar-se de uma insônia.

O segundo aspecto que envolve o sono normal é aquele rela-cionado com uma boa qualidade de sono. O sono é constituído de vários estágios e fases que por sua vez traduzem os diferen-tes níveis de consciência. O primeiro estágio do sono é o estado de sonolência, de curta duração e passagem para o estágio 2. O terceiro estágio é caracterizado por um alentecimento da ati-vidade elétrica cerebral (sono de ondas lentas). Após 90 minutos do início do sono atingimos uma fase diferente das demais, e se caracteriza por sonhos, movimentos oculares rápidos e ativi-dade cerebral próxima do estado de vigília. Essa importante fase do sono é denominada de sono REM (rapid eye movements) ou sono paradoxal. Todos esses estágios e fases do sono aconte-

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cem em ciclos que se repetem de quatro a cinco vezes durante uma noite. Para que essa arquitetura do sono aconteça é neces-sário que não haja nenhuma interferência tanto externa como interna. Um transtorno intrínseco importante é a apnéia obstrutiva do sono, distúrbio respiratório do sono freqüentemente observado em homens adultos com características clínicas próprias.

O terceiro fator para que se obtenha um sono normal é ter um ritmo circadiano adequado de vigília e sono. Assim como a quan-tidade de sono necessária para um bom sono, o nosso ritmo biológico também é uma característica individual. A maioria da população dorme por volta das 23 horas e acorda ao redor das sete horas. Uma minoria não segue esse ritmo, ou adorme-cem bem mais cedo, ou em outro pólo, tendem a dormir bem mais tarde. No primeiro caso estão os indivíduos que apresen-tam um avanço de fase, e, no segundo caso, um atraso de fase. Dormir tarde e acordar tarde trazem prejuízos sociais e pro-fissionais. Esses pacientes são muitas vezes confundidos com insones, uma vez que quando tentam ir para a cama mais cedo, apresentam grande dificuldade para iniciar o sono, porém, caso retardem a ida para a cama, o sono se inicia com maior facilida-de. Geralmente esses pacientes se apresentam sonolentos prin-cipalmente no período da manhã, caracterizando uma privação crônica de sono. Indivíduos com avanço de fase por sua vez também podem ser confundidos com insones, pois apresentam um despertar precoce, porém são pacientes que estão indo muito cedo para a cama.

Como, para quê e por quê dormimos?

O sono é um estado fisiológico tão importante quanto o estado de vigília, sendo que talvez o questionamento seria por quê ficamos acordados a maior parte do tempo, pensando que um recém-nascido passa a maior parte do tempo dormindo, ou seja acordando para comer e comendo para dormir. Durante o sono nosso organismo continua exercendo diversas funções, tanto fisicamente quanto na esfera cerebral ou mental. Através de um ritmo biológico ou circadiano, nosso organismo segue um ritmo vinculado ao estado de vigília e sono. O hormônio mais conhecido que acompanha esse ritmo é a melatonina. Por inter-médio da luz que atinge a nossa retina, estímulos fisiológicos alcançam a glândula pineal, controlando a liberação de melato-nina, a qual é produzida no escuro e inibida pós a exposição à luz. Além da melatonina outros hormônios podem estar associa-dos a esse nosso ritmo circadiano. Sabe-se que durante o sono de ondas lentas existe uma maior produção do hormônio do crescimento. Portanto podemos imaginar que uma privação crônica de sono pode trazer prejuízos no desenvolvimento físico de uma criança e reparação tecidual de um adulto. Atualmente sabe-se que a leptina, hormônio da saciedade é produzida duran-te o sono, e estudos têm sido direcionados para as conseqüências da privação dessa substância, como obesidade, em indivíduos cronicamente privados de sono.

O sono REM é uma importante fase do sono, associado a nos-sa atividade mental. Portanto uma privação do sono como um todo pode comprometer funções cerebrais fundamentais como aprendizado, memória, concentração e outras funções cogniti-vas mais elaboradas. Sabe-se que principalmente durante o sono REM ocorre a maioria de nossos sonhos. Sonhar é um estado de consciência diferente da consciência da vigília, ou seja, sonhos nada mais são que pensamentos, porém modificados em função das estruturas cerebrais ativadas de maneira diferente daque-las que o são durante o estado de vigília. Durante o sono REM estruturas límbicas, ou seja, aquelas associadas a nossas

emoções, estão mais ativadas que estruturas do lobo frontal que ficam mais inertes. É o oposto do que ocorre durante o estado de vigília, quando essas formações do sistema nervoso central, assim ditas mais antigas, se tornam mais inibidas. Seriam essas estruturas o nosso inconsciente perseguido desde Freud e os seus demais seguidores?

