repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS...

155
ESCOLA DE HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA MESTRADO EM TEOLOGIA DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE JUSTINO MÁRTIR Porto Alegre 2019

Transcript of repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS...

Page 1: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE

ESCOLA DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM TEOLOGIA

MESTRADO EM TEOLOGIA

DIEGO DOS SANTOS WINGERT

CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO REFLEXAtildeO SOBRE A VERDADE NA I

APOLOGIA DE JUSTINO MAacuteRTIR

Porto Alegre

2019

DIEGO DOS SANTOS WINGERT

CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO REFLEXAtildeO

SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE JUSTINO MAacuteRTIR

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de

Teologia da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul como requisito parcial

para obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Teologia

Aacuterea de Concentraccedilatildeo em Teologia

Sistemaacutetica

Orientador Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da

Silva

Porto Alegre

2019

DIEGO DOS SANTOS WINGERT

CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO REFLEXAtildeO

SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE JUSTINO MAacuteRTIR

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de

Teologia da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul como requisito parcial

para obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Teologia

Aacuterea de Concentraccedilatildeo em Teologia

Sistemaacutetica

Orientador Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da

Silva

Aprovada em _____ de _____ de _______ pela Comissatildeo Examinadora

COMISSAtildeO EXAMINADORA

______________________________________

Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da Silva ndash PUCRS

______________________________________

Prof Dr Nythamar Hilario Fernandes de Oliveira Junior ndash PUCRS

______________________________________

Prof Dr Andreacute Luiz Rodrigues da Silva ndash PUC-Rio

A memoacuteria de meus familiares

Isidor Nairto Wingert meu querido pai por sua

histoacuteria como docente mas principalmente

pelas doces e constantes lembranccedilas de seu

carinho

Anisio e Maria Andradina dos Santos meus

saudosos avoacutes por seu amor sem medida por

sua entrega total a minha vida

Sempre os amarei

AGRADECIMENTOS

A minha amada Esposa uma luz constante em

minha vida Nela tudo sempre se renova sem

ela pouco restaria

Aos meus queridos filhos Pedro e Maria os

maiores presentes que Deus me deu Cristo

formado em voacutes eacute a maior heranccedila que pretendo

deixar

A minha amada Matildee que foi fundamental para

a realizaccedilatildeo desse sonho Seu amor foi constate

em todo tempo sua coragem sempre me

inspirou e seu legado me enche de orgulho

A meu Tio Ademir que eacute um exemplo vivo do

caraacuteter de Cristo sendo presente nessa

caminhada como um pai que acompanha seu

filho Essa conquista tambeacutem pertence a vocecirc

Ao Prof Caacutessio mestre por vocaccedilatildeo modelo de

excelecircncia para a docecircncia Sua orientaccedilatildeo foi

excepcional sua honestidade intelectual eacute

admiraacutevel Sua postura se tornou um exemplo a

ser seguido por esse teoacutelogo

Aos meus colegas Alexandre Dorcelina

Fernando Filipe Rodrigo e Samuel por tudo o

que compartilhamos e vivemos nesse tempo

jamais os esquecerei

Ao Pai ao Filho ao Espiacuterito Santo de quem eacute

o reino o poder e a gloacuteria de geraccedilatildeo em

geraccedilatildeo pelos seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem

ldquoEu lhes tenho dado a tua palavra e o mundo

os odiou porque eles natildeo satildeo do mundo como

tambeacutem eu natildeo sou Natildeo peccedilo que os tires do

mundo e sim que os guardes do mal Eles natildeo

satildeo do mundo como tambeacutem eu natildeo sou

Santifica-os na verdade a tua palavra eacute a

verdaderdquo

Joatildeo 1714-17

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo apresenta uma pesquisa bibliograacutefica direcionada a estabelecer a

identificaccedilatildeo moral e dogmaacutetica do termo Verdade exposto de forma predicativa na obra

intitulada I Apologia de Justino Maacutertir Acredita-se que na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo histoacuterica

do cristianismo alguns autores como Justino de Roma ajudaram a criar e fomentar os

paracircmetros necessaacuterios para se estabelecer uma ldquoidentidade cristatilderdquo durante os dois primeiros

seacuteculos da era atual A partir de novos valores e preceitos ordenou-se de maneira pragmaacutetica

uma tentativa de reconhecer e distinguir o fato de ser cristatildeo em meio ao contexto

sociorreligioso do mundo greco-romano De maneira expliacutecita e impliacutecita ndash e agraves vezes de forma

paradoxal ndash Justino categoricamente identifica o que era ser um seguidor de Cristo em sua I

Apologia aleacutem de apresentar o que poderia ser considerado como a Verdade de forma

categoacuterica e ateacute mesmo tangiacutevel nesse processo A partir desse ideaacuterio de feacute a dissertaccedilatildeo

discute questotildees pertinentes sobre o autor a obra base e outras caracteriacutesticas de seu contexto

histoacuterico Foram investigadas as relaccedilotildees entre a cultura helecircnica e o novo modus vivendi

naquele ambiente e nele a identidade filosoacutefica de Justino Por fim apresentou-se um quadro

clarificador sobre os elementos que satildeo considerados evidecircncias inquestionaacuteveis para Justino

do que eacute a Verdade revelada em meio aos homens Desenvolveu-se deste modo uma provaacutevel

definiccedilatildeo da Verdade segundo a concepccedilatildeo de Justino Maacutertir a partir de sua I Apologia

Palavras-chave Justino Maacutertir I Apologia Verdade

ABSTRACT

This dissertation presents a bibliographical research directed to establish the moral and

dogmatic identification of the term Truth exposed in a predicative way in the work entitled I

Apology of Justin Martyr It is believed that in the formation and historical constitution of

Christianity some authors like Justin of Rome helped to create and foster the parameters

necessary to establish a Christian identity during the first two centuries of the present era

From new values and precepts an attempt to recognize and distinguish the fact of being

Christian amidst the socioreligious context of the Greco-Roman world was pragmatically

ordered Explicitly and implicitly - and sometimes in a paradoxical way - Justin categorically

identifies what it was like to be a follower of Christ in his Apology in addition to presenting

what could be categorically and even tangibly Truth in that process From this idea of faith the

dissertation discusses pertinent questions about the author the base work and other

characteristics of its historical context The relations between the Hellenic culture and the new

modus vivendi in that environment were investigated and in it the philosophical identity of

Justin Finally a clarifying picture was presented on the elements that are considered

unquestionable evidences for Justino of what is the Truth revealed among men In this way a

probable definition of the Truth according to the conception of Justin Martyr from his I

Apologia was developed

Keywords Justin Martyr I Apologia Truth

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1 Pe ndash Primeira Epiacutestola de Pedro

1 Pet ndash The First Epistle of Peter

aC ndash Antes de Cristo

Adv Haer ndash Adversus Haereses

Adv Marcionem ndash Adversus Marcionem

Cap ndash Capiacutetulo

Caps ndash Capiacutetulos

dC ndash Depois de Cristo

Dial ndash Diaacutelogo com Trifatildeo

Gn ndash Livro de Gecircnesis

ICAR ndash Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

Jo ndash Evangelho de Joatildeo

Js ndash Livro de Josueacute

Sl ndash Livro dos Salmos

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 11

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

17

11 JUSTINO DE ROMA 17

12 PAIS DA IGREJA 23

121 Pais Apologistas 26

122 O Apologista Justino 29

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO 32

131 Dataccedilatildeo 32

132 Divisatildeo Textual 34

133 Gecircnero Literaacuterio 35

134 Manuscritos 38

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS 39

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo 40

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia 43

2 O NOVO MODUS VIVENDI 50

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE 51

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO 56

221 Os Judeus 58

222 Os Gentios 61

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM 65

231 Um Princiacutepio Teologal 68

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista 69

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria 70

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo 71

232 Um Princiacutepio Determinista 75

233 Um Princiacutepio de Pureza 78

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR 84

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII 85

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO 90

321 Estoicismo e Platonismo em Justino 95

322 O Logos em Justino 104

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS 110

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO 117

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO 118

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO 122

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO 128

CONCLUSAtildeO 139

REFEREcircNCIAS 144

OBRAS CONSULTADAS 151

11

INTRODUCcedilAtildeO

O assunto desta pesquisa dissertativa vem a ser um exame sobre uma proposta

desenvolvida a partir da obra intitulada I Apologia de Justino Maacutertir tambeacutem conhecido junto

ao meio eclesiaacutestico e acadecircmico como Justino de Roma Reconhecido de forma unacircnime como

um dos ldquomais ceacutelebres apologistas do seacuteculo IIrdquo1 Justino pertence agrave segunda era Patriacutestica

conhecida tradicionalmente pela definiccedilatildeo Pais Apologistas Nessa abordagem visamos

caracterizar a ideia de Justino a partir de sua definiccedilatildeo da palavra Verdade apresentada de

forma axiomaacutetica por diversas vezes em seu primeiro tratado apologeacutetico

Acredita-se que no processo de formaccedilatildeo desenvolvimento e consolidaccedilatildeo do

cristianismo como religiatildeo alguns valores de sentido absoluto (poderiacuteamos dizer dogmaacuteticos)

foram provedores e promovedores de um esquema de reconhecimento2 por meio de fortes

ascendentes (voltados para sua origem) de caracterizaccedilatildeo Esses valores amparados por sinais

e siacutembolos ndash alguns que receberam literal evidecircncia informativa ndash projetaram uma eficiente

identificaccedilatildeo cristatilde conseguindo externar a partir de preceitos e praacuteticas ordenadas um real

estado de enobrecimento3 e assim distinguiram o ser cristatildeo dos demais4

Aleacutem disso em toda a histoacuteria conhecida o homem sempre buscou descobrir quais

eram os reais elementos que promovem e garantem a certeza do bem (conquista felicidade

realizaccedilatildeo etc)5 e da verdade junto aos seres e as coisas com quem convive e se relaciona6

Nesse processo de desenvolvimento passando por todo percurso da histoacuteria humana nos

deparamos com as sequelas de um estado de consciecircncia que estaacute eacutetica eou moralmente

corrompido enfatizado em nosso em caso em especiacutefico pelo incocircmodo que o ser humano

passa quando exposto as consequecircncias e dilemas apresentados pelas ldquofacesrdquo da Verdade

Nesta mesma perspectiva reconhecemos que as ldquotestemunhas da verdade sempre

irritaram os ceacuteticos e os espertosrdquo7 Nessa missatildeo de testificar a Verdade os Apologistas

cristatildeos do Seacuteculo II acabaram por se distinguir mediante contribuiccedilotildees pertinentes para esse

1 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 51

2 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

3 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

4 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

5 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

6 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

7 DANIEacuteLOU O Escacircndalo da Verdade1963 p 11

12

processo construtivo tornando-se diferenciais em seu tempo e espaccedilo de atuaccedilatildeo8 Justino

nesse mesmo seguimento acaba ganhando destaque atraveacutes de seus tratados que descrevem a

vida cotidiana dos cristatildeos do periacuteodo sendo-nos possiacutevel afirmar que no que se refere ao

conceito de Verdade (como predicativo) Justino parece estar ldquomais proacuteximo de noacutes do que

muitos pensadores modernosrdquo9

Uma especificidade que devemos apontar como elemento introdutoacuterio neste processo

refere-se ao entendimento de Justino para com o vocaacutebulo Verdade Neste quesito um

imperativo surge pois de forma inquestionaacutevel mediante o registro do Apologista conseguimos

considerar o que ele compreendia sobre o termo verdade em sua dimensatildeo epistemoloacutegica O

vocaacutebulo grego αλήθεια10 que comumente se traduz por verdade em portuguecircs eacute amplamente

utilizado por Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo (absoluta) para

aquilo que o Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que

dependia de ser apontado como agrave realidade presente e necessaacuteria para os Homens

Este conceito gramatical que Justino carrega sobre o termo Verdade jaacute estaacute presente

nos filoacutesofos11 e seu significado incorpora algo que define bem sua temaacutetica apologeacutetica

Justino compreendia que a realidade necessitava ser deslumbrada pois a verdade estaacute

subentendida a um ldquoestado preacutevio que viemos a descobrir a colocar de manifesto

estabelecendo o que a coisa eacuterdquo12 Deste modo Justino mediante sua metodologia dialeacutetica e

empiacuterica procurava salientar sua posse da Verdade por meio de um ldquosentido de certezardquo que

envolvia e incorporava a comprovaccedilatildeo de seus resultados Estes efeitos eram obtidos no

afastamento de dados distorcidos e encobertos sobre a realidade isso porque uma vez aplicado

tal desvelamento percebia-se como as coisas eram13 fazendo com que a Verdade fosse

colocada diante de seus expectadores

8 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

9 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152

10 Rusconi ao apresentar este vocaacutebulo aborda inicialmente sobre sua composiccedilatildeo composta onde salienta que a

existecircncia da letra ldquoαrdquo no iniacutecio da palavra eacute uma partiacutecula negativa que estaacute somada ao termo ldquoλαθλήθrdquo que

significa ldquoestar escondidordquo Assim no caso em especiacutefico quase sempre a composiccedilatildeo visa expressar uma

realidade que estaacute ldquoescondida obscura eou esquecidardquo Deste modo a construccedilatildeo gramatical do termo propotildee

que a consequecircncia da autenticidade (verdade) dos fatos eacute o efeito causado pelo desvelamento destes casos Sendo

assim passa-se a conhecer a verdade a partir do momento que se remove as coisas que a ocultam Rusconi ainda

indica que o termo procurava apresentar a realidade como sendo a condiccedilatildeo objetiva das coisas visiacuteveis e

recordaacuteveis ao Homem o que atestava esse desvelamento do que estava oculto Ver RUSCONI Dicionaacuterio do

Grego do Novo Testamento 2003 p 32

11 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

12 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 12

13 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 15

13

A base dessa compreensatildeo sobre o vocaacutebulo verdade eacute utilizada amplamente por

Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo absoluta para aquilo que o

Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que dependia de ser

apontado como a realidade presente e necessaacuteria para os homens

Neste compasso eacute que esta dissertaccedilatildeo procura examinar como Justino interpretava

um de seus mais usados e emblemaacuteticos termos Este exerciacutecio nos conduz agrave questatildeo principal

que visamos responder nesta pesquisa sendo possiacutevel deste modo argumentarmos sobre este

ponto fundamental atraveacutes da seguinte interrogaccedilatildeo qual o sentido do vocaacutebulo ldquoVerdaderdquo

empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica

Sendo assim a realizaccedilatildeo desta pesquisa se deu atraveacutes de um exame bibliograacutefico

com literatura do tipo teoloacutegica filosoacutefica histoacuterica entre outras aacutereas relacionadas ao seu tema

base Cabe-nos salientar que esta dissertaccedilatildeo procura se apresentar como um agregado

intelectual em liacutengua portuguesa14 para sua aacuterea teoloacutegica especiacutefica

(PatriacutesticaPatrologiaHistoacuteria do Dogma) como tambeacutem para as demais aacutereas Humanas que

da mesma forma possam colher frutos num acircmbito interdisciplinar O estudo aqui proposto

baseia-se nos capiacutetulos XXIII-XXX da I Apologia de Justino Maacutertir tornando-se este nosso

principal ponto de delimitaccedilatildeo textual na busca de se compreender o conceito de Verdade para

Justino

Tratando-se dos termos Pai(s) ou Padre(s) ndash convencionalmente utilizados de forma

padratildeo e geneacuterica na titulaccedilatildeo das figuras de destaque na aacuterea Patriacutestica ndash optamos pelo

vocaacutebulo Pai como elemento descritivo a ser utilizado nesta pesquisa Isso devido a duas

questotildees orientativas A primeira busca priorizar a originalidade da liacutengua vernacular desta

dissertaccedilatildeo (portuguecircs) Jaacute a segunda procura seguir uma postura de acircmbito ecumecircnico visto

que o termo Pai se adapta melhor agrave compreensatildeo confessional cristatilde fora da realidade teoloacutegica

da Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana natildeo trazendo nenhum prejuiacutezo cognitivo aos leitores

desta uacuteltima Instituiccedilatildeo

As citaccedilotildees da I Apologia de Justino foram extraiacutedas de versotildees em liacutengua portuguesa

e grega Em portuguecircs a I Apologia eacute traduzida e editada por Ivo Storniolo e Euclides M

Balancin e comentada por Roque Frangiotti para a coleccedilatildeo Patriacutestica da editora Paulus Jaacute o

texto em seu idioma original estaacute presente em duas publicaccedilotildees a primeira estaacute na coletacircnea

Patrologiae Cursus Completus Series Graeca Volume 6 editado por Jacques Paul Migne e a

14 A falta de trabalhos sobre o pensamento de Justino Maacutertir em liacutengua portuguesa no cenaacuterio nacional (Brasil) eacute

uma evidente deficiecircncia acadecircmica ateacute o momento Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 12

14

segunda estaacute na coletacircnea Apologies (contendo a I e a II Apologias) traduzida e comentada por

Louis Pautigny A traduccedilatildeo e transliteraccedilatildeo do original grego quando se fez necessaacuterio satildeo de

nossa autoria15

Duas satildeo as traduccedilotildees da Biacuteblia Sagrada em liacutengua portuguesa utilizadas nesta

dissertaccedilatildeo A primeira que eacute aplicada de forma padratildeo em todo corpo textual desta pesquisa

eacute a traduzida em portuguecircs por Joatildeo Ferreira de Almeida 2ordf ediccedilatildeo Revista e Atualizada no

Brasil da Sociedade Biacuteblica do Brasil de 1993 A segunda traduccedilatildeo que eacute utilizada

exclusivamente no quadro comparativo entre os textos da I Apologia de Justino e os textos

escrituriacutesticos do Antigo Testamento localizado no IV capiacutetulo eacute de nossa inteira autoria16

Quanto ao texto grego utiliza-se o Novo Testamento Grego tradicionalmente conhecido por

Textus Receptus 15501894 (que significa texto recebido) de domiacutenio puacuteblico poreacutem editado

e produzido eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007 Quanto ao Antigo

Testamento emprega-se a versatildeo grega conhecida como Septuaginta de 190317 de domiacutenio

puacuteblico editada e produzida eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007

Esta pesquisa se desenvolve textualmente em quatro capiacutetulos O primeiro capiacutetulo

discute quatro pontos principais O primeiro eacute uma sucinta abordagem biograacutefica da figura

humana de Justino diante dos fatos existentes em seu contexto O segundo apresenta o perfil

histoacuterico e intelectual especialmente na classe Patriacutestica em que estaacute inserido O terceiro ponto

faz uma anaacutelise literaacuteria da I Apologia sua dataccedilatildeo sua divisatildeo textual seu gecircnero literaacuterio e

os manuscritos que se dispotildeem da obra Por uacuteltimo se aborda por meio de uma breve exposiccedilatildeo

histoacuterica o ponto-chave que em meados do Seacuteculo II motivou Justino a redigir esta obra o

fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo eacute analisado como sendo a forccedila motriz que conduziu a pena de

Justino neste tratado

O segundo capiacutetulo estaacute dividido em trecircs pontos O primeiro descreve quem eram os

cristatildeos como grupo apresentando algumas de suas particularidades mas visa especialmente

construir algo que se pode explicar como uma definiccedilatildeo ldquoidentitaacuteriardquo destes homens e mulheres

que se haviam tornado mais um segmento do contexto sociorreligioso do Seacuteculo II O segundo

15 As obras de referecircncia utilizadas para tal exerciacutecio de traduccedilatildeo foram Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-

Grego de Isidoro Pereira Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento de Carlo Rusconi Dicionaacuterio Biacuteblico Strong

de James Strong e A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti

de Joseph Thayer

16 Esta opccedilatildeo se daacute devido ao fato de natildeo existir em liacutengua portuguesa uma traduccedilatildeo que represente ou se

assemelhe de maneira teacutecnica ao original grego da Septuaginta

17 Os editores empregam correlatamente o termo ldquosem acentuaccedilatildeordquo junto a titulaccedilatildeo desta versatildeo O emprego

ocorre devido ao texto grego natildeo apresentar acentos

15

que daacute seguimento ao ponto anterior visa apresentar um melhor desenvolvimento dos objetivos

deste trabalho deste modo eacute imprescindiacutevel se apresenta um esboccedilo do que para Justino se

caracteriza como os setores da sociedade opostos ao cristianismo nesta relaccedilatildeo duas ldquoclassesrdquo

surgem judeus e gentios Por fim o terceiro ponto aborda o exame principal desta etapa Aqui

se descreve uma potencial relaccedilatildeo entre fatores que por regra se diferenciam essencialmente

sendo esta diferenciaccedilatildeo estabelecida necessariamente por uma nova postura espiritual eou

religiosa Novas variantes surgem de forma definitiva no cenaacuterio sociorreligioso da eacutepoca

confrontando seu status quo o que leva Justino a reagir criando automaticamente uma accedilatildeo

dialeacutetica que envolve conceitos teologais providenciais eacuteticos e morais aleacutem de gerar outras

variaccedilotildees que estabelecem o passo futuro a ser dado por Justino visando um desdobramento

que estabeleccedila sua confissatildeo de feacute Neste cenaacuterio eacute possiacutevel propor uma definiccedilatildeo do que seja

a Verdade para Justino

Tambeacutem o terceiro capiacutetulo tem sua estrutura dividida em trecircs pontos bases O

primeiro aborda o capiacutetulo XXVIII da I Apologia o qual seraacute analisado de forma introdutoacuteria

levando desta maneira ao desenvolvimento do restante da proposta aleacutem de dar fundamento agrave

construccedilatildeo do argumento central que estaacute ancorado no pensamento do Apologista O segundo

ponto do capiacutetulo concentra-se na descriccedilatildeo da filosofia como a principal ldquociecircnciardquo e a base

intelectual na formaccedilatildeo de Justino Neste espaccedilo se vecirc de forma sumarizada o filoacutesofo Justino

aqui tambeacutem se mencionam as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo deste Pai da Igreja

onde o estoicismo e o platonismo satildeo salientados Aleacutem disso eacute discutida tambeacutem o conceito

de Logos questatildeo filosoacutefica-teoloacutegica que acabou por se tornar em uma de suas principais

contribuiccedilotildees para a histoacuteria do dogma cristatildeo18 Finalmente o terceiro ponto concentra

esforccedilos no desenvolvimento de uma peculiar abordagem de Justino quanto ao uso e o fim que

a racionalidade humana exerce no seu conjunto de relaccedilotildees Este ambiente formado de coisas

temporais e atemporais caracteriza de maneira clara e oacutebvia para Justino uma postura sistecircmica

como modelo para as atitudes humanas que concentram em si a resposta que define a Verdade

para este Apologista

O quarto e derradeiro capiacutetulo se compotildeem de trecircs pontos elementares Inicia-se por

uma abordagem que procura desenvolver uma raacutepida relaccedilatildeo histoacuterica do conceito messiacircnico

em algumas culturas direcionando seu foco final para a eacutepoca de Justino O segundo item

descreve com certo grau de peculiaridade a definiccedilatildeo do que eram e consequentemente o que

representavam as profecias messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino aleacutem de visar

18 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

16

comunicaacute-las de maneira correta acima de tudo a quem ele as apresentou como tipo alvo e

revelaccedilatildeo maacutexima19 Por fim o terceiro ponto expotildee por meio do auxiacutelio de fontes que para

Justino havia um evidente qualificador em sua definiccedilatildeo do cumprimento profeacutetico da Antiga

Alianccedila Este fator se concentra em um axioma que se tornou visiacutevel sendo bem definido pelo

autor do Quarto Evangelho ldquoo Verbo se fez carne e habitou entre noacutes cheio de graccedila e de

verdade e vimos a sua gloacuteria gloacuteria como do unigecircnito do Pairdquo (Joatildeo 114)

Em resumo o primeiro capiacutetulo estaacute centrado no contexto da figura histoacuterica de

Justino O segundo em aspectos significativos sobre a contraposiccedilatildeo de ideias e haacutebitos O

terceiro na obtenccedilatildeo da inteligibilidade do Apologista em resistecircncia a uma previsatildeo

meramente sensiacutevel do agregado vivencial ou funcional de sua realidade O quarto na

afirmaccedilatildeo de um apogeu que sustentado em evidecircncias irrefutaacuteveis para Justino se estabelece

como uma sentenccedila irrevogaacutevel

Este apanhado nos convida a uma reflexatildeo para conhecer e a uma busca para

comprovar o que seria a Verdade na visatildeo de Justino de Roma Daniel-Rops foi mais um dos

tantos que foram conquistados pelas nuances do legado apologeacutetico de Justino e como

consequecircncia deste encontro encoraja seus leitores a aceitarem este desafio

Como os seus problemas satildeo semelhantes aos nossos Como bate seu coraccedilatildeo num

ritmo que conhecemos tatildeo bem Neste filoacutesofo de dezoito seacuteculos ressoa aos nossos

ouvidos uma espeacutecie de Pascal neste dialeacutetico emeacuterito encontra-se uma vontade de

acolhimento e uma abertura de alma que os cristatildeos de hoje podem tomar por

modelo20

19 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

20 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 277

17

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

Ao imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo

filoacutesofo e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do

saber ao sacro Senado e a todo o povo romano Em prol dos homens de qualquer raccedila

que satildeo injustamente odiados e caluniados eu Justino um deles filho de Prisco que

o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestina compus este discurso e

esta suacuteplica21

Para conhecermos melhor a Justino o cognominado Maacutertir da ainda jovem Igreja de

Cristo ndash como tambeacutem ilustre residente da comunidade romana do Seacuteculo II ndash devemos nos

aproximar de suas obras Especialmente nas conhecidas I Apologia e Diaacutelogo com Trifatildeo nos

deparamos com um pequeno poreacutem significativo acesso a informaccedilotildees que fundamenta um

consideraacutevel entendimento histoacuterico desta figura tatildeo destacada daquele periacuteodo22

A partir desta anaacutelise histoacuterica buscaremos desenvolver uma construccedilatildeo por meio de

fatores que entendemos serem essenciais para o progresso do restante desta pesquisa no qual

assuntos de teor elementar procuraratildeo ser respondidos Entre estes podemos identificar alguns

como Quem foi esse homem chamado Justino o qual o testemunho cristatildeo antigo afirma ter

sido morador da cidade de Roma e martirizado por sua feacute A qual classe da sociedade romana

de sua eacutepoca ele pertenceu A qual grupo da ldquointelectualidaderdquo cristatilde ele somou Como e

quando escreveu suas obras em especial a I Apologia Como este escrito encomiaacutestico de

defesa nasce Quem eou o quecirc (fatores diversosplurais) o incentivaram a escrevecirc-la de forma

proposital

11 JUSTINO DE ROMA

Torna-se necessaacuterio desde o iniacutecio salientar que se possui atualmente informaccedilotildees bem

detalhadas de quem teria sido Justino ndash o qual foi cunhado por Tertuliano como ldquofiloacutesofo e

maacutertirrdquo23 ndash morador da capital do Impeacuterio Romano isso tudo devido especialmente agraves claras

ldquoreferecircncias autobiograacuteficas de suas proacuteprias obras a um relato sobre seu martiacuterio e a notiacutecias

encontradas na Histoacuteria eclesiaacutestica de Euseacutebio e em Epifacircniordquo24 Uma gama consideraacutevel de

21 JUSTINO I Apologia I 1

22 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

23 TERTULIANO Contra os Valentinianos V 1

24 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 82-83

18

estudiosos concorda que Justino tenha nascido por volta do ano 100 da era cristatilde25 isso devido

agrave referecircncia textual apresentada pelo proacuteprio Apologista ldquoeu Justino um deles filho de Prisco

que o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestinardquo26 Neste contexto contribui

o trabalho de Xavier que afirma acreditar ldquoque ele (Justino) nasceu depois do ano 100 dC em

Flavia Neaacutepolis (atual Naplusa) na Siacuteria-Palestina ou Samaria a Siqueacutem dos tempos biacuteblicos

(Palestina)rdquo27 Nota-se atraveacutes do auto relato de Justino que este nasceu em pleno ldquocoraccedilatildeo da

Galileiardquo28 em uma cidade remodelada (modernizada) para sua eacutepoca agrave cultura romana ou seja

pagatilde Logo sua famiacutelia provavelmente tambeacutem era pagatilde possivelmente seus pais ldquoeram

colonos abastadosrdquo29 e de origem latina ou grega sendo a primeira opccedilatildeo de preferecircncia por

Hamman que afirma serem de caracteriacutestica latina a qualidade de caraacuteter o gosto por dados

histoacutericos e a natildeo apreciaccedilatildeo de argumentaccedilotildees pomposas e prolixas encontradas em Justino30

Vale tambeacutem citar que a etimologia dos nomes do seu pai (Prisco) e do seu avocirc (Baacutequio)

colabora para uma origem natildeo judaicaisraelita mesmo tendo nascido na regiatildeo da Samaria

local no qual possivelmente tenha crescido e sido educado31

Os proacuteximos relatos biograacuteficos apresentados por nosso autor jaacute se estabeleceram no

decorrer de sua jornada em direccedilatildeo ao alvo que buscava atingir eacute quando em seu escrito

intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo Justino se apresentaraacute como um apaixonado apreciador da

filosofia e do absoluto que a razatildeo deveria perscrutar Em um escrito estiliacutestico e repleto de

artifiacutecios literaacuterios Justino cita seu passado em meio aos estoicos peripateacuteticos pitagoacutericos e

platocircnicos32 observando desde cedo que o objetivo de seu caminho nestes grupos que

ldquocultuavamrdquo o bem-estar do viver humano era o de descobrir a verdade como um estado livre

de contingecircncias Hamman endossa esse processo de peregrinaccedilatildeo filosoacutefica na vida do autor

25 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 81

26 JUSTINO I Apologia I 1

27 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo nosso

28 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

29 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

30 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

31 Flaacutevia Neaacutepolis foi fundada em 72 de nossa era por Vespasiano sobre a antiga Siqueacutem A cidade existe hoje

sob o nome de Naplusa Natildeo se deve esquecer a importacircncia deste siacutetio geograacutefico para a histoacuteria religiosa de

judeus e cristatildeos Foi em Siqueacutem que Deus apareceu a Abraatildeo e este lhe dedicou um altar (cf Gn 126-7) Ali se

conservava a memoacuteria de um ldquopoccedilo de Jacoacuterdquo junto ao qual Jesus dialogou com a samaritana (cf Jo 45-6) Foi em

Siqueacutem que Josueacute reuniu a grande assembleia das tribos para ratificar a alianccedila entre Deus e seu povo (cf Js 24)

Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5

32 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3-6

19

O proacuteprio Justino conta-nos no Diaacutelogo com Trifatildeo o longo itineraacuterio de sua busca

[] Sucessivamente em Naplusa frequentou as aulas de um estoico depois de um

disciacutepulo de Aristoacuteteles que logo abandonou trocando-o por um platocircnico Com

candura esperava que a filosofia de Platatildeo lhe permitisse ldquover imediatamente a

Deusrdquo33

Entretanto Justino diante de diversas circunstacircncias e ainda acometido de inuacutemeras

inquietaccedilotildees decorridas das mesmas perguntas que o afligiam em sua busca pela verdade passa

a relatar seu impressionante encontro com o Evangelho de Cristo em seu Diaacutelogo com um judeu

chamado Trifatildeo34 Justino que aparentemente parece ter sido encorajado apoacutes ser ensinado por

um mestre da escola platocircnica passa a viver por meio de haacutebitos mais austeros e se retira a um

lugar isolado onde segundo ele mesmo procuraria encontrar ldquoo proacuteprio Deusrdquo35 Poreacutem em

meio a esta experiecircncia de isolamento ndash possivelmente ocorrida na regiatildeo da Aacutesia Menor36 ndash

Justino se depara com um anciatildeo que seraacute o arauto da mais significativa filosofia que conheceu

Hamman daacute ecircnfase a esse evento ldquoRetirando-se agrave solidatildeo Justino passeava pela areia a beira-

mar para meditar sobre a visatildeo de Deus sem conseguir apaziguar sua inquietaccedilatildeo quando

encontrou um anciatildeo misterioso que dissipou suas ilusotildeesrdquo37

Nesse Diaacutelogo nos deparamos com uma seacuterie de interrogaccedilotildees vindas da parte do

Anciatildeo judeu dirigidas a pessoa de Justino assuntos sobre Deus (divindade) sobre o saber

humano (filosofia) sobre a felicidade e a disposiccedilatildeo da alma (psique) satildeo algumas das questotildees

apresentadas ao ldquointelectordquo do filoacutesofo Justino No que tudo indica parecer um processo

baseado na maiecircutica socraacutetica o Anciatildeo leva nosso autor a inuacutemeras duacutevidas e consegue

estabelecer contradiccedilotildees naquela que parecia ser a melhor via (meacutedio platonismo) para o

entendimento da verdade conhecida por Justino ateacute entatildeo38 Diante das argumentaccedilotildees

apresentadas pelo Anciatildeo e sentindo-se vencido por elas Justino reconhece a sua limitaccedilatildeo e

pergunta ldquoEntatildeo a quem vamos tomar como mestre ou de quem poderemos tirar algum

proveito se nem mesmo nestes (filoacutesofos) se encontra a verdaderdquo39

33 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

34 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo III 1-VIII 2

35 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6-III 1

36 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

37 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

38 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

39 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1 grifo nosso

20

O decorrer do caso nos eacute apresentado com entusiasmo pelo autor o Anciatildeo eacute retratado

como algueacutem que natildeo hesita em afirmar ao sedento Justino que os profetas da antiga alianccedila

foram aqueles que manifestaramproclamaram a Verdade antes de todos os outros homens40

pois a resposta ao apelo do espiacuterito de Justino jaacute encontrava razatildeo e sentido na revelaccedilatildeo

anteriormente profetizada (Antigo Testamento) Estes fatos (profecias) tinham total relevacircncia

pois eram ldquomais antigos do que todos estes considerados filoacutesofos homens bem-aventurados

justos e amigos de Deusrdquo41 Neste ponto soma-se de forma significativa a descriccedilatildeo de Walde

desenvolvida junto ao texto de Justino sobre a sua conversatildeo

Justino foi introduzido na feacute diretamente por um velho homem que o envolveu numa

discussatildeo sobre problemas filosoacuteficos e entatildeo lhe falou sobre Jesus Ele falou a Justino

sobre os profetas que vieram antes dos filoacutesofos ele disse e que falou ldquocomo

confiaacutevel testemunha da verdaderdquo Eles profetizaram a vinda de Cristo e suas

profecias se cumpriram em Jesus Justino disse depois que ldquomeu espiacuterito foi

imediatamente posto no fogo e uma afeiccedilatildeo pelos profetas e para aqueles que satildeo

amigos de Cristo tomaram conta de mim enquanto ponderava nestas palavras

descobri que a sua era a uacutenica filosofia segura e uacutetil [] eacute meu desejo que todos

tivessem os mesmos sentimentos que eu e nunca desprezassem as palavras do

Salvadorrdquo42

Apoacutes este evento notabilizador na histoacuteria de Justino um evento que atesta a

conversaccedilatildeo do filoacutesofo a nova religiatildeo que se apresentava a cada dia com maior forccedila em meio

ao mundo heleniacutestico nasce um ministeacuterio que iraacute se caracterizar por uma profunda e inegaacutevel

entrega a causa que o conquistou Chegando agrave cidade de Eacutefeso Justino se deparou com irmatildeos

que se diziam disciacutepulos do apoacutestolo Joatildeo os quais por meio de uma intensa relaccedilatildeo lhe

mostraram o novo e relevante aspecto da nova filosofia que agora havia decidido seguir

passando a entender que o cristianismo deve ser ldquoum cristianismo de atos e natildeo soacute de

palavrasrdquo43

Poreacutem o maior entendimento que o Apologista obteve foi o de encontrar a Verdade a

qual buscava incessantemente unindo este axioma (Verdade) com o Logos revelado pelas

Escrituras contexto que definiu como a uacutenica ldquofilosofia segura e proveitosardquo44 para a vida a

40 DROHNER Manual de Patrologia 2008

41 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1

42 WALDE Defensor da Igreja 2000 p 1

43 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

44 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

21

qual eacute a fonte do saber primordial que manteve-se inalterada poreacutem tendo assumido ldquonovas

formas e expressotildees diferentesrdquo atraveacutes dos seacuteculos45 Este esteio da intelectualidade de Justino

foi tatildeo decisivo para a histoacuteria do cristianismo que segundo Hamman passou a apresentar

(temporariamente) uma satisfatoacuteria ldquoconclusatildeo para todas as verdades parciais [] Instante

inesqueciacutevel que assinala uma data na histoacuteria cristatilde em que se encontram a alma platocircnica e

a alma cristatilde A Igreja acolhia Justino e Platatildeordquo46

Aleacutem disto Justino guardou caracteriacutesticas daquilo que reconhecia ser saudaacutevel de seu

passado como amigo da sabedoria vestindo-se com ldquomanto de filoacutesofo como sinal do pregador

cristatildeo itineranterdquo47 Desta forma Justino procurou caracterizar-se entre os seus

contemporacircneos como algueacutem que representava a Verdade que havia encontrado Ateacute onde se

tem notiacutecias jamais foi ordenado assim como a maioria dos Pais de sua classe Patriacutestica

(Apologistas)48 No entanto ele iniciou em Roma possivelmente a pedido do Bispo Higino49

ldquoagrave maneira das escolas de filosofia uma escola de iniciaccedilatildeo agrave religiatildeo cristatilderdquo50 na qual formou

disciacutepulos recebendo tambeacutem por esta iniciativa a possiacutevel desaprovaccedilatildeo da ldquoclasserdquo

intelectual de sua eacutepoca pois tudo indica que natildeo cobrava nenhuma compensaccedilatildeo ndash entenda-se

salaacuteriopagamento ndash de seus alunos51 Este periacuteodo ministerial de Justino na ldquocapital do mundordquo

teve tamanha repercussatildeo na histoacuteria da Igreja a ponto de Euseacutebio fazer questatildeo de reproduzir

algumas particularidades desse filoacutesofo cristatildeo deixando-nos assim uma robusta base

historiograacutefica de Justino o primeiro historiador da Igreja afirma que ldquofloresceu Justino Com

estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de Deus e lutava pela feacute com seus escritosrdquo52

Decorrido um periacuteodo de confrontaccedilotildees filosoacuteficas e teoloacutegicas ndash especialmente no

acircmbito da eacuteticamoral ndash e de crescentes atritos com as esferas aristocraacuteticas da sociedade

romana Justino foi acusado de ser cristatildeo53 Tudo indica que a denuacutencia partiu de um filoacutesofo

45 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

46 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

47 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 83

48 RIVAS San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo 2018

49 Acredita-se que devido ao crescimento de alguns movimentos gnoacutesticos (Marcionismo Valentianismo etc)

junto a capital do Impeacuterio o Bispo Higino (Nono Papa) solicitou a presenccedila de Justino na tentativa de se introduzir

uma formaccedilatildeo filosoacutefico-cultural cristatilde em Roma no empenho de se responder adequadamente mediante a

verdadeira doutrina de Cristo a estes representantes heterodoxos Ver FEacuteLIX Las filosofiacuteas en la teologiacutea de

Justino Maacutertir 2014 p 438

50 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

51 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

52 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 10 8

53 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

22

ciacutenico54 de caraacuteter duvidoso chamado Crescente O proacuteprio Justino registra em sua segunda

Apologia o pressentimento de que entregaria sua vida em prol da causa do Evangelho que o

libertou da ignoracircncia e o salvou da morte eterna Ele escreve ldquoEu mesmo espero ser viacutetima

das ciladas de algum desses democircnios aludidos e ser cravado no cepo ou pelo menos das ciladas

de Crescente esse amigo da desordem e da ostentaccedilatildeordquo55 Deste modo Justino e provavelmente

seis de seus disciacutepulos foram conduzidos diante do Prefeito de Roma chamado Juacutenio Ruacutestico56

Apoacutes ser julgado e condenado agrave morte ldquoSua sentenccedila foi a decapitaccedilatildeo que ocorreu por volta

do ano 165 dCrdquo57 Hamman ainda enobrece a posiccedilatildeo de Justino salientando que o Apologista

tinha a compreensatildeo de que diante de seus algozes natildeo se tratava ldquomais de convencer senatildeo de

confessarrdquo58 Assim mesmo nesse cenaacuterio de violecircncia a identidade e histoacuteria do filoacutesofo que

quando jovem peregrinava atraacutes das respostas do absoluto acaba por transformar-se por meio

de um ato de feacute o entatildeo filoacutesofo cristatildeo chamado Justino e morador da cidade de Roma passa

agora a ser tambeacutem o Maacutertir da Igreja de Cristo

Finalizamos este item com a descriccedilatildeo de Euseacutebio que com realce e temor retrata os

fatos finais da histoacuteria da vida de Justino

Por este mesmo tempo Justino mencionado haacute pouco depois de dedicar aos

supracitados imperadores seu segundo livro em defesa de nossas doutrinas foi

adornado com o sagrado martiacuterio O responsaacutevel pela conspiraccedilatildeo foi o filoacutesofo

Crescente - homem que se esforccedilava em levar uma vida e uma conduta bem adequadas

ao cognome de ciacutenico - pois Justino o havia repreendido muitas vezes em presenccedila

de seus ouvintes Justino com seu martiacuterio acabou cingindo o precircmio da vitoacuteria da

verdade da qual era embaixador59

54 O cinismo origina-se nas escolas filosoacuteficas da Greacutecia antiga que reivindicam uma linhagem socraacutetica Chamar

os ciacutenicos de ldquoescolardquo no entanto imediatamente levanta uma dificuldade para um grupo natildeo convencional e anti-

teoacuterico Seus principais interesses satildeo eacuteticos mas eles concebem a eacutetica mais como um modo de viver do que

como uma doutrina que precisa de explicaccedilatildeo Como tal askēsis ndash uma palavra grega que significa um tipo de

treinamento do eu ou da praacutetica ndash eacute fundamental Os ciacutenicos assim como os estoacuteicos que os seguiram caracterizam

o modo de vida ciacutenico como um ldquoatalho para a virtuderdquo (ver Dioacutegenes Laeacutercio Vidas de Filoacutesofos Eminentes)

Livro 6 Capiacutetulo 104 e Livro 7 Capiacutetulo 122) Embora muitas vezes sugiram que descobriram o caminho mais

raacutepido e talvez o mais certo para a vida virtuosa eles reconhecem a dificuldade desse caminho Ver PIERING

Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Texto completo em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt

55 JUSTINO II Apologia VIII 9 1

56 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

57 CAMPENHAUSEN Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros Teoacutelogos Cristatildeos 2005 p 22 apud

SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 67

58 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 32

59 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 16 1

23

Apoacutes este introdutoacuterio exame biograacutefico comeccedilaremos a apresentar o cristatildeo e filoacutesofo

Justino em seu grupo de definiccedilatildeo Patriacutestica ou poderiacuteamos dizer no condicionamento

ministerial de seu exerciacutecio da manutenccedilatildeo e defesa da feacute cristatilde

12 PAIS DA IGREJA

Justino eacute um personagem histoacuterico do cristianismo mundial e possui seu assento no

espaccedilo definido pela teologia Patriacutestica como um PaiPadre da Igreja60 Em sua pesquisa de

ordenamento histoacuterico Santos salienta que ldquoele se insere num momento e num ciacuterculo muito

importante da histoacuteria do cristianismo primitivo naquilo que se convencionou chamar de

Padres da Igrejardquo61 Neste espaccedilo analiacutetico em que surgem terminologias de caraacuteter mais

temaacutetico desenvolvem-se alguns viacutenculos que visam obter uma melhor orientaccedilatildeo teoloacutegica

As ciecircncias intituladas Patriacutestica e Patrologia (denominaccedilatildeo predominante no acircmbito teoloacutegico

Catoacutelico Romano) detecircm as estruturas funcionalidades e linguagens que buscam o

aperfeiccediloamento deste ramo de pesquisa histoacuterica em meio a teologia Nesse espaccedilo torna-se

importante apresentar a sinteacutetica definiccedilatildeo oriunda da Congregaccedilatildeo para a Educaccedilatildeo Catoacutelica

em sua Instruccedilatildeo sobre o Estudo dos Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal esta diz ldquoa

Patriacutestica ocupa-se do pensamento teoloacutegico dos Padres [] a Patrologia tem por objeto a vida

e os escritos dos mesmosrdquo62 Notamos que nesse ambiente se caracteriza uma espeacutecie de

sinoniacutemia entre os termos sendo isso o resultado de diversas siacutenteses oriundas do confronto de

algumas posiccedilotildees divergentes ao longo da histoacuteria da elaboraccedilatildeo teoloacutegica ocidental63 poreacutem

a definiccedilatildeo terminoloacutegica conhecida por Histoacuteria da Literatura Cristatilde Antiga utilizada por

Lazzati e Simonetti ndash mesmo que extensa e ainda pouco usada ndash devido a sua qualificaccedilatildeo

linguiacutestica acabou por se estabelecer Padovese resume bem essa proposta de ldquosimbioserdquo ao

60 Em vaacuterias liacutenguas eacute a mesma palavra para o significado de Padre e Pai pater em latim padre em italiano e em

espanhol pegravere em francecircs father em inglecircs Em portuguecircs haacute hoje distinccedilatildeo niacutetida entre Padre e Pai mas o sentido

original da palavra eacute o de Pai (ateacute natildeo muitos anos atraacutes diziacuteamos [na liturgia da ICAR] ldquoPadre nosso que estais

no ceacuteurdquo) Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 17 grifo nosso

61 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68

62 CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos Padres da Igreja na

Formaccedilatildeo Sacerdotal 1989 art 49

63 A Patriacutestica no mundo protestante tornou-se ldquoHistoacuteria dos Dogmasrdquo e tanto no acircmbito catoacutelico como

protestante alguns identificaram a Patrologia com a histoacuteria da literatura cristatilde (Harnack) ou com a ldquohistoacuteria da

literatura eclesiaacutesticardquo (Bardenhewer) ou ainda com a ldquohistoacuteria da literatura cristatilde antigardquo (Lazzati Simonetti)

Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 22

24

sugerir que ldquoambas (Patriacutestica e Patrologia) juntamente com a histoacuteria da literatura cristatilde

antiga trabalham com as mesmas obrasrdquo64

Desta maneira a aacuterea de estudo dos Pais da Igreja tem sido objeto e alvo de diversas

pesquisas na atualidade aleacutem de ter sido um feacutertil campo para inuacutemeras e variadas abordagens

no decorrer dos seacuteculos havendo significativos trabalhos jaacute no Seacuteculo XVII65 Mais

recentemente (Seacuteculo XX)66 houve um reconhecimento do grande valor estrutural desse

segmento para o meio teoloacutegico de forma transconfessional onde acabou por acarretar

expressiva contribuiccedilatildeo em questotildees especialmente dogmaacuteticas Hall baseando-se no

pensamento de Casey desenvolve sua ideia atraveacutes de afirmaccedilotildees relevantes sob a importacircncia

do estudo da PatriacutesticaPatrologia para o ensino ordinaacuterio da teologia (academia) e da Igreja

(catequese)

Primeiro os pais satildeo os ldquomais proacuteximos beneficiaacuterios da tradiccedilatildeo apostoacutelicardquo Em

minhas proacuteprias palavras eles viveram e trabalharam em aproximaccedilatildeo hermenecircutica

com os escritores biacuteblicos especialmente os do novo testamento Segundo os pais

ldquoajudam-nos a entender nossas proacuteprias raiacutezesrdquo na feacute Terceiro muitos pais

escreveram e viveram como pastores Eles escreveram para ajudar as pessoas a

agarrar-se ao ensino de Cristo67

De maneira ampla podemos dizer que haacute algumas variaccedilotildees no meacutetodo e no estilo de

estudar o cenaacuterio patriacutestico em sua estrutura conjuntural Devemos iniciar salientando que o

periacuteodo patriacutestico simplesmente ldquonatildeo eacute definido como um marco cronoloacutegico mas como um

periacuteodo de passagemrdquo68 Deste modo uma delimitaccedilatildeo se constroacutei atraveacutes de uma conclusatildeo de

periacuteodos (estrutura temporal) ndash onde atributos culturais e eclesiaacutesticos se mesclam para gerar

uma definiccedilatildeo conceitual Nessa espeacutecie de ldquorestriccedilatildeo conceitualrdquo tambeacutem se encaixa o

conjunto de criteacuterios adotados no processo de seleccedilatildeo daqueles que podem receber tal tiacutetulo

honoriacutefico de Pai da Igreja mesmo que estes elementos de classificaccedilatildeo (ortodoxia

64 PADOVESE Leacutexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico 2003 p 576 apud SANTOS Identidade Cristatilde

no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68 grifo nosso

65 DAILLEacute Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui sont auiourdhui en la

religion 1632

66 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

67 CASEY Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina 1995 p 105 apud HALL Lendo as Escrituras

com os Pais da Igreja 2003 p 56

68 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

25

santificaccedilatildeo reconhecimento eclesiaacutestico antiguidade)69 tenham possuiacutedo variaacuteveis (de meacuterito

e de forma)70 em sua aplicaccedilatildeo durante toda a histoacuteria Ainda nesse processo de formaccedilatildeo

tambeacutem cabe registrar a profunda influecircncia de indicaccedilatildeo geograacutefica ocorrida em todo esse

desenvolvimento onde uma linha divisoacuteria de significativa relevacircncia se apresenta quando faz

a separaccedilatildeo do ldquotemperamento teoloacutegico entre o Oriente e Ocidenterdquo71

Contudo cabe-nos assumir uma forma de classificaccedilatildeo e organizaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo

desta pesquisa desta forma por utilizar-se de uma linguagem acessiacutevel e por apresentar maior

incidecircncia literaacuteria em meios natildeo teoloacutegicos utilizaremos das seguintes divisotildees baseadas no

trabalho de Hall descritas como

I Pais Apostoacutelicos (final do Seacuteculo I ateacute meados do II)

II Pais Apologistas ou Ante-Nicenos (Seacuteculo II)

III Pais Polemistas ou Nicenos (final do Seacuteculo II e Seacuteculo III)

IV Pais Cientiacuteficos ou Poacutes-Nicenos (Seacuteculo III ao V)72

O primeiro modo de classificaccedilatildeo iraacute se designar por uma abordagem de caraacuteter mais

funcional no que diz respeito a seus integrantes todos estatildeo relacionados ao periacuteodo

denominado de cristianismo antigoprimitivo recebendo assim o nome de Pais Apostoacutelicos

Foram os herdeiros diretos do chamado ldquodepoacutesito da Feacuterdquo o qual foi estabelecido atraveacutes da

missatildeo dos apoacutestolos de Cristo que detinham a autoridade e a grande responsabilidade de

perpetuar a doutrina apostoacutelica (entenda-se afirmar a continuidade da mensagem una santa e

catoacutelica do cristianismo por meio da manutenccedilatildeo daacute mensagem original) Jaacute os denominados

Pais Apologistas (grupo agrave qual Justino pertence) notabilizaram-se ndash principalmente devido agrave

notaacutevel qualidade de seus escritos ndash por defender a Feacute cristatilde de inuacutemeras accedilotildees repressivas agrave

doutrina e agraves comunidades fenocircmeno que se caracterizou especialmente no decurso do Seacuteculo

II Os Pais Polemistas salientam-se por sua ampla argumentaccedilatildeo no que confere a asseveraccedilatildeo

dos principais ensinos (doutrinasdogmas) do cristianismo protegendo-os das mais variadas

heresias tambeacutem afirmando suas peculiaridades mas acima de tudo pontuando estas instruccedilotildees

como questotildees indispensaacuteveis para a existecircncia da verdadeira Feacute em Cristo Por uacuteltimo os Pais

chamados ldquocientiacuteficosrdquo distinguiram-se por sua ecircnfase na densa aplicaccedilatildeo da Teologia em aacutereas

69 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 11

70 Bogaz Couto e Hansen indicam ainda um quinto criteacuterio na classificaccedilatildeo dos elementos para se ser credenciado

como um integrante do mundo patriacutestico eles o chamam de COLEGIALIDADE E DIAacuteLOGO Este visa analisar

a abrangecircncia do patrimocircnio teoloacutegico deixado pelo autor Ver BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica

caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 28 grifo do autor

71 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

72 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003 Ver capiacutetulos III-V

26

filosoacuteficas e do conhecimento ldquonaturalrdquo (antropologia sociologia psicologia etc) de seu

tempo Cabe-nos ainda frisar por uma questatildeo teacutecnica que o periacuteodo Patriacutestico normalmente eacute

descrito ateacute figuras do Seacuteculo VIII73 poreacutem nossa abordagem natildeo esmiuccedilara tal fato pelo

mesmo exceder o tema proposto nesta pesquisa

Para terminar nossa lacocircnia abordagem de uma aacuterea tatildeo ampla e rica de conteuacutedo

devemos sustentar a premissa de que uma consistente estrutura para anaacutelise Patriacutestica se daacute

atraveacutes da apropriaccedilatildeo de seu legado intelectual e isso se constroacutei atraveacutes de um genuiacuteno exame

de suas obras Aqui se apresenta a Patrologia como a ciecircncia a ser seguida e exercitada em

sentido literal isso devido a essa ser a organizadora deste sistema Santos em sua pesquisa

contribui neste enfoque

Haacute ainda outra forma muito comum de se estudar os padres da Igreja que eacute a partir de

suas obras e ainda o estudo deles todos sem qualquer divisatildeo atendo-se agraves vezes agrave

cronologia tanto de suas obras quanto de sua existecircncia na linha do tempo agraves vezes

de forma alfabeacutetica Em ambos os casos satildeo estruturados de forma enciclopeacutedica ou

dispostos como um dicionaacuterio de pensadores cristatildeos Assim os padres da Igreja

fazem parte de um campo de estudo maior inserido no que pode ser chamado de

Histoacuteria das ideias ou do pensamento cristatildeo74

Seguindo em uma ordem organograacutefica examinaremos a partir de agora o grupo

Patriacutestico no qual Justino se enquadrou em seu exerciacutecio ministerial devido a suas

caracteriacutesticas filosoacuteficas e teoloacutegicas

121 Pais Apologistas

Verificamos que no decorrer do Seacuteculo II surgiu nas comunidades cristatildes uma iminente

necessidade de combater determinadas acusaccedilotildees aleacutem de procurar dissuadir visotildees distorcidas

sobre o cristianismo75 especialmente as relacionadas a questotildees que adotavam posturas parciais

que simplesmente acusavam a religiatildeo cristatilde de ser um legado para pessoas ldquoignorantes e

fanaacuteticasrdquo76 Tal incitaccedilatildeo jaacute estava ativa em grande parte do Impeacuterio Romano Desta forma a

73 Os estudiosos patriacutesticos definem o fechamento deste periacuteodo no ocidente com Gregoacuterio Magno (ou Isidoro de

Sevilha) no Seacuteculo VII e no Oriente com Joatildeo Damasceno no Seacuteculo VIII Ver BOGAZ COUTO HANSEN

Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

74 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 69

75 Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 29-31

76 SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 181

27

Igreja ancorada em um ldquonuacutemero notaacutevel de gentios dotados de soacutelida formaccedilatildeo intelectualrdquo77

sendo sua maioria formada por ldquofiloacutesofosrdquo que haviam se convertido ao cristianismo acabaram

postando-se como baluartes desta nova religiatildeo tendo seus escritos (chamados de ldquotradiccedilatildeo

apologeacutetica cristatilderdquo78) como sua principal ldquoarmardquo de defesa estes (escritores e suas obras)

visavam ldquorefutar as calunias e [] expor o absurdo e a incoerecircncia dos ritos e dos mitos

pagatildeosrdquo79 aleacutem de apresentarem suas vidas como testemunhos da transformaccedilatildeo almejada por

esta feacute que defendiam Diante dos recursos aos quais protegiam e frente a busca de

ldquolegitimaccedilatildeordquo do cristianismo como religiatildeo no Impeacuterio estes cristatildeos questionavam de

maneira enfaacutetica as infundadas agressotildees propostas por aqueles que decidiam ldquofechar os seus

olhosrdquo as virtuosas obras geradas pelos seguidores desta Boa Nova Fluck contribui com ecircnfase

na tentativa de legitimaccedilatildeo que estes escritores apologistas procuraram dar a sua pregaccedilatildeo na

busca de toleracircncia para sua mensagem

Os apologistas queriam manifestar diante da opiniatildeo puacuteblica a verdadeira natureza do

Cristianismo Eles tinham a preocupaccedilatildeo de demonstrar a conformidade do

Cristianismo com o ideal helecircnico Proclamavam ndash na maioria dos casos ndash a alianccedila

do Cristianismo e da Filosofia Queriam mais do que somente toleracircncia Mostravam

que os cristatildeos eram os melhores cidadatildeos do Impeacuterio e que o Cristianismo favorecia

a grandeza do Impeacuterio80

Esta postura adotada por homens de elevada cultura acabou por robustecer e superar

uma necessidade existencial que havia surgido na relaccedilatildeo do cristianismo para com mundo

greco-romano isso devido agrave expansatildeo e estabilizaccedilatildeo em sociedades predominantemente

heleniacutesticas Os Pais Apologistas (em sua ampla maioria) inauguraram o que podemos chamar

de informaccedilatildeo ldquoad extrardquo81 ou seja estabelecer uma relaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo para fora dos

ldquomurosrdquo da Igreja O que antes era conhecida como a dimensatildeo (alcance e destino para

mensagem) literaacuteria ndash definida como ldquoad intrardquo82 ndash no periacuteodo dos Pais Apostoacutelico agora era

acompanhada de um novo estilo linguiacutestico que abria espaccedilo e trazia em sua armaccedilatildeo tambeacutem

77 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 69

78 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 2

79 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

80 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 31

81 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

82 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 97

28

o ldquoconhecimento das ciecircncias das letras e da filosofiardquo83 Torna-se valiosa nessa abordagem as

consideraccedilotildees gerais de Haumlgglund sobre a importacircncia da accedilatildeo literaacuteria dos Apologistas

Os apologistas ocupam lugar de destaque na histoacuteria do dogma natildeo soacute devido a sua

descriccedilatildeo do cristianismo como a verdadeira filosofia como tambeacutem por sua tentativa

de elucidar ensinamentos teoloacutegicos com o auxiacutelio de terminologia filosoacutefica

contemporacircnea (por exemplo na assim chamada laquocristologia do Logosraquo) O que neles

encontramos por conseguinte eacute a primeira tentativa de definir de maneira loacutegica o

conteuacutedo da feacute cristatilde bem como a primeira conexatildeo entre teologia e ciecircncia entre

cristianismo e filosofia grega84

Acredita-se que o periacuteodo apologeacutetico teve seu iniacutecio no seio da Igreja com a literatura

de um disciacutepulo chamado Quadrato que possivelmente em 124125 dC apresentou ldquodianterdquo

do Imperador Adriano na cidade de Atenas (Greacutecia) uma espeacutecie de tratado que visava enfatizar

que Cristo em seu ministeacuterio terreno havia realizado diversas curas e milagres afirmando que

a ressurreiccedilatildeo de mortos foi algo emblemaacutetico entre esses feitos prodigiosos85 Aristides eacute outro

personagem que merece destaque como precursor desta classe Patriacutestica Euseacutebio se refere a

ele deste modo ldquoMas tambeacutem Aristides homem de feacute entregue a nossa religiatildeo deixou assim

como Codratos uma Apologia em favor da feacute que havia dirigido a Adriano Tambeacutem a obra

deste escritor se conservou ateacute nossos dias em muitos lugaresrdquo86 Nesse escrito o historiador da

Igreja iraacute apresentar uma das proposiccedilotildees recorrentes entre os escritos apologeacuteticos do periacuteodo

o de que somente os cristatildeos satildeo verdadeiramente eacuteticos isso devido principalmente aos seus

haacutebitos de elevada postura moral87 o que buscava demonstrar que eram os uacutenicos que

verdadeiramente conheciam a DeusDivindade88 e deste modo acabavam por serem os

ldquomelhores cidadatildeos do Impeacuteriordquo89 Desta forma seguindo quase que um modelo padratildeo de

abordagem esses Apologistas apelaram aacute razoabilidade dos governantes romanos de sua eacutepoca

exigindo destes natildeo apenas toleracircncia mas acima de tudo justiccedila

83 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

84 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21

85 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

86 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 3 3

87 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

88 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

89 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 28

29

Ainda citamos o trabalho de Xavier que aborda de forma sinteacutetica outras figuras desse

periacuteodo apologeacutetico destacando sua alta produccedilatildeo textual que acabou por ter significativa

relevacircncia na estruturaccedilatildeo e funcionalidade de diversos segmentos do processo de formaccedilatildeo

dogmaacutetico na Igreja O relato agrega teor agrave nossa construccedilatildeo

Taciano disciacutepulo de Justino que compocircs ldquoDiscurso aos gregosrdquo Atenaacutegoras que

escreveu ldquoDefesa dos cristatildeosrdquo e um tratado ldquoSobre a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo Por

volta do ano 180 o bispo de Antioquia Teoacutefilo escreveu ldquoTrecircs livros a Autoacutelicordquo

tratando da doutrina cristatilde de Deus a interpretaccedilatildeo das Escrituras e a vida cristatilde

refutando as objeccedilotildees dos pagatildeos sobre essas questotildees No seacuteculo terceiro Oriacutegenes

de Alexandria escreveu uma refutaccedilatildeo ldquoContra Celsordquo Todas essas obras foram

escritas em grego sendo que na liacutengua latina destacam-se dois escritos apologeacuteticos

a ldquoApologiardquo de Tertuliano e o ldquoOtaacuteviordquo de Minuacutecio Feacutelix90

Portanto fica registrado na histoacuteria da identidade cristatilde mais que um gecircnero literaacuterio

antes uma postura corajosa de homens de estimado caraacuteter que ldquotocados pelo testemunho dos

cristatildeos e pelo querigma apostoacutelicordquo91 comunicaram uma genuiacutena e autecircntica mensagem de

vida e esperanccedila Tambeacutem devemos afirmar que a ldquotarefa de defender a feacute diante desta classe

de ataques produziu algumas das mais notaacuteveis obras teoloacutegicas do seacuteculo segundordquo92

Provavelmente muitos poderosos abastados intelectuais e outros detentores das benesses que

compunham a aristocracia romana do periacuteodo foram confrontados e alcanccedilados pelo

testemunho destes disciacutepulos que enfatizaram o apelo agrave razatildeo na tentativa de evitar a loucura

humana Nesse ponto Xavier consegue expressar com clareza a provaacutevel motivaccedilatildeo destes

homens ldquoSuas principais intenccedilotildees eram fazer com que o cristianismo fosse visto como um

ideal de vida que podia ser aceito e vivido em conformidade com a cultura greco-romana sem

necessidade de serem os cristatildeos perseguidos mortos ou marginalizadosrdquo93

122 O Apologista Justino

Eacute importantiacutessimo iniciarmos este item com as palavras de Dreher Frangiotti

Haumlgglund e Hamman O primeiro diz ldquoEntre os apologetas cristatildeos que procuraram estabelecer

90 XAXIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo do autor

91 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

92 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 86

93 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14

30

um diaacutelogo com os filoacutesofos Justino (110-165) foi o mais importanterdquo94 O segundo

similarmente afirma ldquoJustino eacute certamente o melhor apologista do seacuteculo IIrdquo95 O terceiro daacute

mesma forma garante no uso de um superlativo a importacircncia do Apologista ldquoO mais notaacutevel

dos apologistas foi Justino cognominado laquoo maacutertirraquo cujas duas laquoapologiasraquo datam de meados

do segundo seacuteculordquo96 O quarto usando de adjetivaccedilatildeo similar agrave do anterior enobrece com

insigne descriccedilatildeo a figura do Apologista ldquoDe todos os filoacutesofos cristatildeos do seacuteculo II Justino eacute

o mais ceacutelebre e o maiorrdquo97

Neste espaccedilo faremos uma descriccedilatildeo sinteacutetica apresentando a figura de Justino dentro

de sua classe Patriacutestica tendo como centro de nossa atenccedilatildeo sua produccedilatildeo textual

especialmente de suas duas apologias que satildeo as nossas principais ferramentas de ponderaccedilatildeo

sobre sua atuaccedilatildeo ministerial Nessa composiccedilatildeo podemos dizer que entre os ldquoApologistas

Maioresrdquo98 nenhum ldquoestava mais bem preparado para esse confronto do que Justinordquo99 isso

devido a sua variada formaccedilatildeo filosoacutefica Aproximadamente entre os ldquoanos de 150 e 165

dCrdquo100 Justino se apresentou no cenaacuterio apologeacutetico cristatildeo de forma avultosa mesmo natildeo

sendo um literato de destaque ganhou espaccedilo seja por seu caraacuteter iacutentegro como tambeacutem por

sua postura de retidatildeo haacute doutrina a ponto de seus escritos mostrarem ldquoo calor nunca

desmentido das suas convicccedilotildeesrdquo101 Hamman define bem essa peculiaridade na literatura de

Justino ao dizer que a ldquooriginalidade de Justino natildeo estaacute na sua qualidade literaacuteria mas na

novidade de seu esforccedilo teoloacutegicordquo102

Deste modo Justino conseguiu expressar muito bem aquilo que se tornaria o estandarte

apologeacutetico deste periacuteodo afirmando que o cristianismo ldquoeacute a filosofia segura e proveitosardquo103

levando-nos a conclusatildeo de que em ldquoCristo deu-se portanto a restauraccedilatildeo da filosofiardquo104

Nota-se que Justino estava absolutamente convencido de que havia encontrado o verdadeiro

94 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

95 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 6 grifo nosso

96 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21 grifo nosso

97 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27 grifo nosso

98 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 80

99 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 28

100 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

101 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

102 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

103 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

104 BARRERA A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da Biacuteblia 1995 p 663 apud FLUCK

Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32

31

caminho ldquoe passou a defendecirc-lo de diversas maneiras por meio de seus ensinos em seus

escritos e em sua vida e morte como maacutertirrdquo105 Assim como resultado de sua produccedilatildeo

literaacuteria Justino acabou destacando-se a ponto de se tornar ldquoo principal dos apologistas gregos

do seacuteculo IIrdquo106 como jaacute referido acima vale ainda mencionar o seleto testemunho de Euseacutebio

nessa constituiccedilatildeo este nos sugere que o legado apologeacutetico de Justino eacute consequecircncia de um

elaborado processo do conhecimento ao qual este passou a possuir ele escreve ldquoTambeacutem por

este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava ainda ocupado em

exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da

filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez sem razatildeo mas com juiacutezordquo107

Contudo ainda nos cabe um raacutepido registro histoacuterico relativo agrave produccedilatildeo literaacuteria de

Justino referente a questatildeo de se apontar qual seria sua habilitaccedilatildeo como um autecircntico

Apologista do Seacuteculo II Obviamente esta capacidade teacutecnica proveacutem daquilo que eacute a parte

material de sua arte no caso de Justino suas obras108 A pesquisa historiograacutefica apresenta ldquo8

obrasrdquo109 creditadas a Justino por Euseacutebio110 fazendo com que nosso autor seja reconhecido

como um escritor de ldquofecundardquo111 atividade literaacuteria no passado entretanto como autecircnticas

chegaram ateacute noacutes apenas trecircs destas diversas obras satildeo elas a I e II Apologia e um relato

argumentativo com um provaacutevel rabino judeu intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo112 Entre as

Apologias a primeira eacute direcionada agrave classe imperial Romana (Antonino Pio e seus filhos

Marco Aureacutelio e Luacutecio Vero) como tambeacutem ao senado Jaacute a segunda eacute motivo de um amplo

debate na esfera da criacutetica textual por natildeo apresentar um relato introdutoacuterio nem um

destinataacuterio de forma objetiva Muitos acreditam ser esta obra um apecircndice da I Apologia Nesta

cena eacute relevante a pesquisa de Santos que cita as bases de Euseacutebio aleacutem de outros trecircs autores

que nos auxiliam de forma eficaz na elucidaccedilatildeo desta questatildeo mesmo que natildeo possam pocircr um

fim a discussatildeo ele diz

105 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13 grifo nosso

106 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13

107 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 5

108 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

109 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 76

110 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 18 1-6

111 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

112 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 83 SIMONETTI In Justino

Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

32

Destas obras cabem-nos as seguintes consideraccedilotildees quanto agraves duas primeiras a

primeira apologia citada em Euseacutebio corresponde a I Apologia que chegou ateacute noacutes A

segunda apologia natildeo corresponde a II Apologia que temos Primeiro porque natildeo

possui uma introduccedilatildeo e nem um destinataacuterio enquanto que a citada por Euseacutebio

possui um destinataacuterio O segundo ponto que corrobora este ponto de vista eacute a citaccedilatildeo

que Euseacutebio faz da primeira apologia Diz ele ldquoo mesmo autor (Justino) em sua

primeira Apologiardquo e conta uma histoacuteria que consta em nossa II Apologia II 1-20

(EUSEacuteBIO DE CESAREacuteIA Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 17) Eacute mais provaacutevel que a dita

II Apologia que chegou ateacute noacutes seja um apecircndice da I Apologia (FRANGIOTTI 1995

MORESCHINI amp NORELLI 2005 p 110)113

Diante de tatildeo curioso e desafiante cenaacuterio eacute valioso buscar compreender o propoacutesito

dos tratados de Justino pois por ldquotraacutes deste esforccedilo descobrimos o testemunho de um homem

de uma conversatildeo de uma opccedilatildeo definitivardquo114 opccedilatildeo que nos oferece a possibilidade de

conhecer o verdadeiro e uacutenico Deus e se necessaacuterio for viver e morrer na defesa deste

Evangelho que nos leva ao verdadeiro conhecimento115

Apoacutes abordar a figura de Justino em sua classe Patriacutestica e salientar resumidamente

seu instrutivo serviccedilo para com o cristianismo seraacute analisada de maneira diminuta mas com

dedicado alinho a dataccedilatildeo e a estrutura literaacuteria da primeira obra apologeacutetica que serve de esteio

para esta pesquisa

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO

A constituiccedilatildeo textual da primeira obra de Justino apresenta caracteriacutesticas histoacuterico-

literaacuterias muito interessantes como tambeacutem evidecircncia aspectos relevantes na assimilaccedilatildeo do

desenvolvimento do cristianismo dos dois primeiros seacuteculos Desta forma reconhecemos a

necessidade de uma abordagem cientiacutefica ndash mesmo que aqui apresentada de maneira lacocircnica

ndash de algumas aacutereas da anaacutelise criacutetica textual para uma melhor assimilaccedilatildeo de nosso escrito

alicerccedilante Assim um enfoque calculado na dataccedilatildeo na divisatildeo no gecircnero literaacuterio e nas

principais peccedilas quirograacuteficas da I Apologia de Justino nos possibilitaratildeo uma melhor

compreensatildeo dos conteuacutedos e elementos que a mesma visa comunicar A partir de agora nosso

objetivo seraacute examinar estas quatro aacutereas

131 Dataccedilatildeo

113 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 70

114 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

115 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

33

Apresenta-se praticamente como ponto paciacutefico na pesquisa histoacuterica-teoloacutegica que a

obra tenha sido escrita em meados do Seacuteculo II de nossa Era sendo reconhecida como a data

mais aceita para esta afirmaccedilatildeo o periacuteodo entre os anos de 150 e 160 dC116 Essa tese encontra

forccedila significativa atraveacutes de quatro argumentos todos de cunho e alccedilada existencial

comunicados na proacutepria obra Inicialmente os destinataacuterios para quem esse escrito apologeacutetico

de Justino se dirigiu garantem um aporte histoacuterico consideraacutevel neste exame o mesmo escreve

ldquoAo imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo filoacutesofo

e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do saber ao sacro

Senado e a todo o povo romanordquo117 Por meio desse dado Frangiotti eacute categoacuterico ao afirmar que

eacute ldquofato que estes imperadores reinaram do ano 147 ao ano 161 A Apologia deve ter sido escrita

ao longo destes 15 anosrdquo118

Em segundo outro fator se apresenta determinante na tentativa de se apontar

satisfatoriamente a data desse escrito o ponto em questatildeo se apresenta no capiacutetulo XLVI da

obra novamente o comentaacuterio de Frangiotti eacute valioso por apresentar evidecircncias importantes

Justino menciona que uma das objeccedilotildees contra a doutrina cristatilde era a de ldquodizermos

que Cristo nasceu somente haacute cento e cinquenta anos sob Quirino e ensinou sua

doutrina mais tarde no tempo de Pocircncio Pilatosrdquo Embora se deva tomar o ano cento

e cinquenta como um arredondamento pode-se pensar que a redaccedilatildeo da I Apologia

natildeo se deu antes desta data119

O terceiro elemento a se tornar pontual no texto de Justino eacute sua menccedilatildeo a respeito da

terceira revolta judaica liderada por Simatildeo Bar Koacutekeba em meados do Seacuteculo II A respeito

disto Justino relata com ecircnfase apologeacutetica que ldquoCom efeito na guerra dos judeus agora

terminada Bar Koacutekeba o cabeccedila da rebeliatildeordquo120 estaria aplicando meacutetodos de tortura nos

cristatildeos ao seu redor Santos mostra em sua pesquisa que esta exposiccedilatildeo de Justino pode ser

considerada como um ponto norteador para uma medida qualificada de dataccedilatildeo de sua obra o

116 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

117 JUSTINO I Apologia I 1

118 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

119 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

120 JUSTINO I Apologia XXXI 6

34

historiador diz ldquoEssa rebeliatildeo ocorreu entre os anos de 132 e 135 dC A expressatildeo lsquoagora

terminadarsquo nos remete a uma data posterior ao final da revoltardquo121

O quarto e uacuteltimo argumento baseia-se no relato de Justino encontrado no capiacutetulo

XXIX nos versos 2 e 3 da I Apologia Neste espaccedilo o Apologista retrata um caso juriacutedico

envolvendo o prefeito de Alexandria denominado Feacutelix que havia indeferido um pedido

exoacutetico proposto por um jovem cristatildeo que desejava castrar-se por motivos asceacuteticos Bases

histoacutericas confiaacuteveis ldquoidentificam o prefeito Feacutelix como Minuacutecio Feacutelix o qual reinou em

Alexandria do ano 148 a 154rdquo122 podendo-se deste modo catalogar outro importante elemento

que corrobora para a dataccedilatildeo da I Apologia

Por fim mesmo que natildeo sejamos especialistas na anaacutelise historiograacutefica nem mesmo

nos seja possiacutevel definir uma data precisa para o escrito examinado ainda assim em vista dos

termos aqui apresentados reconhecemos com a ampla maioria de pesquisadores da aacuterea que

os elementos apresentados trazem recursos suficientes para que atestemos que a I Apologia de

Justino tenha realmente sido escrita por volta da deacutecada de 50 do Seacuteculo II da era cristatilde

132 Divisatildeo Textual

O escrito natildeo segue um padratildeo riacutegido de construccedilatildeo textual pelo contraacuterio digressotildees

satildeo comuns em todas as obras de Justino mesmo que suas apologias sofram menos com

divagaccedilotildees abruptas ou mudanccedilas draacutesticas de rumo nas intenccedilotildees e consideraccedilotildees centrais que

o autor propotildee em suas conjunccedilotildees temaacuteticas Essas variaccedilotildees possivelmente ocorrem devido a

Justino preferir seguir uma proposta de caraacuteter mais catequeacutetico em vez de sua proacutepria

elaboraccedilatildeo conceitual123

Baliza-se de maneira majoritaacuteria na anaacutelise criacutetica a concordacircncia de que a obra se

divide em duas partes principais124 Contudo apresentam-se variaccedilotildees nessa forma de

separaccedilatildeo Nossa opccedilatildeo seraacute por apresentar a estrutura oferecia por Drohner por ser a mais

utilizada por outros autores aleacutem de parecer a que melhor reporta o teor do pensamento

proposto por Justino em sua construccedilatildeo apologeacutetica-doutrinal

121 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 72

122 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

123 DROHNER Manual de Patrologia 2008

124 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

35

Na primeira parte os capiacutetulos I ao XXIX estabelecem uma forte e riacutegida postura de

defesa contra algumas acusaccedilotildees lanccediladas sobre os cristatildeos como a praacutetica do ateiacutesmo por

exemplo Salienta-se neste espaccedilo sua afirmaccedilatildeo de que Jesus Cristo eacute ldquoo Logos e Filho de

Deusrdquo125 que revelou os planos demoniacuteacos que aprisionam a humanidade atraveacutes de praacuteticas

pecaminosas afastando-os do plano de salvaccedilatildeo No entanto boas novas se anunciam a partir

de agora pela revelaccedilatildeo do Logos por meio dos cristatildeos pelo qual todos (homens) poderatildeo

tornar-se tementes a Deus A segunda parte se desenvolve entre os capiacutetulos XXX ao LXVIII

nesta seccedilatildeo questotildees dogmaacuteticas (Encarnaccedilatildeo Divindade Profecias etc) questotildees filosoacuteficas

(revelaccedilatildeo do Logos faacutebulas humanas Platonismo etc) e questotildees sacramentaiseclesiaacutesticas

(Batismo Santa Ceia Liturgia) se aglutinam na formataccedilatildeo de uma ideia para defesa da

identidade e do bem-estar de um ldquopovordquo (conceito que abordaremos mais detalhadamente no II

capiacutetulo deste trabalho)

A partir desse item trataremos do gecircnero literaacuterio da obra algo muito importante na

elaboraccedilatildeo desta pesquisa

133 Gecircnero Literaacuterio

O estilo natildeo eacute novo nem recente e foi muito utilizado na antiguidade126 Podemos

afirmar com seguranccedila que as primeiras referecircncias a esse tipo de literatura de que dispomos

datam do periacuteodo da Filosofia Claacutessica e podem ser encontradas a partir do Seacuteculo IV aC

Provavelmente uma das obras mais conhecidas e renomadas deste tipo eacute a Apologia de Soacutecrates

escrita por seu aluno Platatildeo Nela aquele que possivelmente foi o mais dedicado dentre seus

disciacutepulos procura defender o legado e a imagem de seu mestre por meio da preservaccedilatildeo do seu

pensamento Eacute importante frisar neste contexto a abordagem de forma direta e completa (em

um estilo dialogal-filosoacutefico) do processo (meacutetodo) de julgamento de Soacutecrates oferecida por

Platatildeo a tocircnica do relato parece ganhar a direccedilatildeo de querer conscientizar seus ouvintes da

necessidade de se fazer justiccedila independentemente do caso e das circunstacircncias que estatildeo em

debate Esse estilo acaba por influenciar sua eacutepoca e torna-se o modelo apologeacutetico a ser

seguido nos seacuteculos seguintes127

Contribui ainda para uma melhor assimilaccedilatildeo das intenccedilotildees subjacentes a esse estilo

de linguagem e escrita o pensamento de Malta que ao comentar os diaacutelogos que tratam do

125 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 84

126 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008

127 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

36

processo contra Soacutecrates (os quais satildeo quatro Ecircutifon Apologia de Soacutecrates Criacuteton e Feacutedon)

acaba por colaborar de maneira expressiva na elaboraccedilatildeo do caraacuteter que estas obras (apologias)

procuravam transmitir aos seus receptores ldquoEntre eles haacute uma clara sequencia dramaacutetica desde

a discussatildeo sobre o ponto central da acusaccedilatildeo (o que eacute piedade) passando pela defesa no

tribunal e a estada na prisatildeo ateacute o momento em que a pena de morte eacute cumpridardquo128

A palavra apologia (grego απολογια) que no portuguecircs eacute definido como um

substantivo feminino129 eacute formada por dois vocaacutebulos gregos O primeiro eacute απο uma partiacutecula

primaacuteria uma preposiccedilatildeo cujo significado baacutesico eacute a ideia ldquode separaccedilatildeo eou de origem do

lugar de onde algo estaacute vem acontece eacute tomadordquo130 O segundo eacute o vocaacutebulo λογος de

significado vasto ndash desenvolvendo inclusive uma estrutura particular junto ao cristianismo131

ndash mas colocado em paralelo com o nosso exame pode ser definido como ldquopalavra proferida

a viva voz que expressa uma concepccedilatildeo ou ideia o que eacute declarado pensamento declaraccedilatildeo

aforismo dito significativo sentenccedila maacuteximardquo132 ldquoproclamaccedilatildeo ensinamento [] doutrina

parte de uma doutrinardquo133 Entretanto deve-se sempre se levar em conta que junto ao ambiente

filosoacutefico-teoloacutegico de Justino ldquoum duplo uso do termo deve ser distinguido um que diz

respeito ao falar e outro que se relaciona com o pensamentordquo134 Neste cenaacuterio ainda se

robustece a ideia de que o termo composto (απολογια) era condutor de um conceito de

soberania instaurado pela ldquosabedoria pessoal e poder em uniatildeo com Deusrdquo135 Ainda focando

128 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

129 Apologia (amiddotpomiddotlomiddotgimiddota) Substantivo feminino Significa 1 Discurso encomiaacutestico 2 [Figurado] Elogio 3

Defesa laudatoacuteria Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa Disponiacutevel em

lthttpsdicionariopriberamorgapologiagt Acesso em 28 de set 2018

130 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1317

131 Ritt sugere-nos que a partir dos registros neotestamentaacuterios houve uma guinada na concepccedilatildeo do Logos como

elemento estrutural e funcional para a realidade histoacuterica do termo junto as culturas e os ambientes intelectuais

que o utilizavam Utilizando-se de um sistema de progressatildeo biacuteblica Ritt chega ao proacutelogo do Evangelho de Joatildeo

onde salienta que ldquoEstas declaraccedilotildees que estatildeo concentradas na encarnaccedilatildeo permitem reconhecer uma origem

cristatilde do hino (proacutelogo do Evangelho de Joatildeo)rdquo onde a autenticidade do sujeito (Logos) como um recurso estaacutevel

e completo para a humanidade se daacute a conhecer nesse evento apoteoacutetico (encarnaccedilatildeo de Cristo) Ver RITT In

λόγος ου ό Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento Volumen II 1998 p 78 grifo nosso No original Estos

enunciados que se concentran en la encarnacioacuten permiten reconocer un origen cristiano del himno

132 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1622

133 RUSCONI Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento 2003 p 288 grifo nosso

134 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 880 No original a twofold use of the term is to be distinguished one which relates to speaking and one which

relates to thinking

135 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 882 No original personal wisdom and power in union with god

37

este segundo vocaacutebulo para uma maior amplitude do assunto sobre este termo grego tatildeo

ilustrativo vale-nos citar a definiccedilatildeo de Pereira

Palavra dito revelaccedilatildeo divina resposta dum oraacuteculo maacutexima sentenccedila exemplo

decisatildeo resoluccedilatildeo condiccedilatildeo promessas pretexto argumento ordem menccedilatildeo

notiacutecia que corre conversaccedilatildeo relato mateacuteria de estudo ou de conversaccedilatildeo razatildeo

inteligecircncia senso comum a razatildeo de uma coisa motivo juiacutezo opiniatildeo estima valor

que se daacute a uma coisa justificaccedilatildeo explicaccedilatildeo a razatildeo divina136

Rapidamente atentando aos escritos apologeacuteticos cristatildeos do Seacuteculo II notamos um

ldquoesforccedilo de aproximaccedilatildeordquo137 dos Pais Apologistas (em sua ampla maioria) para a utilizaccedilatildeo da

consagrada forma do diaacutelogo-filosoacutefico (como citado acima) isso devido especialmente ao fato

de essas obras serem direcionadas agrave aristocracia poliacuteticaintelectual de sua eacutepoca incluindo

nesse cenaacuterio opulente os proacuteprios Imperadores de Roma138 Uma importante referecircncia a ser

associada a este contexto estaacute relacionada agrave utilizaccedilatildeo e significado da palavra ldquoapologiardquo

utilizada por Euseacutebio na identificaccedilatildeo da obra de Justino Euseacutebio ndash possivelmente o primeiro

a empregar o termo (apologia) para definir um conjunto de escritos do meio cristatildeo139 ndash utiliza

das seguintes descriccedilotildees para se referir ao nosso autor ldquoEm sua primeira Apologiardquo140 ou ldquoao

escrever sua Apologia dirigida a Antoninordquo141 e ainda ldquoem sua Apologiardquo142 Eacute importante

frisar que Justino em nenhum momento se utiliza do termo ldquoapologiardquo em sua obra143 mas a

define como ldquodiscurso e suacuteplicardquo144 todavia para Euseacutebio (e para a Sagrada Tradiccedilatildeo na qual

este se amparava) Justino indiscutivelmente havia sido um fiel defensor da verdade revelada

de Deus Aleacutem disso neste quadro cabe-nos ainda ressaltar o comentaacuterio de Arzani e Venturini

ao trabalho de Euseacutebio pois ambos buscam definir uma ideia qualitativa e funcional na

utilizaccedilatildeo do termo pelo historiador

136 PEREIRA Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego 1998 p 350

137 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 188

138 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

139 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 Para um maior

aprofundamento do tema ver 2 Euseacutebio de Cesareia as apologias e os apologistas p 2-7

140 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2 VI 17 1

141 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3

142 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 11 11

143 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

144 JUSTINO I Apologia I 1

38

Uma anaacutelise mais ampla sobre a constituiccedilatildeo (ou natildeo) dos gecircneros apologeacuteticos

cristatildeos deve ficar para uma outra oportunidade entretanto considerando que eacute

Euseacutebio quem primeiro apresenta uma ideia mesmo que hipoteacutetica do

reconhecimento das formas dos textos de defesa dos cristatildeos ou de suas crenccedilas eacute

preciso considerar como ele emprega o termo apologia Aleacutem de empregar o termo

apologia para se referir aos sete textos anteriormente citados ele tambeacutem o usa no seu

sentido claacutessico como simples ldquodiscurso de defesardquo145

Desta forma podemos concluir que os escritos apologeacuteticos buscavam efeitos

similares tanto no cenaacuterio cristatildeo quanto no pagatildeo Poreacutem no que cabe agrave Igreja vale ressaltar

que o estilo apologeacutetico procurou desconstruir equiacutevocos salientar o cristianismo como religiatildeo

ordeira e beneacutefica ndash entenda-se (baseado em alguns relatos Patriacutesticos) como superior agraves

demais crenccedilas ndash mas acima de tudo sanar as injusticcedilas cometidas contra os cristatildeos Nesse

uacuteltimo ponto a penna dos Apologistas procurava pesar contra a consciecircncia dos governantes

de seu tempo a reflexatildeo de Richard Norris considera bem essa questatildeo ldquoo objetivo de tais

escritos eram em geral persuadir as autoridades de que as frequentes perseguiccedilotildees locais eram

injustas desnecessaacuterias e indignas de governantes esclarecidosrdquo146

A partir deste item visando a qualificaccedilatildeo deste trabalho damos segmento a nosso

exame estrutural agregando a seu corpo um destacado incremento teacutecnico falemos agora dos

manuscritos da I Apologia

134 Manuscritos

A criacutetica textual somada a inuacutemeras e significativas descobertas arqueoloacutegicas tecircm

possibilitado haacute teologia avanccedilos consideraacuteveis em suas pesquisas acerca dos documentos

antigos do cristianismo No que se refere as obras de Justino isso natildeo eacute diferente pois desde o

Seacuteculo XIX a criacutetica textual jaacute possibilitava exames bem estruturados ao meio acadecircmico

Exemplo disto eacute Johann Otto que ao analisar o Codex Claromontanus LXXXII ratificou que

este de maneira inicial ldquonos fornece alguns dos escritos de Justinordquo147 Nesta questatildeo cabe

ressaltar que das obras preservadas de Justino possuiacutemos apenas trecircs manuscritos mesmo que

apenas um seja considerado absolutamente confiaacutevel pela criacutetica suscitando desta forma certa

controveacutersia entre os analistas Quanto a esta pendecircncia citamos parte consideraacutevel da pesquisa

145 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 3-4

146 NORRIS The Apologists 2004 p 36 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

147 OTTO Prolegocircmenos XXI In S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur omnia Volume 1 Part 1

1847

39

de Santos que baseada em autores renomados da aacuterea daacute o destaque necessaacuterio a essa anaacutelise

quirograacutefica O autor nos agrega relevante contribuiccedilatildeo neste item teacutecnico

Haacute trecircs manuscritos para as obras de Justino o Codex Parisinus Graecus 45055 o

Codex Claromontanus LXXXII e o Codex Ottobonianus Graecus 274 (MINNS amp

PARVIS 2009 p 3) Alguns comentadores preferem atribuir um manuscrito (AUNE

2003 p 257 ALLERT 2002 p 32 POPE 2001 p 7) ou dois manuscritos

(DONALDSON 1866 p 144) Os que defendem a existecircncia de somente um

manuscrito levam em conta que o Codex Parisinus Graecus 450 eacute o uacutenico vaacutelido uma

vez que o Codex Claromontanus LXXXII eacute apenas uma coacutepia deste e o Codex

Ottobonianus Graecus 274 possui apenas trecircs capiacutetulos da I Apologia Aqueles que

consideram como dois manuscritos referem-se aos dois primeiros Por questatildeo de

coerecircncia (pois apesar do Claromontaus ser coacutepia natildeo deixa de ser um manuscrito e

o Ottobonianus mesmo tendo apenas trecircs capiacutetulos tambeacutem natildeo) concordamos com

a afirmaccedilatildeo de Minns e Parvis de que existem trecircs manuscritos148

No entanto eacute fato que o Codex Parisinus Graecus 450 se condiciona como o ldquomelhorrdquo

destes manuscritos existentes Este manuscrito data de 11 de setembro de 1363-1364 possui

