Dissertação definitiva
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O APOSTO, UM MECANISMO LINGÜÍSTICO-DISCURSIVO EM TEXTOS PUBLICITÁRIOS
MARIZETH FARIA DOS SANTOS ARAUJO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO-UFRJ Rio de Janeiro, primeiro semestre de 2005
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O APOSTO, UM MECANISMO LINGÜÍSTICO-DISCURSIVO EM TEXTOS PUBLICITÁRIOS
por
MARIZETH FARIA DOS SANTOS ARAUJO Aluna do Curso de Mestrado em Língua Portuguesa
DRE: 103.151.225
Dissertação apresentada ao Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Língua Portuguesa.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO-UFRJ Rio de Janeiro, primeiro semestre de 2005
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EXAME DE DISSERTAÇÃO
ARAUJO, Marizeth Faria dos Santos. Aposto, um mecanismo lingüístico-
discursivo em textos publicitários. Dissertação de Mestrado em Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. 97p.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________ Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos (UFRJ) (orientadora) _______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Aparecida Pauliukonis (UFRJ) _______________________________________________________ Prof. Dr. José Carlos Azeredo (UERJ) _______________________________________________________ Profa. Dra. Violeta Virginia Rodrigues (UFRJ) _______________________________________________________ Profa. Dra. Claudia de Souza Teixeira (UNIG) Examinada a dissertação em 18/08/2005. Resultado/ Apreciação: ________________________
4
Especialmente à minha família, por representar o
sentido maior da minha existência.
5
Agradecimentos À Profª Drª Leonor Werneck dos Santos, que, na sua orientação competente e dedicada e no seu estímulo constante, mostrou que o maior desafio do pesquisador está em buscar o conhecimento na certeza de que nenhum saber é definitivo e inquestionável. À minha família, pelo apoio e incentivo imprescindíveis no meu percurso acadêmico. Ao meu primo Marcelo Monteiro Faria, que, com seu profundo conhecimento e competência em informática e com seu carinho e doação, ofereceu-me apoio e assessoria em todos os momentos de entraves tecnológicos.
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Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência a vossa! Todo o sentido da vida principia à vossa porta...
(Cecília Meireles)
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SINOPSE
Estudo do papel do aposto na construção do discurso publicitário como uma estratégia lingüístico-discursiva de persuasão e sedução em textos midiáticos dessa natureza, com vistas ao reconhecimento de seu potencial argumentativo e de sua relevância no ensino de língua portuguesa.
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SUMÁRIO
1- UM ESTUDO GRAMATICAL SOB O PRISMA DISCURSIVO...............................9
2- ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO TEXTO PUBLICITÁRIO...............................16
2.1. Os imaginários sociais: sociedade e ideologia...........................................................19
2.2. A sedução e a persuasão............................................................................................22
2.3. O ethos na publicidade..............................................................................................24
2.4. As escolhas lingüísticas e semiológicas....................................................................26
3- NOÇÕES TEXTUAIS CONSTITUTIVAS.................................................................30
3.1. Heterogeneidade, dialogismo e polifonia..................................................................30
3.2. Características do gênero: fatores determinantes no processo enunciativo...............31
4- O PROCESSO ARGUMENTATIVO NA PUBLICIDADE.......................................35
5- O APOSTO......................................................................................................................41
5.1. Considerações teóricas...............................................................................................41
5.1.1. O aposto na abordagem tradicional...................................................................41
5.1.2. Estudos contemporâneos...................................................................................46
5.2. Uma proposta discursiva de abordagem....................................................................52
6- ANÁLISE DO CORPUS................................................................................................54
6.1. O aposto no discurso publicitário..............................................................................55
6.2. Avaliação dos dados..................................................................................................71
7- CONCLUSÕES..............................................................................................................85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................90
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.....................................................................................94
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1- UM ESTUDO GRAMATICAL SOB O PRISMA DISCURSIVO
Existo e ganho a minha individualidade à medida que desvelo e vivencio o plexo de significados, atribuídos ao meu mundo, pelos outros e por mim.
(Ezequiel Theodoro da Silva)
Este trabalho propõe-se a abordar o papel do aposto em textos publicitários
como um mecanismo lingüístico-discursivo. Esse mecanismo, por seu caráter de
referenciação nominal ou adjetiva e por representar uma voz dos imaginários sociais e a
expressão do ethos em textos da modalidade em questão, torna-se uma estratégia
enunciativo-discursiva bastante produtiva para a construção da credibilidade do discurso e,
conseqüentemente, para o alcance da adesão do interlocutor ao propósito maior do texto: a
persuasão.
O papel do aposto em textos publicitários é objeto de estudo que exige
investigação, tendo em vista a sua recorrência e produtividade no processo descritivo-
argumentativo dessa modalidade textual. Nesse sentido, faz-se necessário verificar o valor
lingüístico-discursivo de seu emprego para que se reflita sobre a possibilidade de o seu uso
estar ultrapassando o valor atribuído a esse elemento pela perspectiva teórica da gramática
tradicional e estar assumindo um novo papel numa perspectiva comunicacional e
pragmática do discurso.
O aposto possui um valor referencial e anafórico que acrescenta uma
determinada informação considerada significativa para o contexto situacional de uma dada
circunstância comunicativa. Além disso, representa um importante elemento de coesão do
texto, ao mesmo tempo em que é também um recurso que propicia uma progressão textual.
Destaca-se, ainda, por ser um aparato argumentativo de caráter nominal ou adjetivo.
Quando apresenta um valor adjetivo, o aposto, com uma noção de atributo, aponta para
uma apreciação valorativa do elemento a que se refere.
Diante disso, percebe-se ser imprescindível verificar se o aposto deve ser
avaliado como um recurso sintático de relevante potencial discursivo, apontando para uma
abordagem mais ampla e textual desse “dispositivo lingüístico” (Azeredo, 2003: 29), ou
apenas como um termo sintático estudado à parte na gramática tradicional, com um valor
marginal, se comparado aos demais termos que participam da sintaxe tradicional da língua
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portuguesa, e redundante, se visto como um elemento co-referencial cuja ausência, como
afirmam alguns teóricos, não prejudica o enunciado.
Faz-se necessário, inclusive, verificar se o aposto representa uma marca textual
que oferece contribuições para o processo de singularização do produto divulgado pela
publicidade. Essa necessidade decorre da compreensão de que as escolhas lexicais e
sintáticas estão sempre vinculadas ao “contrato comunicativo” (Charaudeau: 1983)
estabelecido entre os sujeitos da enunciação, com vistas à materialização da
intencionalidade do discurso.
Pretende-se provar, ainda, que o aposto é um recurso recorrente em textos
publicitários por corresponder a uma das estratégias lingüístico-discursivas de sedução e de
persuasão desse discurso midiático, e tal recorrência contribui para a construção do
discurso publicitário no que diz respeito ao processo de mitificação do produto e para a
construção do ethos dos sujeitos envolvidos no processo comunicativo da publicidade.
Além disso, busca-se revelar o potencial descritivo-argumentativo do aposto, tendo em
vista que esse elemento participa do processo de nominalização do texto, assim como da
orientação do discurso em uma dada direção, conduzindo-o a determinadas conclusões.
Com base nos resultados dessa reflexão, esta pesquisa pretende redimensionar o
tratamento dado a esse mecanismo no decorrer do processo de ensino-aprendizagem de
língua portuguesa nas escolas brasileiras de ensino fundamental e médio. Com esse intuito,
foram reunidas para análise 100 publicidades de automóveis. O material foi extraído de
diferentes revistas (Veja, Isto é, Época, Memória da Propaganda, Cláudia, Quatro Rodas,
Auto Esporte, entre outras.), abrangendo o período compreendido entre as cinco últimas
décadas do século XX e os três primeiros anos da nossa atualidade, século XXI.
Essa delimitação temporal foi realizada com o objetivo de possibilitar uma
visão comparativa da evolução do texto publicitário em questão, o que pode revelar certas
diferenças assim como ratificar certas semelhanças e recorrências que irão fundamentar a
presente proposta. O intervalo correspondente ao período de 1950 a 2003 apresenta, ainda,
a possibilidade de verificação da ocorrência ou não de mudança na abordagem do aposto
nos últimos anos.
Serão analisados textos publicitários de um único produto (automóvel) num
universo variado de anunciantes. Tal delimitação do corpus deve-se ao fato de que a
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seleção de publicidades de um mesmo objeto favorece o desenvolvimento da proposta de
abordagem do valor do aposto, visto que viabilizará melhor a reunião de dados
significativos, principalmente no que diz respeito à percepção do fundo ideológico, das
estratégias de sedução e de persuasão que convergem para a construção da imagem do
“sujeito-destinatário”, “sujeito-enunciador” (Charaudeau: 1983) e do produto, assim como
para a construção do “ethos” (Maingueneau: 2002) desses dois sujeitos. Diante desses
dados, será possível analisar detalhadamente qual o papel assumido pelo aposto nesse
processo midiático.
É importante destacar que a escolha de publicidades de automóveis deve-se ao
fato de que o aposto parece ser um recurso significativo nessa especificidade de texto
midiático, o que atribui um expressivo potencial de análise ao corpus, conforme explicitado
acima. Além disso, foi observado que o emprego do aposto era recorrente em publicidades
desse produto e, já que o foco de estudo se concentra no valor desse termo no discurso,
convinha reunir textos dessa natureza para análise. Quanto à delimitação temporal das
publicidades selecionadas, a opção pelo intervalo correspondente ao período de 1950 a
2003 deve-se a dois fatores: a indústria automobilística se estabeleceu no Brasil em torno
da década de 1950, passando a investir intensivamente na divulgação de seu produto
através da publicidade; pretende-se verificar a ocorrência ou não de mudança na abordagem
do aposto nos últimos anos.
Outro fator significativo na seleção do corpus é a utilização não apenas de
revistas especializadas de automóveis, já que a ampliação desse universo supõe uma maior
diversificação do público leitor, que incluirá não apenas aquele leitor que está lendo uma
revista com a intenção de encontrar publicidades de automóveis como também os que
ocasionalmente interagirão com tais publicidades. Isso se refletirá no jogo discursivo dos
textos, disponibilizando um maior número e diversidade de dados para serem analisados.
A publicidade representa um modo de dizer de ampla complexidade, pois
ultrapassa a mera apresentação de um produto a um possível consumidor e envolve
diversos elementos lingüísticos e extralingüísticos em seu processo enunciativo. O discurso
constrói-se a partir do processo dinâmico de realização de um enunciado, que, segundo
Bakhtin (1992: 318-319), é um fenômeno “complexo, polimorfo”, já que estabelece
relações significativas com o seu autor, com outros enunciados e, inclusive, com o
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interlocutor, além de constituir um gênero específico, representar uma resposta a algo que o
antecede e suscitar respostas futuras. Sendo assim, o processo do dizer na publicidade
permite, significativamente, a compreensão da multiplicidade de fatores que participam da
construção de sentidos numa dada enunciação.
Com esse estudo, pode-se refletir acerca da ampliação das possibilidades do
trabalho de exploração lingüística e interpretativa de textos desse gênero no ensino de
língua portuguesa. O texto publicitário será analisado sob um prisma lingüístico-discursivo,
de forma a verificar que, nessa perspectiva, os sentidos produzidos se ampliam e torna-se
possível estudar estruturas subjacentes ao texto. Será possível, ainda, perceber que o
elemento central na publicidade não é o produto em si, mas a imagem do co-enunciador que
é construída a partir da enunciação para persuadir esse interlocutor. Tudo isso poderá ser
estudado, com expressiva contribuição, pelas vias lingüísticas do aposto.
A partir dos objetivos da pesquisa, constituirão base teórica de análise alguns
estudos já realizados acerca do texto publicitário e pressupostos teóricos referentes à análise
do discurso, priorizando os estudos realizados por Bakhtin (1992;1995), Ducrot (1987),
Anscombre & Ducrot (1983), Maingueneau (1997; 1998; 2002) e Charaudeau (1983a;
1983b; 1992; 1994; 1999; 2002a; 2002b). Diante disso, o ponto de partida da investigação
diz respeito à compreensão da estrutura do texto publicitário e de alguns aspectos de
participação imprescindível no todo discursivo desse texto midiático de cunho descritivo-
argumentativo, priorizando a visão semântico-enunciativa e semântico-pragmática da
língua para que se possa compreender o amplo valor discursivo do aposto e dos elementos
constitutivos desse universo do discurso publicitário. Para tal empreendimento, será
necessário, ainda, reunir comparativamente as diversas abordagens gramaticais sobre as
construções apositivas desde a perspectiva teórica tradicional até os estudos mais recentes a
esse respeito.
Ao abordar certos aspectos fundamentais da publicidade (cf. cap. 2), é
necessário tecer considerações a respeito da relação que se estabelece entre a linguagem, a
sociedade e a ideologia, como teorizou Bakhtin (1995) nos seus estudos enunciativos sobre
a linguagem. Em seguida, é importante compreender os processos de sedução e de
persuasão que se desenvolvem nesse gênero do discurso, assim como o papel que tais
processos assumem na enunciação. O terceiro enfoque será dado à construção do ethos na
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publicidade, buscando entender de que forma a sua análise é imprescindível num estudo
enunciativo de um texto. Além dos elementos tratados, faz-se necessário focalizar o valor
das escolhas lingüísticas e semiológicas para a realização do discurso publicitário.
Outro enfoque dado pela pesquisa diz respeito ao estudo da heterogeneidade
discursiva, do dialogismo e da polifonia como noções constitutivas do texto e princípios
sustentadores de seu processo enunciativo (cf. cap. 3). Também consideradas como fatores
determinantes na enunciação, estão as características do gênero textual ‘publicidade’,
compartilhando da abordagem desenvolvida por Marcuschi (2002). No capítulo seguinte
(cap. 4), será observado o modo de organização do discurso publicitário, buscando
compreender como se desenvolve a argumentação na publicidade, percebendo que a noção
tradicional de argumentação se expande em muito a partir dessa análise.
Em seguida, no capítulo 5, serão reunidas as considerações teóricas acerca do
aposto desde a perspectiva da gramática tradicional até os estudos contemporâneos sobre o
assunto. Esse capítulo ainda considerará aspectos que são fundamentais quando se
apresenta uma proposta discursiva de abordagem do aposto. Posteriormente, o corpus será
analisado a partir dos parâmetros teóricos até então desenvolvidos e a esse estudo sobre o
aposto no discurso publicitário se seguirá a avaliação dos dados obtidos.
Quanto aos aspectos metodológicos, torna-se essencial para esta pesquisa a
observação e avaliação da posição ocupada pelo aposto na publicidade, ou seja, é preciso
verificar se ele é encontrado no texto central e/ou no secundário e focalizar as imagens
veiculadas pela referencialidade desse mecanismo, procurando agrupá-los conforme o valor
textual-discursivo que assumam em contextos específicos. Embora a pretensão seja realizar
uma análise qualitativa a esse respeito, haverá um registro percentual sobre tais ocorrências
no corpus e a avaliação desses resultados quanto à possibilidade de variação temporal deles
dentro do período de circulação das publicidades consideradas.
Ao lado disso, alguns casos serão classificados com base na nomenclatura
proposta pela gramática tradicional para demonstrar que a preocupação em enquadrar o
aposto numa classificação sintática e, por vezes, semântica faz com que não se explore o
seu verdadeiro valor textual-discursivo. Essa é mais uma das fases da análise da pesquisa
que objetiva ultrapassar uma abordagem limitadora e reducionista sobre o aposto. A
metodologia será minuciosamente explicitada no capítulo 6.
14
Após percorrer a trajetória da pesquisa, é preciso salientar a noção de sujeito
adotada no decorrer da análise, visto que se pretende trabalhar com três noções de
fundamentos teóricos distintos, que, quando estudados a partir do direcionamento dado
passam a ser consideradas como complementares. É necessário deixar claro que, embora a
pesquisa vá tratar de aspectos de teorias distintas do discurso, serão utilizadas contribuições
específicas para cada momento da análise.
Será privilegiada a visão enunciativa a respeito da interação entre um
enunciador e um co-enunciador, entretanto, também participará do percurso de análise o
sujeito histórico-social, assim considerado especialmente pelos estudos bakhtinianos acerca
da sociedade e ideologia e a sua articulação com a linguagem. Será dado, ainda, um
tratamento ao sujeito como intencional (Charaudeau: 1983b), que participa do circuito de
comunicação publicitário com o objetivo definido de articular estratégias discursivas para o
alcance de uma intencionalidade.
Vale ressaltar ainda a opção por empregar o termo “sentido” a propósito do
enunciado, que, por sua vez, refere-se, como afirma Ducrot (1989), à realização da
linguagem em uma dada situação. Ao utilizar esse termo, portanto, serão considerados
aspectos lingüísticos e contextuais. Dessa forma, compartilhando com Cervioni (1989: 16),
quando se falar em sentido, “será para designar o sentido global de uma produção de
linguagem”. Sem dúvida, “é preciso levar em conta as condições de produção dos
enunciados, tanto para o estudo da significação das frases, quanto para o sentido dos
enunciados” (id.: 18). Como afirma Koch (2002: 30), “o sentido não está no texto, mas se
constrói a partir dele, no curso de uma interação” (grifos da autora).
A partir da abordagem descrita e da análise de todos os elementos no corpus
considerado, esta pesquisa pretende estudar o papel do aposto na construção do discurso
publicitário como uma estratégia lingüíistico-discursiva e um mecanismo que se amplia a
partir dessa abordagem. Para isso, tratará da ampla dimensão assumida pelo texto
publicitário quando é lançado um olhar que atravesse a superfície lingüística do texto e
alcance a instância discursiva da enunciação, como algo que é produto da interação e que
representa a realização de um discurso num determinado espaço e tempo, sendo capaz de se
atualizar numa nova função enunciativa a cada situação de comunicação que se estabeleça.
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Assim, será possível verificar mais uma possibilidade de desvendamento dos sentidos da
linguagem.
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2- ASPECTOS FUNDAMENTAIS DO TEXTO PUBLICITÁRIO O mundo não nos é dado logo de pronto. Isso se faz através da estratégia humana da significação.
(Patrick Charaudeau)
A publicidade não se dirige a um público indeterminado, mas, ao contrário,
possui um destinatário ideal e reúne uma série de recursos lingüísticos e extralingüísticos
que convergem para a construção de um universo que ultrapassa o caráter informativo da
linguagem e alcança o nível descritivo/ argumentativo com um intuito de seduzir (conduzir
o outro ao prazer), persuadir (levar o outro a crer – convencer) e incitar (conduzir à ação) o
co-enunciador (consumidor potencial) a tornar-se um consumidor efetivo. Nesse sentido,
diversos são os fatores envolvidos na elaboração do discurso publicitário e na sua ação
(instância da enunciação), quando se atingirá a dimensão do mundo recriado,
ressignificado.
Torna-se necessário, portanto, iniciar a análise pelo estudo do processo de
criação da mensagem publicitária, pois, como demonstram Charaudeau (1999; 1983a) e
Maingueneau (2002), o discurso deve ser analisado considerando as suas condições de
produção/interpretação em uma dada situação interativa. Nesse processo, é preciso que se
leve em consideração o papel das marcas lingüísticas presentes no enunciado, assim como o
que está subjacente a isso, como a ideologia que perpassa o discurso e o sustenta, a
construção da imagem dos sujeitos envolvidos na interação (o ethos), o valor das estratégias
de sedução e de persuasão, e a importância desses elementos na aquisição de legitimidade e
de credibilidade no processo interativo.