Para que o sono aconteça, diversas estruturas e substâncias do sistema nervoso central são ativadas e outras inibidas. Princi-palmente estruturas do tronco cerebral passam a produzir neu-rotransmissores que dão início ao sono até atingirmos o sono de ondas lentas. Concomitantemente outras substâncias, responsáveis pela vigília são inibidas para que o sono aconteça. Da mesma forma o sono REM acontece quando estruturas do tronco cerebral são ativadas e outros núcleos são inibidos. Esse balanço ativação-inibição irá acontecer diversas vezes durante o sono, ocasionando os nossos ciclos do sono, responsáveis pelo estado dinâmico de troca de consciências durante toda uma noite de sono.

Classificação das insônias

Na década de setenta, a primeira classificação dos distúrbios do sono considerava dois principais transtornos, a dificuldade para iniciar o sono, ou insônias, e os quadros de sonolência ex-cessiva diurna. Essa primeira classificação era essencialmente clínica. Na década de noventa, na segunda classificação propos-ta, os distúrbios do sono passaram a ser categorizados de acordo com os aspectos fisiopatológicos, sendo denominados de disso-nias. Observamos nessa classificação uma certa fragmentação das insônias, perdendo a sua unidade clínica. Na classificação de 2005, podemos observar que as insônias voltam a ter um módulo próprio. Embora não sejam denominadas de insônias primárias e secundárias, vemos que de um lado têm-se as insônias idio-páticas, psicofisiológicas e as paradoxais, e de outro lado a clas-sificação coloca as insônias associadas a transtornos mentais, médicos, higiene inadequada do sono e uso de substâncias. As insônias transitórias ou situacionais são agora denominadas de agudas.

As insônias são atualmente classificadas em dois grupos princi-pais: as insônias associadas e as assim ditas primárias. As insônias associadas são aquelas em que o sintoma insônia está inserido dentro de uma doença, ou tem um fator determinante impor-tante. Dessa forma a insônia pode fazer parte de um transtorno mental, como depressão, transtorno bipolar ou esquizofrenia. A insônia pode também ser uma manifestação de uma doen-ça neurológica, como enfermidade de Parkinson ou demência de Alzheimer. As insônias podem ser secundárias a uso de medi-camentos, substâncias ou drogas. O uso de álcool, tanto de forma aguda ou crônica, interfere no sono. Alguns medicamentos, como barbitúricos e benzodiazepínicos, podem alterar drasticamente a arquitetura do sono. Finalmente, algumas insônias têm fatores causais bem definidos, geralmente reconhecidos pelos pacien-tes, como acontece em situações ambientais inadequadas, como em quartos com luminosidade exagerada, excesso de barulho ou temperatura extremas, quente ou frio demais.

A grande procura do médico especialista em sono é daquele paciente que não consegue identificar um fator causal bem definido para sua insônia. Nestes casos denominamos de insônia primária. Esse grupo de insônia compreende três tipos: idiopática, psicofisiológica e paradoxal. Embora separadas em tipos diferen-tes, como veremos, essas insônias, freqüentemente são difíceis de serem separadas em entidades distintas, uma vez que os fatores que as caracterizam estão mesclados nesses três tipos

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de insônia. A insônia idiopática tem o componente genético como fator preponderante. Já a insônia psicofisiológica é caracterizada pelo seu componente comportamental, adquirindo cronicamente ansiedade antecipatória, sendo denominada de maneira estranha de insônia aprendida. A insônia paradoxal baseia-se nos aspectos cognitivos, também chamada de insônia subjetiva, tendo como principal fator a má percepção do sono. Nossa visão da insônia, como veremos, envolve todos esses aspectos, sendo a insônia o sintoma central, inserido dentro de um contexto mais amplo.

Quais são os mecanismos envolvidos nas insônias?

A visão de insônia segue um modelo sistêmico, onde a insônia está inserida dentro de um contexto, numa inter-relação de circu-laridade, criando assim o universo sintomatológico dos insones. O sintoma passa a ser o marco que dá o significado à vida do inso-ne, e torna-se o grande protagonista da sua história.

Substrato neurobiológico

Fatores predisponentes

O principal fator que predispõe um indivíduo a sofrer de insônia durante a vida passa pelo aspecto constitucional, tendo como terreno favorável um substrato genético. Os estudos ainda não têm demonstrado algum gene responsável pela insônia, mas acreditamos que esse fator seja fundamental para que um indivíduo passe a apresentar um substrato biológico que será responsável pelos aspectos físicos da insônia. Estes fatores cons-tituem os agentes predisponentes e que formarão o substrato neurobiológico, base orgânica e cerebral e que tornará determi-nado indivíduo predisposto a ser insone.

