Dissertação PFM Francisco Pires
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Arquiplago Urbano: Qualificao de reas urbanas crticas: o caso do Bairro S. Joo de Brito
Arquiplago urbano Qualificao de reas urbanas crticas
O caso do Bairro S. Joo de Brito
Francisco Silva Dias Relvas Pires n 6739
(Licenciado)
Projecto Final para obteno do Grau de Mestre em Arquitectura com Especializao em Urbanismo
Orientador cientfico: Professora Doutora Isabel Raposo
Lisboa, Maro de 2014
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Capa - Imagem de satlite, B. S. Joo de Brito. Fonte: Google Earth, modificado pelo autor, 07/09/2013
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Resumo Faculdade de Arquitectura | Universidade de Lisboa
Ttulo Arquiplago urbano Qualificao de reas urbanas crticas: o caso do Bairro S. Joo de Brito
Nome
Francisco Silva Dias Relvas Pires n 6739
Orientador cientfico Professora Doutora Isabel Raposo Documento para Mestrado em Arquitectura com Especializao em Urbanismo O tema incide na qualificao de reas urbanas crticas, originadas pela inadequao da oferta
habitacional s camadas desprivilegiadas da sociedade, obrigadas a ocupar zonas perifricas e isoladas
da cidade, resultando na sua inevitvel marginalizao. Como base para a interveno, desenvolveu-se
uma pesquisa sobre os princpios de interveno urbana associados cidade jardim, cidade funcional e
cidade contempornea, revisitando-se os novos princpios de urbanismo de Ascher. Apresentam-se
tambm alguns casos de referncia como inspirao para a interveno no bairro escolhido.
O caso de estudo a zona do Pote de gua e Bairro S. Joo de Brito, uma unidade urbana
informal, desprovida de equipamentos ou espaos pblicos qualificados, rodeada por importantes
equipamentos, infra-estruturas e zonas residenciais de Lisboa, com as quais no tem relao.
Da anlise realizada ao local, conclui-se que desde a sua infra-estruturao original, o bairro no
beneficiou de melhoramentos, apesar de ser includo em legislao prpria para esse efeito, e apesar da
propriedade municipal do solo e da servido aeroporturia, a sua demolio nunca foi contemplada dada
a dimenso da relocalizao da populao. Assim, neste projecto, prope-se a manuteno do bairro,
qualificando-o ao abrigo de novos programas de oramento participativo.
O projecto prope intervenes a diferentes escalas e faseadas com vista sua viabilizao:
numa primeira fase prope-se melhorar a acessibilidade no interior e nos limites do bairro, qualificando os
espaos pblicos cuja manuteno ser feita pelos habitantes, e numa segunda fase prope-se a
interveno na rea no residencial do bairro, implicando demolies e relocalizaes, consolidando-o.
Palavras-Chave: Bairro So Joo de Brito, Marginalizao, Manuteno, Qualificao, Viabilizao.
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Abstract Faculdade de Arquitectura | Universidade de Lisboa
Title Urban archipelago Critical urban areas: the case of S. Joo de Brito neighborhood
The theme focuses on the qualification of critical urban areas, caused by the inadequacy of
housing supply to the underprivileged sections of society, forced to take up peripheral and isolated areas
of the city, resulting in its inevitable marginalization. As a basis for intervention, it was developed a
research on the principles of urban intervention associated with the garden city, the functional city and
contemporary city, revisiting the principles of new urbanism by Ascher. Also present are some case
studies as inspiration for intervention in the chosen neighborhood.
The case study area is the Pote de gua and S. Joo de Brito neighborhood, an informal urban
unit, lacking equipment or qualified public spaces, surrounded by major equipment, infrastructure and
residential areas of the city, with which it has no connection.
From analysis of the site, it is concluded that since its original infra-structure, the neighborhood
has not benefited from improvements, despite being included in legislation for this purpose, despite the
municipal ownership of land and airport ruling; its demolition was never contemplated given the size of the
relocation of the population. In this project, it is proposed to maintain the area qualifying it under the new
programs of participatory budgeting.
The project proposes interventions at different scales and stages, in order of its viability. A first
phase aims to improve the accessibility beyond and within the limits of the neighborhood, improving the
public spaces, whose maintenance will be provided by the inhabitants, and the second stage is a proposal
for intervention in the non-residential area of the neighborhood, implying demolitions and relocations,
consolidating it.
Key-words: So Joo de Brito neighborhood, Marginalization, Maintenance, Qualification, Viability.
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ndice de Contedos
Introduo ............................................................................................................................................... 0
1. Da Cidade Jardim cidade funcional e aos novos princpios do urbanismo ................................... 4
1.1 Ebenezer Howard e as Cidades Jardim ............................................................................................. 4
1.2 Dos CIAM Carta de Atenas, e Le Corbusier .................................................................................... 9
1.3 Crticas Cidade Moderna, e os novos princpios de urbanismo..................................................... 12
2. Casos de referncia .............................................................................................................................. 20
2.1 Bairro das terras do Lelo Martins ..................................................................................................... 20
2.2 Bairro do Fim do Mundo ................................................................................................................... 22
2.3 Cova do Vapor.................................................................................................................................. 24
2.4 Bairro Prodac.................................................................................................................................... 27
2.5 Alta de Lisboa ................................................................................................................................... 30
3. Da anlise ao diagnstico, princpios e plano de aco para o Bairro So Joo de Brito ............ 34
3.1 Carncia habitacional, gnese do bairro e classificaes municipais .............................................. 34
3.2 Anlise da gnese morfolgica do lugar........................................................................................... 36
3.3 Instrumentos urbansticos ................................................................................................................ 41
3.4 Morfologia urbana e tipologia do edificado ....................................................................................... 43
3.5 Anlise socio-demogrfica ............................................................................................................... 49
3.6 Diagnstico ....................................................................................................................................... 51
3.7 Princpios de interveno ................................................................................................................. 54
3.8 Plano de aco ................................................................................................................................. 55
4. Memria descritiva ............................................................................................................................... 58
Concluso ............................................................................................................................................. 64
Bibliografia geral................................................................................................................................... 68
Anexos .................................................................................................................................................. 71
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ndice de Imagens
Imagem 1 Diagrama da Cidade Jardim rodeada pelo cinturo agrcola, e 1 sector do centro urbano e
suas caractersticas. Fonte: Howard, Ebenezer. Garden cities of To-Morrow. The MIT Press. Faber and
Faber Ltd.. 1965. 10/11/2013 ........................................................................................................................ 5
Imagem 2 - Broadacre City, perspectiva. ...................................................................................................... 8
Imagem 3 - Perspectiva da Cidade Industrial, 1. Zona Pblica, 2. Residencial, 3. Barragem, 4. Industria.
Fonte:
http://www.mediaarchitecture.at/architekturtheorie/broadacre_city/frank_lloyd_wright_1958_the_living_city
_6l.jpg ........................................................................................................................................................... 9
Imagem 4 - Ville Radieuse, perspectiva. Fonte: http://architectuul.com/architecture/ville-contemporaine,
10/1/2014 .................................................................................................................................................... 12
Imagem 5 - Boston, North End, ou Little Italy, caso recorrente de Jacobs. Fonte:
http://beersandbeans.com/wp-content/uploads/2011/06/little-italy-boston-hdr-editedsmallerforbnb-
1024x683.jpg .............................................................................................................................................. 14
Imagem 6 B. das Terras do Lelo Martins, visto da arriba fssil. Fonte: www.ateliermob.com, 1/11/2013
.................................................................................................................................................................... 20
Imagem 7 Imagem de satlite, Bairro do Fim do Mundo, limite a vermelho. Fonte: Google Earth,
modificada pelo autor, 29/10/2013 .............................................................................................................. 23
Imagem 8 Imagem de satlite, Cova do Vapor. Fonte: Google Earth, 9/11/2013 .................................... 25
Imagem 9 Recinto da Casa do Vapor. Fonte:http://www.casadovapor.org/wp-
content/uploads/2013/08/casa_do_vapor_domus.jpg. 17/1/2014 ............................................................... 26
Imagem 10 Imagem de satlite, Bairro PRODAC, poro Norte a vermelho, poro Sul a azul. Fonte:
Google Earth, modificada pelo autor, 24/12/2013 ....................................................................................... 28
Imagem 11 Imagem de satlite, Alta de Lisboa, limite a vermelho. Fonte: Bing Maps, modificada pelo
autor. 28/12/2013 ........................................................................................................................................ 30
Imagem 12 Alinhamento de 2 tipologias no novo Bairro das Calvanas. Fonte:
http://www.viverlisboa.org/?p=374. 17/1/2014 ............................................................................................ 32
Imagem 13 - Carta corogrfica dos terrenos em volta de Lisboa. Sc. XIX. Fonte: Centro de Cartografia
da FAUL. ..................................................................................................................................................... 36
Imagem 14 Limite do caso de estudo a vermelho, com Est. da Portela ao centro, Qta. de Vilareal, Qta.
do Correio Mor, Areeiro do Salrreu e Qta. do Varatjo. Lev. Silva Pinto, 1904-1911. Fonte: Centro de
Cartografia da FAUL. .................................................................................................................................. 37
Imagem 15 - Casa da Qta. Correio Mor. Fonte: http://www.lisboasos.blogspot.pt/. 19/10/2014 ................ 37
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Imagem 16 Limite do caso de estudo a vermelho, Pote de gua, e Praa do Aeroporto. Carta de Lisboa,
1950 - 1955. Fonte: Centro de Cartografia da FAUL. ................................................................................. 38
Imagem 17 Limite do caso de estudo a vermelho. Carta Militar, escala 1: 100 000, 1978. Fonte: Centro
de Cartografia da FAUL. ............................................................................................................................. 38
Imagem 18 - Limite do caso de estudo a vermelho. Carta Militar, 1993. Fonte: Centro de Cartografia da
FAUL. .......................................................................................................................................................... 39
Imagem 19 Limite do caso de estudo a vermelho. Imagem de satlite, 2001. Fonte: Google Earth. ...... 40
Imagem 20 Limite do caso de estudo a vermelho. Imagem de satlite, 2012. Fonte: Google Earth. ...... 40
Imagem 21 - reas morfotipolgicas. Imagem de satlite modificada pelo autor. Google Earth. 19/1/2014.