A língua, como afirma Charaudeau (1994), possui a função básica de traduzir e
informar sobre o mundo, tornando-o significado. Tal função expande-se ainda mais quando
somada à semelhante capacidade de significar das imagens no discurso publicitário. A
associação desses elementos com vistas a uma intencionalidade bem definida explícita ou
implicitamente constitui o conteúdo de um discurso, cujo enfoque está no co-enunciador,
que, por sua vez, não busca o sentido das palavras ou as combinações estabelecidas entre
elas, e sim o seu significado social. Isso justifica a preocupação da publicidade com o
social, seja como reflexo deste ou como provocadora de mudanças nesse âmbito.
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É com base nesse papel do texto publicitário e nas contribuições de Sandmann
(2003) a respeito da abrangência dos termos ‘propaganda’ e ‘publicidade’ que essa pesquisa
optou pelo emprego de ‘publicidade’ para referir-se ao material do corpus a ser analisado.
Segundo o autor (2003: 9-10), a primeira acepção do termo propaganda advém “do nome
‘Congregatio de propaganda fide’, congregação criada em 1622, em Roma, e que tinha
como tarefa cuidar da propagação da fé”. Nesse sentido, propaganda tornou-se um termo
bastante abrangente e passou a designar a propagação de idéias, e também uma produção da
linguagem voltada para a venda de produtos ou serviços, enquanto que, em português,
publicidade tornou-se uma expressão mais específica, passando a representar o último valor
mencionado.
Um dos objetivos centrais da publicidade é fazer com que haja uma identidade
social do co-enunciador, possibilitando a ele ver-se, inserir-se no mundo recriado pela
enunciação, de forma que se estabeleça um elo de cumplicidade entre os sujeitos
envolvidos no processo comunicativo. Para que isso seja alcançado, as escolhas lexicais,
morfológicas, sintáticas e semânticas são fundamentais na construção do enunciado. O
vocabulário geralmente se volta para a idéia de incompletude do ser humano, buscando
oferecer aquilo que parece estar faltando a ele (prestígio, sucesso, satisfação, lazer, vitória,
felicidade,...), além de procurar envolver o produto na aparência de absoluto, único,
essencial, autêntico, o que contribui para o processo de singularização e mitificação do
produto.
Desde os estudos de Aristóteles acerca do discurso oral, já havia a preocupação
com a expressão do ethos na oratória, isto é, a imagem que o público construía a respeito do
orador a partir da sua maneira de dizer e de apresentar o dito. Essa noção se expandiu
através dos tempos, assumindo um lugar ainda mais significativo no estudo da retórica e,
atualmente, no estudo dos textos correspondentes aos diversos modos de organização do
discurso. Na publicidade, assim como nos demais gêneros textuais, tal noção é construída
pelos dois interactantes da comunicação (um em relação ao outro), isto é, do co-enunciador
em relação ao enunciador e vice-versa.
O ethos, por corresponder à imagem dos sujeitos discursivos, torna-se um
estudo imprescindível na análise do processo de interação social na publicidade, pois
através dele será possível identificar a identidade psicológica, social e discursiva dos seres
18
do ato interativo. Essas instâncias subjetivas revelam o tipo de relação que se estabelece
entre um e outro no nível da linguagem e do discurso, o que contribuirá para o ato
comunicativo. Conforme revela Maingueneau (2002: 95), “um texto é sustentado por uma
voz – a de um sujeito situado para além do texto”, mas perfeitamente recuperada por meio
da enunciação. Essa voz representa o ethos.
Outro aspecto essencial a considerar é o estabelecimento do contrato
comunicativo na publicidade. Esse contrato corresponde a um conjunto situacional que se
estabelece na troca comunicativa, instituindo regras que determinam certas condições de
realização. Os indivíduos envolvidos nesse processo comunicativo estarão submetidos a
tais regras, aceitando e reconhecendo as mesmas representações de linguagem inseridas
num grupo de práticas sociais partilhadas. Sendo assim, o contrato comunicativo conduz a
práticas discursivas comuns, já que as regras estabelecidas são co-construídas pelos agentes
do ato interativo e determinam os comportamentos lingüístico e sócio-interativo.
Para que se analisem todos os aspectos abordados anteriormente, é necessário
que se considerem as condições de produção do texto, que, como afirma Charaudeau (1999:
32), constroem-se “numa relação triangular entre o mundo como real construído, a
linguagem como forma-sentido em difração, e um sujeito intersubjetivo em situação de
interação social” (grifos do autor). Diante dessa abordagem, percebe-se que contribuem
para essas condições os posicionamentos ideológicos e sociais, a imagem e o papel dos
sujeitos da enunciação, os lugares sociais, os estereótipos, os saberes compartilhados, a
finalidade e a intencionalidade da interação, enfim, a situação de enunciação e todos os
fatores nela envolvidos.
Dessa forma, no processo de construção de sentidos no texto publicitário,
merece destaque a ideologia que nele se inscreve, perpassando todos os seus elementos
lingüísticos e não-lingüísticos. Assim como ocorre em diversos outros gêneros textuais, a
ideologia norteará a definição das estratégias argumentativas que irão compor a situação de
comunicação em que se constrói o discurso. Tais estratégias utilizadas permitirão recuperar
os implícitos, que, segundo Maingueneau (1998), correspondem aos pressupostos somados
aos subentendidos do conteúdo do discurso. Esse trabalho com o dito, interdito e as suas
implicaturas é indispensável no processo de produção/interpretação da publicidade para que
se consiga efetivamente seduzir e persuadir o co-enunciador.
19
Vale destacar ainda, com base nos pressupostos de Charaudeau (1994), que o
ato comunicativo pressupõe três condições básicas: a legitimidade, a credibilidade e a
captação. A primeira condição diz respeito à necessidade que o sujeito possui de ser
reconhecido socialmente como alguém com fundamento para falar, para adquirir “o direito
à palavra”, enquanto a segunda aponta para a condição de reconhecimento da capacidade de
falar algo acreditado como verdadeiro, factual e significativo. Acrescentando-se a isso, a
última condição direciona-se à conquista do outro através de estratégias de sedução que
conduzam ao ápice do processo: a persuasão, influenciando o outro com a força retórica
argumentativa.
A partir da observação dos diversos aspectos indispensáveis à construção do
discurso da publicidade, torna-se perceptível que todos os elementos e fatores já
mencionados convergem, num entrecuzar de fios, para a construção do tecido, ou seja, do
universo discursivo publicitário. É nesse mesmo universo que se insere de modo recorrente
e significativo o recurso do aposto, refletindo, de maneira fecunda, os aspectos em questão.
2.1. Os imaginários sociais: sociedade e ideologia
A atividade humana da linguagem está associada às características da sociedade
que a exerce, assim como ao conjunto de convicções, crenças e valores instituídos num
determinado tempo e espaço, que corresponderão ao fenômeno ideológico. Não há como
afastar o estudo da linguagem dessas outras questões, já que elas se cruzam e apresentam
reflexos sobre as diferentes manifestações da linguagem. A análise sobre a articulação
desses três elementos foi introduzida por Bakhtin (1995)1 em seus estudos enunciativos
sobre a linguagem.
Tal articulação destaca aspectos culturais, como os comportamentos dos
indivíduos nos seus atos de interação social – a maneira de ser, de agir, de se comportar e
de ritualizar –, as condições de realização desses atos, as identidades desses indivíduos na
interação, entre outros. Esse componente cultural representa um conhecimento partilhado
1 1ª ed.: 1929 (cf. Referências Bibliográficas)
20
por um grupo de indivíduos e é capaz de identificá-lo como ser coletivo. O fato de
compartilhar desse conhecimento apresenta-se como condição para a intercompreensão nas
situações comunicativas. Somando-se a isso, os signos possibilitam, ainda, o estudo dos
valores, crenças e idéias contidos nos discursos, o que se situa no plano ideológico e,
embora seja refletido pela linguagem, remete a algo que se encontra fora dela, ou seja, lhe é
exterior. No entanto, “sem signos não existe ideologia” (Bakhtin, 1995: 31).
Como afirma Fiorin (1990: 72), “a língua (...) é o veículo das representações
ideológicas” e o discurso é capaz de materializá-las. Sendo assim, observa-se que a
linguagem é um fenômeno complexo e, “por ser instrumento de mediação entre os homens
e a natureza, os homens e os outros homens” (id.: 07), sofre determinações sociais. E, já
que “o ato de comunicação é uma troca linguageira em um determinado cenário social”
(Pauliukonis, 2003b: 01), é no nível do discurso que se deve estudar a ideologia, tomada
por Fiorin (id.: 28) como uma visão de mundo, um “conjunto de idéias, representações que
servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as
relações que ele mantém com os outros homens”.
Além de apontar essa noção de ideologia e dando ênfase à concepção marxista a
esse respeito, Chauí (1996: 21) denomina ideologia um “ocultamento da realidade social”,
no sentido de que, “por seu intermédio, os homens legitimam as condições sociais de
exploração e de dominação, fazendo com que pareçam verdadeiras e justas”. A autora
demonstra que, especialmente no modo de produção capitalista, há uma universalidade
ilusória de idéias que busca legitimar a dominação de uma classe social e conservar uma
dada realidade, não permitindo que se perceba o processo de reificação (seres humanos
passam a existir sobre a forma de coisas e as coisas sob a forma humana) e alienação
realizados pelo fenômeno da ideologia.
A partir desse percurso de abordagem, Chauí define ideologia como “um
conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou
regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem
pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem
sentir, o que devem fazer e como devem fazer” (id.: 113). Considerando essa definição e
retomando a idéia de que a linguagem expressa o referido conjunto de representações e
21
normas, é imprescindível levar em conta a análise da maneira de ver o mundo da sociedade,
num determinado tempo e espaço, através do discurso publicitário.
O modo de dispor e conduzir os signos em um dado contexto, além de revelar
fatores sociais e ideológicos significativos, sofre a influência deles à medida que são
elementos limitadores das possibilidades de produção e de interpretação do discurso,
participando do contrato comunicativo que se estabelece como regulador de toda a situação
comunicativa. O discurso é, portanto, algo que aciona e utiliza o social e, ao mesmo tempo,
representa-o. Sendo assim, o discurso não apenas reflete esse social e ideológico, mas
também pode influenciá-lo, provocando mudanças marcantes nos dois âmbitos, como
ocorre, por exemplo, através do discurso publicitário, que chega a representar, conforme
afirma Carvalho (1996: 17), “um dos instrumentos de controle social e, para bem realizar
essa função, simula igualitarismo, remove da estrutura de superfície os indicadores de
autoridade e poder, substituindo-os pela linguagem da sedução”.
Além do fato de que os signos reúnem fundamentos de natureza sócio-cultural e
ideológica, é necessário que se reflita sobre a questão de que toda época e lugar apresentam
uma série de idéias diretrizes que perpassam as diversas esferas da vida, da realidade e da
linguagem e alcançam a sua expressão no mundo. Dessa forma, a melhor maneira de
apreendê-las e buscar compreendê-las é através da análise dos discursos que se realizaram
naquele dado tempo e espaço. Sob esses parâmetros, será possível perceber que, como
afirma Eco (2000: 85), “... determinado modo de empregar a linguagem identificou-se com
determinado modo de pensar a sociedade”.
Vale ressaltar, ainda, alguns traços característicos da ideologia, considerada aqui
como uma concepção de mundo de um determinado grupo social num dado momento
histórico e lugar. O homem, a partir dessa visão, deve ser considerado como um sujeito
histórico-social, compartilhando da abordagem realizada por Bakhtin (1995). A ideologia é
tomada como algo dinâmico e de poder fundador, algo que passa de um sistema de
pensamento a um sistema de crença, indo habitar o homem e governar o seu discurso.
Esse discurso passa a veicular o modo de ser do mundo e, por outro lado, tem o
poder de transformar essas idéias que veicula. Não há como deixar de retomar o poder da
ideologia como justificadora da dominação e remeter mais uma vez à concepção marxista
de ideologia que traz em si o caráter de deformação da sociedade e destaca o discurso do
22
dominante e do dominado em constante luta de classes. Nesse sentido, Bakhtin (1995: 46)
acrescenta que “o signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes”. Por fim, é
importante elucidar que a reunião desses apontamentos a respeito do fenômeno ideológico
ampliará as possibilidades de análise destes itens junto ao corpus da pesquisa.
2.2. A sedução e a persuasão
Todo discurso pretende algo. Esse ‘pretender algo’ é um índice de
intencionalidade e corresponde a um dos sete padrões de textualidade postulados por
Beaugrande & Dressler (1981). Ao refletir sobre esse aspecto em relação ao discurso
publicitário, percebe-se que este tem como objetivo central a persuasão, que poderá ser
alcançada através do processo de sedução. A preocupação com o efeito desejado de
influenciar no comportamento do co-enunciador de forma a levá-lo a consumir é o que
determina a elaboração do conteúdo na linguagem publicitária. Os signos passam a ser
escolhidos em função de sua força sedutora e persuasiva.
Toda enunciação apresenta, explícita ou implicitamente, sempre esse índice de
intencionalidade, que só pode ser identificado num dado contexto e através das estratégias
discursivas utilizadas. Todo discurso constrói-se em função de uma intenção, que se
refletirá na forma de ação do EU sobre o TU e vice-versa no processo interativo. Além
disso, a existência de um enunciador pressupõe um co-enunciador, mesmo que este não
esteja presente. Considerando isso, pode-se concluir que a finalidade de um texto está
intimamente ligada à situação de comunicação em que ele foi produzido e ao tipo de
função social que pretende exercer ao realizar-se como discurso. Segundo essa reflexão,
retoma-se o objetivo situacional de persuasão associada à prática comercial.
Ao buscar compreender o ato de comunicar, deve-se levar em conta o caráter
plural da linguagem, tendo em vista as múltiplas funções dos signos e a noção de que a
partir de seu uso é que será possível ao enunciador conquistar a legitimidade e obter a
credibilidade para o seu discurso, respeitando a regulação do contrato comunicativo
estabelecido. Com base nisso, é possível entender que seduzir significa utilizar recursos
23
lingüísticos e extralingüísticos para despertar prazer no outro, conquistar a simpatia, o
envolvimento emocional e afetivo desse outro com o discurso, enquanto persuadir significa
utilizar esses mesmos recursos para fazer o outro crer, buscando a validação do discurso e
a adesão do co-enunciador através da legitimação e credibilidade alcançadas pelo
enunciador.
O enunciador, sabendo que o co-enunciador constrói os sentidos a partir de
suas experiências e conhecimentos, elabora uma imagem de destinatário como aquele que
tem uma carência e deve procurar supri-la, o que o levará a identificar-se com a imagem de
si que é proposta pelo universo discursivo da publicidade. É nesse contexto e contribuindo
para a construção dessa atmosfera discursiva que as publicidades buscam seduzir o co-
enunciador e conquistar a sua adesão ao discurso, levando o produto à idéia de superação
absoluta dele com relação a qualquer outro de mesma natureza, realizando, dessa forma,
processo de singularização e mitificação desse produto divulgado pela publicidade. A
partir desse processo de conquista do co-enunciador, este se tornará, segundo Charaudeau
(1983a), um “consumidor-sem-o-saber” ou um “consumidor-justificado”.
De acordo com Fiorin (1990: 74), o “fazer-fazer”, que diz respeito ao processo
de persuasão, inicia-se desde o momento em que um enunciador comunica alguma coisa,
pois já nesse instante possui a finalidade de ação no mundo e influência sobre seu co-
enunciador, conduzindo-o a acreditar no dito e fazer algo que demonstre mudança de
comportamento ou de opinião. Aristóteles (s/d: 35), confirma isso quando revela que, para
obter-se a persuasão, o discurso deve “inspirar confiança”, “levar a sentir uma paixão” e
“demonstrar a verdade ou o que parece ser a verdade”. Essas disposições participam de
forma determinante do processo de sedução e de persuasão de uma situação comunicativa.
Segundo Bakhtin (1992: 298)2, “a obra (...) visa à resposta do outro (dos
outros), uma compreensão responsiva ativa, e para tanto adota todas as espécies de formas:
busca exercer uma influência didática sobre o leitor, convencê-lo, suscitar a sua apreciação
crítica, influir sobre êmolos e continuadores, etc.”. Entenda-se aqui a referência feita pelo
autor à expressão “obra” como uma das diversas unidades de comunicação verbal e, assim,
pode-se estendê-la à noção mais ampla de texto e associá-la à sua realização como discurso
para ratificar a idéia de finalidade persuasiva do texto publicitário como sendo o
2 1ª ed.: 1979 (cf. Referências Bibliográficas)
24
convencimento e a alteração de comportamentos anteriores – a “compreensão responsiva
ativa” predeterminada por esse gênero.
É importante verificar que, ao abordar o processo de sedução e persuasão na
publicidade, vem à tona um sujeito tratado por Charaudeau (1983b) como intencional do
sentido que se construirá na enunciação. Esse sujeito possui o objetivo de articular
estratégias discursivas com vistas a uma dada intencionalidade e pretende, de certa forma,
ter o controle da cena comunicativa, à medida que, de alguma maneira, dirige o ponto de
vista de um co-enunciador que será persuadido acerca de algo tomado como uma verdade,
ou melhor, como a verdade.
Numa visão pragmática, a sedução e a persuasão podem ser estudadas no nível
perlocucional do ato de enunciação, já que a força perlocutória corresponde à noção de
efeito provocado pelo dito, ou seja, o que ele provacará no(s) interlocutor(es). Segundo
Cervioni (1989: 88), “dizer alguma coisa provocará (...) certos efeitos sobre os
sentimentos, os pensamentos, os atos do auditório ou daquele que fala ou ainda de outras
pessoas” e isso se refere à linguagem como ato perlocutório. A ação do sujeito da interação
nessa perspectiva também oferece acréscimos importantes para o estudo aqui
desenvolvido.
2.3. O ethos na publicidade
Ao analisar um discurso, seja ele de qualquer natureza, oral ou escrito, subjaz a
noção do ethos como algo que revela a imagem do enunciador, a sua identidade discursiva,
sua personalidade, seu perfil como ser que toma corpo e se representa nesse discurso.
Compartilhando da afirmação de Maingueneau (2002: 95), “toda fala procede de um
enunciador encarnado; mesmo quando escrito, um texto é sustentado por uma voz – a de
um sujeito situado para além do texto”. Essa “voz” é a expressão desse ethos que participa
da instância discursiva, juntamente com os demais elementos analisados, contribuindo para
o processo de legitimação do discurso.
25
É interessante perceber que o ethos se constrói na enunciação, mas não se
apresenta explícito no enunciado. Segundo Maingueneau (id.: 99), é o tom do discurso e o
todo da cena enunciativa que permitem ao leitor a construção da imagem desse ethos; é a
“maneira de dizer que remete a uma maneira de ser”, chegando-se a traçar um caráter e
uma corporalidade atribuída ao enunciador. Para isso, é preciso que essa imagem seja
observada e construída a partir de uma perspectiva social e discursiva, considerando o
contexto em que se estabelece tal situação comunicativa.
A enunciação propicia a construção, por parte do co-enunciador, do ethos do
enunciador. Cabe, então, ao co-enunciador reunir dados disponibilizados no momento de
realização do discurso para defini-lo. Por outro lado, há de se considerar que o enunciador,
ao produzir seu discurso, já constrói uma representação de um co-enunciador, idealizando-o
de uma forma tal que possibilita o próprio ato em si de enunciar. Isso facilita o processo de
captação do outro na situação interativa e o alcance do objetivo persuasivo de venda dessa
imagem construída do co-enunciador, que é aparentemente atribuída ao produto.