O substrato neurobiológico mais importante reflete um aumen-to de ritmos rápidos cerebrais, padrão que estaria associado ao estado de hiperalerta apresentado pelos insones, tanto durante o dia como durante o sono. Anatomicamente o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal teria participação fundamental em gerar esse estado de maior alerta. Sabe-se que praticamente todo o insone é ansioso, porém a sua ansiedade está direciona-da para seu sintoma, ou seja, a sensação constante de que nunca irá conseguir dormir. Assim como ansiedade, insones passam a apresentar algum grau de depressão, com desânimo, desinte-resse e falta de motivação para suas atividades sociais e profissio-nais. Os fatores predisponentes envolvem um espectro biológico caracterizado pelo estado de hiper-alerta e um fraco sistema ge-rador de sono, envolvendo os padrões psicológicos de preocupa-ção e ruminação de pensamentos.

Fatores desencadeantes e perpetuantes

Se por um lado nós colocamos os fatores predisponentes, em outro pólo são as intercorrências durante a vida, situações com forte conteúdo emocional que constituirão os fatores desen-cadeantes e freqüentemente perpetuantes, que darão origem ao sintoma e o manterão durante muito tempo, não raramente durante toda uma vida. Esses fatores sociais geralmente consti-tuem mudanças de ciclo de vida, como casamento, separações, nascimento de filhos, perda de familiares ou entes queridos, mudanças profissionais ou econômicas, doenças, próprias ou de familiares. Dessa forma, nas mulheres, é muito comum o início da insônia com o aparecimento da menopausa, importante fase na mulher, quando ocorrem mudanças físicas, hormonais e psicoló-gicas, envolvendo aspectos familiares e afetivos.

Fatores comportamentais e cognitivos

Todos estes fatores analisados levam a mudanças comporta-mentais e principalmente a modificações cognitivas com pensa-mentos inadequados, uma vez que o foco de atenção passa a ser a sensação ou a percepção que já não consegue dormir, perma-necendo sempre em estado de alerta durante as 24 horas, tanto durante o dia como durante a noite.

Estratégias desadaptativas são desenvolvidas pelo insone, com intuito de obter mais sono; especialmente tempo excessivo na cama e ocorrência de comportamentos diferentes de sono na cama/quarto. Os pacientes com insônia apresentam na grande maioria das vezes uma ativação fisiológica, com alterações do sistema nervoso central ou periférico que acabam inibindo o sono e gerando uma tensão muscular excessiva.

Além disso, os insones também apresentam uma ativação cogni-tiva, com estado de alerta mental caracterizado por pensamen-tos intrusivos relacionados a problemas domésticos ou profis-sionais, preocupações excessivas com o dia seguinte ou revisão quase compulsiva do que aconteceu no dia anterior. A ativação emocional se caracteriza por emoções negativas, desespero ou raiva, traços de personalidade como: perfeccionismo, ou ainda distúrbios de humor como depressão e ansiedade. As cognições disfuncionais são caracterizadas por preocupações sobre falta de sono e suas respectivas causas. São comuns os pensamentos: “se não dormir não vou conseguir trabalhar amanhã”, “tenho de dormir 8 hs para estar bem no dia seguinte”, “Quando não durmo o suficiente, tenho de ficar mais tempo na cama para compensar”.

Esforço para conseguir dormir acaba por agravar o estado de ativação – círculo vicioso. Morin detalhou a influência dos fatores perpetuadores e as interações entre eles, num modelo multifa-torial que explica como a insônia pode se tornar independente daquilo que a precipitou e por que os insones têm tanta dificulda-de de se livrar dela (figura 1).

Figura 1 – interação dos fatores predisponentes e perpetuantes de acordo com C. Morin

A realização sistemática da polissonografia, em todos os pacien-tes com insônia, tem nos mostrado que insones estão dormindo muito mais do que conseguem perceber. Esta percepção inade-quada do estado de sono passa a estar presente em todos os inso-nes, em graus diferentes. A figura 2 mostra de maneira esquemáti-ca todos esses fatores envolvidos no universo fisiopatológico do sintoma insônia.

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Figura 2 – Modelo proposto para os fatores envolvidos na etiopatogenia das insônias

A avaliação do insone

Início dos sintomas

A avaliação do insone começa em saber quando e como se ini-ciou seu sintoma. Se recentemente ou se já há muitos anos. Saber se houve algum fato associado ao início da insônia, o que chamamos de fator desencadeante. Em quase todos os pacien-tes identificamos um fato que desencadeou o sintoma, podendo ser de natureza familiar, como casamento, separação, nasci-mento de um filho, problemas com o cônjuge ou com os filhos; de causa afetivas, profissionais, econômicas, doenças, mudanças de vida, moradias. É muito comum observarmos os insones dizerem que embora sempre dormiram mal, foi após um determinado fato que seus sintomas pioraram.