.................................................................................................................................................................... 41
Imagem 22 Foto tirada de avio em 1968, Bairro da Bela Vista e Bairro da Qta. Do Narigo ainda
existentes. Fonte: http://biclaranja.blogs.sapo.pt/798925.html. 20/1/2014 ................................................. 42
Imagem 23 Planta de Qualificao do Espao Urbano. Planta de ordenamento, PDML 2012. Fonte: ... 43
Imagem 24 Horta oposta a habitao, de vedaes precrias e no talude da 2 Circular. Fonte: Autor.
12/12/2013 .................................................................................................................................................. 44
Imagem 25 Horta em espao devoluto contguo a habitao. Fonte: Autor 7/8/2013 ............................. 44
Imagem 26 Habitaes isoladas, rodeadas por espaos devolutos Fonte: Autor. 12/12/2013 ............... 45
Imagem 27 Habitao informal, apoiada nas paredes de armazns tambm precrios. Fonte: Autor.
12/12/2013 .................................................................................................................................................. 45
Imagem 28 Mapa temtico, ocupao funcional, Fonte: Autor ................................................................ 46
Imagem 29 - Mapa temtico, estado de conservao do edificado, Fonte: Autor ...................................... 47
imagem 30 - Mapa temtico, mtodos construtivos, Fonte: Autor .............................................................. 47
Imagem 31 - Mapa temtico, n de pisos e uso da cobertura, Fonte: Autor ............................................... 48
Imagem 32 - Mapa Sntese, Classificao arquitectnica, Fonte: Autor..................................................... 48
Imagem 34 Tabela com dados das Subseces da Diviso Censitria. Fonte: Autor ............................. 49
Imagem 33 Subseces da Diviso Censitria, sobre cartografia de suporte, modificada pelo autor.
Fonte: http://mapas.ine.pt/map.phtml. 22/1/2014........................................................................................ 50
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Glossrio de Acrnimos
ATL Actividades de tempos livres.
AUGI reas urbanas de gnese ilegal.
BIP/ZIP Programa de integrao socio-espacial, intervindo em bairros de interveno prioritria e zonas
de interveno prioritria.
CIAM Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna.
CML Cmara Municipal de Lisboa.
LNEC Laboratrio Nacional de Engenharia Civil.
MFA Movimento das foras armadas.
PDM Plano director municipal.
PER Programa especial de realojamento.
PLH Programa local de habitao.
PP Plano de pormenor.
PRODAC Associao de Produtividade de Auto Construo, instituio particular de solidariedade
social, extinta em 1983.
PU Plano de urbanizao
SGAL Sociedade gestora da Alta de Lisboa.
SWOT Termo ingls aglomerando as 4 palavras: Strengths/Foras; Weaknesses/Fraquezas,
Opportunities/Oportunidades e Threats /Ameaas; diagnstico utilizado na metodologia do planeamento,
de modo a salientar e contrapor caractersticas essenciais do objecto em estudo.
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Agradecimentos
Agradeo Professora Doutora Isabel Raposo, verdadeira bssola (orientadora) no processo
de desenvolvimento deste trabalho, sem a qual no seria possvel chegar a este ponto.
Tenho a sublinhar a incrvel dedicao, cuidado e disponibilidade, com a qual me presenteou.
Aos colegas, companheiros de interminveis noitadas em branco, redigindo relatrios finais, ou
desenhando alados de rua que no aparentavam ter fim.
Aos meus pais, que nos seus conselhos vrios encorajaram o bom trmino deste curso, face a
qualquer adversidade.
Ins, sem a qual nada faria sentido, nem teria sabor.
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XI
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Introduo
A presente dissertao visa contribuir para o desenvolvimento de um projecto de bases realistas,
apesar de acadmico, e subjacente a temas socio-espaciais complexos. A dissertao, mais do que ser
meramente reflectiva, dever permitir fabricar solues especficas aos problemas abordados, o que
requer uma metodologia de trabalho clara.
O caso de estudo
O caso de estudo no qual se desenvolver este projecto incide no Bairro S. Joo de Brito, na
freguesia de mesmo nome. Situado numa localizao perifrica da Lisboa oriental, de fluxos constantes
de trfego, automvel e areo, o Bairro configura uma pennsula delimitada pela via 2 Circular e pela
Avenida do Brasil, na proximidade com a pista de sentido Norte-Sul do Aeroporto da Portela. De
caractersticas muito heterogneas o Bairro inclui, a nascente, um aglomerado de habitaes
unifamiliares dispostas ao longo de arruamentos tpicos de uma rea urbana de gnese ilegal, sendo que
a poente se aglomera um conjunto de armazns, pequenas industrias e oficinas metalomecnicas, a par
de habitaes mais informais e de autoconstruo, num conjunto informal e espontneo; a sul deste
conjunto existe um talude inclinado na zona denominada de Pote de gua, antiga Quinta do Correio Mor,
frente ao Bairro da Boa Esperana; e no extremo poente formou-se um pequeno aglomerado de
habitaes, entre um palacete em runas, da Quinta, dita, do Alto, e a 2 Circular, ao longo do limite com o
complexo do LNEC.
Problemtica
Nos interstcios e limites da cidade convencional, formal e legal, estabelecem-se reas marcadas
por marginalizao e excluso socio-espacial. A resoluo dessas reas, ditas ilegais, clandestinas, ou
informais requer um processo especfico, desenvolvido e adaptado para cada uma.
Por vivermos presentemente um perodo de instabilidade financeira e poltica, torna-se mais
relevante a realizao de uma interveno delicada, contextualizada na sua componente socio-espacial.
Um empreendimento concebido para originar lucro para essas reas seria por certo autorizado num
perodo de crescimento econmico.
Neste perodo conturbado, requerem particular ateno e despertam particular interesse as
questes destas reas marginais, existindo nelas um maior desafio criatividade, e exigindo uma luta
constante contra a adversidade.
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No actual contexto, justificam-se medidas e programas de interveno local, e/ou fundamentadas
segundo uma metodologia participada (caso do oramento participativo), que permitem viabilizar a sua
execuo.
Objectivo
Embora este projecto tenha em conta uma componente social, um projecto de arquitectura,
escala urbana, cujo resultado final ser a formalizao de um processo conceptual. Visam-se resolver
problemas de ordem urbanstica e arquitectnica, paisagstica e infra-estrutural. As ferramentas legais e
oramentais ao dispor ditam que a margem de manobra seja diminuta, evitando-se o que no seja
estritamente necessrio. Procurar-se- uma situao de compromisso, que integre dimenses tcnicas,
sociais e artsticas.
Sendo limitada a liberdade de escolha conceptual, o objectivo final requer o recurso a uma
ferramenta de interveno urbanstica, a par e passo com uma interpretao que, inspirada pelo local,
contribua para a harmonizao do arquiplago desconexo e isolado em estudo e dos que o habitam, no
mar urbano que o envolve.
A ferramenta referida consistir numa interveno baseada quase exclusivamente na
reabilitao e melhoramento das condies existentes, crendo existir nessa aco um factor de maior
sustentabilidade da interveno, no somente econmico, ou mesmo ecolgico, mas prprio de todo um
processo que no descura das suas componentes sociais, integrando os residentes e tomando as suas
necessidades e anseios em considerao.
Ser da crena deste trabalho que de facto o melhor resultado possvel face resoluo da
problemtica apenas poderia provir do aproveitamento das caractersticas inatas do bairro em questo, e
que outro processo, envolvendo relocalizaes em massa, para outros locais e condies; seria um erro
lamentvel, como se salientar aquando do estudo mais aprofundado dessas questes.
Questo Base
A questo de investigao aqui formulada segundo as ponderaes principais suscitadas pelo
caso de estudo e subsequente projecto:
Como garantir que a soluo proposta resulte na melhoria das condies actuais?
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Metodologia
O primeiro passo para a compreenso da rea em estudo, o da visita ao local, e do
levantamento das suas caractersticas, com anotaes imediatas e levantamento fotogrfico, para
explicitao de problemas, bem como para possveis fotomontagens, representando solues.
Este primeiro reconhecimento do lugar permitiu desenhar o corpo terico e o tipo de casos de
referncia a pesquisar que sirvam de suporte ao projecto a desenvolver. Com as concluses retiradas da
reviso da literatura modelou-se o pensamento crtico, da compreenso da problemtica, nas suas
diversas componentes, assim como o que actualmente se pensa, conclui, e age, relativamente aos temas
propostos. Por outro lado, os casos de referncia permitiram reflectir sobre o processo de resoluo de
problemas, com aplicao em reas de caractersticas semelhantes s da interveno em causa.
A aplicao da teoria prtica concretizou-se na anlise do territrio em estudo, e num
subsequente diagnstico, tipo SWOT, que permite determinar, por um lado, as fraquezas e foras da
zona, como por outro formalizar um plano de aco adequado, de modo a revitalizar a zona, por conta
prpria, integrando-a sua envolvente.
Para a anlise do territrio procedeu-se ao levantamento cartogrfico, bem como dos planos em
vigor para a zona, a um inqurito ao edificado e ao espao pblico com base em fichas e a um
levantamento pormenorizado do local. O preenchimento dos inquritos permitiu a interaco com alguns
moradores, que contriburam com a partilha da sua vivncia do local e dos seus problemas. Com base
nesta informao, organizaram-se vrios mapas temticos que sintetizaram a informao relevante para
as intervenes propostas.