Dessa forma, é notória a influência do co-enunciador na estruturação do
discurso, visto que é uma preocupação do enunciador avaliar para quem se dirige o
enunciado e como esse co-enunciador deve ser percebido e imaginado. Com base em
Bakhtin (1992: 321), “cada um dos gêneros do discurso, em cada uma das áreas de
comunicação verbal, tem sua concepção padrão do destinatário que o determina como
gênero”. Essa importância, portanto, da imagem do co-enunciador repercute na construção
do ethos do enunciador e, conseqüentemente, na enunciação.
O fundo ideológico representa outro aspecto bastante significativo na expressão
do ethos na publicidade. Ao veicular um conjunto de valores, crenças e estereótipos que
contribuem para validar o discurso, a publicidade estará favorecendo o “processo de
incorporação” (Maingueneau, 2002: 100), ou seja, da “ação do ethos sobre o co-
enunciador” possibilitando uma maior identificação e adesão deste ao discurso.
Nesse sentido, merece destaque a visão de Fiorin (1990:51) ao considerar que
uma “análise(...) não se interessa pela ‘verdadeira’ posição ideológica do enunciador real,
mas pelas visões de mundo dos enunciadores (um ou vários) inscritos no discurso” (grifo
do autor). Portanto, são os papéis assumidos pelos sujeitos na enunciação que importam
26
para delinear o ethos na publicidade, conforme poderá ser observado, ao serem retomados
esses aspectos no estudo do corpus, mais adiante.
2.4. As escolhas lingüísticas e semiológicas
A produção de um discurso envolve uma série de escolhas lingüísticas,
semiológicas e, inclusive, extralingüísticas que não são aleatórias, sejam elas conscientes
e/ou inconscientes. Os signos serão articulados entre si e organizados de maneira a
determinar as direções que o discurso irá seguir e, inclusive, o nível persuasivo que irá
atingir. Essa inter-relação entre os signos sofre a influência da carga cultural que cada um
deles traz consigo e do papel que esse fator exerce em um dado grupo social e em
determinadas situações interlocutivas. Alcança-se, assim, a participação da teoria geral dos
signos, que, por meio da semiologia, oferece contribuições importantes para a compreensão
dos elementos envolvidos no processo de produção da linguagem. Além disso, há de se
considerar o valor dos elementos extralingüísticos nesse processo, visto que, especialmente
quando se trata da produção do discurso publicitário, aspectos como a foto do produto, a
sua disposição gráfica e a do enunciado no suporte material em que é veiculada a
publicidade, as cores utilizadas e outras imagens que participam da cena enunciativa são
fundamentais para a construção dos sentidos.
Todo signo possui um sentido potencial que, segundo Charaudeau (1999),
ao articular-se com outros signos e de acordo com as condições extralingüísticas e
intralingüísticas de produção e o contexto sócio-histórico-cultural, vai construir o sentido
discursivo. Por sua vez, o sentido discursivo aciona e exige dos protagonistas da interação
inúmeras competências, entre as quais a lingüística, a comunicativa, a discursiva, a
situacional e a semiolingüística. Como afirma Charaudeau (2002a), a competência
lingüística abrange o conhecimento de língua do sujeito; a competência comunicativa
aponta para o conhecimento do indivíduo como ser social; a discursiva diz respeito à força
ilocutória (quando se diz alguma coisa, produz alguma coisa, realiza-se algo) e perlocutória
(noção de efeito do dito) da linguagem; a situacional corresponde à aptidão do sujeito para
27
construir seu discurso em função da identidade dos parceiros, da finalidade do discurso, de
seu propósito e das circunstâncias em que se constrói; e a semiolingüística compreende o
reconhecimento e manipulação da forma dos signos, de suas regras combinatórias e de seu
sentido na construção da intencionalidade.
O acionamento dessas competências favorece a intercompreensão entre os seres
da interação e permitirá que a possibilidade de o enunciado condicionar uma “atitude
responsiva ativa” (Bakhtin, 1992: 290) se efetive e leve a uma seguinte por parte do outro
participante do processo interativo e, assim, sucessivamente, enquanto se mantiver a
situação comunicativa. Diante disso, como afirma Bakhtin (id: 293), o enunciado é “a
unidade real da comunicação verbal” a que irá se submeter o discurso produzido,
provocando uma determinada atitude no outro da interação. Para esse autor, o enunciado
representa a matéria lingüística que, num dado contexto enunciativo, torna-se objeto de
estudo da linguagem e permite a observação e análise das relações dialógicas existentes
entre as vozes que atravessam e constituem o discurso.
Merece destaque, quanto à compreensão do que é o enunciado e qual o seu
papel, o estudo de Ducrot (1987), que se baseia na abordagem bakhtiniana, mas a amplia,
visto que para ele as múltiplas manifestações, realizações de um enunciado num dado
espaço e tempo é que caracterizam a enunciação, enquanto para Bakhtin (1992) o
enunciado é produto da enunciação. Para Ducrot (id), a enunciação se constitui a partir do
aparecimento e realização de um enunciado, que é considerado por ele a manifestação
particular de uma frase em um determinado contexto, que se for modificado resultará outras
manifestações e, portanto, outros enunciados.
Em uma dada situação interativa, é necessário compreender que, como
demonstra Bakhtin (1992: 305): Quando escolhemos um determinado tipo de oração,
não escolhemos somente uma determinada oração em função do que queremos expressar com a ajuda dessa oração, selecionamos um tipo de oração em função do todo do enunciado completo que se apresenta à nossa imaginação verbal e determina nossa opção. A idéia que temos da forma do nosso enunciado, isto é, de um gênero preciso do discurso dirige-nos em nosso processo discursivo. O intuito de nosso enunciado, em seu todo, pode não necessitar de um grande número delas e o gênero escolhido dita-nos o seu tipo com suas articulações composicionais.
28
Com isso, conclui-se que o enunciado é muito mais abrangente do que uma
combinação entre palavras, frases, orações, períodos ou parágrafos, pois se insere no plano
da enunciação e alcança seu sentido no nível do discurso. As escolhas dos signos, em sua
natureza lingüística e semiológica, de elementos extralingüísticos, assim como das
construções e do gênero específicos para a estruturação dos enunciados são determinantes
numa enunciação. Acrescentando-se a isso, é oportuna a afirmação de Carrascoza
(1999:33) de que “optar por este ou aquele termo não é uma atitude arbitrária, mas sim
ideológica”. Isso remete à abordagem já realizada no item 2.1. acerca da articulação
linguagem, sociedade e ideologia.
Essas escolhas são sobredeterminadas, ainda, por vários fatores, entre os quais:
o contrato de fala, como proposto por Charaudeau, correspondendo ao ritual
comunicacional que se estabelece numa dada interação; e a adequação ao contexto verbal e
situacional. Ao considerar-se a influência desses fatores, estarão sendo levadas em conta as
condições de produção dos enunciados, que limitarão o dizível e orientarão o discurso. Vale
lembrar, inclusive, uma característica fundamental da língua na visão de Vogt (1977: 12),
quando afirma que “a língua é, antes de mais nada, o lugar da intersubjetividade, o lugar
onde os indivíduos se confrontam, o lugar onde encontro outrem”. Diante disso, o autor
revela que não só os elementos já referidos como também as palavras são escolhidas
cuidadosamente, de forma a aproximar o leitor/ouvinte e estabelecer um diálogo com ele.
Quando Vogt (id.) e Carrascoza (1999) se referem aos aspectos mais
característicos na publicidade, destacam basicamente: o uso da linguagem padrão coloquial;
a presença da informalidade, expressa, por exemplo, pelo emprego de gírias e do tratamento
você; o jogo gráfico e/ou morfológico com palavras; empréstimos lingüísticos;
topicalização, procurando enfatizar certos elementos do texto; frases nominais; frases
feitas; rede de associações semânticas; figuras de linguagem; estereótipos; apelo à
autoridade; afirmação e repetição; e alguns outros recursos retóricos, todos, na tentativa de
conquistar a simpatia do público e levá-lo a comprar o produto. Esse conjunto corresponde
a algumas das técnicas de sedução e de persuasão utilizadas como estratégias do discurso
pelo texto publicitário.
Embora haja a exploração dos mais variados recursos na publicidade, há uma
simplicidade estrutural que busca conduzir aos subentendidos e aos elementos recuperáveis
29
apenas pelo contexto e também há alguns recursos que parecem ser mais produtivos por
serem mais recorrentes em algumas situações, como é o caso do aposto nas publicidades de
automóveis, conforme será verificado mais adiante. Apesar disso, todos os elementos que
compõem o texto estabelecem relações entre si, com o intuito de chamar a atenção do
destinatário e convencer o leitor não só com as informações sobre o produto e a exposição
de suas qualidades, mas principalmente com o todo discursivo que integra o verbal, o visual
e o situacional num “circuito fechado” a partir da “fusão entre redação e arte publicitária”
(Carrascoza, 1999: 105-107) para conduzir à ação de consumir.
30
3- NOÇÕES TEXTUAIS CONSTITUTIVAS
3.1. Heterogeneidade, dialogismo e polifonia
Ao realizar um estudo sobre a linguagem, é imprescindível que se reflita sobre
conceitos que representam princípios fundamentais do discurso e habitam o nível
constitutivo dessa linguagem. Este trabalho recorrerá, neste momento, aos estudos
realizados por Bakhtin (1992; 1995) e Maingueneau (1997; 1998) a respeito de
heterogeneidade, dialogismo e polifonia, dando destaque, ainda, à Teoria Polifônica da
Enunciação desenvolvida por Ducrot (1987). Todos esses conceitos estão intrinsecamente
relacionados entre si, como poderá ser observado a seguir.
A noção de heterogeneidade surgiu quando se começou a duvidar do caráter
homogêneo do discurso e passou-se a verificar nele a presença de outros discursos. Isso
demonstrou que um dos fatores capazes de caracterizar o discurso como heterogêneo é a
diversidade de vozes que o atravessam e o constituem, seja por uma marca lingüística
visível (“heterogeneidade mostrada” – Maingueneau, 1997) ou não (“heterogeneidade
constitutiva” – id). Segundo Maingueneau (1998: 79), “o discurso é dominado pelo
interdiscurso”, entendendo-se interdiscurso como “o conjunto das unidades discursivas com
as quais ele [um discurso particular] entra em relação” (id.: 86). Bakhtin (1992; 1995)
remete a essa questão da heterogeneidade, à medida que teoriza sobre o dialogismo como
fator de discursividade, já que, segundo o autor, um discurso se constitui pela sua relação
com outros discursos.
O princípio da dialogia bakhtiniana procura mostrar que “cada enunciado é um
elo da cadeia complexa de outros enunciados” (Bakhtin, 1992: 291), pois o enunciado
reúne em si uma série de “ecos e lembranças de outros enunciados” (id.: 316) que trazem
consigo outras vozes com as quais se relaciona e se apresenta, ao mesmo tempo, como uma
resposta a elas, que lhe são anteriores. Bakhtin afirma que “a experiência verbal individual
do homem toma forma e evolui sob efeito da interação contínua e permanente com os
enunciados individuais do outro” (1992: 313-314) através de um “processo de assimilação,
31
mais ou menos criativo, das palavras do outro (e não das palavras da língua)” (ibid.). Sendo
assim, em toda enunciação poderão ser identificados discursos outros, seja de forma
explícita ou implícita, com diferentes graus de alteridade. Conforme ressalta Maingueneau
(1998: 42), a noção de dialogismo parte da característica primordialmente interativa da
linguagem.
Com base no conceito bakhtiniano de dialogismo e de polifonia, Ducrot produz
o que ele denominou de “Esboço de uma Teoria Polifônica da Enunciação”, trazendo essa
reflexão para os estudos enunciativos da lingüística atual. A concepção polifônica acerca da
linguagem baseia-se no questionamento da unicidade do sujeito discursivo, tendo em vista
que, por sua natureza dialógica através do cruzamento de várias vozes que justificam o
fator de heterogeneidade, um discurso se constitui pela presença de um sujeito falante (ser
empírico, o autor), um locutor (ser do discurso responsável pelo enunciado) que pode, em
algumas situações enunciativas, não coincidir com o sujeito falante, e um enunciador (ser
discursivo que assume o ponto de vista da enunciação). Com isso, passam a fazer parte da
enunciação vários seres constitutivos do discurso.
Embora as noções de heterogeneidade, dialogismo e polifonia tenham sido
abordadas por todos os teóricos já mencionados, merece destaque Bakhtin devido ao caráter
introdutório de seus estudos a respeito desses fatores. Entretanto, Bakhtin, Ducrot e
Maingueneau não aplicam esses três conceitos à enunciação do discurso publicitário
especificamente. Dada a importância dessa abordagem para a proposta da pesquisa, apesar
de ela não representar o seu eixo central , este trabalho buscará mais adiante uma reflexão
sobre o assunto aplicada ao corpus.
3.2. Características do gênero: fatores determinantes no processo enunciativo
Ao tratar da noção de gênero, diversas são as abordagens teóricas que surgem.
No entanto, esta pesquisa irá priorizar a fundamentação de Bakhtin (1992) e as influências
do estudo desse autor para a teorização de Maingueneau (2002) e de Marcuschi (2002) a
esse respeito. Percorrer essa trajetória teórica é fundamental quando há uma proposta de
32
investigar a ideologia que perpassa o discurso, a identidade dos sujeitos envolvidos no
processo interativo e como ocorre a argumentação, pois para isso é necessário, antes de
tudo, que se considerem as características do gênero textual em questão. É importante
esclarecer, ainda, a opção pelo tratamento dado por Marcuschi ao assunto, embora sejam
essenciais as demais contribuições para a compreensão do posicionamento do autor.
Os diferentes gêneros do discurso, segundo Bakhtin (id.), representam formas
estruturais e lingüísticas relativamente estáveis com uma função sócio-discursiva definida.
Com isso, eles correspondem a uma manifestação específica da linguagem para um dado
propósito sócio-comunicativo, que influenciará na seleção lexical e sintática do texto e em
diversos outros aspectos organizacionais que participam da construção do enunciado.
Um gênero do discurso representa, ao mesmo tempo, uma organização verbal e
um fenômeno social determinantes tanto no processo de produção como de recepção do
discurso. O gênero apresenta uma forma padronizada com relativa estabilidade na
estruturação do todo discursivo e corresponde a um conhecimento estabelecido e partilhado
por uma dada comunidade que irá utilizá-lo num processo de interação verbal. Diante
disso, como revela Bakhtin (id.: 302): Aprendemos a moldar nossa fala às formas do
gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações.
Com base na afirmação desse autor, compreende-se que o enunciado não
representa uma combinação totalmente livre, mas, ao contrário, precisa ser construído a
partir das noções de um gênero do discurso específico e que essas noções precisam ser um
conhecimento dominado por todos os seres envolvidos no processo interativo, pois, caso
isso não ocorra, a comunicação verbal será dificultada a ponto de provavelmente não se
efetivar. Além disso, a forma do enunciado apresentará uma expressividade específica,
própria do gênero em que se insere, só podendo ser compreendida como geradora de um
gênero quando exercer uma dada função e situar-se em uma determinada situação sócio-
comunicativa em um determinado tempo e lugar e possuir uma estrutura “relativamente
estável do ponto de vista temático, composicional e estilístico” (ibid: 284).
33
Os estudos de Maingueneau (1998; 2002) também trouxeram contribuições
significativas para o estudo dos gêneros, embora tenham como ponto de partida os
postulados bakhtinianos a esse respeito. O autor procura distinguir o que, para alguns
teóricos, parece ser indiferente: gênero de discurso e tipo de discurso. Ao estabelecer uma
tipologia dos discursos, o autor procura levar em conta o tipo de atividade discursiva e de
orientação social e enunciativa em que se insere cada gênero. A partir dessa visão, torna-se
importante entender a publicidade como um gênero de discurso que se situa no interior do
tipo de discurso midiático e, no caso do corpus desta pesquisa, da imprensa escrita (revistas
– cujo público-alvo é bastante específico e diferenciado, além de outras limitações
referentes ao suporte material). O estudo desenvolvido por Maingueneau amplia a visão
sobre o gênero tratado e a compreensão das regras que o instituem e de sua utilidade.
Convém, ainda, considerar a abordagem desse estudo dos gêneros desenvolvida
por Marcuschi e que também destaca a distinção entre as denominações tipologia e gênero,
embora de forma diferenciada da tratada acima, pois se detém em aspectos da lingüística
textual, não enfatizando a perspectiva enunciativa. Segundo o autor (2002: 23), a primeira
designação diz respeito ao grupo de “constructos teóricos definidos por propriedades
lingüísticas intrínsecas e constituem seqüências lingüísticas ou seqüências de enunciados e
não são textos empíricos”. Por outro lado, a segunda designação abrange o conjunto de
“realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas e
constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações
comunicativas” (ibid.).
Pode-se compreender, dessa forma, que a tipologia textual, conforme
Marcuschi, trata o modo como o discurso se organiza, incluindo cinco categorias distintas:
narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Já o gênero textual corresponde
às inúmeras formas de interação materializadas em textos, cada qual com a sua função
social e comunicativa e com seu conteúdo, estilo e composição característicos. No gênero
publicidade, há o predomínio da argumentação, apesar de também ser característica a
descrição. Isso ocorre, com base nos estudos de Marcuschi, devido à intencionalidade do
texto e à sua função sócio-comunicativa.
Existe a necessidade humana de utilizar gêneros textuais distintos e específicos
a cada situação social e comunicativa. No entanto, cada sociedade é que estabelece as
34
formas genéricas que utilizará, tendo, portanto, a capacidade e o poder de desenvolvê-las e
transformá-las a partir de suas necessidades. Por esse motivo, não se pode afirmar que cada
enunciado possui regras totalmente estáveis e imutáveis. Assim, os tipos de interação e a
sociedade que deles participa irão influenciar e definir seus gêneros textuais.
35
4- O PROCESSO ARGUMENTATIVO NA PUBLICIDADE
Todo gênero textual apresenta um modo específico de organização do discurso.
O gênero estudado neste trabalho expressa o discurso publicitário e circula na mídia
impressa, contendo as peculiaridades características dele. Este e os demais gêneros só
alcançarão a sua intencionalidade à medida que exercerem efetivamente a sua função
discursiva e social.
O aspecto central da intencionalidade da publicidade é a persuasão. Esse traço
característico manifesta-se através dos componentes lingüísticos e extralingüísticos do
texto e representam propriedades identificadoras da noção de gênero. Sabe-se que também
fatores estruturais, conforme já abordado nos capítulos anteriores, são determinantes na
especificação de um gênero. No que diz respeito à publicidade, todos esses componentes e
fatores reunidos revelam um dos diferentes modos de argumentar.
Para compreender esse processo de argumentação no discurso publicitário, é
preciso remeter ao sentido mais amplo do termo argumentação, pois, independentemente
das características próprias de cada texto e de suas funções específicas, todos os textos
utilizam, com maior ou menor ênfase, argumentos para produzir efeitos de verdade e de
realidade ao seu conteúdo, buscando conquistar e agir sobre o co-enunciador e concretizar
os aspectos e objetivos centrais de cada gênero em particular. A própria origem etimológica
da palavra argumento confirma a abrangência desse termo, que vem de argumentum, em
que o elemento argu significa iluminar. Diante disso, o argumento é um procedimento
lingüístico que representa o lançamento de luz em uma dada direção, com vistas à
realização dos objetivos e da intenção comunicativa do texto.