467 paacuteginas duplas (ou foacutelios que medem 285 x 215 cm) e atualmente permanece arquivado

na Bibliothegraveque Nationale em Paris149 Infelizmente natildeo haacute informaccedilotildees sobre quem teria sido

o copista apenas sabe-se graccedilas a um registro oficial que ele pertenceu a Guillaume Pellicier

um notaacutevel Bispo Catoacutelico Romano do Seacuteculo XVI que provavelmente o adquiriu em uma de

suas atividades diplomaacuteticas possivelmente entre os anos de 1539 a 1542150

Enfim apoacutes explorarmos ndash mesmo que de maneira sucinta ndash a estrutura textual da obra

central desta dissertaccedilatildeo podemos afirmar que estes documentos histoacutericos nos ldquocomunicamrdquo

e ldquotraduzemrdquo um melhor conhecimento do passado edificando a Igreja e tambeacutem certificando

o meio acadecircmico de forma eficaz (cientificamente) de que homens como Justino lutaram

corajosamente para defender a feacute de seus irmatildeos especialmente das perseguiccedilotildees oficiais

assunto que trataremos a seguir

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS

Compreendemos ser ainda importante na construccedilatildeo desta pesquisa enfocarmos

mesmo que de maneira sucinta e setorizada um dos fatores que constituiu uma das

caracteriacutesticas mais vibrantes e significativas da histoacuteria do cristianismo em sua gecircnese como

148 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

149 PAUTIGNY In Introduction Justin Apologies 1904 p 10

150 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

40

movimento humano-religioso fato que mobilizou o cenaacuterio social da eacutepoca comprovando a

ldquoexistecircncia de um esquemardquo151 de perseguiccedilatildeo e cerceamento da liberdade de crenccedila e culto dos

cristatildeos isso tanto atraveacutes do agir do poder estatal quanto de setores organizados (especialmente

do meio religioso) da sociedade de entatildeo em sua formaccedilatildeo soacutecia-politica-religiosa de caraacuteter

cultural greco-romana Esta caracteriacutestica coativa acabou por se comprovar tambeacutem atraveacutes do

desenvolvimento de material textual como o que norteia nosso trabalho (I Apologia) acento

que sancionou uma regra funcional dos dias de nosso autor a de acionar a razatildeo humana para

tentar evitar uma insensata postura detrativa entre os homens autodeclarados de civilizados

Desta forma como parte derradeira deste capiacutetulo introdutoacuterio apresentamos duas

divisotildees uma temaacutetica e outra analiacutetica trazendo ambas carateriacutesticas funcionais especiacuteficas

desse sistema de repressatildeo A primeira retrata uma siacutentese deste processo na organizaccedilatildeo

estrutural do Impeacuterio Romano A segunda se orienta por um periacuteodo cronoloacutegico que se

desenvolveu durante o Seacuteculo II especialmente concentrando-se no dececircnio em que se acredita

que Justino tenha escrito sua primeira obra apologeacutetica

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo

Desde o Seacuteculo I a ldquopesquisa histoacutericardquo152 jaacute nos retrata com eficiecircncia fatos que

tiveram influecircncia decisiva do poder humano controlador do mundo de entatildeo (Impeacuterio Romano)

para com a Igreja de Cristo sobre a terra Dessa grande estrutura poliacutetica da antiguidade emergiu

tanto a perseguiccedilatildeo quanto o resultado mais elementar e simboacutelico deste processo que tinha o

cristianismo como alvo o martiacuterio de seus seguidores Poderiacuteamos chamaacute-lo sem o apelo a

nenhum eufemismo de ldquoassassinatordquo de centenas de pessoas

Contudo nesta seacuterie de sucessivos acontecimentos anormais vem a nascer a mais

significativa contribuiccedilatildeo deste intolerante processo governamental a saber a expansatildeo do

cristianismo Hatzenberger desenvolve uma soacutelida ideia a esse respeito quando conjectura sobre

o caraacuteter poliacutetico vigente junto ao Impeacuterio Tendo analisado seus preconceitos limitaccedilotildees e

maliacutecias Hatzenberger tenta explicar a capacidade desse sistema atraveacutes de sua multiplicidade

de gecircnios dando a entender que nesta ampla diversidade o cristianismo encontrou sua

possibilidade de crescer Hatzenberger afirma que podemos ldquodizer que o Impeacuterio Romano era

um tambor de gasolina agrave espera da faiacutesca da feacute cristatilderdquo153

151 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

152 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

153 HATZENBERGER Histoacuteria da Igreja 2012 p 1

41

Entretanto as perseguiccedilotildees estatais ao cristianismo satildeo um caso histoacuterico delicado e

nada romacircntico pois tornou-se uma dura realidade para muitas comunidades cristatildes na

antiguidade isso devido ao grande desenvolvimento do cristianismo que no decorrer dos seus

primeiros 100 anos suscitou uma consideraacutevel preocupaccedilatildeo ao Impeacuterio Catalogada desde cedo

como uma religiatildeo antagonista e excludente154 pela sua recusa em seguir praacuteticas comuns do

meio social vigente das grandes cidades onde jaacute se encontrava consolidada ndash devido

especialmente as suas posiccedilotildees quanto as questotildees de ordem cuacuteltica (ldquofestas oficiaisrdquo155) como

a adoraccedilatildeo aos ldquodeuses pagatildeos em particular o Imperador a quem negavam o caraacuteter divinordquo156

ndash fazia com que os seguidores desse movimento que inicialmente foi interpretado como uma

seita judaica157 fossem em muitos casos expressivamente acusados de colocarem em risco a

ldquopax deorumrdquo158 devido ao entendimento comum e geral de que o Imperador era o supremo

mantenedor desse estado de satisfaccedilatildeo e gloacuteria conquistados por Roma Outras questotildees

depreciativas eram atribuiacutedas aos cristatildeos antissociabilidade ateiacutesmo canibalismo fanatismo

orgias sexuais entre outras desvirtudes que eram amplamente apresentadas como acusaccedilotildees de

ordem formal e agraves vezes informal (atraveacutes de buchichos fofocas e relatos puacuteblicos natildeo oficiais)

as quais despertavam ldquoreaccedilotildees populares descontroladas de medo de intoleracircncia e de

violecircnciardquo159 contra estes que se colocavam como disciacutepulos de Cristo

Desta forma entre falsas ideias e verdadeiras demandas ndash a recusa ao ldquojuramento e os

ritos implicados no serviccedilo militarrdquo160 eacute outro exemplo da suposta ldquorebeliatildeordquo cristatilde ao Impeacuterio

ndash criou-se um ldquoestadordquo de perigo que mediante uma forte campanha de difamaccedilatildeo passou a

ser considerado como uma ameaccedila a cultura e a forma do governo Romano Certamente

servindo de combustiacutevel para as perseguiccedilotildees pontuais eou sistematizadas161 especialmente

nos Seacuteculos I e II Aleacutem disto junto com a expansatildeo da nova doutrina e feacute cristatildes um novo

entendimento comeccedilou a se estabelecer que o cristianismo se diferenciava do judaiacutesmo162

154 TAacuteCITO Anais XV 44

155 FROumlHLICH Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja 1987 p 23

156 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 15

157 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

158 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 969

159 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 976

160 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 84

161 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

162 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

42

Com o fim do ldquoequiacutevoco judaicordquo163 houve a reelaboraccedilatildeo de um esquema que gerou um

reposicionamento de Roma para essa nova perspectiva Aqui a siacutentese de Xavier retrata bem o

que desejamos comunicar sobre esse reposicionamento

O Impeacuterio Romano percebeu que a nova religiatildeo possuiacutea diferenccedilas acentuadas em

relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Embora os judeus resistissem agrave cultura e religiatildeo greco-romana

o cristianismo passou a se organizar como religiatildeo crescendo em nuacutemero e em

organizaccedilatildeo sendo formadas igrejas em vaacuterios lugares O evangelho chegou aos

grandes centros da eacutepoca e ateacute os confins da terra devido a pregaccedilatildeo de cristatildeos que

viajavam a negoacutecios missatildeo ou levados pela perseguiccedilatildeo que dispersava os cristatildeos

fazendo com que a feacute se expandisse164

Quanto a questotildees que envolvem esse amplo periacuteodo conflituoso ainda eacute necessaacuterio

apresentarmos dois raacutepidos e sucintos registros O primeiro envolve um conjunto de fatos

constituiacutedos em mais de 250 anos onde podemos registrar periacuteodos que devem ser classificados

como ldquoperseguiccedilatildeo perseguiccedilatildeo geral perseguiccedilatildeo maior e toleracircnciardquo165 para com os cristatildeos

Satildeo muitas e variadas as circunstacircncias e as caracteriacutesticas que formam cada uma destas fases

e fazem com que elementos singulares a cada uma delas (como periacuteodo e regionalidade)

tornem-se fatores decisivos nesta diferenciaccedilatildeo Entretanto natildeo as abordaremos

especificamente por entendermos que o assunto foge de nosso exame central Segundo

compreendemos ser imprescindiacutevel junto a esta abordagem citar a tese amplamente sustentada

pelo meio histoacuterico-teoloacutegico da ldquoexistecircncia de um esquema de dez grandes perseguiccedilotildeesrdquo166

tendo seu primeiro caso ocorrido entre 64-68 dC sob o Imperador Nero desde seu uacuteltimo ato

no periacuteodo dos governos de Diocleciano e Maximiano entre 285-305 dC167 Tertuliano168 e

Euseacutebio fornecem-nos consideraacutevel conteuacutedo sobre aquela que possivelmente tenha sido a

primeira grande onda de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos promovida pelo Impeacuterio Citamos Euseacutebio

163 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 82

164 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 10

165 A ordem dos fatores apresentados natildeo eacute cronoloacutegica e sim alfabeacutetica Ver LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila

da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 11-12

166 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

167 As intituladas ldquoDez Perseguiccedilotildeesrdquo ao cristianismo por parte do Impeacuterio Romano satildeo protagonizadas por Nero

(54-68 dC) Domiciano (95-96 dC) Trajano (108 dC) Marco Aureacutelio (162 dC) Cocircmodo (192 dC)

Maximino (235 dC) Deacutecio (250-251 dC) Valeriano (257-260 dC) Aureliano (274 dC) Diocleciano (303-

313 dC) Ver FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 16-32

168 TERTULIANO Apologia V

43

que ao falar sobre o reinado de Nero (54-68 dC) fomenta uma simbiose de dados histoacutericos

mencionando o proacuteprio Tertuliano

Firmado Nero no poder deu-se a praacuteticas iacutempias e tomou as armas contra a proacutepria

religiatildeo do Deus do universo [] Mas deve-se saber que a tudo o que foi dito sobre

ele faltava acrescentar que foi o primeiro imperador que se mostrou inimigo da

piedade para com Deus Disto faz menccedilatildeo tambeacutem o latino Tertuliano quando diz

ldquoLeiam vossas memoacuterias Nelas encontrareis que Nero foi o primeiro a perseguir esta

doutrina principalmente quando depois de submeter todo o Oriente em Roma era

cruel para com todosrdquo169

Portanto buscando apresentar uma ideia conclusiva a nossa concisa elaboraccedilatildeo sobre

esse tema tatildeo vasto da histoacuteria da Igreja podemos dizer que natildeo restam duacutevidas mediante

inuacutemeros argumentos histoacutericos apresentados por diversas e variadas fontes ser plausiacutevel e ateacute

mesmo luacutecido afirmar que o Impeacuterio Romano foi em diversos momentos um literal

perseguidor acusador juiz e algoz do cristianismo durante um periacuteodo de praticamente dois

seacuteculos e meio Scott por meio de bases historiograacuteficas retrata bem esse processo ajudando-o

a sancionaacute-lo

Repetidas vezes foram publicados editos para exterminar da terra os cristatildeos

Levantaram ateacute monumentos para celebrar e perpetuar os supostos ecircxitos das

perseguiccedilotildees Aqui estatildeo duas preservadas inscriccedilotildees desses monumentos em escritos

da eacutepoca DIOCLECIANO CEacuteSAR AUGUSTO TENDO ADOTADO GALEacuteRIO

NO ORIENTE A SUPERSTICcedilAtildeO DOS CRISTAtildeOS FOI DESTRUIacuteDA EM TODA

A PARTE E PROPAGADA A ADORACcedilAtildeO DOS DEUSES170

A partir de agora examinaremos um conjunto mais restrito desse longo periacuteodo

imperial (54-313 dC)171 de tensotildees entre a Igreja e seus perseguidores pagatildeos especificamente

abordaremos o periacuteodo endossado pelos registros de Justino atraveacutes de seu ministeacuterio

testemunho e vivecircncia na feacute cristatilde

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia

169 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 25 1 3 4

170 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996 p 84 grifo do autor

171 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

44

Durante o Seacuteculo II podemos dizer que um periacuteodo determinado pela irregularidade

ou seja pela ausecircncia de um padratildeo caracterizou o ambiente social da eacutepoca atraveacutes de uma

ldquoperseguiccedilatildeo difusa ora aqui ora ali hoje perseguiccedilatildeo amanhatilde toleracircnciardquo172 Este momento

tambeacutem pode ser realccedilado por outras questotildees pontuais mas sua principal distinccedilatildeo realmente

se define pela esporadicidade dos periacuteodos de repressatildeo estatal o que ocasionou momentos de

consideraacutevel toleracircncia ao cristianismo balizados e sustentados ldquojuridicamenterdquo pela resposta

do Imperador Trajano agrave consulta de Pliacutenio173 (Cocircnsul da Bitiacutenia) por volta do ano 111 dC

Santos sintetiza bem esses dececircnios da relaccedilatildeo entre o Impeacuterio e a Igreja ldquoA poliacutetica romana agrave

eacutepoca era de tanto quanto possiacutevel natildeo condenar os cristatildeos agrave morte De modo geral desde o

final do Seacuteculo I ateacute o final do II da era cristatilde houve vaacuterios Imperadores com poliacuteticas mais

paciacuteficas em relaccedilatildeo aos cristatildeosrdquo174 Vale tambeacutem ressaltarmos como um elemento

consideraacutevel a tese proposta que no momento ao qual Justino escreveu sua I Apologia Roma

era governada pela dinastia denominada de Nerva-Antonina a qual foi conhecida pela alcunha

dos ldquocinco bons imperadoresrdquo175 definiccedilatildeo que foi proposta por Maquiavel em uma anaacutelise

poliacutetica do ano de 1503 Maquiavel escreveu

Do estudo desta histoacuteria podemos tambeacutem aprender como um bom governo deve ser

fundado pois enquanto todos os imperadores que acederam ao trono por nascimento

exceto Tito foram ruins todos foram bons que acederam por adoccedilatildeo como foi o caso

dos cinco de Nerva ateacute Marco Mas tatildeo logo o impeacuterio caiu novamente nas matildeos dos

herdeiros por nascimento sua ruiacutena recomeccedilou176

Entretanto falaremos especificamente apenas de duas figuras deste periacuteodo chamado

de dinastia Nerva-Antonina (96 a 180 dC) mais precisamente de seus dois uacuteltimos

172 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 20

173 ROSSI BINATO As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo parcial do Livro X correspondecircncia administrativa

com o Imperador Trajano 2017

174 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

175 Relaccedilatildeo dos Imperadores da dinastia Nerva-antonina Nerva (96-98 dC) Trajano (98-117 dC) Adriano (117-

138 dC) Antonino Pio (138-161 dC) Marco Aureacutelio (161-180 dC) Ver SANTOS Identidade Cristatilde no

Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

176 MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio I 10

45

representantes a saber Antonino Pio177 (que sucedeu a Adriano) e seu filho adotivo Marco

Aureacutelio178 que o sucedeu

O Imperador Antonino Pio governou Roma por mais de vinte anos (138 a 161) Ele eacute

o destinataacuterio formal eou principal da I Apologia de Justino Neste aspecto vale muito para

esta pesquisa a anaacutelise referencial deixada por Foxe ldquoAdriano ao morrer no ano 138 dC foi

sucedido por Antonino Pio um dos mais gentis monarcas que jamais reinou e que deteve as

perseguiccedilotildees contra os cristatildeosrdquo179 Santos tambeacutem nos auxilia quando expotildeem o pensamento

de Bunson sobre a administraccedilatildeo de Antonino Pio ldquoQuanto agraves questotildees de poliacutetica externa

procurava sempre resolvecirc-las primeiramente de forma paciacutefica depois administrativamente e

por uacuteltimo com taacuteticas militaresrdquo180 Eacute fato praticamente livre de contestaccedilotildees que em seu

governo natildeo houve perseguiccedilotildees de maior envergadura sendo que as que ocorreram foram

pontuais e sem maiores impactos referendando deste modo a imagem do Imperador como a de

um monarca paciacutefico (para a eacutepoca) pois ateacute mesmo em seu periacuteodo como divus romanus foi

cognominado pelo povo de ldquoPIEDOSO pelo amor que dedicava aos pobresrdquo181

Quanto a Marco Aureacutelio seu sucessor os relatos sobre a sua postura para com o

cristianismo devem no miacutenimo ser apresentados com o adjetivo de obscurus Foxe retrata bem

esta dificuldade ldquoMarco Aureacutelio sucedeu no trono no ano 161 de nosso Senhor era um homem

de natureza mais riacutegida e severa e embora elogiaacutevel no estudo da filosofia e em sua atividade

de governo foi duro e feroz contra os cristatildeos e desencadeou a quarta (grande) perseguiccedilatildeordquo182

Extremamente vaacutelido eacute analisarmos os registros do proacuteprio Imperador os quais nos

demonstram de forma muita clara a incompatibilidade de sua filosofia com a doutrina de Cristo

como se vecirc em uma de suas citaccedilotildees

177 Titus Aurelius Fulvus Boionius Antoninus nasceu em 86 dC em Nimes na Gaacutelia Narbonense no sul da atual

Franccedila Devido agrave sua fidelidade Adriano o adotou em fevereiro de 138 dC para ser o seu sucessor no Impeacuterio o

que ocorreu logo depois no mecircs de julho com a morte de Adriano Ver BUNSON Encyclopedia of the Roman

Empire 2002 p 23-24 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino

Maacutertir 2012 p 95

178 Marcus Aurelius Antoninus nasceu em 121 dC na cidade de Roma Filho de Annius Verus e Domitia Lucilla

Tornou-se Imperador em 161 dC e a seu pedido Lucio Vero (Lucius Aerelius Verus) governou Roma juntamente

com ele Ver BIRLEY Marcus Aurelius A Biography 2001 p 116 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 14

10

179 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18

180 BUNSON Encyclopedia of the Roman Empire 2002 p 24 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 96

181 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 81 grifo do

autor

182 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18 grifo nosso

46

[] alma preparada para uma imediata separaccedilatildeo do corpo seja para extinguir seja

para se dispersar ou sobreviver [] Que essa preparaccedilatildeo poreacutem provenha de um juiacutezo

proacuteprio e natildeo dum simples sectarismo como o dos cristatildeos [] uma preparaccedilatildeo

raciocinada grave e para ser convincente nada teatral183

Alguns detalhes nos chamam muito a atenccedilatildeo no periacuteodo em que Marco Aureacutelio

governou especialmente se nosso estudo partir do ponto de vista de alguns historiadores que

fazem questatildeo de ratificar que esse periacuteodo foi como ldquoum lsquomarcorsquo negro fincado na histoacuteria

eclesiaacutestica assinalando com as sombras de sua tirania a eacutepoca triste de seu governo

nefastordquo184 Euseacutebio nos auxilia nesta anaacutelise de maneira importante pois segue a mesma

concepccedilatildeo de que os atos de Marco Aureacutelio foram excessivamente malignos para com o

cristianismo Buscando ser amplo e detalhista Euseacutebio promove sentimentos profundos em seu

relato quando nos retrata o martiacuterio de Policarpo Bispo de Esmirna ocorrido no reinado de

Marco Aureacutelio

E o prococircnsul disse ldquoTenho feras A elas te lanccedilarei se natildeo mudas tua posiccedilatildeordquo Mas

ele respondeu ldquoChama-as porque para noacutes natildeo eacute possiacutevel mudar de posiccedilatildeo se eacute do

melhor para o pior O bom eacute mudar do mau para o justordquo Insistiu o prococircnsul ldquoComo

natildeo te arrependes farei com que o fogo te dome se desprezas as ferasrdquo Policarpo

disse ldquoAmeaccedilas com um fogo que arde algum tempo mas depois de um pouco se

apaga E ignoras o fogo do juiacutezo futuro e do castigo eterno reservado aos iacutempios

Mas por que tardas Traga o que quiseresrdquo Enquanto dizia isto e muitas outras coisas

mais enchia-se de valor e de alegria e seu rosto transbordava de graccedila ao ponto de

que natildeo somente natildeo caiu em confusatildeo pelas coisas que lhe diziam mas pelo

contraacuterio foi o prococircnsul que ficou fora de si e chamou o arauto para que no meio do

estaacutedio apregoasse trecircs vezes Policarpo confessou que eacute cristatildeo185

Nesse cenaacuterio imperial ainda nos conveacutem apresentar a proacutepria experiecircncia de Justino

como um cristatildeo perseguido No ano de 165 dC o filoacutesofo Justino possivelmente

acompanhado de seis de seus disciacutepulos (todos cristatildeos como ele) eacute apresentado com estes a

um tribunal civil Romano sob a acusaccedilatildeo de serem cristatildeos Este relato estaacute amplamente

amparado por uma fonte secular pagatilde186 que goza de altiacutessima credibilidade Apoacutes ser

183 MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees XI 3 grifo nosso

184 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 90

185 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 15 23-25

186 As Atas dos Maacutertires eacute a transcriccedilatildeo dos processos verbais escritos pelas autoridades romanas e mantidos nos

arquivos oficiais do Impeacuterio Estes registros coletaram estenograficamente muitos dos atos relacionados aos

processos forenses aos quais os cristatildeos foram submetidos pelos magistrados principalmente nos interrogatoacuterios

puacuteblicos Posteriormente estes registros foram traduzidos para a escrita vulgar e assim as peccedilas foram passadas

para os arquivos judiciais Muitos dos atos foram destruiacutedos (queimados em praccedila puacuteblica) pelo Imperador

47

denunciado pelo ciacutenico Crescente Justino se apresenta diante de Ruacutestico (Prefeito de Roma)

onde o relato do processo forense se estabelece e desenrola

Venha ao tribunal o prefeito Ruacutestico disse a Justino ndash Primeiro acredite nos deuses

e obedeccedila aos imperadores Justino respondeu ndash O irrepreensiacutevel e que natildeo admite

condenaccedilatildeo eacute obedecer aos mandamentos de nosso Salvador Jesus Cristo O prefeito

Ruacutestico disse ndash Que doutrina vocecirc professa Justino respondeu ndash Tentei ouvir sobre

qualquer linhagem de doutrinas mas apenas aderi agraves doutrinas dos cristatildeos que satildeo

as verdadeiras mesmo que natildeo sejam agradaacuteveis para quem segue opiniotildees falsas187

Nessa projeccedilatildeo vemos que o Apologista apresenta natildeo somente sua feacute mas tambeacutem

sua consciecircncia de que os preceitos recebidos por ele mediante o cristianismo solidificavam

sua posiccedilatildeo Mesmo diante de um sistema que os poderia prejudicar e sendo incentivados a

recuar de suas convicccedilotildees por meio de uma aguccedilada ameaccedila de que poderiam ser

ldquoimpiedosamente punidosrdquo188 Justino e seus disciacutepulos passam a concentrar seus esforccedilos

naquilo que esta pesquisa define como um importante argumento para a Verdade que Justino

sustentava Aqui o fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo conduzido e explorado pelo Impeacuterio Romano

ganha uma inopinada abrangecircncia pois o supliacutecio desses homens e mulheres registrados como

peccedilas do protocolo governamental acabariam por se tornar nos fatos que solidificaram e

encorajaram a militacircncia desses obreiros da feacute cristatilde Sem duacutevida Justino e seus disciacutepulos

parecem ter caminhado de forma soacutebria para ldquoonde foram decapitados e consumaram o martiacuterio

proclamando a feacute no Salvadorrdquo189 Deste modo diante de apresentaccedilotildees que se alternam entre

descriccedilotildees de caraacuteter romacircntico e fatalista vemos que os Imperadores e seus sistemas de

controle marcaram a histoacuteria natildeo apenas com sangue mas tambeacutem com o relato fidedigno da

convicccedilatildeo que suas viacutetimas sustentavam

Diocleciano (284-305 dC) pois havia notado que esses contos heroicos inflamavam a alma dos cristatildeos dando

testemunho favoraacutevel para que outros tambeacutem viessem a sofrer a pena capital sem constrangimento para com as

suas vidas Ver PRIMEROS CRISTIANOS 2016 Disponiacutevel em

lthttpswwwprimeroscristianoscomarticulosactas-de-los-martiresgt Acesso em 16 de set 2019

187 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 311 grifo nosso No original Venidos ante el tribunal el prefecto Ruacutestico

dijo a Justino mdash En primer lugar cree en los dioses y obedece a los emperadores Justino respondioacute mdash Lo

irreprochable y que no admite condenacioacuten es obedecer a los mandatos de nuestro Salvador Jesucristo El prefecto

Ruacutestico dijo mdash iquestQueacute doctrina profesas Justino respondioacute mdash He procurado tener noticia de todo linaje de

doctrinas pero soacutelo me he adherido a las doctrinas de los cristianos que son las verdaderas por maacutes que no sean

gratas a quienes siguen falsas opiniones

188 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original sereacuteis inexorablemente castigados

189 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original salieron al lugar acostumbrado y cortaacutendoles alliacute las

cabezas consumaron su martirio en la confesioacuten de nuestro Salvador

48

Marco Aureacutelio tinha aproximadamente 34 anos quando Justino escreveu sua I

Apologia e cerca de 44 quando Justino sofreu o martiacuterio Mesmo diante de relatos assombrosos

de seu periacuteodo como governante ldquoe apesar de sua visatildeo negativa em relaccedilatildeo aos cristatildeos e dos

cristatildeos para com ele novamente natildeo haacute evidecircncias de qualquer (novo) decreto de perseguiccedilatildeo

aos cristatildeos por parte do Imperadorrdquo190 mesmo que se garanta uma expressiva deflagraccedilatildeo deste

expediente sombrio em seu reinado191 Devemos ainda colocar que um atento pesquisador

necessariamente se impressionaraacute com a latente crueza e dureza deste periacuteodo que esteve sob

o comando dos chamados Imperadores ldquofiloacutesofosrdquo Danieacutelou e Marrou chegam a ser aacutesperos

em sua abordagem entretanto nos parece absolutamente plausiacutevel sua definiccedilatildeo desse periacuteodo

ldquoEacute que a civilizaccedilatildeo greco-romana como tal muito embora sob um verniz humanista guardava

um fundo de crueldade Desconhecem-nos os historiadores racionalistas que pretendem reduzir

as perseguiccedilotildees a problemas socioloacutegicosrdquo192

Contudo as perseguiccedilotildees que marcaram o cristianismo e por consequecircncia geraram o

principal fruto (os martiacuterios) deste violento periacuteodo indiscutivelmente ainda satildeo sementes que

testificam e geram vida em meio a Igreja A realidade da cristandade dos primeiros seacuteculos foi

difiacutecil e desafiadora para sua feacute mas sua Esperanccedila e Amor em Jesus Cristo fez os cristatildeos

superarem ateacute a mais dolorosa realidade fosse no calor de uma fogueira nos dentes de uma

fera ou no supliacutecio de uma cruz Xavier em nosso ponto de vista consegue caracterizar bem o

fervor e feacute destes vencedores ldquoA doenccedila dificuldades e martiacuterio fizeram parte da vida dos

cristatildeos nos primeiros seacuteculos e ao longo da histoacuteria poreacutem a virtude do Evangelho natildeo deixou

de ser pregada de uma forma ou de outra pelo exemplo pela palavra falada ou escritardquo193

Apoacutes esta exposiccedilatildeo nos eacute possiacutevel reconhecer indicadores confiaacuteveis de quem foi

este filoacutesofo cristatildeo do Seacuteculo II chamado Justino de como a histoacuteria eclesiaacutestica o reconhece

e de como a histoacuteria teoloacutegica o depreende Mais ainda eacute possiacutevel compreender por meio de

dados teacutecnicos um de seus escritos mais importantes (I Apologia) Estas paacuteginas lanccedilaram luz

de maneira praacutetica (visando quando onde e por quecirc) sobre o cenaacuterio histoacuterico que envolveu

as perseguiccedilotildees e os martiacuterios dos cristatildeos especialmente no periacuteodo da atuaccedilatildeo apologeacutetica de

190 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 97 grifo

nosso

191 Para uma melhor compreensatildeo deste cenaacuterio hostil no reinado de Marco Aureacutelio ver MONTEIRO A Feacute e os

Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 89-108

192 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p

109

193 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 11-12

49

Justino Para efeito de conclusatildeo desta seccedilatildeo conveacutem transcrever o registro de Hamman em

formato de siacutentese que fomenta virtuosamente a descriccedilatildeo capitular desenvolvida

Neste homem que viveu haacute dezoito seacuteculos percebemos o eco de nossos anseios de

nossas objeccedilotildees de nossas certezas Descobrimos nele uma abertura de alma uma

possibilidade de acolhimento uma vontade de diaacutelogo que desarmam e seduzem Se

muitas de suas obras estatildeo hoje perdidas as que nos restam fornecem-nos o diaacuterio

iacutentimo desse cristatildeo e satildeo suficientes para nos revelar sua vida desde o seu

nascimento e a sua formaccedilatildeo ateacute o seu martiacuterio194

O proacuteximo capiacutetulo faz uma anaacutelise na qual procuramos mostrar elementos factiacuteveis

de uma nova praacutetica social vigente ndash descrita por Justino ndash em meio ao status quo da sociedade

romana de entatildeo Desta maneira tambeacutem nos cabe frisar que a partir deste ponto se salientaraacute

o iniacutecio da descriccedilatildeo daquilo que para nosso autor era uma das provas estaacuteveis do novo modus

vivendi no qual a Verdade se manifestava de forma irrefutaacutevel

194 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27

50

2 O NOVO MODUS VIVENDI

Este capiacutetulo faraacute uma anaacutelise realiacutestica a partir da observaccedilatildeo de praacuteticas do contexto

social de Justino maacutertir Com ele iniciamos a perspectiva central proposta para esta pesquisa

aleacutem de apresentarmos de forma introdutoacuteria seu ponto nuclear Algumas marcas de cunho

histoacuterico nos permitem medir aquilo que aproximava ou afastava uma pessoa que confessava

a feacute cristatilde de seu meio sociocultural de suas atividades ordinaacuterias de seus afazeres do dia-a-

dia195 Assim neste espaccedilo apresentamos um teoacuterico conjunto de expressotildees que apontam os

conceitos que afloram do pensamento de Justino quanto agrave ldquomorfogeniardquo de sua feacute e porque natildeo

se dizer de seu grupo o qual eacute definido pelo autor como aqueles ldquoque se chamam irmatildeosrdquo196

A contemporaneidade retrata uma condiccedilatildeo ambiacutegua em comparaccedilatildeo com o Seacuteculo II

naquilo que se trata da transmissatildeo da religiosidade cristatilde ndash especialmente no que se reporta as

estruturas confessionais histoacutericas nos paiacuteses europeus e latino-americanos ndash tendo o processo

atual significativa ambivalecircncia com o padratildeo antigo o qual ainda natildeo havendo passado pelo

processo de enculturaccedilatildeo definia-se fortemente pela conversatildeo de pessoas adultas dado

amparado de forma eficiente por Tertuliano em sua Apologia ldquoos homens se tornam natildeo

nascem cristatildeosrdquo197

Deste modo notamos que a leitura histoacuterica praticamente natildeo abre concessotildees agrave

conversatildeo ao cristianismo na eacutepoca de Justino constituiacutea uma verdadeira transformaccedilatildeo na vida

do convertido implicando em uma real mudanccedila de vida ou seja de haacutebitos que

necessariamente provocava uma ldquoruptura com a cidade e isolava o cristatildeo de seu meio e de sua

famiacutelia se ela permanecesse pagatilderdquo198 Baseados em afirmaccedilotildees como esta eacute que delinearemos

um horizonte que possa definir de forma consideraacutevel a realidade do que seria estar vivendo a

Verdade para Justino mediante uma contraposiccedilatildeo de haacutebitos detectada por meio dessa

transformaccedilatildeo

Diante de tal teor surgem interrogaccedilotildees que nos trazem demandas pontuais

principalmente de caraacuteter especulativo orientadas a responder questotildees que despertam o

imaginaacuterio de nosso contexto atual Por estarem devidamente inseridas no cenaacuterio histoacuterico da

I Apologia estes assuntos caracterizam-se por suas pendecircncias mesmo que uma determinaccedilatildeo

em comum saliente todos os espaccedilos em branco tendo esta demarcaccedilatildeo em si um caraacuteter de

195 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

196 JUSTINO I Apologia LXV 1

197 TERTULIANO Apologia XVIII 4

198 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 187

51

diferenciaccedilatildeo que evoca uma clara distinccedilatildeo de estados Desta forma seguem alguns modelos

nos quais visamos indagar esta distinccedilatildeo que detectamos em Justino como definia-se um cristatildeo

em meados do Seacuteculo II Quais pessoas natildeo pertenciam a este grupo religioso e quais eram as

limitaccedilotildees que as impediam de tal prerrogativa Que nova praacutetica de feacute eacute esta que descarta as

antigas tradiccedilotildees religiosas De qual maneira isso se tornou um criteacuterio a ponto de estabelecer

diferenciaccedilotildees a niacutevel existencial

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE

Este espaccedilo tende a abertura de um caminho ao qual entendemos ser fundamental para

o desenvolvimento desta pesquisa isso devido agrave necessidade de apontarmos bases soacutelidas na

construccedilatildeo de nosso conceito mater Desta maneira iniciamos este capiacutetulo essencial em nossa

estruturaccedilatildeo utilizando-nos de uma afirmaccedilatildeo desenvolvida junto agrave pesquisa de Santos e

Gonccedilalves a qual soma valiosamente a nossa tese por contemplar a seguinte definiccedilatildeo ldquoAo

analisarmos a I Apologia podemos verificar que ele pretende revelar quem satildeo os cristatildeos Isto

parece fazer bastante sentido Ao buscar defender o cristianismo parece natural desenvolver um

texto que visa mostrar a identidade do grupordquo199

O cristianismo como religiatildeo vem a se desenvolver (universalmente) a partir de uma

comunidade autoacutectone de seu ldquofundadorrdquo emergindo atraveacutes de um pequeno grupo de

seguidores (Atos dos Apoacutestolos capiacutetulo 2) altamente condicionados agrave sua cultura e tradiccedilatildeo

religiosa200 poreacutem passados aproximadamente 110 anos o movimento cristatildeo chega ateacute os

dias de Justino com uma proporccedilatildeo numeacuterica muito significativa para um periacuteodo de tempo natildeo

tatildeo extenso201 Nesse processo estruturante tambeacutem de modo irrefragaacutevel202 houve um

desenvolvimento de um novo processo conceitual de um novo status de conhecimento ndash ou se

poderia chamar de um autoconhecimento ndash da proacutepria identidade (natildeo eacutetnica) cristatilde Processo

ao qual os chamados seguidores de Cristo apresentavam preceitos de paridade em uma espeacutecie

de similaridade existencial fato que leva o historiador Santos ao afirmar que ldquoa concepccedilatildeo de

meros disciacutepulos passou posteriormente a adquirir a ideia de povordquo203 Santos na verdade

199 SANTOS GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

200 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

201 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

202 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

203 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 135

52

reproduz simplesmente um pensamento jaacute consolidado no meio teoloacutegico Harnack no capiacutetulo

sete de sua obra A Missatildeo e Expansatildeo do Cristianismo nos Primeiros Trecircs Seacuteculos204 jaacute

solidifica tal ideia O teoacutelogo alematildeo caracteriza seu pensamento socioteoloacutegico da seguinte

forma

Convencido de que Jesus o mestre e o profeta era tambeacutem o Messias que voltaria em

breve para terminar o seu trabalho as pessoas passaram da consciecircncia de serem seus

disciacutepulos para o seu povo o povo de Deus ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον

ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pe II 9 ldquoVoacutes sois uma raccedila escolhida

um sacerdoacutecio real uma naccedilatildeo santa um povo para possessatildeordquo) e na medida em

que se sentiam um povo os cristatildeos sabiam que eles eram o verdadeiro Israel pessoas

que ao mesmo tempo representavam o novo e o velho205

Cabe-nos tambeacutem frisar neste aspecto levantado por Harnack que na questatildeo referente

agrave formaccedilatildeo de uma nova identidade social de caraacuteter religiosa este foi um fenocircmeno tanto

perceptiacutevel para eacutepoca de Justino como tambeacutem o ainda eacute em alguns segmentos humanos na

contemporaneidade Esta accedilatildeo associativa organizou-se (e ainda se organiza) de forma

majoritariamente comunitaacuteria a partir de experiecircncias pessoais de seus participantes sendo isto

ocasionado quase que na totalidade dos casos por meio do fenocircmeno conversiacutevel ocorrido no

acircmbito individual Este processo normalmente excludente e sectaacuterio de um determinado extrato

social ndash absolutamente imperativo no periacuteodo histoacuterico analisado poreacutem na atualidade natildeo

mais apresentando necessariamente uma ambiguidade ao estado de crenccedila anterior do

confessando (agente humano) ndash acaba por ser adesivo a outro o que ocasionava o

comprometimento com uma nova forma de comunhatildeo a qual amparada em novas certezas

rechaccedilava com ousadia as referecircncias da antiga crenccedila Em relaccedilatildeo ao cristianismo esse

fenocircmeno foi mais saliente entre as comunidades gentiacutelicas que abandonaram o paganismo206

Mencionamos ainda a definiccedilatildeo de Mol utilizada por Kee por entendermos que ele consegue

esclarecer de maneira objetiva aquilo que nos interessa expressar neste item sendo uma

consequecircncia natural do processo de conversatildeo ao cristianismo em meados de Seacuteculo II Mol

204 No original The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries

205 HARNACK The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries 2005 p 152 No original

Convinced that Jesus the teacher and the prophet was also the Messiah who was to return ere long to finish off

his work people passed from the consciousness of being his disciples into that of being his people the people of

God ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pet ii 9 ldquoYe are a chosen

race a royal priesthood a holy nation a people for possessionrdquo) and in so far as they felt themselves to be a

people Christians knew they were the true Israel at once the new people and the old

206 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

53

escreve que o primeiro estaacutegio de um novo convertido neste periacuteodo se caracterizava por aquilo

que ele define como um ldquodistanciamento de anteriores padrotildees de identidaderdquo207

Deste modo seguindo a proposta acima encontramos algumas afirmaccedilotildees que nos

parecem descrever com exatidatildeo a tese (por hipoacutetese cristatilde) que definia a sociedade de entatildeo

como que constituiacuteda por um suposto terceiro grupo de pessoas (holisticamente falando) Aleacutem

dos denominados gentios e judeus (no relato biacuteblico) haveria tambeacutem os cristatildeos Cabe-nos

ressaltar que esse indicador quantitativo variou dentro da construccedilatildeo desta proposiccedilatildeo

indicativa das supostas variaccedilotildees de ldquoraccedilasrdquo pois jaacute nos escritos dos Pais Apologistas esse

nuacutemero chegou a ser descrito em mais de trecircs segmentos (caldeus egiacutepcios gregos judeus e

cristatildeos)208 Assunto que voltaremos a tratar com mais exatidatildeo a seguir Vale-nos tambeacutem citar

que o conceito de estraneidade abordado especialmente em anaacutelises eclesioloacutegicas e

missioloacutegicas do meio Patriacutestico209 diferencia-se em alguns aspectos de nosso assunto

diferenciaccedilatildeo que natildeo seraacute abordada por entendermos que foge de nossa temaacutetica atual

Iniciamos nossa argumentaccedilatildeo apontando que este conceito identitaacuterio de caraacuteter

etnograacutefico jaacute se apresenta com clareza no relato da Escritura Sagrada Vemos o apoacutestolo Paulo

fazendo distinccedilatildeo similar quando opta por desenvolver uma anaacutelise contrastante do cenaacuterio

humano (eacutetnico religioso etc) de seu tempo apresentando-nos uma leitura com trecircs diferentes

grupos humanos ldquoNatildeo vos torneis causa de tropeccedilo nem para judeus nem para gentios nem

tampouco para a igreja de Deusrdquo (1 Coriacutentios 1032) Neste ponto posiccedilotildees exegeacuteticas variadas

podem corroborar para a compreensatildeo e tambeacutem assimilaccedilatildeo da passagem citada referente ao

suposto conceito de iacutendole eacutetnica apontado210 mas o proacuteprio cenaacuterio nos aponta determinados

viacutenculos que nos conduzem a ideia de que ser cristatildeo no suposto periacuteodo oferecia aos fieacuteis a

opiniatildeo de pertencer a um povo diferente211

Neste conjunto eacute necessaacuterio citar o Apologista Aristides que de maneira

inquestionaacutevel se apresenta no cenaacuterio cristatildeo como aquele que daraacute um salto intelectual na

direccedilatildeo do desenvolvimento daquilo que poderiacuteamos definir como a primeira concepccedilatildeo de um

ethnos propriamente cristatildeo212 Aristides ldquofiloacutesofo de Atenas e um dos primeiros defensores do

207 MOL Identity and the Sacred 1977 p 52-53 apud KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica

1983 p 65-66 grifo nosso

208 Ver ARISTIDES Apologia II XIV e XV

209 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

210 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

211 GONZAacuteLEZ 1995

212 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

54

cristianismordquo213 permitiraacute a transmissatildeo conceitual deste tema apontado nos escritos paulinos

aproximadamente oitenta anos depois de Paulo escrever aos cristatildeos de Corinto Em sua obra

Apologia Aristides concentra esforccedilos em uma elaboraccedilatildeo pragmaacutetica que visa uma

apresentaccedilatildeo de diferentes aspectos teoloacutegicos e morais todos provenientes de haacutebitos e

costumes de outros padrotildees religiosos de entre as etniaspovosnaccedilotildees de sua eacutepoca

Neste exerciacutecio Aristides ldquodescreve os cristatildeos como um povo ou naccedilatildeordquo214 que iraacute

progressivamente e cada vez mais contrastar seus conhecimentos e seu comportamento com os

outros povos com que convivia a saber os babilocircnios os gregos os egiacutepcios e os judeus

Possivelmente Aristides desejava ldquoexprimir a autocompreensatildeo cristatilderdquo215 de seus dias no

entanto provavelmente tambeacutem expressava um conceito jaacute bem estruturado em seu meio

religioso utilizando-se de um escrito apologeacutetico muito diretivo desenvolvido em ldquoforma de

uma etnografia comparativardquo216 Importante eacute o fato de que um entendimento novo de forma

absolutamente objetiva retratava a nova maneira de viver e esta maneira era aplicada

adjetivamente como cristatilde

Este fenocircmeno ocorria devido a este novo conceito ter se estruturado sobre ldquouma

organizaccedilatildeo humana cada vez mais precisa e soacutelida uma sociedade cujos alicerces satildeo

inteiramente novos e um tipo de homem diferente de todos aqueles que o mundo conhecerardquo217

Desta forma acabou por se gerar um entendimento novo sobre uma nova realidade histoacuterica

diferente de todas as demais jaacute existentes algo que na compreensatildeo de seus participantes soacute

poderia ser condicionado por um novo organismo ou seja uma nova ldquoraccedilardquopovonaccedilatildeo

Contudo este fato pode ser tambeacutem comprovado atraveacutes de outros seguimentos uma vez que

os proacuteprios natildeo-cristatildeos parecem fomentar esta ideia de separaccedilatildeo eacutetnica Isso pode ser visto

com realce atraveacutes do relato de outra figura Patriacutestica de destaque o qual torna-se o personagem

central de nosso exame a partir deste ponto

A partir do Seacuteculo II haveraacute inuacutemeras contribuiccedilotildees para a histoacuteria da teologia Em

primeiro lugar na figura de Tertuliano por ser considerado o ldquofundador da tradiccedilatildeo teoloacutegica

ocidentalrdquo218 Entretanto referente ao tema em destaque Tertuliano em sua obra Agraves Naccedilotildees (Ad

nationes) ndash tambeacutem traduzida por Aos Pagatildeos ndash apresenta no capiacutetulo VIII do I livro uma

213 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

214 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 16

215 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

216 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 17

217 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240

218 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 42

55

relevante informaccedilatildeo a respeito de nosso assunto pois atraveacutes de uma genuiacutena accedilatildeo apologeacutetica

passa a informar algo que estava sendo apregoado sobre os cristatildeos Ele menciona que alguns

ldquoCertamente dizem que somos a terceira raccedila dos homensrdquo219 Jaacute de iniacutecio torna-se simples

devido ao desenvolvimento do texto conceituar a definiccedilatildeo (ldquoterceira raccedilardquo) citada por

Tertuliano pois de maneira peculiar sua ironia consegue descrever com exatidatildeo sua intenccedilatildeo

e o que ele escreve a seguir acaba por orientar seu entendimento e interesse argumentativo Ele

diz ldquoDe que maneira Uma raccedila com cara de cachorro Ou uma que possui apenas um enorme

peacute Ou algum Antiacutepoda subterracircneordquo220

Obviamente Tertuliano natildeo tinha em mente elaborar uma refutaccedilatildeo que viesse a

discutir questotildees bioloacutegicas ou antropoloacutegicas referentes agraves pessoas que estavam sendo

atingidas por essa pecha de ordem etnorracial Seu estilo quase sarcaacutestico demonstra que na

verdade sua indignaccedilatildeo frente agraves agressotildees lanccediladas aos irmatildeos da feacute que eram protagonizadas

pelas perseguiccedilotildees oferecidas pelos descrentes e das quais ele era uma literal testemunha o

compeliam a reagir em sua defesa ldquoTenham cautela no entanto pois aqueles a quem vocecircs

chamam de terceira raccedila devem obter o primeiro lugar uma vez que natildeo haacute certamente naccedilatildeo

que natildeo seja cristatilderdquo221

Tertuliano ainda em sua fase Apologista222 procura nos apresentar uma descriccedilatildeo

pejorativa (ldquoterceira raccedilardquo) dos pagatildeos como absolutamente preconceituosa e totalmente

intolerante pois esta visa tatildeo somente implementar ldquoacusaccedilotildees contra os cristatildeosrdquo223 buscando

unicamente denigrir sua religiatildeo natildeo possuindo nenhuma ligaccedilatildeo especiacutefica com as relaccedilotildees

eacutetnicas eou nacionais destas pessoas Sobre este prisma o proacuteprio Tertuliano afirma ldquoMas eacute

no sentido de religiatildeo e natildeo de naccedilatildeo que somos tidos como a terceira raccedila Pela ordem os

romanos os judeus e por uacuteltimo os cristatildeosrdquo224 No decorrer do texto225 fica-nos ainda mais

evidente que esta tentativa de uma diferenciaccedilatildeo humana natildeo corresponde a dados bioloacutegicos e

antropoloacutegicos pois visa promover unicamente uma desqualificaccedilatildeo da crenccedila do grupo ao qual

ataca (cristatildeos) independentemente de suas origens eacutetnicas

219 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

220 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

221 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9

222 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

223 LEAL In Tertuliano Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1577

224 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

225 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9-11

56

Deste modo assimilando os variados dados relacionados nesta construccedilatildeo

fenomenoloacutegica vemos que independentemente do meio (eclesiaacutestico ou secular) e da

temporalidade (periacuteodo biacuteblico ou patriacutestico) o sentido uniforme do conceito de ser cristatildeo

estava incondicionalmente ldquovinculado a um grupo com relaccedilotildees sociais distintas dos

demaisrdquo226 Aqui a reflexatildeo de Santos nos auxilia de forma significativa especialmente visando

o desenvolvimento restante deste capiacutetulo

Relaccedilotildees sociais estas que privilegiam os aspectos espirituais e morais Neste sentido

os cristatildeos podem ser entendidos como um povo particular com uma promessa

profeacutetica especificamente direcionada a eles Povo este que como vimos

anteriormente possui seu conjunto de crenccedilas um estilo de vida proacuteprio seus

siacutembolos sua interpretaccedilatildeo de mundo Tudo isto se traduz pela expressatildeo ldquonova vida

e os nossos ensinamentosrdquo utilizada por Justino (JUSTINO I Apologia III 3)227

Ao finalizarmos este item salientamos nossa intenccedilatildeo na proposta de agregar a esta

pesquisa a ideia de que para o cristianismo inicial como tambeacutem para seu meio social ndash onde

Justino necessariamente se enquadra ndash havia um conceito de identidade definido do que era ser

cristatildeo Cabe-nos agora complementaacute-lo Para isto propomos uma descriccedilatildeo de seu perfil

oposto ateacute mesmo antagocircnico para o periacuteodo ou seja descrevendo aquilo (ou aqueles) que na

visatildeo dos cristatildeos natildeo eram cristatildeos

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO

Em nossa proposta de pesquisa se faz indispensaacutevel conhecermos a visatildeo do meio

cristatildeo (eclesioloacutegica) a respeito daqueles que eram ao seu entendimento ndash pelo menos de

maneira preliminar ndash antagocircnicos agrave sua realidade existencial Obviamente este trabalho busca

ancorar-se ao pensamento de seu autor central Assim sendo Justino passa a nos ceder as bases

desse processo de incompatibilidade de grupos228 onde podemos sem exageros a partir de

Justino arquitetar um cenaacuterio que nos mostra eficientemente que este conceito evidenciado no

Apologista eacute oriundo da mensagem Apostoacutelica (Paulo) e Patriacutestica (Aristides) anteriores a ele

as quais parecem terem sido bem recebidas e definidas quanto a essa importante questatildeo

226 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 143

227 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

grifo nosso

228 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

57

etnograacutefica Percebemos isso com certa clareza quando ele diz que ldquoDeve-se saber que o

restante de todas as raccedilas humanas satildeo chamadas de naccedilotildees pelo Espiacuterito profeacutetico a casta dos

judeus e samaritanos poreacutem chama-se Israel e Casa de Jacoacuterdquo229

Nesta introduccedilatildeo ainda nos eacute possiacutevel descrever um conceito metafiacutesico a partir do

entendimento de Justino que era um filoacutesofo Utilizando-nos da objetivaccedilatildeo da identidade

(ethnos) cristatilde um modelo passa a se estabelecer nesta descriccedilatildeo e este modelo eacute que ldquotorna

uma entidade reconheciacutevelrdquo230 Assim este estado que passa a ser evidentemente concreto e

que estaacute constituiacutedo em uma forma de identificaccedilatildeo passa tambeacutem a possuir o seu oposto

definindo-se por meio de diversos exames tendo a partir disso haacute possibilidade de ser aceito

ou rejeitado por aquilo que lhe eacute diferente

Prosseguindo no desenvolvimento de nosso raciociacutenio comeccedilaremos a descrever

sinteticamente o ponto central a ser analisado nesta pesquisa Entendemos que a reflexatildeo que

recebemos a partir da oacutetica de Justino poder ser definida por meio de sua compreensatildeo do que

eacute a Verdade revelada para a humanidade Deste modo inicialmente nos cabe salientar que o

periacuteodo de tempo logo apoacutes o advento do cristianismo e sua consolidaccedilatildeo (informal para a

eacutepoca) como uma religiatildeo estabelecida em meio ao Impeacuterio Romano trouxe algumas

evidecircncias que caracterizavam e apontavam para a identificaccedilatildeo daqueles que eram seguidores

deste credo e ipso facto passava a distingui-los quase que de forma automaacutetica dos demais

seguidores de outras praacuteticas religiosas tais como o judaiacutesmo e os cultos politeiacutestas os quais

tambeacutem podem ser definidos no cenaacuterio imperial como ldquocultos estataisrdquo231 eou religiatildeo dos

povos gentios

Ainda neste espaccedilo nos eacute necessaacuterio salientar que a atribuiccedilatildeo religiosa como ponto

primaz na questatildeo orientativa dos que natildeo confessavam a feacute cristatilde eacute importante ou ateacute mesmo

necessaacuteria porque no referido periacuteodo natildeo se concebia a ideia de que as massas humanas ndash em

qualquer lugar independentemente de sua etnia ou nacionalidade ndash natildeo aderissem a uma forma

de crenccedila232 O pensamento de Santos qualifica esta ideia de contraste entre crenccedilas

Os cristatildeos precisavam ser diferentes dos judeus e dos demais povos para construiacuterem

uma identidade proacutepria ainda que algo dos dois fizesse parte de sua identidade E

mesmo esse algo teria uma leitura particular dentro do cristianismo Os siacutembolos

229 JUSTINO I Apologia LIII 4

230 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014 p 110

231 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 51

232 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

58

ainda que preservados natildeo teriam exatamente os mesmos significados Justino por

vezes ao apontar aquilo que os cristatildeos eram utiliza a comparaccedilatildeo Tal comparaccedilatildeo eacute

feita com base natildeo soacute naquilo que eacute semelhante nos grupos que ele considera natildeo-

cristatildeos mas principalmente nas suas diferenccedilas o que nos revela que no outro haacute

tanto pontos congruentes quanto incongruentes233

Desta forma a partir deste ponto falaremos a respeito dos dois respectivos grupos

humanos (em sentido eacutetnico e nacional) nos quais se estabeleciam a distinccedilatildeo e a divisatildeo

proposta por Justino em sua construccedilatildeo teoloacutegica

221 Os Judeus

Passando objetivamente a leitura da obra de Justino (I Apologia) constatamos com

razoaacutevel clareza a importacircncia dada pelo autor aquilo que corresponde diretamente ao povo

judeu este aspecto acaba por se tornar importantiacutessimo na elaboraccedilatildeo de nosso conceito pois

traz equiliacutebrio agrave orientaccedilatildeo que Justino propotildeem desenvolver como contrastante ao seu estado

de feacute e crenccedila Para Justino o povo eleito por Deus para receber as promessas diretrizes e

preceitos da Primeira Alianccedila acabou por se tornar uma espeacutecie de agente condutor e ateacute

mesmo catalisador de uma forma funcional do cumprimento das profecias descritas como

messiacircnicas234 Justino ao mencionar o Profeta Isaiacuteas e o Livro dos Salmos235 apresenta-nos esta

indicaccedilatildeo dizendo

Quando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de Cristo ele se expressa assim ldquoEu

estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz aos que andam por um

caminho que natildeo eacute bomrdquo E novamente ldquoEntreguei minhas costas aos accediloites e

minhas faces agraves bofetadas e natildeo afastei o meu rosto da vergonha das cuspidas E o

Senhor se tornou o meu auxiacutelio por isso eu natildeo fui confundido mas transformei o

meu rosto em rocha dura e soube que natildeo seria confundido pois estaacute perto aquele

que me justificardquo E o mesmo quando diz ldquoEles lanccedilaram sorte sobre as minhas

roupas e transpassaram as minhas matildeos e os meus peacutes mas eu adormeci e me

entreguei ao sono e ressuscitei porque o Senhor me protegeurdquo E outra vez quando

diz ldquoCochichavam com os seus laacutebios e balanccedilaram a cabeccedila dizendo Salve-se a si

mesmo Podeis comprovar que tudo isso cumpriu-se atraveacutes dos judeus em Cristordquo236

233 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

234 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

235 Acredita-se que os textos biacuteblicos usados por Justino segundo a versatildeo da Biacuteblia Grega (Septuaginta) satildeo Is

652 Is 506-8 Sl 2119 Sl 36 Sl 218-9 Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 27

236 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1-7

59

Nesta passagem da I Apologia onde jaacute nos deparamos com o exegeta Justino237 fica-

nos claro que na opiniatildeo deste os reconhecidos como natildeo-cristatildeos ndash particularmente tratando-

se do povo judeu e de sua religiatildeo ndash natildeo compreenderam o tempo de sua visitaccedilatildeo menos ainda

foram capazes de interpretar com eficiecircncia tudo aquilo que as profecias anunciavam a respeito

de seu Messias Esse processo ganha ainda mais ecircnfase quando o teor aplicado por Justino passa

a ser mediado atraveacutes do contexto entre os capiacutetulos XXXVI a XXXVIII onde o relato parece

sugerir um compecircndio baacutesico com ldquoregras de interpretaccedilatildeordquo238 do Apologista sobre as profecias

messiacircnicas Neste cenaacuterio eacute possiacutevel penetrar mais profundamente na realidade sugerida por

Justino os judeus natildeo obstante sua falta de discernimento tornaram-se por seu endurecimento

os proacuteprios algozes Daquele que veio libertaacute-los

Torna-se necessaacuterio dizer que a exegese aplicada por Justino natildeo se faz sem equiacutevocos

Alguns erros satildeo ateacute mesmo inocentes quando analisados agrave luz de elementos da ciecircncia biacuteblica

atual239 como por exemplo quando cita o texto do Salmo 2119 (segundo a Septuaginta) o

qual eacute amplamente interpretado pelos Evangelhos240 como uma accedilatildeo dos soldados romanos

junto ao relato da crucifixatildeo de Cristo e natildeo como um ato diretamente empregado pelo povo

judeu Entretanto Justino entende que os judeus natildeo apenas assumiram agrave culpa desse ato por

meio de seu embrutecimento mas principalmente por seu endurecimento o qual foi causado

originalmente por sua incredulidade (natildeo-assimilaccedilatildeo) para com a pessoa de Jesus Cristo na

opiniatildeo de Justino241 Deste modo parece natildeo permanecer nenhum constrangimento por parte

do Apologista em apontar aos judeus natildeo como meros colaboradores mas sim como os

grandes culpados pela morte de Cristo

Na verdade Davi rei e profeta que disse isso natildeo sofreu nada disso mas Jesus Cristo

estendeu as suas matildeos quando foi crucificado pelos judeus que o contradiziam e

falavam que ele natildeo era o Messias Com efeito como disse o profeta levaram-no

arrastando e fazendo-o sentar-se numa cadeira de juiz disseram-lhe ldquojulga-nosrdquo242

237 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

238 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 26

239 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

240 Ver Mateus 2633-38 Marcos 1522-24 Lucas 2333-34 Joatildeo 1923-24

241 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

242 JUSTINO I Apologia XXXV 6

60

Mesmo jaacute tendo sido identificado por noacutes de forma preacutevia cabe-nos ainda citar de

maneira mais precisa as pertinentes consideraccedilotildees que Justino faz referente ao natildeo

reconhecimento da pessoa de Jesus Cristo como o Messias prometido ao povonaccedilatildeo de Israel

por parte dos judeus O Apologista escreve ldquoNatildeo entendendo isso os judeus que satildeo aqueles

que possuem os Livros dos profetas natildeo soacute natildeo reconheceram a Cristo jaacute vindo mas tambeacutem

odeiam a noacutes que dizemos que ele de fato veio e mostramos que como fora profetizado foi

por eles crucificadordquo243

Aleacutem dessa notificaccedilatildeo exortativa referente aquilo que poderiacuteamos definir como uma

leitura do cenaacuterio sociorreligioso judaico (que no presente momento e tambeacutem anteriormente a

ele interagiu conflituosamente com os cristatildeos) devemos tambeacutem reconhecer outro aspecto que

este ambiente social nos aponta por meio da ldquoobservaccedilatildeo de Justino segundo a qual Bar

Kochba244 ameaccedilou judeus messiacircnicos com pesados castigos caso natildeo negassem que Jesus eacute

o Cristordquo245 estabelecendo deste modo haacute opiniatildeo de que os cristatildeos realmente eram um povo

que sofria historicamente ldquohostilidade dos judeusrdquo246 principalmente porque os cristatildeos deram

o devido valor agrave revelaccedilatildeo de Deus247

Por uacuteltimo neste cenaacuterio de nossa anaacutelise concentrada na opiniatildeo de Justino frente ao

status sociorreligioso judaico devemos ainda olhar com bastante atenccedilatildeo para uma passagem

da Escritura Sagrada relacionada a Primeira Alianccedila que nos eacute apresentada enfaticamente por

Justino em sua obra apologeacutetica O texto do capiacutetulo 65 verso 2 do Livro do profeta Isaiacuteas eacute

citado por trecircs vezes na I Apologia248 caracterizando mediante este fato repetitivo uma

significativa elucubraccedilatildeo por parte de Justino a esta porccedilatildeo da Escritura Nosso autor se

distingui ao comentar o Texto Sagrado dizendo ldquoQuando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de

Cristo ele se expressa assim lsquoEu estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz

aos que andam por um caminho que natildeo eacute bomrsquordquo249

Partamos de um ponto conceitual Na esfera racional de Justino o caso das ldquomatildeos

estarem estendidas a um povo increacutedulo e contestadorrdquo era um fato indubitaacutevel apresentado

atraveacutes de um ar enfaacutetico que apontava agrave suposta culpa que os judeus teriam na rejeiccedilatildeo do

243 JUSTINO I Apologia XXXVI 3

244 JUSTINO I Apologia XXXI 6

245 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 266

246 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 32

247 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

248 JUSTINO I Apologia XXXV 3 XXXVIII 1 XVIX 3

249 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1

61

verdadeiro Ungido de Deus solidificando deste modo de maneira inevitaacutevel sua compreensatildeo

de que os judeus ao natildeo reconhecerem o Messias ldquoperderam o direito hereditaacuterio a promessa

que passou para os cristatildeosrdquo250 Este conceito251 acaba por ficar ainda mais saliente em sua

obra Diaacutelogo com Trifatildeo252 detalhe que natildeo apontaremos aqui devido a nossa opccedilatildeo de

delimitaccedilatildeo textual

Por fim necessitamos condicionar nossa pesquisa a um resultado Entatildeo ratificamos

que em nosso entendimento fica claro que na transmissatildeo da ideia de Justino os judeus foram

rejeitados como naccedilatildeopovoldquoraccedilardquo por sua incredulidade mesmo que estes tenham sido

anteriormente escolhidos como os herdeiros das promessas de Deus De fato Justino afirma

ldquoEntatildeo eles se arrependeratildeo quando de nada mais lhes valeraacuterdquo253 Logo para Justino os judeus

natildeo eram mais a ldquoraccedilardquo eleita porque natildeo eram cristatildeos

Passamos agora ao outro grupo compreendido como natildeo-cristatildeo pelo conceito

etnograacutefico dos seguidores do cristianismo na eacutepoca de Justino os Gentios

222 Os Gentios

De imediato devemos propor um referencial orientativo visando essa construccedilatildeo e

uma afirmaccedilatildeo parece definir de maneira satisfatoacuteria esta questatildeo Igualmente agrave anaacutelise anterior

(para com os judeus) partimos de referenciais de caraacuteter sociorreligioso baseados em nosso

autor central poreacutem com a diferenciaccedilatildeo de que agora falamos de um campo muito mais

abrangente a ser examinado pois os ldquogentiosrdquo254 (segundo o Apoacutestolo Paulo) ldquoos caldeus os

gregos e os egiacutepciosrdquo255 (segundo Aristides) e ldquoos romanosrdquo256 (segundo Tertuliano) formam

esse novo e amplo grupo que tambeacutem se caracteriza religiosamente em contraste tanto com

cristatildeos quanto com os judeus que haviam rejeitado o seu Messias

Todo esse enorme contingente religioso se distinguia por sua diversidade Nesta

multiplicidade surgia uma variedade imensa de divindades uma para cada gosto eou prazer

250 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

251 Segundo Insuelas as duas primeiras Apologias satildeo escritas ldquocontrardquo os pagatildeos jaacute o Diaacutelogo com Trifatildeo eacute

escrito ldquocontrardquo os judeus Neles Justino pretende provar que Jesus Cristo eacute o Messias e que a sua religiatildeo eacute a

verdadeira Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 54

252 Ver JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo CVIII 1-3

253 JUSTINO I Apologia LII 9

254 Ver 1 Coriacutentios 1032

255 ARISTIDES Apologia II XIV e XV

256 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

62

com as quais estes devotos procuravam cobrir suas necessidades e as exigecircncias de culto em

seus dias257 Esta praacutetica reconhecida como politeiacutesmo envolve a coletividade humana desde

seus primoacuterdios258 No entanto para Justino quem seriam as pessoas que adoravam essa

imensidatildeo de outros deuses

Inicialmente afirmamos que os participantesocupantes desse distinto grupo

indiscutivelmente se diferenciavam dos judeus natildeo apenas por sua religiatildeo mas tambeacutem por

questotildees que podem (e devem) ser descritas como eacutetnicas No caso anterior o judaiacutesmo (ou

podemos chamar de religiatildeo judaica) natildeo se desvinculava (nem atualmente se desvincula) da

etnia de origem semita (judeus) que ocupava massivamente a regiatildeo do moderno estado de

Israel Ateacute os dias de hoje os judeus ndash tambeacutem chamados de ldquoisraelitasrdquo (genericamente) ndash satildeo

definidos regularmente como ldquofieacuteisrdquo da religiatildeo judaica259 Em nosso caso de destaque os

agentes religiosos que formavam as fileiras das religiotildees politeiacutestas eram seres humanos

oriundos das mais variadas sociedades da eacutepoca de diversas culturas mas que assumiam o

chamado culto de origem mitoloacutegica difundido amplamente na cultura de origem greco-

romana260 na qual Justino tambeacutem havia vivido e sido criado261 e que havia se tornado em um

elemento poliacutetico que ldquoos romanos chamavam de pax deorumrdquo262

Estes adoradores de outros e variados deuses usualmente possuem outra designaccedilatildeo

tanto para Justino quanto no relato biacuteblico satildeo os gentios ndash termo geneacuterico que adotaremos a

partir de agora neste item para a identificaccedilatildeo desse grupo devido a sua abrangecircncia e

complexidade A pesquisa de Santos nos auxilia consideravelmente nesta definiccedilatildeo

O termo utilizado na Biacuteblia hebraica para gentio eacute gocircy (גוי) e tanto no texto grego do

Antigo Testamento (Septuaginta) quanto no Novo Testamento temos os termos

ethnos (εθνος) ou hellen (ελλην) Satildeo geralmente traduzidos como naccedilatildeo raccedila

gentes gentios Se estiver no singular podem se referir aos judeus (HARRIS 1998 p

251-252 DOUGLAS 1995 p 662 VINE 2002 p 673) De forma geral quando no

plural eles se referem aos outros povos que natildeo os judeus e no caso mais

especificamente cristatildeo denotam natildeo soacute os natildeo-judeus mas podem se referir agravequeles

gentios que se converteram ao cristianismo ldquoOs quais pela minha vida expuseram as

257 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010

258 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

259 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

260 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

261 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998

262 CORNELL MATTHEWS A Civilizaccedilatildeo Romana 2008 p 94

63

suas cabeccedilas o que natildeo soacute eu lhes agradeccedilo mas tambeacutem todas as igrejas dos gentiosrdquo

(Romanos 164)263

Justino natildeo apenas se utiliza dessa terminologia com desenvoltura mas tambeacutem se

serve de outros termos que designam este grupo de existecircncia gentiacutelica Encontramos citaccedilotildees

como ldquogente de todas as naccedilotildeesrdquo264 ldquogente de todas as raccedilasrdquo265 ldquohomens das naccedilotildeesrdquo266 ou

ldquoos povos das naccedilotildeesrdquo267 Ao analisarmos o contexto textual destas citaccedilotildees de Justino fica

evidente que o Apologista ao descrever estes trechos estaacute incondicionalmente se referindo ao

cumprimento das promessas messiacircnicas aos gentios Desta forma acaba por caracterizar (os

gentios) como os natildeo-judeus que estavam sem Cristo mas que iriam recebecirc-lo pela

proclamaccedilatildeo da mensagem evangeacutelica Drobner sugere que possivelmente Justino acreditava

que uma vez que os democircnios foram silenciados pela proclamaccedilatildeo da Verdade por meio da

mensagem da cruz ldquoos homens agora em todo o mundo se tornariam tementes a Deusrdquo268

Encontramos na I Apologia uma tendecircncia ndash pelo menos de maneira impliacutecita ndash de

apontar em menor nuacutemero elementos negativos eou pejorativos dos gentios e de suas praacuteticas

religiosas politeiacutestas Isso obviamente se comparados com agravequeles apresentados

volumosamente como prejuiacutezos trazidos eou deixados pelos judeus naquilo que se tratava da

revelaccedilatildeo de Deus em Jesus Cristo Tratando-se especificamente dessa questatildeo sociorreligiosa

que envolvia a religiatildeo judaica cabe-nos ressaltar com veemecircncia que em nossas afirmaccedilotildees

natildeo se estaacute buscando implicar de nenhuma maneira ou forma a Justino uma postura

antissemita269 pois sua polecircmica com os judeus ldquonada tem a ver com antissemitismo porque

natildeo se trata da raccedila mas da feacuterdquo270 Deste modo orientando-nos atraveacutes de dados da anaacutelise

historiograacutefica acreditamos que este fenocircmeno se baseou na tentativa de indicar com clareza

atribuiccedilotildees da histoacuteria da revelaccedilatildeo no fato de se contextualizar o relato salviacutefico de Deus para

263 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 147

264 JUSTINO I Apologia XXXII 3

265 JUSTINO I Apologia XXXII 4

266 JUSTINO I Apologia XXXI 7

267 JUSTINO I Apologia XLIX 1

268 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 84

269 Antissemita (anmiddottismiddotsemiddotmimiddotta) anti- + semita Adjetivo de dois gecircneros e substantivo de dois gecircneros Significa

Que ou quem se opotildee aos semitas e particularmente aos judeus Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa

Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgantissemitagt Acesso em 17 de jan de 2019

270 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

64

a humanidade pois o ldquoproacuteprio texto nos fornece um contexto Mas tambeacutem pelos enunciados

que evidenciam sua forccedila ilocucionaacuteriardquo271

Poreacutem entendemos ainda ser oportuno citar a Justino de forma direta mais uma vez

em nossa elaboraccedilatildeo sobre o conceito de definiccedilatildeo daqueles que natildeo satildeo cristatildeos para ele

Indiscutivelmente os gentios gozavam de uma pequena parcela de toleracircncia por parte de

Justino especialmente diante do testemunho das conversotildees ocorridas junto o mundo greco-

romano das quais ele mesmo era fruto Aleacutem disso em nossa construccedilatildeo conceitual outra vez

fica notoacuterio que nosso autor natildeo procura mascarar em nenhum momento sua dificuldade para

com a religiatildeo judaica272 O texto de Justino transparece isso com muita clareza

Ao contraacuterio (dos judeus) os gentios que nunca tinham ouvido falar dele ateacute que os

apoacutestolos tendo saiacutedo de Jerusaleacutem lhes contaram sua vida e lhes entregaram as

profecias cheios de alegria e de feacute renunciaram aos iacutedolos e se consagraram ao Deus

ingecircnito por meio de Cristo273

Contudo torna-se claro tambeacutem que na concepccedilatildeo de Justino o alcance dessa

conformidade do plano salviacutefico de Deus atraveacutes de Jesus Cristo para com os gentios seria

segundo o posicionamento de feacute desse grupo pois o teor e a objetividade para o

desenvolvimento da I Apologia provam o contraacuterio pois esta obra acabou sendo redigida

condicionalmente na tentativa de aplacar os acircnimos daqueles que perseguiam os cristatildeos de

forma injustificaacutevel sendo evidente no relato de ambas as Apologias de Justino que os

perseguidores eram majoritariamente formados de natildeo-cristatildeos de origem gentiacutelica Essa

evidecircncia conseguimos resgatar no proacuteprio relato do Apologista quando este comenta a

respeito da idolatria dos gentios enfatizando seu politeiacutesmo Nessa passagem sua penna eacute

categoacuterica e imperativa

E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o atribuiacutes a noacutes como

se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia como estamos livres

por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam nenhum dano ao

271 SANTOS amp GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

272 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

273 JUSTINO I Apologia XLIX 5 grifo nosso

65

contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda levantam falso

testemunho contra noacutes274

Finalizamos assim este item que visou especificar aquilo que se encontra aplicado na

explanaccedilatildeo do Apologista sobre o natildeo ser um cristatildeo Buscamos nesta explanaccedilatildeo uma espeacutecie

de caraacuteter identificativo aleacutem de termos procurado sinalizar para o oposto de cada caso

examinado distinguindo deste modo os grupos religiosos analisados atraveacutes de criteacuterios que

os contrastavam entre si e para com o objeto principal (cristianismo) pois notificamos que para

Justino como tambeacutem para a Igreja em sua eacutepoca judeus e gentios natildeo eram homens de outra

espeacutecie (em sentido bioloacutegico) mas natildeo sendo cristatildeos pertenciam necessariamente a outro

mundo um mundo natildeo-cristatildeo

A seguir trataremos de assuntos mais pontuais os quais podemos denominar de

ldquofactiacuteveisrdquo segundo a leitura de Justino para com a realidade que o cercava Esse conjunto de

fatos era polemizado de maneira constante (por meio de uma tentativa aguda de se diferenciar

proposiccedilotildees) pois possuiacutea uma importacircncia fundamental na definiccedilatildeo exigida para se

estabelecer a oposiccedilatildeo dos ldquomundosrdquo que apontamos

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM

E para que se torne evidente para voacutes vamos apresentar-vos a prova de que aquilo

que dizemos por tecirc-lo aprendido de Cristo e dos profetas que os precederam eacute a uacutenica

verdade e a mais antiga do que todos os escritores que existiram Natildeo pedimos que se

aceite a nossa doutrina por coincidir com eles mas porque dizemos a verdade275

A partir deste item apresentamos uma anaacutelise de meios e de casos os quais

entendemos serem absolutamente necessaacuterios para uma resposta realmente qualificada visando

uma conclusatildeo satisfatoacuteria desta pesquisa Neste processo que inicialmente abarcou de maneira

histoacuterica a estruturaccedilatildeo e funcionalidade de um ambiente confessional acabou por se

caracterizar cada vez mais atraveacutes de um distinto cenaacuterio sociorreligioso em seu tempo Nessa

verificaccedilatildeo de costumes do comportamento humano na esfera religiosa percebemos com certa

facilidade o profundo impacto ndash especialmente no acircmbito da eacuteticamoral ndash que o cristianismo

proporcionou ao apresentar-se ldquocomo a revoluccedilatildeo mais radical que a humanidade jaacute tinha

274 JUSTINO I Apologia XXVII 5

275 JUSTINO I Apologia XXIII 1 grifo nosso

66

realizadordquo276 Desta forma organizamos uma detalhada abordagem dessa conjuntura de caraacuteter

social na esfera religiosa a qual vamos descrever a seguir procurando direcionar de maneira

objetiva nossos apontamentos para dentro da soluccedilatildeo de nosso problema jaacute anteriormente

especificado e deste modo comeccedilarmos a indicar uma resposta plausiacutevel para o conceito do

que seria a Verdade redigida e sustentada por Justino

Importante para nossa sequecircncia de trabalho eacute procurarmos estabilizar desde cedo a

compreensatildeo de que esta elaboraccedilatildeo de caraacuteter eacutetico-moral natildeo visa ser pormenorizada tatildeo

pouco exaustiva pois acreditamos que isto nem mesmo seria possiacutevel diante da abrangecircncia a

qual o termo Verdade poderia alcanccedilar em um exame epistemoloacutegico mais aprofundado

Particularmente tratando-se de nosso caso em especial um agravante ainda se coloca isso

devido nossa palavra-chave nem mesmo ser aplicada como um simples substantivo por parte

do autor pois recebe por parte de Justino uma abrangecircncia axiomaacutetica muito singular somente

compreendida em seu contexto mais amplo (realidade sociorreligiosa)

Entretanto partimos da necessidade de nos orientarmos por meio de definiccedilotildees

provenientes das afirmaccedilotildees do proacuteprio Justino Diante da realidade sociorreligiosa ndash tambeacutem

pode-se classificaacute-la como cultural dependendo dos criteacuterios propostos ndash que cercava e

envolvia o Apologista (no periacuteodo de redaccedilatildeo da I Apologia) estava necessariamente instituiacuteda

uma forma de cerceamento agraves suas convicccedilotildees religiosas Sem restriccedilotildees podemos nos utilizar

de uma espeacutecie de pleonasmo ao dizermos que Justino ndash ldquose justificardquo ndash constantemente por

meio de um paralelo dialeacutetico que de maneira exata acaba por condicionar-se como loacutegico

pois o Apologista busca apresentar uma ldquoperfeita lealdade dos seus processosrdquo277 racionais em

toda a sua narrativa As contribuiccedilotildees oriundas da predominante linha filosoacutefica a qual Justino

aderiu em sua jornada na busca pela Verdade manifestam-se de forma niacutetida em sua construccedilatildeo

apofacircntica Esse meacutetodo se clarifica na abordagem de Chauiacute

A dialeacutetica platocircnica eacute um procedimento intelectual e linguiacutestico que parte de alguma

coisa que deve ser separada ou dividida em dois ou duas partes contraacuterias ou opostas

de modo que se conheccedila sua contradiccedilatildeo e se possa determinar qual dos contraacuterios eacute

verdadeiro e qual eacute falso278

276 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 44

277 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

278 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 181

67

Deste modo Justino explanou suas conclusotildees de maneira categoacuterica por meio da

aplicaccedilatildeo de um meacutetodo que visava eliminar contradiccedilotildees essenciais daquilo que estava sendo

examinado279 Aparentemente o Apologista acreditava que algo de caraacuteter indivisiacutevel no

sentido de ser inquestionaacutevel poderia ser alcanccedilado mediante suas confrontaccedilotildees mesmo que

Justino afirmasse ser imprescindiacutevel ter que haver feacute em Jesus Cristo para tais fins elemento

(feacute) que era reconhecidamente ausente em seus opositores algo que no final parece desiquilibrar

a loacutegica da teoria de Justino Neste espaccedilo ainda nos eacute necessaacuterio dizer que nosso autor se

baseava fortemente em indicaccedilotildees de cunho comparativo e histoacuterico (a niacutevel de suas convicccedilotildees

religiosas) para defender suas comparaccedilotildees280 Neste item jaacute detectamos fortemente o ser

ldquofiloacutesofordquo em Justino realidade que abordaremos mais detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo

Essa base filosoacutefica que acabamos de citar iraacute orientar o ministeacuterio de Justino no

decorrer de sua construccedilatildeo teoloacutegica e quanto a essa filosofia devemos sem constrangimento

atrelaacute-la agravequilo que acabou por se tornar o estilo literaacuterio preponderante em seus trabalhos

Estes se caracterizaram pela presenccedila de um forte teor (dispositivo) apologeacutetico possibilitando-

nos a partir da anaacutelise historiograacutefica281 afirmar que uma vez que os filoacutesofos (do periacuteodo de

Justino) receberam a feacute em Cristo estes podem defender a Verdade pois passam a possuir a

ldquoconsciecircncia da razatildeo filosoacutefica que nela estaacute contidardquo282

Desta forma seguindo uma postura assumidamente analiacutetica Justino passa a arquitetar

seu plano argumentativo utilizando-se de uma clara confrontaccedilatildeo de fatos em vista de alcanccedilar

o resultado desejado Mesmo sem ser um empirista ndash sistema filosoacutefico totalmente distante

cronologicamente de Justino ndash eacute impossiacutevel natildeo se detectar um apego por parte do Apologista

para com um meacutetodo de exame que venha a conferir com afinco a experiecircncia do uso dos

sentidos humanos como o meio para agrave origem e geraccedilatildeo do conhecimento Com isso mais um

detalhe pertinente segundo a nossa compreensatildeo vem a surgir nesta anaacutelise pois conseguimos

detectar com certa facilidade que Justino vincula os fatos registrados de sua feacute na rotina humana

presente efetivamente em seu contexto o que vem a somar para a caracterizaccedilatildeo de uma postura

que na praacutetica eacute empirista283

279 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

280 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

281 Ver SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 185-186

282 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

283 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

68

231 Um Princiacutepio Teologal

Seguindo o que acabamos de apontar apresentaremos uma posiccedilatildeo de ordem factiacutevel

da parte de Justino passando a citar elementos que em nosso entendimento estabelecem as

provas desenvolvidas pelo Apologista em seu relato de defesa dos cristatildeos Retrataremos dois

contextos em que Justino apresenta sua iniciativa de modo contundente na busca de seus

objetivos O primeiro cenaacuterio se desenvolve apoacutes o autor terminar uma ilustre analogia entre

ldquodoutrinas estoicas e cristatildesrdquo284

A primeira prova eacute que quando dizemos tais coisas aos gregos somos os uacutenicos a

serem odiados pelo nome de Cristo e nos tiram a vida sem termos cometido crime

algum como se focircssemos pecadores E tendes alguns aqui e outros ali que cultuam

aacutervores rios ratos gatos crocodilos e uma multidatildeo de animais irracionais O

interessante eacute que nem todos cultuam os mesmos mas uns satildeo honrados num lugar

outros em outro de modo que todos satildeo iacutempios entre si por natildeo ter a mesma religiatildeo

Esta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que

voacutes e natildeo oferecemos libaccedilotildees e gorduras aos mortos natildeo colocamos coroas nos

sepulcros nem celebramos sacrifiacutecios sobre eles No entanto sabeis perfeitamente

que os mesmos animais por alguns satildeo considerados deuses por outros feras e por

outras viacutetimas para sacrifiacutecios285

A partir desta descriccedilatildeo passamos definitivamente a exposiccedilatildeo dos fatos que satildeo

contrastantes entre a praacutetica da feacute cristatilde e a ordem dos acontecimentos estabelecida nas

ocorrecircncias do meio secular ao redor da Igreja de Cristo isto porque o centro da coletividade

cristatilde (Assembleia Santa) era o que melhor distinguia exteriormente essa separaccedilatildeo

existencial286 A ecircnfase de Justino aplicada agrave realidade sociorreligiosa de seu tempo nos impotildee

a necessidade de uma adaptaccedilatildeo por meio de um delineamento de ordem temaacutetica isso devido

agrave diversidade de assuntos aos quais poderiacuteamos enfocar nesse exame pois a ldquoformalidade da

religiatildeo (pagatilde) manifestava-se de maneira diversardquo287 nos variados ciacuterculos sociais do mundo

greco-romano

O texto de Justino que estaacute depositado em uma genuiacutena literatura de estilo apologeacutetico

acaba ateacute mesmo por ganhar ares enfaticamente polemistas mesmo que esta definiccedilatildeo literaacuteria

do meio Patriacutestico seraacute apenas regulada sobre um escritor apologista a partir da figura de

284 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 8

285 JUSTINO I Apologia XXIV 1-3

286 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

287 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 20 grifo nosso

69

Tertuliano288 Isso porque a objetividade empregada por Justino natildeo visava unicamente

solicitar toleracircncia em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde mas tambeacutem evidenciar de forma categoacuterica direta e

especiacutefica uma superioridade do culto cristatildeo sobre as religiotildees pagatildes289

Deste modo de forma essencial entendemos que para uma melhor compreensatildeo do

contexto sugerido se faz necessaacuterio fracionaacute-lo Poreacutem devido agraves vaacuterias possibilidades de

argumentaccedilatildeo que a porccedilatildeo apresentada nos oferece decidimos concentrar nosso exame em

trecircs toacutepicos orientativos atraveacutes dos quais acreditamos ser possiacutevel desenvolver o escopo que

desejamos estes se condicionam a falta de valores absolutos a praacutetica da idolatria (na

concepccedilatildeo cristatilde) e as variaccedilotildees dos atos cuacutelticos que envolviam tal praacutetica mesmo que ambos

os casos apontados venham a se mesclar no seguimento de nosso relato textual devido sua

estreita relaccedilatildeo ldquosimbioacuteticardquo Os trecircs pontos nos conduzem de forma natural a uma reflexatildeo

historiograacutefica em torno do periacuteodo dos Seacuteculos I e II dC visando deste modo uma maior

clarificaccedilatildeo dos fatos que procuramos distinguir

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista

Iniciamos a nossa estruturaccedilatildeo apresentando um registro que descreve esse cenaacuterio

cuacuteltico pagatildeo o qual estaacute disponibilizado no texto da Escritura Sagrada Aproximadamente

100 anos antes290 desse registro de Justino o Apoacutestolo Paulo jaacute censurava enfaticamente a

mesma praacutetica religiosa que natildeo estranhamente estava vigorando na cultura social ateacute os dias

de Justino Quando o Apologista acusa seus oponentes de adorarem uma variedade

(pluralidade) de seres criados (ou a natureza) abre-se um paralelismo com o texto biacuteblico que

diz ldquoInculcando-se por saacutebios tornaram-se loucos e mudaram a gloacuteria do Deus incorruptiacutevel

em semelhanccedila da imagem de homem corruptiacutevel bem como de aves quadruacutepedes e repteisrdquo

(Romanos 122-23)

Justino argumenta sobre este cenaacuterio afirmando que o status de honra a estas diversas

ldquodivindadesrdquo passava por variaccedilotildees ndash ou ateacute mesmo vacilaccedilotildees ndash natildeo possuindo nenhum teor

de algo que poderiacuteamos afirmar como ldquoabsolutordquo Justino fortemente tambeacutem salienta que o

simples fator geograacutefico eacute capaz de destituir este aspecto de adoraccedilatildeo realidades

(contingenciais) que acabam por confrontar-se com o credo cristatildeo que jaacute possui seu conceito

bem estabilizado nos dias Justino Nisto nos auxilia o texto da Didaqueacute (possivelmente

288 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

289 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

290 GREATHOUSE In A Epiacutestola aos Romanos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

70

redigido no final do Seacuteculo I291) o qual confessa que ldquoTu Senhor Todo-poderoso criaste todas

as coisas por causa do teu Nomerdquo292 solidificando desde muito cedo o princiacutepio que mais

tarde293 seria absolutamente consolidado no Credo Apostoacutelico que iraacute reproduzir conteuacutedo

idecircntico ao afirmar ldquoCreio em Deus Pai todo-poderoso Criador do ceacuteu e da terrardquo294

Deste modo a nova feacute em curso concebia desde seus primoacuterdios um uacutenico ser todo-

poderoso que natildeo pode nem mesmo estaacute sensiacutevel a sofrer as variantes temporais descritas por

Justino Aleacutem disso o Apologista nos apresenta uma variaccedilatildeo de grau que poderiacuteamos definir

como ldquocaoacuteticardquo para uma postura humana em sua relaccedilatildeo com estes ldquoobjetosrdquo de culto pois

cita como premissa que o mesmo ldquoobjetordquo tem determinada condiccedilatildeo de qualidade superior

para alguns mas torna-se trivial e comum para outros295 algo impossiacutevel de ser adaptado ao

elemento divino do culto cristatildeo

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria

O outro ponto que desejamos destacar se aplica sobre a afirmaccedilatildeo de Justino ao dizer

ldquoEsta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que voacutesrdquo296

A enfaacutetica argumentaccedilatildeo de Justino salienta a natildeo participaccedilatildeo dos cristatildeos nas atividades

religiosas dos ciacuterculos sociais aos quais pertenciam Estas atividades que eram implementadas

pelo mito popular297 e pelas classes poliacuteticas controladoras298 acabavam por definir-se como

os ritos religiosos ldquooficiaisrdquo ndash aceitos permitidos e em alguns casos tolerados pelas

autoridades ndash no Impeacuterio Romano299 O culto aos diversos deuses e ao imperador romano

caracterizam bem esta diversidade mitoloacutegica300 Assim passamos para um fato literaacuterio que

em nosso entendimento fomenta bem essa ideia estruturada na realidade humana que

desejamos retratar O escrito a seguir de autoria de Pliacutenio o Velho produzido possivelmente

291 STORNIOLO BALANCIN In Introduccedilatildeo DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as

comunidades de hoje 2010 p 3

292 DIDAQUEacute X 3

293 SCHAFF The creeds of Christendom with a history and critical notes 1966

294 CREDO APOSTOacuteLICO 1ordm artigo (da criaccedilatildeo)

295 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89-90

296 JUSTINO I Apologia XXIV 2

297 Ver KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983 p 91-97

298 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

299 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

300 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993

71

em torno do ano 77 da era cristatilde301 nos expotildee por meio de um registro de tipo naturalista a

seguinte observaccedilatildeo quanto algumas praacuteticas ritualiacutesticas comuns ao cenaacuterio sociorreligioso de

entatildeo Pliacutenio assim escreve

Sacrificar animais sem oraccedilotildees natildeo funciona aparentemente nem produz a correta

relaccedilatildeo ritual com os deuses As foacutermulas variam uma para conseguir um bom

agouro uma segunda para evitar o mau agouro e uma terceira para cultuar as

divindades [] Ao usarmos as preces costumeiras nesse ritual admitimos a eficaacutecia

dessas foacutermulas comprovadas pela experiecircncia de 830 anos302

Cabe-nos dizer que Pliacutenio estava simplesmente retratando de maneira descritiva os

processos de ordem religiosa no meio social que estava inserido poreacutem o contexto claramente

nos sugere que Pliacutenio tambeacutem buscava salientar a ldquoimportacircncia do respeito agraves formalidades na

religiatildeo do Estadordquo303 Natildeo podemos esquecer que Pliacutenio como oficial e administrador romano

esteve inserido em diversas regiotildees do Impeacuterio304 o que nos possibilita afirmar que o registro

estaacute baseado em um amplo e avultado conteuacutedo experiencial e que portanto seu relato estaacute

condicionado a ser classificado como um ldquocaso geneacutericordquo de praacuteticas cuacutelticas das regiotildees

influenciadas pela cultura greco-romana

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo

Uma praacutetica que era corrente nos tempos de Justino e jaacute antes dele era o de definir os

cristatildeos ldquocomo culpados do crime de ateiacutesmordquo305 A natildeo-aderecircncia dos cristatildeos a essas praacuteticas

religiosas pagatildes eram vistas e entendidas por alguns (elite social)306 como atos de

irracionalidade mas principalmente eram interpretadas pelos pagatildeos (de forma geral) como

301 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

302 PLIacuteNIO Histoacuteria Natural XXVIII 10-12 No original Sacrificar animales sin oraciones no funciona

aparentemente ni produce la correcta relacioacuten ritual con los dioses Las foacutermulas variacutean una para conseguir un

buen aguumlero una segunda para evitar el mal aguumlero y una tercera para cultuar a las divinidades [] Al usar las

oraciones acostumbradas en ese ritual admitimos la eficacia de esas foacutermulas comprobadas por la experiencia de