Previamente ao desenvolvimento projectual formularam-se princpios de interveno que
regessem as suas implicaes, divididos numa vertente relativa ao custo social, e outra integridade
conceptual. Depois formulou-se o plano de aco, onde se destacaram as intervenes prioritrias, seja
por escala ou for faseamento.
Relativamente ao mtodo aplicado ao desenho de solues projectuais, o processo normativo da
cascata de planos1, apenas se refere aos elementos mais complexos da proposta, como zonas de
proteco envolvente de infra-estruturas, ou de patrimnio classificado, e restries de servido; no
desenho de espaos pblicos tem de se ter em conta a localizao das infra-estruturas, e os propsitos
iniciais, de carcter mais estratgico. O desenho da proposta trata o todo pelas partes, bem como o
contrrio, sempre em constante interaco.
O desenho segue os princpios delineados no plano de aco, tomando particular relevo o
tratamento das intervenes ditas como prioritrias. So consideradas diferentes fases de implementao
1 Expresso explicitada na anlise, seguindo os diversos planos de ordenamento do territrio, suas normas e
indicaes, em ordem descendente, at que incidam na zona em questo.
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da proposta possibilitando uma viabilizao da sua concretizao, suportada nos diversos programas ou
entidades envolvidos.
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1. Da Cidade Jardim cidade funcional e aos novos princpios do urbanismo
Este captulo desenvolve-se segundo trs momentos relevantes para o estudo da questo base.
No primeiro momento explana-se o conceito de Cidade Jardim, como uma das reaces marcantes s
consequncias da revoluo industrial, explorando tambm as influncias que o mesmo movimento
deteve em geraes e teorias posteriores.
Num segundo perodo, aborda-se o advento do urbanismo moderno, e dos seus expoentes
mximos, presentes nos CIAM, em Le Corbusier, e na Carta de Atenas, explorando as qualidades da
cidade funcional, das suas precedncias e influncias futuras.
Por ltimo, ir rever-se a crtica cidade moderna, contrapondo as suas fragilidades riqueza e
complexidade da cidade tradicional, e apresentao daqueles que so os novos princpios do urbanismo.
Apesar de este captulo partir do ponto em que se operam as reaces cidade industrial, no
descurou de alguma pesquisa anterior a esse perodo, pela sua relevncia para a formao do
pensamento crtico.
Uma possvel comparao entre os arrabaldes extramuros, da lisboa do sc. XII, de onde se
contam a Judiaria, presente Alfama, e a Mouraria, pode ser feita em relao com as aglomeraes
perifricas informais das dcadas de 60 e 70 do sc. XX, sendo que essas zonas desprivilegiadas e
informais, durante sculos marginalizadas, so hoje foco de atraco turstica, e habitao jovem.
1.1 Ebenezer Howard e as Cidades Jardim2
De entre outros humanitrios, historiadores e projectistas, destaca-se aqui Ebenezer Howard,
ingls reprter de profisso, que introduz o tema da sua experincia na sua nica obra publicada, Garden
Cities of To-Morrow, de 1902, referindo o quo deplorvel era o fluxo de populao a deslocar-se para
2 Fontes:
Howard, Ebenezer. Garden cities of To-Morrow. Geral.
Jacobs, Jane. The Death and Life of Great American Cities. Introduo.
Choay, Franoise. Lurbanisme. Introduo, captulo 5, Lurbanisme naturaliste, Ebenezer Howard e captulo 8,
Anthropolis. Patrick Geddes.
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cidades j sobrelotadas, como Londres que compara a um tumor que alastra, ou um parasita que engole
a fora vital do meio rural. O autor perguntava-se, como seria possvel integrar as indstrias no meio
rural. Concluiu que nenhuma resoluo poderia ser implementada, sem que fossem oferecidas maiores
atraces do que as cidades ofereciam, e prope-se criar uma alternativa, urbana e rural, que
possusse as qualidades dos dois meios: a beleza e salubridade, baixas rendas, abundncia de sol e
gua do campo, adicionadas aos maiores salrios, locais de entretenimento, boas infra-estruturas e
interaco social da cidade.
A Cidade Jardim, a alternativa desenvolvida, teria origem numa rea agrcola, retida a crdito
por empreendedores, que seriam os fiadores dos futuros habitantes da cidade jardim. Constituem
objectivos base: Encontrar trabalho cujo salrio proporcionasse uma superior qualidade de vida, um meio
ambiente saudvel, e empregos mais estveis, para todo o tipo de profisso, sendo que os agricultores
beneficiariam dos mercados prximos da sua produo, e de facilidade de deslocao pessoal e de
produtos.
A Cidade Jardim, construda no centro de um terreno agrcola de 2 428ha, teria 404ha, ou 1/6 da
rea total, e planta circular, de 1134m de raio. O desenho sugestivo, indicava 6 alamedas com 40m de
largura, dividindo a cidade em 6 sectores triangulares, convergindo no centro da cidade, num jardim de
2.2ha, fornecido de gua, rodeado pelos principais edifcios pblicos, cmara municipal, teatro, biblioteca,
museu e hospital. O espao sobrante seria um parque pblico de 58m de largura, incluindo reas
recreativas de fcil acesso a todos os habitantes, rodeado por um pavilho de vidro, cuja funo seria
dividida entre mercado e jardim de inverno. A seguir ao parque central suceder-se-iam 5 avenidas
concntricas; a terceira com 140m, formaria um cinturo verde onde ficariam as escolas, e igrejas ou
templos. A avenida dividiria a rea habitacional num cinturo interior, e outro exterior, dispondo-se as
habitaes em anis concntricos, ou alinhadas com as alamedas e avenidas, todas elas arborizadas,
num total de 5 500 lotes para edificao, com cerca de 6.6 por 42m de largura.
Imagem 1 Diagrama da Cidade Jardim rodeada pelo cinturo agrcola, e 1 sector do centro urbano e suas
caractersticas. Fonte: Howard, Ebenezer. Garden cities of To-Morrow. The MIT Press. Faber and Faber Ltd.. 1965.
10/11/2013
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A populao da cidade perfaria 30 000 habitantes, mais 2 000 que estariam dispersos nos
terrenos agrcolas. No anel exterior da cidade funcionariam fbricas, armazns, mercados e estaleiros,
todos limtrofes linha de caminho-de-ferro que rodearia a cidade, que estaria ligada s linhas nacionais
mais prximas, proporcionando modo de carga e descarga dos bens para mercados exteriores cidade,
poupando deslocaes, e o aumento de trnsito rodovirio pesado na cidade.
A receita pblica da Cidade Jardim proviria das rendas e dos juros da compra dos terrenos, a
pagar por todos os habitantes da municipalidade e permitiria construir e manter todas as obras
municipais, bem como providenciar um excedente destinado a penses ou seguros de invalidez e
doena. As mais-valias, derivadas da transformao de terrenos agrcolas em terrenos urbanos de valor
considervel, foram previstas de tal modo que aps pago o capital inicial aos fiadores, e os juros
derivados do mesmo, ficassem sob controlo do municpio, sendo um factor de atraco da Cidade Jardim,
j que, se a renda viesse a subir, a receita derivada, propriedade do municpio, seria utilizada de modo a
diminuir as taxas de imposto subsequentes.
O conceito de Cidade Jardim considerado pelo autor como uma experincia social, nos
aspectos que a definem como comunidade autnoma, de municipalidade desenvolvida, de bens, posses,
e direitos comuns, ou da posse do solo e sua utilizao, mediante uma diminuta contribuio. Tal como
no comunismo, as estradas, parques, bibliotecas e museus eram comuns, mas na Cidade Jardim no
seria negada a liberdade individual, ou proibidas as ambies pessoais, que seriam uma contribuio
para a comunidade, compreendendo que os seus esforos, conscientemente unificados, conseguiriam
produzir resultados mais satisfatrios que os mesmos indivduos isolados.
Previa-se tambm o crescimento da Cidade Jardim. O diagrama inicial desenvolver-se-ia, com a
adio de outras cidades jardim, culminando numa Cidade Central de 58 000 habitantes, de esquema e
funcionamento semelhante, mas proporcionalmente maior, rodeada de cidades jardins menores, com a
mdia de 32 000 habitantes; todas unidas entre si pela rede de caminhos-de-ferro perifrica numa
circunferncia de 32 km de permetro.
Howard imaginou o seu sonho escala nacional, num cenrio de xodo urbano, por atraco
das Cidades Jardins. Nas cidades implicadas, sem excesso de populao, cairia o preo das rendas, o
que resultaria em oferta de habitao para classes desprivilegiadas que nas cidades industriais viviam em
bairros informais nos limtrofes da cidade, obrigados a pagar pela sua deslocao ao centro, desprovidos
de confortos. Os bairros mais informais seriam assim demolidos, de modo a prover a cidade de parques e
jardins, desafogando, embelezando, e provendo as anteriores cidades sufocadas de um mais alto nvel
de qualidade de vida.
A experincia de Howard vista por vrios autores como mais uma utopia social, apesar do
prprio ter participado no processo de construo, de duas cidades jardim, com algumas mudanas sua
ideia original. A autora canadiana Jane Jacobs refere que como em todas as outras utopias cabe ao
planeador a liberdade de escolha no processo de planeamento, restringindo-se o habitante comum
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resignao, j o americano Natham Glazer seria mais severo, ao considerar a proposta de Howard como
um saudosismo reinterpretado da tipologia do feudo senhorial, sendo a habitao apalaada substituda
aqui pelo centro comunitrio, com algumas indstrias escondidas atrs de uma linha de rvores, de modo
a proporcionar emprego.