Contribui para essa afirmação a abordagem de Anscombre & Ducrot (1983)
sobre o que significa argumentar, visto que os autores classificam o processo de
argumentação como um traço característico da linguagem como um todo, como
instrumento de interação social. Para esses autores, todo texto orienta argumentativamente
um enunciado para conduzir o destinatário em determinada direção, já que qualquer
discurso possui uma intencionalidade. Também na visão de Maingueneau (1997), a língua
36
apresenta em sua essência um valor argumentativo, através, principalmente, da busca da
adesão do destinatário ao discurso.
Da mesma forma, quando Charaudeau (1992) afirma que a argumentação
representa um modo como o discurso se organiza e que ela é uma atividade de natureza
demonstrativa e persuasiva, pode-se perceber que o texto se funda na argumentação para
sustentar a convicção de um dado assunto e alcançar o fim persuasivo do texto. Todos os
elementos e processos analisados no decorrer deste trabalho co-atuam no desenvolvimento
da argumentação, tendo em vista que os textos procuram reunir argumentos bem
fundamentados para conseguir influenciar e convencer com o todo discursivo. Tudo isso
converge, num entrecruzar de fios, para a construção do tecido, ou seja, do universo
discursivo do texto.
Desde a tradição clássica, os gregos já se preocupavam em manejar com
habilidade as formas de argumentação, procurando ter o domínio verbal na estruturação do
discurso. Havia um esforço em unir a maneira convincente de apresentar algo como
verdade com a forma de expressar isso com arte, de modo elegante. Entre os pensadores
gregos que realizaram estudos sobre esse assunto, destaca-se Aristóteles, com seus estudos
acerca do discurso oral, que revelaram a preocupação com o componente retórico na
oratória, isto é, com a capacidade de envolver o público no conteúdo do discurso, levando-
o a ser convencido pelos argumentos utilizados, devido à maneira de dizer e de apresentar o
dito.
No decorrer do tempo, o termo retórica foi sofrendo determinadas mudanças
quanto à abrangência de sentido, chegando a reduzir sua aplicação à poética,
especialmente, pelos parnasianos, no século XIX. Mais tarde e até os nossos dias, a noção
clássica de retórica foi retomada e o seu estudo foi assumindo um lugar cada vez mais
significativo na análise dos textos em seus diversos modos de organização do discurso. A
questão da retórica é algo presente e suscetível à análise em todos os gêneros textuais,
embora com expressividade distinta.
Para Aristóteles (s/d: 11), “o principal, na retórica, é a arte das provas, isto é, a
habilidade de discernir, em cada questão, o que seja apto a persuadir o auditório”. A
retórica preocupa-se com o modo como o orador deve conduzir esse auditório à persuasão
desejada, pois, segundo o autor, a maneira como o orador se dirige às multidões, as
37
palavras, o discurso produzem ecos diferentes no ânimo dos ouvintes. Aristóteles afirma a
existência de três gêneros da retórica: o deliberativo, o judiciário e o demonstrativo ou
epdítico. Com base na definição atribuída por esse autor a cada um desses gêneros,
Carrascoza (1999: 25-26) afirma que, por ser o gênero deliberativo aquele em que se
aconselha ou desaconselha algo visando a uma ação futura, este “é dominante na trama do
texto publicitário, cujo intuito é aconselhar o público a julgar favoravelmente um
produto/serviço ou marca, o que pode resultar numa ação ulterior de compra”,
representando, portanto, um recurso argumentativo de destaque na publicidade.
Conforme se pode perceber, o texto publicitário se vale muito da retórica, já que
ele possui o papel de, através da orientação dada ao discurso, persuadir, levando o
interlocutor à ação. Isso acontece, segundo Carrascoza (id.), a partir de alicerces
encontrados, em um estudo de Aristóteles e de alguns autores anteriores a ele, a respeito
das partes do discurso, que correspondem ao exórdio (introdução), narração (exposição de
fatos), provas (demonstrações) e peroração (epílogo). Carrascoza destaca a presença dessas
fases do discurso retórico no texto publicitário contemporâneo embora de forma breve,
sintetizada e, às vezes, sobreposta.
Faz-se necessário considerar, além do caráter retórico da argumentação
publicitária, as condições de produção do texto, que, como afirma Charaudeau (1999: 32),
constroem-se “numa relação triangular entre o mundo como real construído, a linguagem
como forma-sentido em difração, e um sujeito intersubjetivo em situação de interação
social”. Diante dessa abordagem, percebe-se que contribuem para essas condições os
posicionamentos ideológicos e sociais, a imagem e o papel dos sujeitos da enunciação, os
lugares sociais, os estereótipos, os saberes compartilhados, a finalidade e a intencionalidade
da interação, enfim, a situação de enunciação e todos os fatores nela envolvidos. Portanto,
tais condições de produção também estarão refletidas no componente lingüístico do texto e
participam significativamente de seu processo argumentativo.
Vale ressaltar ainda, com base em Charaudeau (1994), que o ato comunicativo
pressupõe três condições básicas: a legitimidade, a credibilidade e a captação. A primeira
condição diz respeito à necessidade do enunciador de ser reconhecido socialmente como
alguém com fundamento para falar, para adquirir “o direito à palavra”, enquanto a segunda
aponta para a condição de reconhecimento da capacidade de falar algo acreditado como
38
verdadeiro, factual e significativo. Acrescentando-se a isso, a última condição direciona-se
à conquista do outro, de sua adesão para que se alcance o ápice do processo, a persuasão,
influenciando o outro com a força retórica argumentativa. O uso de recursos
argumentativos contribui produtivamente para o estabelecimento dessas três condições
básicas do ato comunicativo.
Perelman & Olbrechts-Tyteca (1996), ao tratar da argumentação, apontam para
a questão da captação referida, visto que procuram mostrar que o objetivo fundamental da
argumentação é obter a adesão daqueles a quem se dirige. Dessa forma, prender a atenção
do público é algo indispensável para o andamento da argumentação, devendo haver,
portanto, um esforço do orador por adaptar-se ao auditório (tomado pelos autores como
“conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação” – grifo dos
autores – id.: 22). Segundo os autores (id.: 27), “é, de fato, ao auditório que cabe o papel
principal para determinar a qualidade da argumentação e o comportamento dos oradores” e,
por isso, o orador deve assumir determinados papéis sociais, conforme a situação de
comunicação, e ater-se a visões estereotipadas para que seus argumentos tenham força.
A partir dessa abordagem, considera-se que a força dos argumentos está
vinculada “à intensidade de adesão do ouvinte às premissas” e “à relevância dos
argumentos no debate em curso” e “variará, pois, conforme os auditórios e conforme os
objetivos da argumentação” (id.: 524). A argumentação visa, portanto, a uma “escolha
entre possíveis” (id.: 70) resultante dos processos de convencimento e de persuasão
efetivados por meio da utilização de uma série de recursos da linguagem.
Como afirma Carvalho (1996), há aproximadamente um século os diversos
recursos argumentativos disponíveis na língua não eram valorizados e utilizados nas
publicidades, visto que estas, se é que poderiam ser assim chamadas, limitavam-se a
oferecer informações muito objetivas, como vende-se tal coisa, com tais características,
num dado lugar, por tal valor. Essa forma de apresentar algo se aproximava à escrita de
caráter telegráfico do gênero “classificados”. Com o tempo, o texto publicitário expandiu-
se muito, passando a ser organizado com base numa argumentação icônico-lingüística, que,
ao realizar-se no plano da enunciação, reforça o nível de complexidade atingido por esse
gênero.
39
Isso é confirmado por Carrascoza (1999) em seu estudo sobre a evolução do
texto publicitário. Segundo os resultados de seu trabalho, os primeiros anúncios
apresentavam textos curtos, meramente informativos e sem ilustrações. Mais tarde, por
volta de 1875, surgem os primeiros anúncios com ilustrações, desenhos. Na virada desse
século, surgem os grandes anúncios com ilustrações por vezes em duas cores. Em 1914,
surge na cidade de São Paulo a primeira agência de propaganda brasileira, dando início a
uma nova fase para o setor, fase esta que inclui a utilização de fotos e a preocupação com o
uso de certos recursos retóricos até então pouco explorados. Na década de 1930, houve um
aumento na extensão dos textos, que passaram a ser superadjetivados e a incluírem
argumentos subjetivos e apelo à autoridade.
Apesar das sensíveis modificações ocorridas, o período da Segunda Grande
Guerra (déc. de 40) levou a uma redução significativa na produção de publicidades,
somente retornando com transformações muito significativas na década de 1950, período
bastante marcado pela diversificação da indústria brasileira, especialmente a
automobilística. Desse período em diante, a produção publicitária caminhou em passos
largos quanto às mudanças e complexidade dos textos. Surgiu, inclusive, nos anos 50, a
Escola de Propaganda em São Paulo. Os textos se alongaram e passaram a apresentar
chamadas secundárias, pela necessidade de apontar as características e os detalhes dos
produtos ao lado de diversos recursos visuais e fotos. Esse conjunto de técnicas marcou a
forte integração entre redação e arte publicitárias, na tentativa de envolver o público no
processo de sedução e persuasão que se desenvolve na estrutura circular de apresentação do
produto na publicidade.
Após acompanhar, em linhas gerais, esse percurso do texto publicitário no
Brasil, é preciso retomar que, através de recursos mais simples ou mais complexos, a
linguagem apresenta uma orientação argumentativa com vistas a uma determinada
conclusão ou a uma classe de conclusões. Como afirma Anscombre (1984: 14), “a
argumentação é a base da língua” e todo enunciado autoriza uma dada argumentação
conforme uma intenção expressa pelo discurso no momento da enunciação. Anscombre &
Ducrot (1983: 1) ratificam essa visão ao expor que “fala-se pra exercer uma influência
(consolar, persuadir, convencer, fazer agir, aborrecer ou embaraçar)...” e esses modos de
influência se manifestam a partir do sentido do discurso, que resulta, por sua vez das
40
“relações entre o signo e seus intérpretes” numa atividade intersubjetiva. Entre os diversos
mecanismos lingüístico-discursivos que participam desse processo argumentativo nos
textos, situa-se o aposto, com contribuições bastante relevantes, que poderão ser melhor
compreendidas ao acompanhar o estudo que segue do percurso de tratamento teórico dado a
ele, desde a gramática tradicional até a reflexão sobre o valor que passa a assumir sob a
perspectiva apresentada nesta pesquisa.
41
5- O APOSTO
5.1. Considerações teóricas
Diversos são os postulados gramaticais a serem considerados em um estudo
acerca do aposto. Esta pesquisa destacará, comparativamente, a contribuição teórica de sete
compêndios do estudo da gramática tradicional (Said Ali, Cunha & Cintra, Lima, Bechara,
Kury e Melo) e alguns estudiosos contemporâneos da gramática da língua portuguesa que
se dedicam ao estudo mais centralizado no discurso, ou seja, da língua em seu uso
(Azeredo, Gratacós, Koch & Marcuschi, Mateus et alli, Neves, Nogueira, Perini e Vilela &
Koch). Ao focalizar o aposto nas duas abordagens explicitadas, busca-se traçar uma
trajetória do estudo e do ensino desse elemento no decorrer do tempo, incluindo desde a
visão tradicional às considerações recentes sobre o assunto, além de perceber se este
recurso é de natureza predominantemente sintática e acessória ou muito mais discursiva e
de valor fundamental para a enunciação.
5.1.1. O aposto na abordagem tradicional
O aposto é definido, na visão da gramática tradicional, a partir do cruzamento
de critérios sintáticos, morfológicos e semânticos, embora o desenvolvimento da
abordagem de cada um dos sete autores considerados enfatize o caráter morfológico e
sintático desse termo, em primeiro plano, e semântico em segundo, como poderá ser
observado. A própria disposição desse termo no enunciado, assim como a relação que ele
estabelece com os demais termos, explica-se pela denominação do fenômeno sintático
como aposição e do elemento que realiza tal processo como aposto, visto que, em nossa
língua, aposição significa a “ação de apor”, ou seja, de “pôr junto; justapor” (Koogan &
Houaiss, 1994: 62) e o aposto é definido, de forma geral pela tradição gramatical,
justamente como o termo que se apõe a um substantivo ou a um pronome para explicá-lo,
precisá-lo ou qualificá-lo.
42
Said Ali (1964: 271) aborda o aposto ou aposição quando trata dos “termos da
proposição”, considerando-o uma das possibilidades de amplificações de sujeito e
predicado. Além disso, ao estudar os termos integrantes e acessórios da oração, afirma que
“aposto ou aposição é o termo acessório que se pospõe ao sujeito ou objeto como
explicação ou a título de equivalência”, podendo ser um “simples substantivo ou uma frase
de certa extensão” (id.: 126). O autor (id.: 271) não apresenta nenhuma tipologia do aposto,
mas preocupa-se em defini-lo da seguinte forma:
Aposto ou aposição, isto é, um substantivo que se
pospõe a outro substantivo ou a um pronome a título de equivalência, significando o mesmo ente.
No capítulo intitulado “FRASE, ORAÇÃO E PERÍODO”, Cunha & Cintra (1985)
reservam o item “A oração e seus termos acessórios” para estudar, entre os termos assim
denominados, o aposto, distribuindo-o em dois subitens: “Valor sintático do aposto” e
“Aposto predicativo” – percebe-se, então, o prioritário tratamento sintático ao termo. Os
autores afirmam que o valor sintático do aposto corresponderá ao do termo a que se refere,
podendo haver aposto no sujeito, no predicativo, no complemento nominal, no objeto
direto, no objeto indireto, no agente da passiva, no adjunto adverbial, no aposto e no
vocativo. Acrescentam, ainda, que “com o aposto atribui-se a um substantivo a propriedade
representada por outro substantivo. Os dois termos designam sempre o mesmo ser, o
mesmo objeto, o mesmo fato ou a mesma idéia” (id.:154).
Cunha & Cintra (id.) apontam para uma tipologia do aposto à medida que
enumeram maneiras como ele pode aparecer. São elas: especificação; representado por
uma oração; referindo-se a uma oração inteira; e enumerativo ou recapitulativo. Quanto ao
aspecto formal, os teóricos expõem (id.: 151) que “entre o APOSTO e o termo a que ele se
refere há em geral uma pausa, marcada na escrita por uma vírgula”, mas esclarecem que há
um caso em que pode não ocorrer essa pausa quando “a palavra principal” é “um termo
genérico, especificado ou individualizado pelo APOSTO”. Após reunir as considerações
anteriores, merece destaque a conceituação do aposto atribuída por esses dois autores
(ibid.):
43
Aposto é o termo de caráter nominal que se junta a um substantivo, a um pronome, ou a um equivalente destes, a título de explicação ou de apreciação (...).
Da mesma forma que esses autores, Lima (1992) realiza o estudo do aposto
como um dos termos acessórios da oração, que estão insertos em sua “TEORIA GERAL DA
FRASE E SUA ANÁLISE”. Segundo Lima (id.:255), o aposto é um termo de caráter nominal
com função esclarecedora ou individualizadora, em que “o substantivo fundamental e o
aposto que se lhe junta designam sempre o mesmo ser”. O autor também ressalta o
emprego da vírgula para assinalar a pausa que geralmente se estabelece entre o aposto e o
termo a que se refere, a não ser quando há a denominação de um ser ou a sua
individualização. Aponta os seguintes papéis do aposto: esclarecimento, denominação,
enumeração, síntese e aquele que se refere ao sentido global de uma oração. Vale explicitar
a forma como essa abordagem sobre o aposto foi introduzida pelo autor (ibid.):
Um substantivo (ou pronome) pode-se fazer acompanhar imediatamente de outro termo de caráter nominal, a título de individualização ou esclarecimento.(...).
Com o mesmo tratamento “termo acessório da oração”, Kury (1993), ao
estudar o período simples, explicita uma tipologia do aposto que inclui o explicativo, o
enumerativo, o resumidor ou recapitulativo e o comparativo, destacando, ainda, o aposto
de oração, aposto de especificação e o aposto aparente. Ao referir-se, num âmbito
conceitual, ao aposto, afirma que (id.:57):
Uma idéia fundamental contida num termo de
valor substantivo, em qualquer função sintática, pode ser continuada, explicada (inclusive por comparação), desenvolvida ou resumida num termo acessório, seu equivalente ou adjunto, também necessariamente substantivo, APOSTO.( grifos do autor)
Melo (1978) também considera o aposto um elemento acessório de referência
nominal da oração, destacando a aposição como uma “subordinação de substantivo sem
44
conectivo” (id.: 217) que apresenta o valor de um adjunto adnominal. O autor introduz essa
abordagem quando afirma (ibid.) que “o adjunto adnominal recebe o nome especial de aposto,
quando é expresso por substantivo não preposicionado, apenas ideologicamente subordinado ao
termo principal (...)”. Considerando assim o aposto, o autor declara que pode haver o aposto
referido a toda a oração ou a todo o período, o aposto referido a parte de outro aposto, o
aposto enumerativo e o atributo circunstancial (denominação correspondente ao aposto
circunstancial tratado pela NGB).
Bechara (1999), embora reafirme a abordagem da gramática tradicional acerca
do aposto, distingue-se dos demais autores pois não apresenta esse termo como acessório,
mas como um determinante nominal que corresponde a uma das “funções oracionais”. A
conceituação de aposto que reflete essa característica do autor de manutenção da
abordagem tradicional, com as ressalvas já demonstradas, está expressa de forma
diferenciada em duas edições de sua gramática, a saber:
É um termo oracional de natureza substantiva ou pronominal que se refere a uma expressão de natureza substantiva ou pronominal para melhor explicá-la ou para servir-lhe de equivalente, resumo ou identificação.
(Bechara, 1992: 213) Chama-se aposto um substantivo ou expressão
equivalente que modifica um núcleo nominal (ou pronominal ou palavra de natureza substantiva como amanhã, hoje, etc.) também conhecido pela denominação fundamental, sem precisar de outro instrumento gramatical que marque esta função adnominal.(grifos do autor)
(Bechara, 1999: 456)
Esse autor (1999) ainda chama a atenção para o fato de que esse “componente
sintagmático nominal” é dificilmente distinguido de um adjunto adnominal. Ele afirma que
a aposição pode ser específica ou especificativa e explicativa, incluindo, nesta última, o
aposto enumerativo, o distributivo e o circunstancial.
Comparativamente, observam-se muitos aspectos comuns nas abordagens
apresentadas anteriormente. Entre as intersecções de nível sintático, merecem destaque o
45
tratamento comum do aposto como termo acessório da oração (exceto em Bechara) e a
relação de subordinação estabelecida entre o aposto e o termo a que se refere. Quanto ao
nível morfológico, todos os autores afirmam o caráter nominal do aposto, expresso por um
núcleo substantivo que se refere a outro substantivo ou pronome. No nível semântico, há
um destaque ao valor mais geral de explicação e de equivalência de significação do aposto
com o termo a que ele faz referência. Esses aspectos apontados na visão da gramática
tradicional, embora relevantes, não correspondem ao estudo pragmático e discursivo desse
termo. Vale ressaltar que, ao apresentar uma tipologia do aposto, ainda que seja utilizado
um critério semântico, além de não haver limites bem definidos entre as várias
classificações atribuídas pelos diversos autores, este critério não abrange a verdadeira
dimensão do aposto quando presente na construção do discurso.