830 antildeos

303 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 17 grifo nosso

304 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

305 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004 p 100

306 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004

72

accedilotildees que manifestavam uma evidente incredulidade307 ndash ou seja uma atitude de profundo

desrespeito ndash por parte dos cristatildeos agravequilo que era considerado como divino De ordem jaacute muito

habitual eram as acusaccedilotildees deste tipo junto agrave cultura greco-romana pois jaacute na antiguidade

algumas figuras de destaque como Soacutecrates foram alvos desse tipo de defraudaccedilatildeo

considerado de ordem moral para o periacuteodo

Voltemos ao caso de Soacutecrates pois este foi julgado aproximadamente 550 anos

antes308 de Justino escrever sua I Apologia vindo a receber por parte da parte de seus algozes

acusaccedilotildees de mesma ordem as quais os cristatildeos agora similarmente sofriam tal como Soacutecrates

que ldquodescobriu o embuste dos democircnios e os convidou (demais seres humanos) a procurar o

verdadeiro Deus por isso ele teve de morrer como maacutertirrdquo309 Justino cita-nos o fato dizendo

Quando Soacutecrates com raciociacutenio verdadeiro e investigando as coisas tentou

esclarecer tudo isso e afastar os homens dos democircnios estes conseguiram por meio

de homens que se comprazem na maldade que ele tambeacutem fosse executado como

ateu e iacutempio alegando que ele estava introduzindo novos democircnios Tentam fazer o

mesmo contra noacutes310

Entendemos que ainda se faz importante somar a estrutura dessa pesquisa o relato

redigido por Platatildeo referente ao processo de defesa e julgamento de seu mestre Nesse registro

apologeacutetico encontramos o diaacutelogo entre Soacutecrates e Ecircutrifron311 que comprova o fato juriacutedico

ocorrido na Greacutecia Antiga do qual citamos atraveacutes de Justino

Ecircutrifron ndash O que eu gostaria Soacutecrates mas receio que aconteccedila o contraacuterio Pois me

parece que ele simplesmente comeccedila por prejudicar a cidade pela lareira312 ao

tencionar fazer mal a vocecirc Mas me diga ele diz que vocecirc corrompe os jovens fazendo

o quecirc

307 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 84-86

308 Ver MALTA In Introduccedilatildeo Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

309 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 85 grifo nosso

310 JUSTINO I Apologia V 3 grifo nosso

311 Natildeo temos outras informaccedilotildees sobre Ecircutifron ndash um adivinho prognosticador conforme subtiacutetulo da obra ndash

aleacutem das que encontramos em Platatildeo Mas seu nome tinha um significado claro para os gregos ldquoo de espiacuterito

direto ou ortodoxordquo Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates 2008 p 25

312 A lareira (ou Heacutestia) representava enquanto fogo sagrado da cidade e de cada casa o princiacutepio da estabilidade

Com essa fala Ecircutifron deixa clara sua admiraccedilatildeo por Soacutecrates Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates

2008 p 27

73

Soacutecrates ndash Coisas estranhas admiraacutevel homem para se ouvir assim Pois diz que sou

fazedor de deuses e que por isso mesmo ndash por fazer novos deuses e natildeo crer nos

antigos ndash me denunciou conforme diz313

Ainda referente ao assunto ndash cristatildeos definidos como ateus e iacutempios pelos pagatildeos ndash

vale-nos destacar o ponto de vista de um historiador Santos contribui muito em nosso exame

que visa apontar fatos contrastante por meio de fenocircmenos de intoleracircncia religiosa ocorridos

no passado Santos afirma que as acusaccedilotildees de ateiacutesmo por parte dos pagatildeos tiveram uma

importante contribuiccedilatildeo junto agrave construccedilatildeo de uma ldquoidentidaderdquo cristatilde durante o periacuteodo do

Seacuteculo II314 Tratando-se pontualmente do que acabamos de mencionar Santos novamente

contribui favoravelmente a nossa construccedilatildeo quando diz

Justino continua explicando que como acusaram Soacutecrates de ateiacutesmo assim satildeo

acusados os cristatildeos por natildeo adorarem os deuses de Roma Em seguida ele apresenta

uma pequena profissatildeo de feacute com o objetivo de esclarecer que os cristatildeos natildeo satildeo

ateus pois ldquocultuamos e adoramosrdquo o Deus verdadeiriacutessimo o seu Filho os seus

exeacutercitos de anjos e o Espiacuterito profeacutetico (JUSTINO I Apologia VI 1 2) Vaacuterios

exemplos desta estrutura do desenvolvimento podem ser observados no decorrer da I

Apologia315

A variaccedilatildeo entre o caso de Soacutecrates e a realidade de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos reforccedila

as atribuiccedilotildees de Justino quanto a postura que este buscava assumir e automaticamente

diferenciar Quando aponta de maneira clara para o estabelecimento de um distanciamento

ldquosegurordquo entre as partes que na concepccedilatildeo do Apologista apresentam uma clara distinccedilatildeo de

culto No entanto Justino natildeo deixa de assumir a significativa importacircncia que as ldquoestruturasrdquo

de feacute representam como objeto para a estabilidade humana no sentido de gerar nessa

coletividade uma espeacutecie de harmonia que pode ser definida com o um termo moderno como

ldquoseguranccedila socialrdquo mas claro isso somente se faz possiacutevel devido agrave Justino assumir ser um

crente ndash afastando assim todas as acusaccedilotildees de ateiacutesmo ndash mas natildeo um idoacutelatra exercendo deste

modo (novamente por meio de sua tradicional ferramenta apologeacutetica) um consideraacutevel

apontamento para as diferenccedilas entre estes dois (ou mais) estados de crenccedila e culto Walde

313 PLATAtildeO Ecircutrifon (Sobre a piedade) 2

314 Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 Item

12 A apropriaccedilatildeo do estilo grego nos escritos e pregaccedilotildees p 31-38

315 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 p 108

grifo nosso

74

salienta bem esse enfoque comparativo que acabou por constituir uma espeacutecie de meacutetodo que

foi aplicado por Justino em sua verificaccedilatildeo entre as diferenccedilas que encontrou Desta forma

Walde resume seu entendimento

Parte do problema era uma maacute interpretaccedilatildeo da crenccedila cristatilde Por natildeo renderem culto

aos deuses gregos e romanos os cristatildeos eram chamados ateus Justino perguntou

como eles podiam ser ateus jaacute que eles rendiam culto ldquoao Deus verdadeirordquo Os

cristatildeos rendem culto ao Pai Filho e Espiacuterito Santo ele disse e ldquolhes datildeo homenagens

com razatildeo e verdaderdquo Justino tambeacutem apontou a inconsistecircncia dos governantes

romanos Alguns de seus proacuteprios filoacutesofos ensinaram que natildeo havia nenhum deus

mas eles natildeo os perseguiram soacute por terem o nome de filoacutesofos316

Aleacutem desses destaques de caraacuteter mais historiograacuteficos adquirimos atraveacutes do texto

biacuteblico o relato Apostoacutelico que certamente abarca os fatores que compotildeem a posiccedilatildeo de Justino

Este testemunho Sagrado retrata com esmero o que o autor de Atos dos Apoacutestolos buscava

comunicar ao seu status quo pois o discurso de Paulo em Atenas torna-se esclarecedor para o

fim de testificar o estado e o tipo da feacute que os cristatildeos confessavam Vemos nisso proposta uma

relocaccedilatildeo do ser humano em direccedilatildeo a nova concepccedilatildeo de se ser a geraccedilatildeo de Deus ndash atraveacutes

da nova criaccedilatildeo ndash pois os procedimentos dos cultos pagatildeos contrariavam os princiacutepios

fundamentais deste Deus absoluto uacutenico e consequentemente a isso verdadeiro na visatildeo de

Justino sendo absolutamente ldquotolice pensar que a divindade ndash lsquoo divinorsquo ou lsquodivinalrsquo ndash seria

semelhante agraves imagens de ouro ou de prata feitas pelos homensrdquo317 O Texto Sagrado

indiscutivelmente apresenta o caminho e o fundamento pelo qual Justino alcanccedilou e sustentava

suas convicccedilotildees

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe sendo ele Senhor do ceacuteu e da terra

natildeo habita em santuaacuterios feitos por matildeos humanas Nem eacute servido por matildeos humanas

como se de alguma coisa precisasse pois ele mesmo eacute quem a todos daacute vida

respiraccedilatildeo e tudo mais [] Sendo pois geraccedilatildeo de Deus natildeo devemos pensar que

a divindade eacute semelhante ao ouro agrave prata ou agrave pedra trabalhados pela arte e

imaginaccedilatildeo do homem (Atos dos Apoacutestolos 17242529)

Apoacutes discorrermos sobre o meacuterito da questatildeo dos disciacutepulos de Jesus Cristo serem ou

natildeo ateus e tambeacutem de abordarmos com uma finalidade dissertativa algumas caracteriacutesticas de

316 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 3 grifo nosso

317 EARLE In Livro dos Atos dos Apoacutestolos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 343

75

ordem cultual do meio pagatildeo seguiremos explorando algumas citaccedilotildees de Justino que se

apresentam de forma diversificada em sua tentativa de enfatizar um latente antagonismo entre

os grupos religiosos de seu tempo

232 Um Princiacutepio Determinista

Os capiacutetulos XXV e XXVI da I Apologia nos apresentam inuacutemeras variaccedilotildees desses

haacutebitos religiosos todos sentenciados por nosso autor como nefastos porque Justino sempre

buscava afirmar como ponto inicial de sua argumentaccedilatildeo a premissa de que seu grupo (cristatildeos)

se diferencia dos demais por natildeo possuir as mesmas praacuteticas Essas praacuteticas pagatildes de culto no

entendimento de Justino fossem exercidas de maneira ordinaacuteria ou extraordinaacuteria por seus

seguidores no final incontestavelmente seriam condenadas pois se manifestariam como obras

demoniacuteacas Isso ocorria porque alguns ldquodemocircnios levaram certos homensrdquo318 a praticaacute-las

para prejuiacutezo dos cristatildeos sendo estes por fim injustamente acusados de praacuteticas danosas

Euseacutebio ao comentar sobre o ministeacuterio de Justino retrataraacute este contexto de forma

simposiasta

Isto eacute demonstrado por Justino que se distinguiu em nossa doutrina natildeo muito tempo

depois dos apoacutestolos e de quem exporemos oportunamente o que seja conveniente

Em sua primeira Apologia dirigida a Antonino em favor de nossa feacute escreve como

segue ldquoE depois da ascensatildeo do Senhor ao ceacuteu os democircnios levaram alguns homens

a dizer que eram deuses e estes natildeo somente natildeo foram perseguidos por voacutes mas ateacute

foram considerados dignos de honrasrdquo319

Nos capiacutetulos XXIV-XXVI Justino nos retrata de maneira sintetizada diversas

caracteriacutesticas da religiatildeo gentiacutelica de sua eacutepoca Ateacute aqui natildeo encontramos nada de novo ou

ateacute mesmo excepcional neste tipo de relato mas o que nos chama a atenccedilatildeo neste

enquadramento analiacutetico sobre o qual estamos ponderando eacute a proporccedilatildeo temaacutetica que o

assunto ganha referente agrave sua futura fundamentaccedilatildeo literaacuteria Cabe-nos aqui atestar que Justino

se utiliza de trecircs elementos indicativos naquilo que procura apresentar como casos evidentes da

perseguiccedilatildeo social para com aqueles que se denominavam cristatildeos Justino atraveacutes de uma

espeacutecie de ldquolista numeradardquo320 notoriamente sinaliza uma sequecircncia de fases as quais

318 JUSTINO I Apologia XXVI 1

319 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2-3

320 Justino se utiliza dos termos gregos Πρωτον (Em primeiro lugar) no cap XXIV Δεύτερον (Em segundo lugar)

no cap XXV Τρίτον (Em terceiro lugar) no cap XXVI Sendo os vocaacutebulos empregados pelo autor na segunda

76

Frangiotti chama de ldquoProvasrdquo321 utilizadas pelo Apologista sendo que estes fatos em

perspectiva geral se apresentavam de maneira tenebrosa na visatildeo de Justino pois em sua

anaacutelise sustentavam-se sobre argumentos fraacutegeis duvidosos e absolutamente injustos

principalmente pelo fato dessas acusaccedilotildees possuiacuterem um caraacuteter preconceituoso fazendo

somente dos cristatildeos por princiacutepio legal as viacutetimas dessas regras estabelecidas

Neste breve conjunto propositivo encontramos um cenaacuterio real que passa a se

caracterizar por meio de uma descriccedilatildeo de fatos pujantes que ascendem ao nosso olhar atraveacutes

de uma linguagem conceitual Justino amparado por analogias literais passa mediante sua

construccedilatildeo da defesa da moral cristatilde322 a utilizar-se de accedilotildees dialeacuteticas as quais levam as

praacuteticas dos cultos pagatildeos a serem apontadas por Justino (especialmente no capiacutetulo XXV) e

tambeacutem examinadas de uma maneira imperativa mesmo que visando uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria

para o entendimento de seus leitores Essa praacutetica literaacuteria eacute algo normalmente detectado junto

ao trabalho de um pensador com caracteriacutesticas platocircnicas pois estes ldquodisciacutepulosrdquo de Platatildeo

atraveacutes de uma confrontaccedilatildeo de imagens contraditoacuterias visavam chegar a ideias idecircnticas e

assim uniformizar o pensamento humano323

Entretanto esta conformidade natildeo era possiacutevel na anaacutelise de Justino pois os fatos

(praacuteticas pagatildes) natildeo possuiacuteam a ldquoidentidaderdquo necessaacuteria para o Apologista muito pelo

contraacuterio eram absolutamente antagocircnicos e inquestionavelmente se definiam como espuacuterios

aos olhos dos cristatildeos quando ponderados diante da doutrina cristatilde estabelecida pela

transmissatildeo e edificaccedilatildeo Apostoacutelica Deste modo a separaccedilatildeo essencial proposta pelo

Apologista torna-se ainda mais clara se confrontada com o comentaacuterio de Euseacutebio ao capiacutetulo

XXVI da I Apologia O Historiador constroacutei uma consideraacutevel argumentaccedilatildeo sobre uma figura

humana denominado Menandro o qual sendo participante de atos miacutesticos recebeu de Euseacutebio

o cognome de ldquoMagordquo

Tambeacutem Justino ao mencionar Simatildeo pela mesma razatildeo acrescenta uma relaccedilatildeo

sobre este outro dizendo ldquoSabemos tambeacutem que um certo Menandro tambeacutem

samaritano oriundo da aldeia chamada Caparatea depois de ser disciacutepulo de Simatildeo e

estando tambeacutem possuiacutedo por democircnios apareceu em Antioquia e com sua arte

maacutegica seduziu a muitos E convenceu seus seguidores de que natildeo morreriam Hoje

declinaccedilatildeo do acusativo permitem em sua traduccedilatildeo o emprego tanto da preposiccedilatildeo ldquoemrdquo quanto do substantivo

ldquolugarrdquo condicionando desta forma uma indicaccedilatildeo de relaccedilatildeo e loacutegica em sua estrutura organizacional Ver

PAUTIGNY In Notes Apologies XXVI 1 XXV 1 XXVI 1

321 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 21

322 JUSTINO I Apologia XXV 1-3

323 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

77

restam alguns de sua seita que continuam a professaacute-lordquo Era sem duacutevida obra da

influecircncia diaboacutelica lanccedilar matildeo de tais feiticeiros revestidos do nome de cristatildeos para

esforccedilar-se em caluniar o grande misteacuterio de piedade acusando de magia e destruir

por meio deles os dogmas da Igreja sobre a imortalidade da alma e a ressurreiccedilatildeo dos

mortos Mas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedila324

Neste comentaacuterio histoacuterico notamos com clareza a relaccedilatildeo de contribuiccedilatildeo que

Euseacutebio visa estender ao confronto apologeacutetico pelo qual Justino havia passado Desta maneira

acaba por nos manifestar seu condicionamento a um fato que em sua concepccedilatildeo parece-nos

claramente a expressatildeo de um princiacutepio pelo qual faz emergir um compromisso ndash algo que nos

soa como uma necessidade moral ndash que possui um caraacuteter imperioso Euseacutebio nos relata sem

restriccedilotildees que as accedilotildees maleacutevolas praticadas pelo meio sociorreligioso pagatildeo do periacuteodo de

Justino tinham claramente o objetivo de ldquocaluniar o grande misteacuterio de piedade [] e destruir

por meio deles os dogmas da Igrejardquo325 constituindo deste modo a noccedilatildeo histoacuterica de que os

valores da feacute cristatilde eram a expressatildeo perfeita da Verdade tanto para Justino quanto para a Igreja

(representada historicamente no relato de Euseacutebio) Tratando-se quanto agrave Igreja nesta questatildeo

pontualmente Justino entendia que em seu curso natural a Igreja vivenciava naturalmente essa

relaccedilatildeo dialeacutetica fazendo com que as difamaccedilotildees consequentes da falsa religiatildeo manifestassem

que a Igreja era (e estava) Santa mesmo que sob o ataque e a tentativa de manipulaccedilatildeo dos

seres demoniacuteacos326

Sem entrarmos diretamente no meacuterito teoloacutegico destas afirmaccedilotildees mas buscando nos

direcionarmos para aquilo que nos cabe como exame pretendido neste trabalho ressaltamos

que o comportamento daqueles que buscavam defender a feacute cristatilde nos parece visar de forma

clara o estabelecimento de um padratildeo entre causa e efeito em suas anaacutelises O efeito do

procedimento daqueles que assumiram esta postura hereacutetica em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde eacute assim

definido por Euseacutebio ldquoMas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedilardquo327 Aqui encontramos um destaque consideraacutevel para esta pesquisa pois

podemos sustentar que Euseacutebio baseia sua argumentaccedilatildeo de maneira evidente na

intelectualidade de Justino Logo devemos novamente afirmar de maneira expressiva que tanto

para Justino quanto para Euseacutebio havia uma definiccedilatildeo consistente do que seria a Verdade como

324 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 3-4

325 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4

326 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

327 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4 grifo nosso

78

tambeacutem onde ela necessariamente estava eou se encontrava Aqui tambeacutem se caracterizava

um processo de objeccedilatildeo a Verdade sendo os registros historiograacutefico um peso consideraacutevel na

comprovaccedilatildeo deste caso

233 Um Princiacutepio de Pureza

Seguindo no tratado de Justino jaacute nos dirigindo ao segundo cenaacuterio de nossa anaacutelise

para este item apresentamos mais um relato de alccedilada histoacuterica que eacute proposto por nosso autor

Como nos temas anteriores este tambeacutem envolve primordialmente questotildees de foro social

poreacutem agora apontando precisamente para outras realidades do ambiente sociorreligioso que

envolvia a realidade de Justino Sendo assim a partir deste ponto iremos considerar o capiacutetulo

XXVII da I Apologia onde encontramos uma postura determinante por parte do Apologista

quanto a questotildees de ordem para com agrave conduta sexual humana Neste caso especiacutefico podemos

ateacute mesmo falar de um padratildeo de comportamento a ser adotado em detrimento de outro328

Tambeacutem devemos afirmar sem constrangimento que para Justino fazer figurar esta

exposiccedilatildeo era algo vaacutelido e ateacute mesmo fundamental para suas intenccedilotildees apologeacuteticas pois tudo

nos indica que ele natildeo apenas queria sinalizar uma conduta mas tambeacutem solidificaacute-la por meio

de um ordenamento ldquoA pureza da vida cristatilderdquo329 Entendemos que para uma melhor

compreensatildeo dessa questatildeo em especiacutefico se faz necessaacuterio uma leitura completa do registro

apologeacutetico de Justino quanto ao assunto Deste modo segue na integra o capiacutetulo XXVII da I

Apologia

Noacutes por outro lado a fim de natildeo cometer pecado ou impiedade professamos a

doutrina de que expor os receacutem-nascidos eacute obra de perversos Primeiro porque vemos

que quase todos vatildeo acabar na dissoluccedilatildeo natildeo soacute as meninas mas tambeacutem os

meninos Do mesmo modo como se conta que os antigos mantinham rebanhos de bois

cabras ovelhas ou cavalos de pasto assim se reuacutenem agora rebanhos de crianccedilas com

a uacutenica finalidade de usar torpemente delas e toda uma multidatildeo tanto de mulheres

como de androacuteginos e pervertidos estaacute preparada em cada proviacutencia para semelhante

abominaccedilatildeo Para isso recolheis taxas contribuiccedilotildees e tributos ao passo que o vosso

dever seria o de arrancaacute-las pela raiz do vosso impeacuterio Quando se abusa de tais seres

aleacutem de tratar de uma uniatildeo proacutepria de pessoas sem Deus iacutempia e torpe natildeo faltaraacute

quem se una conforme a circunstacircncia com um filho um parente ou um irmatildeo Haacute

tambeacutem aqueles que prostituem seus proacuteprios filhos e mulheres outros mutilam-se

publicamente para a torpeza e referem esses misteacuterios agrave matildee dos deuses Finalmente

em todos aqueles que considerais como deuses a serpente se pinta como siacutembolo e

grande misteacuterio E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o

atribuiacutes a noacutes como se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia

328 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

329 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

79

como estamos livres por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam

nenhum dano ao contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda

levantam falso testemunho contra noacutes330

O conteuacutedo exposto no capiacutetulo XXVII nos retrata uma condiccedilatildeo muito conflituosa

para os cristatildeos Graccedilas agrave sua praxis fidei eles chegaram a ser considerados ldquoinimigos do estado

e ateusrdquo331 A Igreja em sua fase primitiva teve em seu ldquoexerciacutecio de feacuterdquo a acusaccedilatildeo de se

envolver amplamente com a imoralidade de seu meio cultural332 No entanto a situaccedilatildeo que

Justino enfrentava em seus dias natildeo era mais proveniente de uma solene admoestaccedilatildeo

Apostoacutelica Pelo contraacuterio agora os cristatildeos passaram a ser vitimados por efeitos de um estado

opressor No passado estes pecados haviam afligido a Igreja de Cristo a ponto de suas praacuteticas

lituacutergicas serem ldquoconfundidasrdquo com as muitas facetas do rito religioso natildeo-cristatildeo vigente em

sua eacutepoca algo que Justino se interpocircs de forma vertiginosa Sem termos a intenccedilatildeo de produzir

necessariamente um apanhado histoacuterico-cultural (entenda-se de se comentar detalhadamente o

capiacutetulo citado) procuraremos a partir deste ponto estabelecer agrave saliecircncia que entendemos

haver entre as praacuteticas descritas no capiacutetulo XXVII pois a descriccedilatildeo elementar de Justino nos

leva a uma singular oposiccedilatildeo de valores e preceitos considerados por ele como fundamentais

A cultura greco-romana alicerccedilada e solidificada nas entranhas do Impeacuterio nos

demonstra uma coletividade de fatos os quais eram considerados inoacutespitos ao ldquoideaacuteriordquo cristatildeo

que se encontrava estruturado no rigor das comunidades do Seacuteculo II333 Obviamente alguns

desvios de conduta por parte dos fieacuteis ocorriam em meio agraves ldquoassembleiasrdquo cristatildes ateacute mesmo

com certa normalidade especialmente nos grandes centros urbanos334 Entretanto a proteccedilatildeo

da disciplina eclesiaacutestica ndash principalmente mediante a accedilatildeo Episcopal e dos rigores penitenciais

ndash conseguia estabelecer um ldquocontrolerdquo por meio da manutenccedilatildeo da autecircntica doutrina de

Cristo335

Neste cenaacuterio as diversas praacuteticas religiosas pagatildes atreladas ao sistema social de entatildeo

ndash as quais envolviam de maneira ampla e robusta a vida cotidiana dos suacuteditos de Roma em

330 JUSTINO I Apologia XXVII 1-5

331 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

332 Ver 1 Coriacutentios 5

333 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

334 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

335 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

80

suas mais variadas atuaccedilotildees familiar civil militar etc336 ndash apontavam de forma depreciativa

para o puacuteblico cristatildeo O cristianismo nesse momento cada vez mais inserido na realidade

social do Impeacuterio trazia o ldquofermento de um ideal superiorrdquo337 elaborado tanto no niacutevel

intelectual de seus praticantes quanto tambeacutem no de seus defraudadores Isso fazia com que a

feacute cristatilde acabasse por se distinguir de forma evidente dos diversos haacutebitos e costumes

considerados ordinaacuterios do sistema religioso natildeo-cristatildeo que estava sendo analisado e

apologeticamente combatido por Justino

Os cristatildeos eram acusados falsamente de cometerem torpezas sexuais em seus

encontros cultuais sendo que os cristatildeos nem de perto praticavam fornicaccedilatildeo adulteacuterio

mutilaccedilatildeo entre outros atos repugnantes338 que eram comuns na ldquoliturgiardquo cuacuteltica pagatilde Neste

cenaacuterio para Justino a pior consequecircncia ainda era a de que o Impeacuterio tolerava tais atos sem

nenhuma forma ativa de puniccedilatildeo a estes pois caso um respectivo modo de culto viesse a trazer

benefiacutecios poliacuteticos ao Impeacuterio o mesmo era tolerado sem se levar em conta sua origem ou

meacutetodos de celebraccedilatildeo por mais esdruacutexulos que fossem 339

Seguindo ainda nesta temaacutetica a I Apologia nos permite afirmar que a celeuma de

origem pagatilde que procurava acusar os cristatildeos de realizarem orgias canibalismo pedofilia e

diversos outros atos de torpeza em suas celebraccedilotildees natildeo passava de um plano difamatoacuterio que

infelizmente conseguiu se estabelecer em meio a uma realidade sociorreligiosa com

caracteriacutesticas muito preconceituosas pois mesmo sendo sincretista em sua essecircncia340 tal

sociedade natildeo soube ou natildeo quis reconhecer esse tipo de crenccedila religiosa341 Poreacutem cabe-nos

336 CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

337 LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V II Dalla fine

dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) 1972 p 619 No original fermento drsquoun ideale superiore

338 Ver DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio

Magno Petroacutepolis Vozes 1966 p 105-109

339 Algumas formas rituais de culto eram tatildeo bizarras que solapam mais do que qualquer outra coisa o estereoacutetipo

moderno dos romanos como convencionais e serenos Exemplo disso na festa da Lupercaacutelia em fevereiro homens

jovens corriam nus pela cidade accediloitando qualquer mulher que encontrassem pela frente (trata-se da mesma festa

recriada na cena de abertura da peccedila Juacutelio Ceacutesar de Shakespeare) Ver BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma

Antiga 2017 p 104

340 AYMARD AUBOYER Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da Unidade Romana (Fim) A Aacutesia

Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II 1994 p 64-65 CORNELL Tim MATTHEWS John

Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio 2008 p 97

341 Neste aspecto em particular o meio teoloacutegico diverge de posiccedilatildeo possivelmente devido a inclinaccedilatildeo do

pesquisador em ponderar aspectos filosoacuteficos eou ideoloacutegicos tanto do passado quanto do presente para a eacutepoca

(Seacuteculo II) em anaacutelise Por exemplo Meeks entende que as caracteriacutesticas da moralidade estabelecida entre os

cristatildeos jaacute possuiacuteam forte ascendecircncia em meio a setores da sociedade Romana em contraposiccedilatildeo Daniel-Rops

atesta que a moralidade de origem cristatilde constituiacuteda atraveacutes dos Seacuteculos I ao IV natildeo encontra antecedentes agrave altura

que possam ser considerados como paralelos realmente orientativos haacute esta Ver MEEKS As Origens da

Moralidade Cristatilde 1997 p 9-24 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240-242

81

ressaltar que Justino em seus tratados apologeacuteticos procurou incansavelmente defender seu

grupo como ldquoseres transformadosrdquo que abandonaram as praacuteticas repugnantes e agora satildeo

portadores (possuidores) de uma alta qualificaccedilatildeo moral Quanto a esse aspecto Walde afirma

Justino tambeacutem deu ecircnfase agrave casta conduta dos cristatildeos em resposta a acusaccedilotildees de

conduta imoral durante o culto Para mostrar como isso natildeo era verdade ele contou a

histoacuteria de um homem que foi perguntado por um cirurgiatildeo que o queria fazecirc-lo de

eunuco para provar que os cristatildeos natildeo praticam promiscuidade O pedido foi negado

porque o homem escolheu ficar solteiro e seguir seus companheiros cristatildeos342

Apoacutes utilizarmos desse exemplo de teor absolutamente imperativo ndash por sua estrutura

excecircntrica ateacute mesmo junto a um nicho de caraacuteter sociorreligioso considerado peculiar em

suas caracteriacutesticas Entendemos que ainda se faz necessaacuterio apresentar junto a essa discussatildeo

uma abordagem que compreenda a realidade que procuramos descrever Encontramos esse

complemento junto ao trabalho de Walde Este por meio de uma entrada que nos indica agrave leitura

de alguns fatos apresenta-nos uma das teacutecnicas utilizadas por Justino em sua construccedilatildeo

literaacuteria Walde reconhece que o Apologista ao mencionar a situaccedilatildeo religiosa de seu cotidiano

aborda de forma contundente o desgaste entre os praticantes da nova feacute (cristatildeos) e os

adoradores do ldquopanteatildeordquo (natildeo-cristatildeos) Os exemplos descritos por Walde satildeo similares aos

usados por Justino e esta similaridade nos leva novamente a concentrarmos nosso foco agrave uma

accedilatildeo comparativa de estados opostos entre si ou seja dialeacuteticos Sendo assim torna-se notoacuterio

desde o iniacutecio do trabalho de Walde a aplicaccedilatildeo de uma metodologia comparativa e a

diferenciaccedilatildeo de casos tornando-se uma espeacutecie de ldquoconclusatildeordquo definitiva para esse processo

Uma das taacuteticas apologeacuteticas de Justino era contrastar o que os cristatildeos eram

falsamente acusados e castigados com que os romanos faziam com impunidade Por

exemplo os cristatildeos eram acusados de matar crianccedilas em seus cultos e comecirc-las

depois Justino lembrava que os adoradores de Saturno se entregavam a matar e beber

sangue e outros pagatildeos que jogavam sangue de homens e animais em seus iacutedolos Os

cristatildeos eram acusados de imoralidade sexual mas eram seus criacuteticos Justino dizia

quem imitavam ldquoJuacutepiter e os outros deuses na sodomia e relaccedilotildees pecadoras com

mulheres343

342 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

343 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

82

Ao analisarmos o texto de Walde percebemos que este utiliza-se do verbo ldquocontrastarrdquo

em sentido intransitivo para salientar com bastante preponderacircncia uma forma calculada de

oposiccedilatildeo e apresentar uma literal contrariedade de estados em essecircncia Logo conseguimos

notar a diferenccedila entre estes Eacute impressionante aos nossos olhos a relaccedilatildeo que Walde estabelece

em seu trabalho sobre o termo Verdade (mesmo que indiretamente) sendo este vocaacutebulo

utilizado como habilitador de uma caracteriacutestica de cunho existencial que passa a ser

manifestada pelos cristatildeos Novamente citamos este teoacutelogo em nossa busca de clarificar ainda

mais essa base indicativa que para noacutes eacute entendida como uma evidecircncia concreta nesta

construccedilatildeo conceitual Walde diz ldquoEm primeiro lugar disse Justino os cristatildeos demonstravam

sua honestidade por natildeo mentir quando em julgamento Por serem pessoas da verdade eles

confessariam sua feacute ateacute a morte Eles amavam a verdade mais que a vidardquo344

Portanto Walde tem razatildeo em afirmar que a atitude ldquode viver segundo a verdade era

um exemplo de mudanccedila provocado nas vidas das pessoas seguindo sua conversatildeordquo345 Desta

forma compreendemos por meio de uma avaliaccedilatildeo baseada em medidas factiacuteveis que haacute

possibilidade de se ser cristatildeo na concepccedilatildeo de Justino ndash como tambeacutem na de Tertuliano

Euseacutebio Walde e outros ndash passava por um proceder de vida que designava com eloquecircncia

atributos de diferenciaccedilatildeo no contexto social ativo da cultura a qual esta pessoa estava inserida

Esta separaccedilatildeo de maneira simples e evidente se condicionava no testemunho de vida dos fieacuteis

na esfera puacuteblica Cabe-nos ainda neste contexto colocarmos a frase de Falls citada por Walde

este diz ldquoesta mudanccedila chegou a ser conhecida como lsquoa triunfal canccedilatildeo dos apologistasrsquordquo346

Encerramos aqui nosso desenvolvimento deste ponto distintivo referente agravequilo que

poderiacuteamos denominar de ldquodialeacutetica de Justinordquo Para isso utilizamos de um texto da I

Apologia no qual Justino enfatiza esta mudanccedila essencial entre as vidas humanas que

caracterizamos como cristatildeos e natildeo-cristatildeos Em seguida classificamos agrave realidade cristatilde

como algo superior atraveacutes do meacutetodo de comparaccedilatildeo que tanto utilizamos nesta seccedilatildeo

confrontando os opostos em uma relaccedilatildeo que atesta suas diferenccedilas as quais satildeo consideradas

por Justino como irreconciliaacuteveis

Antes noacutes nos compraziacuteamos na dissoluccedilatildeo agora abraccedilamos apenas a temperanccedila

antes nos entregaacutevamos agraves artes maacutegicas agora nos consagramos ao Deus bom e

ingecircnito antes amaacutevamos acima de tudo o dinheiro e as rendas de nossos bens

344 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

345 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

346 FALLS The Fathers of the Church 1948 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

83

agora colocamos em comum o que possuiacutemos e disso damos uma parte para todo

aquele que estaacute necessitado antes noacutes nos odiaacutevamos e nos mataacutevamos mutuamente

e natildeo compartilhaacutevamos o lar com aqueles que natildeo pertenciam agrave nossa raccedila pela

diferenccedila de costumes agora depois da apariccedilatildeo de Cristo vivemos todos juntos

rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem

injustamente a fim de que vivendo conforme os belos conselhos de Cristo tenham

boas esperanccedilas de alcanccedilar conosco os mesmos bens que esperamos de Deus

soberano de todas as coisas347

O objetivo deste capiacutetulo foi apresentar de modo sinteacutetico o conceito acerca dos

cristatildeos no periacuteodo do Seacuteculo II dC Tambeacutem arguimos com clareza sobre a tentativa de

clarificarmos a situaccedilatildeo daqueles que natildeo eram pertencentes a este grupo os quais procuramos

mediante a aplicaccedilatildeo de uma distinccedilatildeo elementar defini-los com o termo de natildeo-cristatildeos

poreacutem acima de tudo buscamos apresentar por meio de sinais constitutivos e fatos

historiograacuteficos348 quais eram os predicativos que formulavam esta definiccedilatildeo ou melhor

dizendo quais eram os qualificadores que definiam aqueles que eram seguidores da Verdade

na concepccedilatildeo de Justino e outros349

No proacuteximo capiacutetulo buscaremos vislumbrar o filoacutesofo Justino Apresentaremos um

conciso relato de sua histoacuteria na filosofia procurando abordar de maneira satisfatoacuteria quais

foram suas principais influecircncias dentro desse segmento Trabalharemos de forma especial na

tentativa de apontar qual foi a sua definiccedilatildeo sobre o uso da razatildeo para os planos salviacuteficos de

Deus para a humanidade sendo este em nosso entendimento mais um dos fatores determinantes

para a complementaridade de nosso exame sobre a definiccedilatildeo da Verdade junto a I Apologia de

Justino o Maacutertir

347 JUSTINO I Apologia XIV 2-3

348 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966

349 Danieacutelou e Marrou definem agrave Euseacutebio e Lactacircncio como apologistas de Constantino dando a entender que

uma poliacutetica de reeducaccedilatildeo na esfera sociorreligiosa do Impeacuterio Romano se desenvolveu mediante uma nova

abordagem dos fatos do passado no caso em especifico (I Apologia de Justino e seu cenaacuterio social) os imperadores

do passado deixaram de ser ldquoendeusadosrdquo passando a serem reconhecidos como tiranos e deacutespotas aos quais o

processo de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos tornou-se em um de seus principais atos de ignomiacutenia Ver DANIEacuteLOU

MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p 106

84

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra350

Partindo do capiacutetulo XXVIII da obra base de Justino para este trabalho eacute que

desenvolvemos o capiacutetulo III desta pesquisa no qual apresentamos um cenaacuterio diferenciado

sobre a figura humana de nosso autor O cristatildeo Justino o qual podemos registrar de forma

variaacutevel mediante seu ldquomeacutetierrdquo amplo estaacute classificado entre os Pais Apologistas elencado

como um seleto articulador da importante cidade de Roma catalogado como um dos mais

significativos maacutertires do Seacuteculo II mas tambeacutem estaacute sem nenhuma sombra para duacutevidas

definido nos compecircndios histoacutericos como um expressivo filoacutesofo do meio cristatildeo

Este aspecto pontual referente a intelectualidade de Justino por jaacute ter sido

consideravelmente explorado natildeo eacute mais uma novidade no meio acadecircmico351 no entanto esta

questatildeo ainda pode ser desenvolvida e ateacute mesmo arquitetada para fins que visam estabelecer

pontos de conexatildeo entre temas diversos os quais incluem o tema e agrave objetividade central

propostos para esta pesquisa

Podemos constatar por meio da anaacutelise do desenvolvimento da expressatildeo intelectual

de um filoacutesofo ou de uma escolalinha filosoacutefica uma ampla polissemia locucional e ateacute mesmo

perceber casos opostos quando ocorrem no estabelecimento de algumas propriedades termos

diferentes que evoluiacuteram para uma mesma fonologia construindo desta maneira tambeacutem casos

de homoniacutemia dentro da manifestaccedilatildeo filosoacutefica352 Deste modo torna-se possiacutevel ndash e ateacute

mesmo necessaacuterio ndash direcionar o caraacuteter conceitual contido em algumas expressotildees filosoacuteficas

quando estas satildeo analisadas visando estabelecer uma direccedilatildeo que busque esclarecer

determinado contexto ou cenaacuterio Assim por este meio podemos salientar que assaz entre noacutes

350 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4a grifo nosso

351 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27-32

352 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

85

fortes indiacutecios que Justino desenvolveu uma postura robustamente teoloacutegica mediante ter

formado sua tese atraveacutes da ldquodiversidade filosoacuteficardquo da qual era apreciador353

No caso de nosso trabalho em especiacutefico notamos a necessidade da integraccedilatildeo de

indicadores que nos orientem agrave amplitude da filosofia de Justino em nossa busca da definiccedilatildeo

da que era agrave Verdade para este Apologista Esta amplitude natildeo visa se desviar de modelos

tradicionais nem propriamente somar a eles mas antes disso entendemos ser necessaacuterio

rejeitar a ideia de que trabalhamos com um conceito formado precariamente sem um

fundamento soacutelido o qual poderiacuteamos considerar como um mero estereoacutetipo sem originalidade

Ao contraacuterio este modelo encontrado em Justino natildeo se baseia em preconceitos mas sim num

corpo intelectual de ldquotalento respeitaacutevel ampla leitura e memoacuteria enormerdquo354 algo que eacute notoacuterio

na literatura de Justino e exposto ateacute entatildeo com uma consideraacutevel parcela de originalidade355

Neste exposto algumas interrogaccedilotildees nos surgem especialmente quando tentamos

descrever (definir) o filoacutesofo Justino e sua contribuiccedilatildeo Aqui esboccedilamos alguns destes

questionamentos Quem era Justino o filoacutesofo Quais foram as principais influecircncias que

Justino recebeu na filosofia Qual resultado se percebe na teologia do autor devido a esta

influecircncia Por fim existe um condicionante (entenda-se uma caracteriacutestica inata) no ser

humano que explique tal interesse de Justino em expressar seu conceito

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII

O capiacutetulo XXVIII da I Apologia eacute de grande importacircncia para esta pesquisa

inaugurando por assim dizer um significativo espaccedilo de reflexatildeo na busca de alcanccedilarmos o

desfecho que almejamos Num breve conjunto de argumentos os quais se concentram sobre

um rigor metodologicamente dedutivo o capiacutetulo XXVIII nos eacute apresentado pelo Apologista

de modo perspiacutecuo onde a clareza de suas proposiccedilotildees salientam seus objetivos os quais

formulam-se mediante as propriedades de caraacuteter racionalista que ele apresenta Aqui notamos

uma aguccedilada aplicaccedilatildeo por parte do autor agravequilo que podemos chamar de uma postura

construtiva para com a estrutura inteligiacutevel do ser criado agrave imagem e semelhanccedila de Deus

353 WALDE 2000

354 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

355 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

86

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Frangiotti podemos afirmar baseados nesse espaccedilo (cap XXVIII)

que Justino entendia que ldquoO homem eacute racional e livrerdquo356

Neste capiacutetulo (XXVIII) Justino desenvolve uma condensada e pragmaacutetica

abordagem envolvendo os quatro versiacuteculos que o compotildee Diante disso em momento algum

nossa argumentaccedilatildeo visa exaurir as diversas possibilidades contextuais ndash seja num campo

hermeneuticamente literal anaacutelogo ou metafoacuterico ndash do trabalho do Apologista mas apenas

organizaacute-lo de maneira ativa por meio de sua divisatildeo (versos) a um quadrante que possibilite

o interesse deste exame o qual se constroacutei na tentativa de aproximarmos as interpretaccedilotildees da

definiccedilatildeo de Verdade que detectamos em Justino de nosso interesse teoloacutegico

Neste item em especiacutefico (31) que visa uma abordagem introdutoacuteria desenvolvemos

em especial uma aproximaccedilatildeo entre os dois primeiros versiacuteculos do capiacutetulo onde priorizamos

apresentar sua estruturaccedilatildeo visando desta forma o aperfeiccediloamento destes pontos para

estabelecermos uma sentenccedila axiomaacutetica a qual eacute esboccedilada pelo autor no terceiro versiacuteculo do

relato Quanto ao primeiro versiacuteculo

Entre noacutes o priacutencipe dos maus democircnios se chama serpente satanaacutes diabo ou

caluniador como podeis ver caso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escrituras Ele e todo o seu exeacutercito juntamente com os homens que o seguem seraacute

enviado ao fogo para ser castigado pela eternidade sem fim coisa que foi de antematildeo

anunciada por Cristo357

A primeira impressatildeo para um leitor moderno dessa descriccedilatildeo eacute de surpresa ou ateacute

mesmo de espanto poreacutem o verso devidamente encaixado no relato que o antecede o explica

e ateacute mesmo o suaviza As palavras de Justino satildeo absolutamente biacuteblicas e estatildeo enquadradas

em um absoluto arcabouccedilo escrituriacutestico Honestamente devemos salientar que nada lhe falta

como meacutetodo para que possamos empregar o tiacutetulo de ldquoortodoxordquo em seu embasamento

teoloacutegico358 Pois seus termos empregados tais como o ldquopriacutenciperdquo359 a chamada ldquoserpenterdquo360

aleacutem das demais terminologias como ldquosatanaacutesrdquo361 ldquodiabordquo eou ldquocaluniadorrdquo362 apresentam-se

356 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

357 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

358 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

359 Ver Joatildeo 1231 1430

360 Ver Gecircnesis 31 2 Coriacutentios 113 Apocalipse 129

361 Ver Mateus 410 Atos dos Apoacutestolos 2618

362 Ver Mateus 411 Atos dos Apoacutestolos 1310

87

neste cenaacuterio apologeacutetico como evidecircncias elementares extraiacutedas da Escritura Sagrada e

aplicadas em uma construccedilatildeo dialeacutetica sendo estas ainda vinculadas por Justino como uma

sentenccedila arbitral agravequeles que estatildeo sendo expostos e julgados pelo Apologista ndash caracteriacutestica

literaacuteria que notamos ser amplamente utilizada por Justino na afirmaccedilatildeo de suas convicccedilotildees363

Aqui fomenta-se uma configuraccedilatildeo de ordem proacutepria a qual apresenta Justino como

um filoacutesofo que pode ser definido como pertencente a um grupo que adota uma postura mais

claacutessica de linha platocircnica ndash algo que seraacute mais bem desenvolvido a seguir ndash onde atributos

que caracterizem causa e efeito que partindo de um suposto ldquomundo sensiacutevelrdquo364 passam a

somar caracteriacutesticas evidentes em sua construccedilatildeo textual sendo o teacutermino do capiacutetulo XXVII

uma expliacutecita manifestaccedilatildeo de fatos que atestam essa correlaccedilatildeo tatildeo dura mas tambeacutem

necessaacuteria no processo de evidenciaccedilatildeo proposto por Justino

Mas eacute preponderante para natildeo se dizer essencial que a loacutegica do Apologista se baseia

em artifiacutecios nucleares pois quem diz ldquocaso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escriturasrdquo365 carrega consigo uma tonalidade de patentes e natildeo de meras suposiccedilotildees porque

a Verdade como elemento distinguiacutevel e diferencial eacute criteacuterio identificaacutevel na leitura de Justino

junto agravequilo que o mesmo salienta como sua (no caso do texto ldquonossardquo) ldquoEscriturardquo366 ou seja

sua preeminecircncia espiritual o que na descriccedilatildeo do Apologista deve ser entendida como uma

real vantagem distintiva sendo uma latente superioridade existencial para os homens que a

possuem Este ponto de prevalecircncia seraacute melhor abordado no uacuteltimo capiacutetulo desta pesquisa

Uma importante observaccedilatildeo ainda nos cabe fazer na parte final do primeiro verso

Antes mesmo de ocorrer os eventos conciliares de Niceacuteia eou Constantinopla a ecumenicidade

do Credo parece jaacute se caracterizar em uma forma de universalidade e um confessar da missatildeo

apostoacutelica jaacute anteriormente registrada no compecircndio biacuteblico se faz reverberar no ideaacuterio de

Justino Iniciamos nossa leitura do testemunho Apostoacutelico junto agrave estrutura biacuteblica O apoacutestolo

Judas escreveu ldquoele tem guardado sob trevas em algemas eternas para o juiacutezo do grande Dia

[] satildeo postas para exemplo do fogo eterno sofrendo puniccedilatildeordquo (Judas 6b7b) Nesta passagem

encontramos bases que se conformam ao relato de Justino que enfatiza que o proacuteprio Cristo as

havia anunciado367 Prosseguindo vemos que o Credo redigido anos depois iraacute afirmar o mesmo

363 DROBNER Manual de Patrologia 2008

364 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 84

365 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

366 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

367 Ver Joatildeo 1248

88

quando diz ldquoe viraacute novamente em gloacuteria a julgar os vivos e os mortosrdquo368 Natildeo nos resta duacutevidas

que a missatildeo apostoacutelica gerou a doutrina e consolidou o Credo369 mas passagens de ordem

Patriacutestica como esta salientam que o mesmo (Credo) tambeacutem balizou sua eficiecircncia atraveacutes da

ecircnfase da atuaccedilatildeo de homens que pela feacute natildeo sucumbiram agraves dificuldades370 pelo contraacuterio

salientaram com seu testemunho que estas propriedades de ordem atemporal miacutestica e

existencial foram e ainda eram a proacutepria forma da Verdade em meio aos homens

Quanto ao segundo verso eacute necessaacuterio algumas observaccedilotildees iniciais especialmente

em relaccedilatildeo ao ldquoteorrdquo teoloacutegico que Justino desenvolve nesta pequena porccedilatildeo a qual apresenta

dificuldades interpretativas consideraacuteveis junto ao acircmbito dogmaacutetico ndash independentemente da

estrutura confessional que a examine ndash sugerindo-nos desta forma apresentarmos uma sucinta

argumentaccedilatildeo antes de abordaacute-lo Entendemos que esse procedimento se faz necessaacuterio para

que natildeo aja em nossa construccedilatildeo conceitual-programaacutetica (caps XXIII-XXX) um ponto natildeo

devidamente abordado

Variados debates podem surgir a partir da ecircnfase destacada por Justino (verso 2 do

cap XXVIII) porque afirmaccedilotildees desta espeacutecie fomentam diversos tipos de interesses de ordem

miacutestica no caso em questatildeo (texto de Justino) podem inclusive alavancar questotildees

soterioloacutegicas por exemplo Algumas anaacutelises ldquomodernasrdquo371 se esforccedilam atualmente em

descrever a figura de Justino como ocupante empregador defensor ou ateacute mesmo praticante

de uma ou outra escola teoloacutegica do cenaacuterio cristatildeo atual Entretanto optamos por natildeo abranger

este e outros contextos nesta pesquisa por entendermos que estes assuntos e temas natildeo se

envolvem diretamente com o ponto central de nosso trabalho Aleacutem de reconhecermos outra

dificuldade que nos parece ser muito significativa neste tipo de situaccedilatildeo a de se incorrer no

grave risco de se cometer um anacronismo textual histoacuterico e teoloacutegico372 e desta forma

sugerir um teoacuterico dilema teoloacutegico que para Justino e seus contemporacircneos possivelmente

natildeo era nem sequer um problema doutrinal

Passando agora efetivamente ao texto este diz ldquoNa verdade a paciecircncia que Deus

mostra em natildeo fazecirc-lo imediatamente tem como causa o seu amor pelo gecircnero humano pois

ele prevecirc que alguns se salvaratildeo pela penitecircncia entre os quais alguns que talvez ainda natildeo

368 CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO 7ordm Artigo

369 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

370 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

371 Ver SANTOS Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano 2014 Disponivel em

httpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminiano

372 VIRKLER Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica 2001

89

tenham nascidordquo373 Iniciamos esta parte de um ponto elementar da teologia de Justino374 ao

qual abordaremos mais detalhadamente a frente contudo compreendemos que sua aplicaccedilatildeo

neste item natildeo eacute apenas orientativa mas tambeacutem qualitativa para o restante da argumentaccedilatildeo

Um fato muito criativo do pensamento filosoacutefico de Justino se apresenta quando o

Apologista passa a enfatizar a existecircncia do Logos como o Cristo revelado Isto para Justino eacute

uma asserccedilatildeo de valores pontuais em uma escala ascendente que com facilidade se encontram

e se envolvem em sistemas transcendentais Wachholz elucida a abrangecircncia do termo Logos

dizendo o seguinte

O termo Logos (grego) quer dizer ldquopalavrardquo e tambeacutem ldquorazatildeordquo Segundo os gregos

nossa mente consegue compreender por que participa de alguma maneira do Logos

ou razatildeo universal Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse

Logos que se fez carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento375

Torna-se necessaacuterio entendermos a notoriedade que Justino aplica agrave onipotecircncia

onisciecircncia e preexistecircncia de Cristo em sua atuaccedilatildeo salviacutefica a partir deste ponto questotildees

(atributos divinos) as quais devemos considerar como absolutamente factiacuteveis no entendimento

do Apologista pois satildeo atributos da Escritura Sagrada ou seja satildeo consideradas evidecircncias

inquestionaacuteveis da vontade Divina (ativa e passiva) na leitura de Justino Poreacutem o ponto de

repouso deste exame se concentra na primeira parte do texto onde novamente Justino enfatiza

sua clarificaccedilatildeo de um estado de conformidade entre ideias e objetos (Verdade)

Mesmo o pensamento de Justino estando alavancado a uma espeacutecie de meacuterito para a

salvaccedilatildeo eacute evidente que sua afirmaccedilatildeo a soberania de Deus ndash a quem adjetiva como

ldquopacienciosordquo ndash caracteriza que esta benesse estaacute intimamente unida ao contexto temaacutetico que

podemos definir como amor de Deus O relato Apostoacutelico a Igreja em Corinto jaacute registrava a

seguinte afirmaccedilatildeo ldquoPorque todas as coisas existem por amor de voacutesrdquo (2 Coriacutentios 415a)

Carver diraacute sobre essa passagem que ldquoA expressatildeo tudo isso eacute por amor de voacutes explica o

acreacutescimo de convosco no versiacuteculo anterior O sofrimento de Paulo eacute um chamado ou uma

daacutediva que ele compartilha com toda a igrejardquo376 Da mesma forma notamos que Justino sofria

373 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

374 DROBNER Manual de Patrologia 2008

375 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 60

376 CARVER In A Segunda Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 427

90

por este grupo chamado a viver a Verdade o qual neste quadro eacute pintado como a resistecircncia

que manifesta esse amor imerecido e incondicional

Na descriccedilatildeo o Apologista nos parece transparecer com certa naturalidade seu intuito

em tentar provar algo como tambeacutem busca possivelmente sanar um erro (o do porquecirc este

juiacutezo de Deus ainda natildeo se manifestou) No entanto esse cenaacuterio eacute aplicado como uma forma

de ldquotranscriccedilotildeesrdquo que satildeo provenientes das afirmaccedilotildees e revelaccedilotildees inquestionaacuteveis para a

percepccedilatildeo de Justino por estarem devidamente relacionadas aos misteacuterios do Evangelho ao

qual ele servia Inclusive Justino claramente submetia sua razatildeo aos enigmas que a feacute em Cristo

natildeo lhe elucidava satisfatoriamente mas tambeacutem natildeo abalava sua convicccedilatildeo nesta feacute que ldquonatildeo

soacute eacute boa e santa em si mesma mas acima de tudo eacute a uacutenica religiatildeo verdadeirardquo377 Por fim

apontamos neste contexto (verso 2) aquilo que com clareza descreve esta certeza teoloacutegica

ancorada no Apologista que de forma contumaz declara que ldquoNa verdaderdquo378 algo se revelava

e condensava-se nos coraccedilotildees daqueles que o recebiam

Apoacutes descrevermos de maneira introdutoacuteria parte de nossa periacutecope base passamos a

uma abordagem sinteacutetica de uma faceta importantiacutessima de nosso autor para a construccedilatildeo do

restante desta pesquisa Comeccedilamos de imediato a elaborar uma descriccedilatildeo do filoacutesofo Justino

apresentando um resumo de sua jornada no mundo da ldquosabedoriardquo helecircnica descrevendo quais

foram suas principais influecircncias neste meio e quais desiacutegnios esta ascendecircncia deixou em sua

teologia

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO

Os acontecimentos relacionados agrave vida de Justino nos direcionam ndash podemos ateacute

mesmo dizer que incontestavelmente nos norteiam ndash para um mesmo ponto de convergecircncia

independentemente da aacuterea ou fase que procuremos abordar sobre esta Desde cedo ateacute o fim

de sua jornada ministerial Justino nos apresentaraacute influecircncias significativas do meio intelectual

ao qual havia pertencido desde sua juventude e ao qual nunca abandonou pelo contraacuterio fez

deste seguimento o ponto principal de irradiaccedilatildeo de sua teologia379 tornando-o necessariamente

uma peccedila-chave para agrave compreensatildeo de suas obras

Este ponto de equiliacutebrio na vida de Justino se daacute principalmente no fato de este ser

um filoacutesofo ao qual podemos catalogar como claacutessico em sua formaccedilatildeo (de origem helecircnica)

377 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 47

378 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

379 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

91

natildeo necessariamente por enquadrar-se ldquono modo de pensar e exprimir os pensamentos que

surgiu especificamente com os gregosrdquo380 mas especialmente na virtude apresentada por sua

filosofia que desde cedo natildeo se pautou por um caraacuteter meramente especulativo sem um fim

praacutetico em si mesma mas sim notabiliza-se pela ldquobusca da sabedoria e da verdaderdquo381 como

estados beneacuteficos disponiacuteveis para serem procurados conhecidos e vivenciados por todos os

homens

O primeiro historiador da Igreja nos comprova tal fato assinalando o claacutessico teor

filosoacutefico existente no Apologista os termos de Euseacutebio muito nos dizem a respeito do

ministeacuterio de Justino

Tambeacutem por este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava

ainda ocupado em exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Mas sobretudo foi nesta

eacutepoca que floresceu Justino Com estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de

Deus e lutava pela feacute com seus escritos382

A doutrina cristatilde encontrada em Justino ndash sua compreensatildeo ativa sobre o que era o

cristianismo como agrave religiatildeo salviacutefica do verdadeiro e uacutenico Deus aos homens ndash foi recebida

e necessariamente desenvolvida por ele atraveacutes de um filtro ou podemos ateacute mesmo dizer por

uma forma de catalisador Este ensino constituiacutea-se de diversas mateacuterias filosoacuteficas nas quais

a diversidade conceitual e estiliacutestica das muitas escolas sapienciais da eacutepoca foram agregadas

ao experimento (de caraacuteter circunspecto) do Apologista383 Notamos deste modo em muitos

aspectos em particular que Justino foi exercitado a uma postura pragmaacutetica de seu tempo a

qual necessariamente o contingenciou a algumas demandas de sua ordem puacuteblica provenientes

de seu status sociorreligioso Neste aspecto a abordagem de Wachholz nos atualiza e ilumina

sobre este cenaacuterio ele diz

A cultura claacutessica pagatilde incluiacutea obra e pensamento de Platatildeo Aristoacuteteles e dos estoicos

que eram muito admirados Rejeitar tais pensamentos era assumir posiccedilatildeo de

ignoracircncia Para os cristatildeos por outro lado aceitar toda esta carga de cultura poderia

tambeacutem significar concessatildeo ao paganismo e comeccedilo de uma nova idolatria Diante

380 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 21

381 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

382 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 11 8

383 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

92

desta alternativa somente havia dois caminhos possiacuteveis oposiccedilatildeo radical entre feacute

cristatilde e cultura pagatilde ou postura natildeo tatildeo negativa em relaccedilatildeo agrave cultura pagatilde384

A histoacuteria nos testifica que Justino de maneira evidente foi um baluarte em sua postura

de proclamador e representante da feacute cristatilde mais ainda portou-se de maneira excepcional

(como testificam seus procedimentos) no exerciacutecio de sua crenccedila fosse isso relacionado ao seu

foro iacutentimo (Igreja) ou no puacuteblico (social)

Desta forma eacute interessante e necessaacuterio reconhecer que Justino se apresentaraacute como

uma espeacutecie de precursor entre aqueles que eram oriundos da filosofia e que ldquohabitavamrdquo

especialmente em meio agrave cultura helecircnica385 contudo natildeo era o uacutenico Assim estes (filoacutesofos

convertidos ao cristianismo) passando agora a praticar os novos haacutebitos e costumes (modus

vivendi) recebidos do cristianismo natildeo abandonaram de forma absoluta suas praacuteticas cotidianas

do passado ndash ou poderiacuteamos tambeacutem chamaacute-las de ordinaacuterias ndash as quais eram vivenciadas

dentro de um sistema pedagoacutegico da filosofia por assim dizer Isso ocorreu simplesmente

porque tais accedilotildees natildeo requeriam tal censura devido a sua natildeo contrariedade com a Doctrina

Sanctorum que orientava os cristatildeos386 Obviamente tais disposiccedilotildees eram amplamente revistas

e reformuladas com um vieacutes cristatildeo embora mantendo uma estrutura didaacutetica proacutepria e ateacute

mesmo peculiar387 pois na praacutetica estes novos mestres cristatildeos agora ensinavam ldquoexatamente

como os filoacutesofos mas em conformidade com Cristordquo388

Vale-nos ressaltar ainda que essa postura de adaptaccedilatildeo dos convertidos do paganismo

para o cristianismo se desencadeou em muitos segmentos da realidade social do periacuteodo389

especialmente naqueles que se identificavam com as ciecircncias da eacutepoca Indiscutivelmente

nisto Justino se destacou pois seus ldquoconhecimentos filosoacuteficos eram muito profundosrdquo390

Neste ponto novamente recorremos a um registro de Wachholz que nos descreve com clareza

este processo de identificaccedilatildeo na figura de Justino

384 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 58

385 Alguns pesquisadores apresentam Aristides de Atenas como o primeiro filoacutesofo (Grego) propriamente

convertido ao cristianismo a escrever uma obra apologeacutetica Entretanto faltam evidecircncias mais robustas para

sustentar tal afirmaccedilatildeo Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p

50-51

386 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

387 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

388 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

389 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

390 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

93

Por outro lado houve tambeacutem aqueles que defenderam uma postura ldquoconciliatoacuteriardquo

entre feacute cristatilde e cultura pagatilde Justino (110-165) foi um destes representantes que natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas passou a dedicar-se em fazer ldquofilosofia cristatilderdquo abrindo

caminho para que o cristianismo pudesse reclamar tambeacutem para si a cultura claacutessica

apesar de ser cultura pagatilde391

Sendo o registro histoacuterico uma peccedila fundamental na elaboraccedilatildeo e construccedilatildeo

conceitual desta pesquisa entendemos ser emblemaacutetico trazer-se agrave tona alguns registros de

pesquisadores que atestam entre si acometimentos similares isso se daacute quando mencionam

pontos que caracterizam a figura de Justino como um distinto representante da Filosofia

mediante sua penetraccedilatildeo investigaccedilatildeo e conclusatildeo dos fatos algo que era ndash como se viu

anteriormente ndash relevante na busca de respostas junto ao meio sociorreligioso ao qual estava

inserido

Deste modo dando seguimento ao nosso intento de esclarecer historicamente um

pouco mais a respeito deste personagem cristatildeo oriundo da filosofia grega392 eacute que registramos

o seu desenvolvimento a parti das palavras de Walde ldquoJustino continuou usando a capa que o

identificava como filoacutesofo e ensinou estudantes em Eacutefeso e depois em Romardquo393 O relato ainda

se estende sobre a pesquisa de Walde poreacutem agora registrando o pensamento de Schaff este

diz ldquoEle havia adquirido cultura claacutessica e filosoacutefica consideraacutevel antes de sua conversatildeo e

entatildeo a fez ficar subordinada a defesa da feacuterdquo394 Ainda sobre esta esteira agregamos outras duas

elaboraccedilotildees A primeira estaacute no trabalho de Xavier que se baseia no pensamento de Fluck E

somado a ela encaixamos a siacutentese de Wachholz sobre Justino Ambos convencionam ideias

similares quando retratam o Apologista e por consequecircncia acabam por se moverem

metodologicamente na mesma direccedilatildeo

Em sua caminhada cristatilde ensinou estudantes em Eacutefeso e chegou a Roma em 150 dC

onde fundou uma escola filosoacutefica debatendo com natildeo-cristatildeos tanto pagatildeos quanto

judeus ou hereges em defesa do cristianismo Para Justino o cristianismo era a

391 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

392 Eacute importante que se diga que a Filosofia (a qual no acircmbito do conceito moderno eacute entendida como uma ciecircncia

da aacuterea de estudos Humanos) permaneceu completamente associada a consciecircncia de Justino durante todo o

periacuteodo de sua atuaccedilatildeo teoloacutegica Partindo-se do fato de que a vida de Justino se encerrou no martiacuterio podemos

concluir que de sua conversatildeo ateacute sua morte nunca houve um ldquoJustinordquo que tambeacutem natildeo fosse um filoacutesofo Ver

HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29-30

393 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

394 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

94

ldquoverdadeira filosofiardquo sendo que os cristatildeos eram ldquoos autecircnticos herdeiros da

civilizaccedilatildeo greco-romanardquo395

Tornou-se cristatildeo aos 25 anos de idade apoacutes ter estudado filosofia o que o levou a

fazer uma siacutentese entre teologia e filosofia afirmando que a feacute cristatilde eacute a forma plena

de toda a filosofia Em sua escola em Roma ensinava entatildeo a ldquoverdadeira filosofiardquo

Boa parte de seu labor consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o

cristianismo e a sabedoria claacutessica396

Finalizando esta seacuterie de registros cabe-nos ainda citar algumas relevantes

argumentaccedilotildees A primeira condicionada por Gonzaacutelez nos traz uma definiccedilatildeo da histoacuteria de

Justino em questotildees junto a filosofia ele diz ldquoAo se converter ao cristianismo Justino natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas dedicou-se a fazer filosofia cristatilde e boa parte dessa filosofia

consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o cristianismo e a sabedoria claacutessicardquo397 A

segunda elaborada por Daniel-Rops diz ldquoFoi uma fase importante para a histoacuteria do

pensamento cristatildeo que com Justino passou a ser tomado a seacuteriordquo398 Esta ecircnfase somada ao

primeiro apontamento nos afirma uma importante contribuiccedilatildeo para o meio Patriacutestico pois

trabalha com paracircmetros qualitativos referentes agrave relevacircncia da figura de Justino como

articulador filosoacutefico e sucessivamente no meio teoloacutegico como um exegeta399 nos levando a

considerar deste modo que a formaccedilatildeo dogmaacutetica em seu sentido histoacuterico passa

necessariamente por afirmaccedilotildees como esta

Portanto eacute impossiacutevel caracterizar Justino como um pensador e teoacutelogo fora da

filosofia claacutessica pois o personagem que veio a fundar escolas filosoacuteficas cristatildes (primeiro em

Eacutefeso e depois em Roma)400 deve ser compreendido como um autecircntico ldquoamante da sabedoriardquo

Neste quesito distintivo no caso de Justino em especial um agravante modal deve aqui ser

aplicado sendo que esta caracteriacutestica de caraacuteter peculiar eacute o proacuteprio processo de conversaccedilatildeo

ao cristianismo que em seu entendimento ldquoo transformou em um verdadeiro filoacutesofordquo401 arauto

395 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15 grifo nosso

396 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59 grifo nosso

397 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 91

398 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

399 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31-32

400 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

401 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

95

da verdadeira sabedoria ndash peccedila final a qual Justino possivelmente exigiria como um

complemento fundamental na elaboraccedilatildeo dessa descriccedilatildeo

Dando seguimento agrave nossa construccedilatildeo ainda nos eacute necessaacuterio examinar duas questotildees

relevantes junto a postura filosoacutefica de nosso autor A primeira estaacute relacionada aos seus

pressupostos na Filosofia como aacuterea de estudo propriamente na qual o estoicismo e o

platonismo se destacam no cenaacuterio em seguida naquilo que possivelmente se tornou a principal

elaboraccedilatildeo teoloacutegica deixada como teoria por Justino a sua concepccedilatildeo do Logos Eterno

321 Estoicismo e Platonismo em Justino

Quando pesquisamos a respeito de quais seriam as principais influecircncias da filosofia

grega que poderiacuteamos encontrar em Justino logo nos saltam aos olhos duas linhas majoritaacuterias

do pensamento histoacuterico filosoacutefico e que tiveram fundamental importacircncia na formaccedilatildeo

intelectual deste Pai da Igreja Desta forma torna-se indispensaacutevel falar do estoicismo e do

meacutedio platonismo402 como elementos filosoacuteficos na vida de Justino pois a anaacutelise dessas

escolas sapienciais junto agrave construccedilatildeo de nosso objetivo de pesquisa apresenta-se como

fundamental para a compreensatildeo do cristianismo apresentado por Justino403

Nossa intenccedilatildeo nesta construccedilatildeo natildeo eacute haacute de se estabelecer um relato minucioso sobre

os aportes princiacutepios e valores filosoacuteficos de Zenon de Ciacutecio (fundador do estoicismo) nem

mesmo dos seguidores ideoloacutegicos do legado de Platatildeo os quais sustentavam no presente

periacuteodo a fase denominada de meacutedio platonismo Pelo contraacuterio visamos apenas retratar de

maneira sinteacutetica a influecircncia dessas escolas no pensamento apologeacutetico do Seacuteculo II tendo a

pessoa de Justino como alvo central e em alguns momentos ateacute mesmo exclusivo neste exame

O advento do Seacuteculo II trouxe consigo um contato mais amplo e consequentemente

tambeacutem mais vantajoso das correntes filosoacuteficas gregas para com o ocidente de uma maneira

em geral Influenciada especialmente pela administraccedilatildeo e organizaccedilatildeo do Impeacuterio Romano agrave

discussatildeo sobre a importacircncia e a manutenccedilatildeo dessas identidades intelectuais (escolas

filosoacuteficas) tornou-se muito ativa especialmente para o meio aristocraacutetico de entatildeo404 Sendo

402 O meacutedio platonismo teve seu iniacutecio no Seacuteculo I aC com Antioco de Ascalona e vai ateacute aproximadamente o

Seacuteculo II dC Entre os seus principais representantes encontram-se os nomes de Filo de Alexandria Apuleio e do

bioacutegrafo Plutarco Este recorte temporal eacute um dos pontos que justifica a nossa opccedilatildeo pelo uso do termo meacutedio

platonismo uma vez que coincide com o periacuteodo de Justino Ver EMILSSON Neo-Platonism 1999 p 358

AUDI The Cambridge Dictionary of Philosophy 1999 p 567 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 123

403 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

404 CARCOPINO Roma no Apogeu do Impeacuterio 1990

96

o cristianismo cada vez mais presente na estrutura sociorreligiosa do Impeacuterio natildeo demorou

para se considerar ldquotambeacutem os leitores natildeo-cristatildeosrdquo405 como parte do exame teoloacutegico dos

Pais No entanto os mestres e principais arautos dessas claacutessicas estruturas filosoacuteficas eram

pagatildeos em seu modo de vida espiritual o que ocasionou ndash quase automaticamente ndash uma

investidura por parte dos Pais (remodelaccedilatildeo cristatilde) das concepccedilotildees filosoacuteficas de alguns

autores claacutessicos do paganismo Como consequecircncia desse processo o periacuteodo dos Pais

Apologistas se confirma e se engrandece de maneira significativa na histoacuteria cristatilde devido ao

seu importante conteuacutedo teoloacutegico406 desenvolvido a partir dessa adaptaccedilatildeoremodelaccedilatildeo

Voltando precisamente para a pessoa de Justino vemos a partir da pesquisa de Walde

ndash o qual soma seu pensamento a Falls ndash o estabelecimento de uma expressiva comunicaccedilatildeo

entre Justino e as escolas filosoacuteficas apresentadas Walde escreve ldquoComo jovem adulto

mostrou interesse por filosofia e estudou primeiramente estoicismo e platonismo Justino

buscava a Deus que eacute a meta da filosofia de Platatildeo diziardquo407 Este retrato dos fatos nos

demonstra com clareza que o diaacutelogo do Apologista com as referidas escolas filosoacuteficas

norteou sua formaccedilatildeo intelectual de forma significativa

A primeira experiecircncia de fato com a filosofia grega e a qual podemos afirmar ter

deixado marcas consideraacuteveis na vida de Justino foi com a escola estoica Em sua busca da

autecircntica sabedoria Justino comeccedilou a frequentar as aulas de um mestre estoico408

provavelmente ainda em sua cidade natal Se tratando de sua experiecircncia com o estoicismo em

particular o Apologista nos oferece um relato autobiograacutefico no qual informa detalhes

interessantes referentes a sua jornada pela Verdade ldquoEu mesmo no iniacutecio desejando tambeacutem

reunir-me com algum deles (mestres filoacutesofos) coloquei-me nas matildeos de um estoico e passei

bastante tempo com elerdquo409

O interessante nessa narraccedilatildeo eacute que o expressivo contato de Justino com o estoicismo

natildeo surtiu nele o beneacutefico resultado que Justino parecia esperar Efetivamente Justino afirma

em seu Diaacutelogo com Trifatildeo ldquoTodavia percebi que nada me adiantava para o conhecimento de

Deus pois nem sequer ele sabia nada nem dizia que esse conhecimento era necessaacuterio Entatildeo

405 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 140

406 Ver DROBNER Manual de Patrologia 2008 p76-80

407 FALLS The Fathers of the Church 1948 p 151 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p

1

408 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

409 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3a grifo nosso

97

separei dele e dirigi-me a outrordquo410 Kelly inclusive salienta mediante a auto narraccedilatildeo de

Justino que parece ter havido um esforccedilo da parte deste em se apropriar ndash ou melhor se

aprofundar ndash das maacuteximas da doutrina estoica Isso devido especialmente ao seu ldquoelevado

padratildeo moral ainda que um tanto impessoalrdquo411 mas com um forte apelo agrave posturas e posiccedilotildees

que estabeleciam um padratildeo moralmente bom para seus praticantes preceitos que eram de

alguma maneira dogmatizados pela doutrina estoica na tentativa de se alcanccedilar ldquouma norma

para os humanos seguiremrdquo412 Dessa forma os praticantes de tal sistema chegavam aquilo que

poderiacuteamos (forccedilosamente) definir como o verdadeiro conhecimento do ldquoSerrdquo e da ldquoEsferardquo

divina pois a ldquovida moral eacute vista como assimilaccedilatildeo a Deus e como imitaccedilatildeo de Deusrdquo413

Contudo apoacutes um periacuteodo de deferecircncia a doutrina estoica ldquopareceu-lhe rudimentar e de uma

metafisica falazrdquo414 aleacutem do sistema natildeo conseguir ldquoesclarececirc-lo a respeito de Deusrdquo415 ou

seja o estoicismo natildeo pode oferecer as condiccedilotildees necessaacuterias para suprir os vaacutecuos e demandas

existecircncias de Justino

Entretanto o estoicismo como doutrina filosoacutefica teve uma significativa relevacircncia na

formaccedilatildeo de Justino como tambeacutem na construccedilatildeo teoloacutegica dos demais Pais Apologistas Na

anaacutelise desse cenaacuterio houve ateacute mesmo quem afirmasse que caso natildeo houvesse o encontro

entre o Poacutertico416 e a Igreja natildeo teria existido uma linguagem inteligiacutevel por parte da doutrina

cristatilde para alguns ambientes gentiacutelicos ou seja o ldquocristianismo seria incompreensiacutevelrdquo417 para

alguns segmentos que formavam o quadro sociorreligioso agrave eacutepoca Teses como essa levantam

questotildees pertinentes No caso em exame parece-nos que tal afirmaccedilatildeo havia se desenvolvido

como um marco referencial junto agrave Era Patriacutestica citada explicando tambeacutem deste modo o que

permitiu que esse conceito teoloacutegico-filosoacutefico viesse a se construir Neste processo as relaccedilotildees

de conformidade entre cristianismo e estoicismo foram absolutamente decisivas sendo o campo

410 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3b

411 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 13

412 ALGRA In Teologia estoacuteica Os Estoacuteicos 2006 p 189

413 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 132

414 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

415 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

416 Poacutertico Ornado (ou Pintado) grego Stoagrave Poikiacutele Local na cidade de Atenas onde o filoacutesofo grego Zenon

(fundador do estoicismo) ensinava a seus disciacutepulos Ver SEDLEY In A Escola de Zenon a Aacuterio Diacutedimo Os

Estoacuteicos 2006 p 7-13

417 POHLENZ La Stoa storia di un movimento spirituale 1967 p 397 apud PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia

Patriacutestica 1999 p 131

98

moral junto agrave formaccedilatildeo dogmaacutetica cristatilde ndash poderiacuteamos ateacute mesmo chamaacute-lo de eacutetico ndash decisivo

nessa correlaccedilatildeo (modelagem) de valores

Entre os fatos desse paralelismo ideoloacutegico vemos o otimismo religioso expressado

pelo estoicismo que encontrou de forma geral na consciecircncia dos Pais (ateacute o Seacuteculo III) uma

beneacutevola e favoraacutevel proximidade com a Divindade onipotente e onipresente a qual os

Apologistas reconheciam especialmente na figura de Deus Pai e em sua traduccedilatildeo do Ser

absoluto cenaacuterio que agora expressava-se inclusive na manifestaccedilatildeo Deste (Deus) em uma

relaccedilatildeo de perfeita imanecircncia com seus eleitos Minuacutecio Feacutelix (Apologista do final do Seacuteculo

II) retrata com clareza esse conceito gerado no meio Apologista fruto da relaccedilatildeo destes com os

ditames estoicos ldquonatildeo soacute estaacute perto de noacutes como tambeacutem dentro de noacutes [] natildeo soacute vivemos

sob seu olhar como tambeacutem em seu seiordquo418

Neste contexto ainda vale-nos identificar uma caracteriacutestica peculiar da relaccedilatildeo de

Justino com o estoicismo Trata-se das interpretaccedilotildees escrituriacutesticas desenvolvidas por meio de

meacutetodos alegoacutericos Essa metodologia jaacute estava em uso no meio cristatildeo e jaacute antes era

amplamente ldquodifundida tambeacutem entre os filoacutesofos gregos sobretudo os estoicos com o objetivo

de fazer enquadrarem-se as tradicionais faacutebulas mitoloacutegicas com as suas ideiasrdquo419 Justino se

torna ldquoceacutelebrerdquo no meio Patriacutestico tambeacutem por sua exegese atestando isso quando passa a

unificar textos referentes a economia da Antiga e Nova Alianccedilas fazendo uso em muitos

momentos da teacutecnica citada

Desta forma mormente veremos na construccedilatildeo teoloacutegica de Justino que se encontram

traccedilos desse sistema da filosofia grega que se fizeram notoacuterios em seu registro apologeacutetico

Santos ao citar Staniforth retrata com precisatildeo essa inspiraccedilatildeo e sua contribuiccedilatildeo junto ao

trabalho do Apologista Aleacutem disto consegue descrever com clareza e harmonia agrave postura de

Justino referente sua interpretaccedilatildeo das bases substanciais do estoicismo Santos assim registra

essa relaccedilatildeo

Segundo Staniforth os elementos que predominavam no cristianismo antes de seu

contato com o estoicismo eram os morais e espirituais jaacute os intelectuais eram

subordinados a estes Ele acrescenta poreacutem que ldquoquando a mensagem se espalhou

para aleacutem dos confins da Palestina e as suas implicaccedilotildees foram assimiladas pelos

pensadores de outras terras fez-se sentir a necessidade de concepccedilotildees mais exatas da

verdaderdquo (STANIFORTH 2002 p 20) [] Entre outras coisas citadas por Staniforth

estatildeo ainda a noccedilatildeo de unidade divina a ideia de que os homens satildeo filhos de Deus

e participam da sua natureza e procuram fazer sempre o bem (STANIFORTH 2002

418 MINUacuteCIO FEacuteLIX Otaacutevio 32-33

419 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1146

99

p 22) Justino traz uma argumentaccedilatildeo inversa Segundo ele os imitadores satildeo os

demais povos ldquonatildeo somos noacutes que professamos opiniotildees iguais aos outros e sim

todos por imitaccedilatildeo repetem as nossas doutrinas (JUSTINO I Apologia LX 10)rdquo420

Sendo jaacute anteriormente caracterizado por meio do relato da vida de Justino a elementar

decepccedilatildeo de Justino pelo estoicismo como doutrina a ser seguida levou-o a uma nova fase na

sua busca do ldquoideal da sabedoria perfeitardquo421 Assim seu intento redirecionou-se para outras

esferas da filosofia grega passando por algumas experiecircncias variadas por meio de suas

relaccedilotildees com outras escolas sistemas e mestres Neste cenaacuterio naquilo que possuiacutemos relatos

confiaacuteveis Justino chegou a conviver com ldquoum peripateacutetico e um pitagoacutericordquo422 sempre

buscando alcanccedilar seu intento maacuteximo como amante do saber

Por fim a escola platocircnica tornou-se sua uacuteltima instacircncia de apelo nessa busca intensa

pelo saber supremo que inclusive ele imagina ter alcanccedilado ldquona filosofia (meacutedio) platocircnicardquo423

fazendo desse caso em especiacutefico (platonismo) o encontro ldquomais positivordquo424 Neste ponto

compreendemos que o desenvolvimento do pensamento teoloacutegico que encontramos

futuramente estabelecido em Justino eacute o que o constituiu categoricamente como um filoacutesofo

cristatildeo e foi principalmente detalhado pela influecircncia desta corrente filosoacutefica (platonismo)

mais do que por sua experiecircncia com os demais sistemas O ponto de vista de Xavier colabora

com nossa anaacutelise transmitindo a mesma ideia

A procura incansaacutevel pela verdade levou Justino a se tornar um distinto filoacutesofo do

pensamento grego adotando principalmente a filosofia de Platatildeo que para ele tinha

muita semelhanccedila com os ensinamentos judaicos no que diz respeito agrave Palavra de

Deus (Logos Verbo)425

Eacute portanto necessaacuterio fazer ainda que rapidamente algumas consideraccedilotildees geneacutericas

referentes agrave influecircncia desse importante sistema filosoacutefico (platonismo) no contexto

sociorreligioso ao qual Justino estava inserido O chamado meacutedio platonismo teve singular

420 STANIFORTH In Introduccedilatildeo Meditaccedilotildees 2002 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119 122

421 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 25

422 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27

423 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

424 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

425 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 15

100

influecircncia junto ao meio teoloacutegico cristatildeo em meados do Seacuteculo II Sua importacircncia em

questotildees como a metafiacutesica por exemplo ldquodeterminou profundamente a compreensatildeo

teoloacutegicardquo426 dos Pais Apologistas Ainda neste cenaacuterio eacute necessaacuterio afirmar que na eacutepoca o

pensamento de Platatildeo estruturado pela manutenccedilatildeo de seus seguidores (meacutedio platonismo)

plasmou-se quase que na totalidade dos seguimentos ditos intelectuais do periacuteodo ocasionando

um expliacutecito e permanente ldquodesenvolvimento do saber filosoacutefico e portanto da cultura

ocidentalrdquo427 a qual teve sua formaccedilatildeo por meio da mecanicidade da Filosofia propriamente

reconhecida como cristatilde em sua formaccedilatildeo

Voltando especificamente para nosso autor retratamos com certa facilidade ndash por se

considerar a questatildeo como um ponto paciacutefico referente agrave figura de Justino ndash sua ampla e notoacuteria

relaccedilatildeo com os ensinamentos baseados na doutrina de Platatildeo Insuelas nos diz que Justino

possivelmente procurou o sistema platocircnico porque este ldquogozava naquele tempo de grande

reputaccedilatildeo e era seguido por homem de valorrdquo428 Fato eacute que Justino progrediu de maneira

consideravelmente raacutepida na doutrina pois ldquoesperava que na filosofia de Platatildeordquo429 veria

imediatamente a Deus questatildeo (enxergar agrave Divindade) que nos indica uma praacutetica

contemplativa que provavelmente levou o jovem filoacutesofo a peregrinar isoladamente ateacute a praia

onde em algum momento ocorreu sua conversatildeo ao cristianismo Utilizamos ainda a ecircnfase

dada por Daniel-Rops a este caso o qual salienta que nesse acesso para a doutrina platocircnica

Justino deu o ldquopasso decisivo levando-o a ver que o uacutenico fim verdadeiro da filosofia era o

conhecimento de Deusrdquo430

Outra descriccedilatildeo que se soma a esta tese nasce das palavras do proacuteprio Justino na sua

I Apologia Estas construccedilotildees do Apologista ganham eficaacutecia e nitidez quando retratadas por

Euseacutebio em seu relato histoacuterico Elas apresentam um Justino intreacutepido e resoluto movendo-se

na eficaacutecia daquilo que encontrou em sua jornada tornando-se desta maneira em um ldquosincero

amante da verdadeira filosofiardquo431 Quanto ao platonismo descrito pelo autor em sua

experiecircncia Euseacutebio escreve

426 SANTOS Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos Comuns 2003 p 335

427 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 81

428 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

429 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

430 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

431 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 grifo nosso

101

Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez

sem razatildeo mas com juiacutezo escreve o seguinte ldquoporque tambeacutem eu mesmo que me

comprazia nos ensinamentos de Platatildeo ao ouvir as caluacutenias contra os cristatildeos e vecirc-

los irem intreacutepidos para a morte e para tudo que eacute terriacutevel comecei a pensar que natildeo

era possiacutevel que aqueles homens vivessem na maldade e no amor aos prazeresrdquo432

Seguindo no mesmo contexto vemos que Justino no capiacutetulo II de seu Diaacutelogo com

Trifatildeo agrega agrave sua biografia um relato exponencial no qual nos descreve um encontro com um

filoacutesofo platocircnico na cidade de Flaacutevia Neaacutepolis Justino como vimos acima foi procurar este

mestre a fim de conferenciarem sobre temas de relevacircncia para o Apologista Assim havendo

ldquoaprendido bastante do platonismordquo433 Justino envolto de uma acentuada euforia ateacute mesmo

presumiu (erroneamente) haver obtido um distinto conhecimento de superior e incomparaacutevel

qualidade todavia por fim salientou uma conclusatildeo ambiacutegua e de aspecto desfalecente sobre

esta experiecircncia quando se referiu as coisas que em determinado momento lhe pareciam

absolutamente certas e vivazes Ele nos afirma foi ldquotornado saacutebio num aacutetimo e minha estupidez

fazia-me esperar que de um momento para outro contemplaria o proacuteprio Deusrdquo434

No entanto cabe-nos apontar que mesmo diante desta pessimista afirmaccedilatildeo por parte

de Justino o platonismo de sua eacutepoca ldquotinha grande forccedila teiacutestardquo435 aleacutem de apresentar um

ldquoalto tocircnus moralrdquo436 expressatildeo que posteriormente em seu desenvolvimento teoloacutegico passou

a comprovar o cristianismo como o conjunto doutrinal por excelecircncia Sendo essa conclusatildeo

obtida na consequecircncia do emprego de sua metodologia dialeacutetica como teoria do conhecimento

ndash fato (dialeacutetica platocircnica) que jaacute abordamos anteriormente

No que se refere ao raciociacutenio de Justino que encontramos especificamente baseado

no ideaacuterio platocircnico notamos com certa facilidade que este conjunto de ideias o levou a

desenvolver em seus tratados (I e II Apologias e Diaacutelogo com Trifatildeo) algumas referecircncias que

se atestam como elementos de comparaccedilatildeo entre a filosofia grega e a feacute cristatilde Neste periacuteodo

(Seacuteculo II) o meio filosoacutefico grego jaacute registrava haacute algum tempo a noccedilatildeo de um Ser ou Estado

supremo437 ldquoque estaacute acima de todos os seres e do qual todos derivam sua existecircnciardquo438

432 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 5

433 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

434 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6

435 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

436 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

437 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

438 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

102

Sabemos baseados em amplas evidecircncias textuais que a vida aleacutem da morte fiacutesica jaacute era

ensinada ou ateacute mesmo garantida por Soacutecrates439 No pensamento de Platatildeo esta teoria eacute

estruturada filosoficamente como uma realidade diferente mas igualmente atemporal a qual

existe aleacutem eou fora deste mundo440

Em Platatildeo detectamos um referencial que nos salienta sobre a expressividade agrave sua

ldquoexposiccedilatildeo da separaccedilatildeo e diferenccedila entre o mundo sensiacutevel (sentidos) e o mundo inteligiacutevel

(intelecto)rdquo441 fazendo com que a percepccedilatildeo humana seja uma espeacutecie de imagem da

realidade442 mas natildeo necessariamente a realidade em si Deste modo Platatildeo automaticamente

condicionava seus leitoresouvintes a compreender que aquilo que estava oculto (natildeo visiacutevel)

deveria pelo encontro com a pura razatildeo voltar ao seu estado inicial ou seja o Uno mesmo

que Platatildeo natildeo considerasse a ldquoForma do Bem ou o Um como Deus no sentido comum da

palavrardquo443 A tese do retorno ao Uno eacute uma performance originalmente desenvolvida na fase

denominada de meacutedio platonismo444

Justino nos demonstra com clareza sua relativa conformidade com essa ideia que de

uma maneira orientativa procurava dar coesatildeo e expressividade agrave realidade perceptiacutevel do

homem em encontrar o que era verdadeiro definido como o ldquonatildeo-escondidordquo445 para o espiacuterito

humano Poreacutem tambeacutem nos apresenta de forma incondicional uma clara distinccedilatildeo substancial

a este conceito segundo o qual ldquoo centro da esperanccedila cristatilde natildeo eacute a imortalidade da alma mas

a ressurreiccedilatildeo do corpordquo446 Corroborando a esta proposiccedilatildeo encontramos a posiccedilatildeo de

Wachholz que organiza o referido cenaacuterio em uma descriccedilatildeo cronoloacutegica embasada no

desenvolvimento do pensamento (dogma) cristatildeo do periacuteodo

Assim por exemplo percebia que tambeacutem Soacutecrates e Platatildeo afirmavam que existia

vida aleacutem da morte fiacutesica Platatildeo afirmava que este mundo natildeo esgota toda a realidade

mas que existe outro mundo de realidades eternas Neste sentido Justino concorda

439 A discussatildeo sobre a imortalidade da alma ndash a uacuteltima de que Soacutecrates participa no dia de sua morte ndash eacute narrada

na obra intitulada Feacutedon de Platatildeo Ver MALTA In Nota 103 Apologia de Soacutecrates 2008 p 97

440 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984

441 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 189 grifo nosso

442 Um exemplo claacutessico dessa ideia se encontra no Livro VII de sua obra intitulada A Repuacuteblica em uma alegoria

conhecida como o Mito da Caverna Ver PLATAtildeO A Repuacuteblica VII 514a-541b

443 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 12

444 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

445 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 197

446 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

103

pois afirma que o centro da esperanccedila cristatilde natildeo estaacute na imortalidade da alma mas na

ressurreiccedilatildeo do corpo447

Amparado nesse conceito filosoacutefico Justino passa a desdobrar sua concepccedilatildeo sobre a

ideia do estado de um ldquomundo inteligiacutevelrdquo que passa a ser compreendido como a uacutenica

condiccedilatildeo pela qual as coisas satildeo eternas imutaacuteveis e incorruptiacuteveis constituindo deste modo

sua posiccedilatildeo sobre o que seria o proacuteprio ldquomundo de Deusrdquo possiacutevel de ser alcanccedilado Na visatildeo

platocircnica este mundo ideal soacute pode ser alcanccedilado pelo intelecto humano quando este eacute elevado

a seu patamar maacuteximo sendo isso possiacutevel somente por meio do auxiacutelio da filosofia Para