De facto as cidades de Letchworth, desenhada em 1904, por Raymond Unwin, e a posterior
Welwyn, haviam sido comprometidas face ao sistema de posse cooperativa original, com rendas baixas a
longo prazo. Os arquitectos contratados no partilhavam da mesma viso de simetria do autor, seguindo
um desenho mais orgnico. Tambm as habitaes no eram baratas o suficiente para a classe
operria. Mesmo assim, os cintures verdes foram efectuados, e os princpios urbansticos seguidos,
atraindo uma classe mdia especializada, e produtores ou fornecedores, atrados pelas rendas baixas.
Deste modo as duas cidades tornaram-se rentveis dentro de uma dcada.
O contributo mais relevante do movimento das cidades jardim veio a ser confirmado, no s
pelos seus empreendimentos, mais ou menos bem-sucedidos, mas nas subsequentes teorias,
movimentos, autores e arquitectos que influenciou e inspirou. Inscrevem-se nesta categoria:
O Movimento Novas Cidades, New Town Movement, contextualizou temporal, e legislativamente
as ideias de Howard. Tendo origem no grupo dos New Townsmen, liderado por F.J. Osborn, props a
construo de 100 novas cidades, das quais 28 foram finalizadas. Um sucesso, dado o trmino da 1
Guerra Mundial, e a necessidade de habitao que prevaleceu na escolha por subrbios econmicos e
de boa construo, durando por 2 dcadas. S mais tarde se colocou a hiptese de novas cidades
autnomas, capazes de descentralizar grandes reas metropolitanas, e assegurar um sustentvel local
de indstria.
O escocs Patrick Geddes, aplicou os princpios da cidade jardim a largos territrios, como Tel
Aviv, em 1925, gerando uma estratgia regional, e props a criao de conceitos como o das
conurbaes, designando as aglomeraes urbanas que invadiam uma regio pela influncia atractiva de
uma grande cidade. O seu contributo espelhava-se no seu empenho pelas causas sociais, observadas de
perto, e na habilidade em transforma-las em solues prticas para o desenho de cidades.
O historiador americano Lewis Mumford influenciado por Ebenezer e Geddes, reinterpretando
os conceitos, na repetio de baixa densidade construtiva e na predominncia de espaos ajardinados,
numa viso do futuro suburbano americano, defendida ao longo dos anos 1920s, conjuntamente com
Clarence Stein, Henry Wright, e Catherine Bauer. Chamando-se a si mesmos os descentristas, do acto
de descentralizar, ganharam relevo face ao governo americano, influenciando as suas polticas de
planeamento urbano.
A par das influncias do movimento das Cidades Jardim, mas inserido na modernidade, surge
um novo modelo naturalista, com algum suporte utpico, que influenciou a viso de futuros pensadores e
transformadores do espao urbano, a Broadacre City, criao do arquitecto americano Frank Lloyd
Wright, que, sob a forma de maquete, exps a ideia deambulatoriamente pela nao. O conceito teve
origem no livro The Disappearing City de 1932, tendo resultado nos princpios defendidos com Broadacre
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City, opostos cidade industrial, acusada de alienar o indivduo, afirmando-se pelo contacto com a
natureza enquanto modo de desenvolvimento da pessoa como totalidade, ao devolver o homem a si
mesmo, pressupostos iniciados com as Cidades Jardim.
Imagem 2 - Broadacre City, perspectiva.
Wright defende nesta cidade o sentido no-poltico da democracia, onde cada um pode agir
sua vontade, contemplando o ideal do estado social democrtico. A noo da cidade que desenvolveu
dissolve a megalpolis, assim como a noo de cidade em geral. A natureza volta a ser um meio
contnuo, no qual todas as funes urbanas esto dispersas e isoladas em unidades reduzidas. O
alojamento individual, no existindo apartamentos mas casas particulares, cada uma com pelo menos 4
acres, 4046 m2 de terreno, que so utilizados para a agricultura, e lazeres diversos. O trabalho estaria
perto do alojamento, sob forma de pequenos centros de escritrios, oficinas e laboratrios. As unidades
industriais ou comerciais so reduzidas, destinadas a um mnimo de pessoas, e os centros hospitalares
ou culturais esto ligados entre si por uma extensa rede de ligaes terrenas e areas.
O espao destinado a Broadacre City no particularizado, a natureza deveria ser conservada
com todos os seus acidentes, contribuindo para a unicidade dos edifcios. O melhor seguidor do modelo
naturalista foi Alvar Aalto, que admite ter apenas sido bem-sucedido, em aglomerados de menor
dimenso.
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1.2 Dos CIAM Carta de Atenas e Le Corbusier3
A cidade funcional referida neste captulo precedida pela viso do acadmico francs Tony
Garnier, que sugeria um compromisso visionrio, igualmente influenciador nas suas componentes sociais
e formais, ao publicar em 1904-1918, Une Cit Industrielle, este antecipava alm de reaco s
consequncias nefastas da revoluo industrial, e xodo rural, resolues projectuais viveis, depois
aplicadas na cidade funcional, como a diviso de funes e linguagem formal.
A Cidade Industrial situava-se prxima da cidade de Lyon, em terreno declivoso e com presena
de gua de modo a proporcionar energia hidroelctrica, bem como acessos fluviais. O plano consideraria
os aspectos de uma cidade socialista, separada em diferentes zonas, cada uma com a sua funo
especfica. As zonas, residenciais, industriais, pblicas e agrcolas, estavam interligadas por acessos
virios, pesados, ligeiros e pedonais. A zona pblica, com edifcios governamentais, museus e estruturas
de desporto e lazer, estavam dispostas ao longo do planalto de modo semelhante acrpole helnica,
sendo o restante da proposta da tradio das belas-artes.
Imagem 3 - Perspectiva da Cidade Industrial, 1. Zona Pblica, 2. Residencial, 3. Barragem, 4. Industria. Fonte: http://www.mediaarchitecture.at/architekturtheorie/broadacre_city/frank_lloyd_wright_1958_the_living_city_6l.jpg
A zona residencial estava disposta de modo a aproveitar melhor o sol e vista, teria tipologias de
1 e 2 pisos, aleatoriamente dispostas nos quarteires, separadas por zonas ajardinas e percursos
pedonais, de maneira a que a dinmica e diversidade quase chegavam a destruir a viso de um
quarteiro contnuo, no fossem as habitaes resultantes dos mesmos elementos pr-definidos,
3 Fontes:
Lamas, Jos. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Captulos 4.2, 4.3 e 5.6
Jacobs, Jane. The Death and Life of Great American Cities. Introduo.
Choay, Franoise. Lurbanisme. Introduo, Lurbanisme en question e captulo 4, Le Corbusier.
2.
1.
3.
4.
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alinhados com as vias. Tal diferenciao e heterogeneidade eram inditas a essa escala, podendo ter
influenciado posteriormente Wright como sugere Franoise Choay. Tambm era indita a experincia de
disposio de habitaes de todas as classes igualitariamente pelo tecido, uni, plurifamiliares, e
colectivas tambm, diferenciadas somente pela sua rea ocupada. O plano no previa prises,
verdadeiros hospitais, ou tribunais, sendo essa a componente utpica, na qual Garnier se suportava, para
justificar a sua inutilidade, face cidade socialista de 35 000 habitantes.
Posteriormente, dois eventos, o concurso para a Sociedade das Naes, de 1928, e a exposio
de arquitectura de Stuttgart, 1929, vieram a permitir a comparao de mtodos e objectivos com que
muitos tcnicos e especialistas trabalhavam, em diferentes pases; nascendo ento a ideia de criao de
uma associao profissional, unificando os arquitectos que partilhavam os mesmos ideais modernos,
formando assim os Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna, ou CIAM.
Nos seguintes 11 congressos, compararam-se experincias realizadas, aprofundando os
problemas tratados e apresentando as solues ao pblico. Existiam nos congressos, uma viso interna,
apaixonada e por vezes contraditria, resultando na discusso dos intervenientes, na reflexo das suas
tendncias, sensibilidades e posies; e uma externa, para conhecimento pblico e divulgao dos ideais
comuns, numa exposio clara, consensual, mas redutora. sobre esta ltima vertente que se efectua o
balano dos CIAM, pois foram essas concluses, recomendaes, e textos produzidos, que viriam a
influenciar a arquitectura e o urbanismo.
Os primeiros congressos concentraram-se na habitao, onde exemplar Walter Gropius,
relativamente s regras de implantao e afastamento de edifcios, e as relaes entre altura e densidade
habitacional. Os debates foram sendo ampliados sucessivamente no campo de estudo, at ao congresso
de 1933, num cruzeiro ao largo de Atenas, onde se redigiu a carta de mesmo nome; que viria a influenciar
o urbanismo por dcadas posteriores.
Os princpios presentes na Carta vieram assumir os pressupostos de uma cidade moderna e
funcionalista. Definiram as suas quatro funes principais como chaves do urbanismo: habitar, trabalhar,
recrear-se, e circular. Tais chaves ocupariam reas especficas, sendo a residencial a que ocupava o
lugar principal no urbanismo; enquanto a circulao deveria organizar a cidade existente, constituda por
vias hierarquizadas, privilegiando a deslocao, sendo os percursos automveis e pedonais separados. O
defendido ia contra a cidade tradicional, e a sua promiscuidade funcional, bem como com a sua
morfologia; sendo a rua e o quarteiro os elementos mais revistos. O abandono da rua tradicional visava
atingir as caractersticas no edificado residencial, para o qual os arquitectos haviam investido tanta
experimentao, devendo este estar orientado de modo sempre igual em relao ao sol. O quarteiro,
como com o seu elemento constituinte, seria igualmente substitudo, representando ganhos significativos
de solo pblico.
A cidade antiga seria vista como expresso de uma cultura anterior, correspondente a um
interesse geral. Sugerindo-se que no haveria motivo para conservao ou reabilitao de centros
histricos, salvo pela presena de edifcios, isolados ou conjuntos, marcantes. As necessidades do
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urbanismo moderno repercutiram-se politicamente, onde a disponibilidade do solo para fins pblicos, viria
em detrimento da propriedade privada. Assim a modernidade o exigia, com a sua morfologia a implicar a
colectividade mxima dos seus habitantes. Com fim a deter propriedade, o loteamento posto de lado,
completando assim a ruptura com a urbanstica tradicional, alterando a forma, e uso, da cidade.