Outro dado significativo diz respeito a uma preocupação de grande parte dos
autores com o aspecto formal de apresentação do aposto nos enunciados, especialmente
nos casos marcados pela vírgula, pois a ocorrência do aposto não se restringe ao uso desse
sinal de pontuação. Isso pode ser percebido, inclusive, nos casos que compõem o corpus
dessa pesquisa, como será observado mais adiante.
Também são questionáveis, numa ótica semântica e discursiva, as
denominações “palavra principal” (Cunha & Cintra, 1985:151), “substantivo fundamental”
(Lima, 1992: 256) e “núcleo nominal fundamental” (Bechara, 1999: 456) para designar o
termo ao qual o aposto faz referência, tendo em vista que isso deixa implícita a conotação
de que o aposto apresenta um valor menor, secundário, “acessório” no enunciado. É certo
que sintaticamente essas denominações podem ser justificadas e compreendidas, mas elas
não atendem a uma perspectiva discursiva e pragmática, conforme poderá ser verificado
com os resultados desta pesquisa.
46
5.1.2. Estudos contemporâneos
Autores que se dedicaram, contemporaneamente, ao estudo do aposto
apresentam-no com uma maior ênfase semântica, que se aproxima do seu valor no
discurso. Há uma busca por reunir as diferentes relações de sentido que se estabelecem
entre o sintagma nuclear e o aposto no enunciado, assim como certas funções que assume
no discurso.
É nesse sentido que Azeredo (2000a: 198) procura expor para que serve o
aposto, fazendo uma leitura discursiva da maioria das classificações atribuídas a ele na
visão tradicional :
• reiterar, por força de algum interesse ou necessidade discursiva, a identidade de um ser ou objeto (aposto explicativo – ap.expl.);
• introduzir um comentário com que se avalia ou se esclarece uma informação (aposto atributivo – ap. at.);
• particularizar a referência genérica de um substantivo (aposto especificativo – ap. esp.);
• detalhar (aposto enumerativo – ap. en.) ou sintetizar (aposto recapitulativo – ap. rec.) o conteúdo do SN fundamental.
(Azeredo, 2000a: 196)
Segundo Azeredo (2000b: 62), o aposto representa uma das funções exercidas
por um sintagma nominal que apresenta o papel de modificador de outro sintagma nominal
com o qual estabelece uma relação de equivalência e co-referência, podendo (2000a: 195),
“por ser também núcleo na construção, o aposto dispensar o núcleo primário e constituir
por si só o SN”. O autor afirma, ainda, que o aposto pode realizar um processo de
topicalização, vindo à esquerda da oração a que pertence e funcionando como tópico de
todo o enunciado. Embora demonstre essa possibilidade, ressalta que ele “ocorre
geralmente após a oração. Eventualmente vem intercalado a ela. Anteposto à oração, é
próprio do uso apelativo da imprensa falada ou de anúncios” (id.: 63).
47
O mesmo autor (id.: 63-64) apresenta casos em que o aposto é um modificador
oracional e acrescenta que a função discursiva dele nesse tipo de ocorrência é “exprimir
um comentário do enunciador sobre o conteúdo proposicional da oração”, aproximando-se
de “outras construções em que o comentário constitui uma oração independente”. Nos
casos em que o aposto aparece na forma oracional, como oração subordinada substantiva
apositiva, ele exerce a mesma função que o sintagma nominal é capaz de exercer e seu uso
tem “a intenção de dar realce à informação que elas [as orações apositivas desenvolvidas]
contêm” (2000a: 218).
Em estudo recente, Azeredo (2003) trata do aposto como um dispositivo
sintático que “provavelmente, (...) detém o mais alto rendimento na construção da
referência, haja vista seu potencial de uso no modo argumentativo de organizar o discurso
e suas possíveis associações com os gêneros textuais” (id.: 30). O autor destaca o valor co-
referencial do aposto associado a uma intenção de sentido do texto e revela que tal valor
garante que o ato de referência se mantenha no enunciado com qualquer um dos dois
sintagmas exercendo o papel de núcleo primário. Também Koch & Marcuschi (1998)
abordam a correferenciação como um processo discursivo de retomada de referentes que
leva o texto a evoluir, pois a referenciação não diz respeito ao simples sistema de
correspondências lexicais adequadas, mas ao amplo conjunto de termos, algumas vezes
não sinonímicos, capazes de recuperar elementos do discurso. O aposto, por representar na
maioria das vezes uma retomada anafórica, pode ser considerado uma “estratégia de
progressão discursiva” (id.: 179) que oferece uma continuidade, uma visão processual ao
texto e revela-se um significativo mecanismo de coesão textual.
Nogueira (1999) também procura discutir a relação de correferencialidade nas
construções apositivas e questiona o fato de muitos estudiosos associarem esse fator como
uma condição para uma aposição prototípica. Embora a autora discorde dessa noção como
caráter condicionante da oposição, admite que “se a perspectiva do falante for considerada,
isto é, a sua intenção de referir-se a uma mesma entidade, os elementos em destaque podem
ser ditos co-referenciais” (id.: 92).
Apothéloz (2003: 61) ressalta que “há correferência entre duas expressões sempre
que elas designam no discurso o mesmo referente” e que “a relação de correferência é
freqüentemente considerada como o protótipo de anáfora”. Diante disso, o aposto é um
48
elemento correferencial, mas nem sempre anafórico, pois conforme a sua posição no
enunciado passa a ter papel catafórico. Vale esclarecer que, com base em Milner (2003), as
noções de correferência e anáfora são distintas. Segundo o autor, a anáfora exige que o
elemento anaforizante só seja interpretável se retoma, inteira ou parcialmente, o
anaforizado, enquanto para que haja correferência é preciso que os dois elementos tenham a
mesma referência, mas “pode acontecer sem que a interpretação de um seja afetada pela
interpretação da outra” (id.: 112/113). Embora as duas relações referidas sejam distintas,
elas podem co-ocorrer. Sendo assim, quando o aposto tem caráter anafório, representará
uma correferência, pois “de fato, parece que a anáfora se acompanha sempre de alguma
correferência” (id.: 115). Há casos de aposto, ainda, em que ocorre um processo de co-
significação, que aponta para a noção de equivalência entre o termo referido e o termo em
aposição.
Gratacós (1999) reserva um estudo extenso sobre a aposição na gramática
descritiva da língua espanhola e inicia ressaltando a existência de limites difusos existentes
na teorização acerca da aposição. Ao lado de destacar que a aposição manifesta uma
relação predicativa entre os dois membros apostos, afirmando que “las aposiciones
introducirían, pues, una predicação secundaria de caráter nominal (...), usada para
especificar o explicar otra palabra de la misma especie” (id.: 525), a autora demonstra
(ibid.) que:
las construcciones apositivas incluyen un conjunto
de fenómenos diversos que van desde compuestos léxicos (...) pasando por la estructura de la frase nominal (...) hasta la interpolación de incisos nominales por motivos discursivos.
Segundo a autora, há aposições explicativas/ não restritivas/ descritivas e
especificativas/ restritivas, além de enumerativas. Outro aspecto enfocado por Gratacós é a
ruptura da entonação realizada pelo aposto e geralmente marcada pela vírgula, mas
acrescenta que se observa atualmente uma liberdade maior no uso de dois pontos,
travessão, parênteses e pontos. A autora afirma, ainda, que são propriedades da aposição a
adjacência, a eqüifuncionalidade entre os dois termos em aposição e certo grau de
correferência e eqüifuncionalidade torna-se possível devido à correferência. Sendo assim,
49
tornam-se requisitos aos casos de aposição que os dois elementos sejam de uma mesma
categoria ou equiparáveis funcionalmente e possuam afinidade semântica.
Gratacós (id.: 531), ao tratar da natureza da relação predicativa entre os termos
em aposição, revela o caráter atributivo dessas construções, demonstrando que:
en el lenguaje publicitario es muy frecuente omitir el
verbo copulativo en secuencias como Coca Cola, la chispa de la vida, Audi, el placer de conducir o Parker, la escritura (...) para dar contundência al mensaje. En estos casos se percibe claramente el parentesco existente entre oraciones atributivas y aposiciones – grifos da autora.
A autora acrescenta que entre os termos em aposição há um grau de coesão
interna “que no permite en muchas ocasiones la disgregación de los dos elementos que la
[la palabra resultante, un compuesto/ la aposición] constituyen” (id.: 532). Conforme sua
abordagem, um fator que mostra a coesão entre os dois membros em aposição é o grau de
separabilidade, pois, algumas vezes, “la supresión del elemento en aposición en
construcciones con mayor grado de cohesión léxica, o bien no es viable (...) o acarrea una
pérdida de significado (...)” (id.: 533).
Ainda considerando o estudo de Gratacós (id.: 541), observa-se que o
mecanismo da aposição introduz um nome ou sintagma nominal como um comentário de
outro nome. A autora aborda a possibilidade de haver, em alguns casos de aposição, uma
carga valorativa por razões semântico-pragmáticas.
Por Neves (2000: 71), o aposto é apresentado como uma das funções sintáticas
do substantivo que, por sua vez, “funciona como núcleo do sintagma em que ocorre”,
correspondendo a uma das diferentes funções que o sintagma nominal pode, quando não-
preposicionado, assumir. Pode ser usado como expressão explicativa ou identificadora,
pode ter valor atributivo , assim como pode ser também, segundo a autora, resumitivo ou,
ainda, especificador. Percebe-se que Neves não aponta sistematicamente uma tipologia do
aposto, apenas sugerindo certos valores assumidos por ele nas situações de uso da língua
analisadas por ela.
Vilela & Koch (2001: 377-378) preocupam-se com as relações de significado
que o aposto pode especificar, conforme “o valor lexical do nome que cumpre o aposto”:
identificação, classificação e avaliação. Segundo os autores, o aposto deve ser tratado em
50
“sentido estrito” e “em sentido amplo”. O primeiro caso diz respeito ao aposto
representado por uma palavra ou um grupo de palavras, e o segundo, a uma “ ‘aposição
frásica’, em que o substantivo nuclear ou a construção equivalente se reporta a um estado
de coisas”. Vale destacar a abordagem desses teóricos (id.: 377) acerca da definição de
aposto:
Um tipo especial de atributo é o aposto. O aposto é um substantivo ou construção que tem o mesmo denotado que o da sua palavra nuclear. As relações de significado entre o núcleo e o aposto correspondem às do sujeito e do predicativo substantivo (...).
Perini (2002), considerando o aposto um termo de “comportamento obscuro”
na gramática tradicional, propõe que esse termo deve ser tratado como um parentético. Os
parentéticos, segundo o autor, são “elementos que sintaticamente repetem a oração ou um
de seus termos e se justapõem ao elemento repetido, separando-se por vírgula” (id.: 121),
podendo assumir uma posição livre junto aos termos da oração, embora estando sempre
separados por vírgulas na escrita. Para o autor (id. 122), “não é necessário, portanto,
especificar uma função separada para o “aposto” da gramática tradicional: trata-se
simplesmente de um caso especial de parentético – o caso em que o elemento repetido é
um SN”.
Apesar de Perini referir-se à independência posicional do aposto, deixa claro
que este vincula-se à oração pela concordância nominal e pela interpretação semântica.
Isso representa, para ele (id.: 122), uma “integração sintática e semântica dos parentéticos
na oração”. Assim, ele discorda da afirmação geral de que os parentéticos não se
relacionam sintática nem semanticamente com a oração em que ocorrem.
Destacando-se em relação aos estudos anteriores, já que até então o aposto era
apresentado com um caráter apenas nominal ou pronominal, Mateus et alli (2003) afirmam
que os apostos podem ser nominais e adjetivais. Com base nesses teóricos, os apostos são
modificadores nominais constituintes de um sintagma determinante e expressos não só de
forma nominal ou adjetival, como também oracional (os “apostos frásicos”). As autoras
explicitam que “na categoria tradicionalmente designada SN estabelecem-se, além da
determinação e da quantificação, relações de complementação e de modificação” (id.: 370)
51
e é nessas relações de modificação que se inclui a aposição, sendo expressa por diferentes
categorias. Para as autoras (id.: 366),
Os modificadores apositivos constituem um comentário avaliativo do locutor sobre a entidade denotada pela expressão nominal; categorialmente podem ser frásicos (as relativas apositivas), nominais ou adjetivais (os apostos na terminologia tradicional).
Ao focalizar o tratamento dado ao aposto por esses autores contemporâneos,
torna-se evidente a maior preocupação com as relações de sentido que se estabelecem entre
o aposto e o termo a que se refere. Juntamente a isso, merece destaque a forma de
apresentação do aposto por esses teóricos. Vê-se que não há nenhuma menção ao aposto
como um “termo acessório da oração” (apesar de não haver uma negação explícita dessa
abordagem tradicional) ou qualquer tentativa de estudo à parte em relação aos demais
termos que participam da estruturação oracional e da construção de sentido num
enunciado. A maioria dos autores enfatiza os valores semânticos e discursivos que o
aposto, num papel de modificador de um sintagma nominal, assume conforme uma
determinada situação de uso. Não foi abandonado o critério sintático para estudo e
caracterização do aposto, entretanto, nota-se a diferença de seu enfoque nos estudos
contemporâneos, em que deixa de ser prioritário.
Outro fator que distancia tais abordagens da gramática tradicional é a questão
de não restringir a marcação da pausa estabelecida pelo surgimento do aposto ao uso da
vírgula, uma vez que também são muito utilizados os dois pontos, o ponto final e,
inclusive, há a possibilidade da ausência de pontuação para demarcá-lo. Essas diferentes
formas de disposição do aposto aparecem em certas exemplificações dos teóricos
abordados, apesar de alguns deles não discutirem explicitamente a questão da pontuação
do aposto nos enunciados, exceto Perini (2002), que afirma a marcação sempre feita por
vírgulas por ser o aposto, na visão do autor, um caso de parentético.
Há também, particularmente em Azeredo (2000b), uma preocupação em
expressar as possibilidades de posicionamento do aposto quanto à oração a que pertence ou
se refere e com o valor de uso de cada uma delas. Esse autor, ao lado de Mateus et alli
(2003), ressalta ainda a significativa função que o aposto possui de representar um
comentário avaliativo do enunciador em seu discurso.
52
Embora haja um enfoque mais discursivo nas abordagens contemporâneas
acerca do aposto, observa-se que ainda não há um estudo mais detalhado sobre o assunto,
destacando diversos aspectos fundamentais envolvidos no uso desse termo num dado
contexto. Como revelarão as publicidades analisadas neste trabalho e em conformidade
com a análise comparativa dos pressupostos teóricos anteriormente apresentados, será
possível perceber que o aposto possui um papel de importante relevo discursivo num
estudo que focalize pragmaticamente a sua participação no processo enunciativo.
5.2. Uma proposta discursiva de abordagem
De acordo com a apresentação do subitem anterior, pode-se perceber que, na
abordagem tradicional do aposto, estabeleceu-se um tratamento prioritariamente sintático
para um recurso que, à luz da pragmática, passa a assumir uma função discursiva que se
acrescenta ao valor sintático já estudado por muitos gramáticos de nossa língua. Isso será
investigado e poderá ser verificado, através da análise das publicidades no capítulo 6, a
seguir.
Considerar o aposto na ótica discursiva significa analisá-lo através da
realização de um texto, em uma dada situação interativa entre um sujeito enunciador e
outro co-enunciador, resultando numa co-construção de sentido. Este estudo alcançará o
nível da enunciação, já que é nessa instância do discurso em ação que se poderá
compreender a significativa contribuição do aposto no processo comunicativo. Para isso,
não se deve buscar o enquadramento de uma ocorrência de aposto em uma dada tipologia
fixa e com limitado número de classificações, pois cada enunciação é um momento único,
com características próprias, e sofre a influência de diversos fatores contextuais que irão
participar da determinação do valor do aposto.
É necessário refletir sobre os fatores lingüísticos e extralingüísticos que
resultam na produção do sentido no discurso. E para isso, conforme sugere a análise
comunicacional, na visão de Charaudeau (1999), deve haver a preocupação de articular os
acontecimentos textuais e sociais. Tal articulação, para o autor, focaliza os
53
comportamentos dos indivíduos nos seus atos de interação social, as condições de
realização, as identidades dos parceiros da interação, a finalidade acional da situação, além
do contrato comunicativo regulador de toda a situação comunicativa.
Os signos apresentam, potencialmente, um sentido, mas somente no momento
em que se relacionam com outros signos e com a situação de comunicação em que serão
utilizados que, de fato, surge o seu valor discursivo. São os sujeitos da interação que,
considerando a articulação de todos os elementos referidos acima por Charaudeau,
construirão efetivamente o sentido, utilizando a sua competência lingüística, comunicativa,
discursiva, situacional e semiolingüística (cf. a abrangência, segundo Charaudeau, de cada
uma delas no item 2.4).
Não se pode deixar de considerar o caráter plural da linguagem, tanto no que
diz respeito à multiplicidade de signos quanto à diversidade de enunciadores, de co-
enunciadores e de situações discursivas. Os signos serão selecionados pelo sujeito
enunciador a partir da confluência de uma série de fatores, dentre os quais se destacam: os
imaginários sociais, a intencionalidade, o ethos do destinatário ideal e características
próprias do gênero textual. Por outro lado, o sujeito destinatário irá acionar e articular
todos esses fatores, inclusive o ethos do enunciador, para participar da co-construção de
sentidos.
A intencionalidade do discurso pode apresentar-se implícita ou explicitamente
numa interação, de acordo com as estratégias lingüísticas e/ou extralingüísticas utilizadas
com vistas à persuasão. Portanto, perceber o papel do aposto na realização desse processo
discursivo e as contribuições que ele oferece à enunciação conduzirá ao estudo das funções
discursivas desse recurso. Essa proposta discursiva será melhor demonstrada no próximo
capítulo, quando se analisarão ocorrências do aposto em publicidades de automóveis a
partir dos pressupostos teóricos desta pesquisa.
54
6- ANÁLISE DO CORPUS Entre palavras e combinações de palavras, circulamos, vivemos, morremos e palavras somos...
(Carlos Drummond de Andrade)
Para contemplar a proposta de abordagem discursiva do aposto, a análise dos
dados reunidos estará disposta em dois momentos. No primeiro deles, haverá a preocupação
de realizar uma aplicação ao corpus dos aspectos teóricos a que essa pesquisa recorreu e
desenvolveu, com o intuito de verificar a importância de considerar, em conjunto, os fatores
postos em questão quando se objetiva dar um tratamento discursivo a um elemento
lingüístico que participa do processo de enunciação de um texto. Com esse fim, para
exemplificar, foram selecionadas 10 publicidades de automóveis de diferentes períodos,
desde a década de 50, séc. XX, até o séc. XXI, de um universo de 100 para serem
analisadas a partir desses parâmetros.
No segundo momento, serão avaliadas as ocorrências do aposto, levando em
conta as imagens veiculadas através de seu caráter referencial e o seu valor textual-
discursivo. É preciso esclarecer que será dado um enfoque qualitativo, embora com base
em valores percentuais obtidos. Ainda constarão, nessa fase da análise, a observação e
avaliação do posicionamento do aposto na publicidade (se no texto central e/ou no
secundário), para que se perceba o nível de importância atribuído a ele na publicidade e até
que ponto ele pode ser considerado um elemento produtivo nesse gênero textual.
Junto a isso, haverá a avaliação dos resultados no que diz respeito a possíveis
variações no uso do aposto durante o intervalo temporal compreendido entre as diversas
publicidades selecionadas, de acordo com o período de circulação de cada uma delas na
mídia impressa. Em última instância, serão reunidos 5 casos do corpus para proceder a uma
classificação com base na nomenclatura da gramática tradicional, a fim de que se possa
reconhecer que a classificação sintático-semântica do aposto não revela o seu valor textual
e discursivo e que, muitas vezes, não há limites precisos entre as diferentes classificações
existentes.