Justino essa filosofia soacute pode ser o cristianismo pois este foi revelado como a uacutenica Verdade

oferecida aos homens

Desta forma para Justino soacute mediante o cristianismo a concepccedilatildeo platocircnica de

alcanccedilar o mundo real torna-se possiacutevel No final da apresentaccedilatildeo de sua jornada entre as

escolas filosoacuteficas Justino nos relata que aquilo que fez com que ele se decidisse pela escola

platocircnica ndash entendendo que esta seria a melhor alternativa para desenvolver sua mente (razatildeo)

na tentativa de receber a verdadeira sapiecircncia ndash fosse agrave profunda admiraccedilatildeo inicial que ele

encontrou em alguns pontos que distinguiam a doutrina das demais ldquoprincipalmente com a

consideraccedilatildeo do incorpoacutereordquo448 mas tambeacutem pela referente ldquocontemplaccedilatildeo das ideiasrdquo449 as

quais ele afirma ldquodava asas agrave minha inteligecircnciardquo450

Nesta jornada de conhecimento Justino salienta que compreendia e admirava o

objetivo desse ensino que se demonstrava estaacutevel e possuiacutea intenccedilotildees muito nobres para agrave

natureza humana a ponto de afirmar que ldquoCom efeito esta eacute a meta da filosofia de Platatildeordquo451

Jaacute como cristatildeo Justino esclarece para o judeu Trifatildeo que ldquoVemos e estamos convencidos de

que por meio do nome de Jesus Cristo crucificado as pessoas se afastam da idolatria e de toda

iniquidade para aproximar-se de Deusrdquo452 ou seja somente um caminho leva definitivamente

a verdadeira filosofia e este caminho natildeo eacute a filosofia de Platatildeo

Apoacutes este raacutepido mas importante embasamento sobre a formaccedilatildeo filosoacutefica de nosso

autor ainda eacute necessaacuteria uma descriccedilatildeo final sobre os elementos filosoacuteficos estruturantes

447 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59-60

448 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

449 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

450 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

451 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6b

452 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo XI 4

104

encontrados em Justino Entre estes insumos um se destaca consideravelmente como fruto da

ampla influecircncia deixada pelo predomiacutenio de suas bases filosoacuteficas (estoicismo e platonismo)

Desta forma o Logos em Justino seraacute o ponto central de anaacutelise a seguir

322 O Logos em Justino

Este ponto eacute fundamental para nossa descriccedilatildeo do pensamento de Justino como um Pai

Apologista Mesmo que nos falte uma sistematizaccedilatildeo sobre o tema Logos tanto em Justino

como tambeacutem nos demais representantes de sua Era Patriacutestica453 o Logos eacute um conteuacutedo

teoloacutegico fundamental para a histoacuteria do cristianismo e natildeo aparece com suficiente clareza em

nenhum outro escritor cristatildeo anterior a Justino que acaba por se evidenciar neste assunto de

forma muito significativa

Jaacute no Seacuteculo I a doutrina referente agrave PalavraVerbo divino era conhecida pelo

judaiacutesmo em sua forma posterior devido agrave grande influecircncia do filoacutesofo judeu Filo de

Alexandria O estoicismo como doutrina filosoacutefica tambeacutem foi muito atuante na elaboraccedilatildeo

do termo Logos como um conceito paralelo entre uma plena imanecircncia e uma total expressatildeo

do que eacute superior eou eterno454 O Evangelho de Joatildeo em seu proacutelogo (Joatildeo 11-5) nos oferece

o termo de forma sublime mesmo que o Logos em Joatildeo pareccedila ter sido influenciado por

Heraacuteclito455 Quanto agrave Patriacutestica em sua fase inicial (Pais Apostoacutelicos) Inaacutecio Bispo de

Antioquia parece ser a melhor opccedilatildeo de uma leitura consistente sobre a ideia de a Palavra

Divina preexistente ter sido anunciada antecipadamente aos homens das geraccedilotildees passadas

ldquoInspiraram-se (os profetas) em Sua graccedila a fim de que os increacutedulos se convencessem

plenamente que haacute um soacute Deus a manifestar-se por Jesus Cristo Seu Filho Sua palavra saiacuteda

do silecircncio que em tudo agradou Aquele que O enviourdquo456

Poreacutem vale-nos novamente frisar que aqui como em outras partes desta pesquisa natildeo

procuraremos ser exaustivos muito menos conclusivos especialmente tratando-se de uma

anaacutelise que possui uma conjuntura tatildeo extensa mas de maneira sucinta desenvolveremos uma

siacutentese que visa ser orientativa nesta definiccedilatildeo sobre o legado teoloacutegico do Apologista Justino

A relaccedilatildeo de Justino com esta temaacutetica filosoacutefica (Logos) foi ampla e profunda Eacute

possiacutevel condicionarmos jaacute a partir de Justino uma realidade conclusiva para o tema naquilo

453 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

454 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

455 TORRES A retoacuterica joanina do Logos 2016

456 INAacuteCIO Epiacutestola aos Magneacutesios VIII 2 grifo nosso

105

que ele se refere a revelaccedilatildeo cristatilde esta conclusatildeo estaacute na ldquoconcepccedilatildeo justiacutenica do Logos como

entidade divina intermediaacuteria entre Deus e o mundordquo457 Isso gerou uma nova perspectiva a

qual Justino com certa originalidade conceitual passa a definir o Logos como um agente que

jaacute orientava a humanidade antes mesmo de Sua encarnaccedilatildeo desejando por meio da ldquoIgreja com

a sua accedilatildeo missionaacuteriardquo458 tornar participantes todos os homens que por meio da feacute em Cristo

poderatildeo gozar da esperanccedila do cumprimento profeacutetico do segundo advento do Salvador

Em seu trabalho apologeacutetico Justino estabeleceu uma conjunccedilatildeo entre proposiccedilotildees

separadas mas que se demonstraram de uma mesma espeacutecie Esse ato invariaacutevel conectou de

maneira significativa o Logos459 da filosofia grega ndash aqui expresso em uma de suas definiccedilotildees

temporais do meio filosoacutefico sendo apresentado como o ldquoPrinciacutepio platocircnico mediador entre o

mundo sensiacutevel e o inteligiacutevelrdquo460 ndash com o Logos do Evangelho de Joatildeo ou poderiacuteamos dizer

da interpretaccedilatildeo feita pelo meio apologeacutetico cristatildeo do Seacuteculo II Tratando ainda um pouco mais

sobre o cenaacuterio histoacuterico envolvendo a realidade conceitual sobre o Logos Walde nos indica

este princiacutepio conectivo quando cita Schaff em um exame sobre esta teoria Vemos em sua

descriccedilatildeo que o historiador

Philip Schaff descreve o pensamento desta maneira O Logos eacute a razatildeo preacute-existente

absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo dele o Logos encarnado Qualquer coisa

racional eacute cristatilde e qualquer coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os

homens da razatildeo e liberdade que natildeo estavam perdidos desde a queda Ele espalhou

sementes da verdade antes de sua encarnaccedilatildeo natildeo soacute entre os judeus mas tambeacutem

entre os gregos e baacuterbaros sobretudo entre os filoacutesofos e poetas que satildeo os profetas

pagatildeos Os que viveram razoavelmente e virtuosamente em obediecircncia a esta luz

preparatoacuteria foram de fato cristatildeos ainda que natildeo no nome ao contraacuterio os que

viveram irracionalmente eram inimigos de Cristo Soacutecrates foi um cristatildeo assim como

Abraatildeo ainda que ele natildeo o conheceu461

457 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1147

458 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

459 O conceito de Logos derivado da filosofia contemporacircnea especialmente do estoicismo com sua doutrina da

razatildeo universal foi usado pelos Apologistas para explicar como Cristo se relacionava com Deus Pai Algo do

Logos diziam encontra-se em todos os homens Ver HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

460 Logos (grego loacutegograves) Substantivo masculino de dois nuacutemeros Significa 1 Palavra 2 Discurso 3 Linguagem

4 Estudo 5 Teoria Significado em aacutereas proacuteprias 1 Filosofia Razatildeo ou princiacutepio da inteligibilidade 2

Filosofia Princiacutepio platocircnico mediador entre o mundo sensiacutevel e o inteligiacutevel 3 Filosofia Forccedila divina ou

criadora que eacute organizadora do mundo 1 Teologia Cristo ou o Verbo de Deus segunda pessoa da Trindade Ver

Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa ltDisponiacutevel em httpsdicionariopriberamorglogosgt Acesso em

27 de fev 2019

461 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

106

Esta ideia por assim dizer protagonizou aquilo que possivelmente foi o primeiro

encontro consistente entre filosofia e teologia na Era atual (dC) O conjunto deste exerciacutecio

que vemos pouco tempo depois jaacute constituiacutedo na escola de Alexandria (aproximadamente 50

anos) sob a preeminecircncia de Clemente (Bispo de Alexandria)462 continuou a evoluir no

decorrer dos seacuteculos e encontrou seu aacutepice no movimento Escolaacutestico da Idade Meacutedia463

Contudo parece-nos que a funccedilatildeo do Logos propriamente empregado dentro da realidade

teoloacutegica cristatilde originalmente foi de alguma maneira semeada por Justino

Ainda sobre esta praacutetica hermenecircutica de se assemelhar a teorema dos filoacutesofos gregos

com a revelaccedilatildeo biacuteblica (ou Patriacutestica) notamos com facilidade a apresentaccedilatildeo de certas

evidecircncias que nos levam ao ldquoberccedilordquo da obra do Apologista Definitivamente Justino parece

agregar conceitos em seu relato que claramente evidenciam isto pois ldquoa principal contribuiccedilatildeo

dos apologistas (sendo Justino expoente no contexto) foi sua tentativa de correlacionar o

cristianismo com a erudiccedilatildeo grega tentativa que encontrou sua expressatildeo mais marcante na

teoria do Logos e sua aplicaccedilatildeo agrave cristologia (mateacuteria determinante em Justino)rdquo464

A teoria cristatilde sobre o Logos tem caraacuteter preceituador e exerceu impacto relevante na

histoacuteria dogmaacutetica cristatilde pois de maneira imperiosa tornou acessiacutevel a sua realidade intelectual

tanto intra quanto extra muros transmitindo a ideia de que ldquoeste Verbo este Logos que assim

iluminou progressivamente a mente humana eacute o proacuteprio Cristo tal como se revelou em Jesus

por meio do qual o pensamento e a vida encontraram o seu significadordquo465 Nesta mesma linha

Wachholz apresenta um paralelo forte desta soma de posiccedilotildees

Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse Logos que se fez

carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento Por outro lado Justino tambeacutem pode

afirmar que os pagatildeos tambeacutem puderam conhecer o Logos embora parcialmente

(inclusive Soacutecrates e Platatildeo) Os cristatildeos por sua vez conhecem o Logos tal qual ele

eacute por causa da encarnaccedilatildeo do mesmo em Cristo466

Devemos ainda agregar a influecircncia estoica ndash a qual neste ponto de forma mais direta

inspirou intelectualmente a Justino ndash agrave preponderacircncia junto a apresentaccedilatildeo do Logos como o

462 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

463 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

464 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 24 grifo nosso

465 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

466 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

107

princiacutepio elementar (material e imaterial) de todas as coisas existentes nos escritos de Justino

O estoicismo mais que o platonismo conseguia de modo mais teacutecnico467 e com maior rigor no

periacuteodo definir tanto a convicccedilatildeo teoloacutegica de Justino468 como de todo o segmento Apologista

cristatildeo Dreher consegue frisar tal relaccedilatildeo e consequecircncia desta realidade ldquoLogos eacute para os

estoicos a Razatildeo Universal que tudo penetra e tudo comanda que tudo ordena Tambeacutem Justino

viu no Logos a Razatildeo Universal mas que se teria revelado no cristianismo de maneira mais

perfeitardquo469

Outro importante apontamento que merece destaque estaacute na ideia de criaccedilatildeo e

manutenccedilatildeo operado pelos Logos Aqui enfatiza-se que tudo estava ordenado pela Palavra que

era e foi criadora sustentadora e orientativa mais ainda tudo provinha desta mesma Palavra

que possuiacutea e estava (mantinha-se) em uma realidade imanente e preexistente a tudo Simonetti

afirma que ldquofunda-se sobre a conspecccedilatildeo de Cristo como Logos divino e nessa condiccedilatildeo

princiacutepio de racionalidade universal cujas sementes (spermata) entram em toda a criaccedilatildeo e

habilitam o homem a conhecer Deus como criador organizador e regente do mundordquo470 Disso

tudo podemos afirmar que Justino e seus contemporacircneos de fides et toga entendiam que ldquotoda

a verdade estaacute no Logos [] Logo toda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo471

Cabe-nos nesse conjunto apontar que na exposiccedilatildeo intelectual de Justino referente ao

Logos este natildeo desenvolve com clareza aquilo que seria a presenccedila da Palavra nos outros

homens Em seus registros vemos em alguns momentos que essa relaccedilatildeo de habitaccedilatildeo do Logos

(entendido como incipiente) no ser humano eacute descrita como um processo de semeadura (o

Logos sendo semeado)472 jaacute em outras passagens a analogia se constroacutei atraveacutes de uma imagem

467 Os Apologista do Seacuteculo II empregavam textos do Antigo Testamento como o Salmo 336 (ldquoOs ceus por sua

palavra [isto eacute pela Palavra do Senhor] se fizeramrdquo) onde natildeo hesitavam em misturaacute-los com a distinccedilatildeo teacutecnica

que os estoacuteicos faziam entre ldquopalavra imanenterdquo (grego logos endiathetos) e a ldquopalavra pronunciada ou expressardquo

(grego logos prophorikos) Esta distinccedilatildeo empregada pelos Apologistas visava diferenciar o duplo fato da

unicidade preacute-temporal de Cristo Seu estado preexistente com o Pai Sua manifestaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo

Ver KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

468 Nessa construccedilatildeo teoacuterica que em determinados momentos parece procurar indiacutecios sustentaacuteveis sobre qual

seria o sistema filosoacutefico de maior influecircncia na formaccedilatildeo do conceito de Logos em Justino ganha destaque o

apontamento de Simone o qual utilizando-se de um caraacuteter sucinto e soacutebrio parece definir com normatividade

esta relaccedilatildeo e seu desenvolvimento ldquoseu conceito estaacute mais proacuteximo do meacutedio platonismo do que do estoicismo

isto eacute a terminologia eacute estoica mas o pensamento subjacente eacute platocircnicordquo Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo

e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 798

469 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

470 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

471 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27 grifo nosso

472 Ver JUSTINO I Apologia XXXII 8 JUSTINO II Apologia VIII 1

108

de ldquoocupaccedilatildeordquo (posse) tanto plena473 quanto parcial474 em sua abrangecircncia475 O proacuteprio Justino

em sua II Apologia nos conduz a uma afirmaccedilatildeo de caraacuteter muito pertinente na tentativa de

explicar o porquecirc da accedilatildeo e necessidade da Palavra se manifestar aos homens Nessa afirmaccedilatildeo

ele regula o cristianismo como algo superior aos demais ensinos que procuravam ensinar sobre

a realidade do Logos como sendo um elemento orientativo Justino escreve sobre isso e afirma

que ldquoPortanto a nossa religiatildeo mostra-se mais sublime do que todo o ensinamento humano

pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo inteiro que eacute Cristo manifestado por noacutes

tornando-se corpo razatildeo e almardquo476

Justino nessa abordagem acaba por gerar em seu contexto uma evidenciaccedilatildeo

cristoloacutegica de importacircncia iacutempar pois salienta que a ldquodiferenccedila entre Cristo e os Homens

comuns encontra-se natildeo em alguma disparidade essencial de constituiccedilatildeo mas no fato de que

enquanto o Logos opera neles de forma fragmentada (kata meros) ou como uma semente em

Cristo Ele opera como um todordquo477 ou seja no Verbo que encarnou temos a plenitude da

manifestaccedilatildeo do Logos divino sendo este aquele mesmo que os filoacutesofos gregos anteriormente

jaacute haviam esquematizado478 poreacutem de maneira imperfeita

Prosseguindo em nossa construccedilatildeo algo que fica evidente neste exame eacute que mais que

esboccedilar uma ldquoexplicaccedilatildeo intelectualmente satisfatoacuteriardquo479 para o Logos Justino procura ser

expressivo mas natildeo necessariamente um sistemaacutetico deixando-nos carecentes de uma loacutegica

argumentativa mais robusta nesta questatildeo

Nesse aspecto encontramos orientaccedilatildeo junto a obras como a de Santos que

especificamente em nosso objetivo de pesquisa aparece provavelmente como uma das mais

qualificadas definiccedilotildees sobre agrave visatildeo de Justino e sua ressignificaccedilatildeo sobre o assunto Logos de

que disponibilizamos Partindo de dados extraiacutedos da anaacutelise sociorreligiosa do Seacuteculo II e a

473 Ver JUSTINO I Apologia XLVI 3

474 Ver JUSTINO II Apologia X 2 XIII 3

475 Deve-se distinguir entre o ldquoVerbo inteirordquo ingecircnito inefaacutevel o proacuteprio Cristo e o ldquoVerbo seminalrdquo que habita

nos homens especialmente nos saacutebios Ver FRANGIOTTI In Nota c II Apologia 1995 p 74

476 JUSTINO II Apologia X 1

477 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 108

478 Para Simone Justino se ampara claramente em uma tese oriunda do meacutedio platonismo quando procura

estabilizar sua ideia sobre haacute preexistecircncia antiguidade e universalidade do Logos Nesta inferecircncia o Apologista

baseia-se na ideia do meacutedio platonismo de que a transformaccedilatildeo do demiurgo miacutetico de Platatildeo visto como uma

forma de mente transcendente (PLATAcircO Timeu-Criacutetias 28c) se associa plenamente haacute figura do Deus Pai e

Criador do Cosmos trazida pela revelaccedilatildeo (sublime) do cristianismo Sendo deste modo o Logos apresentado

como ldquonascidogeradocriadordquo a partir do proacuteprio Deus Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799 LOPES In Nota 67 Timeu-Criacutetias 2011 p 95

479 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

109

estes somando algumas porccedilotildees da II Apologia de Justino Santos estabelece uma soacutelida

conexatildeo entre o Logos e o cristianismo Nesse conjunto de dados Santos consegue incorporar

a sua descriccedilatildeo uma das evidecircncias fundamentais que apontavam diretamente na diferenciaccedilatildeo

do extrato social agrave eacutepoca denominado cristatildeo Essa conjectura aplica-se assim se por um lado

o Logos eacute eterno foi anunciado anteriormente pelos profetas esteve manifesto na mente

(brilhante) dos filoacutesofos Logo isso o define como cristatildeo Conclusatildeo o Logos eacute Cristo Nossa

deduccedilatildeo eacute fraacutegil (em sentido teacutecnico) nem visa ser emblemaacutetica No entanto define e salienta

o pensamento de Justino que como veremos abaixo Santos ratifica se utilizando de raciociacutenio

similar por entender que Justino demonstra com clareza a concepccedilatildeo cristatilde daquele periacuteodo

sobre o Logos

O Logos total eacute aquele que soacute os cristatildeos possuem Por isso o cristianismo eacute a religiatildeo

por excelecircncia acima de toda filosofia e de qualquer matriz de pensamento humano

Justino declara que o cristianismo ldquomostra-se mais sublime do que todo o ensinamento

humano pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo por inteiro que eacute Cristo

manifestado por noacutes tornando-se corpo razatildeo e almardquo (JUSTINO II Apologia X 1)

O Logos eacute o Deus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles que

manifestam o Logos divino pois o possuem de forma integral O que eles manifestam

do Logos eacute o seu amor pela humanidade que eacute a razatildeo maacutexima de sua encarnaccedilatildeo

Entatildeo os cristatildeos revelam ao mundo que ldquoEle se tornou homem para partilhar de

nossos sofrimentos e curaacute-losrdquo (JUSTINO II Apologia XIII 4) O Logos serve para

explicar a semelhanccedila do comportamento moral dos cristatildeos com os ensinamentos dos

filoacutesofos principalmente os platocircnicos e estoicos (JUSTINO II Apologia XIII 2) e

ao mesmo tempo classifica os cristatildeos como superiores a eles (JUSTINO II Apologia

X 1)480

Para concluir a exposiccedilatildeo acerca de Justino dentro da filosofia grega podemos afirmar

sem nenhuma duacutevida que o Apologista eacute um verdadeiro filoacutesofo que entre outras coisas

compreendeu e praticou a vivacidade da revelaccedilatildeo do Logos divino entre os homens sempre

salientando que ldquotoda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo481 Assim neste processo

conduzido por Justino podemos afirmar que revelou-se ldquoa grande ideia (Logos) marcada com

o selo do gecircnio (Justino) que vai fazer desembocar na verdade cristatilde o platonismo o filonismo

e toda a expectativa das geraccedilotildees humanasrdquo482

A partir disto prosseguiremos falando a respeito do capiacutetulo XXVIII de nossa obra

referencial Poreacutem a partir de agora abordaremos precisamente uma de suas principais

480 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

481 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 29

482 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

110

caracteriacutesticas Essa peculiaridade que possivelmente se mostra como a mais elaborada entre

as proposiccedilotildees por noacutes jaacute apresentadas realccedila e enobrece nossa busca pelos melhores

argumentos para a definiccedilatildeo do termo Verdade retratado na I Apologia Assim uma

interrogaccedilatildeo elementar em nossa construccedilatildeo comeccedila a ser diretamente respondida

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra Virtude e vicio seriam puros nomes e os homens considerariam as coisas

como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidade483

O uacuteltimo item deste capiacutetulo visa possibilitar uma clara visatildeo bem como garantir a

genuiacutena adesatildeo ndash questatildeo que entendemos natildeo apenas como necessaacuteria mas sim como

fundamental para a compreensatildeo deste conceito ndash agrave perspectiva de Justino quanto ao que ele

sentenciou como algo determinante em sua proposta apologeacutetica Este modelo de conduta

adotado por Justino natildeo apenas relacionado pontualmente neste caso (I Apologia) caracteriza

com vigor desde o iniacutecio sua orientaccedilatildeo intelectual Aleacutem disso Justino passou a afirmar com

esta evidenciaccedilatildeo de casos toda sua ordem teoloacutegica baseada em sua anaacutelise racional como

tambeacutem agrave explicava ou no miacutenimo agrave definia mediante a maneira que estas relaccedilotildees se

posicionavam

Walde ao analisar aquilo que poderiacuteamos chamar do ldquocampo de anaacutelise racionalrdquo de

Justino ndash ao qual este estabelecia e limitava a sua reflexatildeo ndash sustenta que o pensamento da

Apologista parte de um ponto fixo de uma base depositada profundamente num conceito de

sua racionalizaccedilatildeo Segundo Walde para Justino ldquoQualquer coisa racional eacute cristatilde e qualquer

coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os homens da razatildeo e liberdade que natildeo

estavam perdidos desde a quedardquo484

Apoacutes esta citaccedilatildeo faz-se novamente necessaacuterio afirmar que esta pesquisa natildeo almeja

diretamente um debate soterioloacutegico nem sequer visa agregar conceitos ndash de nenhuma espeacutecie

ndash ao termo ldquoLivre Arbiacutetriordquo que empregado indiretamente por Walde possa sugerir debates

483 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4 grifo nosso)

484 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

111

teoloacutegicos nessa esfera Contudo salientamos que a ideia transmitida por Justino no capiacutetulo

XXVIII pode ser empregada com determinada liberdade nesta discussatildeo soterioloacutegica pois a

tomada do Livre Arbiacutetrio como atributo caracteriza uma abrangecircncia muito significativa

especialmente quando Justino afirma que o homem racional eacute ldquocapaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus pois todos

foram criados racionais e capazes de contemplar a verdaderdquo485

Entretanto agregar este ldquoescolherrdquo para fins soterioloacutegicos na tentativa de se

apresentar alguma possibilidade (em forma ou modo) de participaccedilatildeo humana no ato salviacutefico

de Deus em Cristo buscando dar o sentido de que o convencimento salviacutefico natildeo eacute uma

exclusividade da accedilatildeo Divina parece-nos ser um literal descaso com o texto uma vez que se

agrega a Justino algo que ele simplesmente natildeo estava tentando comunicar

Dando seguimento ao nosso assunto mencionamos que o principal criteacuterio que

procuramos definir nesta exposiccedilatildeo estaacute relacionado a importacircncia delegada por Justino agrave razatildeo

humana Eacute imprescindiacutevel nesta construccedilatildeo salientarmos que este recurso humano

(razatildeoracionalidade) era compreendido por Justino (e tambeacutem dos demais Apologistas do

periacuteodo) como uma das principais (se natildeo haacute principal) daacutedivas de Deus ao ser humano486 e

natildeo apenas isso mas este ldquopresenterdquo (uma espeacutecie de ldquodomrdquo praacutetico) possuiacutea tambeacutem uma

accedilatildeo determinante na existecircncia humana para com as coisas celestiais tanto no presente

(cotidiano) como para o futuro (escatoloacutegico) do ser criado

Inicialmente detectamos em Justino a importacircncia por ele atribuiacuteda agrave racionalidade

no homem quando passa a afirmar que ldquoNo princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional

capaz de escolher a verdade e praticar o bemrdquo487 Desta forma na concepccedilatildeo do Apologista a

Verdade era comunicada ndash ou ateacute mesmo sentenciada ndash ao ser humano por meio de sua

condiccedilatildeo inata (existente e natildeo adquirida) ou seja seu estado racional Aqui cabe-nos ainda

ressaltar que para Justino o homem para receber a revelaccedilatildeo da feacute em Cristo e mediante isso

agregar a si as benesses eou becircnccedilatildeos desta relaccedilatildeo se fazia necessaacuterio uma transmissatildeo desse

conhecimento ao entendimento humano e isso se dava pelo uso da razatildeo

Walde novamente soma a nossa pesquisa ao conceituar que ldquoDeus simplesmente natildeo

era conhecido por meio da razatildeo abstratardquo488 Assim podemos afirmar que Justino compreendia

485 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

486 DROBNER Manual de Patrologia 2008

487 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

488 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

112

(fortemente influenciado por uma tendecircncia apologista) que a Verdade naturalmente emergia

ao intelecto humano pela razatildeo apoacutes a conversatildeo do homem a Cristo Isso se condicionava

porque era o proacuteprio fruto da accedilatildeo regeneradora do Evangelho no ser humano que agora era

capaz de compreender o processo de separaccedilatildeo entre o joio e o trigo caso contraacuterio os ldquohomens

considerariam as coisas como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior

impiedade e iniquidaderdquo489

Neste contexto vemos um contraste interessante se formar Pois o Apologista nos

conduz a um quadro extremo no qual apresenta a opiniatildeo humana versus a Verdade Neste

ponto importa mencionarmos Fluck que afirma que Justino ldquoConsiderava que os adversaacuterios

do cristianismo insultavam a razatildeo e a moralrdquo490 Pode ateacute mesmo ser loacutegico poreacutem para nossa

pesquisa eacute imperativo e necessaacuterio salientar que para Justino natildeo havia duacutevidas acerca da

superioridade da Verdade quando revelada (especialmente no Logos) em oposiccedilatildeo agrave razatildeo

humana (caracterizada principalmente pela razatildeo oriunda da filosofia grega) Neste aspecto

Walde eacute categoacuterico e nos apresenta alguns paracircmetros dessa distinccedilatildeo empregada por Justino

Devo notar aqui que esta ecircnfase na razatildeo natildeo deve nos fazer pensar que a feacute natildeo

significava nada para Justino Ele se refere muitas vezes agrave feacute em suas apologias Ele

fala de noacutes sendo transformados ldquopor feacute atraveacutes do sangue e da morte de Cristordquo Ele

inclusive se refere a Abraatildeo que ldquofoi justificado e abenccediloado por Deus devido a sua

feacute nelerdquo No entanto o assunto de conhecimento eacute central aqui porque Justino deu

mais peso em crer nos ensinos de Cristo que crer no proacuteprio Cristo491

Em vista disso natildeo haacute duacutevidas de que a capacidade para decidir para escolher para

tonificar juiacutezos para agregar ou natildeo inferecircncias ou ateacute mesmo para se possuir um meacutetodo de

postura loacutegica passava claramente pela apropriaccedilatildeo da Verdade por meio da razatildeo humana na

concepccedilatildeo de Justino Sendo possiacutevel a partir de entatildeo formar-se no homem (exclusivamente

na experiencia cristatilde ndash com o verdadeiro Logos) os acordos morais para constituiccedilatildeo dos

pensamentos ou das ideias necessaacuterias para a vida humana

Por conseguinte somente aqueles que agregavam a si esta ldquorazatildeordquo (o Logos) poderiam

usufruir de um verdadeiro discernimento e juiacutezo que era proveniente Daquele que se tornou

489 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

490 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

491 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

113

ldquocorpo razatildeo e almardquo492 Diante disso clarificasse a ideia e torna-se vigente o conceito de que

para Justino o Logos eacute o ldquoDeus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles

que manifestam o Logos divino pois O possuem de forma integralrdquo493 Neste ponto em questatildeo

Schaff nos ajuda na compreensatildeo desta distinccedilatildeo

O cristianismo conteacutem a racionalidade necessaacuteria para ser aceito e compreendido pela

filosofia grega Dessa maneira defendendo o cristianismo Justino defendeu a feacute

cristatilde referindo-se agrave feacute em Cristo como forma de justificaccedilatildeo e transformaccedilatildeo sendo

essa feacute totalmente racional494

Este comportamento da feacute compreendida eou assimilada pela razatildeo mostrou-se mais

como uma forma de pensamento do que de conduta naquele momento da histoacuteria495 Isso levou

a classe Apologista do periacuteodo de Justino (praticamente toda helenista em sua origem eou base

cultural) a considerar este procedimento justo e legiacutetimo em sua ordem o que tambeacutem de

maneira muito razoaacutevel possibilitou que este entendimento fosse aceito e vivido496 de forma

significativa em determinados nichos da referida realidade sociorreligiosa

Neste quesito em particular notamos com clareza que o procedimento adotado por

Justino para defender a feacute cristatilde se utilizou de admiraacuteveis recursos filosoacuteficos (racionais)

Justino ldquoSoube juntar admiravelmente os princiacutepios da razatildeo com os dogmas da feacuterdquo497 para

comunicar-se com uma classe distinta intelectualmente de modo especial com aqueles

(Imperadores Senadores outros) aos quais as obras foram dirigidas (a I e II Apologias e o

Diaacutelogo com Trifatildeo no caso de Justino especificamente) A legitimidade da proposta de Justino

(apresentar a feacute cristatilde como um fato racional a ser implantado e assimilado pelos ouvintes)

permite algumas consideraccedilotildees Walde argumenta nesta direccedilatildeo quando diz

Era importante mostrar a racionalidade da feacute e o Logos era o locus da razatildeo nas altas

escolas de filosofia grega [] Isso garantiu a racionalidade do cristianismo

492 JUSTINO II Apologia X 1

493 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

494 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

495 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

496 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

497 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

114

identificando a Jesus como o Logos indicando Sua antiguidade que era importante

para a mentalidade grega em estabelecer uma crenccedila498

A partir deste ponto fomentaremos a atribuiccedilatildeo enfaacutetica do capiacutetulo XXVIII da I

Apologia onde Justino afirma com veemecircncia e certo rigor que ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus

se preocupe com essas coisasrdquo499 este (ou estes) passa por um consideraacutevel descompasso de

ordem moral Esta afirmaccedilatildeo eacute muito relevante no conjunto em que estaacute aplicada pois denota

de maneira singular toda a estrutura da mensagem do Apologista

Referente a esse caso nos eacute possiacutevel afirmar balizados em toda a descriccedilatildeo

empreendida do sistema de loacutegica adotado por Justino ndash sob clara influecircncia da escola

platocircnica500 ndash que para o Apologista os natildeo-cristatildeos (praticantes ou natildeo dos valores atribuiacutedos

a razatildeo) natildeo conseguiam ponderar com a autecircntica ldquorazatildeo universalrdquo a mesma que era e estava

implantada no ser humano de maneira inata e agora se fazia conhecer porque manifestava-se

nas vidas (consciecircncias regeneradas) dos cristatildeos501

A concepccedilatildeo sobre uma ordenaccedilatildeo coacutesmica universal vista na filosofia estoica502

comeccedila no contexto teoloacutegico de Justino a ser denominada de Logos Spermatikoacutes503 Conceito

que de forma ampla e sistemaacutetica passa a ser usado pelo autor ndash e consequentemente pelo meio

cristatildeo ndash em sua II Apologia na qual Justino ldquoatribui a Cristo a expressatildeo lsquoLogos Spermatikoacutesrsquo

(verbo seminal ou semente da razatildeo) significando que dEle procedem todas as coisasrdquo504

Assim quando os homens natildeo aceitam a distinccedilatildeo que a Verdade oferece para tudo que a ela eacute

estranho prova-se que eles (homens) necessariamente agem sem estar em seu juiacutezo pleno

completo perfeito ou seja natildeo satildeo dirigidos nem governados pelo verdadeiro Logos Nisso se

498 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

499 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

500 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

501 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

502 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

503 Fluck explica que o que se entendia na filosofia como ldquorazatildeo universalrdquo imanente em todas as coisas foi

relacionado a ldquosemente racionalrdquo que estaacute presente em todo ser humano (Logos Spermatikoacutes ou semente do

Logos) Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 33 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em

Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 17 Jaacute Haumlgglund diz que a razatildeo como um embriatildeo encontra-se implantada dentro

deles (Loacutegos Spermatikoacutes) Mas os apologistas em contraste com os estoicos natildeo diziam ser ela uma espeacutecie de

razatildeo universal concebida panteisticamente Em vez disso identificavam o Logos com Cristo Ver HAumlGGLUND

Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

504 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 20

115

conclui que estes homens estatildeo corrompidos na ldquosua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidaderdquo505

Logo podemos deduzir um final especiacutefico ao pensamento de Justino nesta periacutecope

Entendemos que o paralelo entre feacute e razatildeo eacute um excelente instrumento indicativo orientador

e balizador na tentativa de afirmaccedilatildeo de sua doutrina e de refutaccedilatildeo do erro sendo que o

constituidor dessa anaacutelise deficiente da realidade (o erro de natildeo se utilizar corretamente da

razatildeo) se estabelecia em um conjunto temaacutetico muito amplo e complexo (crenccedilas instituiccedilotildees

poliacutetica etc) o qual decidimos chamar de realidade ou meio sociorreligioso

Sabemos que aplicar o relato de Justino a anaacutelises contemporacircneas pode causar um

aprisionamento indevido de um pensamento nobre e puro mas eacute inquestionaacutevel o uso de meios

e ferramentas que mostram com clareza ndash em uma orquestraccedilatildeo quase impecaacutevel ndash os incriacuteveis

subsiacutedios racionais que Justino possui para julgar o cenaacuterio de seus conflitos Dreher nesta

esteira enfatiza que para Justino em ldquoCristo toda a filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo Por isso os

cristatildeos satildeo os verdadeiros seres racionaisrdquo506

Portanto deduzimos a partir de tantas evidecircncias que na compreensatildeo de Justino a

Verdade tambeacutem se encontra no seu oposto pois sempre que o homem natildeo usar da razatildeo para

assumir viver e praticar a Verdade ldquoou teraacute que confessar com sofismas que natildeo existe (a

Verdade) ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como uma

pedrardquo507

Na abordagem deste capiacutetulo trabalhamos a construccedilatildeo da imagem de Justino Maacutertir

como um filoacutesofo inserido e atuante no mundo greco-romano do Seacuteculo II dC ou como citado

anteriormente da filosofia na vida do cristatildeo Justino Procuramos por meio deste exame fazer

uma clara e suficiente descriccedilatildeo do corpo base desta anaacutelise que partiu e se concentrou no

capiacutetulo XXVIII da I Apologia Em seguida passamos a um exame da vida do autor em meio

agrave filosofia de sua eacutepoca e descrevemos as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo do

Apologista Aleacutem disso abordamos o efeito desta construccedilatildeo que possivelmente se tornou um

dos maiores (se natildeo o principal) legados deixado pelo autor Por uacuteltimo buscamos estabelecer

um comentaacuterio soacutebrio sobre a tese de Justino a respeito da realidade da razatildeo regenerada como

o agente arbitral na vida humana como a ldquoforccedilardquo condutora para se conhecer agrave Verdade

505 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

506 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

507 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

116

No proacuteximo capiacutetulo trataremos do que em nossa opiniatildeo eacute o ponto epiteacutetico deste

relato apologeacutetico de Justino Mesmo diante de muitas circunstacircncias que em sua eacutepoca afligiam

consideravelmente a cristandade Justino nos apresenta uma ldquochave mestrardquo que no seu

entendimento nos prova que o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga e deste modo a uacutenica que

revela genuinamente a Verdade

117

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO

Poderiam nos objetar ldquoQue inconveniente haacute em que esse que noacutes chamamos Cristo

seja um homem que vem de outros homens e que por arte maacutegica fez os prodiacutegios

que dizemos e por isso pareceu ser filho de Deusrdquo Apresentaremos pois a

demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos mas crendo por

necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da forma que os vemos

cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos tal como foram

profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes mesmos a mais forte

e a mais verdadeira508

Iniciamos a seccedilatildeo final desta dissertaccedilatildeo partindo novamente da principal delimitaccedilatildeo

textual empregada a esta pesquisa Neste espaccedilo nossa anaacutelise se concentraraacute no capiacutetulo XXX

da I Apologia onde encontramos uma enfaacutetica afirmaccedilatildeo apresentada acerca da leitura das

profecias do Antigo Testamento e da interpretaccedilatildeo que Justino fez delas

Quando examinamos a trajetoacuteria de Justino na feacute cristatilde nos deparamos com

comentaacuterios situacionais que visam fixar conjuntos referenciais sobre as coisas consideradas

reais as quais nos possibilitem identificar com clareza as situaccedilotildees existentes no cenaacuterio

analisado Uma dessas afirmaccedilotildees seria a de que ldquoSeguindo sua inspiraccedilatildeo (de Justino) logo

houve outros cristatildeos que se dedicaram a construir pontes entre sua feacute e a cultura da

antiguidaderdquo509 Asserccedilotildees como esta mostram um caminho amplo e sistecircmico de um projeto

de construccedilatildeo que visa estabelecer novos paradigmas neste caso especiacutefico para a cristandade

da eacutepoca

Este processo natildeo eacute formado simplesmente por elementos de coesatildeo mas tambeacutem por

muitas medidas de desconexatildeo Em alguns momentos o projeto evangeliacutestico de Justino eacute

desenvolvido majoritariamente por meios apologeacuteticos e foi amplamente caracterizado por

visar um processo de desconstruccedilatildeo dos valores vigentes de seu meio sociorreligioso algo que

jaacute atestamos anteriormente relacionando o processo dialeacutetico de Justino a outros fatores

Seguindo esse processo este capiacutetulo nasce da necessidade de apresentarmos uma

resposta satisfatoacuteria para algo que surge na parte final da porccedilatildeo selecionada como base

(capiacutetulos XXIII a XXX da I Apologia) de nossa busca de soluccedilotildees para o objetivo central desta

pesquisa Neste contexto um ponto epiteacutetico surge e se move em meio agraves palavras de Justino

sendo enfaticamente referido ao cumprimento profeacutetico do Antigo Testamento Esse caso

508 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

509 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

118

interpretativo do Apologista natildeo ocorre apenas no capiacutetulo XXX mas tambeacutem em outras

passagens da I Apologia510 as quais condicionaratildeo o alvo final de nossa anaacutelise

Entretanto se haacute um epiacuteteto significa que haacute um cliacutemax neste conjunto que requer ser

exposto e acima de tudo abordado Deste modo surgem algumas indagaccedilotildees sobre este ponto

alto levantado e abordado por Justino Essa busca nos leva a perguntar como estava a

consciecircncia sobre a realidade messiacircnica no Seacuteculo II em meio aos cristatildeos O que eram e o

que significavam as profecias consideradas messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino

Elas se realizaram na visatildeo do autor O que ele visava comunicar para seus leitores atraveacutes

delas Havia nelas um ponto alto uma maacutexima a ser revelada Por uacuteltimo havia como a

Verdade ser revelada eou representada por meio do cumprimento dessas profecias

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO

O messianismo como movimento teoloacutegico tem uma longiacutenqua e variada histoacuteria em

sua estruturaccedilatildeo e desenvolvimento Diversos cenaacuterios humanos desde as antigas dinastias do

Impeacuterio Egiacutepcio passando por quase todo crescente feacutertil chegando ateacute a antiga realeza

Mesopotacircmica descreviam traccedilos de similaridade que apresentavam um ser protagonista em

seu ambiente poliacutetico e religioso (caso essa diferenciaccedilatildeo possa existir para a eacutepoca) o qual

passa a caber como uma entidade superior gerada manifestada sustentada e dirigida

Divinamente

A pesquisa moderna nos tem surpreendido de maneira constante ao apresentar

elementos encontrados nas civilizaccedilotildees antigas os quais se referem agrave ideia sobre a existecircncia

de uma figura messiacircnica de presenccedila soberana potencial salviacutefico e valor moral ilibado O

Egito como um grande Impeacuterio na antiguidade jaacute nos expotildee uma diversidade de personagens

exoacuteticos (que envolviam essencialmente a figura do ImperadorFaraoacute) que deveriam de

maneira fundamental exercer uma ordem religiosa poliacutetica e moral Cabe-nos ressaltar de iniacutecio

que ldquolonge de produzir qualquer coisa parecida com a figura de um lsquoMessiasrsquordquo511 como no

judaiacutesmo as crenccedilas religiosas no antigo Egito salientavam que esse agente mantenedor da

ordem coacutesmica ndash com accedilatildeo visiacutevel no tempo presente ndash faria por meio de sua sucessatildeo

(dinastia) a manutenccedilatildeo desses elementos cariacutessimos para o bem geral e deste modo

510 Ver JUSTINO I Apologia XXXIII 1 XXXVI 6 XLIV 3 XLVIII 1 LI 6 LII 1 4

511 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 52

119

possibilitaria a passagem para o mundo futuro de qualidade superior por ser santificado pela

ldquopassagem do deus-Sol pelo aleacutemrdquo512

Quanto agrave regiatildeo da Mesopotacircmia os povos de origem Sumeacuteria Babilocircnica e Assiacuteria

demonstram similar afinidade quando buscam exteriorizar o modelo de realeza ideal a ser

desempenhado pelo respectivo soberano em atividade Nestes povos nos chama a atenccedilatildeo que

a linhagem deste personagem era considerada uma inquestionaacutevel instituiccedilatildeo Divina sendo

ldquodesignado pelo pai (Rei predecessor) como o priacutencipe herdeirordquo513 Tal nomeaccedilatildeo era ldquofeita

com a aprovaccedilatildeo dos deusesrdquo514 algo que tambeacutem ocorre de forma similar na aprovaccedilatildeo de

Davi e sua linhagem como monarquia perpeacutetua515 Quanto aos Mesopotacircmicos ainda eacute

necessaacuterio mencionar a respeito de suas ldquoinscriccedilotildees reacutegiasrdquo516 que apresentavam a solene

tradiccedilatildeo ao povo tambeacutem traziam consigo a responsabilidade de descrever o ethos do Soberano

como algueacutem que fora designado e iluminado divinamente para o cargoposiccedilatildeo Essa

contestaccedilatildeo explica por que ldquoNesse sentido a antiga Mesopotacircmia era verdadeiramente

messiacircnicardquo517

No Antigo Testamento variadas e amplas satildeo as alternativas que se apresentam na

construccedilatildeo de uma possiacutevel linha de pesquisa sobre o tema Elas perpassam todo o texto biacuteblico

do Pentateuco aos Profetas Menores ganhando destaque junto aos Livros Histoacuterico que ldquonos

permitem conhecer todas as luzes e sombras da esperanccedila messiacircnicardquo518 aleacutem de tambeacutem

encontrar uma ecircnfase diretiva nos Profetas Maiores (Isaiacuteas e Ezequiel por exemplo) Contudo

eacute nos escritos Poeacuteticos e Sapienciais que encontra-se o repouso pleno dessa mensagem de

esperanccedila e o Livro dos Salmos ganha significativa relevacircncia junto ao cenaacuterio Hamilton nos

enfatiza que a ldquoliteratura de Salmos considera de modo todo especial o mashicircah como agente

512 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

513 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 grifo nosso No Original

Designato dal padre come principe ereditario

514 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 No original fatta con

lapprovazione degli dei

515 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

516 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

517 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

518 SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 103

120

de Deus ou seu vice regente (como em Sl 22)rdquo519 Esta perspectiva ndash recebida mediante os

escritos considerados profeacuteticos sobre a figura ldquosalviacuteficardquo para Israel ndash fica clara quando

salienta a trajetoacuteria do Ungido ao fazer seu percurso de caraacuteter libertador e restaurativo Este

anuacutencio salviacutefico conecta-se automaticamente de forma simples ao proacuteximo passo desta missatildeo

libertadora520 a qual consideraraacute as profecias como realizadas em definitivo

Ao examinarmos alguns dos conceitos fundamentais da hermenecircutica messiacircnica no

Novo Testamento vemos que a expectativa sobre o restabelecimento de um reino Daviacutedico

sobre a terra (amplamente difundido na concepccedilatildeo religiosa do judaiacutesmo tardio) faz com que a

Nova Alianccedila estabelecida na concepccedilatildeo dos cristatildeos atraveacutes do advento do Ungido ganhe

contornos bem definidos no sentido de enxergar na figura de Jesus Cristo o cumprimento

absoluto das promessas messiacircnicas

Dos Evangelhos ao Apocalipse de Joatildeo o messianismo que antes representava

majoritariamente um princiacutepio de restauraccedilatildeo poliacutetica e espiritual para diversos movimentos

judaicos passou a ganhar nova e emblemaacutetica posiccedilatildeo pois tudo ndash em maior ou menor

proporccedilatildeo dependendo do autor biacuteblico ndash foi constituiacutedo pela forte convicccedilatildeo do elemento

messiacircnico (como um ente) relacionado agrave ldquopresenccedila terrena passada de Jesus o Messias

(prometido a Israel)rdquo521 vinculando Este agrave realidade dos fatos presentes e dos eventos futuros

(escatoloacutegicos) aguardados pelos cristatildeos Importante tambeacutem citarmos que para a formaccedilatildeo

dogmaacutetica no Seacuteculo I os relatos histoacutericos do cristianismo (Atos dos Apoacutestolos) tiveram

fundamental importacircncia nesta construccedilatildeo teoloacutegica pois viriam ldquopara confirmar tanto a

historicidade do personagem quanto sua consideraccedilatildeo popular do Messiasrdquo522

Tratando-se do periacuteodo poacutes-apostoacutelico ateacute os dias de Justino ndash ponto que se torna o

delimitador desse item ndash vemos que uma pujante cristalizaccedilatildeo sobre o conceito messiacircnico se

estruturava sem maiores dificuldades O relato escrituriacutestico somado agrave forte conscientizaccedilatildeo

sobre a existecircncia de um futuro reinado messiacircnico sobre a terra ratificava de forma decisiva

519 HAMILTON In 1255c maumlshicircah Ungido aquele que eacute ungido Dicionaacuterio Internacional de Teologia do

Antigo Testamento 1998 p 885 grifo do autor

520 Cabe-nos registrar que o periacuteodo entre 340 aC a 30 dC eacute riquiacutessimo no que se trata de documentaccedilatildeo

envolvendo o tema messiacircnico em Israel Os escritos de Qumran satildeo proacutedigos em registros que tratam sobre a

expectativaesperanccedila messiacircnica para o periacuteodo que antecede e inaugura o Novo Testamento Ver BROOKE In

Realeza e messianismo nos manuscritos do Mar Morto Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 451-472 SICRE De Davi ao Messias textos

baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 334-351

521 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 510 grifo nosso

522 MIRALLES El Mesiacuteas en tiempos del NT 2006 p 40 No original a confirmar tanto la historicidad el

personaje como su consideracioacuten popular de Mesiacuteas

121

a mentalidade cristatilde no periacuteodo a ponto de podermos afirmar que ldquotornou-se caracteriacutestica da

escatologia cristatilde primitiva por exemplo Justino Dial 113 139 Tertuliano Adv Marcionem

3 24 Irineu Adv Haer 5 33 3-4rdquo523 entre outros Pais ateacute final do Seacuteculo II o estabelecimento

do entendimento de que o pleno cumprimento das profecias messiacircnicas estava em Jesus Cristo

tanto nos fatos jaacute realizados quanto nos ainda por se cumprirem524 Este caso em especiacutefico

tambeacutem nos atesta que os Pais Apologistas foram aqueles que produziram os ldquoprimeiros ensaios

de teologia cientiacutefica que apareceram na Igrejardquo525 mostrando deste modo quatildeo notaacutevel foi

sua influecircncia Esta tendecircncia hermenecircutica messiacircnica na Patriacutestica perdurou ateacute o advento da

escola alexandrina no iniacutecio do Seacuteculo III526

Deste modo de maneira incontestaacutevel podemos afirmar que o messianismo como

temaacutetica teoloacutegica tornou-se uma das contribuiccedilotildees mais importantes da histoacuteria da

religiosidade monoteiacutesta a niacutevel mundial tendo como seus baluartes intelectuais o cristianismo

(de forma maciccedila) e algumas correntes do judaiacutesmo Este ideaacuterio teoloacutegico ndash que se concentra

em um ou dois agentes527 de superaccedilatildeo da realidade sociorreligiosa ndash iniciou-se provavelmente

como algo inserido profundamente em ditames de teor poliacutetico passando posteriormente a ser

um princiacutepio orientativo para determinados seguimentos religiosos e acabou por se definir em

uma expectativaesperanccedila de caraacuteter excepcionalmente escatoloacutegico

Salientamos que a partir do desenvolvimento da ldquoideologiardquo messiacircnica houve uma

abrupta ruptura entre as suas duas principais correntes de aclamaccedilatildeo especialmente devido a

singularidade identitaacuteria do protagonista algo de imensa relevacircncia para ambos os lados Este

fato requerido e inegociaacutevel em sua espeacutecie tornou-se o ldquoatestadordquo do cumprimento profeacutetico

das exigecircncias teoloacutegicas que distinguiam especialmente a ldquoliteratura cristatilde primitivardquo528

Obviamente sabemos que estas ldquobalizasrdquo envolvem a pessoa de Jesus morador histoacuterico da

cidade de Nazareacute como sendo o autecircntico Ungido (MessiasCristo) prometido a Israel

Os passos a seguir nos conduziratildeo de maneira especiacutefica novamente ao pensamento

de Justino Sua compreensatildeo do escopo profeacutetico messiacircnico do Antigo Testamento torna-se a

523 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 493 grifo do autor

524 Aqui nos referimos a tese moderna do ldquojaacute e o ainda natildeordquo desenvolvida por Oscar Cullmann Ver

CULLMANN Salvation in History 1967

525 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 49

526 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

527 Ver SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 342-343

528 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 492

122

partir de agora nosso alvo e objeto de anaacutelise Esse conjunto de fatos que exteriorizou a

revelaccedilatildeo Divina antes do advento do cristianismo como religiatildeo acabou por condicionar-se

entre outras coisas em um dos casos mais pertinentes da doutrina cristatilde em toda a sua histoacuteria

O Logos Palavra Verbo que encarnou na concepccedilatildeo cristatilde foi entendimento claramente como

o Messias prometido a Israel o qual toda a tradiccedilatildeo religiosa judaica (por seacuteculos) ainda

esperava poreacutem Justino junto aos seus (cristatildeos) jaacute o havia reconhecido e recebido como

Deus

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO

Toda abordagem de Justino nesta temaacutetica possui um elevado grau de reconhecimento

especialmente devido agrave sua posiccedilatildeo Patriacutestica pois em Justino nos eacute possiacutevel afirmar que este

foi ldquoum dos primeiros autores cristatildeos a formular a exegese da presenccedila do Verbo-Messias na

Lei e nos profetasrdquo529 Esse reconhecimento se destaca por meio de um forte aparato

metodoloacutegico no qual a estruturaccedilatildeo escrituriacutestica do Apologista ganha ecircnfase Xavier salienta-

nos esta orientaccedilatildeo definindo-a como um proacutedigo ldquoponto cardealrdquo na temaacutetica do autor ldquosua

obra como um todo contribuiacute para explicar a feacute cristatilde baseada nas Escrituras como a fonte

suprema de autoridade cujas profecias podem ser compreendidas somente pela Graccedila de

Deusrdquo530

Ao analisarmos a I Apologia fica-nos evidente a relaccedilatildeo que Justino faz de forma

automaacutetica ou seja como uma consequecircncia procedimental do papel das Escrituras Sagradas

referente a manifestaccedilatildeo de Cristo como pessoa humana e como ministro das coisas celestiais

Aleacutem disso Justino contempla (reconhece) nas profecias toda a revelaccedilatildeo que Deus visou

apresentar aos Homens atraveacutes do Logos encarnado em Cristo Notamos que este

condicionamento oferecido por Justino acaba por se tornar desde cedo em sua anaacutelise profeacutetica

(do Antigo Testamento) algo absolutamente imperativo e imparcial para com o

desenvolvimento de sua perspectiva messiacircnica Na visatildeo do Apologista tudo o que eacute

legalmente oferecido e constituiacutedo em Cristo ldquorepousa nas profecias veterotestamentaacuterias e no

que ele chama de lsquomemoacuteriasrsquo dos apoacutestolos ou seja os evangelhos (JUSTINO I Apologia

LXVI 3)rdquo531

529 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

530 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

531 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

123

Neste contexto cabe-nos ressaltar esta importante fundamentaccedilatildeo do Texto Sagrado

como tambeacutem da Tradiccedilatildeo Apostoacutelica encontrada em Justino Estes alicerces da feacute cristatilde

significam e tem para Justino a funccedilatildeo de ldquobuacutessolardquo teoloacutegica a qual neste caso

especificamente sempre estaacute estabilizada na direccedilatildeo do ldquonorterdquo profeacutetico o qual sem exageros

podemos chamar de uma espeacutecie de ldquonorte messiacircnicordquo Isso porque sua interpretaccedilatildeo

(exegese) nasce de uma hermenecircutica claramente messiacircnica algo que notamos sempre de

forma niacutetida quando o Apologista aponta para a direccedilatildeo de tentar migrar agrave atenccedilatildeo ndash ou

poderiacuteamos dizer moldar o entendimento ndash de seus ouvintes para estes fatos (profecias

messiacircnicas) que possuiacuteam um teor incontestaacutevel na oacutetica do Apologista Indiscutivelmente

para Justino a ldquoprofecia eacute a prova maacuteximardquo532 eacute ldquoo ponto mais forte em relaccedilatildeo agrave veracidade

do cristianismordquo533

Algumas das passagens da I Apologia contribuem decisivamente para este conceito

Por exemplo quando Justino afirma ldquoDisso proveacutem nossa firmeza em aceitar seus

ensinamentos pois se manifesta realizado tudo quanto ele predisse que aconteceria Eis a obra

de Deus dizer as coisas antes que aconteccedilam e depois mostrar o acontecido tal qual ele foi

preditordquo534 Logo adiante no mesmo contexto o Apologista robustece ainda mais seu

raciociacutenio seguindo em uma de suas mais peculiares abordagens Justino claramente natildeo visa

um posicionamento maiecircutico535 nem busca uma manifestaccedilatildeo sofista para com o puacuteblico-alvo

de sua I Apologia Assim ele reafirma com zelo a determinaccedilatildeo de seu ideaacuterio de feacute

ldquoPoderiacuteamos terminar aqui o nosso discurso sem acrescentar mais nada considerando que

pedimos coisas justas e verdadeirasrdquo536

Neste trecho transparece-nos a ideia de que Justino reconhecia nas profecias algo de

elementar e misterioso que natildeo podia ser ocultado Para o Apologista estaacute expliacutecito que aquilo

que esta projeccedilatildeo Divina ndash de essecircncia clara devida e orientada segundo a obra do Espiacuterito

Santo ndash visava expressar ao conhecimento humano era o conteuacutedo filosoacutefico salviacutefico do Logos

que ldquoilumina toda alma de boa vontaderdquo537 fazendo com que as profecias da Antiga Alianccedila

532 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 23

533 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

534 JUSTINO I Apologia XII 10 grifo nosso

535 Maiecircutica (maimiddotecircumiddottimiddotca) grego maieutikeacute ciecircncia ou arte do parto Substantivo feminino Significa Uma das

formas pedagoacutegicas do processo socraacutetico a qual consiste em multiplicar as perguntas a fim de obter por induccedilatildeo

dos casos particulares e concretos um conceito geral do objeto em estudo Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua

Portuguesa Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgmaiecircuticagt Acesso em 12 de mar 2019

536 JUSTINO I Apologia XII 11 grifo nosso

537 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

124

evidentemente conseguissem comunicar seu caraacuteter e estado superior o qual por ter-se

concretizado na manifestaccedilatildeo do Evangelho de Cristo atestava o cumprimento das Boas Novas

do Logos que os profetas (e tambeacutem os filoacutesofos538) haviam recebido no passado como um

sinal visiacutevel de que agrave Palavra Incriada visitaria plenamente aos homens Neste aspecto

podemos celebrar juntamente com Justino sua tentativa ordenada ndash e consequentemente loacutegica

ndash de aprumar a religiatildeo cristatilde neste cenaacuterio profeacutetico Sobre esta praacutetica Santos comenta o

seguinte

Em seu texto Justino parece revelar-nos que as profecias foram o que mais o

convenceram quanto agrave ldquoverdaderdquo do evangelho Se sua busca era encontrar Deus

(JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6) no cristianismo ele o encontrou a partir da

veracidade das profecias Elas eram a confirmaccedilatildeo de que o cristianismo era a

verdade que ele tanto procurava539

Quando se lecirc a I Apologia percebe-se que o contato de Justino com o Antigo

Testamento foi muito significativo algo que possivelmente foi ocasionado e fomentado por sua

relaccedilatildeo de proximidade na infacircncia e juventude com o ambiente judeu na cidade de Flaacutevia

Neaacutepolis mesmo que sua obra natildeo nos indique um ldquoconhecimento aprofundado do

judaiacutesmordquo540 do periacuteodo por parte de Justino

Contudo uma ordenaccedilatildeo de caraacuteter sadia ndash no sentido interpretativo ndash nos parece ter

surgido desde cedo na relaccedilatildeo analiacutetica de Justino para com as profecias veterotestamentaacuterios

Pode-se afirmar que os profetas e suas profecias lhe despertaram muito a consciecircncia e

provocaram grande reflexatildeo em Justino Dois outros aspectos chamam bastante a atenccedilatildeo

porque descrevem com consistecircncia a posiccedilatildeo hermenecircutica de Justino O primeiro estaacute

relacionado a sua defesa da ideia de que o Antigo Testamento retrata tipologicamente a Nova

Alianccedila O segundo eacute o conjunto messiacircnico desenvolvido na I Apologia541 algo que veremos

mais detalhadamente a seguir Voltando ao primeiro ponto a pesquisa de Xavier nos auxilia

significativamente pois consegue sintetizaacute-lo de forma ampla e coerente

538 Ver JUSTINO I Apologia XLIV 1-13

539 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

grifo nosso

540 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

541 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

125

No tratado ldquoContra Maacutercionrdquo refuta os ensinos deste que instigavam a crer em outro

deus maior do que o criador proferindo blasfecircmias e negando que o criador do

universo seja o Pai de Cristo Embora Marciatildeo fosse considerado cristatildeo ensinava

que o Antigo Testamento natildeo devia ser seguido pelos cristatildeos por ser muito diferente

dos ensinos de Cristo Os judeus por sua vez tambeacutem diziam que os cristatildeos

interpretavam mal o Antigo Testamento vendo nele a preparaccedilatildeo para a vinda de

Jesus Essas discussotildees propiciaram Justino a escrever ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo onde

ele argumenta com o judeu Trifatildeo acerca da relaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e o Antigo

Testamento utilizando-se de tipologias visando demonstrar como se interpreta o

Antigo Testamento afirmando que ldquo[] o Antigo Testamento aponta para Jesus

principalmente de dois modos mediante suas palavras profeacuteticas e mediante atos e

accedilotildees que satildeo lsquofigurasrsquo ou lsquotiposrsquo que tambeacutem apontam para Jesusrdquo A interpretaccedilatildeo

tipoloacutegica de Justino baseia-se nos proacuteprios fatos histoacutericos em particular nos fatos

da vida de Jesus542

Nesta posiccedilatildeo do exame cabe-nos recordar e ressaltar o caraacuteter fortemente

empiacuterico543 que se apresenta novamente no relato de nosso autor Este se sustenta de maneira

consideraacutevel pois eacute utilizado como um criteacuterio comprobatoacuterio da metodologia apologeacutetica de

Justino Como jaacute vimos anteriormente Justino natildeo era um empirista segundo o rigor que o

termo exige a partir do Seacuteculo XVII Entretanto o Apologista parece conduzir a concepccedilatildeo do

real a uma inevitaacutevel relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica especialmente no caso do Logos profetizado

que se manifestou em Cristo Assim torna-se inevitaacutevel reconhecer que para Justino a Verdade

se manifestou no reconhecimento da experiecircncia do homem para com agrave profecia Divina

Algo que tambeacutem nos chama bastante atenccedilatildeo nesta cena eacute que este suposto meacutetodo

empirista que poderiacuteamos chamar de claacutessico544 parece ser mais atrelado agraves teorias aristoteacutelicas

do que platocircnicas545 devido agrave grande valorizaccedilatildeo do meacutetodo indutivo Desta forma vemos no

capiacutetulo XXX da I Apologista um conjunto que visa apontar elementos de teor comprobatoacuterio

Nesta porccedilatildeo encontramos a partir da visatildeo do Apologista a seguinte conceituaccedilatildeo

Apresentaremos pois a demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos

mas crendo por necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da

forma que os vemos cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos

tal como foram profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes

mesmos a mais forte e a mais verdadeira546

542 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 19

543 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

544 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

545 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

546 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

126

Algo de importacircncia singular em toda esta exposiccedilatildeo eacute o estabelecimento da ideia

como tambeacutem a percepccedilatildeo de um estado ativo de consciecircncia em Justino Para ele as profecias

veterotestamentaacuterias tecircm sua origem (entenda-se inspiraccedilatildeo) na terceira pessoa da Trindade547

O Espiacuterito Santo que Justino chama de ldquoEspiacuterito profeacuteticordquo548 aparece em seus registros como

Aquele que atua de forma proclamadora sendo o agente inspirador e formador no espiacuterito dos

profetas da Palavra a ser promulgada trazendo ao conhecimento de todos por meio desses

servos os eventos divinos que futuramente se revelariam Aqui vale-nos registrar que o

princiacutepio de pressaacutegio como algo que foi ajuizado para se revelar num tempo futuro possuiacutea

fundamental importacircncia nesta conceituaccedilatildeo Para Justino era imprescindiacutevel em sua

construccedilatildeo apologeacutetica salientar que as profecias foram registradas efetivamente antes de seu

cumprimento ou seja antes de terem se tornado fatos reais549

Neste contexto cabe-nos examinar duas passagens da I Apologia que promovem esta

ideia Sem desejarmos abordar de maneira direta qualquer outra ecircnfase teoloacutegica nestas

passagens ndash por exemplo aplicaccedilotildees escatoloacutegicas e outras ndash iremos apenas nos focar naquilo

que entendemos ser o grau de concordacircncia substancial oferecido e exigido por ambas as

porccedilotildees dentro de nossa temaacutetica A anaacutelise profeacutetica (interpretaccedilatildeo) do Apologista se

desenvolve desta forma

Entre os judeus houve profetas de Deus atraveacutes dos quais o Espiacuterito profeacutetico

anunciou antecipadamente os acontecimentos futuros e os reis que segundo os

tempos se sucederam entre os judeus apropriando-se de tais profecias guardaram-nas

cuidadosamente tal como foram ditas e tal como os proacuteprios profetas as consignaram

em seus livros escritos em sua proacutepria liacutengua hebraica [] E de novo o mesmo

profeta Isaiacuteas inspirado pelo Espiacuterito profeacutetico disse [hellip]rdquo550

De forma emblemaacutetica vemos na apresentaccedilatildeo de Justino relacionada ao proacuteprio

Cristo Logos Messias o ponto elementar e essencial para a interpretaccedilatildeo da revelaccedilatildeo profeacutetica

do Antigo Testamento uma vez que o conhecimento transcendental relacionado agrave pessoa de

547 Justino coordena com certa razoabilidade em seus escritos a descriccedilatildeo das Trecircs Pessoas Divinas utilizando-se

especialmente para isso de foacutermulas obtidas dos ritos de batismo e eucaristia Suas referecircncias ao Espiacuterito Santo

aparecem com normalidade em suas obras embora Justino natildeo seja absolutamente claro acerca da relaccedilatildeo entre as

funccedilotildees do Espiacuterito e as do Logos em algumas passagens Entretanto eacute niacutetido que o Apologista considerava que

estes (Pai Logos e Espiacuterito) eram realmente pessoas distintas Ver JUSTINO I Apologia LXI 3-12 KELLY

Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 75

548 JUSTINO I Apologia VI 2

549 JUSTINO I Apologia XII 9-10

550 JUSTINO I Apologia XXXI 1 XXXV 3a grifo nosso

127

Jesus manifestava a sua proacutepria natureza ministerial ou seja revelava o Messias prometido a

Israel Em um contexto que aborda sobre Moiseacutes e as profecias messiacircnicas Justino eacute

categoacuterico em afirmar ldquoateacute agrave apariccedilatildeo de Jesus Cristo nosso Mestre e interprete das profecias

desconhecidas tal como foi de antematildeo dito pelo Espiacuterito Santo profeacutetico por meio de Moiseacutes

que natildeo faltaria priacutencipe dos judeus ateacute aquele para o qual estaacute reservada a realezardquo551

Nesta mesma abordagem torna-se importante fazer uma observaccedilatildeo quanto agrave

excepcional erudiccedilatildeo apresentada por Justino O Apologista fomenta uma impecaacutevel exegese

de caracteriacutestica e ordenamento dogmaacutetico algo que explica as peculiaridades do autor e seu

meio intelectual (Patriacutestico)552 distinccedilatildeo que tambeacutem pode ser detectada em sua apresentaccedilatildeo

de caraacuteter expositivo dos textos biacuteblicos utilizados553 Santos contribui decisivamente na

construccedilatildeo deste realce

Mas ele mesmo se mostra um exiacutemio exegeta ao enumerar e manusear as profecias

tanto do Antigo Testamento quanto as do Novo Testamento Justino as interpreta as

explica as esclarece revela a que se referem com uma forte argumentaccedilatildeo Haacute

algumas incoerecircncias em suas interpretaccedilotildees poreacutem estas satildeo frutos das boas

intenccedilotildees em demonstrar o quanto as profecias comprovam a superioridade da feacute dos

cristatildeos554

Notamos portanto que Justino representa mais do que uma ideia destacadamente ele

representa a continuidade de uma fiel relaccedilatildeo entre a profecia aplicada no passado e a

orquestraccedilatildeo de seu estabelecimento no presente555 Este presente que agora estaacute sob o efeito

daacute ldquotransformaccedilatildeo completa do conceito da filosofiardquo556 passa a ser entendido como um estado

contiacutenuo que invade e preenche o futuro com sua proclamaccedilatildeo por ser fidedignamente um

retrato do dogma cristoloacutegico557 ecircnfase que acaba por cristalizar-se a ponto de ser possiacutevel se

afirmar que ldquoJustino foi o primeiro verdadeiro teoacutelogo a formular uma teologia da histoacuteria

551 JUSTINO I Apologia XXXII 2b

552 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

553 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

554 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114-

115

555 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

556 Para Boehner e Gilson agrave filosofia grega como ciecircncia entendida a eacutepoca passa para os cristatildeos o controle

histoacuterico de seus atos a partir da Era dos Pais Apologista sendo Justino o elemento decisivo para que ocorresse

esse fenocircmeno cultural Ver BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

557 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

128

cristocecircntricardquo558 Deste modo finalizamos este item com o pensamento de Walde Neste

vemos com clareza que no conceito de Justino a figura humana de Jesus Cristo era literalmente

a manifestaccedilatildeo do que poderia ser considerado ldquoprofecias cumpridasrdquo559

Adicionado a esta leitura apresentamos a partir de agora o exame de um dos elementos

teoloacutegicos mais caros ao cristianismo Este singelo criteacuterio nos conduziraacute ao cliacutemax daquilo que

Justino visava comunicar por meio do processo de revelaccedilatildeo contido nas profecias do Antigo

Testamento Deste modo iniciamos a parte final desta pesquisa O item seguinte iraacute

complementar o atual e finalizar este capiacutetulo com uma anaacutelise sobre o cumprimento profeacutetico

da Primeira Alianccedila sendo esse processo o grande resultado que para Justino equivale agrave

apropriaccedilatildeo da Verdade como uma definiccedilatildeo real sobre a vida e os acontecimentos humanos

pois para Justino isso prova de maneira definitiva que a Verdade estaacute com o cristianismo Essa

evidecircncia indubitaacutevel para o Apologista eacute a encarnaccedilatildeo de Cristo

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO

Iniciamos este item citando a Walde que eacute emblemaacutetico ao se utilizar do pensamento

de Schaff quando procura introduzir em sua pesquisa um conjunto de mediadas loacutegicas que

parecem visar o estabelecimento de uma proposta a teologia de Justino Walde buscando de

maneira clara estabelecer um rigor de orientaccedilatildeo para causas que ele considera balizares

apresenta-nos mediante um meacutetodo a priori560 seu entendimento de que para Justino haacute uma

consequecircncia ndash dando-nos a impressatildeo de que este evento eacute o grau maacuteximo possiacutevel para o

caso ndash causal para aquilo que a humanidade testificou sobre a accedilatildeo salviacutefica de Deus Deste

modo Walde conjectura sobre a ideia de Schaff e nos afirma que ldquolsquoo cristianismo eacute a alta

razatildeorsquo para Justino lsquoO Logos eacute a razatildeo preacute-existente absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo

dele o Logos encarnadorsquordquo561

Eacute oportuno aqui apresentarmos um resumo de alguns pontos essenciais jaacute

desenvolvidos em nossa pesquisa principalmente na questatildeo que envolve o conceito do Logos

em Justino poreacutem agora focado no dogma da encarnaccedilatildeo de Jesus Cristo

558 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

559 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

560 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

561 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5 grifo nosso

129

Desta maneira optamos por comeccedilar esta reapresentaccedilatildeo de uma forma mais geneacuterica

onde a explanaccedilatildeo de Dreher contribui de maneira significativa Ele escreve ldquoO cristianismo

segundo Justino natildeo soacute eacute a mais antiga como tambeacutem a religiatildeo mais natural e praacuteticardquo562

Trata-se de uma harmoniosa relaccedilatildeo entre estado e forma ou talvez entre causa e efeito O

cristianismo como corpo (uma coletividade organizada) passa a ser o efeito seleto de uma

substacircncia (Logos) que eacute perfeita e sublime na concepccedilatildeo de Justino563 O mesmo sentido

conseguimos captar em Dreher que apresenta a seguinte definiccedilatildeo a respeito do ideaacuterio

apologeacutetico do Seacuteculo II

Toda a histoacuteria em uacuteltima anaacutelise se desenrola em direccedilatildeo ao cristianismo Homens

como Heraacuteclito e Soacutecrates foram inspirados pelo Logos divino bem como os

precursores do cristianismo Abraatildeo Elias e outros profetas Judeus Em Cristo toda a

filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo564

Novamente algo bem condensado nos aparece junto aos comentaacuterios feitos a respeito

do Logos especialmente no que se refere aquilo ou aqueles que envolviam o ambiente

sociorreligioso de Justino ndash lugar de sua conceituaccedilatildeo por excelecircncia O cenaacuterio cultural

descrito conduz (de maneira linear) o tema a uma nova anaacutelise temporal devido ao forte teor

teoloacutegico que possuiacutea Esta mensagem reorientada (o Logos que tornou-se Homem) por Justino

afirmava que tudo o que um dia foi profetizado por um povo estrangeiro ndash considerado de

cultura ldquoestranha e inferiorrdquo a realidade do mundo greco-romano ndash a partir de agora os conduzia

a Verdade e isso de forma antroacutepica por meio de uma ideia um tanto quanto exoacutetica (absurda)

para esse meio cultural Esse novo conceito afirma que um ser excelso (divino) tinha se tornado

um ser humano ou seja que ele havia encarnado

Na mesma linha de Dreher Wachholz se pronuncia de forma muito similar ele

escreve ldquoPara Justino o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga pois foi preparada pelo Logos

como se evidecircncia nos profetas e no pensamento grego Em Cristo a filosofia chega agrave plenitude

Mais do que isso toda a histoacuteria se desenvolve na direccedilatildeo do cristianismordquo565 Desta maneira

a transmissatildeo dessa ideia acaba por ganhar um teor imperativo em sua implicaccedilatildeo pois nesse

ponto (encarnaccedilatildeo do Logos) a leitura que compreendemos ter havido por parte de Justino

562 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

563 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

564 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

565 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 61 grifo nosso

130

referente agrave Primeira Alianccedila comeccedila a apresentar de maneira elaborada seu ente e

consequentemente a este sua essecircncia Seu ente eacute Jesus Cristo (o Homem) sua essecircncia eacute

Logos566

Deste modo manifesta-se algo profundo na construccedilatildeo e postura de Justino quando

ele passa a atribuir (mesmo que de forma implicitamente) agrave encarnaccedilatildeo de Cristo toda a

eficiecircncia necessaacuteria para o pleno cumprimento das profecias do passado Notamos que na

opiniatildeo do Apologista as questotildees referentes a libertaccedilatildeo do homem de sua ignoracircncia e das

accedilotildees demoniacuteacas que o escravizam ndash assunto que eacute amplamente tratado na I Apologia567 ndash

acabam por exercer relevante importacircncia no cenaacuterio humano de forma geral porque estas

mazelas espirituais dominam e vituperam o ser humano aprisionando-o por meio de sofismas

e de falsos exames da verdadeira realidade histoacuterica Esse ponto eacute realmente relevante quando

tratamos sobre o pensamento de Justino pois ele entendia de maneira praacutetica568 que os

democircnios possuiacuteam uma missatildeo ordinaacuteria de ldquoreduzir os homens a escravos e assistentes

seusrdquo569

A ligaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e a filosofia grega natildeo se faz sem conflitos570 e natildeo eacute uma

questatildeo de menor impacto no periacuteodo do Seacuteculo II No que cabe a delimitaccedilatildeo deste estudo o

comentaacuterio de Gonzaacutelez a respeito do Tratado de Taciano571 retrata esse conflito de visotildees que

cercava o avanccedilo do Evangelho em meio a cultura helecircnica do periacuteodo Este registro traz

importante contribuiccedilatildeo ao nosso raciociacutenio Gonzaacutelez diz

Tudo o que a haacute de valioso entre os gregos ndash prossegue Taciano ndash eles o tomaram dos

baacuterbaros Assim por exemplo a astronomia aprenderam dos babilocircnios a geometria

dos egiacutepcios e a escrita dos feniacutecios E o mesmo pode se dizer acerca da filosofia e da

religiatildeo pois os escritos de Moiseacutes satildeo muito mais antigos que os de Platatildeo e ateacute mais

antigos que os de Homero Se Homero e Platatildeo realmente eram pessoas cultas

segundo os proacuteprios gregos dizem era de se supor que conhecessem os escritos de

Moiseacutes Portanto qualquer coincidecircncia entre a cultura supostamente grega e a

religiatildeo dos ldquobaacuterbarosrdquo hebreus e cristatildeos deve-se a que os gregos aprenderam sua

sabedoria dos baacuterbaros Mas em todo caso o certo eacute que os gregos ao lerem a

566 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

567 JUSTINO I Apologia V 1-4 IX 1 X 6

568 JUSTINO I Apologia XIV 1

569 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

570 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

571 O escrito chama-se de Discurso aos Gregos composto por Taciano o mais famoso entre os disciacutepulos de

Justino Esta obra reconhecidamente representa um ataque frontal contra tudo que os gregos consideravam

valioso em seu exerciacutecio da racionalidade especialmente naquilo que constituiacutea as bases de sua metafisica O

escrito de caraacuteter apologeacutetico tambeacutem se salienta pela defesa dos chamados ldquobaacuterbarosrdquo isto eacute dos cristatildeos Ver

GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

131

sabedoria dos ldquobaacuterbarosrdquo natildeo a entenderam e portanto adulteraram a verdade que os

hebreus conheciam Portanto a suposta sabedoria grega natildeo eacute senatildeo um paacutelido reflexo

e uma caricatura da verdade que Moiseacutes conheceu e que os cristatildeos agora pregam572

Um fator nesta conjuntura que apresenta caracteriacutesticas agudas estaacute na apropriaccedilatildeo de

que agrave ldquosabedoriardquo (como sendo o grande fundo de conhecimento) proveniente da filosofia e

toda ou qualquer outra forma de conhecimento humano considerado como elevado para a

concepccedilatildeo da eacutepoca usava de bases ontoloacutegicas em sua refutaccedilatildeo dos elementos vitais

apresentados pela feacute cristatilde que estava em pleno estabelecimento e curso de seu exerciacutecio

naquele ambiente gentiacutelico573

O ministeacuterio a morte e especialmente a ressurreiccedilatildeo de Cristo574 causavam natildeo apenas

estranheza mas tambeacutem incocircmodo a classe intelectual dominante O testemunho de Paulo nos

apresenta uma fraccedilatildeo dessa realidade cultural O Apoacutestolo desenvolve uma definiccedilatildeo

figurativa mas nada ilusoacuteria desta realidade e de sua reaccedilatildeo para com a nova mensagem que

surgia Ele escreve ldquoPorque tanto os judeus pedem sinais como os gregos buscam sabedoria

mas noacutes pregamos a Cristo crucificado escacircndalo para os judeus loucura para os gentiosrdquo (1

Co 122-23) Neste contexto Paulo afirma que os ldquogregos insistiam em explicaccedilotildees racionais e

buscavam sistemas especulativosrdquo575 Um procedimento de harmonizaccedilatildeo que facilmente

condicionava a si exigecircncias de que ldquoDeus se revelasse em harmonia com as suas ideias em

particularrdquo576

Portanto atraveacutes dos relatos registrados acima podemos afirmar que uma espeacutecie de

ldquomonopoacutelio do saberrdquo procurava se manter vigorosamente ativo Este cenaacuterio histoacuterico foi o

mesmo em que Justino teve que apresentar sua mensagem apologeacutetica afirmando que Aquele

ao qual representava simbolizava a plena afirmaccedilatildeo de uma loacutegica da ordenaccedilatildeo Divina entre

os homens Isso se concretiza em suas obras especialmente na I Apologia quando afirma ndash de

uma forma praticamente sistemaacutetica ndash que as profecias do Antigo Testamento se cumpriram na

encarnaccedilatildeo do Logos A obra de Gonzaacutelez nos auxilia na compreensatildeo desta loacutegica orientada e

proposta por Justino

572 TACIANO Discurso Contra os Gregos apud GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

573 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 88

574 Ver Atos dos Apoacutestolos 1718-32

575 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 253 grifo do

autor

576 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 254

132

Segundo os filoacutesofos gregos tudo o que nossa mente consegue compreender o faz

porquecirc de algum modo participa do ldquologosrdquo ou razatildeo universal Por exemplo se

podemos compreender que dois e dois satildeo quatro isso se deve ao fato de que tanto

em nossa mente como no universo existe um ldquologosrdquo uma razatildeo ou ordem segundo

o qual dois e dois satildeo quatro Ora o que os cristatildeos creem eacute que em Jesus Cristo esse

logos ndash e esta eacute a palavra que aparece no proacutelogo do Quarto Evangelho ndash se fez carne

O que Joatildeo 114 nos diz eacute que a razatildeo fundamental do universo o verbo ou palavra

(logos) de Deus se fez carne em Jesus Cristo577

Nesse ambiente tatildeo carregado de ordenamentos filosoacuteficos e por conseguinte tambeacutem

teoloacutegicos nasce uma interrogaccedilatildeo de acentuada relevacircncia ldquoMas por que esta interpretaccedilatildeo

sobre Jesus deve ser acreditadardquo578 Como premissa seria interessante (ou necessaacuterio)

providenciar uma soluccedilatildeo para esta demanda partindo do que podemos encontrar no proacuteprio

autor (Justino)

Assim o Apologista comeccedila a nos responder este ponto que poderia ser interpretada

como repetitiva eou ateacute mesmo ldquotrivialrdquo para com o contexto filosoacutefico e teoloacutegico moderno

Contudo esta questatildeo parece ter sido solucionada de forma amplamente criativa e inovadora

para com aquele contexto sociorreligioso Justino responde essa pergunta de caraacuteter entranhaacutevel

ndash figadal para alguns ouvintes espirituosa para outros ndash dizendo ldquoos homens poderiam

considerar incriacutevel e impossiacutevel de acontecer Deus o indicou antecipadamente por meio do

Espiacuterito profeacutetico para que quando acontecesse natildeo lhe fosse negada a feacute e sim justamente

por ter sido predito fosse acreditadordquo579

Entretanto cabe-nos realocar Walde nesta construccedilatildeo conceitual (a pergunta acima eacute

de sua autoria) Ele nos propotildee duas razoaacuteveis respostas na tentativa de concretizar sua ideia

tendo como base o que pode ser considerado um resultado ordenado na tentativa de tornar a

mensagem de Justino plausiacutevel A primeira baseia-se direta e integralmente em uma citaccedilatildeo da

I Apologia Walde vecirc com consideraacutevel eficiecircncia nas palavras de Justino580 uma opccedilatildeo

admissiacutevel para emoldurar essa questatildeo Importante tambeacutem eacute entendermos que no contexto

daquela eacutepoca (e igualmente na atualidade) em questotildees que envolviam a aplicaccedilatildeo de algumas

proposiccedilotildees natildeo bastava ser diretivo era necessaacuterio ser consequente Desta forma o autor

inicia a resposta agrave sua pergunta citando o Apologista581

577 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

578 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

579 JUSTINO I Apologia XXXIII 2

580 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

581 Ver JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

133

Nos livros dos profetas jaacute encontramos anunciado que Jesus nosso Cristo deveria vir

nascido de uma virgem que ele chegaria agrave idade adulta curaria toda doenccedila toda

fraqueza e ressuscitaria dos mortos que seria invejado desconhecido e crucificado

que morreria ressuscitaria e subiria aos ceacuteus que ele eacute e se chama Filho de Deus que

ele enviaria alguns para proclamar essas coisas a todo o gecircnero humano e seriam os

homens das naccedilotildees aqueles que mais creriam nelerdquo E essas profecias foram feitas

umas cinco outras trecircs outras dois mil e outras mil e oitocentos anos antes que ele

aparecesse no mundo Com efeito eacute sabido que os profetas se sucederam uns aos

outros de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo582

A segunda resposta de Walde se orienta atraveacutes de uma questatildeo cultural que tambeacutem

possui uma importante relevacircncia neste cenaacuterio ldquoNatildeo soacute foi o cumprimento da profecia notaacutevel

em si mesmo mas tambeacutem foi significante que tais profecias foram feitas muito antes dos

filoacutesofos gregos pois diferente de hoje a antiguidade era importante para a mentalidade grega

em estabelecer uma crenccedilardquo583 Cabe-nos registrar que nesse enlace a pesquisa biacuteblica teoloacutegica

poderia apontar datas posteriores (ao periacuteodo da Filosofia Claacutessica) para a promulgaccedilatildeo dessas

Palavras Profeacuteticas (Messiacircnicas) aleacutem de debater se os ldquotextos satildeo autecircnticosrdquo584 no entanto

lembramos que nosso alvo em anaacutelise estaacute centrado na pessoa de Justino o qual sem nenhuma

duacutevida eacute um dos pioneiros da interpretaccedilatildeo de caraacuteter expositivo e natildeo cientiacutefico meacutetodo (por

assim chamar) reconhecidamente usual no periacuteodo Patriacutestico ateacute o Seacuteculo V585 Deste modo

para Justino natildeo havia duacutevidas as profecias satildeo anteriores aos filoacutesofos

Na busca de um resultado mais qualificado para esta pesquisa entendemos que uma

anaacutelise mais pormenorizada da I Apologia ainda se faz necessaacuteria em pelo menos um quesito

O cenaacuterio no qual a I Apologia foi escrita expunha necessidades claras de se apresentar

evidecircncias fortes na tentativa de se estabelecer o status necessaacuterio as provas que visavam

atestar o cumprimento das profecias messiacircnicas na existecircncia futura (encarnaccedilatildeo) de Cristo

Nunca podemos esquecer que para Justino de forma primordial o cristianismo se estabelecia

em um esquema com propriedades ldquomorfoloacutegicasrdquo pois este era mais que um sistema ndash como

configurado em escolas filosoacuteficas ndash ele era essencialmente ldquouma pessoa o Verbo encarnado

e crucificado em Jesus que lhe revelou o misteacuterio de Deusrdquo586 Para Justino questotildees factiacuteveis

parecem ser importantes ou ateacute mesmo fundamentais no programa que ele visava representar

582 JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

583 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

584 ROumlSEL Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea 2009 p 95

585 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

586 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152 grifo nosso

134

de forma minuciosa Sendo assim vemos em sua construccedilatildeo apologeacutetica um claro objetivo de

desenvolvimento daquilo que ele desejava provar por meio de suas palavras

Eacute portanto necessaacuterio apresentar detalhadamente as citaccedilotildees que salientam a

encarnaccedilatildeo de Cristo na visatildeo de Justino O esquema abaixo baseia-se nas obras de Frangiotti587

e Santos588 os quais retratam em seus trabalhos esta conexatildeo exegeacutetica existente em Justino

Neste esquema conseguimos visualizar com significativa clareza (de maneira ateacute mesmo

didaacutetica) a notaacutevel relaccedilatildeo dos textos da I Apologia com os textos do Antigo Testamento que

para Justino antecipam a encarnaccedilatildeo de Cristo Segundo a obra do Apologista a realizaccedilatildeo das

Palavras preditas pelos profetas de Israel constitui a conexatildeo com o Logos tornado carne e

concretiza um dos pontos elementares da accedilatildeo de Deus em meio aos homens Partindo da I

Apologia em paralelo com a Primeira Alianccedila vemos

I Apologia Antigo Testamento

Moiseacutes que foi o primeiro dos profetas

disse literalmente ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe

de Judaacute nem chefe saiacutedo de seus

muacutesculos ateacute que venha aquele a quem

estaacute reservado Ele seraacute a esperanccedila das

naccedilotildees amarrando seu jumentinho agrave

vinha e lavando sua roupa no sangue da

uvardquo (JUSTINO I Apologia XXXII 1)

ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe de Judaacute nem mesmo um

chefe de suas entranhas ateacute que venha aquilo

que estaacute guardado para ele ele eacute a expectativa

dos povos Ele amarraraacute seu jumentinho agrave

vinha e o filhote do seu jumento ao ramo ele

lavaraacute sua veste em vinho e o seu manto no

sangue das uvasrdquo589 Gecircnesis 4910-11

E Isaiacuteas outro profeta diz a mesma coisa

com outras palavras ldquoLevantar-se-aacute uma

estrela de Jacoacute e uma flor subiraacute da raiz

de Isaiacute e as naccedilotildees esperaram sobre o seu

braccedilordquo (JUSTINO I Apologia XXXII

12a)

ldquoLevantar-se-aacute um broto da raiz de Jesseacute e um

renovo subiraacute desta raiz [] Naquele dia

haveraacute a raiz de Jesseacute que se levanta para

587 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 24-26

588 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 115-

117

589 No original ldquoοὐκ ἐκλείψει ἄρχων ἐξ Ιουδα καὶ ἡγούμενος ἐκ τῶν μηρῶν αὐτοῦ ἕως ἂν ἔλθῃ τὰ ἀποκείμενα αὐτῷ

καὶ αὐτὸς προσδοκία ἐθνῶν δεσμεύων πρὸς ἄμπελον τὸν πῶλον αὐτοῦ καὶ τῇ ἕλικι τὸν πῶλον τῆς ὄνου αὐτοῦ πλυνεῖ

ἐν οἴνῳ τὴν στολὴν αὐτοῦ καὶ ἐν αἵματι σταφυλῆς τὴν περιβολὴν αὐτοῦrdquo

135

governar as naccedilotildees nele esperaratildeo as naccedilotildees

e seu repouso seraacute gloriosordquo590 Isaiacuteas 11110

Escutai agora como foi literalmente

profetizado por Isaiacuteas que Cristo seria

concebido por uma virgem Ele diz o

seguinte ldquoEis que uma virgem conceberaacute

e daraacute agrave luz um filho e lhe poratildeo o nome

Deus conoscordquo (JUSTINO I Apologia

XXXIII 1)

ldquoPor causa disto o proacuteprio Senhor vos daraacute

um sinal eis que a virgem conceberaacute e daraacute agrave

luz um filho e tu lhe daraacutes o nome de

Emanuelrdquo591 Isaiacuteas 714

Escutai agora como Miqueacuteias outro

profeta predisse o lugar da terra em que

ele nasceria Assim diz ldquoE tu Beleacutem terra

de Judaacute de modo algum eacutes a menor entre

os priacutencipes de Judaacute pois de ti sairaacute o

chefe que apascentaraacute o meu povordquo

(JUSTINO I Apologia XXXIV 1)

ldquoE tu Beleacutem casa de Efrata eacutes insignificante

em tua existecircncia entre os milhares de Judaacute

poreacutem em teu meio se levantaraacute aquele que

seraacute governante em Israel Tambeacutem as

origens dele satildeo desde o princiacutepio desde os

tempos eternosrdquo592 Miqueacuteias 51

Tambeacutem foi predito que Cristo depois de

nascer viveria oculto aos outros homens

ateacute agrave idade adulta Escutai o que foi dito

antecipadamente a esse respeito Eacute o

seguinte ldquoUm menino nasceu um

pequenino nos foi dado cujo impeacuterio estaacute

sobre os ombrosrdquo ( JUSTINO I Apologia

XXXV 1-2a)

ldquoPorque um menino vos nasceu e um filho vos

foi dado o qual recebeu o governo sobre os

seus ombros E ele seraacute chamado de

Mensageiro do Magniacutefico Conselho pois eu

trarei paz sobre os priacutencipes e sauacutede para

elerdquo593 Isaiacuteas 95

590 No original ldquoκαὶ ἐξελεύσεται ῥάβδος ἐκ τῆς ῥίζης Ιεσσαι καὶ ἄνθος ἐκ τῆς ῥίζης ἀναβήσεται [] καὶ ἔσται ἐν

τῇ ἡμέρᾳ ἐκείνῃ ἡ ῥίζα τοῦ Ιεσσαι καὶ ὁ ἀνιστάμενος ἄρχειν ἐθνῶν ἐπrsquo αὐτῷ ἔθνη ἐλπιοῦσιν καὶ ἔσται ἡ ἀνάπαυσις