A morfologia defendida na Carta ir influenciar o perodo ps-guerra de 1945, sendo incorrecto
argumentar essa como a nica razo dos malefcios das intervenes urbansticas desse perodo. No
possvel que todas as propostas da Carta, tenham sido aceites ou realizadas, reconhecendo-se no
entanto as suas mais repetidas consequncias: as concluses relativas a alojamento mnimo resultaram
na redaco de regulamentos ou habitao social de m qualidade; a utilizao das formas urbanas
racionalizadas, de edifcios altos e espaados resultou em conjuntos edificados sem vida ou identidade
prpria; a organizao mono funcional, das zonas da cidade, provocou perda residencial em zonas
centrais, retirando a vida e animao s mesmas, conferindo monotonia e problemas sociais nas zonas
residenciais; a sistematizao de movimentos pendulares da populao, dada a distncia residncia-
trabalho, originou extensos congestionamentos. Alguns, seno todos os problemas aqui descritos, vieram
a manchar a reputao da mais fiel interpretao da Carta, Braslia.
A Carta de Atenas teve por seu maior defensor Charles Jeanneret, que acabou por ser o mesmo
a redigir e publicar a verso final, 8 anos aps inicialmente redigida no 4 CIAM. Alguns princpios da
Carta j tinham sido introduzidos pelo arquitecto ao grupo, com a exposio dos seus mais conhecidos
ensaios urbansticos, a Ville Contemporaine, de 1922, o Plano Voisin, para paris, de 1925, e a Ville
Radieuse, de 1930.
Nos seus ensaios reconhecia-se a emergncia do uso automvel em massa, realizando desse
modo todas as deslocaes necessrias, remetendo o peo para as zonas de lazer, predominantemente
verdes e de enquadramento ao edificado, e perfeitamente desligadas da rede viria. Os edifcios estariam
dispostos em funo do seu eixo heliotrmico, fazendo uso da sua altura, repetio de elementos
constituintes, como reentrncias e salincias na fachada, coberturas ajardinadas, ou de outro modo
funcionais, e libertao da rea de implantao no solo, mediante a utilizao de pilotis.
O zonamento funcional era literalmente aplicado generalidade do plano, e os edifcios
habitacionais retinham apenas equipamentos elementares. No plano Voisin pode-se presenciar a
inflexibilidade das regras aplicadas, existindo pouca relao ou continuidade com a restante cidade,
sobrevivendo resoluo de: planta rasa, somente os monumentos, escolhidos criteriosamente pelas
suas valncias estticas e culturais, e posteriormente deixados a repousar em parques ajardinados,
privados de envolvente edificada.
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Arquiplago Urbano: Qualificao de reas urbanas crticas: o caso do Bairro S. Joo de Brito
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Imagem 4 - Ville Radieuse, perspectiva. Fonte: http://architectuul.com/architecture/ville-contemporaine, 10/1/2014
Por ltimo, com uma densidade habitacional ideal, atingida aos 1.200 habitantes por 4 046m2,
possibilitando assim que 95% do solo permanece-se livre, adiciona-se utopia fsica a utopia social, onde
a suposta liberdade conferida, era apenas relativa a responsabilidades ou pertenas, no havendo de
resto liberdade para muito mais. No entanto, como refere Jane Jacobs, a simplicidade, e qualidade
ordeira e racional do espao, demoveu polticos e planeadores posteriores, aceitando planos ou projectos
que detivessem essas qualidades, como algo que certamente faria parte de uma cidade eficaz.
1.3 Crticas Cidade Moderna, e novos princpios de urbanismo4
Parte da reputao conferida a Jane Jacobs derivada da sua obra, A Morte e a Vida das
Grandes Cidades Americanas, de 1961, apresentando nela as suas crticas cidade moderna, onde
defende um modo de existncia plenamente urbano, apologista da megalpolis em detrimento dos
subrbios e cidades provincianas. Apesar do seu modo de crtica apaixonado, as suas vises baseiam-se
numa pesquisa sociolgica profunda, inspirando uma nova corrente, pr-urbana, que veio provir de
melhoramentos algumas grandes cidades americanas.
De entre as crticas e princpios, em defesa da cidade com via a proporcionar um melhor
aproveitamento da mesma, destacam-se os seguintes:
Refere que na segurana das ruas que constituir parte da sua atraco pelos pees. Destaca
trs principais caractersticas, como a demarcao clara, entre espao pblico e privado; ou a natural e
4 Fontes:
Choay, Franoise. Lurbanisme. Lurbanisme en question e Captulo 8, Anthropolis, Jane Jacobs.
Jacobs, Jane. The Death and Life of Great American Cities. Geral.
Lamas, Jos. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Captulo 6.2, As crticas tericas cidade moderna.
Ascher, Franois. Novos princpios do urbanismo. Geral.
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permanente vigilncia da rua pelos donos das propriedades contguas, no devendo estes edificados
serem implantados longe, ou sem orientao face mesma rua a que pertencem; por ltimo os passeios
devem ser contnuos, e no substitudos por outras tipologias de espao publico, mais fechadas ou
exclusivas, promovendo assim a vida e actividade da rua.
A rua deveria de ter alguma atraco em si, consistindo em mais do que um corredor,
preferenciando a presena de lojas, bares, restaurantes, e espaos pblicos diferenciados. Tambm seria
proveitoso que alguns se mantivessem abertos de noite, promovendo vida e actividade nocturna,
conferindo segurana nesse perodo por norma inseguro. Esta actividade chamaria utilizadores do
espao, residentes ou no, para usarem as caladas em que se situam, e atrairiam o trfego para lugares
que no possuem atractivos prprios, tornando assim a rua num local de passagem vivo. Em terceiro, os
lojistas e proprietrios de negcios, so os principais defensores da qualidade do espao, tentando
aprazer os seus clientes, e evitando assim o uso indevido da rua. Por ltimo sugere-se que a prpria
actividade um factor de atraco, chamando outras pessoas a percorrem um espao vivido.
O factor de atraco, proveniente da presena de outras pessoas menosprezado pelos
urbanistas e arquitectos normalmente, persistindo estes na ideia de que a atraco numa cidade haveria
de ser precisamente a contrria, a procura pelo vazio, o calmo e ordeiro. Tal latente no facto dos
tcnicos naturalmente simplificarem os desejos do cidado comum, desprezando a sua imprevisvel
multiplicidade.
Jacobs defende a persistncia dos cidados urbanos ao deambularem e passar muito do seu
tempo em lugares mais activos e colectivos, residindo nos contactos fortuitos e pblicos, geralmente
espontneos, muito do que motiva o sentimento de personalidade colectiva, e clima de respeito e
confiana cuja falta seria uma grave falha para a rua, mas que talvez felizmente, no pode ser
constitucionalizada.
Uma das qualidades apreciadas pela autora, a dos assuntos individuais, ou familiares, serem
somente do conhecimento de alguns mais prximos. Argumentando que nem a privacidade mantida
pela orientao de fachadas e vos, nem o companheirismo e vizinhana estabelecido pela
proximidade fsica efectiva. Tal da exclusiva competncia dos habitantes, e das relaes que estes, na
sua mentalidade, vem ser desejvel, ou no.
Relativamente s crianas, tender-se-ia a mante-las longe da rua na cidade moderna,
considerada inapta para as receber nas suas actividades ou educao, preferindo-se que as suas
actividades no exterior, se relocalizem em parques urbanos ou de jogos, mais longnquos, onde ao
menos teriam espao e equipamentos apropriados. No entanto a autora refere o crescente caso de
delinquncia juvenil, presente nos ditos parques, derivando que tal acontece por estes estarem a agir
sem conhecimento dos seus pais, e que, estando os primeiros na rua em frente de sua casa, poderiam
ser mantidos sob vigilncia, aumentando assim a sua proteco e educao operada na rua, onde se
conseguiria fazer uso da sua vivncia do espao pblico, da cidade viva e das suas experincias, crendo
a autora, que tal resultaria em pessoas mais ss.
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Jacobs tambm crtica face existncia dos parques urbanos, remetendo-os para o abstracto
desejo dos urbanistas, de prover os seus cidados com espaos de lazer. Referindo que os espaos
bem-sucedidos na sua utilizao, no so os impostos cidade, segmentando esta, fsica e
utilitariamente, mas sim aqueles que providenciam ainda mais actividades, em continuidade da cidade
que os envolve.
Os parques e jardins, em continuao da ideia referida antes, poderiam constituir de facto mais
um elemento de atraco de um bairro, somente se este bairro j detivesse em si algum poder de
atraco, pois se tal no acontecesse, a realizao de um parque apenas acentuaria o seu tdio,
insegurana e vazio.
O zonamento referido por Jacobs como um mal intencional, a ser evitado de futuro. Refere
com essa ideia o caso de Boston, onde a sada das suas principais instituies de carcter artstico e
cultural, do centro para uma localizao mais perifrica, resultou no eventual declnio da cidade enquanto
entidade cultural, e que a falta de mistura nas funes primrias do seu centro e privao das suas
funes nocturnas, relativas a entretenimento, em muito desfavoreceu a cidade no seu todo.
Imagem 5 - Boston, North End, ou Little Italy, caso recorrente de Jacobs. Fonte:
http://beersandbeans.com/wp-content/uploads/2011/06/little-italy-boston-hdr-editedsmallerforbnb-1024x683.jpg
A autora v tambm nas cidades satlite, uma fraqueza inerente ao crescimento da rea
metropolitana em redor das mesmas, que eventualmente as envolver, submergindo-as na economia
complexa de uma entidade em tudo maior e mais complexa, que far perder a sua unicidade e
identidade. De semelhante mal padecem as cidades jardim, referindo que a natureza da vida e sociedade
norte-americana eminentemente urbana, no devendo tal ser alvo de vergonha ou repdio, ao custo de
toda a paisagem campestre nacional, num intuito suburbano que consome cerca de 1214 h por dia, na
poca contempornea autora.