Curso dos sintomas

Os sintomas podem no decurso do tempo apresentar períodos de piora ou melhora, porém a insônia tende sempre a piorar com o passar do tempo, cristalizando os sintomas, criando compor-tamentos e pensamentos inadequados. Comumente o paciente desenvolve idéias erradas, mitos e fantasias sobre seu sintoma. A insônia passa a ser o foco principal de suas vidas, a tragédia que ocupa o centro de sua desgraça e tristeza. Comumente os fatores desencadeantes continuam presentes, ou de maneira real ou no seu imaginário.

Tratamentos já efetuados

Todos os tratamentos efetuados devem ser pesquisados e ano-tados, sejam farmacológicos ou não. Terapias, tempo e tipos, acupuntura, homeopatias e os assim chamados tratamentos alternativos. Todos os tipos de medicamentos utilizados devem ser mencionados, como hipnóticos, tranqüilizantes, principal-mente os benzodiazepínicos, antidepressivos e fitoterápicos. Indagar sobre seus resultados, efeitos colaterais, dependência e tempo de uso. Tratamentos médicos principalmente psiquiátri-cos são importante serem anotados, uma vez que envolvem uso de medicamentos além de psicoterapias.

Hábitos diurnos

Deve-se saber como esse paciente se comporta durante o dia e como ele se sente. Como é a sua produtividade social e pro-fissional, fadiga, sonolência, estado de humor, irritabilidade e concentração. Deve-se investigar todas as suas atividades durante o dia, como

horário de trabalho ou estudo, início e término, hora de almoço, jantar e de atividade física, caso haja essa prática.

Hábitos noturnos

O que acontece após o jantar? Quais são as principais atividades até a hora de ir para a cama e a que horas isso acontece? Este hábito é regular ou acontece de maneira muito irregular? Após se deitar, quais são as atividades na cama. Apaga a luz e tenta adormecer, ou fica lendo e vendo TV. Por quanto tempo? É somen-te um rápido ritual, ou por tempo prolongado esperando o sono chegar? Quanto tempo demora para dormir, lembrando-se que o tempo normal para dormir, embora seja subjetivo, é de até 30 minutos.

Um interrogatório sobre toda a noite é fundamental. Quantos despertares acontecem durante a noite e por quanto tempo permanece acordado, e se apresenta dificuldade em retomar o sono, permanece na cama ou, caso se levante, o que faz?

Deve-se saber a que horas desperta e se levanta, como acorda, o que sente em relação à noite e ao sono. Como veremos será fundamental a anotação da percepção do tempo total de sono. Investigar com o companheiro, a existência de ronco e de movi-mentos de pernas.

Ansiedade e depressão

Deve-se avaliar o grau de ansiedade e de depressão do pacien-te, além de outras doenças. A avaliação do grau de ansiedade e depressão pode ser feita de diversas maneiras. Da simples per-gunta em relação a esses sintomas, até questionários próprios. Podemos utilizar também uma escala analógico-visual, onde o paciente pontua uma nota de 0 a 10 quanto a intensidade de sua ansiedade e depressão.

Hábitos

Deve-se investigar com detalhes todos os hábitos apresentados pelo insone, no que se refere à dependência ao cigarro, álcool e eventualmente uso de outras drogas. A prática de atividade física deve ser questionada quanto à sua freqüência e horário e estar atento principalmente se realizada à noite. É importante também se pesquisar a qualidade de vida desses pacientes.

Avaliação psicossocial

Após a avaliação médica o paciente com insônia deve ser avaliado sob o ponto de vista psicossocial, com importante investigação quanto às condições profissionais, familiares e sociais, lembran-do sempre de fazer as interações dessas condições com os fato-res predisponentes, desencadeantes e perpetuadores da insônia. Embora seja ideal que essa avaliação seja feita por um terapeuta especializado em distúrbios do sono, em muitas ocasiões o pró-prio médico pode fazê-la, preparando o paciente para o exame de polissonografia e uma triagem prévia para um futuro trata-mento não-farmacológico através da Terapia Comportamental Cognitiva.

O exame de polissonografia

A polissonografia (PSG) é o principal método gráfico para estudo do sono normal e no diagnóstico dos distúrbios do sono. Apare-cendo no final da década de sessenta, permitiu que se elaboras-se a primeira classificação dos transtornos do sono na década de setenta. Várias funções biológicas são registradas e grava-das durante uma noite de sono. O exame de PSG é realizado em laboratórios especializados com o registro computadorizado de

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várias funções durante uma noite inteira de sono, procurando-se atender às condições e hábitos naturais de cada paciente no que se refere à hora de dormir e de se levantar pela manhã.