αὐτοῦ τιμήrdquo

591 No original ldquoδιὰ τοῦτο δώσει κύριος αὐτὸς ὑμῖν σημεῖον ἰδοὺ ἡ παρθένος ἐν γαστρὶ ἕξει καὶ τέξεται υἱόν καὶ

καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Εμμανουηλrdquo

592 No original ldquoκαὶ σύ Βηθλεεμ οἶκος τοῦ Εφραθα ὀλιγοστὸς εἶ τοῦ εἶναι ἐν χιλιάσιν Ιουδα ἐκ σοῦ μοι ἐξελεύσεται

τοῦ εἶναι εἰς ἄρχοντα ἐν τῷ Ισραηλ καὶ αἱ ἔξοδοι αὐτοῦ ἀπrsquo ἀρχῆς ἐξ ἡμερῶν αἰῶνοςrdquo

593 No original ldquoὅτι παιδίον ἐγεννήθη ἡμῖν υἱὸς καὶ ἐδόθη ἡμῖν οὗ ἡ ἀρχὴ ἐγενήθη ἐπὶ τοῦ ὤμου αὐτοῦ καὶ καλεῖται

τὸ ὄνομα αὐτοῦ μεγάλης βουλῆς ἄγγελος ἐγὼ γὰρ ἄξω εἰρήνην ἐπὶ τοὺς ἄρχοντας εἰρήνην καὶ ὑγίειαν αὐτῷrdquo

136

E outra vez por meio de outro profeta diz

com outras palavras ldquoEles transpassaram

meus peacutes e minhas matildeos e lanccedilaram sorte

sobre a minha roupardquo (JUSTINO I

Apologia XXXV 5)

ldquoPois muitos catildees me cercaram a assembleia

dos perversos me rodeia traspassaram as

minhas matildeos e os meus peacutes [] Repartiram

entre si as minhas vestes e sobre o meu traje

lanccedilaram sortesrdquo594 Salmos 211719

Citamos tambeacutem a profecia de outro

profeta Sofonias595 que literalmente

profetizou que ele montaria sobre um

jumentinho e desse modo entraria em

Jerusaleacutem Satildeo estas as suas palavras

ldquoAlegra-te muito filha de Siatildeo daacute gritos

filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a

ti manso montado sobre um jumento

sobre um jumentinho filho de um animal

de jugordquo (JUSTINO I Apologia XXXV

10-11)

ldquoRegozija-te muito Filha de Siatildeo proclama

Filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a ti

ele eacute justo e salvador Ele eacute humilde e estaacute

montado sobre um jumentinho um asno

novordquo596 Zacarias 99

Em suma podemos afirmar que em Justino encontra-se uma salutar e liacutempida

cristologia messiacircnica baseada consistentemente no Antigo Testamento597 De maneira

objetiva a descriccedilatildeo que conseguimos desenvolver a partir do texto de Justino nos aponta para

uma consistente elaboraccedilatildeo no qual alguns detalhes de caraacuteter terminante (irrevogaacuteveis)

quanto a funccedilatildeo de serem utilizados como conceitos primazes ndash na tentativa de estabelecer

princiacutepios e valores fundantes ndash se evidenciam por parte e a partir dos apontamentos de caraacuteter

particular que Justino faz agrave pessoa de Jesus Cristo (especialmente na I Apologia) Sem exageros

eacute possiacutevel agregarmos a esta organizaccedilatildeo textual a intenccedilatildeo de apresentar uma proposta de

constituiccedilatildeo messiacircnica segundo um modelo cristoloacutegico em desenvolvimento o qual seguia

594 No original ldquoὅτι ἐκύκλωσάν με κύνες πολλοί συναγωγὴ πονηρευομένων περιέσχον με ὤρυξαν χεῖράς μου καὶ

πόδας [] διεμερίσαντο τὰ ἱμάτιά μου ἑαυτοῖς καὶ ἐπὶ τὸν ἱματισμόν μου ἔβαλον κλῆρονrdquo

595 O Profeta aqui mencionado deveria ser Zacarias e natildeo Sofonias O equiacutevoco possivelmente natildeo eacute do tradutor

mas sim de Justino No texto grego temos σοφονιανSofonian

596 No original ldquoχαῖρε σφόδρα θύγατερ Σιων κήρυσσε θύγατερ Ιερουσαλημ ἰδοὺ ὁ βασιλεύς σου ἔρχεταί σοι δίκαιος

καὶ σῴζων αὐτός πραῢς καὶ ἐπιβεβηκὼς ἐπὶ ὑποζύγιον καὶ πῶλον νέονrdquo

597 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

137

de perto a ortodoxia da eacutepoca que jaacute estava sofrendo inuacutemeros ataques de acircmbito interno e

externo598

Natildeo haacute consenso de que Justino tenha inaugurado esse meacutetodo exegeacutetico599 mas sem

duacutevida eacute um dos que melhor conseguiu contribuir para o desenvolvimento desta temaacutetica na

histoacuteria da teologia dogmaacutetica600 Neste contexto em particular o Apologista passou a ser visto

como um claro orientador eou catalisador dos pressupostos existentes na filosofia grega Ele eacute

o primeiro a conceber o Logos como uma evidecircncia viaacutevel para uma siacutentese teoacuterica

possibilitando deste modo seu envolvimento no cristianismo Essa participaccedilatildeo intelectual

indiscutivelmente se destaca em sua autenticidade autoral a ponto de podermos dizer que

Justino foi o responsaacutevel por lanccedilar ldquoos fundamentos de um humanismo cristatildeordquo601

Este estudo evidenciou o apreccedilo e o temor de Justino pelas Sagradas Escrituras Sua

abordagem leitura e registro das profecias veterotestamentaacuterias constituem um quadro de

profunda responsabilidade e sobriedade por parte do Apologista especialmente naquilo que se

refere agrave descriccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de seu conceito sobre o que seria a Verdade sempre focando esse

fim como um resultado da revelaccedilatildeo escrituriacutestica Nesse ponto em especiacutefico a ponderaccedilatildeo de

Xavier nos oferece generosa lucidez ldquosua obra como um todo contribui para explicar a feacute cristatilde

baseada nas Escrituras como a fonte suprema de autoridade cujas profecias podem ser

compreendidas somente pela Graccedila de Deusrdquo602

Por uacuteltimo ainda devemos adotar uma postura clara e objetiva junto a este processo

que em si traz elementos fortemente interpretativos Assim salientamos que na concepccedilatildeo de

Justino era fundamental que o procedimento exegeacutetico de um cristatildeo sempre orientasse seus

leitoresouvintesmeditantes a conhecer e descobrir agrave Verdade O acontecimento que expressava

de forma incondicional que a revelaccedilatildeo Divina se realizou concretiza-se de maneira simples

nos elementos (profecias) que provam que o Logos encarnou603 Estes relatos profeacuteticos

apresentavam as condiccedilotildees ideais tornando-se assim em fatos irrefutaacuteveis para aqueles que

598 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

599 Para Daniel-Rops Justino utiliza-se do meacutetodo de interpretaccedilatildeo jaacute encontrado em Fiacutelon de Alexandria Nesse

processo partia-se do sentido concreto e histoacuterico do relato (biacuteblico) passando a seguir a busca de se obter

(alcanccedilardescobrir) uma explicaccedilatildeo de espeacutecie simboacutelica existente (implicitamente) nos Textos Sagrados Deste

modo essa ldquodescobertardquo de caraacuteter esoteacuterico tornava-se o objetivo uacuteltimo (principal) a ser alcanccedilado nesse meacutetodo

interpretativo Contudo faltam evidecircncias mais concretas sobre essa relaccedilatildeo e influecircncia autoral sobre Justino

Ver DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 280

600 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

601 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 30

602 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

603 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000

138

nisso criam fazendo com que cristatildeos de todas as classes e niacuteveis viessem a abraccedilar essa ideia

(como conceito) passando a compreender o cristianismo como um valor permanente do

ldquoespiacuterito humano a que a Encarnaccedilatildeo deu o seu verdadeiro sentido e o seu alcancerdquo604 Neste

contexto de impressionante singularidade a citaccedilatildeo de Santos nos permite encerrar com

excepcional qualidade esse item apresentado ldquoTodos os detalhes da histoacuteria de Jesus jaacute estavam

preditos nos profetas do Antigo Testamento Essa eacute a maior prova da superioridade da religiatildeo

cristatilde Por isso na concepccedilatildeo de Justino tudo o que eles (os cristatildeos) dizem eacute a verdaderdquo605

604 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279 grifo nosso

605 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 117

grifo nosso

139

CONCLUSAtildeO

A presente dissertaccedilatildeo procurou explanar a respeito de uma concepccedilatildeo que se destaca

por sua ordem moral e por seus paracircmetros dogmaacuteticos apresentando-se como uma chancela

na descriccedilatildeo apologeacutetica de Justino Maacutertir Este ponto de valor axiomaacutetico revelado pelo

Apologista torna-se de maneira evidente em uma espeacutecie de mediador de sua mensagem

permeando-se em toda a extensatildeo de um de seus mais conhecidos tratados literaacuterios Assim

reconhecemos que a I Apologia de Justino estaacute repleta de uma empolgante apresentaccedilatildeo do

termo Verdade sendo este substantivo normalmente utilizado pelo autor para uma distinccedilatildeo de

caraacuteter qualitativo sobre a representaccedilatildeo de um novo conjunto humano da realidade

sociorreligiosa do Seacuteculo II

Para Justino evidenciar a Verdade era tambeacutem ldquosetorizaacute-lardquo de alguma maneira dentro

da realidade humana Necessariamente essa postura adotada pelo Apologista acabou por se

definir por meio de sua leitura ativa sobre o estado e as praacuteticas de um grupo do qual ele mesmo

pertencia e do qual se estabeleciam as bases para sua dialeacutetica Logo falar sobre a Verdade

para Justino era falar dos recursos conceituais e praacuteticos vivenciados pelos cristatildeos de seu

tempo

Importa-nos nesta conclusatildeo ressaltar que Justino visava necessariamente qualificar o

ldquoobjetordquo junto a ldquoideiardquo que possuiacutea e defendia e como um bom filoacutesofo procurou obter

explicaccedilotildees satisfatoacuterias que salientassem sua posse daquilo que realmente era verdadeiro Na

esteira desta ideia o pensamento contemporacircneo balizado em argumentos considerados

ldquoortodoxosrdquo ndash mesmo tendo se passado quase vinte seacuteculos ndash ainda redunda com forccedila pois

consegue conceber que se estar na Verdade eacute para o espiacuterito humano possibilitar que as coisas

recebam agrave devida e real importacircncia que elas possuem na realidade

A partir disso na consciecircncia do Apologista tudo o que era produzido pela feacute cristatilde ndash

sendo ela assumida como um meio constitutivo de vida e praacutetica ndash possibilitava o

desenvolvimento de um senso de valor inesgotaacutevel sobre aquilo que se pode minimamente

relacionar como sendo o real o lugar onde a Verdade se ldquohospedardquo sendo que esta existecircncia

estaacute soberanamente ligada a uma realidade superiortranscendente ou seja esse real eacute Deus

Logo estar na Verdade seraacute sempre reconhecer a soberana realidade de Deus Esta

realidade percebida de forma geral pela noccedilatildeo de se possuir a Verdade eacute a realidade de Deus

manifestada pois aquilo que os cristatildeos vivem eacute a realidade de Deus entre noacutes Assim a

Verdade seraacute confessar a infinita majestade e santidade divinas por meio do legado de Deus

140

orquestrado pelos cristatildeos Nesta linha por meio dos princiacutepios metodoloacutegicos de Justino

consegue-se sintetizar com eficaacutecia e transparecircncia os resultados aos quais o Apologista

chegou como tambeacutem compreende-se melhor sua finalidade apologeacutetica que aponta com

clareza para uma identificaccedilatildeo que conforma a ideia (Verdade) ao objeto (Jesus Cristo) o dito

(novo Modus Vivendi) ao feito (Praxis Fidei) o anunciado (Profecias Messiacircnicas) ao ocorrido

(Encarnaccedilatildeo) em seu sentido absoluto

O problema que esta pesquisa levantou objetivamente foi qual o sentido do vocaacutebulo

ldquoVerdaderdquo empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica A

partir disto quatro capiacutetulos foram desenvolvidos na busca de se estabelecer um caminho

central e loacutegico para a soluccedilatildeo dessa questatildeo

O primeiro capiacutetulo fez uma breve apresentaccedilatildeo de Justino sua vida seu ministeacuterio

sua obra e seu contexto histoacuterico De maneira objetiva apresentamos um resumo biograacutefico da

pessoa de Justino em seu meio social e histoacuterico Procurou-se tambeacutem apresentar traccedilos

importantes para a compreensatildeo do cenaacuterio que elaborou nossa argumentaccedilatildeo central onde o

Pai Apologista Justino foi apresentado e a obra base desta pesquisa foi examinada de modo

literaacuterio dentro da necessidade requerida ndash relaccedilatildeo na qual ainda se agregou a perspectiva

cultural de Justino e por consequecircncia esta nos conduziu a uma abordagem sobre sua formaccedilatildeo

filosoacutefica

Mesmo natildeo sendo um dos pontos de sustentaacuteculo para a estrutura desta pesquisa em

nossa opiniatildeo o fator mais importante deste primeiro capiacutetulo certamente eacute o fenocircmeno do

martiacuterio entre os cristatildeos Fora do acircmbito teoloacutegico este traacutegico processo poderia ser

interpretado de forma estranha quando apresentado como um elemento determinante e ateacute

mesmo uacutetil enquanto via para que os natildeo-cristatildeos viessem a se converter e assim conhecerem a

Verdade Desta forma compreendemos que o processo de martiacuterio dos cristatildeos como um fato

histoacuterico foi influente na concepccedilatildeo e fundamental na constituiccedilatildeo do desenvolvimento do

ideaacuterio de Justino O Apologista por meio de sua obra nos oferece a niacutetida impressatildeo de ser um

habilidoso comentador da revelaccedilatildeo escrituriacutestica tambeacutem um autecircntico conhecedor da vida

espiritual mas acima de tudo demonstra ser um irredutiacutevel defensor da crenccedila que possuiacutea

selando sua obra ministeacuterio e vida com o proacuteprio sangue derramado O martiacuterio cristatildeo foi eacute e

continuaraacute sendo um dos casos mais misterioso e emblemaacutetico da histoacuteria da civilizaccedilatildeo

humana

O segundo capiacutetulo falou sobre o novo modus vivendi orquestrado pelos cristatildeos onde

se pode de maneira sinteacutetica observar as praacuteticas do contexto social de Justino apresentando e

clarificando o que eram os haacutebitos cristatildeos em contraste com o cotidiano da cultura greco-

141

romana Nesse processo estabeleceu-se uma descriccedilatildeo de cunho analiacutetico que procurou seguir

uma loacutegica encontrada em Justino o qual pocircs em praacutetica nossa leitura sobre o meacutetodo dialeacutetico

e empiacuterico do Apologista O capiacutetulo apresenta ldquoa nova identidaderdquo surgida junto ao cenaacuterio

sociorreligioso da eacutepoca o cristianismo Aleacutem disto definir aqueles que natildeo compunham esse

grupo de feacute ndash os Judeus e os Gentios ndash tornou-se tambeacutem uma tarefa necessaacuteria Por isso foi

indispensaacutevel apresentar os criteacuterios que para Justino demonstravam a ordem sistemaacutetica de um

grupo que se distinguia e separava dos demais Para Justino tratava-se da praxis fidei Adversus

Iniquitatem ldquoa praacutetica da feacute contra a iniquidaderdquo um realce com tonalidades absolutamente

opostas que apresentava um claro e inevitaacutevel ambiente de separaccedilatildeo entre os grupos

Deste modo esta segunda divisatildeo da pesquisa nos conduziu a uma inserccedilatildeo de postura

paradoxal para com alguns haacutebitos e assuntos humanos que no periacuteodo ocupavam tanto o

acircmbito privado quanto puacuteblico Assim algumas provas factiacuteveis passaram a ser descritas como

sentenccedilas de um novo modus vivendi ndash proposto por Justino ndash na conjuntura sociorreligiosa do

Seacuteculo II fato altamente desafiador o qual definimos em sentenccedilas classificadas como

teologais deterministas e puristas de acordo com suas consequecircncias praacuteticas Aqui salientou-

se o iniacutecio das distinccedilotildees que descreviam a certeza de haver um estado manifesto e claro do

que era a Verdade para Justino

O terceiro capiacutetulo retratou a filosofia em Justino tratando a respeito de sua influecircncia

e seu legado nesse seguimento O desenvolvimento desse capiacutetulo partiu de um formal apelo

desenvolvido pelo proacuteprio Apologista no capiacutetulo XXVIII da I Apologia para o uso da razatildeo

como um elemento determinante para o reconhecimento da Verdade oriunda da revelaccedilatildeo

Divina Um exame introdutoacuterio sobre o capiacutetulo XXVIII abriu o caminho para o entendimento

do que eacute filosofia para Justino A partir disto explicitou-se o filoacutesofo Justino evidenciando

suas principais influecircncias filosoacuteficas oriundas do estoicismo e do meacutedio platonismo aleacutem de

apresentar um sinteacutetico esboccedilo do autecircntico conceito de Logos encontrado em nosso autor

filoacutesofo-teoacutelogo

Todavia o aacutepice desta seccedilatildeo encontra-se em seu uacuteltimo item onde se justificou o que

Justino almejava com a citaccedilatildeo ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus se preocupe com essas coisas

(uso da razatildeo)rdquo606 O Apologista realccedila de uma forma quase ldquopalpaacutevelrdquo sua compreensatildeo de

como se concebia naturalmente a feacute em Jesus Cristo Partindo do fato de que a razatildeo eacute um

recurso exclusivamente humano Justino entendia que apenas nisso estavam condicionadas

todas as possibilidades reais do autecircntico Logos ser recebido e concebido pelos homens o que

606 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

142

os levava a verdadeira filosofia e os afastava decisivamente dos equiacutevocos e enganos praticados

pelos democircnios

O quarto e derradeiro capiacutetulo deste estudo salienta o que Justino considera o ponto

alto da revelaccedilatildeo por ele recebida o cumprimento das profecias messiacircnicas e as consequecircncias

para compreender o que Justino considera como sendo a Verdade

Iniciamos com uma sinteacutetica poreacutem objetiva descriccedilatildeo dos elementos socioculturais

de acircmbito religioso que desde a Antiguidade ateacute os dias de Justino formaram e identificaram a

figura de um Messias na cultura judaica Em seguida analisamos a revelaccedilatildeo das profecias

messiacircnicas do Antigo Testamento na visatildeo de Justino referentes a pessoa de Jesus Cristo

Finalizamos este capiacutetulo ratificando o conceito que definimos como principal para

Justino em sua descriccedilatildeo apologeacutetica o qual apresentava a Verdade ao mundo O modo e o

sentido que o Apologista procurava dar agrave concepccedilatildeo central de sua feacute passava necessariamente

pela identificaccedilatildeo entre o Logos dos filoacutesofos com o personagem messiacircnico preconizado pelos

profetas do Antigo Testamento Vimos que esse ser que havia sido reconhecido pelos filoacutesofos

como o Logos tambeacutem havia sido profetizado pelos servos de Deus A providecircncia Divina

levou a humanidade ao ponto alto desta histoacuteria quando o Logos profetizado se encarnado

Logo as profecias se cumpriram Assim concluiacutemos que este cenaacuterio e seus casos tornaram-se

para Justino um elemento real que evidenciava de maneira inquestionaacutevel o que era a Verdade

em sentido absoluto

Por fim eacute oportuno registrar a pertinente e categoacuterica postura do Apologista em aceitar

o cristianismo como ldquoa verdadeira razatildeordquo607 Justino compreendeu que a feacute cristatilde tinha em si

alguns pontos de caraacuteter deliberativo e proposital que consequentemente se estabeleciam nas

vidas que se estruturavam sobre esses preceitos utilizando-os de forma resolutiva Aqui cabe

ressaltar que para uma correta anaacutelise de Justino como autor eacute necessaacuterio se utilizar de medidas

efetivas que amparem o uso da razatildeo para os fins que o Apologista entendia serem ordenados

por Deus Nisso salienta-se a compreensatildeo jaacute atestada no ideaacuterio de Justino de natildeo haver

acepccedilatildeo do recurso da razatildeo a nenhum homem pois todos aqueles que foram criados agrave imagem

e semelhanccedila de Deus podiam ser instruiacutedos desse modo desde as mentes mais simples as mais

capacitadas

Importa-nos ainda registrar que outros aspectos de relevacircncia para esta pesquisa

poderiam ter sido tratados visando um maior aprofundamento desta temaacutetica e suas possiacuteveis

variaccedilotildees De forma praacutetica podemos citar as seguintes observaccedilotildees propor uma maior ecircnfase

607 JUSTINO I Apologia XLIII 6b

143

na questatildeo do martiacuterio cristatildeo como elemento habilitador na construccedilatildeo do conceito da Verdade

como princiacutepio moral e dogmaacutetico uma mais detalhada descriccedilatildeo do conceito Logos tanto para

a cultura helecircnica quanto para os cristatildeos do Seacuteculo II abordar sobre o conceito elaborado por

Justino de Jesus Cristo ser o mestre dos cristatildeos608 referindo-se ao Messias como o condutor

pleno de toda verdadeira revelaccedilatildeo Divina em detrimento aos mitos criados pelo helenismo

oferecer uma pormenorizada anaacutelise sobre a forccedila ilocucionaacuteria desses atos e discursos

apologeacuteticos Aleacutem disso outros pontos significativos poderiam ter sido abordados na tentativa

de se construir de forma mais completa esse importantiacutessimo cenaacuterio do cristianismo histoacuterico

Contudo essa ampliaccedilatildeo possivelmente ultrapassaria os limites propostos desta pesquisa

provavelmente poluindo sua intenccedilatildeo central

A abordagem desta dissertaccedilatildeo demonstrou que na I Apologia Justino revela e retrata

a sua concepccedilatildeo do que eacute ser cristatildeo e viver na Verdade O Apologista transparece de forma

intensa sua postura em transmitir essa maacutexima que natildeo era simplesmente verossiacutemil em seu

entendimento Eacute fato que essa demonstraccedilatildeo tambeacutem visava proteger e resgatar seu povo de

um cenaacuterio hostil salientando por meio de sua postura uma clara separaccedilatildeo de valores e

preceitos

Vimos que as vicissitudes do tempo natildeo seriam capazes de alterar o objeto e as coisas

que caracterizavam sua posiccedilatildeo que estava plenamente balizada e sustentada por meio de sua

dialeacutetica Isso nos impressiona porque para quem procura entender este testemunho sobre a

Verdade os livros de Justino nunca envelhecem aleacutem disso quase vinte seacuteculos depois os

textos desse notaacutevel cristatildeo ainda reverberam o som do eco causado por nossos vazios que

precisam ser preenchidos pelos conceitos princiacutepios e valores que natildeo pertence a este mundo

Por essa razatildeo ldquodialogarrdquo com Justino na atualidade eacute algo importantiacutessimo e ateacute mesmo

fundamental

Em resumo para Justino a uacutenica via para possuir a Verdade era ser cristatildeo o que

equivale a crer e professar sobre Aquele que prometido pelos antigos profetas de Israel e

percebido pelos antigos filoacutesofos gregos veio em carne para apresentar agrave razatildeo humana os

meios de como se proceder ldquoafirmando a Verdaderdquo609

608 Ver JUSTINO I Apologia XIII 3 XIX 6 XXI 1-6

609 JUSTINO I Apologia XLIII 2a grifo nosso

144

REFEREcircNCIAS

ALLERT Craig D Revelation Truth Canon and Interpretation Studies in Justin Martyr‟s

Dialogue with Trypho Leiden The Netherlands Brill 2002

ALTANER Berthold STUIBER Alfred Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da

Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1988

ARZANI Alessandro VENTURINI Renata Lopes Biazotto A Origem da Tradiccedilatildeo

Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir Disponiacutevel em lt

httpwwwppeuembrjeamanais2010pdf03pdfgt Acesso em 27 de set 2018

AUDI Robert (Ed) The Cambridge Dictionary of Philosophy New York Cambridge

University Press 1999

AUNE David Edward The Westminster Dictionary of New Testament and Early Nice

Christian Literature and Rhetoric Kentucky Westminster John Knox Press 2003

AYMARD Andreacute AUBOYER Jeannine Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da

Unidade Romana (Fim) A Aacutesia Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II Rio e

janeiro Bertrand Brasil 1994

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen II Salamanca Ediciones Sigueme 1998

BARRERA Julio Trebolle A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da

Biacuteblia Petroacutepolis Vozes 1995

BEARD Mary SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga Satildeo Paulo Planeta 2017

BERARDINO Di Angelo (Org) Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis

Vozes Paulus 2002

BIacuteBLIA Grego Novo Testamento Grego Textus Receptus (15501894) Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1550 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Grego Septuaginta (Sem Acentuaccedilatildeo) Antigo Testamento Grego Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1935 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Portuguecircs Novo Testamento Interlinear Grego-Portuguecircs Texto Grego The Greek

New Testament 4ed SBU 1994 Textos Portuguecircs Traduccedilatildeo Literal SBB 2004 Traduccedilatildeo

de Joatildeo Ferreira de Almeida 2ed SBB 1993 Nova Traduccedilatildeo da Linguagem de Hoje SBB

2000 Barueri Sociedade Biacuteblica do Brasil 2004

BIRLEY Anthony Marcus Aurelius A Biography New York Routledge 2001

BOEHNER Philotheus GILSON Etienne Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 5ed Petroacutepolis

Vozes 1991

BOGAZ Antocircnio S COUTO Maacutercio A HANSEN Joatildeo H Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 3ed Satildeo Paulo Paulus 2011

145

BUENO Daniel Ruiz (Ed) Actas de los Maacutertires Texto Bilinguumle Quinta Edicion Madri

Biblioteca de Autores Cristianos 1996

BUNSON Matthew Encyclopedia of the Roman Empire New York Facts on file Inc 2002

CAMPENHAUSEN Hans Von Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros

Teoacutelogos Cristatildeos Rio de Janeiro CPAD 2005

CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras

1990

CASEY Michael Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina Ligouri Mo Triumph

Books 1995

CAZELLES Henri Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento Roma Borla

1993

CHAUIacute Marilena Convite agrave Filosofia 2ed Satildeo Paulo Aacutetica 1995

______ Marilena Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I

Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos

Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal Disponiacutevel em

lthttpwwwvaticanvaroman_curiacongregationsccatheducdocumentsrc_con_ccatheduc_

doc_19891110_padri_ithtmlgt Acesso em 12 set 2018

CORNELL Tim MATTHEWS John Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio

2008

CREDO APOSTOacuteLICO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em

22 de jan de 2019

CREDO NICENO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em 14 de

fev 2019

CULLMANN Oscar Salvation in History New York Harper amp Row 1967

DAILLEacute Jean Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui

sont auiourdhui en la religion Geneve Pierre Aubert 1632

DANIEL-ROPS [Henri Petiot] A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires Satildeo Paulo Quadrante

1988

DANIEacuteLOU Jean O Escacircndalo da Verdade Petroacutepolis Vozes 1963

______ Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo

Gregoacuterio Magno Petroacutepolis Vozes 1966

DAY John (Org) et al Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees

do Seminaacuterio Veterotestamentaacuterio de Oxford Satildeo Paulo Paulinas 2005

146

DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as comunidades de hoje Traduccedilatildeo

Introduccedilatildeo e Notas de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 17ed Satildeo Paulo Paulus 2010

DONALDSON James A Critical History of Christian Literature and Doctrine From the

Death of the Apostles to the Nicene Council3 The apologists continued London MacMillan

1866

DOUGLAS J D (Org) et al O Novo Dicionaacuterio da Biacuteblia Satildeo Paulo Vida Nova 1995

DREHER Martin N A Igreja no Impeacuterio Romano Satildeo Leopoldo Sinodal 1993

DROBNER Hubertus R Manual de Patrologia 2ed Petroacutepolis Vozes 2008

EMILSSON Eyjoacutelfur K Neo-Platonism In FURLEY David (Ed) Routledge History of

Philosophy From Aristotle to Augustine London Routledge 1999

EUSEacuteBIO DE CESAREIA Histoacuteria Eclesiaacutestica Traduccedilatildeo de Wolfgang Fischer Satildeo Paulo

Novo Seacuteculo 2002

FALLS Thomas B The Fathers of the Church New York Christian Heritage 1948

FEacuteLIX Viviana Laura Las filosofiacuteas en la teologiacutea de Justino Maacutertir Teologiacutea y Vida

Santiago v 55 n 3 p 435-448 2014

FIGUEIREDO Fernando A Curso de Teologia Patriacutestica I A vida da Igreja primitiva

(Seacuteculos I e II) Petroacutepolis Vozes 1983

FLUCK Marlon Ronald Teologia dos Pais da Igreja Curitiba Cia de Escritores 2012

FOXE John O Livro dos Maacutertires Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2003

FROumlHLICH Roland Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulinas 1987

FUNARI Pedro P Abreu Roma vida puacuteblica e vida privada 10ed Satildeo Paulo Atual 1993

GONZAacuteLEZ Justo L A Era dos Maacutertires Satildeo Paulo Vida Nova 1995

GREATHOUSE William M CARVER Frank G METZ Donald S Comentaacuterio Biacuteblico

Beacon V 8 Rio de Janeiro CPAD 2006

HAumlGGLUND Bengt Histoacuteria da Teologia 6ed Porto Alegre Concoacuterdia 1999

HALL Chirstopher A Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja Satildeo Paulo Ultimato 2003

HAMMAN Adalbert Gautier Os Padres da Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1985

______ A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) Satildeo Paulo Paulus 1997

HARNACK Adolf Von The Mission and Expansion of Christianity in the First Three

Centuries Grand Rapids Christian Classics Ethereal Library 2005

HARRIS R Laird (Org) et al Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

Satildeo Paulo Vida Nova 1998

147

HATZENBERGER Dioniacutesio Histoacuteria da Igreja Disponiacutevel em lthttphist-

igrejablogspotcombrpcristianismo-nos-seculos-i-e-iihtmlgt Acesso em 15 de out 2018

HEGENBERG Leocircnidas Significado e Conhecimento Satildeo Paulo EPU EDUSP 1975

INAacuteCIO DE ANTIOQUIA Epiacutestola aos Magneacutesios Disponiacutevel em

lthttpwwwcristianismoorgbrinacio-3htmgt Acesso em 27 de fev 2019

INSUELAS Joatildeo B Lourenccedilo Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja

2ed Braga PAX 1948

INWOOD Brad (Org) et al Os Estoacuteicos Satildeo Paulo Odysseus 2006

IRVIN Dale T SUNQUIST Scott W Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I

Do cristianismo primitivo a 1453 Satildeo Paulo Paulus 2004

IYSTINOY Proacutete Apologiacutea Disponiacutevel em

lthttpwwwdocumentacatholicaomniaeu20vs103_migne_gm0100-

0160_Iustinus_Apologia_Prima_(MPG_006_0327_0440)_GMpdfampgtgt Acesso em 12 de

jan 2019

JUSTIN Apologies Texte Grec traduction franccedilaise introduction et index par Louis Pautigny

Paris EDITURS 1904

JUSTINO DE ROMA I Apologia Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti

Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo Paulus 1995

______ II Apologia Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo

Paulus 1995

______ Diaacutelogo com Trifatildeo Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo

Paulo Paulus 1995

KEE Howard Clark As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica Satildeo Paulo Paulinas

1983

KELLY John N D Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde

Satildeo Paulo Vida Nova 1994

KLEINMAN Paul Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 4ed Satildeo Paulo Gente

Editora 2014

LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V

II Dalla fine dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) Torino S A I E 1972

LESBAUPIN Ivo A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio

Romano Petroacutepolis Vozes 1975

MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio Disponiacutevel em

lthttpabdetcombrsitewp-contentuploads201411ComentC3A1rios-sobre-a-

primeira-dC3A9cada-de-Tito-LC3ADvio-Discorsicompressedpdfgt Acesso em 17

de out 2018

148

MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees Introduccedilatildeo de Maxwell Staniforth Traduccedilatildeo de Luiacutes A P

Varela Pinto Espinho Versatildeo Eletrocircnica 2002

______ Meditaccedilotildees Traduccedilatildeo de Agostinho da Silva Satildeo Paulo Abril Cultural 1985

MEEKS Wayne A As Origens da Moralidade Cristatilde Satildeo Paulo Paulus 1997

MINNS Denis PARVIS Paul Justin Philosopher and Martyr Apologies New York

Oxford University Press 2009

MINUacuteCIO FEacuteLIX Octaacutevio Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e comentaacuterio de Manuel A Naia da Silva

Lisboa Ediccedilatildeo Instituto Nacional de Investigaccedilatildeo Cientifica Centro de Estudos Claacutessicos da

Universidade de Lisboa 1990

MOL Hans J Identity and the Sacred a sketch for a new social-scientific theory of religion

New York The free Press Macmillan 1977

MONDONI Danilo Histoacuteria da Igreja na Antiguidade Satildeo Paulo Loyola 2001

MONTEIRO Eymard Lrsquo E A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1940

MORESCHINI Claacuteudio NORELLI Enrico Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e

Latina Satildeo Paulo Santuaacuterio 2005

MIRALLES Lorena El Mesiacuteas en tiempos del NT Verbo Divino Estella n 50 Verano

2006

NORRIS Junior The Apologists Cambridge University Press 2004

OTTO Johann Carl Theodor (E) S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur

omnia Volume 1 Part 1 Chicago Prostat apud Fride Mauke 1847

PADOVESE Luigi Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica Satildeo Paulo Loyola 1999

______ Luigi Lexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico Satildeo Paulo Loyola 2003

PADRES APOLOGISTAS Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti Traduccedilatildeo

de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin Satildeo Paulo Paulus 1995

PEREIRA Isidoro Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Tilgraacutefica 1998

PIERING Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Disponiacutevel em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt Acesso em 11 de set 2018

PIERINI Franco A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I Satildeo Paulo Paulus 1998

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Enrico Corvisieri Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

______ Apologia de Soacutecrates Introduccedilatildeo traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Editores 2008

149

______ Timeu-Criacutetias Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo notas e iacutendices de Rodolfo Lopes

Coimbra CECH 2011

PLIacuteNIO Caio Segundo Historia Natural Edicioacuten y traduccioacuten de Josefa Cantoacute Madrid

Caacutetedra 2002

POHLENZ Max La Stoa storia di un movimento spirituale Florenccedila La Nuova Italia

1967

POPE Kyle The Second Apology of Justin Martyr Kansas Ancient Road 2001

PRIBERAM INFORMAacuteTICA SA Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa 2008-2013

Disponiacutevel em lt httppriberamptdlpogt Acessos em 28 de set 2018

RIVAS Fernando San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo

Verbo Divino Estella n 98 2018II

ROumlSEL Martin Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea Satildeo

Leopoldo SinodalEST 2009

ROSSI Andrea L D O C BINATO Claacuteudia P As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo

parcial do Livro X correspondecircncia administrativa com o Imperador Trajano Histoacuteria

Unisinos Satildeo Leopoldo vol 21 nordm 1 p 149-156 janeiroabril de 2017

RUSCONI Carlo Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento Satildeo Paulo Paulus 2003

SANTOS Bento Silva Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos

Comuns Veritas Porto Alegre v 48 n 3 p315-491 set 2003

SANTOS Flaacutevyo Henrique Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano Disponivel em

lthttpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminianogt Acesso em 15 de

fev 2019

SANTOS Samuel Nunes dos Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 178 f Dissertaccedilatildeo (Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria) Faculdade de Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes Goiacircnia 2012

SANTOS Samuel N GONCcedilALVES Ana Teresa M A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo

Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I Apologia de Justino Maacutertir Disponiacutevel em

lthttpwwwsbpcnetorgbrlivro63raconpeexmestradotrabalhos-mestradomestrado-

samuel-nunespdfgt Acesso em 08 de jan 2019

SCHAFF Phillip Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the

Christian Church Grand Rapids Eerdmans 1910

______ Phillip The creeds of Christendom with a history and critical notes Grand Rapids

Baker Book House 1966

SCOTT Benjamin As Catacumbas de Roma 13ed Rio de Janeiro CPAD 1996

SEVERINO Emanuele A Filosofia Antiga Lisboa Ediccedilotildees 70 1984

150

SICRE Joseacute Luis De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica Petroacutepolis

Vozes 2000

SIMONE R J de JUSTINO filoacutesofo e maacutertir In BERARDINO Di Angelo (Org)

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis Vozes Paulus 2002 p 798-800

SIMONETTI Manlio (Org) et al Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica Satildeo Paulo Ave Maria

2010

STEGEMANN Ekkehard W STEGEMANN Wolfgang Histoacuteria Social do

Protocristianismo Satildeo Leopoldo Sinodal Satildeo Paulo Paulus 2004

STRONG James Dicionaacuterio Biacuteblico Strong Barueri SBB 2002

TACIANO Discurso Contra os Gregos Disponiacutevel em

lthttpwwwveritatiscombrpatristicaobrasdiscurso-contra-os-gregosgt Acesso em 25 de

mar 2019

TAacuteCITO Anais Prefaacutecio de Breno Silveira Traduccedilatildeo de Joseacute Liberato Freire de Carvalho

Rio de Janeiro W M Jackson 1957

TERTULIANO Apologia Disponiacutevel em

lthttpwwwibpancombrimagesstoriesDownloadsEstudos_BiblicosTertuliano20-

20Apologiapdfgt Acesso em 16 de out 2018

______ Agraves Naccedilotildees Disponiacutevel em lthttpwwwtertullianorglatinad_nationes_1htmgt

Acesso em 08 de jan 2019

______ Contra os Valentinianos Disponiacutevel em

lthttpwwwintratextcomIXTLAT0258_P2HTMgt Acesso em 27 de set 2018

THAYER Joseph Henry A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms

Wilkes clavis novi testamenti New York Cincinnati Chicago American Book Company

1889

TORRES Milton L A retoacuterica joanina do Logos Revista Caminhando Satildeo Paulo v 21 n 2

p 147-167 juldez 2016

VINE W E UNGER Merril F WHITE JR Willian Dicionaacuterio Vine O Significado

Exegeacutetico e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento Rio de Janeiro CPAD

2002

VIRKLER Henry Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica

Satildeo Paulo Vida 2001

WALDE Rick Justino Maacutertir Defensor da Igreja Disponiacutevel em

lthttplogoshp6tenetAPO25htmampgtgt Acesso em 11 set 2018

WACHHOLZ Wilhelm Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval Satildeo Paulo Know How 2010

XAVIER Erico Tadeu Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde Uacuteltimo Andar

(ISSN 1980-8305) Satildeo Paulo n 24 dez 2014

151

OBRAS CONSULTADAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ABRAtildeO Bernadete Siqueira A Histoacuteria da Filosofia Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

ANTONIAZZI Alberto MATOS Henrique C J Cristianismo 2000 anos de caminhada

3ed Satildeo Paulo Paulinas 1996

ARRUDA Elton Como fazer a Metodologia em um Projeto Disponiacutevel em

lthttpwwwbiblioteconomiadigitalcombr201007como-fazer-metodologia-em-um-

projetohtmlampgtgt Acesso em 18 dez 2018

BALTHAZAR Hans Urs von O Cristatildeo na Hora Decisiva Caxias do Sul Paulinas 1969

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen I Salamanca Ediciones Sigueme 1996

BIacuteBLIA Portuguecircs Ave Maria Traduccedilatildeo dos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica)

8ed Digital Satildeo Paulo Ave Maria 2014

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo de Genebra Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo MacArthur Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs A Biacuteblia de Jerusaleacutem Satildeo Paulo Paulinas 1980

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo Palavra-Chave Hebraico e Grego Traduccedilatildeo de Joatildeo

Ferreira de Almeida 2ed Rio de Janeiro CPAD 2011

______ Portuguecircs Biacuteblia Shedd Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo Paulo Vida

Nova 1997

CAIRNS Earle O Cristianismo Atraveacutes dos Seacuteculos Uma Histoacuteria da Igreja Cristatilde Satildeo

Paulo Vida Nova 1995

CHAPPIN Marcel Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Loyola 1999

COCHRANE Charles Norris Cristianismo e Cultura Claacutessica Rio de Janeiro Topbooks

2012

CONYBEARE Frederick Cornwallis STOCK St George Gramaacutetica do Grego da

Septuaginta Satildeo Paulo Loyola 2011

DELCOR Mathias MARTINEZ Florentino Garcia Introduccion a la Literatura Esenia de

Qumran Madrid Ediciones Cristiandad 1982

DURKHEIM Eacutemile As formas Elementares da Vida Religiosa Satildeo Paulo Paulinas 1989

152

GOMES Cirilo Folch Antologia dos Santos Padres paacuteginas seletas dos antigos escritos

eclesiaacutesticos 3ed Satildeo Paulo Paulinas 1979

GUIMARAtildeES Marcelo Rezende Conversando com os Pais e Matildees da Igreja Petroacutepolis

Vozes 1994

HASTENTEUFEL Zeno Infacircncia e Adolescecircncia da Igreja Porto Alegre EDIPUCRS

1995

JAEGER Werner Cristianismo Primitivo e Paideia Grega Lisboa Ediccedilotildees 70 1961

JUSTIN Apologie pour les chreacutetiens introduction texte critique traduction et notes par

Charles Munier Paris Cerf 2006

JUSTINUS Des Philosophen und Maumlrtyrers Rechtfertigung des Christentums (Apologie I u

II) Angeleitet Verdeutscht und Erlaumlutert von Heidenheim T Veil Strassburg Heitz amp

Muumlndel 1894

LLORCA Bernardino Nueva visioacuten de la Historia del Cristianismo Tomo Primero

Barcelona Labor 1956

MARTIacuteRIO DE POLICARPO DE ESMIRNA Disponiacutevel em lt

httpwwwcentroestudosanglicanoscombrbancodetextoshistoriadaigrejamartirio_de_polic

arpo_de_esmirnapdfgt Acesso em 17 de out 2018

PIERRARD Pierre Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulus 1982

ROBERTS Alexander DONALDSON James (Edited) Ante-Nicene Fathers Volume 1 The

Apostolic Fathers Justin Martyr Irenaeus Chronologically arranged with brief notes and

prefaces by Arthur Cleveland Coxe Peabody Hendrickson Publishers 1994

TAYLOR Justin As Origens do Cristianismo Satildeo Paulo Paulinas 2010

VIVES Joseacute Los Padres de la Iglesia Textos doctrinales del cristianismo desde los oriacutegenes

basta san Atanasio Barcelona Herder 1988

153

Page 2: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE

DIEGO DOS SANTOS WINGERT

CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO REFLEXAtildeO

SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE JUSTINO MAacuteRTIR

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de

Teologia da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul como requisito parcial

para obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Teologia

Aacuterea de Concentraccedilatildeo em Teologia

Sistemaacutetica

Orientador Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da

Silva

Porto Alegre

2019

DIEGO DOS SANTOS WINGERT

CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO REFLEXAtildeO

SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE JUSTINO MAacuteRTIR

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de

Teologia da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul como requisito parcial

para obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Teologia

Aacuterea de Concentraccedilatildeo em Teologia

Sistemaacutetica

Orientador Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da

Silva

Aprovada em _____ de _____ de _______ pela Comissatildeo Examinadora

COMISSAtildeO EXAMINADORA

______________________________________

Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da Silva ndash PUCRS

______________________________________

Prof Dr Nythamar Hilario Fernandes de Oliveira Junior ndash PUCRS

______________________________________

Prof Dr Andreacute Luiz Rodrigues da Silva ndash PUC-Rio

A memoacuteria de meus familiares

Isidor Nairto Wingert meu querido pai por sua

histoacuteria como docente mas principalmente

pelas doces e constantes lembranccedilas de seu

carinho

Anisio e Maria Andradina dos Santos meus

saudosos avoacutes por seu amor sem medida por

sua entrega total a minha vida

Sempre os amarei

AGRADECIMENTOS

A minha amada Esposa uma luz constante em

minha vida Nela tudo sempre se renova sem

ela pouco restaria

Aos meus queridos filhos Pedro e Maria os

maiores presentes que Deus me deu Cristo

formado em voacutes eacute a maior heranccedila que pretendo

deixar

A minha amada Matildee que foi fundamental para

a realizaccedilatildeo desse sonho Seu amor foi constate

em todo tempo sua coragem sempre me

inspirou e seu legado me enche de orgulho

A meu Tio Ademir que eacute um exemplo vivo do

caraacuteter de Cristo sendo presente nessa

caminhada como um pai que acompanha seu

filho Essa conquista tambeacutem pertence a vocecirc

Ao Prof Caacutessio mestre por vocaccedilatildeo modelo de

excelecircncia para a docecircncia Sua orientaccedilatildeo foi

excepcional sua honestidade intelectual eacute

admiraacutevel Sua postura se tornou um exemplo a

ser seguido por esse teoacutelogo

Aos meus colegas Alexandre Dorcelina

Fernando Filipe Rodrigo e Samuel por tudo o

que compartilhamos e vivemos nesse tempo

jamais os esquecerei

Ao Pai ao Filho ao Espiacuterito Santo de quem eacute

o reino o poder e a gloacuteria de geraccedilatildeo em

geraccedilatildeo pelos seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem

ldquoEu lhes tenho dado a tua palavra e o mundo

os odiou porque eles natildeo satildeo do mundo como

tambeacutem eu natildeo sou Natildeo peccedilo que os tires do

mundo e sim que os guardes do mal Eles natildeo

satildeo do mundo como tambeacutem eu natildeo sou

Santifica-os na verdade a tua palavra eacute a

verdaderdquo

Joatildeo 1714-17

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo apresenta uma pesquisa bibliograacutefica direcionada a estabelecer a

identificaccedilatildeo moral e dogmaacutetica do termo Verdade exposto de forma predicativa na obra

intitulada I Apologia de Justino Maacutertir Acredita-se que na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo histoacuterica

do cristianismo alguns autores como Justino de Roma ajudaram a criar e fomentar os

paracircmetros necessaacuterios para se estabelecer uma ldquoidentidade cristatilderdquo durante os dois primeiros

seacuteculos da era atual A partir de novos valores e preceitos ordenou-se de maneira pragmaacutetica

uma tentativa de reconhecer e distinguir o fato de ser cristatildeo em meio ao contexto

sociorreligioso do mundo greco-romano De maneira expliacutecita e impliacutecita ndash e agraves vezes de forma

paradoxal ndash Justino categoricamente identifica o que era ser um seguidor de Cristo em sua I

Apologia aleacutem de apresentar o que poderia ser considerado como a Verdade de forma

categoacuterica e ateacute mesmo tangiacutevel nesse processo A partir desse ideaacuterio de feacute a dissertaccedilatildeo

discute questotildees pertinentes sobre o autor a obra base e outras caracteriacutesticas de seu contexto

histoacuterico Foram investigadas as relaccedilotildees entre a cultura helecircnica e o novo modus vivendi

naquele ambiente e nele a identidade filosoacutefica de Justino Por fim apresentou-se um quadro

clarificador sobre os elementos que satildeo considerados evidecircncias inquestionaacuteveis para Justino

do que eacute a Verdade revelada em meio aos homens Desenvolveu-se deste modo uma provaacutevel

definiccedilatildeo da Verdade segundo a concepccedilatildeo de Justino Maacutertir a partir de sua I Apologia

Palavras-chave Justino Maacutertir I Apologia Verdade

ABSTRACT

This dissertation presents a bibliographical research directed to establish the moral and

dogmatic identification of the term Truth exposed in a predicative way in the work entitled I

Apology of Justin Martyr It is believed that in the formation and historical constitution of

Christianity some authors like Justin of Rome helped to create and foster the parameters

necessary to establish a Christian identity during the first two centuries of the present era

From new values and precepts an attempt to recognize and distinguish the fact of being

Christian amidst the socioreligious context of the Greco-Roman world was pragmatically

ordered Explicitly and implicitly - and sometimes in a paradoxical way - Justin categorically

identifies what it was like to be a follower of Christ in his Apology in addition to presenting

what could be categorically and even tangibly Truth in that process From this idea of faith the

dissertation discusses pertinent questions about the author the base work and other

characteristics of its historical context The relations between the Hellenic culture and the new

modus vivendi in that environment were investigated and in it the philosophical identity of

Justin Finally a clarifying picture was presented on the elements that are considered

unquestionable evidences for Justino of what is the Truth revealed among men In this way a

probable definition of the Truth according to the conception of Justin Martyr from his I

Apologia was developed

Keywords Justin Martyr I Apologia Truth

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1 Pe ndash Primeira Epiacutestola de Pedro

1 Pet ndash The First Epistle of Peter

aC ndash Antes de Cristo

Adv Haer ndash Adversus Haereses

Adv Marcionem ndash Adversus Marcionem

Cap ndash Capiacutetulo

Caps ndash Capiacutetulos

dC ndash Depois de Cristo

Dial ndash Diaacutelogo com Trifatildeo

Gn ndash Livro de Gecircnesis

ICAR ndash Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

Jo ndash Evangelho de Joatildeo

Js ndash Livro de Josueacute

Sl ndash Livro dos Salmos

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 11

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

17

11 JUSTINO DE ROMA 17

12 PAIS DA IGREJA 23

121 Pais Apologistas 26

122 O Apologista Justino 29

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO 32

131 Dataccedilatildeo 32

132 Divisatildeo Textual 34

133 Gecircnero Literaacuterio 35

134 Manuscritos 38

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS 39

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo 40

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia 43

2 O NOVO MODUS VIVENDI 50

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE 51

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO 56

221 Os Judeus 58

222 Os Gentios 61

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM 65

231 Um Princiacutepio Teologal 68

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista 69

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria 70

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo 71

232 Um Princiacutepio Determinista 75

233 Um Princiacutepio de Pureza 78

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR 84

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII 85

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO 90

321 Estoicismo e Platonismo em Justino 95

322 O Logos em Justino 104

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS 110

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO 117

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO 118

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO 122

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO 128

CONCLUSAtildeO 139

REFEREcircNCIAS 144

OBRAS CONSULTADAS 151

11

INTRODUCcedilAtildeO

O assunto desta pesquisa dissertativa vem a ser um exame sobre uma proposta

desenvolvida a partir da obra intitulada I Apologia de Justino Maacutertir tambeacutem conhecido junto

ao meio eclesiaacutestico e acadecircmico como Justino de Roma Reconhecido de forma unacircnime como

um dos ldquomais ceacutelebres apologistas do seacuteculo IIrdquo1 Justino pertence agrave segunda era Patriacutestica

conhecida tradicionalmente pela definiccedilatildeo Pais Apologistas Nessa abordagem visamos

caracterizar a ideia de Justino a partir de sua definiccedilatildeo da palavra Verdade apresentada de

forma axiomaacutetica por diversas vezes em seu primeiro tratado apologeacutetico

Acredita-se que no processo de formaccedilatildeo desenvolvimento e consolidaccedilatildeo do

cristianismo como religiatildeo alguns valores de sentido absoluto (poderiacuteamos dizer dogmaacuteticos)

foram provedores e promovedores de um esquema de reconhecimento2 por meio de fortes

ascendentes (voltados para sua origem) de caracterizaccedilatildeo Esses valores amparados por sinais

e siacutembolos ndash alguns que receberam literal evidecircncia informativa ndash projetaram uma eficiente

identificaccedilatildeo cristatilde conseguindo externar a partir de preceitos e praacuteticas ordenadas um real

estado de enobrecimento3 e assim distinguiram o ser cristatildeo dos demais4

Aleacutem disso em toda a histoacuteria conhecida o homem sempre buscou descobrir quais

eram os reais elementos que promovem e garantem a certeza do bem (conquista felicidade

realizaccedilatildeo etc)5 e da verdade junto aos seres e as coisas com quem convive e se relaciona6

Nesse processo de desenvolvimento passando por todo percurso da histoacuteria humana nos

deparamos com as sequelas de um estado de consciecircncia que estaacute eacutetica eou moralmente

corrompido enfatizado em nosso em caso em especiacutefico pelo incocircmodo que o ser humano

passa quando exposto as consequecircncias e dilemas apresentados pelas ldquofacesrdquo da Verdade

Nesta mesma perspectiva reconhecemos que as ldquotestemunhas da verdade sempre

irritaram os ceacuteticos e os espertosrdquo7 Nessa missatildeo de testificar a Verdade os Apologistas

cristatildeos do Seacuteculo II acabaram por se distinguir mediante contribuiccedilotildees pertinentes para esse

1 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 51

2 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

3 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

4 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

5 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

6 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

7 DANIEacuteLOU O Escacircndalo da Verdade1963 p 11

12

processo construtivo tornando-se diferenciais em seu tempo e espaccedilo de atuaccedilatildeo8 Justino

nesse mesmo seguimento acaba ganhando destaque atraveacutes de seus tratados que descrevem a

vida cotidiana dos cristatildeos do periacuteodo sendo-nos possiacutevel afirmar que no que se refere ao

conceito de Verdade (como predicativo) Justino parece estar ldquomais proacuteximo de noacutes do que

muitos pensadores modernosrdquo9

Uma especificidade que devemos apontar como elemento introdutoacuterio neste processo

refere-se ao entendimento de Justino para com o vocaacutebulo Verdade Neste quesito um

imperativo surge pois de forma inquestionaacutevel mediante o registro do Apologista conseguimos

considerar o que ele compreendia sobre o termo verdade em sua dimensatildeo epistemoloacutegica O

vocaacutebulo grego αλήθεια10 que comumente se traduz por verdade em portuguecircs eacute amplamente

utilizado por Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo (absoluta) para

aquilo que o Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que

dependia de ser apontado como agrave realidade presente e necessaacuteria para os Homens

Este conceito gramatical que Justino carrega sobre o termo Verdade jaacute estaacute presente

nos filoacutesofos11 e seu significado incorpora algo que define bem sua temaacutetica apologeacutetica

Justino compreendia que a realidade necessitava ser deslumbrada pois a verdade estaacute

subentendida a um ldquoestado preacutevio que viemos a descobrir a colocar de manifesto

estabelecendo o que a coisa eacuterdquo12 Deste modo Justino mediante sua metodologia dialeacutetica e

empiacuterica procurava salientar sua posse da Verdade por meio de um ldquosentido de certezardquo que

envolvia e incorporava a comprovaccedilatildeo de seus resultados Estes efeitos eram obtidos no

afastamento de dados distorcidos e encobertos sobre a realidade isso porque uma vez aplicado

tal desvelamento percebia-se como as coisas eram13 fazendo com que a Verdade fosse

colocada diante de seus expectadores

8 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

9 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152

10 Rusconi ao apresentar este vocaacutebulo aborda inicialmente sobre sua composiccedilatildeo composta onde salienta que a

existecircncia da letra ldquoαrdquo no iniacutecio da palavra eacute uma partiacutecula negativa que estaacute somada ao termo ldquoλαθλήθrdquo que

significa ldquoestar escondidordquo Assim no caso em especiacutefico quase sempre a composiccedilatildeo visa expressar uma

realidade que estaacute ldquoescondida obscura eou esquecidardquo Deste modo a construccedilatildeo gramatical do termo propotildee

que a consequecircncia da autenticidade (verdade) dos fatos eacute o efeito causado pelo desvelamento destes casos Sendo

assim passa-se a conhecer a verdade a partir do momento que se remove as coisas que a ocultam Rusconi ainda

indica que o termo procurava apresentar a realidade como sendo a condiccedilatildeo objetiva das coisas visiacuteveis e

recordaacuteveis ao Homem o que atestava esse desvelamento do que estava oculto Ver RUSCONI Dicionaacuterio do

Grego do Novo Testamento 2003 p 32

11 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

12 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 12

13 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 15

13

A base dessa compreensatildeo sobre o vocaacutebulo verdade eacute utilizada amplamente por

Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo absoluta para aquilo que o

Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que dependia de ser

apontado como a realidade presente e necessaacuteria para os homens

Neste compasso eacute que esta dissertaccedilatildeo procura examinar como Justino interpretava

um de seus mais usados e emblemaacuteticos termos Este exerciacutecio nos conduz agrave questatildeo principal

que visamos responder nesta pesquisa sendo possiacutevel deste modo argumentarmos sobre este

ponto fundamental atraveacutes da seguinte interrogaccedilatildeo qual o sentido do vocaacutebulo ldquoVerdaderdquo

empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica

Sendo assim a realizaccedilatildeo desta pesquisa se deu atraveacutes de um exame bibliograacutefico

com literatura do tipo teoloacutegica filosoacutefica histoacuterica entre outras aacutereas relacionadas ao seu tema

base Cabe-nos salientar que esta dissertaccedilatildeo procura se apresentar como um agregado

intelectual em liacutengua portuguesa14 para sua aacuterea teoloacutegica especiacutefica

(PatriacutesticaPatrologiaHistoacuteria do Dogma) como tambeacutem para as demais aacutereas Humanas que

da mesma forma possam colher frutos num acircmbito interdisciplinar O estudo aqui proposto

baseia-se nos capiacutetulos XXIII-XXX da I Apologia de Justino Maacutertir tornando-se este nosso

principal ponto de delimitaccedilatildeo textual na busca de se compreender o conceito de Verdade para

Justino

Tratando-se dos termos Pai(s) ou Padre(s) ndash convencionalmente utilizados de forma

padratildeo e geneacuterica na titulaccedilatildeo das figuras de destaque na aacuterea Patriacutestica ndash optamos pelo

vocaacutebulo Pai como elemento descritivo a ser utilizado nesta pesquisa Isso devido a duas

questotildees orientativas A primeira busca priorizar a originalidade da liacutengua vernacular desta

dissertaccedilatildeo (portuguecircs) Jaacute a segunda procura seguir uma postura de acircmbito ecumecircnico visto

que o termo Pai se adapta melhor agrave compreensatildeo confessional cristatilde fora da realidade teoloacutegica

da Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana natildeo trazendo nenhum prejuiacutezo cognitivo aos leitores

desta uacuteltima Instituiccedilatildeo

As citaccedilotildees da I Apologia de Justino foram extraiacutedas de versotildees em liacutengua portuguesa

e grega Em portuguecircs a I Apologia eacute traduzida e editada por Ivo Storniolo e Euclides M

Balancin e comentada por Roque Frangiotti para a coleccedilatildeo Patriacutestica da editora Paulus Jaacute o

texto em seu idioma original estaacute presente em duas publicaccedilotildees a primeira estaacute na coletacircnea

Patrologiae Cursus Completus Series Graeca Volume 6 editado por Jacques Paul Migne e a

14 A falta de trabalhos sobre o pensamento de Justino Maacutertir em liacutengua portuguesa no cenaacuterio nacional (Brasil) eacute

uma evidente deficiecircncia acadecircmica ateacute o momento Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 12

14

segunda estaacute na coletacircnea Apologies (contendo a I e a II Apologias) traduzida e comentada por

Louis Pautigny A traduccedilatildeo e transliteraccedilatildeo do original grego quando se fez necessaacuterio satildeo de

nossa autoria15

Duas satildeo as traduccedilotildees da Biacuteblia Sagrada em liacutengua portuguesa utilizadas nesta

dissertaccedilatildeo A primeira que eacute aplicada de forma padratildeo em todo corpo textual desta pesquisa

eacute a traduzida em portuguecircs por Joatildeo Ferreira de Almeida 2ordf ediccedilatildeo Revista e Atualizada no

Brasil da Sociedade Biacuteblica do Brasil de 1993 A segunda traduccedilatildeo que eacute utilizada

exclusivamente no quadro comparativo entre os textos da I Apologia de Justino e os textos

escrituriacutesticos do Antigo Testamento localizado no IV capiacutetulo eacute de nossa inteira autoria16

Quanto ao texto grego utiliza-se o Novo Testamento Grego tradicionalmente conhecido por

Textus Receptus 15501894 (que significa texto recebido) de domiacutenio puacuteblico poreacutem editado

e produzido eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007 Quanto ao Antigo

Testamento emprega-se a versatildeo grega conhecida como Septuaginta de 190317 de domiacutenio

puacuteblico editada e produzida eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007

Esta pesquisa se desenvolve textualmente em quatro capiacutetulos O primeiro capiacutetulo

discute quatro pontos principais O primeiro eacute uma sucinta abordagem biograacutefica da figura

humana de Justino diante dos fatos existentes em seu contexto O segundo apresenta o perfil

histoacuterico e intelectual especialmente na classe Patriacutestica em que estaacute inserido O terceiro ponto

faz uma anaacutelise literaacuteria da I Apologia sua dataccedilatildeo sua divisatildeo textual seu gecircnero literaacuterio e

os manuscritos que se dispotildeem da obra Por uacuteltimo se aborda por meio de uma breve exposiccedilatildeo

histoacuterica o ponto-chave que em meados do Seacuteculo II motivou Justino a redigir esta obra o

fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo eacute analisado como sendo a forccedila motriz que conduziu a pena de

Justino neste tratado

O segundo capiacutetulo estaacute dividido em trecircs pontos O primeiro descreve quem eram os

cristatildeos como grupo apresentando algumas de suas particularidades mas visa especialmente

construir algo que se pode explicar como uma definiccedilatildeo ldquoidentitaacuteriardquo destes homens e mulheres

que se haviam tornado mais um segmento do contexto sociorreligioso do Seacuteculo II O segundo

15 As obras de referecircncia utilizadas para tal exerciacutecio de traduccedilatildeo foram Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-

Grego de Isidoro Pereira Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento de Carlo Rusconi Dicionaacuterio Biacuteblico Strong

de James Strong e A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti

de Joseph Thayer

16 Esta opccedilatildeo se daacute devido ao fato de natildeo existir em liacutengua portuguesa uma traduccedilatildeo que represente ou se

assemelhe de maneira teacutecnica ao original grego da Septuaginta

17 Os editores empregam correlatamente o termo ldquosem acentuaccedilatildeordquo junto a titulaccedilatildeo desta versatildeo O emprego

ocorre devido ao texto grego natildeo apresentar acentos

15

que daacute seguimento ao ponto anterior visa apresentar um melhor desenvolvimento dos objetivos

deste trabalho deste modo eacute imprescindiacutevel se apresenta um esboccedilo do que para Justino se

caracteriza como os setores da sociedade opostos ao cristianismo nesta relaccedilatildeo duas ldquoclassesrdquo

surgem judeus e gentios Por fim o terceiro ponto aborda o exame principal desta etapa Aqui

se descreve uma potencial relaccedilatildeo entre fatores que por regra se diferenciam essencialmente

sendo esta diferenciaccedilatildeo estabelecida necessariamente por uma nova postura espiritual eou

religiosa Novas variantes surgem de forma definitiva no cenaacuterio sociorreligioso da eacutepoca

confrontando seu status quo o que leva Justino a reagir criando automaticamente uma accedilatildeo

dialeacutetica que envolve conceitos teologais providenciais eacuteticos e morais aleacutem de gerar outras

variaccedilotildees que estabelecem o passo futuro a ser dado por Justino visando um desdobramento

que estabeleccedila sua confissatildeo de feacute Neste cenaacuterio eacute possiacutevel propor uma definiccedilatildeo do que seja

a Verdade para Justino

Tambeacutem o terceiro capiacutetulo tem sua estrutura dividida em trecircs pontos bases O

primeiro aborda o capiacutetulo XXVIII da I Apologia o qual seraacute analisado de forma introdutoacuteria

levando desta maneira ao desenvolvimento do restante da proposta aleacutem de dar fundamento agrave

construccedilatildeo do argumento central que estaacute ancorado no pensamento do Apologista O segundo

ponto do capiacutetulo concentra-se na descriccedilatildeo da filosofia como a principal ldquociecircnciardquo e a base

intelectual na formaccedilatildeo de Justino Neste espaccedilo se vecirc de forma sumarizada o filoacutesofo Justino

aqui tambeacutem se mencionam as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo deste Pai da Igreja

onde o estoicismo e o platonismo satildeo salientados Aleacutem disso eacute discutida tambeacutem o conceito

de Logos questatildeo filosoacutefica-teoloacutegica que acabou por se tornar em uma de suas principais

contribuiccedilotildees para a histoacuteria do dogma cristatildeo18 Finalmente o terceiro ponto concentra

esforccedilos no desenvolvimento de uma peculiar abordagem de Justino quanto ao uso e o fim que

a racionalidade humana exerce no seu conjunto de relaccedilotildees Este ambiente formado de coisas

temporais e atemporais caracteriza de maneira clara e oacutebvia para Justino uma postura sistecircmica

como modelo para as atitudes humanas que concentram em si a resposta que define a Verdade

para este Apologista

O quarto e derradeiro capiacutetulo se compotildeem de trecircs pontos elementares Inicia-se por

uma abordagem que procura desenvolver uma raacutepida relaccedilatildeo histoacuterica do conceito messiacircnico

em algumas culturas direcionando seu foco final para a eacutepoca de Justino O segundo item

descreve com certo grau de peculiaridade a definiccedilatildeo do que eram e consequentemente o que

representavam as profecias messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino aleacutem de visar

18 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

16

comunicaacute-las de maneira correta acima de tudo a quem ele as apresentou como tipo alvo e

revelaccedilatildeo maacutexima19 Por fim o terceiro ponto expotildee por meio do auxiacutelio de fontes que para

Justino havia um evidente qualificador em sua definiccedilatildeo do cumprimento profeacutetico da Antiga

Alianccedila Este fator se concentra em um axioma que se tornou visiacutevel sendo bem definido pelo

autor do Quarto Evangelho ldquoo Verbo se fez carne e habitou entre noacutes cheio de graccedila e de

verdade e vimos a sua gloacuteria gloacuteria como do unigecircnito do Pairdquo (Joatildeo 114)

Em resumo o primeiro capiacutetulo estaacute centrado no contexto da figura histoacuterica de

Justino O segundo em aspectos significativos sobre a contraposiccedilatildeo de ideias e haacutebitos O

terceiro na obtenccedilatildeo da inteligibilidade do Apologista em resistecircncia a uma previsatildeo

meramente sensiacutevel do agregado vivencial ou funcional de sua realidade O quarto na

afirmaccedilatildeo de um apogeu que sustentado em evidecircncias irrefutaacuteveis para Justino se estabelece

como uma sentenccedila irrevogaacutevel

Este apanhado nos convida a uma reflexatildeo para conhecer e a uma busca para

comprovar o que seria a Verdade na visatildeo de Justino de Roma Daniel-Rops foi mais um dos

tantos que foram conquistados pelas nuances do legado apologeacutetico de Justino e como

consequecircncia deste encontro encoraja seus leitores a aceitarem este desafio

Como os seus problemas satildeo semelhantes aos nossos Como bate seu coraccedilatildeo num

ritmo que conhecemos tatildeo bem Neste filoacutesofo de dezoito seacuteculos ressoa aos nossos

ouvidos uma espeacutecie de Pascal neste dialeacutetico emeacuterito encontra-se uma vontade de

acolhimento e uma abertura de alma que os cristatildeos de hoje podem tomar por

modelo20

19 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

20 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 277

17

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

Ao imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo

filoacutesofo e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do

saber ao sacro Senado e a todo o povo romano Em prol dos homens de qualquer raccedila

que satildeo injustamente odiados e caluniados eu Justino um deles filho de Prisco que

o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestina compus este discurso e

esta suacuteplica21

Para conhecermos melhor a Justino o cognominado Maacutertir da ainda jovem Igreja de

Cristo ndash como tambeacutem ilustre residente da comunidade romana do Seacuteculo II ndash devemos nos

aproximar de suas obras Especialmente nas conhecidas I Apologia e Diaacutelogo com Trifatildeo nos

deparamos com um pequeno poreacutem significativo acesso a informaccedilotildees que fundamenta um

consideraacutevel entendimento histoacuterico desta figura tatildeo destacada daquele periacuteodo22

A partir desta anaacutelise histoacuterica buscaremos desenvolver uma construccedilatildeo por meio de

fatores que entendemos serem essenciais para o progresso do restante desta pesquisa no qual

assuntos de teor elementar procuraratildeo ser respondidos Entre estes podemos identificar alguns

como Quem foi esse homem chamado Justino o qual o testemunho cristatildeo antigo afirma ter

sido morador da cidade de Roma e martirizado por sua feacute A qual classe da sociedade romana

de sua eacutepoca ele pertenceu A qual grupo da ldquointelectualidaderdquo cristatilde ele somou Como e

quando escreveu suas obras em especial a I Apologia Como este escrito encomiaacutestico de

defesa nasce Quem eou o quecirc (fatores diversosplurais) o incentivaram a escrevecirc-la de forma

proposital

11 JUSTINO DE ROMA

Torna-se necessaacuterio desde o iniacutecio salientar que se possui atualmente informaccedilotildees bem

detalhadas de quem teria sido Justino ndash o qual foi cunhado por Tertuliano como ldquofiloacutesofo e

maacutertirrdquo23 ndash morador da capital do Impeacuterio Romano isso tudo devido especialmente agraves claras

ldquoreferecircncias autobiograacuteficas de suas proacuteprias obras a um relato sobre seu martiacuterio e a notiacutecias

encontradas na Histoacuteria eclesiaacutestica de Euseacutebio e em Epifacircniordquo24 Uma gama consideraacutevel de

21 JUSTINO I Apologia I 1

22 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

23 TERTULIANO Contra os Valentinianos V 1

24 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 82-83

18

estudiosos concorda que Justino tenha nascido por volta do ano 100 da era cristatilde25 isso devido

agrave referecircncia textual apresentada pelo proacuteprio Apologista ldquoeu Justino um deles filho de Prisco

que o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestinardquo26 Neste contexto contribui

o trabalho de Xavier que afirma acreditar ldquoque ele (Justino) nasceu depois do ano 100 dC em

Flavia Neaacutepolis (atual Naplusa) na Siacuteria-Palestina ou Samaria a Siqueacutem dos tempos biacuteblicos

(Palestina)rdquo27 Nota-se atraveacutes do auto relato de Justino que este nasceu em pleno ldquocoraccedilatildeo da

Galileiardquo28 em uma cidade remodelada (modernizada) para sua eacutepoca agrave cultura romana ou seja

pagatilde Logo sua famiacutelia provavelmente tambeacutem era pagatilde possivelmente seus pais ldquoeram

colonos abastadosrdquo29 e de origem latina ou grega sendo a primeira opccedilatildeo de preferecircncia por

Hamman que afirma serem de caracteriacutestica latina a qualidade de caraacuteter o gosto por dados

histoacutericos e a natildeo apreciaccedilatildeo de argumentaccedilotildees pomposas e prolixas encontradas em Justino30

Vale tambeacutem citar que a etimologia dos nomes do seu pai (Prisco) e do seu avocirc (Baacutequio)

colabora para uma origem natildeo judaicaisraelita mesmo tendo nascido na regiatildeo da Samaria

local no qual possivelmente tenha crescido e sido educado31

Os proacuteximos relatos biograacuteficos apresentados por nosso autor jaacute se estabeleceram no

decorrer de sua jornada em direccedilatildeo ao alvo que buscava atingir eacute quando em seu escrito

intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo Justino se apresentaraacute como um apaixonado apreciador da

filosofia e do absoluto que a razatildeo deveria perscrutar Em um escrito estiliacutestico e repleto de

artifiacutecios literaacuterios Justino cita seu passado em meio aos estoicos peripateacuteticos pitagoacutericos e

platocircnicos32 observando desde cedo que o objetivo de seu caminho nestes grupos que

ldquocultuavamrdquo o bem-estar do viver humano era o de descobrir a verdade como um estado livre

de contingecircncias Hamman endossa esse processo de peregrinaccedilatildeo filosoacutefica na vida do autor

25 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 81

26 JUSTINO I Apologia I 1

27 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo nosso

28 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

29 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

30 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

31 Flaacutevia Neaacutepolis foi fundada em 72 de nossa era por Vespasiano sobre a antiga Siqueacutem A cidade existe hoje

sob o nome de Naplusa Natildeo se deve esquecer a importacircncia deste siacutetio geograacutefico para a histoacuteria religiosa de

judeus e cristatildeos Foi em Siqueacutem que Deus apareceu a Abraatildeo e este lhe dedicou um altar (cf Gn 126-7) Ali se

conservava a memoacuteria de um ldquopoccedilo de Jacoacuterdquo junto ao qual Jesus dialogou com a samaritana (cf Jo 45-6) Foi em

Siqueacutem que Josueacute reuniu a grande assembleia das tribos para ratificar a alianccedila entre Deus e seu povo (cf Js 24)

Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5

32 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3-6

19

O proacuteprio Justino conta-nos no Diaacutelogo com Trifatildeo o longo itineraacuterio de sua busca

[] Sucessivamente em Naplusa frequentou as aulas de um estoico depois de um

disciacutepulo de Aristoacuteteles que logo abandonou trocando-o por um platocircnico Com

candura esperava que a filosofia de Platatildeo lhe permitisse ldquover imediatamente a

Deusrdquo33

Entretanto Justino diante de diversas circunstacircncias e ainda acometido de inuacutemeras

inquietaccedilotildees decorridas das mesmas perguntas que o afligiam em sua busca pela verdade passa

a relatar seu impressionante encontro com o Evangelho de Cristo em seu Diaacutelogo com um judeu

chamado Trifatildeo34 Justino que aparentemente parece ter sido encorajado apoacutes ser ensinado por

um mestre da escola platocircnica passa a viver por meio de haacutebitos mais austeros e se retira a um

lugar isolado onde segundo ele mesmo procuraria encontrar ldquoo proacuteprio Deusrdquo35 Poreacutem em

meio a esta experiecircncia de isolamento ndash possivelmente ocorrida na regiatildeo da Aacutesia Menor36 ndash

Justino se depara com um anciatildeo que seraacute o arauto da mais significativa filosofia que conheceu

Hamman daacute ecircnfase a esse evento ldquoRetirando-se agrave solidatildeo Justino passeava pela areia a beira-

mar para meditar sobre a visatildeo de Deus sem conseguir apaziguar sua inquietaccedilatildeo quando

encontrou um anciatildeo misterioso que dissipou suas ilusotildeesrdquo37

Nesse Diaacutelogo nos deparamos com uma seacuterie de interrogaccedilotildees vindas da parte do

Anciatildeo judeu dirigidas a pessoa de Justino assuntos sobre Deus (divindade) sobre o saber

humano (filosofia) sobre a felicidade e a disposiccedilatildeo da alma (psique) satildeo algumas das questotildees

apresentadas ao ldquointelectordquo do filoacutesofo Justino No que tudo indica parecer um processo

baseado na maiecircutica socraacutetica o Anciatildeo leva nosso autor a inuacutemeras duacutevidas e consegue

estabelecer contradiccedilotildees naquela que parecia ser a melhor via (meacutedio platonismo) para o

entendimento da verdade conhecida por Justino ateacute entatildeo38 Diante das argumentaccedilotildees

apresentadas pelo Anciatildeo e sentindo-se vencido por elas Justino reconhece a sua limitaccedilatildeo e

pergunta ldquoEntatildeo a quem vamos tomar como mestre ou de quem poderemos tirar algum

proveito se nem mesmo nestes (filoacutesofos) se encontra a verdaderdquo39

33 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

34 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo III 1-VIII 2

35 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6-III 1

36 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

37 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

38 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

39 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1 grifo nosso

20

O decorrer do caso nos eacute apresentado com entusiasmo pelo autor o Anciatildeo eacute retratado

como algueacutem que natildeo hesita em afirmar ao sedento Justino que os profetas da antiga alianccedila

foram aqueles que manifestaramproclamaram a Verdade antes de todos os outros homens40

pois a resposta ao apelo do espiacuterito de Justino jaacute encontrava razatildeo e sentido na revelaccedilatildeo

anteriormente profetizada (Antigo Testamento) Estes fatos (profecias) tinham total relevacircncia

pois eram ldquomais antigos do que todos estes considerados filoacutesofos homens bem-aventurados

justos e amigos de Deusrdquo41 Neste ponto soma-se de forma significativa a descriccedilatildeo de Walde

desenvolvida junto ao texto de Justino sobre a sua conversatildeo

Justino foi introduzido na feacute diretamente por um velho homem que o envolveu numa

discussatildeo sobre problemas filosoacuteficos e entatildeo lhe falou sobre Jesus Ele falou a Justino

sobre os profetas que vieram antes dos filoacutesofos ele disse e que falou ldquocomo

confiaacutevel testemunha da verdaderdquo Eles profetizaram a vinda de Cristo e suas

profecias se cumpriram em Jesus Justino disse depois que ldquomeu espiacuterito foi

imediatamente posto no fogo e uma afeiccedilatildeo pelos profetas e para aqueles que satildeo

amigos de Cristo tomaram conta de mim enquanto ponderava nestas palavras

descobri que a sua era a uacutenica filosofia segura e uacutetil [] eacute meu desejo que todos

tivessem os mesmos sentimentos que eu e nunca desprezassem as palavras do

Salvadorrdquo42

Apoacutes este evento notabilizador na histoacuteria de Justino um evento que atesta a

conversaccedilatildeo do filoacutesofo a nova religiatildeo que se apresentava a cada dia com maior forccedila em meio

ao mundo heleniacutestico nasce um ministeacuterio que iraacute se caracterizar por uma profunda e inegaacutevel

entrega a causa que o conquistou Chegando agrave cidade de Eacutefeso Justino se deparou com irmatildeos

que se diziam disciacutepulos do apoacutestolo Joatildeo os quais por meio de uma intensa relaccedilatildeo lhe

mostraram o novo e relevante aspecto da nova filosofia que agora havia decidido seguir

passando a entender que o cristianismo deve ser ldquoum cristianismo de atos e natildeo soacute de

palavrasrdquo43

Poreacutem o maior entendimento que o Apologista obteve foi o de encontrar a Verdade a

qual buscava incessantemente unindo este axioma (Verdade) com o Logos revelado pelas

Escrituras contexto que definiu como a uacutenica ldquofilosofia segura e proveitosardquo44 para a vida a

40 DROHNER Manual de Patrologia 2008

41 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1

42 WALDE Defensor da Igreja 2000 p 1

43 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

44 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

21

qual eacute a fonte do saber primordial que manteve-se inalterada poreacutem tendo assumido ldquonovas

formas e expressotildees diferentesrdquo atraveacutes dos seacuteculos45 Este esteio da intelectualidade de Justino

foi tatildeo decisivo para a histoacuteria do cristianismo que segundo Hamman passou a apresentar

(temporariamente) uma satisfatoacuteria ldquoconclusatildeo para todas as verdades parciais [] Instante

inesqueciacutevel que assinala uma data na histoacuteria cristatilde em que se encontram a alma platocircnica e

a alma cristatilde A Igreja acolhia Justino e Platatildeordquo46

Aleacutem disto Justino guardou caracteriacutesticas daquilo que reconhecia ser saudaacutevel de seu

passado como amigo da sabedoria vestindo-se com ldquomanto de filoacutesofo como sinal do pregador

cristatildeo itineranterdquo47 Desta forma Justino procurou caracterizar-se entre os seus

contemporacircneos como algueacutem que representava a Verdade que havia encontrado Ateacute onde se

tem notiacutecias jamais foi ordenado assim como a maioria dos Pais de sua classe Patriacutestica

(Apologistas)48 No entanto ele iniciou em Roma possivelmente a pedido do Bispo Higino49

ldquoagrave maneira das escolas de filosofia uma escola de iniciaccedilatildeo agrave religiatildeo cristatilderdquo50 na qual formou

disciacutepulos recebendo tambeacutem por esta iniciativa a possiacutevel desaprovaccedilatildeo da ldquoclasserdquo

intelectual de sua eacutepoca pois tudo indica que natildeo cobrava nenhuma compensaccedilatildeo ndash entenda-se

salaacuteriopagamento ndash de seus alunos51 Este periacuteodo ministerial de Justino na ldquocapital do mundordquo

teve tamanha repercussatildeo na histoacuteria da Igreja a ponto de Euseacutebio fazer questatildeo de reproduzir

algumas particularidades desse filoacutesofo cristatildeo deixando-nos assim uma robusta base

historiograacutefica de Justino o primeiro historiador da Igreja afirma que ldquofloresceu Justino Com

estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de Deus e lutava pela feacute com seus escritosrdquo52

Decorrido um periacuteodo de confrontaccedilotildees filosoacuteficas e teoloacutegicas ndash especialmente no

acircmbito da eacuteticamoral ndash e de crescentes atritos com as esferas aristocraacuteticas da sociedade

romana Justino foi acusado de ser cristatildeo53 Tudo indica que a denuacutencia partiu de um filoacutesofo

45 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

46 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

47 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 83

48 RIVAS San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo 2018

49 Acredita-se que devido ao crescimento de alguns movimentos gnoacutesticos (Marcionismo Valentianismo etc)

junto a capital do Impeacuterio o Bispo Higino (Nono Papa) solicitou a presenccedila de Justino na tentativa de se introduzir

uma formaccedilatildeo filosoacutefico-cultural cristatilde em Roma no empenho de se responder adequadamente mediante a

verdadeira doutrina de Cristo a estes representantes heterodoxos Ver FEacuteLIX Las filosofiacuteas en la teologiacutea de

Justino Maacutertir 2014 p 438

50 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

51 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

52 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 10 8

53 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

22

ciacutenico54 de caraacuteter duvidoso chamado Crescente O proacuteprio Justino registra em sua segunda

Apologia o pressentimento de que entregaria sua vida em prol da causa do Evangelho que o

libertou da ignoracircncia e o salvou da morte eterna Ele escreve ldquoEu mesmo espero ser viacutetima

das ciladas de algum desses democircnios aludidos e ser cravado no cepo ou pelo menos das ciladas

de Crescente esse amigo da desordem e da ostentaccedilatildeordquo55 Deste modo Justino e provavelmente

seis de seus disciacutepulos foram conduzidos diante do Prefeito de Roma chamado Juacutenio Ruacutestico56

Apoacutes ser julgado e condenado agrave morte ldquoSua sentenccedila foi a decapitaccedilatildeo que ocorreu por volta

do ano 165 dCrdquo57 Hamman ainda enobrece a posiccedilatildeo de Justino salientando que o Apologista

tinha a compreensatildeo de que diante de seus algozes natildeo se tratava ldquomais de convencer senatildeo de

confessarrdquo58 Assim mesmo nesse cenaacuterio de violecircncia a identidade e histoacuteria do filoacutesofo que

quando jovem peregrinava atraacutes das respostas do absoluto acaba por transformar-se por meio

de um ato de feacute o entatildeo filoacutesofo cristatildeo chamado Justino e morador da cidade de Roma passa

agora a ser tambeacutem o Maacutertir da Igreja de Cristo

Finalizamos este item com a descriccedilatildeo de Euseacutebio que com realce e temor retrata os

fatos finais da histoacuteria da vida de Justino

Por este mesmo tempo Justino mencionado haacute pouco depois de dedicar aos

supracitados imperadores seu segundo livro em defesa de nossas doutrinas foi

adornado com o sagrado martiacuterio O responsaacutevel pela conspiraccedilatildeo foi o filoacutesofo

Crescente - homem que se esforccedilava em levar uma vida e uma conduta bem adequadas

ao cognome de ciacutenico - pois Justino o havia repreendido muitas vezes em presenccedila

de seus ouvintes Justino com seu martiacuterio acabou cingindo o precircmio da vitoacuteria da

verdade da qual era embaixador59

54 O cinismo origina-se nas escolas filosoacuteficas da Greacutecia antiga que reivindicam uma linhagem socraacutetica Chamar

os ciacutenicos de ldquoescolardquo no entanto imediatamente levanta uma dificuldade para um grupo natildeo convencional e anti-

teoacuterico Seus principais interesses satildeo eacuteticos mas eles concebem a eacutetica mais como um modo de viver do que

como uma doutrina que precisa de explicaccedilatildeo Como tal askēsis ndash uma palavra grega que significa um tipo de

treinamento do eu ou da praacutetica ndash eacute fundamental Os ciacutenicos assim como os estoacuteicos que os seguiram caracterizam

o modo de vida ciacutenico como um ldquoatalho para a virtuderdquo (ver Dioacutegenes Laeacutercio Vidas de Filoacutesofos Eminentes)

Livro 6 Capiacutetulo 104 e Livro 7 Capiacutetulo 122) Embora muitas vezes sugiram que descobriram o caminho mais

raacutepido e talvez o mais certo para a vida virtuosa eles reconhecem a dificuldade desse caminho Ver PIERING

Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Texto completo em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt

55 JUSTINO II Apologia VIII 9 1

56 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

57 CAMPENHAUSEN Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros Teoacutelogos Cristatildeos 2005 p 22 apud

SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 67

58 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 32

59 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 16 1

23

Apoacutes este introdutoacuterio exame biograacutefico comeccedilaremos a apresentar o cristatildeo e filoacutesofo

Justino em seu grupo de definiccedilatildeo Patriacutestica ou poderiacuteamos dizer no condicionamento

ministerial de seu exerciacutecio da manutenccedilatildeo e defesa da feacute cristatilde

12 PAIS DA IGREJA

Justino eacute um personagem histoacuterico do cristianismo mundial e possui seu assento no

espaccedilo definido pela teologia Patriacutestica como um PaiPadre da Igreja60 Em sua pesquisa de

ordenamento histoacuterico Santos salienta que ldquoele se insere num momento e num ciacuterculo muito

importante da histoacuteria do cristianismo primitivo naquilo que se convencionou chamar de

Padres da Igrejardquo61 Neste espaccedilo analiacutetico em que surgem terminologias de caraacuteter mais

temaacutetico desenvolvem-se alguns viacutenculos que visam obter uma melhor orientaccedilatildeo teoloacutegica

As ciecircncias intituladas Patriacutestica e Patrologia (denominaccedilatildeo predominante no acircmbito teoloacutegico

Catoacutelico Romano) detecircm as estruturas funcionalidades e linguagens que buscam o

aperfeiccediloamento deste ramo de pesquisa histoacuterica em meio a teologia Nesse espaccedilo torna-se

importante apresentar a sinteacutetica definiccedilatildeo oriunda da Congregaccedilatildeo para a Educaccedilatildeo Catoacutelica

em sua Instruccedilatildeo sobre o Estudo dos Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal esta diz ldquoa

Patriacutestica ocupa-se do pensamento teoloacutegico dos Padres [] a Patrologia tem por objeto a vida

e os escritos dos mesmosrdquo62 Notamos que nesse ambiente se caracteriza uma espeacutecie de

sinoniacutemia entre os termos sendo isso o resultado de diversas siacutenteses oriundas do confronto de

algumas posiccedilotildees divergentes ao longo da histoacuteria da elaboraccedilatildeo teoloacutegica ocidental63 poreacutem

a definiccedilatildeo terminoloacutegica conhecida por Histoacuteria da Literatura Cristatilde Antiga utilizada por

Lazzati e Simonetti ndash mesmo que extensa e ainda pouco usada ndash devido a sua qualificaccedilatildeo

linguiacutestica acabou por se estabelecer Padovese resume bem essa proposta de ldquosimbioserdquo ao

60 Em vaacuterias liacutenguas eacute a mesma palavra para o significado de Padre e Pai pater em latim padre em italiano e em

espanhol pegravere em francecircs father em inglecircs Em portuguecircs haacute hoje distinccedilatildeo niacutetida entre Padre e Pai mas o sentido

original da palavra eacute o de Pai (ateacute natildeo muitos anos atraacutes diziacuteamos [na liturgia da ICAR] ldquoPadre nosso que estais

no ceacuteurdquo) Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 17 grifo nosso

61 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68

62 CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos Padres da Igreja na

Formaccedilatildeo Sacerdotal 1989 art 49

63 A Patriacutestica no mundo protestante tornou-se ldquoHistoacuteria dos Dogmasrdquo e tanto no acircmbito catoacutelico como

protestante alguns identificaram a Patrologia com a histoacuteria da literatura cristatilde (Harnack) ou com a ldquohistoacuteria da

literatura eclesiaacutesticardquo (Bardenhewer) ou ainda com a ldquohistoacuteria da literatura cristatilde antigardquo (Lazzati Simonetti)

Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 22

24

sugerir que ldquoambas (Patriacutestica e Patrologia) juntamente com a histoacuteria da literatura cristatilde

antiga trabalham com as mesmas obrasrdquo64

Desta maneira a aacuterea de estudo dos Pais da Igreja tem sido objeto e alvo de diversas

pesquisas na atualidade aleacutem de ter sido um feacutertil campo para inuacutemeras e variadas abordagens

no decorrer dos seacuteculos havendo significativos trabalhos jaacute no Seacuteculo XVII65 Mais

recentemente (Seacuteculo XX)66 houve um reconhecimento do grande valor estrutural desse

segmento para o meio teoloacutegico de forma transconfessional onde acabou por acarretar

expressiva contribuiccedilatildeo em questotildees especialmente dogmaacuteticas Hall baseando-se no

pensamento de Casey desenvolve sua ideia atraveacutes de afirmaccedilotildees relevantes sob a importacircncia

do estudo da PatriacutesticaPatrologia para o ensino ordinaacuterio da teologia (academia) e da Igreja

(catequese)