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A autora no v o automvel como uma ameaa vida e funcionamento da cidade, antes o
pensa como um elemento necessrio diversidade e utilizao da cidade, que deveria ser
equilibradamente proposto a par do peo.
Por ltimo refere que a qualidade esttica da cidade no deveria nunca de tentar vir a ser obtida
em detrimento da sua vitalidade. Uma cidade no pode ser tratada do mesmo modo que um arquitecto
trata um edifcio, nem do modo como uma artista desenvolve a sua viso nica, mas limitada, do mundo.
No reside a a beleza da cidade, sendo que o nico modo de a controlar, ou incrementar, ser no
aproveitamento da sua vitalidade e diversidade, que deveria de ser protegida e motivada, de modo a
prevalecer sob qualquer outro intuito ou viso, individual ou colectivo.
Franois Ascher, na sua obra aclamada de 2008, os Novos Princpios do Urbanismo, considera a
poca actual, nas suas diversas vertentes relevantes ao urbanismo, denotando a evoluo entretanto
ocorrida: nas tecnologias, novos modos de agir e pensar, nas relaes sociais, a mudana na prpria
escala e natureza dos desafios colectivos. Conclui ser necessria a qualificao de um novo momento no
urbanismo, a que chama de neo-urbanismo, derivado dos momentos anteriores por ele igualmente
classificados, do paleourbanismo, referente gnese da disciplina, e anterior ao seu estabelecimento,
equiparvel ao perodo que Franoise Choay chamou de pr-urbanismo, e do urbanismo propriamente
dito, a que a anterior autora subdividiu nas suas correntes mais distintas.
O autor pondera uma actualizao das categorias que estavam posteriormente no mbito da
concepo das cidades, apontando 10 desafios principais na procura pela optimizao e melhoramento
da cidade, tentando de seguida dar-lhes resposta:
1. A primeira questo visa a anterior definio do urbanismo moderno relativamente a programas
a longo prazo para a cidade, desenvolvendo de seguida planos urbanos que receberiam as realidades
futuras, reduzindo assim a incerteza na realizao de um projecto de conjunto.
Neste ponto o neo-urbanismo seria reflexivo, adaptando-se a uma sociedade complexa, de
futuro incerto, visando mltiplos projectos de natureza variada, esforando-se por os tornar coerentes e
delineando uma tramitao estratgica para a sua aplicao conjunta. Deveria de rever todo o processo
face inevitvel mutao e evoluo das suas diversas componentes, tendo um comportamento mais
pragmtico, estratgico, e oportunista, possibilitando avanos, recuos, bem como transposies de
escalas e interesses.
O projecto seria mais do que uma pea grfica e escrita, devendo comportar as novas
dimenses projectuais, como os diversos actores envolvidos, circunstancias e acontecimentos. O neo-
urbanismo substituiria a anterior cronologia linear, prpria do planeamento e gesto, por elementos
projectuais apropriados nova realidade, que fossem incrementais, ou recorrentes, e onde cada passo
percorrido era derivado do anterior, alimentando a realizao do prximo atravs de feedback.
2. O urbanismo moderno visava a realizao dos seus projectos atravs de regras imperativas e
estveis, como o zonamento, crceas, ou densidades construtiva. Fixando de igual modo os objectivos e
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a forma de os obter. O neo-urbanismo deveria privilegiar os objectivos, sem menosprezar a sua
realizao, encorajando os diversos actores a encontrarem as modalidades para a mesma. Para que tal
acontecesse seria necessrio uma mudana na formulao projectual e regulamentar, bem como um
novo mtodo de qualificar e quantificar as caractersticas de um dado local, o seu contexto, ambiente,
disponibilidade de equipamentos e servios. Esta necessidade cresceu devido s actuais exigncias
qualitativas, diversidade de territrios, e prticas urbanas.
Seria exigvel deste urbanismo de desempenho, a produo de normas facilitadoras e restritivas,
viabilizando a execuo, sem menosprezar a sua realizao especializada, que seria fruto de
competncias tcnicas e profissionais muito mais elaboradas, do que as no activo.
3. O urbanismo moderno procurava melhorar o seu desempenho atravs de economias de
escala, simplificando e repetindo funes urbanas, bem como pela sua afectao a espaos reservados,
utilizando como ferramenta o zonamento, ou as grandes urbanizaes.
No neo-urbanismo aspirasse a integrao de novos modelos de produtividade e de gesto,
fazendo uso de recentes tecnologias de informao e comunicao, sendo que a sua obteno proveria
mais da variedade, flexibilidade e reactividade, pondo de parte solues nicas e mono funcionais,
privilegiando as economias de variedade, mais do que as de escala.
O anterior ponto sugere uma maior variedade funcional nas cidades, potenciando
multicentralidades servidas de uma rede de acessibilidade eficaz, que estabeleam intermodalidade dos
transportes, e dos locais onde tal seja viabilizado. Tambm a estas prticas no urbanismo se deveria de
acrescentar a potencialidade das tecnologias da informao e comunicao, devido s mltiplas vertentes
com que poderiam acrescer ao funcionamento de futuros projectos.
4. O urbanismo, mais uma vez moderno, dava maior destaque a solues permanentes,
colectivas, e contnuas, derivao natural da procura crescente por habitao, transporte, entre outros,
que era correspondida por meio da produo em massa e repetitiva de servios, minimizando assim os
custos totais.
No neo-urbanismo os servios deveriam contemplar o processo de individualizao patente nas
sociedades, sendo que natural multiplicidade de necessidades deveria de corresponder uma maior
variedade e personalizao de solues. Semelhante processo obriga o desenvolvimento de redes e
sistemas tcnicos complexos. Alguns servios manter-se-iam ainda colectivos, sendo que na mobilidade
por exemplo se deveria de providenciar cada vez mais opes possveis, baseadas em informao
disponibilizada a todos, em tempo real.
5. No urbanismo moderno a cidade conferia a responsabilidade dos seus espaos pblicos,
equipamentos, e infra-estruturas ao pblico, reservando as superstruturas ao privado.
No neo-urbanismo as intervenes na cidade, cada vez mais so derivadas de concesses, e
parcerias pblico-privadas. Mesmo de um ponto de vista jurdico os estatutos so cada vez menos
homogneos e indiferenciados, contribuindo as novas tecnologias no fornecimento de servios
anteriormente sempre a cargo de entidades pblicas, como no caso de abastecimento de gua e
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Arquiplago Urbano: Qualificao de reas urbanas crticas: o caso do Bairro S. Joo de Brito
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electricidade. Tambm as tecnologias de informao e comunicao transferem uma realidade fsica,
esttica, para uma outra virtual, flexvel e actualmente por explorar, sendo desejvel providenciar espaos
sociais, e funcionais, que abordem esse novo modo de estar.
6. O urbanismo moderno visou a legitimidade das suas aces com via a dar resposta a
interesses colectivos, considerados sempre como sendo superiores aos interesses individuais.
Tal no necessrio no neo-urbanismo, onde a nova sociedade capaz de uma representao
virtual, assume uma multiplicidade de interesses incalculvel, e inviabiliza os anteriores quadros que
visavam propostas de interesse geral e comum, resultando em que o processo de tomada de decises
tenha de ser necessariamente co-produzido pelos seus intervenientes, conferindo-lhes um autntico
carcter de interesse geral. A participao ganha assim relevo, modificando a natureza da interveno
por parte dos peritos e profissionais. O neo-urbanismo privilegiaria assim, a negociao e os
compromissos, relativos aplicao de uma regra maioritria.
7. Foram os poderes pblicos que aplicaram o urbanismo moderno, assegurando no processo a
aplicao de leis e regulamentos, no mbito de provir as necessidades gerais, essa administrao
baseava-se no controlo e proibio, a par da aplicao de solues, tendendo necessariamente a negar
as especificidades nicas da cidade.
Seria foroso que o neo-urbanismo trabalha-se os problemas caso a caso, acabando por
encontrar solues especficas a cada situao, e na acumulao da sua experiencia e tcnica, no
deveria resultar uma aplicao repetitiva de solues encontradas, mas antes que adapta-se os seus
conhecimentos a prximos problemas, de contexto diferente e incerto.
Seria preferida a regulao administrao, estipulando procedimentos para que outros actores
que no os pblicos, possam agir em seu prprio benefcio, sendo assim modificada a aco dos
primeiros, de modo a avaliarem e corrigirem, e no caso provvel de incorreco, de sancionarem as
aces, tal necessita de uma reviso dos poderes pblicos.
8. Mais uma vez o urbanismo moderno se esforou por generalizar as suas ideias e ideais, neste
caso relativamente sua morfologia, bem como arquitectura defendida, de ideologia funcionalista,
operando por vezes em zonas amplas de territrio, perfazendo concepes globais da cidade,
formalizando necessariamente uma noo de patrimnio, protegendo valores anteriores dessas mesmas
operaes.
Mais uma vez o neo-urbanismo apoiar-se-ia na complexidade e multiplicidade natural da cidade,
propondo uma ampla gama de ambientes e formas, arquitectnicos e urbanos. Providenciaria assim
combinaes variadas de qualidades urbanas, fazendo uso das tipologias mais vernaculares e
tradicionais, a par das mais recentes experiencias arquitectnicas. Procederia tambm a uma
patrimonializao do edificado existente, utilizando as dinmicas de mercado de modo a conservar a
cidade histrica.