Vários sensores e eletrodos são aderidos no couro cabeludo para registro da atividade elétrica cerebral, movimentos oculares, contrações musculares mentonianas, parâmetros biológicos fun-damentais para se estabelecer os estágios do sono. Além disso, numa PSG basal registra-se a função respiratória, eletrocardio-grama e movimentos dos membros. A atividade elétrica cerebral é registrada através de eletrodos aderidos ao couro cabeludo. Utilizamos eletrodos posicionados nas regiões centrais (rolân-dicas) e occipitais, A atividade elétrica cerebral é obtida através de ondas, que apresentam uma freqüência, amplitude e morfo-logia próprias de cada estágio. As freqüências vão de 8 a 13 Hertz (Hz) ou ondas alfa, de 4 a 7 Hz, ou ondas teta, menores do que 4, ou ondas delta, e maiores do que 13, ou ondas beta. Durante a vigília e nos diversos estados do sono nós vamos observar varia-ções na freqüência e morfologia das ondas.

Os estágios do sono

Dessa forma o estágio 1 (N1) do sono mostra uma passagem de ritmos mais rápidos da vigília (ondas na freqüência alfa e beta) para um ritmo mais lento (ondas teta). Concomitantemente observam-se movimentos oculares lentos. O estágio 2 do sono (N2) evidencia ondas com morfologia e freqüência características como os complexos K e os fusos do sono. O terceiro estágio (N3) se caracteriza pelo predomínio de ondas bastante lentas (delta), no traçado eletrencefalográfico. O estágio 1 é uma fase transitó-ria, de curta duração, sendo mais uma passagem da vigília para o sono. Já o estágio 2 ocupa 50% do tempo total de sono. Enquan-to que o sono de ondas lentas fica entre 15 e 20%. Após 90 minutos após o início do sono surge importante fase do sono, denomina-do de sono REM, sigla proveniente de rapid eye movement. Essa fase foi descoberta na década de cinqüenta e se caracteriza pela presença dos movimentos oculares rápidos, atonia muscular e uma atividade elétrica cerebral com ondas de freqüência mista, próxima da vigília. A grande descoberta foi associação do sono REM com a ocorrência de sonhos. A distribuição dos estágios do sono pode ser representada através do hipnograma (figura 3).

Figura 3 – o hipnograma mostra a estrutura do sono quanto a distribuição dos estágios do sono durante toda uma noite de registro

Microdespertares são despertares breves com a duração menor do que 15 segundos e caracterizados pela intrusão de um ritmo mais rápido no eletrencefalograma, com ondas na freqüência alfa, podendo ser acompanhados ou não de movimentos corpo-rais. Esses microdespertares geralmente não são percebidos pelo paciente como despertares conscientes e também não entram no cálculo da eficiência do sono. O aumento de microdespertares durante a noite geralmente está associado à presença de even-tos respiratórios anormais, como no caso de apnéias, hipopnéias e nos eventos respiratórios relacionados a microdespertares que ocorrem na síndrome da resistência das vias aéreas.Movimentos de membros ocorrem durante a noite e que geralmente se localizam nos membros inferiores e costumam se apresentar com caráter periódico e daí advém o nome de movimentos periódicos de membros inferiores. O seu significado

é bastante amplo e complexo uma vez que podem ser fisiológicos sem nenhum significado patológico, ou estar associados à síndro-me das pernas inquietas, entidade clínica bem definida. Portanto sua interpretação deve ser criteriosa, principalmente no que se refere ao seu aspecto terapêutico.

O laudo polissonográfico: os principais parâmetros do sono que devem ser analisados são: tempo total de registro, tempo to-tal de sono, latência do sono, eficiência do sono, porcentagem dos respectivos estágios, latência REM, microdespertares, movi-mentos de membros inferiores, índice de apnéia e hipopnéia, índi-ce de eventos respiratórios relacionados com microdespertares, saturação da oxihemoglobina, eletrocardiograma, ronco e o decúbito apresentado pelo paciente durante a noite.

O laboratório do sono

É o local onde são realizados os exames de polissonografia. O quarto onde o paciente dorme deve ser separado da área de registro e deve oferecer todas as comodidades para a melhor captação das variáveis que serão posteriormente analisadas. O paciente deve chegar ao laboratório com antecedência suficiente para o preenchimento de questionários sobre o sono e para seu preparo e colocação dos eletrodos e sensores. O exa-me se inicia com o apagar das luzes do quarto e início do regis-tro polissonográfico. Tanto o início quanto o término do exame procura obedecer o horário habitual do paciente no seu domicí-lio. Pela manhã aplica-se um questionário avaliando as condições do paciente durante a noite.