55
6.1. O aposto no discurso publicitário
O estudo do aposto através do discurso da publicidade favorece à reflexão de
que, acrescentando-se ao seu caráter sintático, existe a necessidade de compreender o
sentido que dele pode ser depreendido em função da sua contextualização no universo da
publicidade. Conforme afirma Azeredo (2000a: 13-14), a sintaxe pode ser definida como
“parte do sistema da língua que permite criar e interpretar frases”, não sendo, portanto,
capaz de explicar tudo na criação e interpretação das frases, pois exige a compreensão do
sentido pragmaticamente atribuído ao enunciado pelo contexto em que se insere e se
realiza. Com base nisso, será possível investigar as contribuições discursivas do aposto, já
que a sua recorrência em textos desse gênero é bastante produtiva.
Estão dispostas a seguir, para exemplificação, 10 publicidades numa ordem
crescente em relação ao período em que circularam na mídia e estão numeradas de forma a
facilitar a compreensão das referências a serem realizadas no estudo desenvolvido.
56
* Décadas de 50 a 70 – séc. XX 1- Texto central: “Um carro sólido com o CONFORTO que v. exige/ RENAULT Dauphine.”
2- Texto central: “Alfa Romeo/ um carro pra a família/ um campeão nas pistas.”
57
3- Texto central: “Fórmula certa. Opala Cupê De Luxo.”
4- Texto central: “Garra. É o Opala. O carro certo. O carro certíssimo.”
58
* Década de 80 – séc. XX à 1ª década – séc. XXI
5- Texto central: “Tipo/ Um carro tipo nenhum outro.”
6- Texto central: “Chegou o Volkswagen Logus. O estilo dos próximos anos.”
59
7-
Texto central: “Um carro que faz as válvulas que você tem no peito andarem mais rápido. RENAULT MEGANE.”
8- Texto central: “A elegância e o desempenho do ponto de vista dos importados. Nissan Sentra GSX 16V”
60
9- Texto central: “Neon. Um carro que destaca você.”
10- Texto central: “Astra/ O verdadeiro líder pede passagem.”
61
Nessas dez publicidades, assim como nas demais que compõem o corpus
selecionado, é notório o emprego do aposto (com o esclarecimento de que o exemplo 10
não representa um caso prototípico de ocorrência do aposto, mas que a expressão “o
verdadeiro líder” encontra-se numa relação de aposição e co-referencialidade com o
sintagma nominal “Astra”, assumindo um valor expressivo tanto no nível frasal quanto
discursivo, o que faz com que seja incluído no corpus de análise) como uma escolha que,
ao lado de diversos outros recursos utilizados, em muito contribui para o todo enunciativo.
Os implícitos que surgem de seu conteúdo explícito refletem a voz dos imaginários sociais,
o ethos dos sujeitos envolvidos, ao mesmo tempo em que representam uma das estratégias
de sedução e persuasão da publicidade e favorecem a conquista da legitimidade do
enunciador e da credibilidade de seu discurso. Isso contribui para o estabelecimento do
contrato comunicativo entre os sujeitos da enunciação e, conseqüentemente, para o
processo de mitificação do produto, que, por sua vez, conduzirá à materialização da
intencionalidade do discurso. Todos esses fatores estão envolvidos de forma decisiva na
elaboração do discurso e na sua realização.
Com base nos estudos de Bakhtin (1995), é necessário articular linguagem,
sociedade e ideologia, visto que a linguagem, nesse caso a publicitária, expressa ideologias,
maneiras de ver o mundo próprias da sociedade que a produz e corresponde à representação
de uma época. Observa-se que as quatro primeiras publicidades foram criadas num período
em que poucas empresas automobilísticas se estabeleciam no Brasil e o carro era um
produto consumido essencialmente para atender à família e para ser conduzido pelo
homem, já que a revolução feminina ainda não havia conseguido tão plenamente romper
com a idéia de que o homem é o “chefe da família” e de que a mulher “não tinha condições
de alcançar a sua independência financeira”, embora a mulher viesse realizando inúmeras
transformações sociais ao longo do tempo, com destaque à sua inserção no mercado de
trabalho e à sua participação na vida política.
Por outro lado, as seis últimas publicidades foram criadas próximo do fim do
séc. XX e início do séc. XXI, momento em que a mulher, diante da sociedade, assume
papéis semelhantes aos atribuídos até então ao homem, tendo rompido vários preconceitos
resultantes da imagem anteriormente submetida ou ao menos associada à figura masculina.
A mulher atual participa intensamente do mercado de trabalho, conquistou a sua
62
independência financeira, buscando a sua satisfação pessoal, sua realização individual, sem
abandonar as noções de feminilidade, como a fragilidade, a delicadeza, a sensibilidade,
entre outras ligadas à sua imagem desde épocas anteriores.
Esse quadro social dos dois períodos distintos da sociedade aqui considerados,
sem dúvida, é determinante para o plano ideológico que se encontra refletido no discurso
publicitário. Pode-se observar que a noção de que o automóvel é direcionado a um público
masculino é evidente nas publicidades 1,2,3 e 4, não só contextualmente, como também,
lingüisticamente, quando cita a “família” em 2, já que o discurso permite recuperar os
imaginários sociais abordados acima, através dos quais a estrutura da família funda-se
numa relação patriarcal, conforme a ideologia analisada quanto às décadas de 50 a 70 do
séc. XX. Já nas demais publicidades, é perceptível que não há nenhuma marca lingüística
nem contextual que remeta especificamente à figura masculina, por isso se pode inferir que
esse fator representa uma estratégia de inclusão do público feminino.
Há de se notar que, nas últimas publicidades citadas, um dos elementos não-
verbais, como as fotos, ou focalizam o automóvel ou, quando mostram uma imagem
humana ao volante do carro, esta não possui traços definidos, podendo identificar-se tanto
com um interlocutor masculino como feminino. Opõe-se a essa estratégia utilizada apenas a
publicidade de número 7, visto que faz diretamente um apelo à imagem feminina, pois
introduz a foto de uma mulher, ratificando que o automóvel em questão atende
especialmente às expectativas femininas.
Todos esses recursos delineiam um público-alvo para as publicidades e
representam marcas de definição de gênero, já que apontam para valores culturais
compartilhados pelos interlocutores, trazendo à tona uma série de estereótipos que estão
presentes nas relações sociais de cada época, o que irá interferir na incidência temática
desses valores através da publicidade com o intuito mantenedor ou transformador. Isso não
deixa de ser mais uma estratégia de sedução e persuasão, pois participa da busca do
enunciador por fazer com que o co-enunciador se identifique com o mundo recriado pelo
discurso publicitário.
A ideologia predominante reside ainda nas bases de uma sociedade capitalista
voltada para o consumo, seja de produtos de primeira necessidade (atendendo à
subsistência) ou de segunda necessidade (atendendo à idéia do prazer). Essas publicidades
63
deixam claro o esforço em aliar a idéia das duas necessidades anteriores em um só produto,
o automóvel. Nesse sentido, os imaginários sociais voltam-se para o atendimento de uma
incompletude, em que o automóvel preencherá, através do valor lingüístico-discursivo do
aposto, implícita ou explicitamente, as noções de utilidade (cf. em 1,2,4,7,8,9), perfeição
(cf. em 1,2,3,4,5,10), potência (cf. em 2,4,7,10), avanço tecnológico/ liderança (cf.em
3,4,5,6,10), conforto (cf. em 1,2,3,4,10), superioridade (cf. em 1,2,3,4,5,6,8,10) e estilo (cf.
em 5,6,8,9). Todas essas noções, sem dúvida, atendem ao vazio mencionado e às próprias
exigências da ‘correria’ da vida moderna (velocidade dos fatos, das mudanças, das
descobertas, das múltiplas funções assumidas pelos indivíduos – em especial nas seis
últimas publicidades) aliadas à questão do destaque à qualidade.
O conjunto de crenças e valores sociais que constroem esse espaço de
condicionamento determinante no processo de significação dessas publicidades
fundamenta-se na obtenção do bem-estar, da felicidade, do êxito e do status social que se
crê adquirir com a aquisição do produto. A publicidade representa uma interação entre um
enunciador e um co-enunciador com vistas a uma busca partilhada pelos dois no mundo
criado pela enunciação, porém como alimento da individualidade de cada ser social,
encontrando respaldo nas teorias do liberalismo e do neoliberalismo. O universo dos
sentidos baseia-se na crença de que é possível construir um mundo perfeito e ideal, repleto
de abundância, progresso e grandes realizações, através da realidade recriada pelo texto
publicitário, que, conforme sugerido, será concretizada na atitude final do consumo, valor
impulsionador da sociedade capitalista.
Esses diversos fatores ligados aos imaginários sociais conduzem à construção
do ethos dos sujeitos enunciador e destinatário. O enunciador apresenta-se como aquele
beneficiador que se preocupa com a realização e bem-estar do consumidor e que possui
legitimidade para falar das verdadeiras vantagens dos automóveis, parecendo demonstrar
que todas as afirmações já foram devidamente comprovadas e, por isso, estão sendo
partilhadas com o público com o intuito de assegurar que as vantagens apontadas para cada
automóvel se concretizarão efetivamente com a aquisição do produto. Isso favorece ao
alcance da credibilidade do discurso.
Ao observar as publicidades, percebe-se que o enunciador, quando utiliza em
seu discurso as construções apositivas, assume o papel de conselheiro, como uma voz que
64
apresenta o produto numa posição apreciativa de quem o conhece de fato e deseja
compartilhar com o público tal apreciação. O enunciador ressalta, na enunciação, as
qualidades consideradas mais significativas e exigidas pelo sujeito destinatário idealizado e
expressa isso no enunciado através de expressões nominais e adjetivais que estão ligadas
lingüística e contextualmente ao elemento nuclear de cada aposto e que contribuem para
esse processo atributivo das asserções (“sólido”, “conforto” – cf.1; “campeão” – cf.2;
“Fórmula certa” – cf.3; “garra”, “certo”, “certíssimo” – cf.4; “tipo” – cf.5; “estilo” – cf.6;
“válvulas”, “peito” – cf.7; “elegância”, “desempenho” – cf.8; “verdadeiro”, “líder” – cf.
10).
O enunciador procura construir sua imagem a partir dos desejos e necessidades
do destinatário ideal, como se os conhecesse e quisesse representar a sua voz. Esse
destinatário, por sua vez, possui uma imagem daquele que precisa ser beneficiado e que,
encontrando nas características destacadas um reflexo do que parece estar faltando para si –
como num espelho –, passa a ver-se no discurso da publicidade, a inserir-se nela. Percebe-
se, então, que a imagem do co-enunciador é instituída pelo enunciador de forma idealizada
no ato de produção do texto publicitário.
O co-enunciador, assim como o enunciador, está inscrito no ato de linguagem
de forma explicitamente marcada ou não. A presença do co-enunciador nas publicidades
consideradas está nitidamente marcada em 1, 7 e 9 por meio do pronome “você”, que
aponta diretamente para o interlocutor, enquanto que nas demais encontra-se apenas
presumida. Diante disso, esses sujeitos da interação podem inscrever-se no discurso de
formas diferenciadas e a imagem de cada um deles irá refletir certas características distintas
nos textos considerados, conforme as particularidades de cada enunciação. Entretanto, é
possível, na análise das publicidades de automóveis que compõem o corpus, identificar os
traços reincidentes apontados acima a respeito do ethos do enunciador e do co-enunciador,
que merecem destaque mediante a proposta desta pesquisa.
Todos os constituintes do texto publicitário já abordados estão inter-
relacionados de tal forma que não só um contribui para a realização do outro como, em
certos momentos, parecem cruzar-se ou serem simultâneos. É com base nisso que se pode
perceber que todas as características até então tratadas a respeito do fundo ideológico e dos
lugares sociais participam significativamente do estabelecimento do contrato comunicativo
65
– uma relação que se baseia na apresentação sedutora e suasória, por um enunciador, de um
produto e que possui sua culminância no ato de compra, por um co-enunciador, desse
produto e da imagem construída em torno dele. As regras desse contrato baseiam-se num
conhecimento (lingüístico, social e situacional) partilhado para que se efetive o processo de
comunicação. Além disso, no momento em que se estabelece e se realiza esse contrato no
ato comunicacional as palavras e o discurso em si expressam a sua força de verdade para o
alcance da legitimidade do enunciador para falar sobre os automóveis aos seus
interlocutores e, ao lado das contribuições do ethos das publicidades e de todas as
estratégias utilizadas no processo de mitificação do produto, chegar à conquista da
credibilidade do discurso junto ao co-enunciador.
A mitificação expressa-se nas publicidades analisadas através do processo de
singularização do produto, que algumas vezes aparece explícito nos enunciados por meio
de recursos lingüísticos – especialmente o aposto, nos casos analisados – e de outros
recursos extralingüísticos, ou apresenta-se implícito nesses mesmos elementos. Os
enunciados referem-se ao automóvel em questão atribuindo-lhe um caráter único, como se
o produto, por possuir as características apontadas, fosse algo singular e superior em
relação a qualquer outro que exista. Isso é comprovado pela observação explicitada
lingüisticamente pelos seguintes apostos: “Fórmula certa”, “O carro certo. O carro
certíssimo”, “Um carro tipo nenhum outro”, “O estilo dos próximos anos”, “A elegância e o
desempenho do ponto de vista dos importados” e “O verdadeiro líder”. Por outro lado, esse
processo de singularização pode ser notado implicitamente em: “Um carro sólido com o
conforto que você exige”, “um campeão nas pistas”, “Um carro que faz as válvulas que
você tem no peito andarem mais rápido” e “Um carro que destaca você”.
Há ainda a significativa contribuição dos elementos extralingüísticos, visto que
há aspectos gráficos empregados, há as imagens e as cores utilizadas dando maior destaque
para o automóvel, assim como o posicionamento do produto que, na maioria das vezes, é
central. Quando isso não ocorre, o produto ocupa a posição superior da página da
propaganda ou a parte inferior, porém com ênfase à idéia de movimento e de velocidade.
Dessa forma, em uma abordagem semiológica, tais elementos gráficos provocam um efeito
de sentido que compartilha das demais estratégias empregadas, com vistas à concretização
da intencionalidade do discurso.
66
Outra contribuição desse conjunto de elementos discursivos analisados com
base enunciativa encontra-se no fato de essa confluência representar uma das significativas
estratégias de sedução e de persuasão do discurso publicitário. Em “Um carro sólido com o
conforto que você exige. Renault Dauphine” (cf. 1) e “Fórmula certa. Opala Cupê de Luxo”
(cf. 3), por exemplo, os enunciados, num primeiro momento, ao apontarem,
respectivamente, o conforto e a perfeição, buscam conseguir a identificação e a simpatia do
co-enunciador em relação ao conteúdo do discurso, ou seja, despertar nele o prazer. Esse
fator irá conduzi-lo, num momento posterior, a um processo de adesão ao discurso,
despertando nesse interlocutor a convicção de que deseja e precisa daquilo que o produto, a
partir do discurso construído, tem a oferecer, o que o levará a agir, enfim, a consumir o
produto. Com isso, será alcançado o fim maior do texto publicitário e terá êxito todo o
processo de elaboração e execução da intencionalidade desse ato comunicativo. Esses
mecanismos de sedução e persuasão são utilizados com semelhante ênfase em todas as 100
publicidades do corpus, por intermédio da significativa contribuição dos enunciados e dos
diversos recursos extralingüísticos do contexto.
Todos os elementos e processos analisados anteriormente co-atuam no
desenvolvimento da argumentação que constitui, juntamente com o modo descritivo, o
modo de organização do discurso no texto publicitário, tendo em vista que tal texto procura
reunir características do produto e do destinatário ideal na forma de argumentos bem
fundamentados para conseguir influenciar, com o todo discursivo, o comportamento do
interlocutor, enfim, persuadir. Nesse sentido, o aposto, segundo Mateus et alli (2003), com
seu valor nominal e adjetivo, torna-se recurso de suma importância na delineação do caráter
descritivo-argumentativo das publicidades consideradas neste estudo. Vale destacar que a
argumentação é, além de lingüística, iconográfica, pois conta não somente com os
mecanismos lingüísticos utilizados como também com as imagens e sua disposição gráfica.
Ao direcionar novamente o olhar aos 10 enunciados considerados, verifica-se
que, os apostos, ao fornecerem lingüisticamente dados descritivos implícitos ou explícitos a
respeito do automóvel (ser confortável; ser ágil; possuir a fórmula certa; ser perfeito; ser
incomparável; atender às diferentes exigências; representar um estilo à frente de seu tempo;
provocar emoções positivas; possuir a elegância e o desempenho na visão dos importados;
destacar as características de cada um; ser líder), participam significativamente da
67
argumentação, principalmente, porque todas as características atribuídas aos automóveis
deixam de pertencer apenas ao produto e passam, num nível de crença, a pertencer
extensivamente àqueles que obtiverem o automóvel. Ocorre, dessa forma, a extensão de sua
significação para a vida do co-enunciador, inserindo-o naquele contexto otimista de
realização pessoal, social e econômica. Sendo assim, os apostos atendem às intenções
comunicativas de identificação e qualificação do produto e persuasão.
Além disso, a recorrência significativa do aposto nessa amostra e como um todo
no corpus realiza a progressão textual, uma vez que conduz à extensão de sentido do termo
ao qual faz referência e ao texto como um todo. A referenciação é mais um processo
fundamental no texto publicitário, tendo em vista que ele constrói suas bases na reunião de
recursos lingüísticos e extralingüísticos que apontam para o produto na construção de sua
imagem discursiva. Entre os diversos mecanismos lingüísticos que estabelecem tal
referenciação, encontra-se, com grande destaque, o emprego do aposto.
A referência realizada pelo aposto, quando este se encontra disposto após o
sintagma nominal ao qual faz referência, possui caráter anafórico, pois remete ao produto
como uma possibilidade de recuperá-lo nominalmente, acrescentando uma informação e
propiciando a progressão textual, visto que ocorre um movimento temporal e/ou situacional
dos elementos do texto. O aposto realiza, ao mesmo tempo, um processo de co-
referenciação e co-significação que, nos casos analisados, oferecem uma continuidade ao
discurso, levam-no a evoluir. Com isso, o aposto torna-se um importante elemento de
coesão dos textos publicitários tratados.
Isso pode ser comprovado em 1, quando o produto é retomado a partir da sua
característica de resistência e conforto; em 2, através da caracterização do produto como
superior aos demais, visto que é o “campeão”; em 3 e 4, por apontar para o produto para
revelar a idéia de completo e perfeito diante de um padrão supostamente pré-estabelecido
como o esperado pelo co-enunciador e, especialmente em 4, por apresentar a noção de
determinação associada ao automóvel; em 5, por referenciar a própria imagem do
automóvel e a sua marca; em 6, por retomar o Volkswagen Logus como um carro com
estilo à frente de seu tempo; em 7, por fazer referência às emoções provocadas pelo
produto; em 8, por apontar para a própria imagem gráfica do automóvel na publicidade e à
sua marca, registrada lingüisticamente não só na placa dos veículos, mas também no texto
68
central da página impressa para ressaltar a elegância e o desempenho entre os importados;
em 9, por remeter ao automóvel como capaz de atender às diferenças de expectativas do
interlocutor, lançando esse sujeito ao sucesso; e em 10, ao retomar o produto com base na
sua liderança e superioridade em relação aos demais que existem no mercado de
automóveis.