Primeiro os pais satildeo os ldquomais proacuteximos beneficiaacuterios da tradiccedilatildeo apostoacutelicardquo Em

minhas proacuteprias palavras eles viveram e trabalharam em aproximaccedilatildeo hermenecircutica

com os escritores biacuteblicos especialmente os do novo testamento Segundo os pais

ldquoajudam-nos a entender nossas proacuteprias raiacutezesrdquo na feacute Terceiro muitos pais

escreveram e viveram como pastores Eles escreveram para ajudar as pessoas a

agarrar-se ao ensino de Cristo67

De maneira ampla podemos dizer que haacute algumas variaccedilotildees no meacutetodo e no estilo de

estudar o cenaacuterio patriacutestico em sua estrutura conjuntural Devemos iniciar salientando que o

periacuteodo patriacutestico simplesmente ldquonatildeo eacute definido como um marco cronoloacutegico mas como um

periacuteodo de passagemrdquo68 Deste modo uma delimitaccedilatildeo se constroacutei atraveacutes de uma conclusatildeo de

periacuteodos (estrutura temporal) ndash onde atributos culturais e eclesiaacutesticos se mesclam para gerar

uma definiccedilatildeo conceitual Nessa espeacutecie de ldquorestriccedilatildeo conceitualrdquo tambeacutem se encaixa o

conjunto de criteacuterios adotados no processo de seleccedilatildeo daqueles que podem receber tal tiacutetulo

honoriacutefico de Pai da Igreja mesmo que estes elementos de classificaccedilatildeo (ortodoxia

64 PADOVESE Leacutexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico 2003 p 576 apud SANTOS Identidade Cristatilde

no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68 grifo nosso

65 DAILLEacute Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui sont auiourdhui en la

religion 1632

66 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

67 CASEY Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina 1995 p 105 apud HALL Lendo as Escrituras

com os Pais da Igreja 2003 p 56

68 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

25

santificaccedilatildeo reconhecimento eclesiaacutestico antiguidade)69 tenham possuiacutedo variaacuteveis (de meacuterito

e de forma)70 em sua aplicaccedilatildeo durante toda a histoacuteria Ainda nesse processo de formaccedilatildeo

tambeacutem cabe registrar a profunda influecircncia de indicaccedilatildeo geograacutefica ocorrida em todo esse

desenvolvimento onde uma linha divisoacuteria de significativa relevacircncia se apresenta quando faz

a separaccedilatildeo do ldquotemperamento teoloacutegico entre o Oriente e Ocidenterdquo71

Contudo cabe-nos assumir uma forma de classificaccedilatildeo e organizaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo

desta pesquisa desta forma por utilizar-se de uma linguagem acessiacutevel e por apresentar maior

incidecircncia literaacuteria em meios natildeo teoloacutegicos utilizaremos das seguintes divisotildees baseadas no

trabalho de Hall descritas como

I Pais Apostoacutelicos (final do Seacuteculo I ateacute meados do II)

II Pais Apologistas ou Ante-Nicenos (Seacuteculo II)

III Pais Polemistas ou Nicenos (final do Seacuteculo II e Seacuteculo III)

IV Pais Cientiacuteficos ou Poacutes-Nicenos (Seacuteculo III ao V)72

O primeiro modo de classificaccedilatildeo iraacute se designar por uma abordagem de caraacuteter mais

funcional no que diz respeito a seus integrantes todos estatildeo relacionados ao periacuteodo

denominado de cristianismo antigoprimitivo recebendo assim o nome de Pais Apostoacutelicos

Foram os herdeiros diretos do chamado ldquodepoacutesito da Feacuterdquo o qual foi estabelecido atraveacutes da

missatildeo dos apoacutestolos de Cristo que detinham a autoridade e a grande responsabilidade de

perpetuar a doutrina apostoacutelica (entenda-se afirmar a continuidade da mensagem una santa e

catoacutelica do cristianismo por meio da manutenccedilatildeo daacute mensagem original) Jaacute os denominados

Pais Apologistas (grupo agrave qual Justino pertence) notabilizaram-se ndash principalmente devido agrave

notaacutevel qualidade de seus escritos ndash por defender a Feacute cristatilde de inuacutemeras accedilotildees repressivas agrave

doutrina e agraves comunidades fenocircmeno que se caracterizou especialmente no decurso do Seacuteculo

II Os Pais Polemistas salientam-se por sua ampla argumentaccedilatildeo no que confere a asseveraccedilatildeo

dos principais ensinos (doutrinasdogmas) do cristianismo protegendo-os das mais variadas

heresias tambeacutem afirmando suas peculiaridades mas acima de tudo pontuando estas instruccedilotildees

como questotildees indispensaacuteveis para a existecircncia da verdadeira Feacute em Cristo Por uacuteltimo os Pais

chamados ldquocientiacuteficosrdquo distinguiram-se por sua ecircnfase na densa aplicaccedilatildeo da Teologia em aacutereas

69 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 11

70 Bogaz Couto e Hansen indicam ainda um quinto criteacuterio na classificaccedilatildeo dos elementos para se ser credenciado

como um integrante do mundo patriacutestico eles o chamam de COLEGIALIDADE E DIAacuteLOGO Este visa analisar

a abrangecircncia do patrimocircnio teoloacutegico deixado pelo autor Ver BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica

caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 28 grifo do autor

71 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

72 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003 Ver capiacutetulos III-V

26

filosoacuteficas e do conhecimento ldquonaturalrdquo (antropologia sociologia psicologia etc) de seu

tempo Cabe-nos ainda frisar por uma questatildeo teacutecnica que o periacuteodo Patriacutestico normalmente eacute

descrito ateacute figuras do Seacuteculo VIII73 poreacutem nossa abordagem natildeo esmiuccedilara tal fato pelo

mesmo exceder o tema proposto nesta pesquisa

Para terminar nossa lacocircnia abordagem de uma aacuterea tatildeo ampla e rica de conteuacutedo

devemos sustentar a premissa de que uma consistente estrutura para anaacutelise Patriacutestica se daacute

atraveacutes da apropriaccedilatildeo de seu legado intelectual e isso se constroacutei atraveacutes de um genuiacuteno exame

de suas obras Aqui se apresenta a Patrologia como a ciecircncia a ser seguida e exercitada em

sentido literal isso devido a essa ser a organizadora deste sistema Santos em sua pesquisa

contribui neste enfoque

Haacute ainda outra forma muito comum de se estudar os padres da Igreja que eacute a partir de

suas obras e ainda o estudo deles todos sem qualquer divisatildeo atendo-se agraves vezes agrave

cronologia tanto de suas obras quanto de sua existecircncia na linha do tempo agraves vezes

de forma alfabeacutetica Em ambos os casos satildeo estruturados de forma enciclopeacutedica ou

dispostos como um dicionaacuterio de pensadores cristatildeos Assim os padres da Igreja

fazem parte de um campo de estudo maior inserido no que pode ser chamado de

Histoacuteria das ideias ou do pensamento cristatildeo74

Seguindo em uma ordem organograacutefica examinaremos a partir de agora o grupo

Patriacutestico no qual Justino se enquadrou em seu exerciacutecio ministerial devido a suas

caracteriacutesticas filosoacuteficas e teoloacutegicas

121 Pais Apologistas

Verificamos que no decorrer do Seacuteculo II surgiu nas comunidades cristatildes uma iminente

necessidade de combater determinadas acusaccedilotildees aleacutem de procurar dissuadir visotildees distorcidas

sobre o cristianismo75 especialmente as relacionadas a questotildees que adotavam posturas parciais

que simplesmente acusavam a religiatildeo cristatilde de ser um legado para pessoas ldquoignorantes e

fanaacuteticasrdquo76 Tal incitaccedilatildeo jaacute estava ativa em grande parte do Impeacuterio Romano Desta forma a

73 Os estudiosos patriacutesticos definem o fechamento deste periacuteodo no ocidente com Gregoacuterio Magno (ou Isidoro de

Sevilha) no Seacuteculo VII e no Oriente com Joatildeo Damasceno no Seacuteculo VIII Ver BOGAZ COUTO HANSEN

Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

74 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 69

75 Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 29-31

76 SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 181

27

Igreja ancorada em um ldquonuacutemero notaacutevel de gentios dotados de soacutelida formaccedilatildeo intelectualrdquo77

sendo sua maioria formada por ldquofiloacutesofosrdquo que haviam se convertido ao cristianismo acabaram

postando-se como baluartes desta nova religiatildeo tendo seus escritos (chamados de ldquotradiccedilatildeo

apologeacutetica cristatilderdquo78) como sua principal ldquoarmardquo de defesa estes (escritores e suas obras)

visavam ldquorefutar as calunias e [] expor o absurdo e a incoerecircncia dos ritos e dos mitos

pagatildeosrdquo79 aleacutem de apresentarem suas vidas como testemunhos da transformaccedilatildeo almejada por

esta feacute que defendiam Diante dos recursos aos quais protegiam e frente a busca de

ldquolegitimaccedilatildeordquo do cristianismo como religiatildeo no Impeacuterio estes cristatildeos questionavam de

maneira enfaacutetica as infundadas agressotildees propostas por aqueles que decidiam ldquofechar os seus

olhosrdquo as virtuosas obras geradas pelos seguidores desta Boa Nova Fluck contribui com ecircnfase

na tentativa de legitimaccedilatildeo que estes escritores apologistas procuraram dar a sua pregaccedilatildeo na

busca de toleracircncia para sua mensagem

Os apologistas queriam manifestar diante da opiniatildeo puacuteblica a verdadeira natureza do

Cristianismo Eles tinham a preocupaccedilatildeo de demonstrar a conformidade do

Cristianismo com o ideal helecircnico Proclamavam ndash na maioria dos casos ndash a alianccedila

do Cristianismo e da Filosofia Queriam mais do que somente toleracircncia Mostravam

que os cristatildeos eram os melhores cidadatildeos do Impeacuterio e que o Cristianismo favorecia

a grandeza do Impeacuterio80

Esta postura adotada por homens de elevada cultura acabou por robustecer e superar

uma necessidade existencial que havia surgido na relaccedilatildeo do cristianismo para com mundo

greco-romano isso devido agrave expansatildeo e estabilizaccedilatildeo em sociedades predominantemente

heleniacutesticas Os Pais Apologistas (em sua ampla maioria) inauguraram o que podemos chamar

de informaccedilatildeo ldquoad extrardquo81 ou seja estabelecer uma relaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo para fora dos

ldquomurosrdquo da Igreja O que antes era conhecida como a dimensatildeo (alcance e destino para

mensagem) literaacuteria ndash definida como ldquoad intrardquo82 ndash no periacuteodo dos Pais Apostoacutelico agora era

acompanhada de um novo estilo linguiacutestico que abria espaccedilo e trazia em sua armaccedilatildeo tambeacutem

77 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 69

78 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 2

79 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

80 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 31

81 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

82 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 97

28

o ldquoconhecimento das ciecircncias das letras e da filosofiardquo83 Torna-se valiosa nessa abordagem as

consideraccedilotildees gerais de Haumlgglund sobre a importacircncia da accedilatildeo literaacuteria dos Apologistas

Os apologistas ocupam lugar de destaque na histoacuteria do dogma natildeo soacute devido a sua

descriccedilatildeo do cristianismo como a verdadeira filosofia como tambeacutem por sua tentativa

de elucidar ensinamentos teoloacutegicos com o auxiacutelio de terminologia filosoacutefica

contemporacircnea (por exemplo na assim chamada laquocristologia do Logosraquo) O que neles

encontramos por conseguinte eacute a primeira tentativa de definir de maneira loacutegica o

conteuacutedo da feacute cristatilde bem como a primeira conexatildeo entre teologia e ciecircncia entre

cristianismo e filosofia grega84

Acredita-se que o periacuteodo apologeacutetico teve seu iniacutecio no seio da Igreja com a literatura

de um disciacutepulo chamado Quadrato que possivelmente em 124125 dC apresentou ldquodianterdquo

do Imperador Adriano na cidade de Atenas (Greacutecia) uma espeacutecie de tratado que visava enfatizar

que Cristo em seu ministeacuterio terreno havia realizado diversas curas e milagres afirmando que

a ressurreiccedilatildeo de mortos foi algo emblemaacutetico entre esses feitos prodigiosos85 Aristides eacute outro

personagem que merece destaque como precursor desta classe Patriacutestica Euseacutebio se refere a

ele deste modo ldquoMas tambeacutem Aristides homem de feacute entregue a nossa religiatildeo deixou assim

como Codratos uma Apologia em favor da feacute que havia dirigido a Adriano Tambeacutem a obra

deste escritor se conservou ateacute nossos dias em muitos lugaresrdquo86 Nesse escrito o historiador da

Igreja iraacute apresentar uma das proposiccedilotildees recorrentes entre os escritos apologeacuteticos do periacuteodo

o de que somente os cristatildeos satildeo verdadeiramente eacuteticos isso devido principalmente aos seus

haacutebitos de elevada postura moral87 o que buscava demonstrar que eram os uacutenicos que

verdadeiramente conheciam a DeusDivindade88 e deste modo acabavam por serem os

ldquomelhores cidadatildeos do Impeacuteriordquo89 Desta forma seguindo quase que um modelo padratildeo de

abordagem esses Apologistas apelaram aacute razoabilidade dos governantes romanos de sua eacutepoca

exigindo destes natildeo apenas toleracircncia mas acima de tudo justiccedila

83 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

84 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21

85 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

86 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 3 3

87 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

88 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

89 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 28

29

Ainda citamos o trabalho de Xavier que aborda de forma sinteacutetica outras figuras desse

periacuteodo apologeacutetico destacando sua alta produccedilatildeo textual que acabou por ter significativa

relevacircncia na estruturaccedilatildeo e funcionalidade de diversos segmentos do processo de formaccedilatildeo

dogmaacutetico na Igreja O relato agrega teor agrave nossa construccedilatildeo

Taciano disciacutepulo de Justino que compocircs ldquoDiscurso aos gregosrdquo Atenaacutegoras que

escreveu ldquoDefesa dos cristatildeosrdquo e um tratado ldquoSobre a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo Por

volta do ano 180 o bispo de Antioquia Teoacutefilo escreveu ldquoTrecircs livros a Autoacutelicordquo

tratando da doutrina cristatilde de Deus a interpretaccedilatildeo das Escrituras e a vida cristatilde

refutando as objeccedilotildees dos pagatildeos sobre essas questotildees No seacuteculo terceiro Oriacutegenes

de Alexandria escreveu uma refutaccedilatildeo ldquoContra Celsordquo Todas essas obras foram

escritas em grego sendo que na liacutengua latina destacam-se dois escritos apologeacuteticos

a ldquoApologiardquo de Tertuliano e o ldquoOtaacuteviordquo de Minuacutecio Feacutelix90

Portanto fica registrado na histoacuteria da identidade cristatilde mais que um gecircnero literaacuterio

antes uma postura corajosa de homens de estimado caraacuteter que ldquotocados pelo testemunho dos

cristatildeos e pelo querigma apostoacutelicordquo91 comunicaram uma genuiacutena e autecircntica mensagem de

vida e esperanccedila Tambeacutem devemos afirmar que a ldquotarefa de defender a feacute diante desta classe

de ataques produziu algumas das mais notaacuteveis obras teoloacutegicas do seacuteculo segundordquo92

Provavelmente muitos poderosos abastados intelectuais e outros detentores das benesses que

compunham a aristocracia romana do periacuteodo foram confrontados e alcanccedilados pelo

testemunho destes disciacutepulos que enfatizaram o apelo agrave razatildeo na tentativa de evitar a loucura

humana Nesse ponto Xavier consegue expressar com clareza a provaacutevel motivaccedilatildeo destes

homens ldquoSuas principais intenccedilotildees eram fazer com que o cristianismo fosse visto como um

ideal de vida que podia ser aceito e vivido em conformidade com a cultura greco-romana sem

necessidade de serem os cristatildeos perseguidos mortos ou marginalizadosrdquo93

122 O Apologista Justino

Eacute importantiacutessimo iniciarmos este item com as palavras de Dreher Frangiotti

Haumlgglund e Hamman O primeiro diz ldquoEntre os apologetas cristatildeos que procuraram estabelecer

90 XAXIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo do autor

91 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

92 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 86

93 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14

30

um diaacutelogo com os filoacutesofos Justino (110-165) foi o mais importanterdquo94 O segundo

similarmente afirma ldquoJustino eacute certamente o melhor apologista do seacuteculo IIrdquo95 O terceiro daacute

mesma forma garante no uso de um superlativo a importacircncia do Apologista ldquoO mais notaacutevel

dos apologistas foi Justino cognominado laquoo maacutertirraquo cujas duas laquoapologiasraquo datam de meados

do segundo seacuteculordquo96 O quarto usando de adjetivaccedilatildeo similar agrave do anterior enobrece com

insigne descriccedilatildeo a figura do Apologista ldquoDe todos os filoacutesofos cristatildeos do seacuteculo II Justino eacute

o mais ceacutelebre e o maiorrdquo97

Neste espaccedilo faremos uma descriccedilatildeo sinteacutetica apresentando a figura de Justino dentro

de sua classe Patriacutestica tendo como centro de nossa atenccedilatildeo sua produccedilatildeo textual

especialmente de suas duas apologias que satildeo as nossas principais ferramentas de ponderaccedilatildeo

sobre sua atuaccedilatildeo ministerial Nessa composiccedilatildeo podemos dizer que entre os ldquoApologistas

Maioresrdquo98 nenhum ldquoestava mais bem preparado para esse confronto do que Justinordquo99 isso

devido a sua variada formaccedilatildeo filosoacutefica Aproximadamente entre os ldquoanos de 150 e 165

dCrdquo100 Justino se apresentou no cenaacuterio apologeacutetico cristatildeo de forma avultosa mesmo natildeo

sendo um literato de destaque ganhou espaccedilo seja por seu caraacuteter iacutentegro como tambeacutem por

sua postura de retidatildeo haacute doutrina a ponto de seus escritos mostrarem ldquoo calor nunca

desmentido das suas convicccedilotildeesrdquo101 Hamman define bem essa peculiaridade na literatura de

Justino ao dizer que a ldquooriginalidade de Justino natildeo estaacute na sua qualidade literaacuteria mas na

novidade de seu esforccedilo teoloacutegicordquo102

Deste modo Justino conseguiu expressar muito bem aquilo que se tornaria o estandarte

apologeacutetico deste periacuteodo afirmando que o cristianismo ldquoeacute a filosofia segura e proveitosardquo103

levando-nos a conclusatildeo de que em ldquoCristo deu-se portanto a restauraccedilatildeo da filosofiardquo104

Nota-se que Justino estava absolutamente convencido de que havia encontrado o verdadeiro

94 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

95 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 6 grifo nosso

96 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21 grifo nosso

97 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27 grifo nosso

98 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 80

99 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 28

100 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

101 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

102 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

103 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

104 BARRERA A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da Biacuteblia 1995 p 663 apud FLUCK

Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32

31

caminho ldquoe passou a defendecirc-lo de diversas maneiras por meio de seus ensinos em seus

escritos e em sua vida e morte como maacutertirrdquo105 Assim como resultado de sua produccedilatildeo

literaacuteria Justino acabou destacando-se a ponto de se tornar ldquoo principal dos apologistas gregos

do seacuteculo IIrdquo106 como jaacute referido acima vale ainda mencionar o seleto testemunho de Euseacutebio

nessa constituiccedilatildeo este nos sugere que o legado apologeacutetico de Justino eacute consequecircncia de um

elaborado processo do conhecimento ao qual este passou a possuir ele escreve ldquoTambeacutem por

este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava ainda ocupado em

exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da

filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez sem razatildeo mas com juiacutezordquo107

Contudo ainda nos cabe um raacutepido registro histoacuterico relativo agrave produccedilatildeo literaacuteria de

Justino referente a questatildeo de se apontar qual seria sua habilitaccedilatildeo como um autecircntico

Apologista do Seacuteculo II Obviamente esta capacidade teacutecnica proveacutem daquilo que eacute a parte

material de sua arte no caso de Justino suas obras108 A pesquisa historiograacutefica apresenta ldquo8

obrasrdquo109 creditadas a Justino por Euseacutebio110 fazendo com que nosso autor seja reconhecido

como um escritor de ldquofecundardquo111 atividade literaacuteria no passado entretanto como autecircnticas

chegaram ateacute noacutes apenas trecircs destas diversas obras satildeo elas a I e II Apologia e um relato

argumentativo com um provaacutevel rabino judeu intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo112 Entre as

Apologias a primeira eacute direcionada agrave classe imperial Romana (Antonino Pio e seus filhos

Marco Aureacutelio e Luacutecio Vero) como tambeacutem ao senado Jaacute a segunda eacute motivo de um amplo

debate na esfera da criacutetica textual por natildeo apresentar um relato introdutoacuterio nem um

destinataacuterio de forma objetiva Muitos acreditam ser esta obra um apecircndice da I Apologia Nesta

cena eacute relevante a pesquisa de Santos que cita as bases de Euseacutebio aleacutem de outros trecircs autores

que nos auxiliam de forma eficaz na elucidaccedilatildeo desta questatildeo mesmo que natildeo possam pocircr um

fim a discussatildeo ele diz

105 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13 grifo nosso

106 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13

107 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 5

108 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

109 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 76

110 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 18 1-6

111 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

112 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 83 SIMONETTI In Justino

Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

32

Destas obras cabem-nos as seguintes consideraccedilotildees quanto agraves duas primeiras a

primeira apologia citada em Euseacutebio corresponde a I Apologia que chegou ateacute noacutes A

segunda apologia natildeo corresponde a II Apologia que temos Primeiro porque natildeo

possui uma introduccedilatildeo e nem um destinataacuterio enquanto que a citada por Euseacutebio

possui um destinataacuterio O segundo ponto que corrobora este ponto de vista eacute a citaccedilatildeo

que Euseacutebio faz da primeira apologia Diz ele ldquoo mesmo autor (Justino) em sua

primeira Apologiardquo e conta uma histoacuteria que consta em nossa II Apologia II 1-20

(EUSEacuteBIO DE CESAREacuteIA Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 17) Eacute mais provaacutevel que a dita

II Apologia que chegou ateacute noacutes seja um apecircndice da I Apologia (FRANGIOTTI 1995

MORESCHINI amp NORELLI 2005 p 110)113

Diante de tatildeo curioso e desafiante cenaacuterio eacute valioso buscar compreender o propoacutesito

dos tratados de Justino pois por ldquotraacutes deste esforccedilo descobrimos o testemunho de um homem

de uma conversatildeo de uma opccedilatildeo definitivardquo114 opccedilatildeo que nos oferece a possibilidade de

conhecer o verdadeiro e uacutenico Deus e se necessaacuterio for viver e morrer na defesa deste

Evangelho que nos leva ao verdadeiro conhecimento115

Apoacutes abordar a figura de Justino em sua classe Patriacutestica e salientar resumidamente

seu instrutivo serviccedilo para com o cristianismo seraacute analisada de maneira diminuta mas com

dedicado alinho a dataccedilatildeo e a estrutura literaacuteria da primeira obra apologeacutetica que serve de esteio

para esta pesquisa

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO

A constituiccedilatildeo textual da primeira obra de Justino apresenta caracteriacutesticas histoacuterico-

literaacuterias muito interessantes como tambeacutem evidecircncia aspectos relevantes na assimilaccedilatildeo do

desenvolvimento do cristianismo dos dois primeiros seacuteculos Desta forma reconhecemos a

necessidade de uma abordagem cientiacutefica ndash mesmo que aqui apresentada de maneira lacocircnica

ndash de algumas aacutereas da anaacutelise criacutetica textual para uma melhor assimilaccedilatildeo de nosso escrito

alicerccedilante Assim um enfoque calculado na dataccedilatildeo na divisatildeo no gecircnero literaacuterio e nas

principais peccedilas quirograacuteficas da I Apologia de Justino nos possibilitaratildeo uma melhor

compreensatildeo dos conteuacutedos e elementos que a mesma visa comunicar A partir de agora nosso

objetivo seraacute examinar estas quatro aacutereas

131 Dataccedilatildeo

113 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 70

114 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

115 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

33

Apresenta-se praticamente como ponto paciacutefico na pesquisa histoacuterica-teoloacutegica que a

obra tenha sido escrita em meados do Seacuteculo II de nossa Era sendo reconhecida como a data

mais aceita para esta afirmaccedilatildeo o periacuteodo entre os anos de 150 e 160 dC116 Essa tese encontra

forccedila significativa atraveacutes de quatro argumentos todos de cunho e alccedilada existencial

comunicados na proacutepria obra Inicialmente os destinataacuterios para quem esse escrito apologeacutetico

de Justino se dirigiu garantem um aporte histoacuterico consideraacutevel neste exame o mesmo escreve

ldquoAo imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo filoacutesofo

e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do saber ao sacro

Senado e a todo o povo romanordquo117 Por meio desse dado Frangiotti eacute categoacuterico ao afirmar que

eacute ldquofato que estes imperadores reinaram do ano 147 ao ano 161 A Apologia deve ter sido escrita

ao longo destes 15 anosrdquo118

Em segundo outro fator se apresenta determinante na tentativa de se apontar

satisfatoriamente a data desse escrito o ponto em questatildeo se apresenta no capiacutetulo XLVI da

obra novamente o comentaacuterio de Frangiotti eacute valioso por apresentar evidecircncias importantes

Justino menciona que uma das objeccedilotildees contra a doutrina cristatilde era a de ldquodizermos

que Cristo nasceu somente haacute cento e cinquenta anos sob Quirino e ensinou sua

doutrina mais tarde no tempo de Pocircncio Pilatosrdquo Embora se deva tomar o ano cento

e cinquenta como um arredondamento pode-se pensar que a redaccedilatildeo da I Apologia

natildeo se deu antes desta data119

O terceiro elemento a se tornar pontual no texto de Justino eacute sua menccedilatildeo a respeito da

terceira revolta judaica liderada por Simatildeo Bar Koacutekeba em meados do Seacuteculo II A respeito

disto Justino relata com ecircnfase apologeacutetica que ldquoCom efeito na guerra dos judeus agora

terminada Bar Koacutekeba o cabeccedila da rebeliatildeordquo120 estaria aplicando meacutetodos de tortura nos

cristatildeos ao seu redor Santos mostra em sua pesquisa que esta exposiccedilatildeo de Justino pode ser

considerada como um ponto norteador para uma medida qualificada de dataccedilatildeo de sua obra o

116 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

117 JUSTINO I Apologia I 1

118 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

119 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

120 JUSTINO I Apologia XXXI 6

34

historiador diz ldquoEssa rebeliatildeo ocorreu entre os anos de 132 e 135 dC A expressatildeo lsquoagora

terminadarsquo nos remete a uma data posterior ao final da revoltardquo121

O quarto e uacuteltimo argumento baseia-se no relato de Justino encontrado no capiacutetulo

XXIX nos versos 2 e 3 da I Apologia Neste espaccedilo o Apologista retrata um caso juriacutedico

envolvendo o prefeito de Alexandria denominado Feacutelix que havia indeferido um pedido

exoacutetico proposto por um jovem cristatildeo que desejava castrar-se por motivos asceacuteticos Bases

histoacutericas confiaacuteveis ldquoidentificam o prefeito Feacutelix como Minuacutecio Feacutelix o qual reinou em

Alexandria do ano 148 a 154rdquo122 podendo-se deste modo catalogar outro importante elemento

que corrobora para a dataccedilatildeo da I Apologia

Por fim mesmo que natildeo sejamos especialistas na anaacutelise historiograacutefica nem mesmo

nos seja possiacutevel definir uma data precisa para o escrito examinado ainda assim em vista dos

termos aqui apresentados reconhecemos com a ampla maioria de pesquisadores da aacuterea que

os elementos apresentados trazem recursos suficientes para que atestemos que a I Apologia de

Justino tenha realmente sido escrita por volta da deacutecada de 50 do Seacuteculo II da era cristatilde

132 Divisatildeo Textual

O escrito natildeo segue um padratildeo riacutegido de construccedilatildeo textual pelo contraacuterio digressotildees

satildeo comuns em todas as obras de Justino mesmo que suas apologias sofram menos com

divagaccedilotildees abruptas ou mudanccedilas draacutesticas de rumo nas intenccedilotildees e consideraccedilotildees centrais que

o autor propotildee em suas conjunccedilotildees temaacuteticas Essas variaccedilotildees possivelmente ocorrem devido a

Justino preferir seguir uma proposta de caraacuteter mais catequeacutetico em vez de sua proacutepria

elaboraccedilatildeo conceitual123

Baliza-se de maneira majoritaacuteria na anaacutelise criacutetica a concordacircncia de que a obra se

divide em duas partes principais124 Contudo apresentam-se variaccedilotildees nessa forma de

separaccedilatildeo Nossa opccedilatildeo seraacute por apresentar a estrutura oferecia por Drohner por ser a mais

utilizada por outros autores aleacutem de parecer a que melhor reporta o teor do pensamento

proposto por Justino em sua construccedilatildeo apologeacutetica-doutrinal

121 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 72

122 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

123 DROHNER Manual de Patrologia 2008

124 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

35

Na primeira parte os capiacutetulos I ao XXIX estabelecem uma forte e riacutegida postura de

defesa contra algumas acusaccedilotildees lanccediladas sobre os cristatildeos como a praacutetica do ateiacutesmo por

exemplo Salienta-se neste espaccedilo sua afirmaccedilatildeo de que Jesus Cristo eacute ldquoo Logos e Filho de

Deusrdquo125 que revelou os planos demoniacuteacos que aprisionam a humanidade atraveacutes de praacuteticas

pecaminosas afastando-os do plano de salvaccedilatildeo No entanto boas novas se anunciam a partir

de agora pela revelaccedilatildeo do Logos por meio dos cristatildeos pelo qual todos (homens) poderatildeo

tornar-se tementes a Deus A segunda parte se desenvolve entre os capiacutetulos XXX ao LXVIII

nesta seccedilatildeo questotildees dogmaacuteticas (Encarnaccedilatildeo Divindade Profecias etc) questotildees filosoacuteficas

(revelaccedilatildeo do Logos faacutebulas humanas Platonismo etc) e questotildees sacramentaiseclesiaacutesticas

(Batismo Santa Ceia Liturgia) se aglutinam na formataccedilatildeo de uma ideia para defesa da

identidade e do bem-estar de um ldquopovordquo (conceito que abordaremos mais detalhadamente no II

capiacutetulo deste trabalho)

A partir desse item trataremos do gecircnero literaacuterio da obra algo muito importante na

elaboraccedilatildeo desta pesquisa

133 Gecircnero Literaacuterio

O estilo natildeo eacute novo nem recente e foi muito utilizado na antiguidade126 Podemos

afirmar com seguranccedila que as primeiras referecircncias a esse tipo de literatura de que dispomos

datam do periacuteodo da Filosofia Claacutessica e podem ser encontradas a partir do Seacuteculo IV aC

Provavelmente uma das obras mais conhecidas e renomadas deste tipo eacute a Apologia de Soacutecrates

escrita por seu aluno Platatildeo Nela aquele que possivelmente foi o mais dedicado dentre seus

disciacutepulos procura defender o legado e a imagem de seu mestre por meio da preservaccedilatildeo do seu

pensamento Eacute importante frisar neste contexto a abordagem de forma direta e completa (em

um estilo dialogal-filosoacutefico) do processo (meacutetodo) de julgamento de Soacutecrates oferecida por

Platatildeo a tocircnica do relato parece ganhar a direccedilatildeo de querer conscientizar seus ouvintes da

necessidade de se fazer justiccedila independentemente do caso e das circunstacircncias que estatildeo em

debate Esse estilo acaba por influenciar sua eacutepoca e torna-se o modelo apologeacutetico a ser

seguido nos seacuteculos seguintes127

Contribui ainda para uma melhor assimilaccedilatildeo das intenccedilotildees subjacentes a esse estilo

de linguagem e escrita o pensamento de Malta que ao comentar os diaacutelogos que tratam do

125 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 84

126 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008

127 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

36

processo contra Soacutecrates (os quais satildeo quatro Ecircutifon Apologia de Soacutecrates Criacuteton e Feacutedon)

acaba por colaborar de maneira expressiva na elaboraccedilatildeo do caraacuteter que estas obras (apologias)

procuravam transmitir aos seus receptores ldquoEntre eles haacute uma clara sequencia dramaacutetica desde

a discussatildeo sobre o ponto central da acusaccedilatildeo (o que eacute piedade) passando pela defesa no

tribunal e a estada na prisatildeo ateacute o momento em que a pena de morte eacute cumpridardquo128

A palavra apologia (grego απολογια) que no portuguecircs eacute definido como um

substantivo feminino129 eacute formada por dois vocaacutebulos gregos O primeiro eacute απο uma partiacutecula

primaacuteria uma preposiccedilatildeo cujo significado baacutesico eacute a ideia ldquode separaccedilatildeo eou de origem do

lugar de onde algo estaacute vem acontece eacute tomadordquo130 O segundo eacute o vocaacutebulo λογος de

significado vasto ndash desenvolvendo inclusive uma estrutura particular junto ao cristianismo131

ndash mas colocado em paralelo com o nosso exame pode ser definido como ldquopalavra proferida

a viva voz que expressa uma concepccedilatildeo ou ideia o que eacute declarado pensamento declaraccedilatildeo

aforismo dito significativo sentenccedila maacuteximardquo132 ldquoproclamaccedilatildeo ensinamento [] doutrina

parte de uma doutrinardquo133 Entretanto deve-se sempre se levar em conta que junto ao ambiente

filosoacutefico-teoloacutegico de Justino ldquoum duplo uso do termo deve ser distinguido um que diz

respeito ao falar e outro que se relaciona com o pensamentordquo134 Neste cenaacuterio ainda se

robustece a ideia de que o termo composto (απολογια) era condutor de um conceito de

soberania instaurado pela ldquosabedoria pessoal e poder em uniatildeo com Deusrdquo135 Ainda focando

128 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

129 Apologia (amiddotpomiddotlomiddotgimiddota) Substantivo feminino Significa 1 Discurso encomiaacutestico 2 [Figurado] Elogio 3

Defesa laudatoacuteria Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa Disponiacutevel em

lthttpsdicionariopriberamorgapologiagt Acesso em 28 de set 2018

130 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1317

131 Ritt sugere-nos que a partir dos registros neotestamentaacuterios houve uma guinada na concepccedilatildeo do Logos como

elemento estrutural e funcional para a realidade histoacuterica do termo junto as culturas e os ambientes intelectuais

que o utilizavam Utilizando-se de um sistema de progressatildeo biacuteblica Ritt chega ao proacutelogo do Evangelho de Joatildeo

onde salienta que ldquoEstas declaraccedilotildees que estatildeo concentradas na encarnaccedilatildeo permitem reconhecer uma origem

cristatilde do hino (proacutelogo do Evangelho de Joatildeo)rdquo onde a autenticidade do sujeito (Logos) como um recurso estaacutevel

e completo para a humanidade se daacute a conhecer nesse evento apoteoacutetico (encarnaccedilatildeo de Cristo) Ver RITT In

λόγος ου ό Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento Volumen II 1998 p 78 grifo nosso No original Estos

enunciados que se concentran en la encarnacioacuten permiten reconocer un origen cristiano del himno

132 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1622

133 RUSCONI Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento 2003 p 288 grifo nosso

134 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 880 No original a twofold use of the term is to be distinguished one which relates to speaking and one which

relates to thinking

135 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 882 No original personal wisdom and power in union with god

37

este segundo vocaacutebulo para uma maior amplitude do assunto sobre este termo grego tatildeo

ilustrativo vale-nos citar a definiccedilatildeo de Pereira

Palavra dito revelaccedilatildeo divina resposta dum oraacuteculo maacutexima sentenccedila exemplo

decisatildeo resoluccedilatildeo condiccedilatildeo promessas pretexto argumento ordem menccedilatildeo

notiacutecia que corre conversaccedilatildeo relato mateacuteria de estudo ou de conversaccedilatildeo razatildeo

inteligecircncia senso comum a razatildeo de uma coisa motivo juiacutezo opiniatildeo estima valor

que se daacute a uma coisa justificaccedilatildeo explicaccedilatildeo a razatildeo divina136

Rapidamente atentando aos escritos apologeacuteticos cristatildeos do Seacuteculo II notamos um

ldquoesforccedilo de aproximaccedilatildeordquo137 dos Pais Apologistas (em sua ampla maioria) para a utilizaccedilatildeo da

consagrada forma do diaacutelogo-filosoacutefico (como citado acima) isso devido especialmente ao fato

de essas obras serem direcionadas agrave aristocracia poliacuteticaintelectual de sua eacutepoca incluindo

nesse cenaacuterio opulente os proacuteprios Imperadores de Roma138 Uma importante referecircncia a ser

associada a este contexto estaacute relacionada agrave utilizaccedilatildeo e significado da palavra ldquoapologiardquo

utilizada por Euseacutebio na identificaccedilatildeo da obra de Justino Euseacutebio ndash possivelmente o primeiro

a empregar o termo (apologia) para definir um conjunto de escritos do meio cristatildeo139 ndash utiliza

das seguintes descriccedilotildees para se referir ao nosso autor ldquoEm sua primeira Apologiardquo140 ou ldquoao

escrever sua Apologia dirigida a Antoninordquo141 e ainda ldquoem sua Apologiardquo142 Eacute importante

frisar que Justino em nenhum momento se utiliza do termo ldquoapologiardquo em sua obra143 mas a

define como ldquodiscurso e suacuteplicardquo144 todavia para Euseacutebio (e para a Sagrada Tradiccedilatildeo na qual

este se amparava) Justino indiscutivelmente havia sido um fiel defensor da verdade revelada

de Deus Aleacutem disso neste quadro cabe-nos ainda ressaltar o comentaacuterio de Arzani e Venturini

ao trabalho de Euseacutebio pois ambos buscam definir uma ideia qualitativa e funcional na

utilizaccedilatildeo do termo pelo historiador

136 PEREIRA Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego 1998 p 350

137 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 188

138 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

139 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 Para um maior

aprofundamento do tema ver 2 Euseacutebio de Cesareia as apologias e os apologistas p 2-7

140 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2 VI 17 1

141 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3

142 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 11 11

143 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

144 JUSTINO I Apologia I 1

38

Uma anaacutelise mais ampla sobre a constituiccedilatildeo (ou natildeo) dos gecircneros apologeacuteticos

cristatildeos deve ficar para uma outra oportunidade entretanto considerando que eacute

Euseacutebio quem primeiro apresenta uma ideia mesmo que hipoteacutetica do

reconhecimento das formas dos textos de defesa dos cristatildeos ou de suas crenccedilas eacute

preciso considerar como ele emprega o termo apologia Aleacutem de empregar o termo

apologia para se referir aos sete textos anteriormente citados ele tambeacutem o usa no seu

sentido claacutessico como simples ldquodiscurso de defesardquo145

Desta forma podemos concluir que os escritos apologeacuteticos buscavam efeitos

similares tanto no cenaacuterio cristatildeo quanto no pagatildeo Poreacutem no que cabe agrave Igreja vale ressaltar

que o estilo apologeacutetico procurou desconstruir equiacutevocos salientar o cristianismo como religiatildeo

ordeira e beneacutefica ndash entenda-se (baseado em alguns relatos Patriacutesticos) como superior agraves

demais crenccedilas ndash mas acima de tudo sanar as injusticcedilas cometidas contra os cristatildeos Nesse

uacuteltimo ponto a penna dos Apologistas procurava pesar contra a consciecircncia dos governantes

de seu tempo a reflexatildeo de Richard Norris considera bem essa questatildeo ldquoo objetivo de tais

escritos eram em geral persuadir as autoridades de que as frequentes perseguiccedilotildees locais eram

injustas desnecessaacuterias e indignas de governantes esclarecidosrdquo146

A partir deste item visando a qualificaccedilatildeo deste trabalho damos segmento a nosso

exame estrutural agregando a seu corpo um destacado incremento teacutecnico falemos agora dos

manuscritos da I Apologia

134 Manuscritos

A criacutetica textual somada a inuacutemeras e significativas descobertas arqueoloacutegicas tecircm

possibilitado haacute teologia avanccedilos consideraacuteveis em suas pesquisas acerca dos documentos

antigos do cristianismo No que se refere as obras de Justino isso natildeo eacute diferente pois desde o

Seacuteculo XIX a criacutetica textual jaacute possibilitava exames bem estruturados ao meio acadecircmico

Exemplo disto eacute Johann Otto que ao analisar o Codex Claromontanus LXXXII ratificou que

este de maneira inicial ldquonos fornece alguns dos escritos de Justinordquo147 Nesta questatildeo cabe

ressaltar que das obras preservadas de Justino possuiacutemos apenas trecircs manuscritos mesmo que

apenas um seja considerado absolutamente confiaacutevel pela criacutetica suscitando desta forma certa

controveacutersia entre os analistas Quanto a esta pendecircncia citamos parte consideraacutevel da pesquisa

145 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 3-4

146 NORRIS The Apologists 2004 p 36 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

147 OTTO Prolegocircmenos XXI In S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur omnia Volume 1 Part 1

1847

39

de Santos que baseada em autores renomados da aacuterea daacute o destaque necessaacuterio a essa anaacutelise

quirograacutefica O autor nos agrega relevante contribuiccedilatildeo neste item teacutecnico

Haacute trecircs manuscritos para as obras de Justino o Codex Parisinus Graecus 45055 o

Codex Claromontanus LXXXII e o Codex Ottobonianus Graecus 274 (MINNS amp

PARVIS 2009 p 3) Alguns comentadores preferem atribuir um manuscrito (AUNE

2003 p 257 ALLERT 2002 p 32 POPE 2001 p 7) ou dois manuscritos

(DONALDSON 1866 p 144) Os que defendem a existecircncia de somente um

manuscrito levam em conta que o Codex Parisinus Graecus 450 eacute o uacutenico vaacutelido uma

vez que o Codex Claromontanus LXXXII eacute apenas uma coacutepia deste e o Codex

Ottobonianus Graecus 274 possui apenas trecircs capiacutetulos da I Apologia Aqueles que

consideram como dois manuscritos referem-se aos dois primeiros Por questatildeo de

coerecircncia (pois apesar do Claromontaus ser coacutepia natildeo deixa de ser um manuscrito e

o Ottobonianus mesmo tendo apenas trecircs capiacutetulos tambeacutem natildeo) concordamos com

a afirmaccedilatildeo de Minns e Parvis de que existem trecircs manuscritos148

No entanto eacute fato que o Codex Parisinus Graecus 450 se condiciona como o ldquomelhorrdquo

destes manuscritos existentes Este manuscrito data de 11 de setembro de 1363-1364 possui

467 paacuteginas duplas (ou foacutelios que medem 285 x 215 cm) e atualmente permanece arquivado

na Bibliothegraveque Nationale em Paris149 Infelizmente natildeo haacute informaccedilotildees sobre quem teria sido

o copista apenas sabe-se graccedilas a um registro oficial que ele pertenceu a Guillaume Pellicier

um notaacutevel Bispo Catoacutelico Romano do Seacuteculo XVI que provavelmente o adquiriu em uma de

suas atividades diplomaacuteticas possivelmente entre os anos de 1539 a 1542150

Enfim apoacutes explorarmos ndash mesmo que de maneira sucinta ndash a estrutura textual da obra

central desta dissertaccedilatildeo podemos afirmar que estes documentos histoacutericos nos ldquocomunicamrdquo

e ldquotraduzemrdquo um melhor conhecimento do passado edificando a Igreja e tambeacutem certificando

o meio acadecircmico de forma eficaz (cientificamente) de que homens como Justino lutaram

corajosamente para defender a feacute de seus irmatildeos especialmente das perseguiccedilotildees oficiais

assunto que trataremos a seguir

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS

Compreendemos ser ainda importante na construccedilatildeo desta pesquisa enfocarmos

mesmo que de maneira sucinta e setorizada um dos fatores que constituiu uma das

caracteriacutesticas mais vibrantes e significativas da histoacuteria do cristianismo em sua gecircnese como

148 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

149 PAUTIGNY In Introduction Justin Apologies 1904 p 10

150 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

40

movimento humano-religioso fato que mobilizou o cenaacuterio social da eacutepoca comprovando a

ldquoexistecircncia de um esquemardquo151 de perseguiccedilatildeo e cerceamento da liberdade de crenccedila e culto dos

cristatildeos isso tanto atraveacutes do agir do poder estatal quanto de setores organizados (especialmente

do meio religioso) da sociedade de entatildeo em sua formaccedilatildeo soacutecia-politica-religiosa de caraacuteter

cultural greco-romana Esta caracteriacutestica coativa acabou por se comprovar tambeacutem atraveacutes do

desenvolvimento de material textual como o que norteia nosso trabalho (I Apologia) acento

que sancionou uma regra funcional dos dias de nosso autor a de acionar a razatildeo humana para

tentar evitar uma insensata postura detrativa entre os homens autodeclarados de civilizados

Desta forma como parte derradeira deste capiacutetulo introdutoacuterio apresentamos duas

divisotildees uma temaacutetica e outra analiacutetica trazendo ambas carateriacutesticas funcionais especiacuteficas

desse sistema de repressatildeo A primeira retrata uma siacutentese deste processo na organizaccedilatildeo

estrutural do Impeacuterio Romano A segunda se orienta por um periacuteodo cronoloacutegico que se

desenvolveu durante o Seacuteculo II especialmente concentrando-se no dececircnio em que se acredita

que Justino tenha escrito sua primeira obra apologeacutetica

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo

Desde o Seacuteculo I a ldquopesquisa histoacutericardquo152 jaacute nos retrata com eficiecircncia fatos que

tiveram influecircncia decisiva do poder humano controlador do mundo de entatildeo (Impeacuterio Romano)

para com a Igreja de Cristo sobre a terra Dessa grande estrutura poliacutetica da antiguidade emergiu

tanto a perseguiccedilatildeo quanto o resultado mais elementar e simboacutelico deste processo que tinha o

cristianismo como alvo o martiacuterio de seus seguidores Poderiacuteamos chamaacute-lo sem o apelo a

nenhum eufemismo de ldquoassassinatordquo de centenas de pessoas

Contudo nesta seacuterie de sucessivos acontecimentos anormais vem a nascer a mais

significativa contribuiccedilatildeo deste intolerante processo governamental a saber a expansatildeo do

cristianismo Hatzenberger desenvolve uma soacutelida ideia a esse respeito quando conjectura sobre

o caraacuteter poliacutetico vigente junto ao Impeacuterio Tendo analisado seus preconceitos limitaccedilotildees e

maliacutecias Hatzenberger tenta explicar a capacidade desse sistema atraveacutes de sua multiplicidade

de gecircnios dando a entender que nesta ampla diversidade o cristianismo encontrou sua

possibilidade de crescer Hatzenberger afirma que podemos ldquodizer que o Impeacuterio Romano era

um tambor de gasolina agrave espera da faiacutesca da feacute cristatilderdquo153

151 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

152 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

153 HATZENBERGER Histoacuteria da Igreja 2012 p 1

41

Entretanto as perseguiccedilotildees estatais ao cristianismo satildeo um caso histoacuterico delicado e

nada romacircntico pois tornou-se uma dura realidade para muitas comunidades cristatildes na

antiguidade isso devido ao grande desenvolvimento do cristianismo que no decorrer dos seus

primeiros 100 anos suscitou uma consideraacutevel preocupaccedilatildeo ao Impeacuterio Catalogada desde cedo

como uma religiatildeo antagonista e excludente154 pela sua recusa em seguir praacuteticas comuns do

meio social vigente das grandes cidades onde jaacute se encontrava consolidada ndash devido

especialmente as suas posiccedilotildees quanto as questotildees de ordem cuacuteltica (ldquofestas oficiaisrdquo155) como

a adoraccedilatildeo aos ldquodeuses pagatildeos em particular o Imperador a quem negavam o caraacuteter divinordquo156

ndash fazia com que os seguidores desse movimento que inicialmente foi interpretado como uma

seita judaica157 fossem em muitos casos expressivamente acusados de colocarem em risco a

ldquopax deorumrdquo158 devido ao entendimento comum e geral de que o Imperador era o supremo

mantenedor desse estado de satisfaccedilatildeo e gloacuteria conquistados por Roma Outras questotildees

depreciativas eram atribuiacutedas aos cristatildeos antissociabilidade ateiacutesmo canibalismo fanatismo

orgias sexuais entre outras desvirtudes que eram amplamente apresentadas como acusaccedilotildees de

ordem formal e agraves vezes informal (atraveacutes de buchichos fofocas e relatos puacuteblicos natildeo oficiais)

as quais despertavam ldquoreaccedilotildees populares descontroladas de medo de intoleracircncia e de

violecircnciardquo159 contra estes que se colocavam como disciacutepulos de Cristo

Desta forma entre falsas ideias e verdadeiras demandas ndash a recusa ao ldquojuramento e os

ritos implicados no serviccedilo militarrdquo160 eacute outro exemplo da suposta ldquorebeliatildeordquo cristatilde ao Impeacuterio

ndash criou-se um ldquoestadordquo de perigo que mediante uma forte campanha de difamaccedilatildeo passou a

ser considerado como uma ameaccedila a cultura e a forma do governo Romano Certamente

servindo de combustiacutevel para as perseguiccedilotildees pontuais eou sistematizadas161 especialmente

nos Seacuteculos I e II Aleacutem disto junto com a expansatildeo da nova doutrina e feacute cristatildes um novo

entendimento comeccedilou a se estabelecer que o cristianismo se diferenciava do judaiacutesmo162

154 TAacuteCITO Anais XV 44

155 FROumlHLICH Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja 1987 p 23

156 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 15

157 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

158 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 969

159 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 976

160 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 84

161 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

162 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

42

Com o fim do ldquoequiacutevoco judaicordquo163 houve a reelaboraccedilatildeo de um esquema que gerou um

reposicionamento de Roma para essa nova perspectiva Aqui a siacutentese de Xavier retrata bem o

que desejamos comunicar sobre esse reposicionamento

O Impeacuterio Romano percebeu que a nova religiatildeo possuiacutea diferenccedilas acentuadas em

relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Embora os judeus resistissem agrave cultura e religiatildeo greco-romana

o cristianismo passou a se organizar como religiatildeo crescendo em nuacutemero e em

organizaccedilatildeo sendo formadas igrejas em vaacuterios lugares O evangelho chegou aos

grandes centros da eacutepoca e ateacute os confins da terra devido a pregaccedilatildeo de cristatildeos que

viajavam a negoacutecios missatildeo ou levados pela perseguiccedilatildeo que dispersava os cristatildeos

fazendo com que a feacute se expandisse164

Quanto a questotildees que envolvem esse amplo periacuteodo conflituoso ainda eacute necessaacuterio

apresentarmos dois raacutepidos e sucintos registros O primeiro envolve um conjunto de fatos

constituiacutedos em mais de 250 anos onde podemos registrar periacuteodos que devem ser classificados

como ldquoperseguiccedilatildeo perseguiccedilatildeo geral perseguiccedilatildeo maior e toleracircnciardquo165 para com os cristatildeos

Satildeo muitas e variadas as circunstacircncias e as caracteriacutesticas que formam cada uma destas fases

e fazem com que elementos singulares a cada uma delas (como periacuteodo e regionalidade)

tornem-se fatores decisivos nesta diferenciaccedilatildeo Entretanto natildeo as abordaremos

especificamente por entendermos que o assunto foge de nosso exame central Segundo

compreendemos ser imprescindiacutevel junto a esta abordagem citar a tese amplamente sustentada

pelo meio histoacuterico-teoloacutegico da ldquoexistecircncia de um esquema de dez grandes perseguiccedilotildeesrdquo166

tendo seu primeiro caso ocorrido entre 64-68 dC sob o Imperador Nero desde seu uacuteltimo ato

no periacuteodo dos governos de Diocleciano e Maximiano entre 285-305 dC167 Tertuliano168 e

Euseacutebio fornecem-nos consideraacutevel conteuacutedo sobre aquela que possivelmente tenha sido a

primeira grande onda de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos promovida pelo Impeacuterio Citamos Euseacutebio

163 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 82

164 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 10

165 A ordem dos fatores apresentados natildeo eacute cronoloacutegica e sim alfabeacutetica Ver LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila

da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 11-12

166 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

167 As intituladas ldquoDez Perseguiccedilotildeesrdquo ao cristianismo por parte do Impeacuterio Romano satildeo protagonizadas por Nero

(54-68 dC) Domiciano (95-96 dC) Trajano (108 dC) Marco Aureacutelio (162 dC) Cocircmodo (192 dC)

Maximino (235 dC) Deacutecio (250-251 dC) Valeriano (257-260 dC) Aureliano (274 dC) Diocleciano (303-

313 dC) Ver FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 16-32

168 TERTULIANO Apologia V

43

que ao falar sobre o reinado de Nero (54-68 dC) fomenta uma simbiose de dados histoacutericos

mencionando o proacuteprio Tertuliano

Firmado Nero no poder deu-se a praacuteticas iacutempias e tomou as armas contra a proacutepria

religiatildeo do Deus do universo [] Mas deve-se saber que a tudo o que foi dito sobre

ele faltava acrescentar que foi o primeiro imperador que se mostrou inimigo da

piedade para com Deus Disto faz menccedilatildeo tambeacutem o latino Tertuliano quando diz

ldquoLeiam vossas memoacuterias Nelas encontrareis que Nero foi o primeiro a perseguir esta

doutrina principalmente quando depois de submeter todo o Oriente em Roma era

cruel para com todosrdquo169

Portanto buscando apresentar uma ideia conclusiva a nossa concisa elaboraccedilatildeo sobre

esse tema tatildeo vasto da histoacuteria da Igreja podemos dizer que natildeo restam duacutevidas mediante

inuacutemeros argumentos histoacutericos apresentados por diversas e variadas fontes ser plausiacutevel e ateacute

mesmo luacutecido afirmar que o Impeacuterio Romano foi em diversos momentos um literal

perseguidor acusador juiz e algoz do cristianismo durante um periacuteodo de praticamente dois

seacuteculos e meio Scott por meio de bases historiograacuteficas retrata bem esse processo ajudando-o

a sancionaacute-lo

Repetidas vezes foram publicados editos para exterminar da terra os cristatildeos

Levantaram ateacute monumentos para celebrar e perpetuar os supostos ecircxitos das

perseguiccedilotildees Aqui estatildeo duas preservadas inscriccedilotildees desses monumentos em escritos

da eacutepoca DIOCLECIANO CEacuteSAR AUGUSTO TENDO ADOTADO GALEacuteRIO

NO ORIENTE A SUPERSTICcedilAtildeO DOS CRISTAtildeOS FOI DESTRUIacuteDA EM TODA

A PARTE E PROPAGADA A ADORACcedilAtildeO DOS DEUSES170

A partir de agora examinaremos um conjunto mais restrito desse longo periacuteodo

imperial (54-313 dC)171 de tensotildees entre a Igreja e seus perseguidores pagatildeos especificamente

abordaremos o periacuteodo endossado pelos registros de Justino atraveacutes de seu ministeacuterio

testemunho e vivecircncia na feacute cristatilde

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia

169 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 25 1 3 4

170 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996 p 84 grifo do autor

171 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

44

Durante o Seacuteculo II podemos dizer que um periacuteodo determinado pela irregularidade

ou seja pela ausecircncia de um padratildeo caracterizou o ambiente social da eacutepoca atraveacutes de uma

ldquoperseguiccedilatildeo difusa ora aqui ora ali hoje perseguiccedilatildeo amanhatilde toleracircnciardquo172 Este momento

tambeacutem pode ser realccedilado por outras questotildees pontuais mas sua principal distinccedilatildeo realmente

se define pela esporadicidade dos periacuteodos de repressatildeo estatal o que ocasionou momentos de

consideraacutevel toleracircncia ao cristianismo balizados e sustentados ldquojuridicamenterdquo pela resposta

do Imperador Trajano agrave consulta de Pliacutenio173 (Cocircnsul da Bitiacutenia) por volta do ano 111 dC

Santos sintetiza bem esses dececircnios da relaccedilatildeo entre o Impeacuterio e a Igreja ldquoA poliacutetica romana agrave

eacutepoca era de tanto quanto possiacutevel natildeo condenar os cristatildeos agrave morte De modo geral desde o

final do Seacuteculo I ateacute o final do II da era cristatilde houve vaacuterios Imperadores com poliacuteticas mais

paciacuteficas em relaccedilatildeo aos cristatildeosrdquo174 Vale tambeacutem ressaltarmos como um elemento

consideraacutevel a tese proposta que no momento ao qual Justino escreveu sua I Apologia Roma

era governada pela dinastia denominada de Nerva-Antonina a qual foi conhecida pela alcunha

dos ldquocinco bons imperadoresrdquo175 definiccedilatildeo que foi proposta por Maquiavel em uma anaacutelise

poliacutetica do ano de 1503 Maquiavel escreveu

Do estudo desta histoacuteria podemos tambeacutem aprender como um bom governo deve ser

fundado pois enquanto todos os imperadores que acederam ao trono por nascimento

exceto Tito foram ruins todos foram bons que acederam por adoccedilatildeo como foi o caso

dos cinco de Nerva ateacute Marco Mas tatildeo logo o impeacuterio caiu novamente nas matildeos dos

herdeiros por nascimento sua ruiacutena recomeccedilou176

Entretanto falaremos especificamente apenas de duas figuras deste periacuteodo chamado

de dinastia Nerva-Antonina (96 a 180 dC) mais precisamente de seus dois uacuteltimos

172 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 20

173 ROSSI BINATO As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo parcial do Livro X correspondecircncia administrativa

com o Imperador Trajano 2017

174 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

175 Relaccedilatildeo dos Imperadores da dinastia Nerva-antonina Nerva (96-98 dC) Trajano (98-117 dC) Adriano (117-

138 dC) Antonino Pio (138-161 dC) Marco Aureacutelio (161-180 dC) Ver SANTOS Identidade Cristatilde no

Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

176 MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio I 10

45

representantes a saber Antonino Pio177 (que sucedeu a Adriano) e seu filho adotivo Marco

Aureacutelio178 que o sucedeu

O Imperador Antonino Pio governou Roma por mais de vinte anos (138 a 161) Ele eacute

o destinataacuterio formal eou principal da I Apologia de Justino Neste aspecto vale muito para

esta pesquisa a anaacutelise referencial deixada por Foxe ldquoAdriano ao morrer no ano 138 dC foi

sucedido por Antonino Pio um dos mais gentis monarcas que jamais reinou e que deteve as

perseguiccedilotildees contra os cristatildeosrdquo179 Santos tambeacutem nos auxilia quando expotildeem o pensamento

de Bunson sobre a administraccedilatildeo de Antonino Pio ldquoQuanto agraves questotildees de poliacutetica externa

procurava sempre resolvecirc-las primeiramente de forma paciacutefica depois administrativamente e

por uacuteltimo com taacuteticas militaresrdquo180 Eacute fato praticamente livre de contestaccedilotildees que em seu

governo natildeo houve perseguiccedilotildees de maior envergadura sendo que as que ocorreram foram

pontuais e sem maiores impactos referendando deste modo a imagem do Imperador como a de

um monarca paciacutefico (para a eacutepoca) pois ateacute mesmo em seu periacuteodo como divus romanus foi

cognominado pelo povo de ldquoPIEDOSO pelo amor que dedicava aos pobresrdquo181

Quanto a Marco Aureacutelio seu sucessor os relatos sobre a sua postura para com o

cristianismo devem no miacutenimo ser apresentados com o adjetivo de obscurus Foxe retrata bem

esta dificuldade ldquoMarco Aureacutelio sucedeu no trono no ano 161 de nosso Senhor era um homem

de natureza mais riacutegida e severa e embora elogiaacutevel no estudo da filosofia e em sua atividade

de governo foi duro e feroz contra os cristatildeos e desencadeou a quarta (grande) perseguiccedilatildeordquo182

Extremamente vaacutelido eacute analisarmos os registros do proacuteprio Imperador os quais nos

demonstram de forma muita clara a incompatibilidade de sua filosofia com a doutrina de Cristo

como se vecirc em uma de suas citaccedilotildees

177 Titus Aurelius Fulvus Boionius Antoninus nasceu em 86 dC em Nimes na Gaacutelia Narbonense no sul da atual

Franccedila Devido agrave sua fidelidade Adriano o adotou em fevereiro de 138 dC para ser o seu sucessor no Impeacuterio o

que ocorreu logo depois no mecircs de julho com a morte de Adriano Ver BUNSON Encyclopedia of the Roman

Empire 2002 p 23-24 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino

Maacutertir 2012 p 95

178 Marcus Aurelius Antoninus nasceu em 121 dC na cidade de Roma Filho de Annius Verus e Domitia Lucilla

Tornou-se Imperador em 161 dC e a seu pedido Lucio Vero (Lucius Aerelius Verus) governou Roma juntamente

com ele Ver BIRLEY Marcus Aurelius A Biography 2001 p 116 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 14

10

179 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18

180 BUNSON Encyclopedia of the Roman Empire 2002 p 24 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 96

181 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 81 grifo do

autor

182 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18 grifo nosso

46

[] alma preparada para uma imediata separaccedilatildeo do corpo seja para extinguir seja

para se dispersar ou sobreviver [] Que essa preparaccedilatildeo poreacutem provenha de um juiacutezo

proacuteprio e natildeo dum simples sectarismo como o dos cristatildeos [] uma preparaccedilatildeo

raciocinada grave e para ser convincente nada teatral183

Alguns detalhes nos chamam muito a atenccedilatildeo no periacuteodo em que Marco Aureacutelio

governou especialmente se nosso estudo partir do ponto de vista de alguns historiadores que

fazem questatildeo de ratificar que esse periacuteodo foi como ldquoum lsquomarcorsquo negro fincado na histoacuteria

eclesiaacutestica assinalando com as sombras de sua tirania a eacutepoca triste de seu governo

nefastordquo184 Euseacutebio nos auxilia nesta anaacutelise de maneira importante pois segue a mesma

concepccedilatildeo de que os atos de Marco Aureacutelio foram excessivamente malignos para com o

cristianismo Buscando ser amplo e detalhista Euseacutebio promove sentimentos profundos em seu

relato quando nos retrata o martiacuterio de Policarpo Bispo de Esmirna ocorrido no reinado de

Marco Aureacutelio

E o prococircnsul disse ldquoTenho feras A elas te lanccedilarei se natildeo mudas tua posiccedilatildeordquo Mas

ele respondeu ldquoChama-as porque para noacutes natildeo eacute possiacutevel mudar de posiccedilatildeo se eacute do

melhor para o pior O bom eacute mudar do mau para o justordquo Insistiu o prococircnsul ldquoComo

natildeo te arrependes farei com que o fogo te dome se desprezas as ferasrdquo Policarpo

disse ldquoAmeaccedilas com um fogo que arde algum tempo mas depois de um pouco se

apaga E ignoras o fogo do juiacutezo futuro e do castigo eterno reservado aos iacutempios

Mas por que tardas Traga o que quiseresrdquo Enquanto dizia isto e muitas outras coisas

mais enchia-se de valor e de alegria e seu rosto transbordava de graccedila ao ponto de

que natildeo somente natildeo caiu em confusatildeo pelas coisas que lhe diziam mas pelo

contraacuterio foi o prococircnsul que ficou fora de si e chamou o arauto para que no meio do

estaacutedio apregoasse trecircs vezes Policarpo confessou que eacute cristatildeo185

Nesse cenaacuterio imperial ainda nos conveacutem apresentar a proacutepria experiecircncia de Justino

como um cristatildeo perseguido No ano de 165 dC o filoacutesofo Justino possivelmente

acompanhado de seis de seus disciacutepulos (todos cristatildeos como ele) eacute apresentado com estes a

um tribunal civil Romano sob a acusaccedilatildeo de serem cristatildeos Este relato estaacute amplamente

amparado por uma fonte secular pagatilde186 que goza de altiacutessima credibilidade Apoacutes ser

183 MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees XI 3 grifo nosso

184 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 90

185 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 15 23-25

186 As Atas dos Maacutertires eacute a transcriccedilatildeo dos processos verbais escritos pelas autoridades romanas e mantidos nos

arquivos oficiais do Impeacuterio Estes registros coletaram estenograficamente muitos dos atos relacionados aos

processos forenses aos quais os cristatildeos foram submetidos pelos magistrados principalmente nos interrogatoacuterios

puacuteblicos Posteriormente estes registros foram traduzidos para a escrita vulgar e assim as peccedilas foram passadas

para os arquivos judiciais Muitos dos atos foram destruiacutedos (queimados em praccedila puacuteblica) pelo Imperador

47

denunciado pelo ciacutenico Crescente Justino se apresenta diante de Ruacutestico (Prefeito de Roma)

onde o relato do processo forense se estabelece e desenrola

Venha ao tribunal o prefeito Ruacutestico disse a Justino ndash Primeiro acredite nos deuses

e obedeccedila aos imperadores Justino respondeu ndash O irrepreensiacutevel e que natildeo admite

condenaccedilatildeo eacute obedecer aos mandamentos de nosso Salvador Jesus Cristo O prefeito

Ruacutestico disse ndash Que doutrina vocecirc professa Justino respondeu ndash Tentei ouvir sobre

qualquer linhagem de doutrinas mas apenas aderi agraves doutrinas dos cristatildeos que satildeo

as verdadeiras mesmo que natildeo sejam agradaacuteveis para quem segue opiniotildees falsas187

Nessa projeccedilatildeo vemos que o Apologista apresenta natildeo somente sua feacute mas tambeacutem

sua consciecircncia de que os preceitos recebidos por ele mediante o cristianismo solidificavam

sua posiccedilatildeo Mesmo diante de um sistema que os poderia prejudicar e sendo incentivados a

recuar de suas convicccedilotildees por meio de uma aguccedilada ameaccedila de que poderiam ser

ldquoimpiedosamente punidosrdquo188 Justino e seus disciacutepulos passam a concentrar seus esforccedilos

naquilo que esta pesquisa define como um importante argumento para a Verdade que Justino

sustentava Aqui o fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo conduzido e explorado pelo Impeacuterio Romano

ganha uma inopinada abrangecircncia pois o supliacutecio desses homens e mulheres registrados como

peccedilas do protocolo governamental acabariam por se tornar nos fatos que solidificaram e

encorajaram a militacircncia desses obreiros da feacute cristatilde Sem duacutevida Justino e seus disciacutepulos

parecem ter caminhado de forma soacutebria para ldquoonde foram decapitados e consumaram o martiacuterio

proclamando a feacute no Salvadorrdquo189 Deste modo diante de apresentaccedilotildees que se alternam entre

descriccedilotildees de caraacuteter romacircntico e fatalista vemos que os Imperadores e seus sistemas de

controle marcaram a histoacuteria natildeo apenas com sangue mas tambeacutem com o relato fidedigno da

convicccedilatildeo que suas viacutetimas sustentavam

Diocleciano (284-305 dC) pois havia notado que esses contos heroicos inflamavam a alma dos cristatildeos dando

testemunho favoraacutevel para que outros tambeacutem viessem a sofrer a pena capital sem constrangimento para com as

suas vidas Ver PRIMEROS CRISTIANOS 2016 Disponiacutevel em

lthttpswwwprimeroscristianoscomarticulosactas-de-los-martiresgt Acesso em 16 de set 2019

187 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 311 grifo nosso No original Venidos ante el tribunal el prefecto Ruacutestico

dijo a Justino mdash En primer lugar cree en los dioses y obedece a los emperadores Justino respondioacute mdash Lo

irreprochable y que no admite condenacioacuten es obedecer a los mandatos de nuestro Salvador Jesucristo El prefecto

Ruacutestico dijo mdash iquestQueacute doctrina profesas Justino respondioacute mdash He procurado tener noticia de todo linaje de

doctrinas pero soacutelo me he adherido a las doctrinas de los cristianos que son las verdaderas por maacutes que no sean

gratas a quienes siguen falsas opiniones

188 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original sereacuteis inexorablemente castigados

189 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original salieron al lugar acostumbrado y cortaacutendoles alliacute las

cabezas consumaron su martirio en la confesioacuten de nuestro Salvador

48

Marco Aureacutelio tinha aproximadamente 34 anos quando Justino escreveu sua I

Apologia e cerca de 44 quando Justino sofreu o martiacuterio Mesmo diante de relatos assombrosos

de seu periacuteodo como governante ldquoe apesar de sua visatildeo negativa em relaccedilatildeo aos cristatildeos e dos

cristatildeos para com ele novamente natildeo haacute evidecircncias de qualquer (novo) decreto de perseguiccedilatildeo

aos cristatildeos por parte do Imperadorrdquo190 mesmo que se garanta uma expressiva deflagraccedilatildeo deste

expediente sombrio em seu reinado191 Devemos ainda colocar que um atento pesquisador

necessariamente se impressionaraacute com a latente crueza e dureza deste periacuteodo que esteve sob

o comando dos chamados Imperadores ldquofiloacutesofosrdquo Danieacutelou e Marrou chegam a ser aacutesperos

em sua abordagem entretanto nos parece absolutamente plausiacutevel sua definiccedilatildeo desse periacuteodo

ldquoEacute que a civilizaccedilatildeo greco-romana como tal muito embora sob um verniz humanista guardava

um fundo de crueldade Desconhecem-nos os historiadores racionalistas que pretendem reduzir

as perseguiccedilotildees a problemas socioloacutegicosrdquo192

Contudo as perseguiccedilotildees que marcaram o cristianismo e por consequecircncia geraram o

principal fruto (os martiacuterios) deste violento periacuteodo indiscutivelmente ainda satildeo sementes que

testificam e geram vida em meio a Igreja A realidade da cristandade dos primeiros seacuteculos foi

difiacutecil e desafiadora para sua feacute mas sua Esperanccedila e Amor em Jesus Cristo fez os cristatildeos

superarem ateacute a mais dolorosa realidade fosse no calor de uma fogueira nos dentes de uma

fera ou no supliacutecio de uma cruz Xavier em nosso ponto de vista consegue caracterizar bem o

fervor e feacute destes vencedores ldquoA doenccedila dificuldades e martiacuterio fizeram parte da vida dos

cristatildeos nos primeiros seacuteculos e ao longo da histoacuteria poreacutem a virtude do Evangelho natildeo deixou

de ser pregada de uma forma ou de outra pelo exemplo pela palavra falada ou escritardquo193

Apoacutes esta exposiccedilatildeo nos eacute possiacutevel reconhecer indicadores confiaacuteveis de quem foi

este filoacutesofo cristatildeo do Seacuteculo II chamado Justino de como a histoacuteria eclesiaacutestica o reconhece

e de como a histoacuteria teoloacutegica o depreende Mais ainda eacute possiacutevel compreender por meio de

dados teacutecnicos um de seus escritos mais importantes (I Apologia) Estas paacuteginas lanccedilaram luz

de maneira praacutetica (visando quando onde e por quecirc) sobre o cenaacuterio histoacuterico que envolveu

as perseguiccedilotildees e os martiacuterios dos cristatildeos especialmente no periacuteodo da atuaccedilatildeo apologeacutetica de

190 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 97 grifo

nosso

191 Para uma melhor compreensatildeo deste cenaacuterio hostil no reinado de Marco Aureacutelio ver MONTEIRO A Feacute e os

Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 89-108

192 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p

109

193 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 11-12

49

Justino Para efeito de conclusatildeo desta seccedilatildeo conveacutem transcrever o registro de Hamman em

formato de siacutentese que fomenta virtuosamente a descriccedilatildeo capitular desenvolvida

Neste homem que viveu haacute dezoito seacuteculos percebemos o eco de nossos anseios de

nossas objeccedilotildees de nossas certezas Descobrimos nele uma abertura de alma uma

possibilidade de acolhimento uma vontade de diaacutelogo que desarmam e seduzem Se

muitas de suas obras estatildeo hoje perdidas as que nos restam fornecem-nos o diaacuterio

iacutentimo desse cristatildeo e satildeo suficientes para nos revelar sua vida desde o seu

nascimento e a sua formaccedilatildeo ateacute o seu martiacuterio194

O proacuteximo capiacutetulo faz uma anaacutelise na qual procuramos mostrar elementos factiacuteveis

de uma nova praacutetica social vigente ndash descrita por Justino ndash em meio ao status quo da sociedade

romana de entatildeo Desta maneira tambeacutem nos cabe frisar que a partir deste ponto se salientaraacute

o iniacutecio da descriccedilatildeo daquilo que para nosso autor era uma das provas estaacuteveis do novo modus

vivendi no qual a Verdade se manifestava de forma irrefutaacutevel

194 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27

50

2 O NOVO MODUS VIVENDI

Este capiacutetulo faraacute uma anaacutelise realiacutestica a partir da observaccedilatildeo de praacuteticas do contexto

social de Justino maacutertir Com ele iniciamos a perspectiva central proposta para esta pesquisa

aleacutem de apresentarmos de forma introdutoacuteria seu ponto nuclear Algumas marcas de cunho

histoacuterico nos permitem medir aquilo que aproximava ou afastava uma pessoa que confessava

a feacute cristatilde de seu meio sociocultural de suas atividades ordinaacuterias de seus afazeres do dia-a-

dia195 Assim neste espaccedilo apresentamos um teoacuterico conjunto de expressotildees que apontam os

conceitos que afloram do pensamento de Justino quanto agrave ldquomorfogeniardquo de sua feacute e porque natildeo

se dizer de seu grupo o qual eacute definido pelo autor como aqueles ldquoque se chamam irmatildeosrdquo196

A contemporaneidade retrata uma condiccedilatildeo ambiacutegua em comparaccedilatildeo com o Seacuteculo II

naquilo que se trata da transmissatildeo da religiosidade cristatilde ndash especialmente no que se reporta as

estruturas confessionais histoacutericas nos paiacuteses europeus e latino-americanos ndash tendo o processo

atual significativa ambivalecircncia com o padratildeo antigo o qual ainda natildeo havendo passado pelo

processo de enculturaccedilatildeo definia-se fortemente pela conversatildeo de pessoas adultas dado

amparado de forma eficiente por Tertuliano em sua Apologia ldquoos homens se tornam natildeo

nascem cristatildeosrdquo197

Deste modo notamos que a leitura histoacuterica praticamente natildeo abre concessotildees agrave

conversatildeo ao cristianismo na eacutepoca de Justino constituiacutea uma verdadeira transformaccedilatildeo na vida

do convertido implicando em uma real mudanccedila de vida ou seja de haacutebitos que

necessariamente provocava uma ldquoruptura com a cidade e isolava o cristatildeo de seu meio e de sua

famiacutelia se ela permanecesse pagatilderdquo198 Baseados em afirmaccedilotildees como esta eacute que delinearemos

um horizonte que possa definir de forma consideraacutevel a realidade do que seria estar vivendo a

Verdade para Justino mediante uma contraposiccedilatildeo de haacutebitos detectada por meio dessa

transformaccedilatildeo

Diante de tal teor surgem interrogaccedilotildees que nos trazem demandas pontuais

principalmente de caraacuteter especulativo orientadas a responder questotildees que despertam o

imaginaacuterio de nosso contexto atual Por estarem devidamente inseridas no cenaacuterio histoacuterico da

I Apologia estes assuntos caracterizam-se por suas pendecircncias mesmo que uma determinaccedilatildeo

em comum saliente todos os espaccedilos em branco tendo esta demarcaccedilatildeo em si um caraacuteter de

195 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

196 JUSTINO I Apologia LXV 1

197 TERTULIANO Apologia XVIII 4

198 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 187

51

diferenciaccedilatildeo que evoca uma clara distinccedilatildeo de estados Desta forma seguem alguns modelos

nos quais visamos indagar esta distinccedilatildeo que detectamos em Justino como definia-se um cristatildeo

em meados do Seacuteculo II Quais pessoas natildeo pertenciam a este grupo religioso e quais eram as

limitaccedilotildees que as impediam de tal prerrogativa Que nova praacutetica de feacute eacute esta que descarta as

antigas tradiccedilotildees religiosas De qual maneira isso se tornou um criteacuterio a ponto de estabelecer

diferenciaccedilotildees a niacutevel existencial

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE

Este espaccedilo tende a abertura de um caminho ao qual entendemos ser fundamental para

o desenvolvimento desta pesquisa isso devido agrave necessidade de apontarmos bases soacutelidas na

construccedilatildeo de nosso conceito mater Desta maneira iniciamos este capiacutetulo essencial em nossa

estruturaccedilatildeo utilizando-nos de uma afirmaccedilatildeo desenvolvida junto agrave pesquisa de Santos e

Gonccedilalves a qual soma valiosamente a nossa tese por contemplar a seguinte definiccedilatildeo ldquoAo

analisarmos a I Apologia podemos verificar que ele pretende revelar quem satildeo os cristatildeos Isto

parece fazer bastante sentido Ao buscar defender o cristianismo parece natural desenvolver um

texto que visa mostrar a identidade do grupordquo199

O cristianismo como religiatildeo vem a se desenvolver (universalmente) a partir de uma

comunidade autoacutectone de seu ldquofundadorrdquo emergindo atraveacutes de um pequeno grupo de

seguidores (Atos dos Apoacutestolos capiacutetulo 2) altamente condicionados agrave sua cultura e tradiccedilatildeo

religiosa200 poreacutem passados aproximadamente 110 anos o movimento cristatildeo chega ateacute os

dias de Justino com uma proporccedilatildeo numeacuterica muito significativa para um periacuteodo de tempo natildeo

tatildeo extenso201 Nesse processo estruturante tambeacutem de modo irrefragaacutevel202 houve um

desenvolvimento de um novo processo conceitual de um novo status de conhecimento ndash ou se

poderia chamar de um autoconhecimento ndash da proacutepria identidade (natildeo eacutetnica) cristatilde Processo

ao qual os chamados seguidores de Cristo apresentavam preceitos de paridade em uma espeacutecie

de similaridade existencial fato que leva o historiador Santos ao afirmar que ldquoa concepccedilatildeo de

meros disciacutepulos passou posteriormente a adquirir a ideia de povordquo203 Santos na verdade

199 SANTOS GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

200 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

201 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

202 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

203 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 135

52

reproduz simplesmente um pensamento jaacute consolidado no meio teoloacutegico Harnack no capiacutetulo

sete de sua obra A Missatildeo e Expansatildeo do Cristianismo nos Primeiros Trecircs Seacuteculos204 jaacute

solidifica tal ideia O teoacutelogo alematildeo caracteriza seu pensamento socioteoloacutegico da seguinte

forma

Convencido de que Jesus o mestre e o profeta era tambeacutem o Messias que voltaria em

breve para terminar o seu trabalho as pessoas passaram da consciecircncia de serem seus

disciacutepulos para o seu povo o povo de Deus ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον

ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pe II 9 ldquoVoacutes sois uma raccedila escolhida

um sacerdoacutecio real uma naccedilatildeo santa um povo para possessatildeordquo) e na medida em

que se sentiam um povo os cristatildeos sabiam que eles eram o verdadeiro Israel pessoas

que ao mesmo tempo representavam o novo e o velho205

Cabe-nos tambeacutem frisar neste aspecto levantado por Harnack que na questatildeo referente

agrave formaccedilatildeo de uma nova identidade social de caraacuteter religiosa este foi um fenocircmeno tanto

perceptiacutevel para eacutepoca de Justino como tambeacutem o ainda eacute em alguns segmentos humanos na

contemporaneidade Esta accedilatildeo associativa organizou-se (e ainda se organiza) de forma

majoritariamente comunitaacuteria a partir de experiecircncias pessoais de seus participantes sendo isto

ocasionado quase que na totalidade dos casos por meio do fenocircmeno conversiacutevel ocorrido no

acircmbito individual Este processo normalmente excludente e sectaacuterio de um determinado extrato

social ndash absolutamente imperativo no periacuteodo histoacuterico analisado poreacutem na atualidade natildeo

mais apresentando necessariamente uma ambiguidade ao estado de crenccedila anterior do

confessando (agente humano) ndash acaba por ser adesivo a outro o que ocasionava o

comprometimento com uma nova forma de comunhatildeo a qual amparada em novas certezas

rechaccedilava com ousadia as referecircncias da antiga crenccedila Em relaccedilatildeo ao cristianismo esse

fenocircmeno foi mais saliente entre as comunidades gentiacutelicas que abandonaram o paganismo206

Mencionamos ainda a definiccedilatildeo de Mol utilizada por Kee por entendermos que ele consegue

esclarecer de maneira objetiva aquilo que nos interessa expressar neste item sendo uma

consequecircncia natural do processo de conversatildeo ao cristianismo em meados de Seacuteculo II Mol

204 No original The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries

205 HARNACK The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries 2005 p 152 No original

Convinced that Jesus the teacher and the prophet was also the Messiah who was to return ere long to finish off

his work people passed from the consciousness of being his disciples into that of being his people the people of

God ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pet ii 9 ldquoYe are a chosen

race a royal priesthood a holy nation a people for possessionrdquo) and in so far as they felt themselves to be a

people Christians knew they were the true Israel at once the new people and the old

206 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

53

escreve que o primeiro estaacutegio de um novo convertido neste periacuteodo se caracterizava por aquilo

que ele define como um ldquodistanciamento de anteriores padrotildees de identidaderdquo207

Deste modo seguindo a proposta acima encontramos algumas afirmaccedilotildees que nos

parecem descrever com exatidatildeo a tese (por hipoacutetese cristatilde) que definia a sociedade de entatildeo

como que constituiacuteda por um suposto terceiro grupo de pessoas (holisticamente falando) Aleacutem

dos denominados gentios e judeus (no relato biacuteblico) haveria tambeacutem os cristatildeos Cabe-nos

ressaltar que esse indicador quantitativo variou dentro da construccedilatildeo desta proposiccedilatildeo

indicativa das supostas variaccedilotildees de ldquoraccedilasrdquo pois jaacute nos escritos dos Pais Apologistas esse

nuacutemero chegou a ser descrito em mais de trecircs segmentos (caldeus egiacutepcios gregos judeus e

cristatildeos)208 Assunto que voltaremos a tratar com mais exatidatildeo a seguir Vale-nos tambeacutem citar

que o conceito de estraneidade abordado especialmente em anaacutelises eclesioloacutegicas e

missioloacutegicas do meio Patriacutestico209 diferencia-se em alguns aspectos de nosso assunto

diferenciaccedilatildeo que natildeo seraacute abordada por entendermos que foge de nossa temaacutetica atual

Iniciamos nossa argumentaccedilatildeo apontando que este conceito identitaacuterio de caraacuteter

etnograacutefico jaacute se apresenta com clareza no relato da Escritura Sagrada Vemos o apoacutestolo Paulo

fazendo distinccedilatildeo similar quando opta por desenvolver uma anaacutelise contrastante do cenaacuterio

humano (eacutetnico religioso etc) de seu tempo apresentando-nos uma leitura com trecircs diferentes

grupos humanos ldquoNatildeo vos torneis causa de tropeccedilo nem para judeus nem para gentios nem

tampouco para a igreja de Deusrdquo (1 Coriacutentios 1032) Neste ponto posiccedilotildees exegeacuteticas variadas

podem corroborar para a compreensatildeo e tambeacutem assimilaccedilatildeo da passagem citada referente ao

suposto conceito de iacutendole eacutetnica apontado210 mas o proacuteprio cenaacuterio nos aponta determinados

viacutenculos que nos conduzem a ideia de que ser cristatildeo no suposto periacuteodo oferecia aos fieacuteis a

opiniatildeo de pertencer a um povo diferente211

Neste conjunto eacute necessaacuterio citar o Apologista Aristides que de maneira

inquestionaacutevel se apresenta no cenaacuterio cristatildeo como aquele que daraacute um salto intelectual na

direccedilatildeo do desenvolvimento daquilo que poderiacuteamos definir como a primeira concepccedilatildeo de um

ethnos propriamente cristatildeo212 Aristides ldquofiloacutesofo de Atenas e um dos primeiros defensores do

207 MOL Identity and the Sacred 1977 p 52-53 apud KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica

1983 p 65-66 grifo nosso

208 Ver ARISTIDES Apologia II XIV e XV

209 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

210 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

211 GONZAacuteLEZ 1995

212 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

54

cristianismordquo213 permitiraacute a transmissatildeo conceitual deste tema apontado nos escritos paulinos

aproximadamente oitenta anos depois de Paulo escrever aos cristatildeos de Corinto Em sua obra

Apologia Aristides concentra esforccedilos em uma elaboraccedilatildeo pragmaacutetica que visa uma

apresentaccedilatildeo de diferentes aspectos teoloacutegicos e morais todos provenientes de haacutebitos e

costumes de outros padrotildees religiosos de entre as etniaspovosnaccedilotildees de sua eacutepoca

Neste exerciacutecio Aristides ldquodescreve os cristatildeos como um povo ou naccedilatildeordquo214 que iraacute

progressivamente e cada vez mais contrastar seus conhecimentos e seu comportamento com os

outros povos com que convivia a saber os babilocircnios os gregos os egiacutepcios e os judeus

Possivelmente Aristides desejava ldquoexprimir a autocompreensatildeo cristatilderdquo215 de seus dias no

entanto provavelmente tambeacutem expressava um conceito jaacute bem estruturado em seu meio

religioso utilizando-se de um escrito apologeacutetico muito diretivo desenvolvido em ldquoforma de

uma etnografia comparativardquo216 Importante eacute o fato de que um entendimento novo de forma

absolutamente objetiva retratava a nova maneira de viver e esta maneira era aplicada

adjetivamente como cristatilde

Este fenocircmeno ocorria devido a este novo conceito ter se estruturado sobre ldquouma

organizaccedilatildeo humana cada vez mais precisa e soacutelida uma sociedade cujos alicerces satildeo

inteiramente novos e um tipo de homem diferente de todos aqueles que o mundo conhecerardquo217

Desta forma acabou por se gerar um entendimento novo sobre uma nova realidade histoacuterica

diferente de todas as demais jaacute existentes algo que na compreensatildeo de seus participantes soacute

poderia ser condicionado por um novo organismo ou seja uma nova ldquoraccedilardquopovonaccedilatildeo

Contudo este fato pode ser tambeacutem comprovado atraveacutes de outros seguimentos uma vez que

os proacuteprios natildeo-cristatildeos parecem fomentar esta ideia de separaccedilatildeo eacutetnica Isso pode ser visto

com realce atraveacutes do relato de outra figura Patriacutestica de destaque o qual torna-se o personagem

central de nosso exame a partir deste ponto

A partir do Seacuteculo II haveraacute inuacutemeras contribuiccedilotildees para a histoacuteria da teologia Em

primeiro lugar na figura de Tertuliano por ser considerado o ldquofundador da tradiccedilatildeo teoloacutegica

ocidentalrdquo218 Entretanto referente ao tema em destaque Tertuliano em sua obra Agraves Naccedilotildees (Ad

nationes) ndash tambeacutem traduzida por Aos Pagatildeos ndash apresenta no capiacutetulo VIII do I livro uma

213 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

214 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 16

215 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

216 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 17

217 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240

218 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 42

55

relevante informaccedilatildeo a respeito de nosso assunto pois atraveacutes de uma genuiacutena accedilatildeo apologeacutetica

passa a informar algo que estava sendo apregoado sobre os cristatildeos Ele menciona que alguns

ldquoCertamente dizem que somos a terceira raccedila dos homensrdquo219 Jaacute de iniacutecio torna-se simples

devido ao desenvolvimento do texto conceituar a definiccedilatildeo (ldquoterceira raccedilardquo) citada por

Tertuliano pois de maneira peculiar sua ironia consegue descrever com exatidatildeo sua intenccedilatildeo

e o que ele escreve a seguir acaba por orientar seu entendimento e interesse argumentativo Ele

diz ldquoDe que maneira Uma raccedila com cara de cachorro Ou uma que possui apenas um enorme

peacute Ou algum Antiacutepoda subterracircneordquo220

Obviamente Tertuliano natildeo tinha em mente elaborar uma refutaccedilatildeo que viesse a

discutir questotildees bioloacutegicas ou antropoloacutegicas referentes agraves pessoas que estavam sendo

atingidas por essa pecha de ordem etnorracial Seu estilo quase sarcaacutestico demonstra que na

verdade sua indignaccedilatildeo frente agraves agressotildees lanccediladas aos irmatildeos da feacute que eram protagonizadas

pelas perseguiccedilotildees oferecidas pelos descrentes e das quais ele era uma literal testemunha o

compeliam a reagir em sua defesa ldquoTenham cautela no entanto pois aqueles a quem vocecircs

chamam de terceira raccedila devem obter o primeiro lugar uma vez que natildeo haacute certamente naccedilatildeo

que natildeo seja cristatilderdquo221

Tertuliano ainda em sua fase Apologista222 procura nos apresentar uma descriccedilatildeo

pejorativa (ldquoterceira raccedilardquo) dos pagatildeos como absolutamente preconceituosa e totalmente

intolerante pois esta visa tatildeo somente implementar ldquoacusaccedilotildees contra os cristatildeosrdquo223 buscando

unicamente denigrir sua religiatildeo natildeo possuindo nenhuma ligaccedilatildeo especiacutefica com as relaccedilotildees

eacutetnicas eou nacionais destas pessoas Sobre este prisma o proacuteprio Tertuliano afirma ldquoMas eacute

no sentido de religiatildeo e natildeo de naccedilatildeo que somos tidos como a terceira raccedila Pela ordem os

romanos os judeus e por uacuteltimo os cristatildeosrdquo224 No decorrer do texto225 fica-nos ainda mais

evidente que esta tentativa de uma diferenciaccedilatildeo humana natildeo corresponde a dados bioloacutegicos e

antropoloacutegicos pois visa promover unicamente uma desqualificaccedilatildeo da crenccedila do grupo ao qual

ataca (cristatildeos) independentemente de suas origens eacutetnicas

219 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

220 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

221 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9

222 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

223 LEAL In Tertuliano Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1577

224 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

225 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9-11

56

Deste modo assimilando os variados dados relacionados nesta construccedilatildeo

fenomenoloacutegica vemos que independentemente do meio (eclesiaacutestico ou secular) e da

temporalidade (periacuteodo biacuteblico ou patriacutestico) o sentido uniforme do conceito de ser cristatildeo

estava incondicionalmente ldquovinculado a um grupo com relaccedilotildees sociais distintas dos

demaisrdquo226 Aqui a reflexatildeo de Santos nos auxilia de forma significativa especialmente visando

o desenvolvimento restante deste capiacutetulo

Relaccedilotildees sociais estas que privilegiam os aspectos espirituais e morais Neste sentido

os cristatildeos podem ser entendidos como um povo particular com uma promessa

profeacutetica especificamente direcionada a eles Povo este que como vimos

anteriormente possui seu conjunto de crenccedilas um estilo de vida proacuteprio seus

siacutembolos sua interpretaccedilatildeo de mundo Tudo isto se traduz pela expressatildeo ldquonova vida

e os nossos ensinamentosrdquo utilizada por Justino (JUSTINO I Apologia III 3)227