9. O urbanismo moderno desenvolveu-se com um funcionalismo bastante elementar, quer devido
as suas escolhas funcionais, quer pelas formas que lhes deveriam dar resposta.
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O neo-urbanismo desenvolveria uma abordagem funcional sensvel, face complexidade e
variedade de prticas urbanas, correspondendo com as suas solues do modo mais multifuncional o
possvel; confrontado com padres de utilizao mais exigentes, face competio transversal de
espaos de diferentes naturezas, deveria de evoluir na sua interpretao do espao, oferecendo aos
espaos exteriores qualidades e servios que anteriormente apenas eram providenciados em espaos
interiores.
Tambm deveria de trabalhar com todos os sentidos, afectados pelas possveis intervenes,
no somente com o olhar, tal opo no somente tornaria as cidades mais atraentes e confortveis, como
permitiriam uma superior incluso social de pessoas que sofram de deficincias sensoriais.
10. O urbanismo moderno necessitou de modos de governo firmes, por vezes inflexveis,
capazes de imporem regras, e de as fazerem respeitar, mas que tambm influenciavam as mudanas
comportamentais, de modo voluntrio, tal sendo possvel atravs do assentamento da autoridade em
apoios sociais locais, como as escolas, igrejas ou comrcio.
J com o neo-urbanismo, o mesmo confrontado com diversos grupos sociais diferenciados,
equivalentes a territrios da cidade heterogneos, de fortes componentes associativas. Deve apoiar-se
em lgicas econmicas privadas, diferindo em muito da maneira de agir pblica, obriga tambm desse
modo a novas formas de realizao de decises pblicas, que permitam a consulta de habitantes e
envolvidos, peritos variados a diferentes estgios da tomada de deciso.
O governo urbano seria assim substitudo pelas associaes urbanas na realizao de decises
pblicas. Tal obrigaria a mudanas na forma democrtica de representao dos cidados, em crescente
individualizao, tornando todo o processo mais prximo e directo. Do contraponto gerado poderiam advir
novas desigualdades sociais, agravando-se estas, sem que fosse adquirida a conscincia de que
estariam juntos numa situao ou deciso, no entanto o debate democrtico com via a gerir a cidade
poderia desenvolver um novo sentido de solidariedade reflexiva, transversal a todas as escalas.
Concluindo poder-se- referir que o neo-urbanismo : 1 - Um organizador de dispositivos, sendo
que so os mesmos a elaborar, discutir e fazer evoluir os planos necessrios. 2 - Reflexivo, sendo que os
conhecimentos e informaes precedem de facto toda e qualquer aco tomada. 3 - Cauteloso,
abordando todas as questes, do modo mais equilibrado possvel, com fim a resolver os problemas. 4 -
Inclusivo, sendo que as decises e elaborao de projectos resulta da interveno de todos os actores
envolvidos. 5 - Reactivo e incremental, ganhando fora com as informaes recebidas, e tomando
decises que as incluam. 6 - Capaz de corresponder multiplicidade de variantes da sociedade, com
solues variadas, hibridas, diferenciadas. 7 - Por ltimo, um urbanismo multissensorial, capaz de
enriquecer uma urbanidade contempornea.
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A reter do anterior captulo sublinham-se os esforos de humanitrios, polticos, e artistas,
despertados pelo cmulo a que chega a condio humana na cidade industrial, e que ousam a sua
mudana, formulando utopias, e abordando as questes sociais, relativas sociedade urbana.
Procede-se ao estudo das suas consequncias, reaproveitando as suas qualidades mais
promissoras, e sua influncia numa nova gerao de pensadores e manipuladores do urbano.
As suas experincias e teorias ajudam a reflectir no apenas sobre os problemas a resolver,
mas no modo como deveriam ser resolvidos. As questes analisadas so inquietantes, questionam a
validade dos tcnicos, da sua experincia, dos seus mtodos, da formulao da disciplina do
urbanismo em si. No entanto com a destruio dos nossos anteriores preconceitos, tornamo-nos mais
aptos a resolver qualquer questo, e procurar a melhor soluo que assegure a qualidade de vida das
pessoas.
O novo urbanismo deveria assim ser, conclui-se, humilde, reflectivo, grato por aprender com
os seus erros, com vista a perfazer o seu verdadeiro significado disciplinar.
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2. Casos de referncia
Nos seguintes casos de referncia sero apresentadas situaes, propostas, e intervenes de
cariz semelhante com o problema base abordado nesta dissertao. Em alguns casos a comparao
entre os mesmos ser proporcional e directa, noutros no, de forma a contribuir com uma mais alargada
viso da problemtica, e servir de suporte s solues para o projecto em estudo.
2.1 Bairro das terras do Lelo Martins5
Imagem 6 B. das Terras do Lelo Martins, visto da arriba fssil. Fonte: www.ateliermob.com, 1/11/2013
Este caso encontra-se rodeado de terrenos agrcolas, pontuados por algumas construes
autorizadas, situa-se entre a frente martima densamente construda e a paisagem protegida da arriba
5 Fontes: Campos, Pedro & Moreira Paulo. Reportagem: Noutra Costa da Caparica. JA n 247.
http://www.ateliermob.pt/
Localizao: Junta de Freguesia da Costa da Caparica, Conselho de Almada, Distrito de Setbal
Regime de ocupao: Espontneo informal, ilegal
N de habitantes aproximado: 400
Ocupao: 2000-2014
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fssil, formando um assentamento de formao espontnea composto por pequenas casas
autoconstrudas.
A par do impasse jurdico que rodeia o Plano de Pormenor para a zona, adiciona-se a dimenso
do processo de realojamento dos habitantes, caso por tal se optasse. Por outro lado os envolvidos
expressam opinies divergentes e hostilidade, pouco contribuindo em dilogo ou consenso. No campo do
debate poltico o presidente da Junta de Freguesia denunciou o autntico flagelo Cmara Municipal,
sublinhando que seria responsabilidade da mesma resolver a situao, e que as terras do Lelo so
terrenos pblicos, e reserva agrcola na zona de proteco da arriba fssil. A Cmara Municipal refere
apenas que fazem parte de um territrio vasto, abrangido no dito P.P. n4, estando em causa uma nova
estrada, que levou uma associao ambientalista a apresentar uma providncia cautelar, tambm as
Estradas de Portugal discordam do seu traado, finalizando o embargo total da realizao do PP4.
Outra entidade envolvida, no-governamental, o movimento Fronteiras Urbanas, composto por
socilogos, arquitectos, artistas plsticos e moradores, da comunidade e zonas envolventes. O
movimento trabalha directamente com a comunidade, apresentando alternativas para a sua consolidao
social e urbana. A sua coordenadora refere que, para todos os efeitos, os proprietrios dos terrenos so
os habitantes que ali moram ao longo dos anos, procurando serem reconhecidos os seus direitos
enquanto cidados, legitimando-os de forma socialmente justa e participada.
Numa visita do movimento F.U., constatou-se a falta de gua canalizada, apesar dos campos
agrcolas envolvente terem sistemas de irrigao, provindo antes de um chafariz a 500 metros de
distncia, sendo utilizada na cozinha, ou para higiene pessoal, e at na utilizao de mquinas de lavar a
roupa modificadas. Existe luz elctrica e televiso por satlite, sujeitas a assinatura e pagamento. A
populao activa trabalhava na agricultura, limpeza domstica, e construo civil, e os seus filhos
frequentavam a escola. Levam as suas vidas normalmente, queixando-se somente da segregao por
parte das autoridades e entidades oficiais, no obtendo resposta, s diversas vezes em que tm
procurado colaborao para a melhoria das condies de habitabilidade das suas casas.
Entretanto proporcionou-se uma oportunidade sob o formato de uma experincia acadmica,
envolvendo arquitectos, alunos, e a comunidade, na procura por propostas que gerassem o interesse e
motivao da mesma, bem como a visibilidade do bairro.
Duas propostas eram de carcter performativo e actuao imediata: o grupo Like architects
props uma instalao espelhada, metfora referente invisibilidade do bairro, usando o workshop como
instrumento de transmisso de uma mensagem, sendo realizada na praa dos correios, ambicionando
puxar os residentes para a Costa da Caparica. O outro grupo, derivado do Ateliermob, props a
construo de uma mesa, onde se sentariam os actores envolvidos, num campo comum de mediao.
Outras propostas consideraram intervenes mais projectuais. O grupo coordenado pelo Atelier
Base props um sistema de permutas de edifcios devolutos, como motor da reabilitao necessria,
alm de realojar os habitantes na proximidade, evitando desarticulaes familiares que ocorrem nos
processos de realojamento, propunha-se um sistema de financiamento de custos atravs de um banco
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de horas, onde os habitantes poderiam prestar trabalhos comunidade, custeando assim o seu
realojamento.
O grupo coordenado por Argot, visava modificar o parque urbano previsto no PP4 e o seu
processo de implantao, de modo a incorporar nesse investimento o realojamento dos habitantes.
Apontava tambm que o seu parque urbano poderia ser composto por mais do que um relvado,
possibilitando aos habitantes uma ocupao agrcola, o que j acontecia de modo informal.
O grupo coordenado por Oto seria mais abrangente, pensando as Terras do Lelo como mais um
problema, relativamente a toda uma Costa da Caparica degradada e insustentvel. Com horizonte para
2050, a Costa foi submetida a uma anlise/proposta sectorial, visando resolver problemas ecolgicos,
ambientais, de mobilidade, etc. Foi proposta a requalificao da orla costeira, atravs dos pontes de mar
e a consolidao da lngua de areia, permitindo melhor acesso s guas, para a pesca e o turismo.
Por ltimo, o grupo coordenado por Srgio Silva e Jos Caldas, props a manuteno do bairro,
j que parece ser a situao que perdurar, devido aos impasses jurdicos e financeiros. O processo de
manuteno passaria pela melhoria de aspectos especficos das condies de vida da populao, atravs
de sistemas de construo prprios, concebidos pelo grupo.