Observa-se que todos os apostos remetem ao produto anunciado, um carro,
sendo que sempre se trata de um objeto diferente e não do mesmo carro referencialmente,
pois são reunidos elementos lingüísticos que, embora apontem para o carro como um objeto
representante de uma classe, apresentam-no sempre como diferente e inserido num contexto
diverso. Esse processo de referenciação torna-se visível a partir de um tratamento
discursivo dos fenômenos lingüísticos, já que “referir não é mais atividade de ‘etiquetar’
um mundo existente e indicialmente designado, mas sim uma atividade discursiva de tal
modo que os referentes passam a ser objetos-de-discurso e não realidades independentes”,
como afirmam Koch & Marcuschi (1998: 173).
Outro aspecto a ser observado é que a progressão e organização do texto central
das publicidades 1, 3, 4, 7 e 8 baseiam-se na apresentação do aposto como tópico
discursivo, que enfatiza o seu papel naquela enunciação e destaca o processo de coesão
referencial no texto. Se for analisado o aspecto lingüístico do texto, o aposto realiza, nesses
casos, uma referência de natureza catafórica, já que “antecipa um signo ainda não expresso
no texto” (Fávero, 2003: 14). No entanto, se forem considerados os aspectos
extralingüísticos do texto, poderá ser notado em 1, 4 e 7 que o aposto retoma a própria foto
do automóvel apresentada acima dele nessas publicidades, como se ela representasse o
signo lingüístico que corresponde à marca do automóvel a que o aposto se refere, e isso
remete a uma noção anafórica de tal referência, esclarecendo-se que houve, aqui, a intenção
de estender o conceito de anáfora para além dos limites de comparação linear entre código
lingüístico/ código lingüístico, de forma a levar essa noção ao estabelecimento de uma
relação entre código lingüístico/ código extralingüístico, já que esses dois códigos tecem
simultaneamente o discurso na publicidade. Nas cinco demais publicidades, em que o
aposto não ocorreu como tópico discursivo, desenvolve-se mais prototipicamente a coesão
referencial anafórica.
69
Também quanto às relações que se estabelecem entre o aposto e o nome a que
se refere, nota-se nos 10 casos aqui examinados, assim como em todos os outros que
compõem o corpus deste trabalho, uma relação de predicação entre o núcleo do aposto e o
núcleo do sintagma nominal a que ele faz referência. Azeredo (2003: 34) alerta que isso “se
comprova na possibilidade de relacioná-los [os casos] mediante o verbo ‘ser’ ”, o que de
fato foi verificado nesta pesquisa. Essa relação leva, inclusive, alguns teóricos,
especialmente de formação gerativista, a desconsiderarem o elemento aposto como
constituinte oracional, preferindo tratar simplesmente do processo de aposição e da
presença, numa estrutura profunda, de uma construção predicativa.
Novamente, com base na teorização de Azeredo (2000a), observa-se que os
apostos das publicidades possuem, ao mesmo tempo, as funções de “reiterar a identidade”
do automóvel, “introduzir um comentário avaliativo”, “esclarecer informações” a respeito
do produto e “particularizar a referência genérica do substantivo”, que é a própria marca do
carro. Ao lado disso, segundo os estudos de Neves (2000), convém destacar o uso de cada
aposto como “expressão explicativa ou identificadora”, com “valor atributivo” e
“especificador”. Também é importante considerar os pressupostos teóricos de Vilela &
Koch (2001: 377-378), considerando, dessa forma, o aposto, conforme as suas diferentes
relações de significado. Diante das relações observadas, os apostos das publicidades 1, 6, 7
e 9 aproximam-se mais do papel “classificador”, enquanto que 2, 3, 4, 5, 8 e 10, do
“avaliador”.
Tal agrupamento, além de refletir o valor semântico do termo de acordo com a
situação discursiva de seu uso, remete à conceituação de Mateus et alli (2003: 368), por
demonstrar o caráter ora nominal, ora adjetivo que este elemento pode assumir quando
realiza seu papel identificador, atributivo ou apreciativo em relação ao sintagma nominal a
que se refere. O fato de haver uma ocorrência massiva do aposto avaliativo e do
classificador ratifica a intenção discursiva da persuasão na publicidade, porque as
estratégias de referenciação que visem à classificação do produto num grupo de
características positivas e/ou que ofereçam as suas vantagens numa avaliação mais
subjetiva e julgadora dos benefícios trazidos pelo produto, sem dúvida, influenciarão com
mais eficácia e mais diretamente o co-enunciador. Por outro lado, o aposto identificador
70
possui um papel expositor que não influencia tão diretamente na decisão do co-enunciador,
pois oferece uma maior liberdade para que ele decida por aderir ou não ao discurso.
Após percorrer as abordagens teóricas contemporâneas sobre o aposto e ainda
com o propósito de compreender o papel discursivo dos exemplos analisados, é
imprescindível retomar os conceitos de heterogeneidade, dialogismo e polifonia, aplicando-
os especificamente ao estudo do texto publicitário. Percebe-se que as publicidades
analisadas dialogam com os discursos anteriores do mesmo gênero, assim como com uma
voz que parece representar o senso comum, que, por sua vez traz consigo a ideologia
dominante da sociedade e da época em que o discurso se realiza, conforme já observado
anteriormente. Ao mesmo tempo, parece representar uma resposta a esses discursos outros
que atravessam o discurso publicitário e se inter-relacionam com ele. Isso confirma o
caráter dialógico do texto, que se insere na questão mais ampla da heterogeneidade.
Ao dar continuidade à reflexão sobre os três aspectos constitutivos da
linguagem, surge a necessidade de entender como os seres do discurso apresentados por
Ducrot (1987) se expressam na enunciação das publicidades consideradas. Dessa forma,
será constatado o caráter polifônico do processo do dizer da publicidade. Pode-se notar que
o “sujeito falante” é representado pelo publicitário, que, por sua vez, assume a voz de uma
dada empresa anunciante, um fabricante. Esse “sujeito falante”, no momento em que o
enunciado desloca-se do plano empírico e passa à instância discursiva, assume então o
papel de “locutor”, que numa primeira observação parece apagar-se no discurso, já que
expressa a confluência das vozes acima referidas e nas publicidades não é identificado por
nenhuma marca lingüística específica, como pela marca de pessoa, por exemplo. No
entanto, esse “EU” existe implicitamente no discurso e é o responsável pelos atos assertivos
realizados por meio do discurso. Vale ressaltar, inclusive, que em três das publicidades (cf.
1,7,9) a presença marcada do co-enunciador no discurso através do elemento lingüístico
“você” atesta a presença desse “locutor” que procura uma proximidade maior com esse co-
enunciador, inserindo-o de forma mais concreta no universo discursivo.
Também na instância discursiva, encontra-se um “enunciador” que não coincide
com a voz desse “locutor”, visto que assumem funções enunciativas distintas. O enunciador
é aquele que sustenta o ponto de vista do discurso na situação de enunciação, sendo,
portanto, nessa interação aquele ser que garante conhecer o produto e que atesta as suas
71
características, enfim, aquele que apresenta o enunciado como verdadeiro, assegurando essa
veracidade através do ato de enunciar as asserções apresentadas pelo locutor. Segundo
Maingueneau (2002: 38), esse enunciador representa a “fonte de referências da situação de
enunciação” e o seu ethos (elemento já analisado anteriormente) contribui para a
legitimação da cena enunciativa. Diante dessas considerações, assegura-se a existência do
fenômeno da polifonia na publicidade.
Quanto à observação de todos os elementos e fenômenos discursivos já
analisados em relação a uma possível mudança na expressão de cada um deles no decorrer
das décadas, houve o fator diferencial da ideologia refletindo os estereótipos das diferentes
épocas e perpassando o discurso de forma a interferir nas mudanças ocorridas no ethos dos
enunciadores das publicidades, assim como determinando ainda a utilização das estratégias
de sedução e persuasão e as escolhas lingüísticas e semiológicas para esse fim. Embora
tenha sido possível verificar uma evolução do texto publicitário através do tempo, também
foi possível confirmar a presença de características reincidentes e significativas para
embasar e conduzir a análise realizada. Esses resultados foram confirmados ao serem
estendidas as análises a todas as publicidades pertencentes ao corpus do qual as dez aqui
selecionadas fazem parte.
6.2. Avaliação dos dados
A linguagem da publicidade busca uma série de recursos expressivos que atraiam
um leitor, principalmente o urbano, que está inserido em um universo social rodeado de
inúmeros e diferenciados estímulos. Torna-se, assim, um verdadeiro desafio a escolha dos
recursos persuasivos lingüísticos e extralingüísticos. Diante disso, toda escolha indica um
tipo de ato que a sua enunciação realizará, no entanto, é de todo o conjunto de escolhas e do
contexto que se depreendem os sentidos.
Embora considerando que “a sintaxe é a parte da gramática que estuda a
combinação e função da palavra no sintagma, deste na oração, bem como a combinação e
função das orações, no período, quando este é composto” (Vogt, 1977: 68), é preciso que,
72
ao focalizar o estudo de um elemento sintático, neste caso do aposto, tenha-se a
preocupação acima referida e a certeza de que ele compõe um todo do qual participa
significativamente na produção de sentidos. Seu papel lingüístico, ao encontrar-se no nível
do discurso, assume novas dimensões, como pôde ser verificado a partir da análise
realizada no subitem 6.1.
A partir da análise referida, conclui-se que o aposto é um elemento que participa de
maneira central do processo argumentativo das publicidades em que foi empregado. Ele
apresenta uma significativa produtividade nos textos, tornando-se um elemento
imprescindível para o propósito persuasivo do discurso das publicidades. Além disso,
representa uma espécie de portal que viabiliza o estudo dos diversos fatores da instância
discursiva do texto, como os imaginários sociais, o ethos, entre outros já vistos no decorrer
da pesquisa. A escolha do aposto corresponde, portanto, a uma das estratégias de sedução e
de persuasão no corpus analisado.
Com o intuito de confirmar a apresentada ampliação do valor do aposto na
perspectiva discursiva, serão demonstrados a seguir os resultados deste estudo, que
considerou as várias imagens veiculadas pelo aposto em cada publicidade, assim como o
valor textual-discursivo que ele assume nas diversas ocorrências. Identificar o conjunto de
imagens veiculadas pelo aposto nos contextos em questão significa buscar, na
referencialidade do aposto, a que idéia ele remete, que voz ele está representando numa
dada situação comunicativa. Por outro lado, atribuir valores textuais-discursivos para essas
mesmas ocorrências de aposto corresponde a verificar, num nível semântico-pragmático,
que valor assume a imagem então veiculada no discurso e na relação interativa. Diante
disso, as imagens veiculadas apresentam o valor atributivo do aposto, possuindo um caráter
adjetival que é representado, nesta análise, justamente por expressões adjetivas para melhor
expressar tais imagens. Já os valores textuais-discursivos são expressos por substantivos,
que melhor representam o papel que as imagens veiculadas assumem no discurso e na
situação de interlocução.
Encontram-se dispostos nos gráficos 1 e 2 os dados obtidos com base nos
parâmetros já explicitados. Os dados estão apresentados na forma percentual, porém,
sabendo que cada percentual diz respeito a uma comparação com o total de ocorrências do
corpus, pode-se observar que a soma dos percentuais encontrados não constituirá um todo
73
de 100%. Isso ocorreu porque algumas das imagens veiculadas e dos valores textuais-
discursivos foram reincidentes em apostos de diferentes publicidades. Junto a isso, é
importante reiterar o esclarecimento já feito de que não há pretensão de o trabalho deter-se
em aspectos quantitativos, e sim qualitativos.
74
75
76
Com base nos dados identificados nos dois gráficos, percebe-se que as imagens
veiculadas pelo aposto apresentam valores predicativos, atributivos que desencadeiam um
ou mais valores textuais-discursivos, realizando o processo de nominalização e/ou
designação pelo aposto. Apesar disso ocorrer, não há uma correspondência biunívoca entre
os dois planos de construção dos sentidos. Isso pode ser melhor compreendido a partir da
observação do exemplo a seguir:
1- Silverado. A pick-up do ano.
Imagens veiculadas : absoluto, moderno, avançado tecnologicamente, perfeito.
Valores textuais-discursivos: inovação/renovação, perfeição, liderança, superioridade/singularidade.
É possível notar que na situação 1, por exemplo, a imagem “absoluto” conduz
simultaneamente aos três últimos valores textuais-discursivos desse caso de aposto. Já a
imagem “moderno” revela o primeiro e os dois últimos valores apontados. Diferentemente
dessa segunda imagem, a terceira desencadeia os quatro valores textuais-discursivos
assumidos por esse aposto no todo enunciativo. Por fim, a imagem “perfeito” leva aos três
últimos valores textuais-discursivos.
77
Cabe ainda observarem-se as orientações textuais-discursivas, numa disposição de
diagrama, de outro caso que segue:
2- Chegou o Chevrolet Zafira. A conquista definitiva do espaço. Imagens veiculadas: Valores textuais-discursivos: Avançado tecnologicamente perfeição Perfeito aprimoramento Renovador / transformador liderança Moderno renovação/ inovação Absoluto superioridade/ singularidade
As relações observadas demonstram que uma mesma imagem pode corresponder a
um conjunto diferenciado de valores textuais-discursivos, que por sua vez, não são
atribuídos de forma sistematizada e limitada, de forma a demonstrar uma possibilidade de
78
enquadrar as ocorrências em uma tipologia específica e limitada de base sintática,
semântica e discursiva. Importa , então, reconhecer o aposto como um recurso sintático que
pode assumir inúmeros papéis discursivos num nível semântico-pragmático de análise que
privilegie os elementos envolvidos na situação comunicativa de interação e que, sem
dúvida, ultrapassam a restrita classificação atribuída pela gramática tradicional.
Vale ressaltar que houve algumas imagens veiculadas (como “absoluto”, “perfeito”
e “satisfatório”) e alguns valores textuais-discursivos (como “superioridade/singularidade”,
“liderança,” “perfeição” e “prazer”) com grande destaque de ocorrências no corpus
analisado. Esse fato reflete as principais características argumentativas do gênero
publicitário, que incluem, entre outras coisas, destaque aos valores que, segundo
Sandmann (1993), são aceitos pela classe dominante e correspondem a aspirações, ao
mesmo tempo, coletivas e individuais, e a ideais de vida e de personalidade que são
valorizados no universo criado pela publicidade para crer que serão alcançados se o produto
apresentado for consumido. Busca-se, dessa forma, um processo de identificação do co-
enunciador com o mundo idealizado pela publicidade e, conseqüentemente, a sua adesão
que conduzirá ao propósito de compra. Como já afirmava Aristóteles (s/d.: 133), a
propaganda oferece uma fuga para os temores e conduz à confiança e “temos confiança, se
julgamos possuir, em maior número e grandeza, as vantagens que asseguram a
superioridade e inspiram temor aos outros”.
As imagens e valores mais recorrentes nas publicidades analisadas atendem, com
mais ênfase, portanto, ao contrato comunicativo e à intencionalidade determinantes no
processo argumentativo desse gênero, na construção do ethos e no processo de sedução e
persuasão. Todos esses elementos situam-se e significam-se no nível discursivo, que é a
instância em que o papel do aposto se amplia e assume novas dimensões em relação ao
tratamento oferecido ao seu estudo até o momento.
Já o fato de haver certas imagens e valores com menor ocorrência percentual no
corpus, conforme visto através dos dois gráficos anteriores (cf. p. 73-74), revela que houve
uma ênfase menor devido aos propósitos centrais do texto publicitário, já mencionados, e,
neste caso, particularmente de automóveis, ficando as ocorrências mais distribuídas devido
a especificidades do perfil do automóvel a ser promovido pela publicidade. No que diz
respeito a esse grupo de menor percentual, ainda importa esclarecer que a equivalência
79
percentual entre as imagens veiculadas “bem-sucedido/ascendente” e “emocionante” (5%),
assim como entre os valores textuais-discursivos “status” e “versatilidade” (7%),
“aprimoramento” e “superação de limites/emoção” (11%), não representa uma ocorrência
simultânea deles nas mesmas publicidades . Esse fato não aponta, dessa forma, para uma
análise que mereça destaque diante dos objetivos que a pesquisa se propõe a alcançar,
sendo necessário aqui considerá-los apenas na perspectiva exposta.
Outro aspecto significativo dos resultados obtidos é a possibilidade de comprovar a
evolução temporal da ideologia refletida pelos apostos nas publicidades e, ao mesmo
tempo, a verificação de que alguns valores se mantiveram apesar dos diferenciais de
evolução. Da publicidade 1 do corpus a 23, tem-se o intervalo temporal correspondente à
década de 50 até a década de 70 e foi possível observar que as imagens veiculadas pelo
aposto e os valores textuais-discursivos nesse período incidiram, respectivamente e em
ordem decrescente de concentração percentual, sobre “satisfatório”, “útil”, “perfeito”,
“absoluto” e, na última escala, “superioridade/singularidade”, “ utilidade”, “perfeição” e
“liderança”. Já no intervalo temporal disposto da década de 80 até os três primeiros anos do
século XXI, embora as noções mencionadas no intervalo anterior tenham se mantido em
grande parte das publicidades, foram surgindo, em ordem decrescente de recorrência, as
imagens “moderno”, “preferido”, “avançado tecnologicamente”, “resistente”,
“luxuoso/nobre”, “veloz”, “renovador/transformador”, “bem-sucedido/ascendente”,
“emocionante”, “desafiador” e os valores textuais-discursivos “prazer”, “desempenho
(potência, velocidade)”, “inovação/renovação”, “aprimoramento”, “superação de
limites/emoção”, “status”, “versatilidade”, “beleza/arte”, “segurança”.
Ao avaliar esse panorama de valores, pode-se confirmar os valores introduzidos e
mantidos na ideologia que perpassa cada momento histórico-social, em que as publicidades
circularam na mídia impressa (cf. 6.1). Tendo isso ocorrido, sem dúvida, o ethos do
enunciador acompanha tal evolução temporal, continuando com o papel de beneficiador
que, mais do que qualquer outra voz no discurso, precisa enfatizar na enunciação as
características espaço-temporais e culturais da sociedade em que está inserido, para que a
construção de sua imagem acompanhe de fato as aspirações do destinatário ideal, a ponto
de seduzi-lo e persuadi-lo.
80
Diante da observação desses fatores sob a perspectiva temporal, percebe-se, mais
uma vez, que o aposto nas publicidades revela produtivamente um valor discursivo que
contribuiu para a análise dessa evolução que , por sua vez, só pôde ser identificada no nível
da enunciação, através da realização do discurso, e isso ratifica a importância do papel do
aposto como um mecanismo que ultrapassa o nível puramente sintático de sua construção
num período.
Ao lado dos resultados analisados, cumpre ainda avaliar o fato de que, nas 100
publicidades que compõem o corpus, o aposto posicionou-se no texto central com uma
incidência de 93%, no texto secundário com 1% e no slogan da empresa com 6%. Esses
dados podem ser melhor representados e visualizados no gráfico a seguir.
6%
1%
93%
Slogan da empresaTexto secundárioTexto central
Após observar o gráfico acima, pode-se verificar que a escolha do aposto nas
publicidades como recurso lingüístico privilegiado em seu texto central aponta para a
conclusão de que ele apresenta uma significativa importância e produtividade nesses textos
e que, sem dúvida, atende aos propósitos discursivos da enunciação de cada um deles.