Ao finalizarmos este item salientamos nossa intenccedilatildeo na proposta de agregar a esta

pesquisa a ideia de que para o cristianismo inicial como tambeacutem para seu meio social ndash onde

Justino necessariamente se enquadra ndash havia um conceito de identidade definido do que era ser

cristatildeo Cabe-nos agora complementaacute-lo Para isto propomos uma descriccedilatildeo de seu perfil

oposto ateacute mesmo antagocircnico para o periacuteodo ou seja descrevendo aquilo (ou aqueles) que na

visatildeo dos cristatildeos natildeo eram cristatildeos

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO

Em nossa proposta de pesquisa se faz indispensaacutevel conhecermos a visatildeo do meio

cristatildeo (eclesioloacutegica) a respeito daqueles que eram ao seu entendimento ndash pelo menos de

maneira preliminar ndash antagocircnicos agrave sua realidade existencial Obviamente este trabalho busca

ancorar-se ao pensamento de seu autor central Assim sendo Justino passa a nos ceder as bases

desse processo de incompatibilidade de grupos228 onde podemos sem exageros a partir de

Justino arquitetar um cenaacuterio que nos mostra eficientemente que este conceito evidenciado no

Apologista eacute oriundo da mensagem Apostoacutelica (Paulo) e Patriacutestica (Aristides) anteriores a ele

as quais parecem terem sido bem recebidas e definidas quanto a essa importante questatildeo

226 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 143

227 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

grifo nosso

228 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

57

etnograacutefica Percebemos isso com certa clareza quando ele diz que ldquoDeve-se saber que o

restante de todas as raccedilas humanas satildeo chamadas de naccedilotildees pelo Espiacuterito profeacutetico a casta dos

judeus e samaritanos poreacutem chama-se Israel e Casa de Jacoacuterdquo229

Nesta introduccedilatildeo ainda nos eacute possiacutevel descrever um conceito metafiacutesico a partir do

entendimento de Justino que era um filoacutesofo Utilizando-nos da objetivaccedilatildeo da identidade

(ethnos) cristatilde um modelo passa a se estabelecer nesta descriccedilatildeo e este modelo eacute que ldquotorna

uma entidade reconheciacutevelrdquo230 Assim este estado que passa a ser evidentemente concreto e

que estaacute constituiacutedo em uma forma de identificaccedilatildeo passa tambeacutem a possuir o seu oposto

definindo-se por meio de diversos exames tendo a partir disso haacute possibilidade de ser aceito

ou rejeitado por aquilo que lhe eacute diferente

Prosseguindo no desenvolvimento de nosso raciociacutenio comeccedilaremos a descrever

sinteticamente o ponto central a ser analisado nesta pesquisa Entendemos que a reflexatildeo que

recebemos a partir da oacutetica de Justino poder ser definida por meio de sua compreensatildeo do que

eacute a Verdade revelada para a humanidade Deste modo inicialmente nos cabe salientar que o

periacuteodo de tempo logo apoacutes o advento do cristianismo e sua consolidaccedilatildeo (informal para a

eacutepoca) como uma religiatildeo estabelecida em meio ao Impeacuterio Romano trouxe algumas

evidecircncias que caracterizavam e apontavam para a identificaccedilatildeo daqueles que eram seguidores

deste credo e ipso facto passava a distingui-los quase que de forma automaacutetica dos demais

seguidores de outras praacuteticas religiosas tais como o judaiacutesmo e os cultos politeiacutestas os quais

tambeacutem podem ser definidos no cenaacuterio imperial como ldquocultos estataisrdquo231 eou religiatildeo dos

povos gentios

Ainda neste espaccedilo nos eacute necessaacuterio salientar que a atribuiccedilatildeo religiosa como ponto

primaz na questatildeo orientativa dos que natildeo confessavam a feacute cristatilde eacute importante ou ateacute mesmo

necessaacuteria porque no referido periacuteodo natildeo se concebia a ideia de que as massas humanas ndash em

qualquer lugar independentemente de sua etnia ou nacionalidade ndash natildeo aderissem a uma forma

de crenccedila232 O pensamento de Santos qualifica esta ideia de contraste entre crenccedilas

Os cristatildeos precisavam ser diferentes dos judeus e dos demais povos para construiacuterem

uma identidade proacutepria ainda que algo dos dois fizesse parte de sua identidade E

mesmo esse algo teria uma leitura particular dentro do cristianismo Os siacutembolos

229 JUSTINO I Apologia LIII 4

230 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014 p 110

231 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 51

232 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

58

ainda que preservados natildeo teriam exatamente os mesmos significados Justino por

vezes ao apontar aquilo que os cristatildeos eram utiliza a comparaccedilatildeo Tal comparaccedilatildeo eacute

feita com base natildeo soacute naquilo que eacute semelhante nos grupos que ele considera natildeo-

cristatildeos mas principalmente nas suas diferenccedilas o que nos revela que no outro haacute

tanto pontos congruentes quanto incongruentes233

Desta forma a partir deste ponto falaremos a respeito dos dois respectivos grupos

humanos (em sentido eacutetnico e nacional) nos quais se estabeleciam a distinccedilatildeo e a divisatildeo

proposta por Justino em sua construccedilatildeo teoloacutegica

221 Os Judeus

Passando objetivamente a leitura da obra de Justino (I Apologia) constatamos com

razoaacutevel clareza a importacircncia dada pelo autor aquilo que corresponde diretamente ao povo

judeu este aspecto acaba por se tornar importantiacutessimo na elaboraccedilatildeo de nosso conceito pois

traz equiliacutebrio agrave orientaccedilatildeo que Justino propotildeem desenvolver como contrastante ao seu estado

de feacute e crenccedila Para Justino o povo eleito por Deus para receber as promessas diretrizes e

preceitos da Primeira Alianccedila acabou por se tornar uma espeacutecie de agente condutor e ateacute

mesmo catalisador de uma forma funcional do cumprimento das profecias descritas como

messiacircnicas234 Justino ao mencionar o Profeta Isaiacuteas e o Livro dos Salmos235 apresenta-nos esta

indicaccedilatildeo dizendo

Quando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de Cristo ele se expressa assim ldquoEu

estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz aos que andam por um

caminho que natildeo eacute bomrdquo E novamente ldquoEntreguei minhas costas aos accediloites e

minhas faces agraves bofetadas e natildeo afastei o meu rosto da vergonha das cuspidas E o

Senhor se tornou o meu auxiacutelio por isso eu natildeo fui confundido mas transformei o

meu rosto em rocha dura e soube que natildeo seria confundido pois estaacute perto aquele

que me justificardquo E o mesmo quando diz ldquoEles lanccedilaram sorte sobre as minhas

roupas e transpassaram as minhas matildeos e os meus peacutes mas eu adormeci e me

entreguei ao sono e ressuscitei porque o Senhor me protegeurdquo E outra vez quando

diz ldquoCochichavam com os seus laacutebios e balanccedilaram a cabeccedila dizendo Salve-se a si

mesmo Podeis comprovar que tudo isso cumpriu-se atraveacutes dos judeus em Cristordquo236

233 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

234 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

235 Acredita-se que os textos biacuteblicos usados por Justino segundo a versatildeo da Biacuteblia Grega (Septuaginta) satildeo Is

652 Is 506-8 Sl 2119 Sl 36 Sl 218-9 Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 27

236 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1-7

59

Nesta passagem da I Apologia onde jaacute nos deparamos com o exegeta Justino237 fica-

nos claro que na opiniatildeo deste os reconhecidos como natildeo-cristatildeos ndash particularmente tratando-

se do povo judeu e de sua religiatildeo ndash natildeo compreenderam o tempo de sua visitaccedilatildeo menos ainda

foram capazes de interpretar com eficiecircncia tudo aquilo que as profecias anunciavam a respeito

de seu Messias Esse processo ganha ainda mais ecircnfase quando o teor aplicado por Justino passa

a ser mediado atraveacutes do contexto entre os capiacutetulos XXXVI a XXXVIII onde o relato parece

sugerir um compecircndio baacutesico com ldquoregras de interpretaccedilatildeordquo238 do Apologista sobre as profecias

messiacircnicas Neste cenaacuterio eacute possiacutevel penetrar mais profundamente na realidade sugerida por

Justino os judeus natildeo obstante sua falta de discernimento tornaram-se por seu endurecimento

os proacuteprios algozes Daquele que veio libertaacute-los

Torna-se necessaacuterio dizer que a exegese aplicada por Justino natildeo se faz sem equiacutevocos

Alguns erros satildeo ateacute mesmo inocentes quando analisados agrave luz de elementos da ciecircncia biacuteblica

atual239 como por exemplo quando cita o texto do Salmo 2119 (segundo a Septuaginta) o

qual eacute amplamente interpretado pelos Evangelhos240 como uma accedilatildeo dos soldados romanos

junto ao relato da crucifixatildeo de Cristo e natildeo como um ato diretamente empregado pelo povo

judeu Entretanto Justino entende que os judeus natildeo apenas assumiram agrave culpa desse ato por

meio de seu embrutecimento mas principalmente por seu endurecimento o qual foi causado

originalmente por sua incredulidade (natildeo-assimilaccedilatildeo) para com a pessoa de Jesus Cristo na

opiniatildeo de Justino241 Deste modo parece natildeo permanecer nenhum constrangimento por parte

do Apologista em apontar aos judeus natildeo como meros colaboradores mas sim como os

grandes culpados pela morte de Cristo

Na verdade Davi rei e profeta que disse isso natildeo sofreu nada disso mas Jesus Cristo

estendeu as suas matildeos quando foi crucificado pelos judeus que o contradiziam e

falavam que ele natildeo era o Messias Com efeito como disse o profeta levaram-no

arrastando e fazendo-o sentar-se numa cadeira de juiz disseram-lhe ldquojulga-nosrdquo242

237 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

238 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 26

239 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

240 Ver Mateus 2633-38 Marcos 1522-24 Lucas 2333-34 Joatildeo 1923-24

241 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

242 JUSTINO I Apologia XXXV 6

60

Mesmo jaacute tendo sido identificado por noacutes de forma preacutevia cabe-nos ainda citar de

maneira mais precisa as pertinentes consideraccedilotildees que Justino faz referente ao natildeo

reconhecimento da pessoa de Jesus Cristo como o Messias prometido ao povonaccedilatildeo de Israel

por parte dos judeus O Apologista escreve ldquoNatildeo entendendo isso os judeus que satildeo aqueles

que possuem os Livros dos profetas natildeo soacute natildeo reconheceram a Cristo jaacute vindo mas tambeacutem

odeiam a noacutes que dizemos que ele de fato veio e mostramos que como fora profetizado foi

por eles crucificadordquo243

Aleacutem dessa notificaccedilatildeo exortativa referente aquilo que poderiacuteamos definir como uma

leitura do cenaacuterio sociorreligioso judaico (que no presente momento e tambeacutem anteriormente a

ele interagiu conflituosamente com os cristatildeos) devemos tambeacutem reconhecer outro aspecto que

este ambiente social nos aponta por meio da ldquoobservaccedilatildeo de Justino segundo a qual Bar

Kochba244 ameaccedilou judeus messiacircnicos com pesados castigos caso natildeo negassem que Jesus eacute

o Cristordquo245 estabelecendo deste modo haacute opiniatildeo de que os cristatildeos realmente eram um povo

que sofria historicamente ldquohostilidade dos judeusrdquo246 principalmente porque os cristatildeos deram

o devido valor agrave revelaccedilatildeo de Deus247

Por uacuteltimo neste cenaacuterio de nossa anaacutelise concentrada na opiniatildeo de Justino frente ao

status sociorreligioso judaico devemos ainda olhar com bastante atenccedilatildeo para uma passagem

da Escritura Sagrada relacionada a Primeira Alianccedila que nos eacute apresentada enfaticamente por

Justino em sua obra apologeacutetica O texto do capiacutetulo 65 verso 2 do Livro do profeta Isaiacuteas eacute

citado por trecircs vezes na I Apologia248 caracterizando mediante este fato repetitivo uma

significativa elucubraccedilatildeo por parte de Justino a esta porccedilatildeo da Escritura Nosso autor se

distingui ao comentar o Texto Sagrado dizendo ldquoQuando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de

Cristo ele se expressa assim lsquoEu estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz

aos que andam por um caminho que natildeo eacute bomrsquordquo249

Partamos de um ponto conceitual Na esfera racional de Justino o caso das ldquomatildeos

estarem estendidas a um povo increacutedulo e contestadorrdquo era um fato indubitaacutevel apresentado

atraveacutes de um ar enfaacutetico que apontava agrave suposta culpa que os judeus teriam na rejeiccedilatildeo do

243 JUSTINO I Apologia XXXVI 3

244 JUSTINO I Apologia XXXI 6

245 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 266

246 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 32

247 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

248 JUSTINO I Apologia XXXV 3 XXXVIII 1 XVIX 3

249 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1

61

verdadeiro Ungido de Deus solidificando deste modo de maneira inevitaacutevel sua compreensatildeo

de que os judeus ao natildeo reconhecerem o Messias ldquoperderam o direito hereditaacuterio a promessa

que passou para os cristatildeosrdquo250 Este conceito251 acaba por ficar ainda mais saliente em sua

obra Diaacutelogo com Trifatildeo252 detalhe que natildeo apontaremos aqui devido a nossa opccedilatildeo de

delimitaccedilatildeo textual

Por fim necessitamos condicionar nossa pesquisa a um resultado Entatildeo ratificamos

que em nosso entendimento fica claro que na transmissatildeo da ideia de Justino os judeus foram

rejeitados como naccedilatildeopovoldquoraccedilardquo por sua incredulidade mesmo que estes tenham sido

anteriormente escolhidos como os herdeiros das promessas de Deus De fato Justino afirma

ldquoEntatildeo eles se arrependeratildeo quando de nada mais lhes valeraacuterdquo253 Logo para Justino os judeus

natildeo eram mais a ldquoraccedilardquo eleita porque natildeo eram cristatildeos

Passamos agora ao outro grupo compreendido como natildeo-cristatildeo pelo conceito

etnograacutefico dos seguidores do cristianismo na eacutepoca de Justino os Gentios

222 Os Gentios

De imediato devemos propor um referencial orientativo visando essa construccedilatildeo e

uma afirmaccedilatildeo parece definir de maneira satisfatoacuteria esta questatildeo Igualmente agrave anaacutelise anterior

(para com os judeus) partimos de referenciais de caraacuteter sociorreligioso baseados em nosso

autor central poreacutem com a diferenciaccedilatildeo de que agora falamos de um campo muito mais

abrangente a ser examinado pois os ldquogentiosrdquo254 (segundo o Apoacutestolo Paulo) ldquoos caldeus os

gregos e os egiacutepciosrdquo255 (segundo Aristides) e ldquoos romanosrdquo256 (segundo Tertuliano) formam

esse novo e amplo grupo que tambeacutem se caracteriza religiosamente em contraste tanto com

cristatildeos quanto com os judeus que haviam rejeitado o seu Messias

Todo esse enorme contingente religioso se distinguia por sua diversidade Nesta

multiplicidade surgia uma variedade imensa de divindades uma para cada gosto eou prazer

250 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

251 Segundo Insuelas as duas primeiras Apologias satildeo escritas ldquocontrardquo os pagatildeos jaacute o Diaacutelogo com Trifatildeo eacute

escrito ldquocontrardquo os judeus Neles Justino pretende provar que Jesus Cristo eacute o Messias e que a sua religiatildeo eacute a

verdadeira Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 54

252 Ver JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo CVIII 1-3

253 JUSTINO I Apologia LII 9

254 Ver 1 Coriacutentios 1032

255 ARISTIDES Apologia II XIV e XV

256 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

62

com as quais estes devotos procuravam cobrir suas necessidades e as exigecircncias de culto em

seus dias257 Esta praacutetica reconhecida como politeiacutesmo envolve a coletividade humana desde

seus primoacuterdios258 No entanto para Justino quem seriam as pessoas que adoravam essa

imensidatildeo de outros deuses

Inicialmente afirmamos que os participantesocupantes desse distinto grupo

indiscutivelmente se diferenciavam dos judeus natildeo apenas por sua religiatildeo mas tambeacutem por

questotildees que podem (e devem) ser descritas como eacutetnicas No caso anterior o judaiacutesmo (ou

podemos chamar de religiatildeo judaica) natildeo se desvinculava (nem atualmente se desvincula) da

etnia de origem semita (judeus) que ocupava massivamente a regiatildeo do moderno estado de

Israel Ateacute os dias de hoje os judeus ndash tambeacutem chamados de ldquoisraelitasrdquo (genericamente) ndash satildeo

definidos regularmente como ldquofieacuteisrdquo da religiatildeo judaica259 Em nosso caso de destaque os

agentes religiosos que formavam as fileiras das religiotildees politeiacutestas eram seres humanos

oriundos das mais variadas sociedades da eacutepoca de diversas culturas mas que assumiam o

chamado culto de origem mitoloacutegica difundido amplamente na cultura de origem greco-

romana260 na qual Justino tambeacutem havia vivido e sido criado261 e que havia se tornado em um

elemento poliacutetico que ldquoos romanos chamavam de pax deorumrdquo262

Estes adoradores de outros e variados deuses usualmente possuem outra designaccedilatildeo

tanto para Justino quanto no relato biacuteblico satildeo os gentios ndash termo geneacuterico que adotaremos a

partir de agora neste item para a identificaccedilatildeo desse grupo devido a sua abrangecircncia e

complexidade A pesquisa de Santos nos auxilia consideravelmente nesta definiccedilatildeo

O termo utilizado na Biacuteblia hebraica para gentio eacute gocircy (גוי) e tanto no texto grego do

Antigo Testamento (Septuaginta) quanto no Novo Testamento temos os termos

ethnos (εθνος) ou hellen (ελλην) Satildeo geralmente traduzidos como naccedilatildeo raccedila

gentes gentios Se estiver no singular podem se referir aos judeus (HARRIS 1998 p

251-252 DOUGLAS 1995 p 662 VINE 2002 p 673) De forma geral quando no

plural eles se referem aos outros povos que natildeo os judeus e no caso mais

especificamente cristatildeo denotam natildeo soacute os natildeo-judeus mas podem se referir agravequeles

gentios que se converteram ao cristianismo ldquoOs quais pela minha vida expuseram as

257 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010

258 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

259 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

260 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

261 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998

262 CORNELL MATTHEWS A Civilizaccedilatildeo Romana 2008 p 94

63

suas cabeccedilas o que natildeo soacute eu lhes agradeccedilo mas tambeacutem todas as igrejas dos gentiosrdquo

(Romanos 164)263

Justino natildeo apenas se utiliza dessa terminologia com desenvoltura mas tambeacutem se

serve de outros termos que designam este grupo de existecircncia gentiacutelica Encontramos citaccedilotildees

como ldquogente de todas as naccedilotildeesrdquo264 ldquogente de todas as raccedilasrdquo265 ldquohomens das naccedilotildeesrdquo266 ou

ldquoos povos das naccedilotildeesrdquo267 Ao analisarmos o contexto textual destas citaccedilotildees de Justino fica

evidente que o Apologista ao descrever estes trechos estaacute incondicionalmente se referindo ao

cumprimento das promessas messiacircnicas aos gentios Desta forma acaba por caracterizar (os

gentios) como os natildeo-judeus que estavam sem Cristo mas que iriam recebecirc-lo pela

proclamaccedilatildeo da mensagem evangeacutelica Drobner sugere que possivelmente Justino acreditava

que uma vez que os democircnios foram silenciados pela proclamaccedilatildeo da Verdade por meio da

mensagem da cruz ldquoos homens agora em todo o mundo se tornariam tementes a Deusrdquo268

Encontramos na I Apologia uma tendecircncia ndash pelo menos de maneira impliacutecita ndash de

apontar em menor nuacutemero elementos negativos eou pejorativos dos gentios e de suas praacuteticas

religiosas politeiacutestas Isso obviamente se comparados com agravequeles apresentados

volumosamente como prejuiacutezos trazidos eou deixados pelos judeus naquilo que se tratava da

revelaccedilatildeo de Deus em Jesus Cristo Tratando-se especificamente dessa questatildeo sociorreligiosa

que envolvia a religiatildeo judaica cabe-nos ressaltar com veemecircncia que em nossas afirmaccedilotildees

natildeo se estaacute buscando implicar de nenhuma maneira ou forma a Justino uma postura

antissemita269 pois sua polecircmica com os judeus ldquonada tem a ver com antissemitismo porque

natildeo se trata da raccedila mas da feacuterdquo270 Deste modo orientando-nos atraveacutes de dados da anaacutelise

historiograacutefica acreditamos que este fenocircmeno se baseou na tentativa de indicar com clareza

atribuiccedilotildees da histoacuteria da revelaccedilatildeo no fato de se contextualizar o relato salviacutefico de Deus para

263 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 147

264 JUSTINO I Apologia XXXII 3

265 JUSTINO I Apologia XXXII 4

266 JUSTINO I Apologia XXXI 7

267 JUSTINO I Apologia XLIX 1

268 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 84

269 Antissemita (anmiddottismiddotsemiddotmimiddotta) anti- + semita Adjetivo de dois gecircneros e substantivo de dois gecircneros Significa

Que ou quem se opotildee aos semitas e particularmente aos judeus Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa

Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgantissemitagt Acesso em 17 de jan de 2019

270 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

64

a humanidade pois o ldquoproacuteprio texto nos fornece um contexto Mas tambeacutem pelos enunciados

que evidenciam sua forccedila ilocucionaacuteriardquo271

Poreacutem entendemos ainda ser oportuno citar a Justino de forma direta mais uma vez

em nossa elaboraccedilatildeo sobre o conceito de definiccedilatildeo daqueles que natildeo satildeo cristatildeos para ele

Indiscutivelmente os gentios gozavam de uma pequena parcela de toleracircncia por parte de

Justino especialmente diante do testemunho das conversotildees ocorridas junto o mundo greco-

romano das quais ele mesmo era fruto Aleacutem disso em nossa construccedilatildeo conceitual outra vez

fica notoacuterio que nosso autor natildeo procura mascarar em nenhum momento sua dificuldade para

com a religiatildeo judaica272 O texto de Justino transparece isso com muita clareza

Ao contraacuterio (dos judeus) os gentios que nunca tinham ouvido falar dele ateacute que os

apoacutestolos tendo saiacutedo de Jerusaleacutem lhes contaram sua vida e lhes entregaram as

profecias cheios de alegria e de feacute renunciaram aos iacutedolos e se consagraram ao Deus

ingecircnito por meio de Cristo273

Contudo torna-se claro tambeacutem que na concepccedilatildeo de Justino o alcance dessa

conformidade do plano salviacutefico de Deus atraveacutes de Jesus Cristo para com os gentios seria

segundo o posicionamento de feacute desse grupo pois o teor e a objetividade para o

desenvolvimento da I Apologia provam o contraacuterio pois esta obra acabou sendo redigida

condicionalmente na tentativa de aplacar os acircnimos daqueles que perseguiam os cristatildeos de

forma injustificaacutevel sendo evidente no relato de ambas as Apologias de Justino que os

perseguidores eram majoritariamente formados de natildeo-cristatildeos de origem gentiacutelica Essa

evidecircncia conseguimos resgatar no proacuteprio relato do Apologista quando este comenta a

respeito da idolatria dos gentios enfatizando seu politeiacutesmo Nessa passagem sua penna eacute

categoacuterica e imperativa

E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o atribuiacutes a noacutes como

se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia como estamos livres

por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam nenhum dano ao

271 SANTOS amp GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

272 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

273 JUSTINO I Apologia XLIX 5 grifo nosso

65

contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda levantam falso

testemunho contra noacutes274

Finalizamos assim este item que visou especificar aquilo que se encontra aplicado na

explanaccedilatildeo do Apologista sobre o natildeo ser um cristatildeo Buscamos nesta explanaccedilatildeo uma espeacutecie

de caraacuteter identificativo aleacutem de termos procurado sinalizar para o oposto de cada caso

examinado distinguindo deste modo os grupos religiosos analisados atraveacutes de criteacuterios que

os contrastavam entre si e para com o objeto principal (cristianismo) pois notificamos que para

Justino como tambeacutem para a Igreja em sua eacutepoca judeus e gentios natildeo eram homens de outra

espeacutecie (em sentido bioloacutegico) mas natildeo sendo cristatildeos pertenciam necessariamente a outro

mundo um mundo natildeo-cristatildeo

A seguir trataremos de assuntos mais pontuais os quais podemos denominar de

ldquofactiacuteveisrdquo segundo a leitura de Justino para com a realidade que o cercava Esse conjunto de

fatos era polemizado de maneira constante (por meio de uma tentativa aguda de se diferenciar

proposiccedilotildees) pois possuiacutea uma importacircncia fundamental na definiccedilatildeo exigida para se

estabelecer a oposiccedilatildeo dos ldquomundosrdquo que apontamos

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM

E para que se torne evidente para voacutes vamos apresentar-vos a prova de que aquilo

que dizemos por tecirc-lo aprendido de Cristo e dos profetas que os precederam eacute a uacutenica

verdade e a mais antiga do que todos os escritores que existiram Natildeo pedimos que se

aceite a nossa doutrina por coincidir com eles mas porque dizemos a verdade275

A partir deste item apresentamos uma anaacutelise de meios e de casos os quais

entendemos serem absolutamente necessaacuterios para uma resposta realmente qualificada visando

uma conclusatildeo satisfatoacuteria desta pesquisa Neste processo que inicialmente abarcou de maneira

histoacuterica a estruturaccedilatildeo e funcionalidade de um ambiente confessional acabou por se

caracterizar cada vez mais atraveacutes de um distinto cenaacuterio sociorreligioso em seu tempo Nessa

verificaccedilatildeo de costumes do comportamento humano na esfera religiosa percebemos com certa

facilidade o profundo impacto ndash especialmente no acircmbito da eacuteticamoral ndash que o cristianismo

proporcionou ao apresentar-se ldquocomo a revoluccedilatildeo mais radical que a humanidade jaacute tinha

274 JUSTINO I Apologia XXVII 5

275 JUSTINO I Apologia XXIII 1 grifo nosso

66

realizadordquo276 Desta forma organizamos uma detalhada abordagem dessa conjuntura de caraacuteter

social na esfera religiosa a qual vamos descrever a seguir procurando direcionar de maneira

objetiva nossos apontamentos para dentro da soluccedilatildeo de nosso problema jaacute anteriormente

especificado e deste modo comeccedilarmos a indicar uma resposta plausiacutevel para o conceito do

que seria a Verdade redigida e sustentada por Justino

Importante para nossa sequecircncia de trabalho eacute procurarmos estabilizar desde cedo a

compreensatildeo de que esta elaboraccedilatildeo de caraacuteter eacutetico-moral natildeo visa ser pormenorizada tatildeo

pouco exaustiva pois acreditamos que isto nem mesmo seria possiacutevel diante da abrangecircncia a

qual o termo Verdade poderia alcanccedilar em um exame epistemoloacutegico mais aprofundado

Particularmente tratando-se de nosso caso em especial um agravante ainda se coloca isso

devido nossa palavra-chave nem mesmo ser aplicada como um simples substantivo por parte

do autor pois recebe por parte de Justino uma abrangecircncia axiomaacutetica muito singular somente

compreendida em seu contexto mais amplo (realidade sociorreligiosa)

Entretanto partimos da necessidade de nos orientarmos por meio de definiccedilotildees

provenientes das afirmaccedilotildees do proacuteprio Justino Diante da realidade sociorreligiosa ndash tambeacutem

pode-se classificaacute-la como cultural dependendo dos criteacuterios propostos ndash que cercava e

envolvia o Apologista (no periacuteodo de redaccedilatildeo da I Apologia) estava necessariamente instituiacuteda

uma forma de cerceamento agraves suas convicccedilotildees religiosas Sem restriccedilotildees podemos nos utilizar

de uma espeacutecie de pleonasmo ao dizermos que Justino ndash ldquose justificardquo ndash constantemente por

meio de um paralelo dialeacutetico que de maneira exata acaba por condicionar-se como loacutegico

pois o Apologista busca apresentar uma ldquoperfeita lealdade dos seus processosrdquo277 racionais em

toda a sua narrativa As contribuiccedilotildees oriundas da predominante linha filosoacutefica a qual Justino

aderiu em sua jornada na busca pela Verdade manifestam-se de forma niacutetida em sua construccedilatildeo

apofacircntica Esse meacutetodo se clarifica na abordagem de Chauiacute

A dialeacutetica platocircnica eacute um procedimento intelectual e linguiacutestico que parte de alguma

coisa que deve ser separada ou dividida em dois ou duas partes contraacuterias ou opostas

de modo que se conheccedila sua contradiccedilatildeo e se possa determinar qual dos contraacuterios eacute

verdadeiro e qual eacute falso278

276 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 44

277 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

278 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 181

67

Deste modo Justino explanou suas conclusotildees de maneira categoacuterica por meio da

aplicaccedilatildeo de um meacutetodo que visava eliminar contradiccedilotildees essenciais daquilo que estava sendo

examinado279 Aparentemente o Apologista acreditava que algo de caraacuteter indivisiacutevel no

sentido de ser inquestionaacutevel poderia ser alcanccedilado mediante suas confrontaccedilotildees mesmo que

Justino afirmasse ser imprescindiacutevel ter que haver feacute em Jesus Cristo para tais fins elemento

(feacute) que era reconhecidamente ausente em seus opositores algo que no final parece desiquilibrar

a loacutegica da teoria de Justino Neste espaccedilo ainda nos eacute necessaacuterio dizer que nosso autor se

baseava fortemente em indicaccedilotildees de cunho comparativo e histoacuterico (a niacutevel de suas convicccedilotildees

religiosas) para defender suas comparaccedilotildees280 Neste item jaacute detectamos fortemente o ser

ldquofiloacutesofordquo em Justino realidade que abordaremos mais detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo

Essa base filosoacutefica que acabamos de citar iraacute orientar o ministeacuterio de Justino no

decorrer de sua construccedilatildeo teoloacutegica e quanto a essa filosofia devemos sem constrangimento

atrelaacute-la agravequilo que acabou por se tornar o estilo literaacuterio preponderante em seus trabalhos

Estes se caracterizaram pela presenccedila de um forte teor (dispositivo) apologeacutetico possibilitando-

nos a partir da anaacutelise historiograacutefica281 afirmar que uma vez que os filoacutesofos (do periacuteodo de

Justino) receberam a feacute em Cristo estes podem defender a Verdade pois passam a possuir a

ldquoconsciecircncia da razatildeo filosoacutefica que nela estaacute contidardquo282

Desta forma seguindo uma postura assumidamente analiacutetica Justino passa a arquitetar

seu plano argumentativo utilizando-se de uma clara confrontaccedilatildeo de fatos em vista de alcanccedilar

o resultado desejado Mesmo sem ser um empirista ndash sistema filosoacutefico totalmente distante

cronologicamente de Justino ndash eacute impossiacutevel natildeo se detectar um apego por parte do Apologista

para com um meacutetodo de exame que venha a conferir com afinco a experiecircncia do uso dos

sentidos humanos como o meio para agrave origem e geraccedilatildeo do conhecimento Com isso mais um

detalhe pertinente segundo a nossa compreensatildeo vem a surgir nesta anaacutelise pois conseguimos

detectar com certa facilidade que Justino vincula os fatos registrados de sua feacute na rotina humana

presente efetivamente em seu contexto o que vem a somar para a caracterizaccedilatildeo de uma postura

que na praacutetica eacute empirista283

279 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

280 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

281 Ver SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 185-186

282 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

283 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

68

231 Um Princiacutepio Teologal

Seguindo o que acabamos de apontar apresentaremos uma posiccedilatildeo de ordem factiacutevel

da parte de Justino passando a citar elementos que em nosso entendimento estabelecem as

provas desenvolvidas pelo Apologista em seu relato de defesa dos cristatildeos Retrataremos dois

contextos em que Justino apresenta sua iniciativa de modo contundente na busca de seus

objetivos O primeiro cenaacuterio se desenvolve apoacutes o autor terminar uma ilustre analogia entre

ldquodoutrinas estoicas e cristatildesrdquo284

A primeira prova eacute que quando dizemos tais coisas aos gregos somos os uacutenicos a

serem odiados pelo nome de Cristo e nos tiram a vida sem termos cometido crime

algum como se focircssemos pecadores E tendes alguns aqui e outros ali que cultuam

aacutervores rios ratos gatos crocodilos e uma multidatildeo de animais irracionais O

interessante eacute que nem todos cultuam os mesmos mas uns satildeo honrados num lugar

outros em outro de modo que todos satildeo iacutempios entre si por natildeo ter a mesma religiatildeo

Esta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que

voacutes e natildeo oferecemos libaccedilotildees e gorduras aos mortos natildeo colocamos coroas nos

sepulcros nem celebramos sacrifiacutecios sobre eles No entanto sabeis perfeitamente

que os mesmos animais por alguns satildeo considerados deuses por outros feras e por

outras viacutetimas para sacrifiacutecios285

A partir desta descriccedilatildeo passamos definitivamente a exposiccedilatildeo dos fatos que satildeo

contrastantes entre a praacutetica da feacute cristatilde e a ordem dos acontecimentos estabelecida nas

ocorrecircncias do meio secular ao redor da Igreja de Cristo isto porque o centro da coletividade

cristatilde (Assembleia Santa) era o que melhor distinguia exteriormente essa separaccedilatildeo

existencial286 A ecircnfase de Justino aplicada agrave realidade sociorreligiosa de seu tempo nos impotildee

a necessidade de uma adaptaccedilatildeo por meio de um delineamento de ordem temaacutetica isso devido

agrave diversidade de assuntos aos quais poderiacuteamos enfocar nesse exame pois a ldquoformalidade da

religiatildeo (pagatilde) manifestava-se de maneira diversardquo287 nos variados ciacuterculos sociais do mundo

greco-romano

O texto de Justino que estaacute depositado em uma genuiacutena literatura de estilo apologeacutetico

acaba ateacute mesmo por ganhar ares enfaticamente polemistas mesmo que esta definiccedilatildeo literaacuteria

do meio Patriacutestico seraacute apenas regulada sobre um escritor apologista a partir da figura de

284 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 8

285 JUSTINO I Apologia XXIV 1-3

286 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

287 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 20 grifo nosso

69

Tertuliano288 Isso porque a objetividade empregada por Justino natildeo visava unicamente

solicitar toleracircncia em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde mas tambeacutem evidenciar de forma categoacuterica direta e

especiacutefica uma superioridade do culto cristatildeo sobre as religiotildees pagatildes289

Deste modo de forma essencial entendemos que para uma melhor compreensatildeo do

contexto sugerido se faz necessaacuterio fracionaacute-lo Poreacutem devido agraves vaacuterias possibilidades de

argumentaccedilatildeo que a porccedilatildeo apresentada nos oferece decidimos concentrar nosso exame em

trecircs toacutepicos orientativos atraveacutes dos quais acreditamos ser possiacutevel desenvolver o escopo que

desejamos estes se condicionam a falta de valores absolutos a praacutetica da idolatria (na

concepccedilatildeo cristatilde) e as variaccedilotildees dos atos cuacutelticos que envolviam tal praacutetica mesmo que ambos

os casos apontados venham a se mesclar no seguimento de nosso relato textual devido sua

estreita relaccedilatildeo ldquosimbioacuteticardquo Os trecircs pontos nos conduzem de forma natural a uma reflexatildeo

historiograacutefica em torno do periacuteodo dos Seacuteculos I e II dC visando deste modo uma maior

clarificaccedilatildeo dos fatos que procuramos distinguir

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista

Iniciamos a nossa estruturaccedilatildeo apresentando um registro que descreve esse cenaacuterio

cuacuteltico pagatildeo o qual estaacute disponibilizado no texto da Escritura Sagrada Aproximadamente

100 anos antes290 desse registro de Justino o Apoacutestolo Paulo jaacute censurava enfaticamente a

mesma praacutetica religiosa que natildeo estranhamente estava vigorando na cultura social ateacute os dias

de Justino Quando o Apologista acusa seus oponentes de adorarem uma variedade

(pluralidade) de seres criados (ou a natureza) abre-se um paralelismo com o texto biacuteblico que

diz ldquoInculcando-se por saacutebios tornaram-se loucos e mudaram a gloacuteria do Deus incorruptiacutevel

em semelhanccedila da imagem de homem corruptiacutevel bem como de aves quadruacutepedes e repteisrdquo

(Romanos 122-23)

Justino argumenta sobre este cenaacuterio afirmando que o status de honra a estas diversas

ldquodivindadesrdquo passava por variaccedilotildees ndash ou ateacute mesmo vacilaccedilotildees ndash natildeo possuindo nenhum teor

de algo que poderiacuteamos afirmar como ldquoabsolutordquo Justino fortemente tambeacutem salienta que o

simples fator geograacutefico eacute capaz de destituir este aspecto de adoraccedilatildeo realidades

(contingenciais) que acabam por confrontar-se com o credo cristatildeo que jaacute possui seu conceito

bem estabilizado nos dias Justino Nisto nos auxilia o texto da Didaqueacute (possivelmente

288 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

289 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

290 GREATHOUSE In A Epiacutestola aos Romanos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

70

redigido no final do Seacuteculo I291) o qual confessa que ldquoTu Senhor Todo-poderoso criaste todas

as coisas por causa do teu Nomerdquo292 solidificando desde muito cedo o princiacutepio que mais

tarde293 seria absolutamente consolidado no Credo Apostoacutelico que iraacute reproduzir conteuacutedo

idecircntico ao afirmar ldquoCreio em Deus Pai todo-poderoso Criador do ceacuteu e da terrardquo294

Deste modo a nova feacute em curso concebia desde seus primoacuterdios um uacutenico ser todo-

poderoso que natildeo pode nem mesmo estaacute sensiacutevel a sofrer as variantes temporais descritas por

Justino Aleacutem disso o Apologista nos apresenta uma variaccedilatildeo de grau que poderiacuteamos definir

como ldquocaoacuteticardquo para uma postura humana em sua relaccedilatildeo com estes ldquoobjetosrdquo de culto pois

cita como premissa que o mesmo ldquoobjetordquo tem determinada condiccedilatildeo de qualidade superior

para alguns mas torna-se trivial e comum para outros295 algo impossiacutevel de ser adaptado ao

elemento divino do culto cristatildeo

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria

O outro ponto que desejamos destacar se aplica sobre a afirmaccedilatildeo de Justino ao dizer

ldquoEsta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que voacutesrdquo296

A enfaacutetica argumentaccedilatildeo de Justino salienta a natildeo participaccedilatildeo dos cristatildeos nas atividades

religiosas dos ciacuterculos sociais aos quais pertenciam Estas atividades que eram implementadas

pelo mito popular297 e pelas classes poliacuteticas controladoras298 acabavam por definir-se como

os ritos religiosos ldquooficiaisrdquo ndash aceitos permitidos e em alguns casos tolerados pelas

autoridades ndash no Impeacuterio Romano299 O culto aos diversos deuses e ao imperador romano

caracterizam bem esta diversidade mitoloacutegica300 Assim passamos para um fato literaacuterio que

em nosso entendimento fomenta bem essa ideia estruturada na realidade humana que

desejamos retratar O escrito a seguir de autoria de Pliacutenio o Velho produzido possivelmente

291 STORNIOLO BALANCIN In Introduccedilatildeo DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as

comunidades de hoje 2010 p 3

292 DIDAQUEacute X 3

293 SCHAFF The creeds of Christendom with a history and critical notes 1966

294 CREDO APOSTOacuteLICO 1ordm artigo (da criaccedilatildeo)

295 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89-90

296 JUSTINO I Apologia XXIV 2

297 Ver KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983 p 91-97

298 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

299 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

300 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993

71

em torno do ano 77 da era cristatilde301 nos expotildee por meio de um registro de tipo naturalista a

seguinte observaccedilatildeo quanto algumas praacuteticas ritualiacutesticas comuns ao cenaacuterio sociorreligioso de

entatildeo Pliacutenio assim escreve

Sacrificar animais sem oraccedilotildees natildeo funciona aparentemente nem produz a correta

relaccedilatildeo ritual com os deuses As foacutermulas variam uma para conseguir um bom

agouro uma segunda para evitar o mau agouro e uma terceira para cultuar as

divindades [] Ao usarmos as preces costumeiras nesse ritual admitimos a eficaacutecia

dessas foacutermulas comprovadas pela experiecircncia de 830 anos302

Cabe-nos dizer que Pliacutenio estava simplesmente retratando de maneira descritiva os

processos de ordem religiosa no meio social que estava inserido poreacutem o contexto claramente

nos sugere que Pliacutenio tambeacutem buscava salientar a ldquoimportacircncia do respeito agraves formalidades na

religiatildeo do Estadordquo303 Natildeo podemos esquecer que Pliacutenio como oficial e administrador romano

esteve inserido em diversas regiotildees do Impeacuterio304 o que nos possibilita afirmar que o registro

estaacute baseado em um amplo e avultado conteuacutedo experiencial e que portanto seu relato estaacute

condicionado a ser classificado como um ldquocaso geneacutericordquo de praacuteticas cuacutelticas das regiotildees

influenciadas pela cultura greco-romana

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo

Uma praacutetica que era corrente nos tempos de Justino e jaacute antes dele era o de definir os

cristatildeos ldquocomo culpados do crime de ateiacutesmordquo305 A natildeo-aderecircncia dos cristatildeos a essas praacuteticas

religiosas pagatildes eram vistas e entendidas por alguns (elite social)306 como atos de

irracionalidade mas principalmente eram interpretadas pelos pagatildeos (de forma geral) como

301 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

302 PLIacuteNIO Histoacuteria Natural XXVIII 10-12 No original Sacrificar animales sin oraciones no funciona

aparentemente ni produce la correcta relacioacuten ritual con los dioses Las foacutermulas variacutean una para conseguir un

buen aguumlero una segunda para evitar el mal aguumlero y una tercera para cultuar a las divinidades [] Al usar las

oraciones acostumbradas en ese ritual admitimos la eficacia de esas foacutermulas comprobadas por la experiencia de

830 antildeos

303 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 17 grifo nosso

304 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

305 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004 p 100

306 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004

72

accedilotildees que manifestavam uma evidente incredulidade307 ndash ou seja uma atitude de profundo

desrespeito ndash por parte dos cristatildeos agravequilo que era considerado como divino De ordem jaacute muito

habitual eram as acusaccedilotildees deste tipo junto agrave cultura greco-romana pois jaacute na antiguidade

algumas figuras de destaque como Soacutecrates foram alvos desse tipo de defraudaccedilatildeo

considerado de ordem moral para o periacuteodo

Voltemos ao caso de Soacutecrates pois este foi julgado aproximadamente 550 anos

antes308 de Justino escrever sua I Apologia vindo a receber por parte da parte de seus algozes

acusaccedilotildees de mesma ordem as quais os cristatildeos agora similarmente sofriam tal como Soacutecrates

que ldquodescobriu o embuste dos democircnios e os convidou (demais seres humanos) a procurar o

verdadeiro Deus por isso ele teve de morrer como maacutertirrdquo309 Justino cita-nos o fato dizendo

Quando Soacutecrates com raciociacutenio verdadeiro e investigando as coisas tentou

esclarecer tudo isso e afastar os homens dos democircnios estes conseguiram por meio

de homens que se comprazem na maldade que ele tambeacutem fosse executado como

ateu e iacutempio alegando que ele estava introduzindo novos democircnios Tentam fazer o

mesmo contra noacutes310

Entendemos que ainda se faz importante somar a estrutura dessa pesquisa o relato

redigido por Platatildeo referente ao processo de defesa e julgamento de seu mestre Nesse registro

apologeacutetico encontramos o diaacutelogo entre Soacutecrates e Ecircutrifron311 que comprova o fato juriacutedico

ocorrido na Greacutecia Antiga do qual citamos atraveacutes de Justino

Ecircutrifron ndash O que eu gostaria Soacutecrates mas receio que aconteccedila o contraacuterio Pois me

parece que ele simplesmente comeccedila por prejudicar a cidade pela lareira312 ao

tencionar fazer mal a vocecirc Mas me diga ele diz que vocecirc corrompe os jovens fazendo

o quecirc

307 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 84-86

308 Ver MALTA In Introduccedilatildeo Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

309 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 85 grifo nosso

310 JUSTINO I Apologia V 3 grifo nosso

311 Natildeo temos outras informaccedilotildees sobre Ecircutifron ndash um adivinho prognosticador conforme subtiacutetulo da obra ndash

aleacutem das que encontramos em Platatildeo Mas seu nome tinha um significado claro para os gregos ldquoo de espiacuterito

direto ou ortodoxordquo Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates 2008 p 25

312 A lareira (ou Heacutestia) representava enquanto fogo sagrado da cidade e de cada casa o princiacutepio da estabilidade

Com essa fala Ecircutifron deixa clara sua admiraccedilatildeo por Soacutecrates Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates

2008 p 27

73

Soacutecrates ndash Coisas estranhas admiraacutevel homem para se ouvir assim Pois diz que sou

fazedor de deuses e que por isso mesmo ndash por fazer novos deuses e natildeo crer nos

antigos ndash me denunciou conforme diz313

Ainda referente ao assunto ndash cristatildeos definidos como ateus e iacutempios pelos pagatildeos ndash

vale-nos destacar o ponto de vista de um historiador Santos contribui muito em nosso exame

que visa apontar fatos contrastante por meio de fenocircmenos de intoleracircncia religiosa ocorridos

no passado Santos afirma que as acusaccedilotildees de ateiacutesmo por parte dos pagatildeos tiveram uma

importante contribuiccedilatildeo junto agrave construccedilatildeo de uma ldquoidentidaderdquo cristatilde durante o periacuteodo do

Seacuteculo II314 Tratando-se pontualmente do que acabamos de mencionar Santos novamente

contribui favoravelmente a nossa construccedilatildeo quando diz

Justino continua explicando que como acusaram Soacutecrates de ateiacutesmo assim satildeo

acusados os cristatildeos por natildeo adorarem os deuses de Roma Em seguida ele apresenta

uma pequena profissatildeo de feacute com o objetivo de esclarecer que os cristatildeos natildeo satildeo

ateus pois ldquocultuamos e adoramosrdquo o Deus verdadeiriacutessimo o seu Filho os seus

exeacutercitos de anjos e o Espiacuterito profeacutetico (JUSTINO I Apologia VI 1 2) Vaacuterios

exemplos desta estrutura do desenvolvimento podem ser observados no decorrer da I

Apologia315

A variaccedilatildeo entre o caso de Soacutecrates e a realidade de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos reforccedila

as atribuiccedilotildees de Justino quanto a postura que este buscava assumir e automaticamente

diferenciar Quando aponta de maneira clara para o estabelecimento de um distanciamento

ldquosegurordquo entre as partes que na concepccedilatildeo do Apologista apresentam uma clara distinccedilatildeo de

culto No entanto Justino natildeo deixa de assumir a significativa importacircncia que as ldquoestruturasrdquo

de feacute representam como objeto para a estabilidade humana no sentido de gerar nessa

coletividade uma espeacutecie de harmonia que pode ser definida com o um termo moderno como

ldquoseguranccedila socialrdquo mas claro isso somente se faz possiacutevel devido agrave Justino assumir ser um

crente ndash afastando assim todas as acusaccedilotildees de ateiacutesmo ndash mas natildeo um idoacutelatra exercendo deste

modo (novamente por meio de sua tradicional ferramenta apologeacutetica) um consideraacutevel

apontamento para as diferenccedilas entre estes dois (ou mais) estados de crenccedila e culto Walde

313 PLATAtildeO Ecircutrifon (Sobre a piedade) 2

314 Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 Item

12 A apropriaccedilatildeo do estilo grego nos escritos e pregaccedilotildees p 31-38

315 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 p 108

grifo nosso

74

salienta bem esse enfoque comparativo que acabou por constituir uma espeacutecie de meacutetodo que

foi aplicado por Justino em sua verificaccedilatildeo entre as diferenccedilas que encontrou Desta forma

Walde resume seu entendimento

Parte do problema era uma maacute interpretaccedilatildeo da crenccedila cristatilde Por natildeo renderem culto

aos deuses gregos e romanos os cristatildeos eram chamados ateus Justino perguntou

como eles podiam ser ateus jaacute que eles rendiam culto ldquoao Deus verdadeirordquo Os

cristatildeos rendem culto ao Pai Filho e Espiacuterito Santo ele disse e ldquolhes datildeo homenagens

com razatildeo e verdaderdquo Justino tambeacutem apontou a inconsistecircncia dos governantes

romanos Alguns de seus proacuteprios filoacutesofos ensinaram que natildeo havia nenhum deus

mas eles natildeo os perseguiram soacute por terem o nome de filoacutesofos316

Aleacutem desses destaques de caraacuteter mais historiograacuteficos adquirimos atraveacutes do texto

biacuteblico o relato Apostoacutelico que certamente abarca os fatores que compotildeem a posiccedilatildeo de Justino

Este testemunho Sagrado retrata com esmero o que o autor de Atos dos Apoacutestolos buscava

comunicar ao seu status quo pois o discurso de Paulo em Atenas torna-se esclarecedor para o

fim de testificar o estado e o tipo da feacute que os cristatildeos confessavam Vemos nisso proposta uma

relocaccedilatildeo do ser humano em direccedilatildeo a nova concepccedilatildeo de se ser a geraccedilatildeo de Deus ndash atraveacutes

da nova criaccedilatildeo ndash pois os procedimentos dos cultos pagatildeos contrariavam os princiacutepios

fundamentais deste Deus absoluto uacutenico e consequentemente a isso verdadeiro na visatildeo de

Justino sendo absolutamente ldquotolice pensar que a divindade ndash lsquoo divinorsquo ou lsquodivinalrsquo ndash seria

semelhante agraves imagens de ouro ou de prata feitas pelos homensrdquo317 O Texto Sagrado

indiscutivelmente apresenta o caminho e o fundamento pelo qual Justino alcanccedilou e sustentava

suas convicccedilotildees

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe sendo ele Senhor do ceacuteu e da terra

natildeo habita em santuaacuterios feitos por matildeos humanas Nem eacute servido por matildeos humanas

como se de alguma coisa precisasse pois ele mesmo eacute quem a todos daacute vida

respiraccedilatildeo e tudo mais [] Sendo pois geraccedilatildeo de Deus natildeo devemos pensar que

a divindade eacute semelhante ao ouro agrave prata ou agrave pedra trabalhados pela arte e

imaginaccedilatildeo do homem (Atos dos Apoacutestolos 17242529)

Apoacutes discorrermos sobre o meacuterito da questatildeo dos disciacutepulos de Jesus Cristo serem ou

natildeo ateus e tambeacutem de abordarmos com uma finalidade dissertativa algumas caracteriacutesticas de

316 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 3 grifo nosso

317 EARLE In Livro dos Atos dos Apoacutestolos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 343

75

ordem cultual do meio pagatildeo seguiremos explorando algumas citaccedilotildees de Justino que se

apresentam de forma diversificada em sua tentativa de enfatizar um latente antagonismo entre

os grupos religiosos de seu tempo

232 Um Princiacutepio Determinista

Os capiacutetulos XXV e XXVI da I Apologia nos apresentam inuacutemeras variaccedilotildees desses

haacutebitos religiosos todos sentenciados por nosso autor como nefastos porque Justino sempre

buscava afirmar como ponto inicial de sua argumentaccedilatildeo a premissa de que seu grupo (cristatildeos)

se diferencia dos demais por natildeo possuir as mesmas praacuteticas Essas praacuteticas pagatildes de culto no

entendimento de Justino fossem exercidas de maneira ordinaacuteria ou extraordinaacuteria por seus

seguidores no final incontestavelmente seriam condenadas pois se manifestariam como obras

demoniacuteacas Isso ocorria porque alguns ldquodemocircnios levaram certos homensrdquo318 a praticaacute-las

para prejuiacutezo dos cristatildeos sendo estes por fim injustamente acusados de praacuteticas danosas

Euseacutebio ao comentar sobre o ministeacuterio de Justino retrataraacute este contexto de forma

simposiasta

Isto eacute demonstrado por Justino que se distinguiu em nossa doutrina natildeo muito tempo

depois dos apoacutestolos e de quem exporemos oportunamente o que seja conveniente

Em sua primeira Apologia dirigida a Antonino em favor de nossa feacute escreve como

segue ldquoE depois da ascensatildeo do Senhor ao ceacuteu os democircnios levaram alguns homens

a dizer que eram deuses e estes natildeo somente natildeo foram perseguidos por voacutes mas ateacute

foram considerados dignos de honrasrdquo319

Nos capiacutetulos XXIV-XXVI Justino nos retrata de maneira sintetizada diversas

caracteriacutesticas da religiatildeo gentiacutelica de sua eacutepoca Ateacute aqui natildeo encontramos nada de novo ou

ateacute mesmo excepcional neste tipo de relato mas o que nos chama a atenccedilatildeo neste

enquadramento analiacutetico sobre o qual estamos ponderando eacute a proporccedilatildeo temaacutetica que o

assunto ganha referente agrave sua futura fundamentaccedilatildeo literaacuteria Cabe-nos aqui atestar que Justino

se utiliza de trecircs elementos indicativos naquilo que procura apresentar como casos evidentes da

perseguiccedilatildeo social para com aqueles que se denominavam cristatildeos Justino atraveacutes de uma

espeacutecie de ldquolista numeradardquo320 notoriamente sinaliza uma sequecircncia de fases as quais

318 JUSTINO I Apologia XXVI 1

319 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2-3

320 Justino se utiliza dos termos gregos Πρωτον (Em primeiro lugar) no cap XXIV Δεύτερον (Em segundo lugar)

no cap XXV Τρίτον (Em terceiro lugar) no cap XXVI Sendo os vocaacutebulos empregados pelo autor na segunda

76

Frangiotti chama de ldquoProvasrdquo321 utilizadas pelo Apologista sendo que estes fatos em

perspectiva geral se apresentavam de maneira tenebrosa na visatildeo de Justino pois em sua

anaacutelise sustentavam-se sobre argumentos fraacutegeis duvidosos e absolutamente injustos

principalmente pelo fato dessas acusaccedilotildees possuiacuterem um caraacuteter preconceituoso fazendo

somente dos cristatildeos por princiacutepio legal as viacutetimas dessas regras estabelecidas

Neste breve conjunto propositivo encontramos um cenaacuterio real que passa a se

caracterizar por meio de uma descriccedilatildeo de fatos pujantes que ascendem ao nosso olhar atraveacutes

de uma linguagem conceitual Justino amparado por analogias literais passa mediante sua

construccedilatildeo da defesa da moral cristatilde322 a utilizar-se de accedilotildees dialeacuteticas as quais levam as

praacuteticas dos cultos pagatildeos a serem apontadas por Justino (especialmente no capiacutetulo XXV) e

tambeacutem examinadas de uma maneira imperativa mesmo que visando uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria

para o entendimento de seus leitores Essa praacutetica literaacuteria eacute algo normalmente detectado junto

ao trabalho de um pensador com caracteriacutesticas platocircnicas pois estes ldquodisciacutepulosrdquo de Platatildeo

atraveacutes de uma confrontaccedilatildeo de imagens contraditoacuterias visavam chegar a ideias idecircnticas e

assim uniformizar o pensamento humano323

Entretanto esta conformidade natildeo era possiacutevel na anaacutelise de Justino pois os fatos

(praacuteticas pagatildes) natildeo possuiacuteam a ldquoidentidaderdquo necessaacuteria para o Apologista muito pelo

contraacuterio eram absolutamente antagocircnicos e inquestionavelmente se definiam como espuacuterios

aos olhos dos cristatildeos quando ponderados diante da doutrina cristatilde estabelecida pela

transmissatildeo e edificaccedilatildeo Apostoacutelica Deste modo a separaccedilatildeo essencial proposta pelo

Apologista torna-se ainda mais clara se confrontada com o comentaacuterio de Euseacutebio ao capiacutetulo

XXVI da I Apologia O Historiador constroacutei uma consideraacutevel argumentaccedilatildeo sobre uma figura

humana denominado Menandro o qual sendo participante de atos miacutesticos recebeu de Euseacutebio

o cognome de ldquoMagordquo

Tambeacutem Justino ao mencionar Simatildeo pela mesma razatildeo acrescenta uma relaccedilatildeo

sobre este outro dizendo ldquoSabemos tambeacutem que um certo Menandro tambeacutem

samaritano oriundo da aldeia chamada Caparatea depois de ser disciacutepulo de Simatildeo e

estando tambeacutem possuiacutedo por democircnios apareceu em Antioquia e com sua arte

maacutegica seduziu a muitos E convenceu seus seguidores de que natildeo morreriam Hoje

declinaccedilatildeo do acusativo permitem em sua traduccedilatildeo o emprego tanto da preposiccedilatildeo ldquoemrdquo quanto do substantivo

ldquolugarrdquo condicionando desta forma uma indicaccedilatildeo de relaccedilatildeo e loacutegica em sua estrutura organizacional Ver

PAUTIGNY In Notes Apologies XXVI 1 XXV 1 XXVI 1

321 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 21

322 JUSTINO I Apologia XXV 1-3

323 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

77

restam alguns de sua seita que continuam a professaacute-lordquo Era sem duacutevida obra da

influecircncia diaboacutelica lanccedilar matildeo de tais feiticeiros revestidos do nome de cristatildeos para

esforccedilar-se em caluniar o grande misteacuterio de piedade acusando de magia e destruir

por meio deles os dogmas da Igreja sobre a imortalidade da alma e a ressurreiccedilatildeo dos

mortos Mas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedila324

Neste comentaacuterio histoacuterico notamos com clareza a relaccedilatildeo de contribuiccedilatildeo que

Euseacutebio visa estender ao confronto apologeacutetico pelo qual Justino havia passado Desta maneira

acaba por nos manifestar seu condicionamento a um fato que em sua concepccedilatildeo parece-nos

claramente a expressatildeo de um princiacutepio pelo qual faz emergir um compromisso ndash algo que nos

soa como uma necessidade moral ndash que possui um caraacuteter imperioso Euseacutebio nos relata sem

restriccedilotildees que as accedilotildees maleacutevolas praticadas pelo meio sociorreligioso pagatildeo do periacuteodo de

Justino tinham claramente o objetivo de ldquocaluniar o grande misteacuterio de piedade [] e destruir

por meio deles os dogmas da Igrejardquo325 constituindo deste modo a noccedilatildeo histoacuterica de que os

valores da feacute cristatilde eram a expressatildeo perfeita da Verdade tanto para Justino quanto para a Igreja

(representada historicamente no relato de Euseacutebio) Tratando-se quanto agrave Igreja nesta questatildeo

pontualmente Justino entendia que em seu curso natural a Igreja vivenciava naturalmente essa

relaccedilatildeo dialeacutetica fazendo com que as difamaccedilotildees consequentes da falsa religiatildeo manifestassem

que a Igreja era (e estava) Santa mesmo que sob o ataque e a tentativa de manipulaccedilatildeo dos

seres demoniacuteacos326

Sem entrarmos diretamente no meacuterito teoloacutegico destas afirmaccedilotildees mas buscando nos

direcionarmos para aquilo que nos cabe como exame pretendido neste trabalho ressaltamos

que o comportamento daqueles que buscavam defender a feacute cristatilde nos parece visar de forma

clara o estabelecimento de um padratildeo entre causa e efeito em suas anaacutelises O efeito do

procedimento daqueles que assumiram esta postura hereacutetica em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde eacute assim

definido por Euseacutebio ldquoMas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedilardquo327 Aqui encontramos um destaque consideraacutevel para esta pesquisa pois

podemos sustentar que Euseacutebio baseia sua argumentaccedilatildeo de maneira evidente na

intelectualidade de Justino Logo devemos novamente afirmar de maneira expressiva que tanto

para Justino quanto para Euseacutebio havia uma definiccedilatildeo consistente do que seria a Verdade como

324 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 3-4

325 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4

326 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

327 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4 grifo nosso

78

tambeacutem onde ela necessariamente estava eou se encontrava Aqui tambeacutem se caracterizava

um processo de objeccedilatildeo a Verdade sendo os registros historiograacutefico um peso consideraacutevel na

comprovaccedilatildeo deste caso

233 Um Princiacutepio de Pureza

Seguindo no tratado de Justino jaacute nos dirigindo ao segundo cenaacuterio de nossa anaacutelise

para este item apresentamos mais um relato de alccedilada histoacuterica que eacute proposto por nosso autor

Como nos temas anteriores este tambeacutem envolve primordialmente questotildees de foro social

poreacutem agora apontando precisamente para outras realidades do ambiente sociorreligioso que

envolvia a realidade de Justino Sendo assim a partir deste ponto iremos considerar o capiacutetulo

XXVII da I Apologia onde encontramos uma postura determinante por parte do Apologista

quanto a questotildees de ordem para com agrave conduta sexual humana Neste caso especiacutefico podemos

ateacute mesmo falar de um padratildeo de comportamento a ser adotado em detrimento de outro328

Tambeacutem devemos afirmar sem constrangimento que para Justino fazer figurar esta

exposiccedilatildeo era algo vaacutelido e ateacute mesmo fundamental para suas intenccedilotildees apologeacuteticas pois tudo

nos indica que ele natildeo apenas queria sinalizar uma conduta mas tambeacutem solidificaacute-la por meio

de um ordenamento ldquoA pureza da vida cristatilderdquo329 Entendemos que para uma melhor

compreensatildeo dessa questatildeo em especiacutefico se faz necessaacuterio uma leitura completa do registro

apologeacutetico de Justino quanto ao assunto Deste modo segue na integra o capiacutetulo XXVII da I

Apologia

Noacutes por outro lado a fim de natildeo cometer pecado ou impiedade professamos a

doutrina de que expor os receacutem-nascidos eacute obra de perversos Primeiro porque vemos

que quase todos vatildeo acabar na dissoluccedilatildeo natildeo soacute as meninas mas tambeacutem os

meninos Do mesmo modo como se conta que os antigos mantinham rebanhos de bois

cabras ovelhas ou cavalos de pasto assim se reuacutenem agora rebanhos de crianccedilas com

a uacutenica finalidade de usar torpemente delas e toda uma multidatildeo tanto de mulheres

como de androacuteginos e pervertidos estaacute preparada em cada proviacutencia para semelhante

abominaccedilatildeo Para isso recolheis taxas contribuiccedilotildees e tributos ao passo que o vosso

dever seria o de arrancaacute-las pela raiz do vosso impeacuterio Quando se abusa de tais seres

aleacutem de tratar de uma uniatildeo proacutepria de pessoas sem Deus iacutempia e torpe natildeo faltaraacute

quem se una conforme a circunstacircncia com um filho um parente ou um irmatildeo Haacute

tambeacutem aqueles que prostituem seus proacuteprios filhos e mulheres outros mutilam-se

publicamente para a torpeza e referem esses misteacuterios agrave matildee dos deuses Finalmente

em todos aqueles que considerais como deuses a serpente se pinta como siacutembolo e

grande misteacuterio E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o

atribuiacutes a noacutes como se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia

328 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

329 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

79

como estamos livres por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam

nenhum dano ao contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda

levantam falso testemunho contra noacutes330

O conteuacutedo exposto no capiacutetulo XXVII nos retrata uma condiccedilatildeo muito conflituosa

para os cristatildeos Graccedilas agrave sua praxis fidei eles chegaram a ser considerados ldquoinimigos do estado

e ateusrdquo331 A Igreja em sua fase primitiva teve em seu ldquoexerciacutecio de feacuterdquo a acusaccedilatildeo de se

envolver amplamente com a imoralidade de seu meio cultural332 No entanto a situaccedilatildeo que

Justino enfrentava em seus dias natildeo era mais proveniente de uma solene admoestaccedilatildeo

Apostoacutelica Pelo contraacuterio agora os cristatildeos passaram a ser vitimados por efeitos de um estado

opressor No passado estes pecados haviam afligido a Igreja de Cristo a ponto de suas praacuteticas

lituacutergicas serem ldquoconfundidasrdquo com as muitas facetas do rito religioso natildeo-cristatildeo vigente em

sua eacutepoca algo que Justino se interpocircs de forma vertiginosa Sem termos a intenccedilatildeo de produzir

necessariamente um apanhado histoacuterico-cultural (entenda-se de se comentar detalhadamente o

capiacutetulo citado) procuraremos a partir deste ponto estabelecer agrave saliecircncia que entendemos

haver entre as praacuteticas descritas no capiacutetulo XXVII pois a descriccedilatildeo elementar de Justino nos

leva a uma singular oposiccedilatildeo de valores e preceitos considerados por ele como fundamentais

A cultura greco-romana alicerccedilada e solidificada nas entranhas do Impeacuterio nos

demonstra uma coletividade de fatos os quais eram considerados inoacutespitos ao ldquoideaacuteriordquo cristatildeo

que se encontrava estruturado no rigor das comunidades do Seacuteculo II333 Obviamente alguns

desvios de conduta por parte dos fieacuteis ocorriam em meio agraves ldquoassembleiasrdquo cristatildes ateacute mesmo

com certa normalidade especialmente nos grandes centros urbanos334 Entretanto a proteccedilatildeo

da disciplina eclesiaacutestica ndash principalmente mediante a accedilatildeo Episcopal e dos rigores penitenciais

ndash conseguia estabelecer um ldquocontrolerdquo por meio da manutenccedilatildeo da autecircntica doutrina de

Cristo335

Neste cenaacuterio as diversas praacuteticas religiosas pagatildes atreladas ao sistema social de entatildeo

ndash as quais envolviam de maneira ampla e robusta a vida cotidiana dos suacuteditos de Roma em

330 JUSTINO I Apologia XXVII 1-5

331 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

332 Ver 1 Coriacutentios 5

333 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

334 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

335 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

80

suas mais variadas atuaccedilotildees familiar civil militar etc336 ndash apontavam de forma depreciativa

para o puacuteblico cristatildeo O cristianismo nesse momento cada vez mais inserido na realidade

social do Impeacuterio trazia o ldquofermento de um ideal superiorrdquo337 elaborado tanto no niacutevel

intelectual de seus praticantes quanto tambeacutem no de seus defraudadores Isso fazia com que a

feacute cristatilde acabasse por se distinguir de forma evidente dos diversos haacutebitos e costumes

considerados ordinaacuterios do sistema religioso natildeo-cristatildeo que estava sendo analisado e

apologeticamente combatido por Justino

Os cristatildeos eram acusados falsamente de cometerem torpezas sexuais em seus

encontros cultuais sendo que os cristatildeos nem de perto praticavam fornicaccedilatildeo adulteacuterio

mutilaccedilatildeo entre outros atos repugnantes338 que eram comuns na ldquoliturgiardquo cuacuteltica pagatilde Neste

cenaacuterio para Justino a pior consequecircncia ainda era a de que o Impeacuterio tolerava tais atos sem

nenhuma forma ativa de puniccedilatildeo a estes pois caso um respectivo modo de culto viesse a trazer

benefiacutecios poliacuteticos ao Impeacuterio o mesmo era tolerado sem se levar em conta sua origem ou

meacutetodos de celebraccedilatildeo por mais esdruacutexulos que fossem 339

Seguindo ainda nesta temaacutetica a I Apologia nos permite afirmar que a celeuma de

origem pagatilde que procurava acusar os cristatildeos de realizarem orgias canibalismo pedofilia e

diversos outros atos de torpeza em suas celebraccedilotildees natildeo passava de um plano difamatoacuterio que

infelizmente conseguiu se estabelecer em meio a uma realidade sociorreligiosa com

caracteriacutesticas muito preconceituosas pois mesmo sendo sincretista em sua essecircncia340 tal

sociedade natildeo soube ou natildeo quis reconhecer esse tipo de crenccedila religiosa341 Poreacutem cabe-nos

336 CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

337 LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V II Dalla fine

dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) 1972 p 619 No original fermento drsquoun ideale superiore

338 Ver DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio

Magno Petroacutepolis Vozes 1966 p 105-109

339 Algumas formas rituais de culto eram tatildeo bizarras que solapam mais do que qualquer outra coisa o estereoacutetipo

moderno dos romanos como convencionais e serenos Exemplo disso na festa da Lupercaacutelia em fevereiro homens

jovens corriam nus pela cidade accediloitando qualquer mulher que encontrassem pela frente (trata-se da mesma festa

recriada na cena de abertura da peccedila Juacutelio Ceacutesar de Shakespeare) Ver BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma

Antiga 2017 p 104

340 AYMARD AUBOYER Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da Unidade Romana (Fim) A Aacutesia

Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II 1994 p 64-65 CORNELL Tim MATTHEWS John

Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio 2008 p 97

341 Neste aspecto em particular o meio teoloacutegico diverge de posiccedilatildeo possivelmente devido a inclinaccedilatildeo do

pesquisador em ponderar aspectos filosoacuteficos eou ideoloacutegicos tanto do passado quanto do presente para a eacutepoca

(Seacuteculo II) em anaacutelise Por exemplo Meeks entende que as caracteriacutesticas da moralidade estabelecida entre os

cristatildeos jaacute possuiacuteam forte ascendecircncia em meio a setores da sociedade Romana em contraposiccedilatildeo Daniel-Rops

atesta que a moralidade de origem cristatilde constituiacuteda atraveacutes dos Seacuteculos I ao IV natildeo encontra antecedentes agrave altura

que possam ser considerados como paralelos realmente orientativos haacute esta Ver MEEKS As Origens da

Moralidade Cristatilde 1997 p 9-24 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240-242

81

ressaltar que Justino em seus tratados apologeacuteticos procurou incansavelmente defender seu

grupo como ldquoseres transformadosrdquo que abandonaram as praacuteticas repugnantes e agora satildeo

portadores (possuidores) de uma alta qualificaccedilatildeo moral Quanto a esse aspecto Walde afirma

Justino tambeacutem deu ecircnfase agrave casta conduta dos cristatildeos em resposta a acusaccedilotildees de

conduta imoral durante o culto Para mostrar como isso natildeo era verdade ele contou a

histoacuteria de um homem que foi perguntado por um cirurgiatildeo que o queria fazecirc-lo de

eunuco para provar que os cristatildeos natildeo praticam promiscuidade O pedido foi negado

porque o homem escolheu ficar solteiro e seguir seus companheiros cristatildeos342

Apoacutes utilizarmos desse exemplo de teor absolutamente imperativo ndash por sua estrutura

excecircntrica ateacute mesmo junto a um nicho de caraacuteter sociorreligioso considerado peculiar em

suas caracteriacutesticas Entendemos que ainda se faz necessaacuterio apresentar junto a essa discussatildeo

uma abordagem que compreenda a realidade que procuramos descrever Encontramos esse

complemento junto ao trabalho de Walde Este por meio de uma entrada que nos indica agrave leitura

de alguns fatos apresenta-nos uma das teacutecnicas utilizadas por Justino em sua construccedilatildeo

literaacuteria Walde reconhece que o Apologista ao mencionar a situaccedilatildeo religiosa de seu cotidiano

aborda de forma contundente o desgaste entre os praticantes da nova feacute (cristatildeos) e os

adoradores do ldquopanteatildeordquo (natildeo-cristatildeos) Os exemplos descritos por Walde satildeo similares aos

usados por Justino e esta similaridade nos leva novamente a concentrarmos nosso foco agrave uma

accedilatildeo comparativa de estados opostos entre si ou seja dialeacuteticos Sendo assim torna-se notoacuterio

desde o iniacutecio do trabalho de Walde a aplicaccedilatildeo de uma metodologia comparativa e a

diferenciaccedilatildeo de casos tornando-se uma espeacutecie de ldquoconclusatildeordquo definitiva para esse processo

Uma das taacuteticas apologeacuteticas de Justino era contrastar o que os cristatildeos eram

falsamente acusados e castigados com que os romanos faziam com impunidade Por

exemplo os cristatildeos eram acusados de matar crianccedilas em seus cultos e comecirc-las

depois Justino lembrava que os adoradores de Saturno se entregavam a matar e beber

sangue e outros pagatildeos que jogavam sangue de homens e animais em seus iacutedolos Os

cristatildeos eram acusados de imoralidade sexual mas eram seus criacuteticos Justino dizia

quem imitavam ldquoJuacutepiter e os outros deuses na sodomia e relaccedilotildees pecadoras com

mulheres343

342 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

343 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

82

Ao analisarmos o texto de Walde percebemos que este utiliza-se do verbo ldquocontrastarrdquo

em sentido intransitivo para salientar com bastante preponderacircncia uma forma calculada de

oposiccedilatildeo e apresentar uma literal contrariedade de estados em essecircncia Logo conseguimos

notar a diferenccedila entre estes Eacute impressionante aos nossos olhos a relaccedilatildeo que Walde estabelece

em seu trabalho sobre o termo Verdade (mesmo que indiretamente) sendo este vocaacutebulo

utilizado como habilitador de uma caracteriacutestica de cunho existencial que passa a ser

manifestada pelos cristatildeos Novamente citamos este teoacutelogo em nossa busca de clarificar ainda

mais essa base indicativa que para noacutes eacute entendida como uma evidecircncia concreta nesta

construccedilatildeo conceitual Walde diz ldquoEm primeiro lugar disse Justino os cristatildeos demonstravam

sua honestidade por natildeo mentir quando em julgamento Por serem pessoas da verdade eles

confessariam sua feacute ateacute a morte Eles amavam a verdade mais que a vidardquo344

Portanto Walde tem razatildeo em afirmar que a atitude ldquode viver segundo a verdade era

um exemplo de mudanccedila provocado nas vidas das pessoas seguindo sua conversatildeordquo345 Desta

forma compreendemos por meio de uma avaliaccedilatildeo baseada em medidas factiacuteveis que haacute

possibilidade de se ser cristatildeo na concepccedilatildeo de Justino ndash como tambeacutem na de Tertuliano

Euseacutebio Walde e outros ndash passava por um proceder de vida que designava com eloquecircncia

atributos de diferenciaccedilatildeo no contexto social ativo da cultura a qual esta pessoa estava inserida

Esta separaccedilatildeo de maneira simples e evidente se condicionava no testemunho de vida dos fieacuteis

na esfera puacuteblica Cabe-nos ainda neste contexto colocarmos a frase de Falls citada por Walde

este diz ldquoesta mudanccedila chegou a ser conhecida como lsquoa triunfal canccedilatildeo dos apologistasrsquordquo346

Encerramos aqui nosso desenvolvimento deste ponto distintivo referente agravequilo que

poderiacuteamos denominar de ldquodialeacutetica de Justinordquo Para isso utilizamos de um texto da I

Apologia no qual Justino enfatiza esta mudanccedila essencial entre as vidas humanas que

caracterizamos como cristatildeos e natildeo-cristatildeos Em seguida classificamos agrave realidade cristatilde

como algo superior atraveacutes do meacutetodo de comparaccedilatildeo que tanto utilizamos nesta seccedilatildeo

confrontando os opostos em uma relaccedilatildeo que atesta suas diferenccedilas as quais satildeo consideradas

por Justino como irreconciliaacuteveis

Antes noacutes nos compraziacuteamos na dissoluccedilatildeo agora abraccedilamos apenas a temperanccedila

antes nos entregaacutevamos agraves artes maacutegicas agora nos consagramos ao Deus bom e

ingecircnito antes amaacutevamos acima de tudo o dinheiro e as rendas de nossos bens

344 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

345 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

346 FALLS The Fathers of the Church 1948 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

83

agora colocamos em comum o que possuiacutemos e disso damos uma parte para todo

aquele que estaacute necessitado antes noacutes nos odiaacutevamos e nos mataacutevamos mutuamente

e natildeo compartilhaacutevamos o lar com aqueles que natildeo pertenciam agrave nossa raccedila pela

diferenccedila de costumes agora depois da apariccedilatildeo de Cristo vivemos todos juntos

rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem

injustamente a fim de que vivendo conforme os belos conselhos de Cristo tenham

boas esperanccedilas de alcanccedilar conosco os mesmos bens que esperamos de Deus

soberano de todas as coisas347

O objetivo deste capiacutetulo foi apresentar de modo sinteacutetico o conceito acerca dos

cristatildeos no periacuteodo do Seacuteculo II dC Tambeacutem arguimos com clareza sobre a tentativa de

clarificarmos a situaccedilatildeo daqueles que natildeo eram pertencentes a este grupo os quais procuramos

mediante a aplicaccedilatildeo de uma distinccedilatildeo elementar defini-los com o termo de natildeo-cristatildeos

poreacutem acima de tudo buscamos apresentar por meio de sinais constitutivos e fatos

historiograacuteficos348 quais eram os predicativos que formulavam esta definiccedilatildeo ou melhor

dizendo quais eram os qualificadores que definiam aqueles que eram seguidores da Verdade

na concepccedilatildeo de Justino e outros349

No proacuteximo capiacutetulo buscaremos vislumbrar o filoacutesofo Justino Apresentaremos um

conciso relato de sua histoacuteria na filosofia procurando abordar de maneira satisfatoacuteria quais

foram suas principais influecircncias dentro desse segmento Trabalharemos de forma especial na

tentativa de apontar qual foi a sua definiccedilatildeo sobre o uso da razatildeo para os planos salviacuteficos de

Deus para a humanidade sendo este em nosso entendimento mais um dos fatores determinantes

para a complementaridade de nosso exame sobre a definiccedilatildeo da Verdade junto a I Apologia de

Justino o Maacutertir

347 JUSTINO I Apologia XIV 2-3

348 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966

349 Danieacutelou e Marrou definem agrave Euseacutebio e Lactacircncio como apologistas de Constantino dando a entender que

uma poliacutetica de reeducaccedilatildeo na esfera sociorreligiosa do Impeacuterio Romano se desenvolveu mediante uma nova

abordagem dos fatos do passado no caso em especifico (I Apologia de Justino e seu cenaacuterio social) os imperadores

do passado deixaram de ser ldquoendeusadosrdquo passando a serem reconhecidos como tiranos e deacutespotas aos quais o

processo de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos tornou-se em um de seus principais atos de ignomiacutenia Ver DANIEacuteLOU

MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p 106

84

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra350

Partindo do capiacutetulo XXVIII da obra base de Justino para este trabalho eacute que

desenvolvemos o capiacutetulo III desta pesquisa no qual apresentamos um cenaacuterio diferenciado

sobre a figura humana de nosso autor O cristatildeo Justino o qual podemos registrar de forma

variaacutevel mediante seu ldquomeacutetierrdquo amplo estaacute classificado entre os Pais Apologistas elencado

como um seleto articulador da importante cidade de Roma catalogado como um dos mais

significativos maacutertires do Seacuteculo II mas tambeacutem estaacute sem nenhuma sombra para duacutevidas

definido nos compecircndios histoacutericos como um expressivo filoacutesofo do meio cristatildeo

Este aspecto pontual referente a intelectualidade de Justino por jaacute ter sido

consideravelmente explorado natildeo eacute mais uma novidade no meio acadecircmico351 no entanto esta

questatildeo ainda pode ser desenvolvida e ateacute mesmo arquitetada para fins que visam estabelecer

pontos de conexatildeo entre temas diversos os quais incluem o tema e agrave objetividade central

propostos para esta pesquisa

Podemos constatar por meio da anaacutelise do desenvolvimento da expressatildeo intelectual

de um filoacutesofo ou de uma escolalinha filosoacutefica uma ampla polissemia locucional e ateacute mesmo

perceber casos opostos quando ocorrem no estabelecimento de algumas propriedades termos

diferentes que evoluiacuteram para uma mesma fonologia construindo desta maneira tambeacutem casos

de homoniacutemia dentro da manifestaccedilatildeo filosoacutefica352 Deste modo torna-se possiacutevel ndash e ateacute

mesmo necessaacuterio ndash direcionar o caraacuteter conceitual contido em algumas expressotildees filosoacuteficas

quando estas satildeo analisadas visando estabelecer uma direccedilatildeo que busque esclarecer

determinado contexto ou cenaacuterio Assim por este meio podemos salientar que assaz entre noacutes

350 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4a grifo nosso

351 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27-32

352 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

85

fortes indiacutecios que Justino desenvolveu uma postura robustamente teoloacutegica mediante ter

formado sua tese atraveacutes da ldquodiversidade filosoacuteficardquo da qual era apreciador353

No caso de nosso trabalho em especiacutefico notamos a necessidade da integraccedilatildeo de

indicadores que nos orientem agrave amplitude da filosofia de Justino em nossa busca da definiccedilatildeo

da que era agrave Verdade para este Apologista Esta amplitude natildeo visa se desviar de modelos

tradicionais nem propriamente somar a eles mas antes disso entendemos ser necessaacuterio

rejeitar a ideia de que trabalhamos com um conceito formado precariamente sem um

fundamento soacutelido o qual poderiacuteamos considerar como um mero estereoacutetipo sem originalidade

Ao contraacuterio este modelo encontrado em Justino natildeo se baseia em preconceitos mas sim num

corpo intelectual de ldquotalento respeitaacutevel ampla leitura e memoacuteria enormerdquo354 algo que eacute notoacuterio

na literatura de Justino e exposto ateacute entatildeo com uma consideraacutevel parcela de originalidade355

Neste exposto algumas interrogaccedilotildees nos surgem especialmente quando tentamos

descrever (definir) o filoacutesofo Justino e sua contribuiccedilatildeo Aqui esboccedilamos alguns destes

questionamentos Quem era Justino o filoacutesofo Quais foram as principais influecircncias que

Justino recebeu na filosofia Qual resultado se percebe na teologia do autor devido a esta

influecircncia Por fim existe um condicionante (entenda-se uma caracteriacutestica inata) no ser

humano que explique tal interesse de Justino em expressar seu conceito

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII

O capiacutetulo XXVIII da I Apologia eacute de grande importacircncia para esta pesquisa

inaugurando por assim dizer um significativo espaccedilo de reflexatildeo na busca de alcanccedilarmos o

desfecho que almejamos Num breve conjunto de argumentos os quais se concentram sobre

um rigor metodologicamente dedutivo o capiacutetulo XXVIII nos eacute apresentado pelo Apologista

de modo perspiacutecuo onde a clareza de suas proposiccedilotildees salientam seus objetivos os quais

formulam-se mediante as propriedades de caraacuteter racionalista que ele apresenta Aqui notamos

uma aguccedilada aplicaccedilatildeo por parte do autor agravequilo que podemos chamar de uma postura

construtiva para com a estrutura inteligiacutevel do ser criado agrave imagem e semelhanccedila de Deus

353 WALDE 2000

354 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

355 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

86

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Frangiotti podemos afirmar baseados nesse espaccedilo (cap XXVIII)

que Justino entendia que ldquoO homem eacute racional e livrerdquo356

Neste capiacutetulo (XXVIII) Justino desenvolve uma condensada e pragmaacutetica

abordagem envolvendo os quatro versiacuteculos que o compotildee Diante disso em momento algum

nossa argumentaccedilatildeo visa exaurir as diversas possibilidades contextuais ndash seja num campo

hermeneuticamente literal anaacutelogo ou metafoacuterico ndash do trabalho do Apologista mas apenas

organizaacute-lo de maneira ativa por meio de sua divisatildeo (versos) a um quadrante que possibilite

o interesse deste exame o qual se constroacutei na tentativa de aproximarmos as interpretaccedilotildees da

definiccedilatildeo de Verdade que detectamos em Justino de nosso interesse teoloacutegico

Neste item em especiacutefico (31) que visa uma abordagem introdutoacuteria desenvolvemos

em especial uma aproximaccedilatildeo entre os dois primeiros versiacuteculos do capiacutetulo onde priorizamos

apresentar sua estruturaccedilatildeo visando desta forma o aperfeiccediloamento destes pontos para

estabelecermos uma sentenccedila axiomaacutetica a qual eacute esboccedilada pelo autor no terceiro versiacuteculo do

relato Quanto ao primeiro versiacuteculo

Entre noacutes o priacutencipe dos maus democircnios se chama serpente satanaacutes diabo ou

caluniador como podeis ver caso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escrituras Ele e todo o seu exeacutercito juntamente com os homens que o seguem seraacute

enviado ao fogo para ser castigado pela eternidade sem fim coisa que foi de antematildeo

anunciada por Cristo357

A primeira impressatildeo para um leitor moderno dessa descriccedilatildeo eacute de surpresa ou ateacute

mesmo de espanto poreacutem o verso devidamente encaixado no relato que o antecede o explica

e ateacute mesmo o suaviza As palavras de Justino satildeo absolutamente biacuteblicas e estatildeo enquadradas

em um absoluto arcabouccedilo escrituriacutestico Honestamente devemos salientar que nada lhe falta

como meacutetodo para que possamos empregar o tiacutetulo de ldquoortodoxordquo em seu embasamento

teoloacutegico358 Pois seus termos empregados tais como o ldquopriacutenciperdquo359 a chamada ldquoserpenterdquo360

aleacutem das demais terminologias como ldquosatanaacutesrdquo361 ldquodiabordquo eou ldquocaluniadorrdquo362 apresentam-se

356 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

357 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

358 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

359 Ver Joatildeo 1231 1430

360 Ver Gecircnesis 31 2 Coriacutentios 113 Apocalipse 129

361 Ver Mateus 410 Atos dos Apoacutestolos 2618

362 Ver Mateus 411 Atos dos Apoacutestolos 1310

87

neste cenaacuterio apologeacutetico como evidecircncias elementares extraiacutedas da Escritura Sagrada e

aplicadas em uma construccedilatildeo dialeacutetica sendo estas ainda vinculadas por Justino como uma

sentenccedila arbitral agravequeles que estatildeo sendo expostos e julgados pelo Apologista ndash caracteriacutestica

literaacuteria que notamos ser amplamente utilizada por Justino na afirmaccedilatildeo de suas convicccedilotildees363

Aqui fomenta-se uma configuraccedilatildeo de ordem proacutepria a qual apresenta Justino como

um filoacutesofo que pode ser definido como pertencente a um grupo que adota uma postura mais

claacutessica de linha platocircnica ndash algo que seraacute mais bem desenvolvido a seguir ndash onde atributos

que caracterizem causa e efeito que partindo de um suposto ldquomundo sensiacutevelrdquo364 passam a

somar caracteriacutesticas evidentes em sua construccedilatildeo textual sendo o teacutermino do capiacutetulo XXVII

uma expliacutecita manifestaccedilatildeo de fatos que atestam essa correlaccedilatildeo tatildeo dura mas tambeacutem

necessaacuteria no processo de evidenciaccedilatildeo proposto por Justino

Mas eacute preponderante para natildeo se dizer essencial que a loacutegica do Apologista se baseia

em artifiacutecios nucleares pois quem diz ldquocaso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escriturasrdquo365 carrega consigo uma tonalidade de patentes e natildeo de meras suposiccedilotildees porque

a Verdade como elemento distinguiacutevel e diferencial eacute criteacuterio identificaacutevel na leitura de Justino

junto agravequilo que o mesmo salienta como sua (no caso do texto ldquonossardquo) ldquoEscriturardquo366 ou seja

sua preeminecircncia espiritual o que na descriccedilatildeo do Apologista deve ser entendida como uma

real vantagem distintiva sendo uma latente superioridade existencial para os homens que a

possuem Este ponto de prevalecircncia seraacute melhor abordado no uacuteltimo capiacutetulo desta pesquisa

Uma importante observaccedilatildeo ainda nos cabe fazer na parte final do primeiro verso

Antes mesmo de ocorrer os eventos conciliares de Niceacuteia eou Constantinopla a ecumenicidade

do Credo parece jaacute se caracterizar em uma forma de universalidade e um confessar da missatildeo

apostoacutelica jaacute anteriormente registrada no compecircndio biacuteblico se faz reverberar no ideaacuterio de

Justino Iniciamos nossa leitura do testemunho Apostoacutelico junto agrave estrutura biacuteblica O apoacutestolo

Judas escreveu ldquoele tem guardado sob trevas em algemas eternas para o juiacutezo do grande Dia

[] satildeo postas para exemplo do fogo eterno sofrendo puniccedilatildeordquo (Judas 6b7b) Nesta passagem

encontramos bases que se conformam ao relato de Justino que enfatiza que o proacuteprio Cristo as

havia anunciado367 Prosseguindo vemos que o Credo redigido anos depois iraacute afirmar o mesmo

363 DROBNER Manual de Patrologia 2008

364 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 84

365 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

366 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

367 Ver Joatildeo 1248

88

quando diz ldquoe viraacute novamente em gloacuteria a julgar os vivos e os mortosrdquo368 Natildeo nos resta duacutevidas

que a missatildeo apostoacutelica gerou a doutrina e consolidou o Credo369 mas passagens de ordem

Patriacutestica como esta salientam que o mesmo (Credo) tambeacutem balizou sua eficiecircncia atraveacutes da

ecircnfase da atuaccedilatildeo de homens que pela feacute natildeo sucumbiram agraves dificuldades370 pelo contraacuterio

salientaram com seu testemunho que estas propriedades de ordem atemporal miacutestica e

existencial foram e ainda eram a proacutepria forma da Verdade em meio aos homens