2.2 Bairro do Fim do Mundo6
O seguinte caso de referncia engloba a maioria das caractersticas problemticas comuns a
bairros de gnese ilegal. A sua histria envolve bastante controvrsia por parte dos poderes locais, e
suas escolhas, adicionada ao decorrer natural de incidentes, de natureza criminosa, ou mesmo trgica. E
que pela sua incidncia grave e especfica a um local em concreto, suscitou uma resoluo sem
precedentes ao nvel de escala e programa, cujas consequncias sero tambm discutidas.
O Bairro deveu o seu incio ao aglomerado de pequenas casas autoconstrudas, que foi
crescendo no Vale da Galiza, na freguesia de So Joo, chegando a haver perto de 500. Os habitantes
6 Fontes: Visita de estudo, proporcionada por uma arquitecta envolvida no Projecto do Centro Paroquial, 2010.
http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=624248. 18/11/2013.
http://www.publico.pt/local/noticia/cascais-moradores-do-fim-do-mundo-fazem-vigilia-de-protesto-contra-demolicoes.
18/11/2013.
http://www.publico.pt/local/noticia/cascais-demolidas-as-ultimas-barracas-do-bairro-do-fim-do-mundo. 18/11/2013.
Localizao: Junta de Freguesia de S. Joo do Estoril, Conselho de Cascais, Distrito de Lisboa
Regime de ocupao: Espontneo informal, ilegal
N de habitantes aproximado: 278 agregados
Ocupao: 1970-2009
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provinham da Guin, de Cabo Verde, de Angola, sendo tambm de etnia cigana, e foram recenseados no
Programa Especial de Realojamento da Cmara de Cascais, de 1993.
As condies de habitabilidade eram bsicas, cingia-se a construo ao uso de tijolos, madeira e
chapa de ao ondulada. Algumas habitaes no tinham casa de banho, ou electricidade, infelizmente a
principal caracterstica do bairro, isolado no topo de uma colina, ao lado de um vale, longe de qualquer
acesso de maior importncia; potenciou os problemas de trfico de droga e de violncia, instalando a
insegurana na zona em redor.
Imagem 7 Imagem de satlite, Bairro do Fim do Mundo, limite a vermelho. Fonte: Google Earth, modificada pelo
autor, 29/10/2013
O Bairro foi em conjunto com o Bairro das Marianas em Carcavelos, o centro do trfico de droga
no concelho, at ser construdo o Bairro da Liberdade, de habitao social, do programa PER, bem como
o seu principal acesso rodovirio, a passar pelo centro do antigo bairro, potenciando a disperso e
minimizao dos problemas. Igualmente minimizada foi a rea de habitaes autoconstrudas, rodeada
por sucessivos loteamentos de habitaes unifamiliares convencionais, que com os bons acessos
realizados se foram implantando cada vez mais perto, rodeando o ltimo reduto do bairro, mantido
apenas na vertente muito inclinada do Vale da Galiza.
Os ltimos residentes, a maioria dos quais recenseados no PER, esperavam somente pelas
chaves das suas novas casas para sarem do bairro, realojados em outros empreendimentos sociais
dentro do municpio. Mas em Setembro de 2005 o programa demostrou ter demorado demasiado tempo,
tendo deflagrado um incndio numa das habitaes, onde morreu uma me solteira e os seus 5 filhos, 4
dos quais crianas, a m construo e fracos acessos dificultaram as operaes dos bombeiros, que
apenas chegaram a tempo de impedir que o fogo se alastrasse.
A desactivao do bairro havia sido iniciada em 2002, e o realojamento dessa famlia estava
marcado para o final desse ano, tendo-se atrasado o processo devido ao tamanho do agregado familiar.
Durante anos, um segmento da populao local em conjunto com as Irms Salesianas,
intervieram voluntariamente no bairro, culminando os seus esforos com a viabilizao de um novo
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complexo paroquial, a construir no cimo da vertente onde se encontravam os derradeiros habitantes do B.
do Fim do Mundo. A sua relocalizao demonstrou-se delicada, contando com consternaes levantadas
face demolio das casas, a brevidade do aviso, seguida do corte do abastecimento de gua, sem
aviso, foram adicionadas aos problemas base da maior parte dos envolvidos, uns, inscritos no PER,
teriam as chaves das suas novas habitaes da a algumas semanas, sendo que o municpio apenas os
instalaria numa penso durante uns dias. Outros pediram um adiamento da demolio da sua habitao
somente at conseguirem encontrar um alojamento temporrio, tendo-lhes sido negado. Por ltimo
existiam casos de homens isolados, cuja condio no era sequer abordada pela autarquia, pelo facto de
serem isolados e viverem sozinhos, e que por isso no tinham direito a habitao social. Ao todo 26
pessoas no teriam nenhuma alternativa que no a de ficarem desalojadas.
Em 2010 o complexo paroquial foi inaugurado, sem qualquer vestgio do antigo bairro. O
equipamento contava com uma igreja de 1200 lugares sentados; um auditrio; um centro comunitrio,
com creche, jardim-de-infncia, ATL, apoio domicilirio, centro de dia, lavandaria, e refeitrio; bem como
uma escola, do 1 e 2 ciclo, e estacionamento com 200 lugares. Esperava-se com este equipamento
suprir as necessidades dos mais carenciados na freguesia, assim como abordar os problemas de ordem
social ainda existentes no Bairro da Liberdade. No entanto as Irms Salesianas, voluntrias desde o
incio, referem ainda assim, existir uma apropriao do equipamento por pessoas no carenciadas, para
os filhos das quais existe sempre uma mais fcil inscrio na creche, ATL, e escola.
2.3 Cova do Vapor7
No seguinte caso ser abordada uma realidade prxima do caso de estudo, sendo no seu
impasse jurdico, que reside o interesse, j que determinou que nenhuma autoridade fosse directamente
responsvel pelo aglomerado, nem os seus habitantes, resultando na inaco das mesmas perante todos
os problemas encontrados pela populao, que imposta a necessidade, se elevou ocasio, resolvendo-
os em unio.
7 Fontes: Macedo, Filipe. Out of the box. A Arquitectura participativa de Filipe Balestra.
Gomes, Srgio & Matos, Snia. Reportagem do Pblico: Casa do Vapor, um dia a casa vir abaixo.
https://www.facebook.com/pages/TISA-The-Informal-School-of-Architecture/210157099007196
Localizao Junta de Freguesia da Costa da Caparica, Conselho de Almada, Distrito de Setbal
Regime de ocupao: Espontneo piscatrio, e loteamento de gnese ilegal
N de habitantes aproximado: 400, 200 de modo permanente
Ocupao: 1940-2014
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A Cova do Vapor surgiu nos anos 40 como comunidade piscatria, embora nos anos 30 fosse j
um destino de veraneio/lazer, sendo que at aos anos 60, os cacilheiros faziam carreira a partir do
Terreiro do Pao at Cova do Vapor. Foi erguida pelos seus habitantes, exibindo
caractersticas arquitectnicas nicas, baseadas na autoconstruo. Visto estar situada numa zona de
grande eroso costeira, sempre registou recuos significativos na linha de costa, pelo que os moradores
tiveram que deslocar e reconstruir as suas casas vrias vezes. Algumas das casas originais foram
rebocadas inteiras, por juntas de bois, desde a Praia do Sol at sua presente localizao, entre elas
distinguem-se alguns casos de construo vernacular em madeira, pintadas com cores vivas.
Alm do aglomerado original a norte da via principal, e em directa relao com uma baia de
abrigo, onde se encontram ancoradas as embarcaes de pesca, encontra-se a sul da mesma via um
conjunto mais heterogneo e informal, cuja construo foi iniciada aps o 25 de Abril, sendo que quando
a ocupao passou a estender-se at mata envolvente, em cerca de 1975, o MFA veio a intervir,
justificando o acto da demolio como modo de aplacar uma apropriao excessiva.
Imagem 8 Imagem de satlite, Cova do Vapor. Fonte: Google Earth, 9/11/2013
O impasse jurdico nico deste caso remete para a sua localizao, sendo que a Camara
Municipal no o abrangeu pelos processos de legalizao das AUGI, pois encontra-se em domnio
pblico martimo, por sua vez as autoridades martimas ao encontrarem-se perante uma situao urbana,
de igual modo procedeu. Deste modo restou comunidade resolver os seus prprios problemas,
formando uma associao de moradores, que atravs de cotizaes angariaram suficientes recursos para
realizarem as infra-estruturas bsicas em todo o bairro, desde o abastecimento de gua, rede de esgoto
domstico, e de electricidade.
Os problemas nicos deste aglomerado cativaram naturalmente a ateno de pessoas e
entidades provenientes das mais diversas disciplinas. Referem-se dois diferentes grupos de jovens
arquitectos, que puseram em marcha iniciativas de aco participada pela comunidade, cujos resultados
foram de algum modo contributivos para a comunidade que os inspirou.
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Assim o grupo TISA (The informal school of architecture), formado pelo atelier Urban Noveau, de
Filipe Balestra e Sara Gransson, aliou as dificuldades sentidas pela comunidade, impossibilidade de
jovens recm-licenciados encontrarem estgios profissionalizantes nas suas reas. Ao todo formaram um
grupo qualificado de cerca de 50 estudantes, cuja tarefa foi delineada em protocolo com a Associao de
Moradores da Cova do Vapor, de modo a realizar um levantamento fsico e social da comunidade e
depois propor estratgias que apoiassem o melhoramento da comunidade.
Um outro parmetro previa que a escola motivasse uma reaco meditica, permitindo
desbloquear o impasse jurdico que afectava a vida daquela populao, pois se esperava com isso
motivar a vontade poltica, quer da Cmara Municipal de Almada, quer das Autoridades Martimas, de
modo a legaliz