Além disso, as ocorrências do aposto no slogan de algumas publicidades, mesmo em
número reduzido, ainda ratificam o valor desse recurso, tendo em vista o papel fundamental
do slogan na publicidade, pois constitui uma frase breve, porém incisiva, que representa
uma voz apreciativa e emblemática com alto propósito sedutor e persuasivo da empresa que
81
fabrica o produto anunciado. Por outro lado, o percentual ínfimo de ocorrência do aposto
no texto secundário das publicidades consideradas aponta para a possibilidade de, numa
ampliação do corpus, perceber-se que, mesmo quando esse elemento não é selecionado
para partes fundamentais desse gênero textual, continua sendo produtivo em outros
momentos do texto, mantendo a sua contribuição para o todo discursivo.
Além de considerar os dados já discutidos anteriormente, vale submeter uma
amostra de 5 casos de aposto que compõem o corpus a uma classificação baseada na
nomenclatura atribuída pela gramática tradicional para reafirmar a tese proposta por esta
pesquisa. Observem-se os seguintes exemplos:
1- “Fórmula certa. Opala Cupê De Luxo”
2- “Gol, a linha que já vendeu 2 milhões de veículos, vem equipada com motor
Mi, muito mais potente.”
3- “Honda Civic 97. O carro inteligente.”
4- “Honda Civic, o automático mais vendido do Brasil.”
5- “O mais seguro da categoria, líder de vendas e eleito a melhor compra pela
revista Quatro Rodas. Xsara Picasso 2003. Em carro que está ganhando não
se mexe.”
De acordo com a tipologia tradicional, considerando a classificação de gramáticos
como Cunha & Cintra (1985), Lima (1992), Kury (1993), Bechara (1999), esses casos
podem ser classificados e agrupados, respectivamente quanto à tipologia de cada autor, em:
de 1 a 4, especificação, esclarecimento, explicativo e especificativo, enquanto o caso 5 é
classificado de forma unânime pelos autores como enumerativo. O exposto está
apresentado no quadro a seguir.
82
AUTORES
EXEMPLOS
DE APOSTOS
CUNHA & CINTRA
LIMA
KURY
BECHARA
CLASSIFICAÇÃO
Fórmula certa Especificação Esclarecimento Explicativo Especificativo
A linha que já vendeu 2 milhões de veículos
Especificação Esclarecimento Explicativo Especificativo
O carro inteligente Especificação Esclarecimento Explicativo Especificativo
O automático mais vendido do Brasil
Especificação Esclarecimento Explicativo Especificativo
O mais seguro da categoria, líder de vendas e eleito a melhor compra pela revista Quatro Rodas
Enumerativo
Enumerativo
Enumerativo
Enumerativo
Nota-se a natureza sintático-semântica da classificação, que desconsidera a
abrangência pragmática, contextual e discursiva do aposto em cada enunciado. Mesmo com
a limitação de lançar o olhar apenas para a construção isolada da situação comunicativa em
que cada um desses casos de aposto se realiza discursivamente, já se podem perceber
diferentes imagens veiculadas por sua referencialidade (como absoluto, perfeito,
satisfatório, útil, preferido e avançado tecnologicamente) e valores textuais, que, quando
observados no todo da enunciação, tornam-se textuais-discursivos (como
superioridade/singularidade, liderança, perfeição, aprimoramento, prazer e utilidade). Além
dessas contribuições do aposto, ainda é importante perceber que, por exemplo, o caso 3,
desconsidera o valor apreciativo, atributivo, que o aposto pode apresentar, pois, ao lado de
assumir alguns dos papéis já referidos, atribui ao produto “Honda Civic 97”, ou seja, ao
termo a que se refere, um caráter humano (“inteligente”), de forma a valorizar mais o
automóvel. Esse automóvel, no momento da enunciação, deixa de ser um simples objeto
83
para representar o próprio usuário potencial, a quem tal característica, com o jogo
discursivo, crê-se passar a pertencer, à medida que o indivíduo torna-se consumidor efetivo.
Além disso, há alguns casos de aposto que não encontram limites precisos entre
certas possibilidades de classificação existentes. Isso ocorre, por exemplo, em 1, 3 e 4, pois
o aposto, na visão de Kury (1993) enquadra-se mais na classificação “explicativo”, mas não
deixa de apresentar também papel de especificação, indicado por Cunha & Cintra (1985) e
Bechara (1999). Outro questionamento a ser feito é quanto ao fato de o caso 5, classificado
como enumerativo, também não estar especificando e esclarecendo o seu referente. Essa
ausência, muitas vezes, de precisão absoluta reforça o ponto de vista de que a nomenclatura
da gramática tradicional é deficitária em relação aos inúmeros valores que o aposto pode
assumir em seu uso no discurso e que os parâmetros definidores dos limites entre uma
classificação e outra também não se encontram explicitados com clareza e precisão.
Outro aspecto que se distancia da abordagem tradicional acerca do aposto é a
mobilidade que o termo passa a apresentar em diversas ocorrências do corpus: ora
antecedendo o elemento a que faz referência, ora dispondo-se posterior a ele, assumindo,
portanto, um valor catafórico (com uma ocorrência de 20% no corpus) ou anafórico (com
uma ocorrência de 80% no corpus) no texto. Junto a isso, a pontuação não se restringe ao
uso da vírgula ou dois pontos, podendo o aposto separar-se de seu referente também pelo
uso do ponto final. Nem a questão do posicionamento do aposto de maneira topicalizada
nem o uso do ponto final são mencionados pelos estudos da gramática tradicional, mas são
questões que merecem atenção e aprofundamento. É preciso, no entanto, deixar claro que
esta pesquisa não irá se deter nesse aprofundamento, porque tem o objetivo de sinalizar e
apontar para várias marcações possíveis do aposto, mostrando o quanto esse recurso vem
sofrendo alterações no seu modo de apresentação e ampliando seu valor não só no que diz
respeito às suas contribuições para o discurso.
Estudos contemporâneos aproximam-se mais de um tratamento voltado para o valor
textual, mas ainda assim desconsideram aspectos discursivos e pragmáticos que estão
envolvidos na análise dos diversos casos de aposto identificados no corpus desta pesquisa e
observados com base na situação comunicativa em que ocorrem e passam a significar.
Dessa forma, a partir do estudo do aposto nessa perspectiva textual-discursiva, torna-se
perceptível que esse mecanismo possui um potencial discursivo ainda pouco explorado
84
pelos estudos gramaticais e pela sua aplicação no ensino. O espaço dispensado ao seu
estudo, tanto nas gramáticas como nos livros didáticos, é bastante restrito e reduzido, não
valorizando a sua real e ampla potencialidade no discurso. Portanto, é preciso repensar tais
estudos para que se possa efetivamente redimensionar o tratamento dado à estrutura do
aposto no processo de ensino-aprendizagem.
85
7- CONCLUSÕES
As palavras voam muito mais longe.
(Bartolomeu Campos Queirós)
A pesquisa desenvolvida propôs-se à busca da comprovação do valor textual e
discursivo do aposto como um recurso lingüístico que merece um estudo de destaque na
sintaxe da língua portuguesa. Isso decorre do fato de que tal recurso se apresenta como uma
contribuição significativa para o processo argumentativo do texto e para a própria
enunciação. O aposto deixa de ser um simples componente lingüístico, como defende a
gramática tradicional, e passa a exercer papel fundamental na produção de sentidos desse
universo de ampla complexidade discursiva, no caso de textos publicitários.
A enunciação, já que representa o discurso em ação, possibilita a significação
não só dos textos, sejam eles orais ou escritos, como também, e principalmente, do mundo.
Devido a isso, as relações do homem em seu universo comunicativo e as formas de
manipulação dos recursos disponíveis para estabelecer tal comunicação com o mundo são
motivo de diversas análises nas mais diferentes linhas de pesquisa ligadas ao estudo da
linguagem. Torna-se evidente, desse modo, que ler um texto publicitário em profundidade,
assim como textos de qualquer outro gênero, pressupõe uma atitude investigativa acerca de
seus aspectos constitutivos e dos elementos lingüístico-discursivos envolvidos no ato de
enunciar.
Os produtos da atividade da linguagem adquirem sentido quando se consideram
as condições de produção, isto é, o contexto situacional no estudo dos enunciados. Como
afirma Cervioni (1989: 7), mesmo “o estudo semântico dos enunciados fica pobre e pouco
satisfatório se não se leva em conta a enunciação”. Compartilhando ainda com o autor, é
preciso levar em conta o “contexto verbal” e o “contexto situacional” quando se pretende
fazer um estudo aprofundado sobre a linguagem. Ao lado disso, é importante também que
tal estudo esteja voltado para as relações intersubjetivas, pois, como ressalta Pauliukonis
(2003b), “toda prática discursiva está vinculada aos sujeitos, que nela se instituem, e aos
seus projetos de comunicação”.
86
A partir dessa visão, foi fundamental, na abordagem desenvolvida, a verificação
de que não há como realizar um estudo sobre a linguagem sem vinculá-la à sociedade que a
produz e à ideologia que reflete e transforma a realidade num determinado tempo e lugar.
Isso e os demais elementos subjacentes ao texto, sem dúvida, influenciam nas escolhas
lingüísticas e semiológicas que participam, juntamente com todos os outros elementos já
abordados, de forma determinante da co-construção de sentidos em uma dada situação
interativa.
Os resultados obtidos tornaram possível verificar o quanto o aposto é um recurso
recorrente nas publicidades de automóveis, aparecendo no seu texto central e, quando não,
ocorrendo num texto secundário ou no slogan da empresa anunciante. Isso confirma a
hipótese de o aposto ser um mecanismo produtivo e de grande valor discursivo nos
contextos em que é empregado. Também foi possível perceber que a excessiva preocupação
demonstrada pela teoria gramatical tradicional em enquadrar o aposto numa nomenclatura
sintática e/ou semântica limitada, além de causar hesitações quanto à classificação
assumida pelo termo em determinados enunciados, principalmente, por certas diferenças de
nomenclatura entre os autores, não é suficiente para atender a todas as ocorrências dele, não
permitindo que se abordasse o seu verdadeiro potencial textual-discursivo.
Apesar disso, é preciso esclarecer que esse trabalho não tem a pretensão de
desconsiderar a nomenclatura da gramática tradicional acerca do aposto, nem propor uma
nova nomenclatura, mas sim somar-se aos estudos contemporâneos sobre o assunto no
sentido de ampliar a perspectiva de estudo e, conseqüentemente, também a de ensino desse
mecanismo lingüístico-discursivo. Pôde-se notar que o aposto apresenta um papel central
na argumentação das publicidades analisadas, já que suas contribuições são fundamentais
para os propósitos discursivos do texto.
A partir dos dados da imagem veiculada e do valor lingüístico-discursivo
obtidos, tornou-se visível que o aposto pode assumir uma grande diversidade de papéis
discursivos, conforme as imagens veiculadas pela sua referencialidade e os valores
assumidos que, inclusive, não se restringem aos identificados no corpus, pois vão depender
da situação comunicativa em que se realiza o aposto. O corpus, dessa forma, representa
uma amostra das inúmeras possibilidades argumentativas e discursivas do aposto.
Destaque-se, inclusive, que esse recurso representa uma voz dos imaginários sociais e do
87
ethos do enunciador no discurso, além de ser um importante elemento de coesão textual e,
ao mesmo tempo, progressão do texto em que ocorre.
O que na verdade representaria um simples processo de co-significação, passa a
dar uma continuidade expressiva ao texto, acrescentando atributos ou informações
importantes sobre o termo referido. Efetiva-se, paralelamente a esse processo de progressão
textual, a referencialidade tão característica do aposto. Por outro lado, ao mesmo tempo em
que foi observada a continuidade do texto com a presença do aposto, o texto também
retrocede, pois esse recurso, em muitos casos, possui o caráter anafórico de retomada de um
termo anterior no enunciado, assim como também pode apresentar um caráter catafórico se
o aposto anteceder o termo a que se refere.
Diante disso, a pesquisa ressalta que o estudo do aposto não deve se restringir a
uma tipologia pré-estabelecida, mas sim ao reconhecimento de sua variação de valores em
diferentes contextos e situações comunicativas e à compreensão do relevante papel
exercido por esse termo na sintaxe e no discurso em língua portuguesa. Ao alcançar essa
consciência, certamente, o aposto deixará de ser considerado, como o é ainda por muitos
estudiosos, um termo acessório e de caráter redundante – portanto, menor – numa oração.
Foi necessário, para reconhecer o referido papel do aposto, que a pesquisa
apontasse a relevância desse mecanismo para a análise de elementos que só se tornam
visíveis no nível do discurso. Incluíram-se nesse grupo de análise os imaginários sociais, a
sedução e a persuasão, o ethos, as escolhas lingüísticas e semiológicas e o processo
argumentativo. Todos esses elementos discursivos percorreram as vias do aposto para
participarem da construção de sentidos do texto em cada enunciação.
No decorrer da aplicação teórica desses aspectos discursivos ao corpus,
especialmente através das contribuições do aposto na enunciação de cada texto analisado,
pôde-se chegar a significativas conclusões. Foi possível confirmar a tese de Bakhtin de que
há uma relação intrínseca entre a sociedade, a ideologia e a produção da linguagem. O
discurso, sem dúvida, reflete as características do tempo e do espaço em que os indivíduos
vivem, relacionam-se e interagem com base numa ideologia dominante que influencia nos
modos de pensar, de ver o mundo e de agir da humanidade. Esse estudo permitiu que se
acompanhassem, no intervalo temporal das publicidades selecionadas, diversas mudanças,
assim como muitas características perpetuadas, no discurso publicitário. Além disso,
88
percebeu-se que esses fatores foram também determinantes para a construção do ethos do
enunciador nessas publicidades, ou seja, influenciaram na delineação do perfil, da imagem
desse ser discursivo.
Evidenciou-se, inclusive, que não somente os elementos citados no parágrafo
anterior estão interligados e incidindo um sobre o outro. Todos os demais também
abordados nessa pesquisa formam uma rede que tece os sentidos do texto e perpassam o
discurso, constituindo o processo de sedução e persuasão da publicidade, o que sustenta a
argumentação do discurso em seu sentido amplo. Dessa forma, os signos articulam-se entre
si e organizam-se de modo a determinar as direções do discurso e, desse universo,
participou, com relevante produtividade, o aposto. Esse percurso da pesquisa visou a um
estudo mais aprofundado do aposto, buscando apontar para uma ampliação significativa de
sua abordagem teórica, que pode estender seus reflexos em sua aplicação ao ensino.
Focalizar unicamente a parte lingüística de um texto significa manter-se na sua
superfície. No entanto, se, ao contrário disso, for lançado um olhar sobre o texto sob uma
perspectiva comunicacional e discursiva, então a análise poderá percorrer o caminho
traçado por essa pesquisa. Dessa forma, serão de fato ampliadas as possibilidades de
exploração lingüística e interpretativa dos textos e será verificada a necessidade de atribuir
um novo tratamento não apenas à noção de aposto como também à de diversos outros
aspectos gramaticais.
Embora o corpus desse trabalho se detenha à reunião de textos publicitários
para a realização das análises qualitativas e reflexões voltadas para esse gênero textual,
tendo em vista uma escolha necessária e adequada aos propósitos da pesquisa, vale ressaltar
que o aposto ocorre de modo significativo não só nesses tipos de texto, como ainda em
diversos outros gêneros textuais, além de também a língua falada valer-se muito desse
mesmo mecanismo lingüístico-discursivo.
Tal emprego em outras formas de manifestação da língua, indubitavelmente,
pode suscitar novas pesquisas sobre o assunto ou representar subsídios que possibilitem
futuramente a ampliação da proposta de investigação dessa pesquisa. Como afirma
Maingueneau (1998: 43;13), a análise do discurso designa “um certo modo de apreensão da
linguagem”, visando “a articular sua enunciação sobre um certo lugar social”. Por sua vez,
“a enunciação constitui o pivô da relação entre a língua e o mundo: ela permite representar
89
no enunciado os fatos, mas ela constitui em si um fato, um acontecimento único, definido
no tempo e no espaço” (id: 53-54).
Sendo assim, a enunciação pressupõe um processo interativo, que traz à
situação comunicativa diversas estruturas e elementos que podem ser recuperados a partir
do enunciado, mas que se situam além dele. Esse modo de analisar a linguagem considera
instâncias fundamentais que só podem ser alcançadas e apreendidas no nível do discurso, já
que é somente através do discurso que a língua se significa, os sujeitos interagem e o
mundo se torna significado.
90
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ARAUJO, Marizeth Faria dos Santos. Aposto, um mecanismo lingüístico-discursivo
em textos publicitários. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005.
RESUMO
Este estudo propõe-se a revelar o valor lingüístico-discursivo do aposto a
partir da análise de sua ocorrência e produtividade no universo publicitário, ao qual
esse recurso oferece significativa contribuição argumentativa. Ao representar uma
voz dos imaginários sociais e do ethos dos sujeitos da interação, torna-se uma
estratégia enunciativo-discursiva para a conquista da credibilidade e,
conseqüentemente, para o alcance da adesão do interlocutor por meio do processo de
sedução e persuasão.
A base teórica da pesquisa corresponde à confluência de teorias lingüísticas
voltadas para o discurso, priorizando as contribuições oferecidas por Bakhtin, Ducrot,
Anscombre & Ducrot, Maingueneau e Charaudeau, além de estudos acerca do texto
publicitário e de diversas abordagens gramaticais a respeito do aposto, desde a
tradição até os estudos mais contemporâneos.
A pesquisa focaliza uma análise qualitativa dos dados, embora utilize um
tratamento quantitativo em relação a certos aspectos para subsidiar determinadas
comparações e conclusões. A partir dos resultados obtidos, pode-se perceber que uma
proposta textual e discursiva acerca do valor do aposto ultrapassa as inúmeras
classificações sintáticas e/ou semânticas já atribuídas a esse termo e desconstrói o
tratamento ‘termo acessório’ oferecido a ele numa perspectiva que desconsidera a
enunciação e todos os fatores envolvidos na situação comunicativa.
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ARAUJO, Marizeth Faria dos Santos. Aposto, um mecanismo lingüístico-discursivo em
textos publicitários. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
UFRJ, Faculdade de Letras, 2005.
ABSTRACT
This study intends to reveal the discursive and linguistic value of apposition. It shall
be based on the analyses of the occurrence and productivity of the apposition in the field of
advertising, to which this resource offers a significant argumentative contribution.
Following upon the fact that the apposition represents the voice of the social imagery and
of the ethos of the interaction of individuals, it becomes a discursive and enunciative
strategy to acquire credibility and therefore, the joinder of the interlocutor through the
process of seduction and persuasion.
The theoretical basis of this research corresponds to the confluence of linguistic
theories that are related to the discourse, prioritizing the contribution offered by Bakhtin,
Ducrot, Anscombre & Ducrot, Maingueneau and Charaudeau. Moreover, in the realm of
this research, there is the presence of studies concerning advertising texts and several
different grammatical approaches to the apposition, from its tradition to a more
contemporary treatment of the subject in case.
Albeit it is used quantitative parameters in relation to certain aspects in order to
subsidize a number of comparisons and conclusions, this research focuses on qualitative
analyses of data. Based on the results obtained, it is possible to realize that a textual and
discursive approach about the value of the apposition surpasses the countless syntactic
and/or semantic classifications that had ever been attributed to this term. Finally, the
outcomes also deconstruct the treatment of ‘accessory term’ given to the apposition, since
the enunciation and every element involved in a communicative situation are not
considered.