O técnico que acompanhou o exame deve anotar todas as inter-corrências ocorridas durante a noite. A leitura do exame deve ser realizada por um médico ou profissional treinado para essa função. A leitura do exame compreende o estagiamento, ou seja, assinalar os diversos estágios do sono que irão acontecendo durante a noite. Também devem ser assinalados os microdesper-tares, os movimentos de membros inferiores, o reconhecimen-to dos diversos tipos de eventos respiratórios, a saturação da oxihemoglobina, os batimentos cardíacos e a associação desses eventos com os estágios do sono e decúbito. Os parâmetros do sono serão posteriormente analisados pelo médico especialista e emitido o laudo final da polissonografia.

A polissonografia nas insônias e a percepção do sono

É um exame extremamente valioso uma vez que a realização sistemática em todos os insones tem demonstrado que inso-nes apresentam uma má percepção do sono em graus variáveis. A avaliação da percepção do sono é baseada na informação subjetiva do tempo total de sono percebida pelo paciente e comparada com o tempo objetivo obtido pela polissonografia. O fato de se saber que o insone está dormindo mais do que percebe tem efeitos terapêuticos importantes como veremos ao falarmos das técnicas cognitivas que são utilizadas na Terapia Comportamental Cognitiva.

Tratamento farmacológico

Muitas substâncias e medicamentos para insônia foram utiliza-dos como hipnóticos, algumas de forma específica para esse fim, e outras baseando-se mais nos seus efeitos colaterais, com o objetivo de provocar sedação e sonolência. Uma das primeiras substâncias indutoras do sono foi o hidrato de cloral, ainda hoje utilizada em laboratórios de eletrencefalografia com o objetivo de se obter sono para a realização do exame, principalmente em crianças. Já na primeira metade do século passado surgi-ram os barbitúricos, importante substância sedativa do sistema nervoso central. Suas conseqüências são até hoje conheci-

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das, como depressão respiratória, parada cardiorespiratória e morte, seja involuntariamente, ou voluntariamente quando exa-gerando-se na dose e associado com bebidas alcoólicas. Até hoje o fenobarbital é utilizado como antiepiléptico.

Benzodiazepínicos

Em 1960 apareceram os benzodiazepínicos (BZD) e foram sem dúvida os mais longamente utilizados. Os primeiros BZDs lança-dos no mercado foram o clordiazepóxido e o diazepam. Os BZDs têm efeitos anticonvulsivantes, sedativos, hipnóticos e miorre-laxantes, os quais dependem das diferenças na afinidade e no tipo de ligação com o receptor além da sua meia-vida. Existem BZDs com meia-vida ultra-curta, com até quatro horas (midazo-lam); meia-vida-curta (triazolam), com até 6 horas; meia-vida inter-mediária, entre 6 e 24 horas e os BZDs com meia-vida longa, acima de 24 horas (funitrazepam). Os BZDs agem nos receptores GABA-érgicos dos neurônios, especificamente nos receptores ômega (1,2 e 3), sobretudo no tronco cerebral, hipotálamo e tálamo. Ao se ligarem aos receptores ômega, abrem o canal de cloro e o neurônio fica hiperpolarizado, inibindo o impulso neuronal.

Essas substâncias apresentam fenômenos indesejáveis decor-rentes da sua própria dosagem , além dos fenômenos de tolerân-cia e dependência. As principais reações adversas são amnésia anterógrada, em particular após a ingestão do BZD, sonolência no dia seguinte, ataxia, fadiga, confusão, fraqueza. Tais sintomas geralmente são dependentes da dosagem do BZD. O fenômeno da tolerância ocorre quando, após doses repetidas, são neces-sárias doses progressivamente maiores para obter o mesmo efeito inicial. O uso prolongado do BZD pode levar à dependên-cia psíquica e física. A dependência se caracteriza pelo desejo ou compulsão em usar a droga e de obtê-la a qualquer custo, pela necessidade psíquica e física para obter o seu efeito, o que provoca alto grau de ansiedade, por vezes com sintomas físicos como sudorese, distúrbos gastrointestinais, tremores e insônia. Estes sintomas também estão presentes após a retirada brusca de um BZD, caracterizando a síndrome de abstinência.

Os BZDs também têm efeito prejudicial sobre o sono: redução do sono de ondas lentas e do sono REM, aumento da latência REM, aumento de fusos e de ritmos rápidos, como ondas alfa e beta na atividade elétrica cerebral. Esse quadro pode ser o substra-to do sono não-reparador que o paciente usuário de BZD refere. As alterações da microestrutura do sono provocadas pelos BZDs são relatados na literatura, como redução da fase A do padrão alternante cíclico. Os BZD devido à sua ação relaxante muscular, podem acentuar quadros de ronco, apnéia do sono, com hipo-ventilação e hipoxemia. Também pode-se observar um aumento de pesadelos, sonhos vívidos, desinibição comportamental e redução da libido.

Zolpiden

Atualmente dá-se preferência a um grupo novo de hipnóticos, destacando-se o zopiclone e o zolpiden. O zopiclone, primeiro hipnótico não-benzodiazepínico lançado no mercado, na década de 80, apresenta efeitos colaterais indesejáveis, como gosto metá-lico no dia seguinte e metabolitos ativos. O zolpidem, ou imidazo-piridina, têm sido o hipnótico preferido no tratamento sintomáti-co das insônias. Ele age nos receptores ômega-1 e tem uma meia vida ultra-curta, não apresenta metabolitos ativos, causa pouca dependência e é de fácil tolerância, o que o torna o medicamento de escolha. O zolpidem age em 30 minutos e tem uma meia-vida de 1,5 a 4,5 horas.

Tanto o zolpidem como o zaleplon, ao contrário dos BZDs, praticamente não interferem na estrutura do sono, não provocam

insônia rebote, trazem poucos efeitos na sua retirada, acarretam pouca dependência, e, devido à sua meia-vida curta, não têm efei-to residual durante o dia. Portanto, eles tornam-se medicamen-tos de escolha para a retirada de BZDs e nas insônias de idosos. Nos casos crônicos, o zolpidem pode ser utilizado de maneira descontinuada, ou seja, o paciente pode fazer uso do medicamen-to em alguns dias da semana. Nos casos de doentes portadores de apnéia noturna e que muitas vezes apresentam um quadro de insônia associado, o zolpidem pode ser empregado por não provocar depressão respiratória.

Novas perspectivas virão com o lançamento de hipnóticos de nova geração como o eszopiclone, o indiplon, novo composto pirazolopirimidina, com ação semelhante ao zolpídem, e o ramel-teon, que age em receptorres da melatonina.

Antidepressivos com ação sedativa

Em doses baixas podem ser úteis nas insônias, principalmente em pacientes com componente depressivo, devido à sua ação sedativa e antidepressiva. Podem ser utilizados a nortriptilina, a amitriptilina, a paroxetina, a mirtazapina e a trazodona.

Fitoterápicos

A valeriana (valepotriatos), assim como o zolpidem, pode ser a droga de escolha para iniciar o tratamento de uma insônia, e, também, ser medicamento auxiliar para a retirada de benzodia-zepínicos em usuários crônicos).

Terapia Comportamental Cognitiva

A Terapia Comportamental Cognitiva ou TCC consiste atual-mente no principal tratamento não-farmacológico das insônias primárias. A TCC baseia-se no modelo conceitual proposto por Spielman, ou seja, principalmente nos fatores desencadeantes e perpetuantes. O sintoma da insônia é precipitado e mantido em situações distintas e o funcionamento da insônia se dá atra-vés de um hiperalerta ou de um condicionamento inadequado. Fatores desencadeantes e perpetuantes estão inter-relacionados com fatores sociais, profissionais, familiares, devendo o trata-mento ser multifatorial.

Os fatores predisponentes, como fazem parte da constituição psíquica, física ou genética do indivíduo, é muito mais difícil de se alterar. Já os fatores precipitadores e principalmente os perpetuadores são alvo da terapia comportamental cogniti-va (TCC); uma abordagem psicoterápica que surgiu nos anos 60 e que se baseia em três premissas fundamentais: a cognição afeta o comportamento, a cognição pode ser monitorada e alte-rada e a mudança comportamental desejada pode ser efetuada por meio da mudança cognitiva. A TCC aplicada à insônia se ba-seia em estratégias educacionais, comportamentais e cognitivas que visam libertar o insone do círculo vicioso ao qual está condi-cionado. A TCC é dividida em três linhas: a reestruturação cogni-tiva que pressupõe que a perturbação emocional seja conseqü-ência de pensamentos mal-adaptativos; treino em habilidades de enfrentamento, onde o foco é o desenvolvimento de um reper-tório de habilidades projetadas para auxiliar o paciente a enfren-tar situações estressantes; e o treino em resoluções de proble-mas, sendo uma combinação das duas categorias anteriores, com ênfase na cooperação para o desenvolvimento de estratégias visando lidar com uma ampla variedade de problemas pessoais. Componentes da TCC: higiene do Sono, controle de estímulos, restrição de tempo na cama e sono, intervenções cognitivas e abordagem da má Percepção do Sono.

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Higiene do Sono

É uma intervenção psico-educacional que ensina como uma variedade de comportamentos pode influenciar o sono. Permi-te aumentar a aceitação do tratamento, fortalecendo a aliança terapêutica através de um maior conhecimento sobre o sono. Consiste em evitar ingestão de estimulantes (cafeína, nicotina e drogas), evitar jantar até duas horas antes do sono, realizar atividade física regular, banho relaxante antes de dormir: baixar temperatura corporal, evitar consumo de álcool antes de dormir e avaliar condições do ambiente como conforto, temperatura e ruídos.

Técnicas comportamentais

Controle de Estímulos

Consiste em instruções que orientam o paciente a deitar e levan-tar-se da cama em momentos adequados para que associe a cama com a idéia de sonolência ou de sono. Limita o tempo de vigília e os comportamentos permitidos no quarto, cama ou horário de dormir. Tem a intenção de fortalecer as associações entre as pistas para o sono com um sono rápido e bem consolidado. Orienta-se o paciente com as seguintes instruções: deitar apenas se sonolen-to, evitar qualquer comportamento diferente de dormir ou sexo no quarto ou na cama, deixar o quarto após 15 minutos de vigília, voltar para a cama apenas quando sonolento novamente, manter um horário fixo para acordar, sete dias por semana, independente da quantidade de sono obtida, retirar despertador, aparelhos ele-trônicos, TV e computador do quarto.

Restrição de Sono

É uma das técnicas comportamentais mais importantes. Consiste em se reduzir o tempo na cama, para acumular débito de sono baseando-se nas anotações do diário de sono. Define-se um horá-rio de acordar regular e atrasa-se o horário de dormir.

Intervenções Cognitivas

O paciente com insônia possui pensamentos negativos ou cren-ças inadequadas sobre a insônia e suas conseqüências. As técni-cas cognitivas ajudam os pacientes a questionar a validade das crenças, o que diminuiria a ansiedade e o alerta associado à in-sônia.

Intenção Paradoxa

A insônia tende a piorar com a preocupação do paciente ser capaz ou não de adormecer. Para reduzir a ansiedade antecipatória as-sociada ao tentar dormir, os pacientes são orientados a irem para cama e ficarem acor-dados e não tentarem adormecer. Esta téc-nica reduz a ansiedade associada ao medo de não ser capaz de dormir, assim os pacien-tes tornam-se mais relaxados e adormecem mais rapidamente

Reestruturação Cognitiva

Os pacientes com insônia apresentam idéias irracionais sobre o sono, como pensa-mentos inadequados com falsas idéias so-bre as causas da insônia; falsas crenças ou amplificação das conseqüências do sono ruim; expectativas de sono irreais; diminui-ção da percepção do controle e perspectiva de sono; não acreditar nas práticas de indu-

ção de sono e na sua própria capacidade de obter sono.

Má Percepção do Sono

A diferença na duração do sono entre insones e não insones não passa de 35 minutos. Insones dormem muito mais do que relatam durante a noite em que realizam a PSG. Os insones praticamen-te, subestimam a duração do sono e superestimam sua latência, acreditando que a insônia paradoxal pode ser uma entidade em si. Trabalhar a má percepção do sono na TCC tem sido uma prática na reestruturação cognitiva.

Técnicas de Relaxamento

Incluem uma variedade de técnicas que aliviam as tensões somá-ticas e mental, como o relaxamento progressivo de Jacobson e relaxamento autógeno de Shultz. O objetivo não é ensinar a dor-mir, mas deixar o paciente ciente da tensão e hipervigilância que mantém ao longo do dia.

Das sessões

A TCC é uma terapia breve, focal e diretiva, com tempo limitado e definido de quatro a oito sessões com 50 minutos para aborda-gem individual e 90 minutos para abordagem grupal. De oito a dez participantes por grupo, uma vez por semana. Na abordagem de grupo, dois terapeutas, sendo um coordenador e um co-tera-peuta. Nas primeiras sessões dá-se preferência às intervenções educacionais e nas sessões subseqüentes aos componentes com-portamentais e cognitivos. A partir da quinta sessão trabalha-se a má percepção do sono e o significado e função da insônia.

Instrumentos de Avaliação

O principal instrumento utilizado é o diário de sono (figuras 3 e 4), que serve para avaliar a gravidade da insônia diariamente, identificar os comportamentos que mantém a insônia, reunir dados que orientam o tratamento, indicar latência, número de despertares,tempo de vigília, tempo total de sono, calcular efici-ência do sono, trabalhar a má percepção do sono – avaliação sub-jetiva do sono. É um instrumento valioso para a TCC pois é através dos dados ali contidos que traçamos as estratégias de tratamen-to, principalmente da restrição de tempo na cama. É preenchido todas as manhãs, durante todo o tratamento da TCC.

Figura 3 – modelos de diário de sono

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Tratamento combinado

A terapia comportamental cognitiva mais tratamento farmacoló-gico, se necessário, é o modelo terapêutico de escolha no momen-to atual. Ensaios clínicos têm demonstrado que a TCC promove efeitos mais duradouros que as drogas hipnóticas, tendo atual-mente se constituído no principal tratamento das insônias.

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Figura 4 – modelos de diário de sono