Quanto ao segundo verso eacute necessaacuterio algumas observaccedilotildees iniciais especialmente

em relaccedilatildeo ao ldquoteorrdquo teoloacutegico que Justino desenvolve nesta pequena porccedilatildeo a qual apresenta

dificuldades interpretativas consideraacuteveis junto ao acircmbito dogmaacutetico ndash independentemente da

estrutura confessional que a examine ndash sugerindo-nos desta forma apresentarmos uma sucinta

argumentaccedilatildeo antes de abordaacute-lo Entendemos que esse procedimento se faz necessaacuterio para

que natildeo aja em nossa construccedilatildeo conceitual-programaacutetica (caps XXIII-XXX) um ponto natildeo

devidamente abordado

Variados debates podem surgir a partir da ecircnfase destacada por Justino (verso 2 do

cap XXVIII) porque afirmaccedilotildees desta espeacutecie fomentam diversos tipos de interesses de ordem

miacutestica no caso em questatildeo (texto de Justino) podem inclusive alavancar questotildees

soterioloacutegicas por exemplo Algumas anaacutelises ldquomodernasrdquo371 se esforccedilam atualmente em

descrever a figura de Justino como ocupante empregador defensor ou ateacute mesmo praticante

de uma ou outra escola teoloacutegica do cenaacuterio cristatildeo atual Entretanto optamos por natildeo abranger

este e outros contextos nesta pesquisa por entendermos que estes assuntos e temas natildeo se

envolvem diretamente com o ponto central de nosso trabalho Aleacutem de reconhecermos outra

dificuldade que nos parece ser muito significativa neste tipo de situaccedilatildeo a de se incorrer no

grave risco de se cometer um anacronismo textual histoacuterico e teoloacutegico372 e desta forma

sugerir um teoacuterico dilema teoloacutegico que para Justino e seus contemporacircneos possivelmente

natildeo era nem sequer um problema doutrinal

Passando agora efetivamente ao texto este diz ldquoNa verdade a paciecircncia que Deus

mostra em natildeo fazecirc-lo imediatamente tem como causa o seu amor pelo gecircnero humano pois

ele prevecirc que alguns se salvaratildeo pela penitecircncia entre os quais alguns que talvez ainda natildeo

368 CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO 7ordm Artigo

369 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

370 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

371 Ver SANTOS Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano 2014 Disponivel em

httpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminiano

372 VIRKLER Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica 2001

89

tenham nascidordquo373 Iniciamos esta parte de um ponto elementar da teologia de Justino374 ao

qual abordaremos mais detalhadamente a frente contudo compreendemos que sua aplicaccedilatildeo

neste item natildeo eacute apenas orientativa mas tambeacutem qualitativa para o restante da argumentaccedilatildeo

Um fato muito criativo do pensamento filosoacutefico de Justino se apresenta quando o

Apologista passa a enfatizar a existecircncia do Logos como o Cristo revelado Isto para Justino eacute

uma asserccedilatildeo de valores pontuais em uma escala ascendente que com facilidade se encontram

e se envolvem em sistemas transcendentais Wachholz elucida a abrangecircncia do termo Logos

dizendo o seguinte

O termo Logos (grego) quer dizer ldquopalavrardquo e tambeacutem ldquorazatildeordquo Segundo os gregos

nossa mente consegue compreender por que participa de alguma maneira do Logos

ou razatildeo universal Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse

Logos que se fez carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento375

Torna-se necessaacuterio entendermos a notoriedade que Justino aplica agrave onipotecircncia

onisciecircncia e preexistecircncia de Cristo em sua atuaccedilatildeo salviacutefica a partir deste ponto questotildees

(atributos divinos) as quais devemos considerar como absolutamente factiacuteveis no entendimento

do Apologista pois satildeo atributos da Escritura Sagrada ou seja satildeo consideradas evidecircncias

inquestionaacuteveis da vontade Divina (ativa e passiva) na leitura de Justino Poreacutem o ponto de

repouso deste exame se concentra na primeira parte do texto onde novamente Justino enfatiza

sua clarificaccedilatildeo de um estado de conformidade entre ideias e objetos (Verdade)

Mesmo o pensamento de Justino estando alavancado a uma espeacutecie de meacuterito para a

salvaccedilatildeo eacute evidente que sua afirmaccedilatildeo a soberania de Deus ndash a quem adjetiva como

ldquopacienciosordquo ndash caracteriza que esta benesse estaacute intimamente unida ao contexto temaacutetico que

podemos definir como amor de Deus O relato Apostoacutelico a Igreja em Corinto jaacute registrava a

seguinte afirmaccedilatildeo ldquoPorque todas as coisas existem por amor de voacutesrdquo (2 Coriacutentios 415a)

Carver diraacute sobre essa passagem que ldquoA expressatildeo tudo isso eacute por amor de voacutes explica o

acreacutescimo de convosco no versiacuteculo anterior O sofrimento de Paulo eacute um chamado ou uma

daacutediva que ele compartilha com toda a igrejardquo376 Da mesma forma notamos que Justino sofria

373 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

374 DROBNER Manual de Patrologia 2008

375 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 60

376 CARVER In A Segunda Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 427

90

por este grupo chamado a viver a Verdade o qual neste quadro eacute pintado como a resistecircncia

que manifesta esse amor imerecido e incondicional

Na descriccedilatildeo o Apologista nos parece transparecer com certa naturalidade seu intuito

em tentar provar algo como tambeacutem busca possivelmente sanar um erro (o do porquecirc este

juiacutezo de Deus ainda natildeo se manifestou) No entanto esse cenaacuterio eacute aplicado como uma forma

de ldquotranscriccedilotildeesrdquo que satildeo provenientes das afirmaccedilotildees e revelaccedilotildees inquestionaacuteveis para a

percepccedilatildeo de Justino por estarem devidamente relacionadas aos misteacuterios do Evangelho ao

qual ele servia Inclusive Justino claramente submetia sua razatildeo aos enigmas que a feacute em Cristo

natildeo lhe elucidava satisfatoriamente mas tambeacutem natildeo abalava sua convicccedilatildeo nesta feacute que ldquonatildeo

soacute eacute boa e santa em si mesma mas acima de tudo eacute a uacutenica religiatildeo verdadeirardquo377 Por fim

apontamos neste contexto (verso 2) aquilo que com clareza descreve esta certeza teoloacutegica

ancorada no Apologista que de forma contumaz declara que ldquoNa verdaderdquo378 algo se revelava

e condensava-se nos coraccedilotildees daqueles que o recebiam

Apoacutes descrevermos de maneira introdutoacuteria parte de nossa periacutecope base passamos a

uma abordagem sinteacutetica de uma faceta importantiacutessima de nosso autor para a construccedilatildeo do

restante desta pesquisa Comeccedilamos de imediato a elaborar uma descriccedilatildeo do filoacutesofo Justino

apresentando um resumo de sua jornada no mundo da ldquosabedoriardquo helecircnica descrevendo quais

foram suas principais influecircncias neste meio e quais desiacutegnios esta ascendecircncia deixou em sua

teologia

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO

Os acontecimentos relacionados agrave vida de Justino nos direcionam ndash podemos ateacute

mesmo dizer que incontestavelmente nos norteiam ndash para um mesmo ponto de convergecircncia

independentemente da aacuterea ou fase que procuremos abordar sobre esta Desde cedo ateacute o fim

de sua jornada ministerial Justino nos apresentaraacute influecircncias significativas do meio intelectual

ao qual havia pertencido desde sua juventude e ao qual nunca abandonou pelo contraacuterio fez

deste seguimento o ponto principal de irradiaccedilatildeo de sua teologia379 tornando-o necessariamente

uma peccedila-chave para agrave compreensatildeo de suas obras

Este ponto de equiliacutebrio na vida de Justino se daacute principalmente no fato de este ser

um filoacutesofo ao qual podemos catalogar como claacutessico em sua formaccedilatildeo (de origem helecircnica)

377 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 47

378 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

379 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

91

natildeo necessariamente por enquadrar-se ldquono modo de pensar e exprimir os pensamentos que

surgiu especificamente com os gregosrdquo380 mas especialmente na virtude apresentada por sua

filosofia que desde cedo natildeo se pautou por um caraacuteter meramente especulativo sem um fim

praacutetico em si mesma mas sim notabiliza-se pela ldquobusca da sabedoria e da verdaderdquo381 como

estados beneacuteficos disponiacuteveis para serem procurados conhecidos e vivenciados por todos os

homens

O primeiro historiador da Igreja nos comprova tal fato assinalando o claacutessico teor

filosoacutefico existente no Apologista os termos de Euseacutebio muito nos dizem a respeito do

ministeacuterio de Justino

Tambeacutem por este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava

ainda ocupado em exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Mas sobretudo foi nesta

eacutepoca que floresceu Justino Com estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de

Deus e lutava pela feacute com seus escritos382

A doutrina cristatilde encontrada em Justino ndash sua compreensatildeo ativa sobre o que era o

cristianismo como agrave religiatildeo salviacutefica do verdadeiro e uacutenico Deus aos homens ndash foi recebida

e necessariamente desenvolvida por ele atraveacutes de um filtro ou podemos ateacute mesmo dizer por

uma forma de catalisador Este ensino constituiacutea-se de diversas mateacuterias filosoacuteficas nas quais

a diversidade conceitual e estiliacutestica das muitas escolas sapienciais da eacutepoca foram agregadas

ao experimento (de caraacuteter circunspecto) do Apologista383 Notamos deste modo em muitos

aspectos em particular que Justino foi exercitado a uma postura pragmaacutetica de seu tempo a

qual necessariamente o contingenciou a algumas demandas de sua ordem puacuteblica provenientes

de seu status sociorreligioso Neste aspecto a abordagem de Wachholz nos atualiza e ilumina

sobre este cenaacuterio ele diz

A cultura claacutessica pagatilde incluiacutea obra e pensamento de Platatildeo Aristoacuteteles e dos estoicos

que eram muito admirados Rejeitar tais pensamentos era assumir posiccedilatildeo de

ignoracircncia Para os cristatildeos por outro lado aceitar toda esta carga de cultura poderia

tambeacutem significar concessatildeo ao paganismo e comeccedilo de uma nova idolatria Diante

380 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 21

381 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

382 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 11 8

383 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

92

desta alternativa somente havia dois caminhos possiacuteveis oposiccedilatildeo radical entre feacute

cristatilde e cultura pagatilde ou postura natildeo tatildeo negativa em relaccedilatildeo agrave cultura pagatilde384

A histoacuteria nos testifica que Justino de maneira evidente foi um baluarte em sua postura

de proclamador e representante da feacute cristatilde mais ainda portou-se de maneira excepcional

(como testificam seus procedimentos) no exerciacutecio de sua crenccedila fosse isso relacionado ao seu

foro iacutentimo (Igreja) ou no puacuteblico (social)

Desta forma eacute interessante e necessaacuterio reconhecer que Justino se apresentaraacute como

uma espeacutecie de precursor entre aqueles que eram oriundos da filosofia e que ldquohabitavamrdquo

especialmente em meio agrave cultura helecircnica385 contudo natildeo era o uacutenico Assim estes (filoacutesofos

convertidos ao cristianismo) passando agora a praticar os novos haacutebitos e costumes (modus

vivendi) recebidos do cristianismo natildeo abandonaram de forma absoluta suas praacuteticas cotidianas

do passado ndash ou poderiacuteamos tambeacutem chamaacute-las de ordinaacuterias ndash as quais eram vivenciadas

dentro de um sistema pedagoacutegico da filosofia por assim dizer Isso ocorreu simplesmente

porque tais accedilotildees natildeo requeriam tal censura devido a sua natildeo contrariedade com a Doctrina

Sanctorum que orientava os cristatildeos386 Obviamente tais disposiccedilotildees eram amplamente revistas

e reformuladas com um vieacutes cristatildeo embora mantendo uma estrutura didaacutetica proacutepria e ateacute

mesmo peculiar387 pois na praacutetica estes novos mestres cristatildeos agora ensinavam ldquoexatamente

como os filoacutesofos mas em conformidade com Cristordquo388

Vale-nos ressaltar ainda que essa postura de adaptaccedilatildeo dos convertidos do paganismo

para o cristianismo se desencadeou em muitos segmentos da realidade social do periacuteodo389

especialmente naqueles que se identificavam com as ciecircncias da eacutepoca Indiscutivelmente

nisto Justino se destacou pois seus ldquoconhecimentos filosoacuteficos eram muito profundosrdquo390

Neste ponto novamente recorremos a um registro de Wachholz que nos descreve com clareza

este processo de identificaccedilatildeo na figura de Justino

384 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 58

385 Alguns pesquisadores apresentam Aristides de Atenas como o primeiro filoacutesofo (Grego) propriamente

convertido ao cristianismo a escrever uma obra apologeacutetica Entretanto faltam evidecircncias mais robustas para

sustentar tal afirmaccedilatildeo Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p

50-51

386 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

387 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

388 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

389 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

390 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

93

Por outro lado houve tambeacutem aqueles que defenderam uma postura ldquoconciliatoacuteriardquo

entre feacute cristatilde e cultura pagatilde Justino (110-165) foi um destes representantes que natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas passou a dedicar-se em fazer ldquofilosofia cristatilderdquo abrindo

caminho para que o cristianismo pudesse reclamar tambeacutem para si a cultura claacutessica

apesar de ser cultura pagatilde391

Sendo o registro histoacuterico uma peccedila fundamental na elaboraccedilatildeo e construccedilatildeo

conceitual desta pesquisa entendemos ser emblemaacutetico trazer-se agrave tona alguns registros de

pesquisadores que atestam entre si acometimentos similares isso se daacute quando mencionam

pontos que caracterizam a figura de Justino como um distinto representante da Filosofia

mediante sua penetraccedilatildeo investigaccedilatildeo e conclusatildeo dos fatos algo que era ndash como se viu

anteriormente ndash relevante na busca de respostas junto ao meio sociorreligioso ao qual estava

inserido

Deste modo dando seguimento ao nosso intento de esclarecer historicamente um

pouco mais a respeito deste personagem cristatildeo oriundo da filosofia grega392 eacute que registramos

o seu desenvolvimento a parti das palavras de Walde ldquoJustino continuou usando a capa que o

identificava como filoacutesofo e ensinou estudantes em Eacutefeso e depois em Romardquo393 O relato ainda

se estende sobre a pesquisa de Walde poreacutem agora registrando o pensamento de Schaff este

diz ldquoEle havia adquirido cultura claacutessica e filosoacutefica consideraacutevel antes de sua conversatildeo e

entatildeo a fez ficar subordinada a defesa da feacuterdquo394 Ainda sobre esta esteira agregamos outras duas

elaboraccedilotildees A primeira estaacute no trabalho de Xavier que se baseia no pensamento de Fluck E

somado a ela encaixamos a siacutentese de Wachholz sobre Justino Ambos convencionam ideias

similares quando retratam o Apologista e por consequecircncia acabam por se moverem

metodologicamente na mesma direccedilatildeo

Em sua caminhada cristatilde ensinou estudantes em Eacutefeso e chegou a Roma em 150 dC

onde fundou uma escola filosoacutefica debatendo com natildeo-cristatildeos tanto pagatildeos quanto

judeus ou hereges em defesa do cristianismo Para Justino o cristianismo era a

391 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

392 Eacute importante que se diga que a Filosofia (a qual no acircmbito do conceito moderno eacute entendida como uma ciecircncia

da aacuterea de estudos Humanos) permaneceu completamente associada a consciecircncia de Justino durante todo o

periacuteodo de sua atuaccedilatildeo teoloacutegica Partindo-se do fato de que a vida de Justino se encerrou no martiacuterio podemos

concluir que de sua conversatildeo ateacute sua morte nunca houve um ldquoJustinordquo que tambeacutem natildeo fosse um filoacutesofo Ver

HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29-30

393 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

394 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

94

ldquoverdadeira filosofiardquo sendo que os cristatildeos eram ldquoos autecircnticos herdeiros da

civilizaccedilatildeo greco-romanardquo395

Tornou-se cristatildeo aos 25 anos de idade apoacutes ter estudado filosofia o que o levou a

fazer uma siacutentese entre teologia e filosofia afirmando que a feacute cristatilde eacute a forma plena

de toda a filosofia Em sua escola em Roma ensinava entatildeo a ldquoverdadeira filosofiardquo

Boa parte de seu labor consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o

cristianismo e a sabedoria claacutessica396

Finalizando esta seacuterie de registros cabe-nos ainda citar algumas relevantes

argumentaccedilotildees A primeira condicionada por Gonzaacutelez nos traz uma definiccedilatildeo da histoacuteria de

Justino em questotildees junto a filosofia ele diz ldquoAo se converter ao cristianismo Justino natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas dedicou-se a fazer filosofia cristatilde e boa parte dessa filosofia

consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o cristianismo e a sabedoria claacutessicardquo397 A

segunda elaborada por Daniel-Rops diz ldquoFoi uma fase importante para a histoacuteria do

pensamento cristatildeo que com Justino passou a ser tomado a seacuteriordquo398 Esta ecircnfase somada ao

primeiro apontamento nos afirma uma importante contribuiccedilatildeo para o meio Patriacutestico pois

trabalha com paracircmetros qualitativos referentes agrave relevacircncia da figura de Justino como

articulador filosoacutefico e sucessivamente no meio teoloacutegico como um exegeta399 nos levando a

considerar deste modo que a formaccedilatildeo dogmaacutetica em seu sentido histoacuterico passa

necessariamente por afirmaccedilotildees como esta

Portanto eacute impossiacutevel caracterizar Justino como um pensador e teoacutelogo fora da

filosofia claacutessica pois o personagem que veio a fundar escolas filosoacuteficas cristatildes (primeiro em

Eacutefeso e depois em Roma)400 deve ser compreendido como um autecircntico ldquoamante da sabedoriardquo

Neste quesito distintivo no caso de Justino em especial um agravante modal deve aqui ser

aplicado sendo que esta caracteriacutestica de caraacuteter peculiar eacute o proacuteprio processo de conversaccedilatildeo

ao cristianismo que em seu entendimento ldquoo transformou em um verdadeiro filoacutesofordquo401 arauto

395 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15 grifo nosso

396 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59 grifo nosso

397 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 91

398 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

399 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31-32

400 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

401 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

95

da verdadeira sabedoria ndash peccedila final a qual Justino possivelmente exigiria como um

complemento fundamental na elaboraccedilatildeo dessa descriccedilatildeo

Dando seguimento agrave nossa construccedilatildeo ainda nos eacute necessaacuterio examinar duas questotildees

relevantes junto a postura filosoacutefica de nosso autor A primeira estaacute relacionada aos seus

pressupostos na Filosofia como aacuterea de estudo propriamente na qual o estoicismo e o

platonismo se destacam no cenaacuterio em seguida naquilo que possivelmente se tornou a principal

elaboraccedilatildeo teoloacutegica deixada como teoria por Justino a sua concepccedilatildeo do Logos Eterno

321 Estoicismo e Platonismo em Justino

Quando pesquisamos a respeito de quais seriam as principais influecircncias da filosofia

grega que poderiacuteamos encontrar em Justino logo nos saltam aos olhos duas linhas majoritaacuterias

do pensamento histoacuterico filosoacutefico e que tiveram fundamental importacircncia na formaccedilatildeo

intelectual deste Pai da Igreja Desta forma torna-se indispensaacutevel falar do estoicismo e do

meacutedio platonismo402 como elementos filosoacuteficos na vida de Justino pois a anaacutelise dessas

escolas sapienciais junto agrave construccedilatildeo de nosso objetivo de pesquisa apresenta-se como

fundamental para a compreensatildeo do cristianismo apresentado por Justino403

Nossa intenccedilatildeo nesta construccedilatildeo natildeo eacute haacute de se estabelecer um relato minucioso sobre

os aportes princiacutepios e valores filosoacuteficos de Zenon de Ciacutecio (fundador do estoicismo) nem

mesmo dos seguidores ideoloacutegicos do legado de Platatildeo os quais sustentavam no presente

periacuteodo a fase denominada de meacutedio platonismo Pelo contraacuterio visamos apenas retratar de

maneira sinteacutetica a influecircncia dessas escolas no pensamento apologeacutetico do Seacuteculo II tendo a

pessoa de Justino como alvo central e em alguns momentos ateacute mesmo exclusivo neste exame

O advento do Seacuteculo II trouxe consigo um contato mais amplo e consequentemente

tambeacutem mais vantajoso das correntes filosoacuteficas gregas para com o ocidente de uma maneira

em geral Influenciada especialmente pela administraccedilatildeo e organizaccedilatildeo do Impeacuterio Romano agrave

discussatildeo sobre a importacircncia e a manutenccedilatildeo dessas identidades intelectuais (escolas

filosoacuteficas) tornou-se muito ativa especialmente para o meio aristocraacutetico de entatildeo404 Sendo

402 O meacutedio platonismo teve seu iniacutecio no Seacuteculo I aC com Antioco de Ascalona e vai ateacute aproximadamente o

Seacuteculo II dC Entre os seus principais representantes encontram-se os nomes de Filo de Alexandria Apuleio e do

bioacutegrafo Plutarco Este recorte temporal eacute um dos pontos que justifica a nossa opccedilatildeo pelo uso do termo meacutedio

platonismo uma vez que coincide com o periacuteodo de Justino Ver EMILSSON Neo-Platonism 1999 p 358

AUDI The Cambridge Dictionary of Philosophy 1999 p 567 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 123

403 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

404 CARCOPINO Roma no Apogeu do Impeacuterio 1990

96

o cristianismo cada vez mais presente na estrutura sociorreligiosa do Impeacuterio natildeo demorou

para se considerar ldquotambeacutem os leitores natildeo-cristatildeosrdquo405 como parte do exame teoloacutegico dos

Pais No entanto os mestres e principais arautos dessas claacutessicas estruturas filosoacuteficas eram

pagatildeos em seu modo de vida espiritual o que ocasionou ndash quase automaticamente ndash uma

investidura por parte dos Pais (remodelaccedilatildeo cristatilde) das concepccedilotildees filosoacuteficas de alguns

autores claacutessicos do paganismo Como consequecircncia desse processo o periacuteodo dos Pais

Apologistas se confirma e se engrandece de maneira significativa na histoacuteria cristatilde devido ao

seu importante conteuacutedo teoloacutegico406 desenvolvido a partir dessa adaptaccedilatildeoremodelaccedilatildeo

Voltando precisamente para a pessoa de Justino vemos a partir da pesquisa de Walde

ndash o qual soma seu pensamento a Falls ndash o estabelecimento de uma expressiva comunicaccedilatildeo

entre Justino e as escolas filosoacuteficas apresentadas Walde escreve ldquoComo jovem adulto

mostrou interesse por filosofia e estudou primeiramente estoicismo e platonismo Justino

buscava a Deus que eacute a meta da filosofia de Platatildeo diziardquo407 Este retrato dos fatos nos

demonstra com clareza que o diaacutelogo do Apologista com as referidas escolas filosoacuteficas

norteou sua formaccedilatildeo intelectual de forma significativa

A primeira experiecircncia de fato com a filosofia grega e a qual podemos afirmar ter

deixado marcas consideraacuteveis na vida de Justino foi com a escola estoica Em sua busca da

autecircntica sabedoria Justino comeccedilou a frequentar as aulas de um mestre estoico408

provavelmente ainda em sua cidade natal Se tratando de sua experiecircncia com o estoicismo em

particular o Apologista nos oferece um relato autobiograacutefico no qual informa detalhes

interessantes referentes a sua jornada pela Verdade ldquoEu mesmo no iniacutecio desejando tambeacutem

reunir-me com algum deles (mestres filoacutesofos) coloquei-me nas matildeos de um estoico e passei

bastante tempo com elerdquo409

O interessante nessa narraccedilatildeo eacute que o expressivo contato de Justino com o estoicismo

natildeo surtiu nele o beneacutefico resultado que Justino parecia esperar Efetivamente Justino afirma

em seu Diaacutelogo com Trifatildeo ldquoTodavia percebi que nada me adiantava para o conhecimento de

Deus pois nem sequer ele sabia nada nem dizia que esse conhecimento era necessaacuterio Entatildeo

405 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 140

406 Ver DROBNER Manual de Patrologia 2008 p76-80

407 FALLS The Fathers of the Church 1948 p 151 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p

1

408 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

409 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3a grifo nosso

97

separei dele e dirigi-me a outrordquo410 Kelly inclusive salienta mediante a auto narraccedilatildeo de

Justino que parece ter havido um esforccedilo da parte deste em se apropriar ndash ou melhor se

aprofundar ndash das maacuteximas da doutrina estoica Isso devido especialmente ao seu ldquoelevado

padratildeo moral ainda que um tanto impessoalrdquo411 mas com um forte apelo agrave posturas e posiccedilotildees

que estabeleciam um padratildeo moralmente bom para seus praticantes preceitos que eram de

alguma maneira dogmatizados pela doutrina estoica na tentativa de se alcanccedilar ldquouma norma

para os humanos seguiremrdquo412 Dessa forma os praticantes de tal sistema chegavam aquilo que

poderiacuteamos (forccedilosamente) definir como o verdadeiro conhecimento do ldquoSerrdquo e da ldquoEsferardquo

divina pois a ldquovida moral eacute vista como assimilaccedilatildeo a Deus e como imitaccedilatildeo de Deusrdquo413

Contudo apoacutes um periacuteodo de deferecircncia a doutrina estoica ldquopareceu-lhe rudimentar e de uma

metafisica falazrdquo414 aleacutem do sistema natildeo conseguir ldquoesclarececirc-lo a respeito de Deusrdquo415 ou

seja o estoicismo natildeo pode oferecer as condiccedilotildees necessaacuterias para suprir os vaacutecuos e demandas

existecircncias de Justino

Entretanto o estoicismo como doutrina filosoacutefica teve uma significativa relevacircncia na

formaccedilatildeo de Justino como tambeacutem na construccedilatildeo teoloacutegica dos demais Pais Apologistas Na

anaacutelise desse cenaacuterio houve ateacute mesmo quem afirmasse que caso natildeo houvesse o encontro

entre o Poacutertico416 e a Igreja natildeo teria existido uma linguagem inteligiacutevel por parte da doutrina

cristatilde para alguns ambientes gentiacutelicos ou seja o ldquocristianismo seria incompreensiacutevelrdquo417 para

alguns segmentos que formavam o quadro sociorreligioso agrave eacutepoca Teses como essa levantam

questotildees pertinentes No caso em exame parece-nos que tal afirmaccedilatildeo havia se desenvolvido

como um marco referencial junto agrave Era Patriacutestica citada explicando tambeacutem deste modo o que

permitiu que esse conceito teoloacutegico-filosoacutefico viesse a se construir Neste processo as relaccedilotildees

de conformidade entre cristianismo e estoicismo foram absolutamente decisivas sendo o campo

410 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3b

411 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 13

412 ALGRA In Teologia estoacuteica Os Estoacuteicos 2006 p 189

413 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 132

414 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

415 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

416 Poacutertico Ornado (ou Pintado) grego Stoagrave Poikiacutele Local na cidade de Atenas onde o filoacutesofo grego Zenon

(fundador do estoicismo) ensinava a seus disciacutepulos Ver SEDLEY In A Escola de Zenon a Aacuterio Diacutedimo Os

Estoacuteicos 2006 p 7-13

417 POHLENZ La Stoa storia di un movimento spirituale 1967 p 397 apud PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia

Patriacutestica 1999 p 131

98

moral junto agrave formaccedilatildeo dogmaacutetica cristatilde ndash poderiacuteamos ateacute mesmo chamaacute-lo de eacutetico ndash decisivo

nessa correlaccedilatildeo (modelagem) de valores

Entre os fatos desse paralelismo ideoloacutegico vemos o otimismo religioso expressado

pelo estoicismo que encontrou de forma geral na consciecircncia dos Pais (ateacute o Seacuteculo III) uma

beneacutevola e favoraacutevel proximidade com a Divindade onipotente e onipresente a qual os

Apologistas reconheciam especialmente na figura de Deus Pai e em sua traduccedilatildeo do Ser

absoluto cenaacuterio que agora expressava-se inclusive na manifestaccedilatildeo Deste (Deus) em uma

relaccedilatildeo de perfeita imanecircncia com seus eleitos Minuacutecio Feacutelix (Apologista do final do Seacuteculo

II) retrata com clareza esse conceito gerado no meio Apologista fruto da relaccedilatildeo destes com os

ditames estoicos ldquonatildeo soacute estaacute perto de noacutes como tambeacutem dentro de noacutes [] natildeo soacute vivemos

sob seu olhar como tambeacutem em seu seiordquo418

Neste contexto ainda vale-nos identificar uma caracteriacutestica peculiar da relaccedilatildeo de

Justino com o estoicismo Trata-se das interpretaccedilotildees escrituriacutesticas desenvolvidas por meio de

meacutetodos alegoacutericos Essa metodologia jaacute estava em uso no meio cristatildeo e jaacute antes era

amplamente ldquodifundida tambeacutem entre os filoacutesofos gregos sobretudo os estoicos com o objetivo

de fazer enquadrarem-se as tradicionais faacutebulas mitoloacutegicas com as suas ideiasrdquo419 Justino se

torna ldquoceacutelebrerdquo no meio Patriacutestico tambeacutem por sua exegese atestando isso quando passa a

unificar textos referentes a economia da Antiga e Nova Alianccedilas fazendo uso em muitos

momentos da teacutecnica citada

Desta forma mormente veremos na construccedilatildeo teoloacutegica de Justino que se encontram

traccedilos desse sistema da filosofia grega que se fizeram notoacuterios em seu registro apologeacutetico

Santos ao citar Staniforth retrata com precisatildeo essa inspiraccedilatildeo e sua contribuiccedilatildeo junto ao

trabalho do Apologista Aleacutem disto consegue descrever com clareza e harmonia agrave postura de

Justino referente sua interpretaccedilatildeo das bases substanciais do estoicismo Santos assim registra

essa relaccedilatildeo

Segundo Staniforth os elementos que predominavam no cristianismo antes de seu

contato com o estoicismo eram os morais e espirituais jaacute os intelectuais eram

subordinados a estes Ele acrescenta poreacutem que ldquoquando a mensagem se espalhou

para aleacutem dos confins da Palestina e as suas implicaccedilotildees foram assimiladas pelos

pensadores de outras terras fez-se sentir a necessidade de concepccedilotildees mais exatas da

verdaderdquo (STANIFORTH 2002 p 20) [] Entre outras coisas citadas por Staniforth

estatildeo ainda a noccedilatildeo de unidade divina a ideia de que os homens satildeo filhos de Deus

e participam da sua natureza e procuram fazer sempre o bem (STANIFORTH 2002

418 MINUacuteCIO FEacuteLIX Otaacutevio 32-33

419 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1146

99

p 22) Justino traz uma argumentaccedilatildeo inversa Segundo ele os imitadores satildeo os

demais povos ldquonatildeo somos noacutes que professamos opiniotildees iguais aos outros e sim

todos por imitaccedilatildeo repetem as nossas doutrinas (JUSTINO I Apologia LX 10)rdquo420

Sendo jaacute anteriormente caracterizado por meio do relato da vida de Justino a elementar

decepccedilatildeo de Justino pelo estoicismo como doutrina a ser seguida levou-o a uma nova fase na

sua busca do ldquoideal da sabedoria perfeitardquo421 Assim seu intento redirecionou-se para outras

esferas da filosofia grega passando por algumas experiecircncias variadas por meio de suas

relaccedilotildees com outras escolas sistemas e mestres Neste cenaacuterio naquilo que possuiacutemos relatos

confiaacuteveis Justino chegou a conviver com ldquoum peripateacutetico e um pitagoacutericordquo422 sempre

buscando alcanccedilar seu intento maacuteximo como amante do saber

Por fim a escola platocircnica tornou-se sua uacuteltima instacircncia de apelo nessa busca intensa

pelo saber supremo que inclusive ele imagina ter alcanccedilado ldquona filosofia (meacutedio) platocircnicardquo423

fazendo desse caso em especiacutefico (platonismo) o encontro ldquomais positivordquo424 Neste ponto

compreendemos que o desenvolvimento do pensamento teoloacutegico que encontramos

futuramente estabelecido em Justino eacute o que o constituiu categoricamente como um filoacutesofo

cristatildeo e foi principalmente detalhado pela influecircncia desta corrente filosoacutefica (platonismo)

mais do que por sua experiecircncia com os demais sistemas O ponto de vista de Xavier colabora

com nossa anaacutelise transmitindo a mesma ideia

A procura incansaacutevel pela verdade levou Justino a se tornar um distinto filoacutesofo do

pensamento grego adotando principalmente a filosofia de Platatildeo que para ele tinha

muita semelhanccedila com os ensinamentos judaicos no que diz respeito agrave Palavra de

Deus (Logos Verbo)425

Eacute portanto necessaacuterio fazer ainda que rapidamente algumas consideraccedilotildees geneacutericas

referentes agrave influecircncia desse importante sistema filosoacutefico (platonismo) no contexto

sociorreligioso ao qual Justino estava inserido O chamado meacutedio platonismo teve singular

420 STANIFORTH In Introduccedilatildeo Meditaccedilotildees 2002 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119 122

421 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 25

422 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27

423 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

424 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

425 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 15

100

influecircncia junto ao meio teoloacutegico cristatildeo em meados do Seacuteculo II Sua importacircncia em

questotildees como a metafiacutesica por exemplo ldquodeterminou profundamente a compreensatildeo

teoloacutegicardquo426 dos Pais Apologistas Ainda neste cenaacuterio eacute necessaacuterio afirmar que na eacutepoca o

pensamento de Platatildeo estruturado pela manutenccedilatildeo de seus seguidores (meacutedio platonismo)

plasmou-se quase que na totalidade dos seguimentos ditos intelectuais do periacuteodo ocasionando

um expliacutecito e permanente ldquodesenvolvimento do saber filosoacutefico e portanto da cultura

ocidentalrdquo427 a qual teve sua formaccedilatildeo por meio da mecanicidade da Filosofia propriamente

reconhecida como cristatilde em sua formaccedilatildeo

Voltando especificamente para nosso autor retratamos com certa facilidade ndash por se

considerar a questatildeo como um ponto paciacutefico referente agrave figura de Justino ndash sua ampla e notoacuteria

relaccedilatildeo com os ensinamentos baseados na doutrina de Platatildeo Insuelas nos diz que Justino

possivelmente procurou o sistema platocircnico porque este ldquogozava naquele tempo de grande

reputaccedilatildeo e era seguido por homem de valorrdquo428 Fato eacute que Justino progrediu de maneira

consideravelmente raacutepida na doutrina pois ldquoesperava que na filosofia de Platatildeordquo429 veria

imediatamente a Deus questatildeo (enxergar agrave Divindade) que nos indica uma praacutetica

contemplativa que provavelmente levou o jovem filoacutesofo a peregrinar isoladamente ateacute a praia

onde em algum momento ocorreu sua conversatildeo ao cristianismo Utilizamos ainda a ecircnfase

dada por Daniel-Rops a este caso o qual salienta que nesse acesso para a doutrina platocircnica

Justino deu o ldquopasso decisivo levando-o a ver que o uacutenico fim verdadeiro da filosofia era o

conhecimento de Deusrdquo430

Outra descriccedilatildeo que se soma a esta tese nasce das palavras do proacuteprio Justino na sua

I Apologia Estas construccedilotildees do Apologista ganham eficaacutecia e nitidez quando retratadas por

Euseacutebio em seu relato histoacuterico Elas apresentam um Justino intreacutepido e resoluto movendo-se

na eficaacutecia daquilo que encontrou em sua jornada tornando-se desta maneira em um ldquosincero

amante da verdadeira filosofiardquo431 Quanto ao platonismo descrito pelo autor em sua

experiecircncia Euseacutebio escreve

426 SANTOS Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos Comuns 2003 p 335

427 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 81

428 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

429 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

430 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

431 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 grifo nosso

101

Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez

sem razatildeo mas com juiacutezo escreve o seguinte ldquoporque tambeacutem eu mesmo que me

comprazia nos ensinamentos de Platatildeo ao ouvir as caluacutenias contra os cristatildeos e vecirc-

los irem intreacutepidos para a morte e para tudo que eacute terriacutevel comecei a pensar que natildeo

era possiacutevel que aqueles homens vivessem na maldade e no amor aos prazeresrdquo432

Seguindo no mesmo contexto vemos que Justino no capiacutetulo II de seu Diaacutelogo com

Trifatildeo agrega agrave sua biografia um relato exponencial no qual nos descreve um encontro com um

filoacutesofo platocircnico na cidade de Flaacutevia Neaacutepolis Justino como vimos acima foi procurar este

mestre a fim de conferenciarem sobre temas de relevacircncia para o Apologista Assim havendo

ldquoaprendido bastante do platonismordquo433 Justino envolto de uma acentuada euforia ateacute mesmo

presumiu (erroneamente) haver obtido um distinto conhecimento de superior e incomparaacutevel

qualidade todavia por fim salientou uma conclusatildeo ambiacutegua e de aspecto desfalecente sobre

esta experiecircncia quando se referiu as coisas que em determinado momento lhe pareciam

absolutamente certas e vivazes Ele nos afirma foi ldquotornado saacutebio num aacutetimo e minha estupidez

fazia-me esperar que de um momento para outro contemplaria o proacuteprio Deusrdquo434

No entanto cabe-nos apontar que mesmo diante desta pessimista afirmaccedilatildeo por parte

de Justino o platonismo de sua eacutepoca ldquotinha grande forccedila teiacutestardquo435 aleacutem de apresentar um

ldquoalto tocircnus moralrdquo436 expressatildeo que posteriormente em seu desenvolvimento teoloacutegico passou

a comprovar o cristianismo como o conjunto doutrinal por excelecircncia Sendo essa conclusatildeo

obtida na consequecircncia do emprego de sua metodologia dialeacutetica como teoria do conhecimento

ndash fato (dialeacutetica platocircnica) que jaacute abordamos anteriormente

No que se refere ao raciociacutenio de Justino que encontramos especificamente baseado

no ideaacuterio platocircnico notamos com certa facilidade que este conjunto de ideias o levou a

desenvolver em seus tratados (I e II Apologias e Diaacutelogo com Trifatildeo) algumas referecircncias que

se atestam como elementos de comparaccedilatildeo entre a filosofia grega e a feacute cristatilde Neste periacuteodo

(Seacuteculo II) o meio filosoacutefico grego jaacute registrava haacute algum tempo a noccedilatildeo de um Ser ou Estado

supremo437 ldquoque estaacute acima de todos os seres e do qual todos derivam sua existecircnciardquo438

432 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 5

433 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

434 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6

435 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

436 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

437 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

438 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

102

Sabemos baseados em amplas evidecircncias textuais que a vida aleacutem da morte fiacutesica jaacute era

ensinada ou ateacute mesmo garantida por Soacutecrates439 No pensamento de Platatildeo esta teoria eacute

estruturada filosoficamente como uma realidade diferente mas igualmente atemporal a qual

existe aleacutem eou fora deste mundo440

Em Platatildeo detectamos um referencial que nos salienta sobre a expressividade agrave sua

ldquoexposiccedilatildeo da separaccedilatildeo e diferenccedila entre o mundo sensiacutevel (sentidos) e o mundo inteligiacutevel

(intelecto)rdquo441 fazendo com que a percepccedilatildeo humana seja uma espeacutecie de imagem da

realidade442 mas natildeo necessariamente a realidade em si Deste modo Platatildeo automaticamente

condicionava seus leitoresouvintes a compreender que aquilo que estava oculto (natildeo visiacutevel)

deveria pelo encontro com a pura razatildeo voltar ao seu estado inicial ou seja o Uno mesmo

que Platatildeo natildeo considerasse a ldquoForma do Bem ou o Um como Deus no sentido comum da

palavrardquo443 A tese do retorno ao Uno eacute uma performance originalmente desenvolvida na fase

denominada de meacutedio platonismo444

Justino nos demonstra com clareza sua relativa conformidade com essa ideia que de

uma maneira orientativa procurava dar coesatildeo e expressividade agrave realidade perceptiacutevel do

homem em encontrar o que era verdadeiro definido como o ldquonatildeo-escondidordquo445 para o espiacuterito

humano Poreacutem tambeacutem nos apresenta de forma incondicional uma clara distinccedilatildeo substancial

a este conceito segundo o qual ldquoo centro da esperanccedila cristatilde natildeo eacute a imortalidade da alma mas

a ressurreiccedilatildeo do corpordquo446 Corroborando a esta proposiccedilatildeo encontramos a posiccedilatildeo de

Wachholz que organiza o referido cenaacuterio em uma descriccedilatildeo cronoloacutegica embasada no

desenvolvimento do pensamento (dogma) cristatildeo do periacuteodo

Assim por exemplo percebia que tambeacutem Soacutecrates e Platatildeo afirmavam que existia

vida aleacutem da morte fiacutesica Platatildeo afirmava que este mundo natildeo esgota toda a realidade

mas que existe outro mundo de realidades eternas Neste sentido Justino concorda

439 A discussatildeo sobre a imortalidade da alma ndash a uacuteltima de que Soacutecrates participa no dia de sua morte ndash eacute narrada

na obra intitulada Feacutedon de Platatildeo Ver MALTA In Nota 103 Apologia de Soacutecrates 2008 p 97

440 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984

441 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 189 grifo nosso

442 Um exemplo claacutessico dessa ideia se encontra no Livro VII de sua obra intitulada A Repuacuteblica em uma alegoria

conhecida como o Mito da Caverna Ver PLATAtildeO A Repuacuteblica VII 514a-541b

443 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 12

444 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

445 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 197

446 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

103

pois afirma que o centro da esperanccedila cristatilde natildeo estaacute na imortalidade da alma mas na

ressurreiccedilatildeo do corpo447

Amparado nesse conceito filosoacutefico Justino passa a desdobrar sua concepccedilatildeo sobre a

ideia do estado de um ldquomundo inteligiacutevelrdquo que passa a ser compreendido como a uacutenica

condiccedilatildeo pela qual as coisas satildeo eternas imutaacuteveis e incorruptiacuteveis constituindo deste modo

sua posiccedilatildeo sobre o que seria o proacuteprio ldquomundo de Deusrdquo possiacutevel de ser alcanccedilado Na visatildeo

platocircnica este mundo ideal soacute pode ser alcanccedilado pelo intelecto humano quando este eacute elevado

a seu patamar maacuteximo sendo isso possiacutevel somente por meio do auxiacutelio da filosofia Para

Justino essa filosofia soacute pode ser o cristianismo pois este foi revelado como a uacutenica Verdade

oferecida aos homens

Desta forma para Justino soacute mediante o cristianismo a concepccedilatildeo platocircnica de

alcanccedilar o mundo real torna-se possiacutevel No final da apresentaccedilatildeo de sua jornada entre as

escolas filosoacuteficas Justino nos relata que aquilo que fez com que ele se decidisse pela escola

platocircnica ndash entendendo que esta seria a melhor alternativa para desenvolver sua mente (razatildeo)

na tentativa de receber a verdadeira sapiecircncia ndash fosse agrave profunda admiraccedilatildeo inicial que ele

encontrou em alguns pontos que distinguiam a doutrina das demais ldquoprincipalmente com a

consideraccedilatildeo do incorpoacutereordquo448 mas tambeacutem pela referente ldquocontemplaccedilatildeo das ideiasrdquo449 as

quais ele afirma ldquodava asas agrave minha inteligecircnciardquo450

Nesta jornada de conhecimento Justino salienta que compreendia e admirava o

objetivo desse ensino que se demonstrava estaacutevel e possuiacutea intenccedilotildees muito nobres para agrave

natureza humana a ponto de afirmar que ldquoCom efeito esta eacute a meta da filosofia de Platatildeordquo451

Jaacute como cristatildeo Justino esclarece para o judeu Trifatildeo que ldquoVemos e estamos convencidos de

que por meio do nome de Jesus Cristo crucificado as pessoas se afastam da idolatria e de toda

iniquidade para aproximar-se de Deusrdquo452 ou seja somente um caminho leva definitivamente

a verdadeira filosofia e este caminho natildeo eacute a filosofia de Platatildeo

Apoacutes este raacutepido mas importante embasamento sobre a formaccedilatildeo filosoacutefica de nosso

autor ainda eacute necessaacuteria uma descriccedilatildeo final sobre os elementos filosoacuteficos estruturantes

447 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59-60

448 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

449 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

450 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

451 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6b

452 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo XI 4

104

encontrados em Justino Entre estes insumos um se destaca consideravelmente como fruto da

ampla influecircncia deixada pelo predomiacutenio de suas bases filosoacuteficas (estoicismo e platonismo)

Desta forma o Logos em Justino seraacute o ponto central de anaacutelise a seguir

322 O Logos em Justino

Este ponto eacute fundamental para nossa descriccedilatildeo do pensamento de Justino como um Pai

Apologista Mesmo que nos falte uma sistematizaccedilatildeo sobre o tema Logos tanto em Justino

como tambeacutem nos demais representantes de sua Era Patriacutestica453 o Logos eacute um conteuacutedo

teoloacutegico fundamental para a histoacuteria do cristianismo e natildeo aparece com suficiente clareza em

nenhum outro escritor cristatildeo anterior a Justino que acaba por se evidenciar neste assunto de

forma muito significativa

Jaacute no Seacuteculo I a doutrina referente agrave PalavraVerbo divino era conhecida pelo

judaiacutesmo em sua forma posterior devido agrave grande influecircncia do filoacutesofo judeu Filo de

Alexandria O estoicismo como doutrina filosoacutefica tambeacutem foi muito atuante na elaboraccedilatildeo

do termo Logos como um conceito paralelo entre uma plena imanecircncia e uma total expressatildeo

do que eacute superior eou eterno454 O Evangelho de Joatildeo em seu proacutelogo (Joatildeo 11-5) nos oferece

o termo de forma sublime mesmo que o Logos em Joatildeo pareccedila ter sido influenciado por

Heraacuteclito455 Quanto agrave Patriacutestica em sua fase inicial (Pais Apostoacutelicos) Inaacutecio Bispo de

Antioquia parece ser a melhor opccedilatildeo de uma leitura consistente sobre a ideia de a Palavra

Divina preexistente ter sido anunciada antecipadamente aos homens das geraccedilotildees passadas

ldquoInspiraram-se (os profetas) em Sua graccedila a fim de que os increacutedulos se convencessem

plenamente que haacute um soacute Deus a manifestar-se por Jesus Cristo Seu Filho Sua palavra saiacuteda

do silecircncio que em tudo agradou Aquele que O enviourdquo456

Poreacutem vale-nos novamente frisar que aqui como em outras partes desta pesquisa natildeo

procuraremos ser exaustivos muito menos conclusivos especialmente tratando-se de uma

anaacutelise que possui uma conjuntura tatildeo extensa mas de maneira sucinta desenvolveremos uma

siacutentese que visa ser orientativa nesta definiccedilatildeo sobre o legado teoloacutegico do Apologista Justino

A relaccedilatildeo de Justino com esta temaacutetica filosoacutefica (Logos) foi ampla e profunda Eacute

possiacutevel condicionarmos jaacute a partir de Justino uma realidade conclusiva para o tema naquilo

453 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

454 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

455 TORRES A retoacuterica joanina do Logos 2016

456 INAacuteCIO Epiacutestola aos Magneacutesios VIII 2 grifo nosso

105

que ele se refere a revelaccedilatildeo cristatilde esta conclusatildeo estaacute na ldquoconcepccedilatildeo justiacutenica do Logos como

entidade divina intermediaacuteria entre Deus e o mundordquo457 Isso gerou uma nova perspectiva a

qual Justino com certa originalidade conceitual passa a definir o Logos como um agente que

jaacute orientava a humanidade antes mesmo de Sua encarnaccedilatildeo desejando por meio da ldquoIgreja com

a sua accedilatildeo missionaacuteriardquo458 tornar participantes todos os homens que por meio da feacute em Cristo

poderatildeo gozar da esperanccedila do cumprimento profeacutetico do segundo advento do Salvador

Em seu trabalho apologeacutetico Justino estabeleceu uma conjunccedilatildeo entre proposiccedilotildees

separadas mas que se demonstraram de uma mesma espeacutecie Esse ato invariaacutevel conectou de

maneira significativa o Logos459 da filosofia grega ndash aqui expresso em uma de suas definiccedilotildees

temporais do meio filosoacutefico sendo apresentado como o ldquoPrinciacutepio platocircnico mediador entre o

mundo sensiacutevel e o inteligiacutevelrdquo460 ndash com o Logos do Evangelho de Joatildeo ou poderiacuteamos dizer

da interpretaccedilatildeo feita pelo meio apologeacutetico cristatildeo do Seacuteculo II Tratando ainda um pouco mais

sobre o cenaacuterio histoacuterico envolvendo a realidade conceitual sobre o Logos Walde nos indica

este princiacutepio conectivo quando cita Schaff em um exame sobre esta teoria Vemos em sua

descriccedilatildeo que o historiador

Philip Schaff descreve o pensamento desta maneira O Logos eacute a razatildeo preacute-existente

absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo dele o Logos encarnado Qualquer coisa

racional eacute cristatilde e qualquer coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os

homens da razatildeo e liberdade que natildeo estavam perdidos desde a queda Ele espalhou

sementes da verdade antes de sua encarnaccedilatildeo natildeo soacute entre os judeus mas tambeacutem

entre os gregos e baacuterbaros sobretudo entre os filoacutesofos e poetas que satildeo os profetas

pagatildeos Os que viveram razoavelmente e virtuosamente em obediecircncia a esta luz

preparatoacuteria foram de fato cristatildeos ainda que natildeo no nome ao contraacuterio os que

viveram irracionalmente eram inimigos de Cristo Soacutecrates foi um cristatildeo assim como

Abraatildeo ainda que ele natildeo o conheceu461

457 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1147

458 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

459 O conceito de Logos derivado da filosofia contemporacircnea especialmente do estoicismo com sua doutrina da

razatildeo universal foi usado pelos Apologistas para explicar como Cristo se relacionava com Deus Pai Algo do

Logos diziam encontra-se em todos os homens Ver HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

460 Logos (grego loacutegograves) Substantivo masculino de dois nuacutemeros Significa 1 Palavra 2 Discurso 3 Linguagem

4 Estudo 5 Teoria Significado em aacutereas proacuteprias 1 Filosofia Razatildeo ou princiacutepio da inteligibilidade 2

Filosofia Princiacutepio platocircnico mediador entre o mundo sensiacutevel e o inteligiacutevel 3 Filosofia Forccedila divina ou

criadora que eacute organizadora do mundo 1 Teologia Cristo ou o Verbo de Deus segunda pessoa da Trindade Ver

Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa ltDisponiacutevel em httpsdicionariopriberamorglogosgt Acesso em

27 de fev 2019

461 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

106

Esta ideia por assim dizer protagonizou aquilo que possivelmente foi o primeiro

encontro consistente entre filosofia e teologia na Era atual (dC) O conjunto deste exerciacutecio

que vemos pouco tempo depois jaacute constituiacutedo na escola de Alexandria (aproximadamente 50

anos) sob a preeminecircncia de Clemente (Bispo de Alexandria)462 continuou a evoluir no

decorrer dos seacuteculos e encontrou seu aacutepice no movimento Escolaacutestico da Idade Meacutedia463

Contudo parece-nos que a funccedilatildeo do Logos propriamente empregado dentro da realidade

teoloacutegica cristatilde originalmente foi de alguma maneira semeada por Justino

Ainda sobre esta praacutetica hermenecircutica de se assemelhar a teorema dos filoacutesofos gregos

com a revelaccedilatildeo biacuteblica (ou Patriacutestica) notamos com facilidade a apresentaccedilatildeo de certas

evidecircncias que nos levam ao ldquoberccedilordquo da obra do Apologista Definitivamente Justino parece

agregar conceitos em seu relato que claramente evidenciam isto pois ldquoa principal contribuiccedilatildeo

dos apologistas (sendo Justino expoente no contexto) foi sua tentativa de correlacionar o

cristianismo com a erudiccedilatildeo grega tentativa que encontrou sua expressatildeo mais marcante na

teoria do Logos e sua aplicaccedilatildeo agrave cristologia (mateacuteria determinante em Justino)rdquo464

A teoria cristatilde sobre o Logos tem caraacuteter preceituador e exerceu impacto relevante na

histoacuteria dogmaacutetica cristatilde pois de maneira imperiosa tornou acessiacutevel a sua realidade intelectual

tanto intra quanto extra muros transmitindo a ideia de que ldquoeste Verbo este Logos que assim

iluminou progressivamente a mente humana eacute o proacuteprio Cristo tal como se revelou em Jesus

por meio do qual o pensamento e a vida encontraram o seu significadordquo465 Nesta mesma linha

Wachholz apresenta um paralelo forte desta soma de posiccedilotildees

Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse Logos que se fez

carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento Por outro lado Justino tambeacutem pode

afirmar que os pagatildeos tambeacutem puderam conhecer o Logos embora parcialmente

(inclusive Soacutecrates e Platatildeo) Os cristatildeos por sua vez conhecem o Logos tal qual ele

eacute por causa da encarnaccedilatildeo do mesmo em Cristo466

Devemos ainda agregar a influecircncia estoica ndash a qual neste ponto de forma mais direta

inspirou intelectualmente a Justino ndash agrave preponderacircncia junto a apresentaccedilatildeo do Logos como o

462 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

463 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

464 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 24 grifo nosso

465 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

466 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

107

princiacutepio elementar (material e imaterial) de todas as coisas existentes nos escritos de Justino

O estoicismo mais que o platonismo conseguia de modo mais teacutecnico467 e com maior rigor no

periacuteodo definir tanto a convicccedilatildeo teoloacutegica de Justino468 como de todo o segmento Apologista

cristatildeo Dreher consegue frisar tal relaccedilatildeo e consequecircncia desta realidade ldquoLogos eacute para os

estoicos a Razatildeo Universal que tudo penetra e tudo comanda que tudo ordena Tambeacutem Justino

viu no Logos a Razatildeo Universal mas que se teria revelado no cristianismo de maneira mais

perfeitardquo469

Outro importante apontamento que merece destaque estaacute na ideia de criaccedilatildeo e

manutenccedilatildeo operado pelos Logos Aqui enfatiza-se que tudo estava ordenado pela Palavra que

era e foi criadora sustentadora e orientativa mais ainda tudo provinha desta mesma Palavra

que possuiacutea e estava (mantinha-se) em uma realidade imanente e preexistente a tudo Simonetti

afirma que ldquofunda-se sobre a conspecccedilatildeo de Cristo como Logos divino e nessa condiccedilatildeo

princiacutepio de racionalidade universal cujas sementes (spermata) entram em toda a criaccedilatildeo e

habilitam o homem a conhecer Deus como criador organizador e regente do mundordquo470 Disso

tudo podemos afirmar que Justino e seus contemporacircneos de fides et toga entendiam que ldquotoda

a verdade estaacute no Logos [] Logo toda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo471

Cabe-nos nesse conjunto apontar que na exposiccedilatildeo intelectual de Justino referente ao

Logos este natildeo desenvolve com clareza aquilo que seria a presenccedila da Palavra nos outros

homens Em seus registros vemos em alguns momentos que essa relaccedilatildeo de habitaccedilatildeo do Logos

(entendido como incipiente) no ser humano eacute descrita como um processo de semeadura (o

Logos sendo semeado)472 jaacute em outras passagens a analogia se constroacutei atraveacutes de uma imagem

467 Os Apologista do Seacuteculo II empregavam textos do Antigo Testamento como o Salmo 336 (ldquoOs ceus por sua

palavra [isto eacute pela Palavra do Senhor] se fizeramrdquo) onde natildeo hesitavam em misturaacute-los com a distinccedilatildeo teacutecnica

que os estoacuteicos faziam entre ldquopalavra imanenterdquo (grego logos endiathetos) e a ldquopalavra pronunciada ou expressardquo

(grego logos prophorikos) Esta distinccedilatildeo empregada pelos Apologistas visava diferenciar o duplo fato da

unicidade preacute-temporal de Cristo Seu estado preexistente com o Pai Sua manifestaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo

Ver KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

468 Nessa construccedilatildeo teoacuterica que em determinados momentos parece procurar indiacutecios sustentaacuteveis sobre qual

seria o sistema filosoacutefico de maior influecircncia na formaccedilatildeo do conceito de Logos em Justino ganha destaque o

apontamento de Simone o qual utilizando-se de um caraacuteter sucinto e soacutebrio parece definir com normatividade

esta relaccedilatildeo e seu desenvolvimento ldquoseu conceito estaacute mais proacuteximo do meacutedio platonismo do que do estoicismo

isto eacute a terminologia eacute estoica mas o pensamento subjacente eacute platocircnicordquo Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo

e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 798

469 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

470 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

471 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27 grifo nosso

472 Ver JUSTINO I Apologia XXXII 8 JUSTINO II Apologia VIII 1

108

de ldquoocupaccedilatildeordquo (posse) tanto plena473 quanto parcial474 em sua abrangecircncia475 O proacuteprio Justino

em sua II Apologia nos conduz a uma afirmaccedilatildeo de caraacuteter muito pertinente na tentativa de

explicar o porquecirc da accedilatildeo e necessidade da Palavra se manifestar aos homens Nessa afirmaccedilatildeo

ele regula o cristianismo como algo superior aos demais ensinos que procuravam ensinar sobre

a realidade do Logos como sendo um elemento orientativo Justino escreve sobre isso e afirma

que ldquoPortanto a nossa religiatildeo mostra-se mais sublime do que todo o ensinamento humano

pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo inteiro que eacute Cristo manifestado por noacutes

tornando-se corpo razatildeo e almardquo476

Justino nessa abordagem acaba por gerar em seu contexto uma evidenciaccedilatildeo

cristoloacutegica de importacircncia iacutempar pois salienta que a ldquodiferenccedila entre Cristo e os Homens

comuns encontra-se natildeo em alguma disparidade essencial de constituiccedilatildeo mas no fato de que

enquanto o Logos opera neles de forma fragmentada (kata meros) ou como uma semente em

Cristo Ele opera como um todordquo477 ou seja no Verbo que encarnou temos a plenitude da

manifestaccedilatildeo do Logos divino sendo este aquele mesmo que os filoacutesofos gregos anteriormente

jaacute haviam esquematizado478 poreacutem de maneira imperfeita

Prosseguindo em nossa construccedilatildeo algo que fica evidente neste exame eacute que mais que

esboccedilar uma ldquoexplicaccedilatildeo intelectualmente satisfatoacuteriardquo479 para o Logos Justino procura ser

expressivo mas natildeo necessariamente um sistemaacutetico deixando-nos carecentes de uma loacutegica

argumentativa mais robusta nesta questatildeo

Nesse aspecto encontramos orientaccedilatildeo junto a obras como a de Santos que

especificamente em nosso objetivo de pesquisa aparece provavelmente como uma das mais

qualificadas definiccedilotildees sobre agrave visatildeo de Justino e sua ressignificaccedilatildeo sobre o assunto Logos de

que disponibilizamos Partindo de dados extraiacutedos da anaacutelise sociorreligiosa do Seacuteculo II e a

473 Ver JUSTINO I Apologia XLVI 3

474 Ver JUSTINO II Apologia X 2 XIII 3

475 Deve-se distinguir entre o ldquoVerbo inteirordquo ingecircnito inefaacutevel o proacuteprio Cristo e o ldquoVerbo seminalrdquo que habita

nos homens especialmente nos saacutebios Ver FRANGIOTTI In Nota c II Apologia 1995 p 74

476 JUSTINO II Apologia X 1

477 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 108

478 Para Simone Justino se ampara claramente em uma tese oriunda do meacutedio platonismo quando procura

estabilizar sua ideia sobre haacute preexistecircncia antiguidade e universalidade do Logos Nesta inferecircncia o Apologista

baseia-se na ideia do meacutedio platonismo de que a transformaccedilatildeo do demiurgo miacutetico de Platatildeo visto como uma

forma de mente transcendente (PLATAcircO Timeu-Criacutetias 28c) se associa plenamente haacute figura do Deus Pai e

Criador do Cosmos trazida pela revelaccedilatildeo (sublime) do cristianismo Sendo deste modo o Logos apresentado

como ldquonascidogeradocriadordquo a partir do proacuteprio Deus Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799 LOPES In Nota 67 Timeu-Criacutetias 2011 p 95

479 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

109

estes somando algumas porccedilotildees da II Apologia de Justino Santos estabelece uma soacutelida

conexatildeo entre o Logos e o cristianismo Nesse conjunto de dados Santos consegue incorporar

a sua descriccedilatildeo uma das evidecircncias fundamentais que apontavam diretamente na diferenciaccedilatildeo

do extrato social agrave eacutepoca denominado cristatildeo Essa conjectura aplica-se assim se por um lado

o Logos eacute eterno foi anunciado anteriormente pelos profetas esteve manifesto na mente

(brilhante) dos filoacutesofos Logo isso o define como cristatildeo Conclusatildeo o Logos eacute Cristo Nossa

deduccedilatildeo eacute fraacutegil (em sentido teacutecnico) nem visa ser emblemaacutetica No entanto define e salienta

o pensamento de Justino que como veremos abaixo Santos ratifica se utilizando de raciociacutenio

similar por entender que Justino demonstra com clareza a concepccedilatildeo cristatilde daquele periacuteodo

sobre o Logos

O Logos total eacute aquele que soacute os cristatildeos possuem Por isso o cristianismo eacute a religiatildeo

por excelecircncia acima de toda filosofia e de qualquer matriz de pensamento humano

Justino declara que o cristianismo ldquomostra-se mais sublime do que todo o ensinamento

humano pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo por inteiro que eacute Cristo

manifestado por noacutes tornando-se corpo razatildeo e almardquo (JUSTINO II Apologia X 1)

O Logos eacute o Deus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles que

manifestam o Logos divino pois o possuem de forma integral O que eles manifestam

do Logos eacute o seu amor pela humanidade que eacute a razatildeo maacutexima de sua encarnaccedilatildeo

Entatildeo os cristatildeos revelam ao mundo que ldquoEle se tornou homem para partilhar de

nossos sofrimentos e curaacute-losrdquo (JUSTINO II Apologia XIII 4) O Logos serve para

explicar a semelhanccedila do comportamento moral dos cristatildeos com os ensinamentos dos

filoacutesofos principalmente os platocircnicos e estoicos (JUSTINO II Apologia XIII 2) e

ao mesmo tempo classifica os cristatildeos como superiores a eles (JUSTINO II Apologia

X 1)480

Para concluir a exposiccedilatildeo acerca de Justino dentro da filosofia grega podemos afirmar

sem nenhuma duacutevida que o Apologista eacute um verdadeiro filoacutesofo que entre outras coisas

compreendeu e praticou a vivacidade da revelaccedilatildeo do Logos divino entre os homens sempre

salientando que ldquotoda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo481 Assim neste processo

conduzido por Justino podemos afirmar que revelou-se ldquoa grande ideia (Logos) marcada com

o selo do gecircnio (Justino) que vai fazer desembocar na verdade cristatilde o platonismo o filonismo

e toda a expectativa das geraccedilotildees humanasrdquo482

A partir disto prosseguiremos falando a respeito do capiacutetulo XXVIII de nossa obra

referencial Poreacutem a partir de agora abordaremos precisamente uma de suas principais

480 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

481 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 29

482 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

110

caracteriacutesticas Essa peculiaridade que possivelmente se mostra como a mais elaborada entre

as proposiccedilotildees por noacutes jaacute apresentadas realccedila e enobrece nossa busca pelos melhores

argumentos para a definiccedilatildeo do termo Verdade retratado na I Apologia Assim uma

interrogaccedilatildeo elementar em nossa construccedilatildeo comeccedila a ser diretamente respondida

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra Virtude e vicio seriam puros nomes e os homens considerariam as coisas

como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidade483

O uacuteltimo item deste capiacutetulo visa possibilitar uma clara visatildeo bem como garantir a

genuiacutena adesatildeo ndash questatildeo que entendemos natildeo apenas como necessaacuteria mas sim como

fundamental para a compreensatildeo deste conceito ndash agrave perspectiva de Justino quanto ao que ele

sentenciou como algo determinante em sua proposta apologeacutetica Este modelo de conduta

adotado por Justino natildeo apenas relacionado pontualmente neste caso (I Apologia) caracteriza

com vigor desde o iniacutecio sua orientaccedilatildeo intelectual Aleacutem disso Justino passou a afirmar com

esta evidenciaccedilatildeo de casos toda sua ordem teoloacutegica baseada em sua anaacutelise racional como

tambeacutem agrave explicava ou no miacutenimo agrave definia mediante a maneira que estas relaccedilotildees se

posicionavam

Walde ao analisar aquilo que poderiacuteamos chamar do ldquocampo de anaacutelise racionalrdquo de

Justino ndash ao qual este estabelecia e limitava a sua reflexatildeo ndash sustenta que o pensamento da

Apologista parte de um ponto fixo de uma base depositada profundamente num conceito de

sua racionalizaccedilatildeo Segundo Walde para Justino ldquoQualquer coisa racional eacute cristatilde e qualquer

coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os homens da razatildeo e liberdade que natildeo

estavam perdidos desde a quedardquo484

Apoacutes esta citaccedilatildeo faz-se novamente necessaacuterio afirmar que esta pesquisa natildeo almeja

diretamente um debate soterioloacutegico nem sequer visa agregar conceitos ndash de nenhuma espeacutecie

ndash ao termo ldquoLivre Arbiacutetriordquo que empregado indiretamente por Walde possa sugerir debates

483 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4 grifo nosso)

484 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

111

teoloacutegicos nessa esfera Contudo salientamos que a ideia transmitida por Justino no capiacutetulo

XXVIII pode ser empregada com determinada liberdade nesta discussatildeo soterioloacutegica pois a

tomada do Livre Arbiacutetrio como atributo caracteriza uma abrangecircncia muito significativa

especialmente quando Justino afirma que o homem racional eacute ldquocapaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus pois todos

foram criados racionais e capazes de contemplar a verdaderdquo485

Entretanto agregar este ldquoescolherrdquo para fins soterioloacutegicos na tentativa de se

apresentar alguma possibilidade (em forma ou modo) de participaccedilatildeo humana no ato salviacutefico

de Deus em Cristo buscando dar o sentido de que o convencimento salviacutefico natildeo eacute uma

exclusividade da accedilatildeo Divina parece-nos ser um literal descaso com o texto uma vez que se

agrega a Justino algo que ele simplesmente natildeo estava tentando comunicar

Dando seguimento ao nosso assunto mencionamos que o principal criteacuterio que

procuramos definir nesta exposiccedilatildeo estaacute relacionado a importacircncia delegada por Justino agrave razatildeo

humana Eacute imprescindiacutevel nesta construccedilatildeo salientarmos que este recurso humano

(razatildeoracionalidade) era compreendido por Justino (e tambeacutem dos demais Apologistas do

periacuteodo) como uma das principais (se natildeo haacute principal) daacutedivas de Deus ao ser humano486 e

natildeo apenas isso mas este ldquopresenterdquo (uma espeacutecie de ldquodomrdquo praacutetico) possuiacutea tambeacutem uma

accedilatildeo determinante na existecircncia humana para com as coisas celestiais tanto no presente

(cotidiano) como para o futuro (escatoloacutegico) do ser criado

Inicialmente detectamos em Justino a importacircncia por ele atribuiacuteda agrave racionalidade

no homem quando passa a afirmar que ldquoNo princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional

capaz de escolher a verdade e praticar o bemrdquo487 Desta forma na concepccedilatildeo do Apologista a

Verdade era comunicada ndash ou ateacute mesmo sentenciada ndash ao ser humano por meio de sua

condiccedilatildeo inata (existente e natildeo adquirida) ou seja seu estado racional Aqui cabe-nos ainda

ressaltar que para Justino o homem para receber a revelaccedilatildeo da feacute em Cristo e mediante isso

agregar a si as benesses eou becircnccedilatildeos desta relaccedilatildeo se fazia necessaacuterio uma transmissatildeo desse

conhecimento ao entendimento humano e isso se dava pelo uso da razatildeo

Walde novamente soma a nossa pesquisa ao conceituar que ldquoDeus simplesmente natildeo

era conhecido por meio da razatildeo abstratardquo488 Assim podemos afirmar que Justino compreendia

485 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

486 DROBNER Manual de Patrologia 2008

487 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

488 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

112

(fortemente influenciado por uma tendecircncia apologista) que a Verdade naturalmente emergia

ao intelecto humano pela razatildeo apoacutes a conversatildeo do homem a Cristo Isso se condicionava

porque era o proacuteprio fruto da accedilatildeo regeneradora do Evangelho no ser humano que agora era

capaz de compreender o processo de separaccedilatildeo entre o joio e o trigo caso contraacuterio os ldquohomens

considerariam as coisas como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior

impiedade e iniquidaderdquo489

Neste contexto vemos um contraste interessante se formar Pois o Apologista nos

conduz a um quadro extremo no qual apresenta a opiniatildeo humana versus a Verdade Neste

ponto importa mencionarmos Fluck que afirma que Justino ldquoConsiderava que os adversaacuterios

do cristianismo insultavam a razatildeo e a moralrdquo490 Pode ateacute mesmo ser loacutegico poreacutem para nossa

pesquisa eacute imperativo e necessaacuterio salientar que para Justino natildeo havia duacutevidas acerca da

superioridade da Verdade quando revelada (especialmente no Logos) em oposiccedilatildeo agrave razatildeo

humana (caracterizada principalmente pela razatildeo oriunda da filosofia grega) Neste aspecto

Walde eacute categoacuterico e nos apresenta alguns paracircmetros dessa distinccedilatildeo empregada por Justino

Devo notar aqui que esta ecircnfase na razatildeo natildeo deve nos fazer pensar que a feacute natildeo

significava nada para Justino Ele se refere muitas vezes agrave feacute em suas apologias Ele

fala de noacutes sendo transformados ldquopor feacute atraveacutes do sangue e da morte de Cristordquo Ele

inclusive se refere a Abraatildeo que ldquofoi justificado e abenccediloado por Deus devido a sua

feacute nelerdquo No entanto o assunto de conhecimento eacute central aqui porque Justino deu

mais peso em crer nos ensinos de Cristo que crer no proacuteprio Cristo491

Em vista disso natildeo haacute duacutevidas de que a capacidade para decidir para escolher para

tonificar juiacutezos para agregar ou natildeo inferecircncias ou ateacute mesmo para se possuir um meacutetodo de

postura loacutegica passava claramente pela apropriaccedilatildeo da Verdade por meio da razatildeo humana na

concepccedilatildeo de Justino Sendo possiacutevel a partir de entatildeo formar-se no homem (exclusivamente

na experiencia cristatilde ndash com o verdadeiro Logos) os acordos morais para constituiccedilatildeo dos

pensamentos ou das ideias necessaacuterias para a vida humana

Por conseguinte somente aqueles que agregavam a si esta ldquorazatildeordquo (o Logos) poderiam

usufruir de um verdadeiro discernimento e juiacutezo que era proveniente Daquele que se tornou

489 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

490 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

491 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

113

ldquocorpo razatildeo e almardquo492 Diante disso clarificasse a ideia e torna-se vigente o conceito de que

para Justino o Logos eacute o ldquoDeus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles

que manifestam o Logos divino pois O possuem de forma integralrdquo493 Neste ponto em questatildeo

Schaff nos ajuda na compreensatildeo desta distinccedilatildeo

O cristianismo conteacutem a racionalidade necessaacuteria para ser aceito e compreendido pela

filosofia grega Dessa maneira defendendo o cristianismo Justino defendeu a feacute

cristatilde referindo-se agrave feacute em Cristo como forma de justificaccedilatildeo e transformaccedilatildeo sendo

essa feacute totalmente racional494

Este comportamento da feacute compreendida eou assimilada pela razatildeo mostrou-se mais

como uma forma de pensamento do que de conduta naquele momento da histoacuteria495 Isso levou

a classe Apologista do periacuteodo de Justino (praticamente toda helenista em sua origem eou base

cultural) a considerar este procedimento justo e legiacutetimo em sua ordem o que tambeacutem de

maneira muito razoaacutevel possibilitou que este entendimento fosse aceito e vivido496 de forma

significativa em determinados nichos da referida realidade sociorreligiosa

Neste quesito em particular notamos com clareza que o procedimento adotado por

Justino para defender a feacute cristatilde se utilizou de admiraacuteveis recursos filosoacuteficos (racionais)

Justino ldquoSoube juntar admiravelmente os princiacutepios da razatildeo com os dogmas da feacuterdquo497 para

comunicar-se com uma classe distinta intelectualmente de modo especial com aqueles

(Imperadores Senadores outros) aos quais as obras foram dirigidas (a I e II Apologias e o

Diaacutelogo com Trifatildeo no caso de Justino especificamente) A legitimidade da proposta de Justino

(apresentar a feacute cristatilde como um fato racional a ser implantado e assimilado pelos ouvintes)

permite algumas consideraccedilotildees Walde argumenta nesta direccedilatildeo quando diz

Era importante mostrar a racionalidade da feacute e o Logos era o locus da razatildeo nas altas

escolas de filosofia grega [] Isso garantiu a racionalidade do cristianismo

492 JUSTINO II Apologia X 1

493 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

494 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

495 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

496 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

497 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

114

identificando a Jesus como o Logos indicando Sua antiguidade que era importante

para a mentalidade grega em estabelecer uma crenccedila498

A partir deste ponto fomentaremos a atribuiccedilatildeo enfaacutetica do capiacutetulo XXVIII da I

Apologia onde Justino afirma com veemecircncia e certo rigor que ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus

se preocupe com essas coisasrdquo499 este (ou estes) passa por um consideraacutevel descompasso de

ordem moral Esta afirmaccedilatildeo eacute muito relevante no conjunto em que estaacute aplicada pois denota

de maneira singular toda a estrutura da mensagem do Apologista

Referente a esse caso nos eacute possiacutevel afirmar balizados em toda a descriccedilatildeo

empreendida do sistema de loacutegica adotado por Justino ndash sob clara influecircncia da escola

platocircnica500 ndash que para o Apologista os natildeo-cristatildeos (praticantes ou natildeo dos valores atribuiacutedos

a razatildeo) natildeo conseguiam ponderar com a autecircntica ldquorazatildeo universalrdquo a mesma que era e estava

implantada no ser humano de maneira inata e agora se fazia conhecer porque manifestava-se

nas vidas (consciecircncias regeneradas) dos cristatildeos501

A concepccedilatildeo sobre uma ordenaccedilatildeo coacutesmica universal vista na filosofia estoica502

comeccedila no contexto teoloacutegico de Justino a ser denominada de Logos Spermatikoacutes503 Conceito

que de forma ampla e sistemaacutetica passa a ser usado pelo autor ndash e consequentemente pelo meio

cristatildeo ndash em sua II Apologia na qual Justino ldquoatribui a Cristo a expressatildeo lsquoLogos Spermatikoacutesrsquo

(verbo seminal ou semente da razatildeo) significando que dEle procedem todas as coisasrdquo504

Assim quando os homens natildeo aceitam a distinccedilatildeo que a Verdade oferece para tudo que a ela eacute

estranho prova-se que eles (homens) necessariamente agem sem estar em seu juiacutezo pleno

completo perfeito ou seja natildeo satildeo dirigidos nem governados pelo verdadeiro Logos Nisso se

498 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

499 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

500 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

501 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

502 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

503 Fluck explica que o que se entendia na filosofia como ldquorazatildeo universalrdquo imanente em todas as coisas foi

relacionado a ldquosemente racionalrdquo que estaacute presente em todo ser humano (Logos Spermatikoacutes ou semente do

Logos) Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 33 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em

Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 17 Jaacute Haumlgglund diz que a razatildeo como um embriatildeo encontra-se implantada dentro

deles (Loacutegos Spermatikoacutes) Mas os apologistas em contraste com os estoicos natildeo diziam ser ela uma espeacutecie de

razatildeo universal concebida panteisticamente Em vez disso identificavam o Logos com Cristo Ver HAumlGGLUND

Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

504 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 20

115

conclui que estes homens estatildeo corrompidos na ldquosua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidaderdquo505

Logo podemos deduzir um final especiacutefico ao pensamento de Justino nesta periacutecope

Entendemos que o paralelo entre feacute e razatildeo eacute um excelente instrumento indicativo orientador

e balizador na tentativa de afirmaccedilatildeo de sua doutrina e de refutaccedilatildeo do erro sendo que o

constituidor dessa anaacutelise deficiente da realidade (o erro de natildeo se utilizar corretamente da

razatildeo) se estabelecia em um conjunto temaacutetico muito amplo e complexo (crenccedilas instituiccedilotildees

poliacutetica etc) o qual decidimos chamar de realidade ou meio sociorreligioso

Sabemos que aplicar o relato de Justino a anaacutelises contemporacircneas pode causar um

aprisionamento indevido de um pensamento nobre e puro mas eacute inquestionaacutevel o uso de meios

e ferramentas que mostram com clareza ndash em uma orquestraccedilatildeo quase impecaacutevel ndash os incriacuteveis

subsiacutedios racionais que Justino possui para julgar o cenaacuterio de seus conflitos Dreher nesta

esteira enfatiza que para Justino em ldquoCristo toda a filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo Por isso os

cristatildeos satildeo os verdadeiros seres racionaisrdquo506

Portanto deduzimos a partir de tantas evidecircncias que na compreensatildeo de Justino a

Verdade tambeacutem se encontra no seu oposto pois sempre que o homem natildeo usar da razatildeo para

assumir viver e praticar a Verdade ldquoou teraacute que confessar com sofismas que natildeo existe (a

Verdade) ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como uma

pedrardquo507

Na abordagem deste capiacutetulo trabalhamos a construccedilatildeo da imagem de Justino Maacutertir

como um filoacutesofo inserido e atuante no mundo greco-romano do Seacuteculo II dC ou como citado

anteriormente da filosofia na vida do cristatildeo Justino Procuramos por meio deste exame fazer

uma clara e suficiente descriccedilatildeo do corpo base desta anaacutelise que partiu e se concentrou no

capiacutetulo XXVIII da I Apologia Em seguida passamos a um exame da vida do autor em meio

agrave filosofia de sua eacutepoca e descrevemos as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo do

Apologista Aleacutem disso abordamos o efeito desta construccedilatildeo que possivelmente se tornou um

dos maiores (se natildeo o principal) legados deixado pelo autor Por uacuteltimo buscamos estabelecer

um comentaacuterio soacutebrio sobre a tese de Justino a respeito da realidade da razatildeo regenerada como

o agente arbitral na vida humana como a ldquoforccedilardquo condutora para se conhecer agrave Verdade

505 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

506 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

507 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

116

No proacuteximo capiacutetulo trataremos do que em nossa opiniatildeo eacute o ponto epiteacutetico deste

relato apologeacutetico de Justino Mesmo diante de muitas circunstacircncias que em sua eacutepoca afligiam

consideravelmente a cristandade Justino nos apresenta uma ldquochave mestrardquo que no seu

entendimento nos prova que o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga e deste modo a uacutenica que

revela genuinamente a Verdade

117

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO

Poderiam nos objetar ldquoQue inconveniente haacute em que esse que noacutes chamamos Cristo

seja um homem que vem de outros homens e que por arte maacutegica fez os prodiacutegios

que dizemos e por isso pareceu ser filho de Deusrdquo Apresentaremos pois a

demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos mas crendo por

necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da forma que os vemos

cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos tal como foram

profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes mesmos a mais forte

e a mais verdadeira508

Iniciamos a seccedilatildeo final desta dissertaccedilatildeo partindo novamente da principal delimitaccedilatildeo

textual empregada a esta pesquisa Neste espaccedilo nossa anaacutelise se concentraraacute no capiacutetulo XXX

da I Apologia onde encontramos uma enfaacutetica afirmaccedilatildeo apresentada acerca da leitura das

profecias do Antigo Testamento e da interpretaccedilatildeo que Justino fez delas

Quando examinamos a trajetoacuteria de Justino na feacute cristatilde nos deparamos com

comentaacuterios situacionais que visam fixar conjuntos referenciais sobre as coisas consideradas

reais as quais nos possibilitem identificar com clareza as situaccedilotildees existentes no cenaacuterio

analisado Uma dessas afirmaccedilotildees seria a de que ldquoSeguindo sua inspiraccedilatildeo (de Justino) logo

houve outros cristatildeos que se dedicaram a construir pontes entre sua feacute e a cultura da

antiguidaderdquo509 Asserccedilotildees como esta mostram um caminho amplo e sistecircmico de um projeto

de construccedilatildeo que visa estabelecer novos paradigmas neste caso especiacutefico para a cristandade

da eacutepoca

Este processo natildeo eacute formado simplesmente por elementos de coesatildeo mas tambeacutem por

muitas medidas de desconexatildeo Em alguns momentos o projeto evangeliacutestico de Justino eacute

desenvolvido majoritariamente por meios apologeacuteticos e foi amplamente caracterizado por

visar um processo de desconstruccedilatildeo dos valores vigentes de seu meio sociorreligioso algo que

jaacute atestamos anteriormente relacionando o processo dialeacutetico de Justino a outros fatores

Seguindo esse processo este capiacutetulo nasce da necessidade de apresentarmos uma

resposta satisfatoacuteria para algo que surge na parte final da porccedilatildeo selecionada como base

(capiacutetulos XXIII a XXX da I Apologia) de nossa busca de soluccedilotildees para o objetivo central desta

pesquisa Neste contexto um ponto epiteacutetico surge e se move em meio agraves palavras de Justino

sendo enfaticamente referido ao cumprimento profeacutetico do Antigo Testamento Esse caso

508 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

509 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

118

interpretativo do Apologista natildeo ocorre apenas no capiacutetulo XXX mas tambeacutem em outras

passagens da I Apologia510 as quais condicionaratildeo o alvo final de nossa anaacutelise

Entretanto se haacute um epiacuteteto significa que haacute um cliacutemax neste conjunto que requer ser

exposto e acima de tudo abordado Deste modo surgem algumas indagaccedilotildees sobre este ponto

alto levantado e abordado por Justino Essa busca nos leva a perguntar como estava a

consciecircncia sobre a realidade messiacircnica no Seacuteculo II em meio aos cristatildeos O que eram e o

que significavam as profecias consideradas messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino

Elas se realizaram na visatildeo do autor O que ele visava comunicar para seus leitores atraveacutes

delas Havia nelas um ponto alto uma maacutexima a ser revelada Por uacuteltimo havia como a

Verdade ser revelada eou representada por meio do cumprimento dessas profecias

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO

O messianismo como movimento teoloacutegico tem uma longiacutenqua e variada histoacuteria em

sua estruturaccedilatildeo e desenvolvimento Diversos cenaacuterios humanos desde as antigas dinastias do

Impeacuterio Egiacutepcio passando por quase todo crescente feacutertil chegando ateacute a antiga realeza

Mesopotacircmica descreviam traccedilos de similaridade que apresentavam um ser protagonista em

seu ambiente poliacutetico e religioso (caso essa diferenciaccedilatildeo possa existir para a eacutepoca) o qual

passa a caber como uma entidade superior gerada manifestada sustentada e dirigida

Divinamente

A pesquisa moderna nos tem surpreendido de maneira constante ao apresentar

elementos encontrados nas civilizaccedilotildees antigas os quais se referem agrave ideia sobre a existecircncia

de uma figura messiacircnica de presenccedila soberana potencial salviacutefico e valor moral ilibado O

Egito como um grande Impeacuterio na antiguidade jaacute nos expotildee uma diversidade de personagens

exoacuteticos (que envolviam essencialmente a figura do ImperadorFaraoacute) que deveriam de

maneira fundamental exercer uma ordem religiosa poliacutetica e moral Cabe-nos ressaltar de iniacutecio

que ldquolonge de produzir qualquer coisa parecida com a figura de um lsquoMessiasrsquordquo511 como no

judaiacutesmo as crenccedilas religiosas no antigo Egito salientavam que esse agente mantenedor da

ordem coacutesmica ndash com accedilatildeo visiacutevel no tempo presente ndash faria por meio de sua sucessatildeo

(dinastia) a manutenccedilatildeo desses elementos cariacutessimos para o bem geral e deste modo

510 Ver JUSTINO I Apologia XXXIII 1 XXXVI 6 XLIV 3 XLVIII 1 LI 6 LII 1 4

511 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 52

119

possibilitaria a passagem para o mundo futuro de qualidade superior por ser santificado pela

ldquopassagem do deus-Sol pelo aleacutemrdquo512

Quanto agrave regiatildeo da Mesopotacircmia os povos de origem Sumeacuteria Babilocircnica e Assiacuteria

demonstram similar afinidade quando buscam exteriorizar o modelo de realeza ideal a ser

desempenhado pelo respectivo soberano em atividade Nestes povos nos chama a atenccedilatildeo que

a linhagem deste personagem era considerada uma inquestionaacutevel instituiccedilatildeo Divina sendo

ldquodesignado pelo pai (Rei predecessor) como o priacutencipe herdeirordquo513 Tal nomeaccedilatildeo era ldquofeita

com a aprovaccedilatildeo dos deusesrdquo514 algo que tambeacutem ocorre de forma similar na aprovaccedilatildeo de

Davi e sua linhagem como monarquia perpeacutetua515 Quanto aos Mesopotacircmicos ainda eacute

necessaacuterio mencionar a respeito de suas ldquoinscriccedilotildees reacutegiasrdquo516 que apresentavam a solene

tradiccedilatildeo ao povo tambeacutem traziam consigo a responsabilidade de descrever o ethos do Soberano

como algueacutem que fora designado e iluminado divinamente para o cargoposiccedilatildeo Essa

contestaccedilatildeo explica por que ldquoNesse sentido a antiga Mesopotacircmia era verdadeiramente

messiacircnicardquo517

No Antigo Testamento variadas e amplas satildeo as alternativas que se apresentam na

construccedilatildeo de uma possiacutevel linha de pesquisa sobre o tema Elas perpassam todo o texto biacuteblico

do Pentateuco aos Profetas Menores ganhando destaque junto aos Livros Histoacuterico que ldquonos

permitem conhecer todas as luzes e sombras da esperanccedila messiacircnicardquo518 aleacutem de tambeacutem

encontrar uma ecircnfase diretiva nos Profetas Maiores (Isaiacuteas e Ezequiel por exemplo) Contudo

eacute nos escritos Poeacuteticos e Sapienciais que encontra-se o repouso pleno dessa mensagem de

esperanccedila e o Livro dos Salmos ganha significativa relevacircncia junto ao cenaacuterio Hamilton nos

enfatiza que a ldquoliteratura de Salmos considera de modo todo especial o mashicircah como agente

512 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

513 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 grifo nosso No Original

Designato dal padre come principe ereditario

514 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 No original fatta con

lapprovazione degli dei

515 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

516 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

517 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

518 SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 103

120

de Deus ou seu vice regente (como em Sl 22)rdquo519 Esta perspectiva ndash recebida mediante os

escritos considerados profeacuteticos sobre a figura ldquosalviacuteficardquo para Israel ndash fica clara quando

salienta a trajetoacuteria do Ungido ao fazer seu percurso de caraacuteter libertador e restaurativo Este

anuacutencio salviacutefico conecta-se automaticamente de forma simples ao proacuteximo passo desta missatildeo

libertadora520 a qual consideraraacute as profecias como realizadas em definitivo

Ao examinarmos alguns dos conceitos fundamentais da hermenecircutica messiacircnica no

Novo Testamento vemos que a expectativa sobre o restabelecimento de um reino Daviacutedico

sobre a terra (amplamente difundido na concepccedilatildeo religiosa do judaiacutesmo tardio) faz com que a

Nova Alianccedila estabelecida na concepccedilatildeo dos cristatildeos atraveacutes do advento do Ungido ganhe

contornos bem definidos no sentido de enxergar na figura de Jesus Cristo o cumprimento

absoluto das promessas messiacircnicas

Dos Evangelhos ao Apocalipse de Joatildeo o messianismo que antes representava

majoritariamente um princiacutepio de restauraccedilatildeo poliacutetica e espiritual para diversos movimentos

judaicos passou a ganhar nova e emblemaacutetica posiccedilatildeo pois tudo ndash em maior ou menor

proporccedilatildeo dependendo do autor biacuteblico ndash foi constituiacutedo pela forte convicccedilatildeo do elemento

messiacircnico (como um ente) relacionado agrave ldquopresenccedila terrena passada de Jesus o Messias

(prometido a Israel)rdquo521 vinculando Este agrave realidade dos fatos presentes e dos eventos futuros

(escatoloacutegicos) aguardados pelos cristatildeos Importante tambeacutem citarmos que para a formaccedilatildeo

dogmaacutetica no Seacuteculo I os relatos histoacutericos do cristianismo (Atos dos Apoacutestolos) tiveram

fundamental importacircncia nesta construccedilatildeo teoloacutegica pois viriam ldquopara confirmar tanto a

historicidade do personagem quanto sua consideraccedilatildeo popular do Messiasrdquo522

Tratando-se do periacuteodo poacutes-apostoacutelico ateacute os dias de Justino ndash ponto que se torna o

delimitador desse item ndash vemos que uma pujante cristalizaccedilatildeo sobre o conceito messiacircnico se

estruturava sem maiores dificuldades O relato escrituriacutestico somado agrave forte conscientizaccedilatildeo

sobre a existecircncia de um futuro reinado messiacircnico sobre a terra ratificava de forma decisiva

519 HAMILTON In 1255c maumlshicircah Ungido aquele que eacute ungido Dicionaacuterio Internacional de Teologia do

Antigo Testamento 1998 p 885 grifo do autor

520 Cabe-nos registrar que o periacuteodo entre 340 aC a 30 dC eacute riquiacutessimo no que se trata de documentaccedilatildeo

envolvendo o tema messiacircnico em Israel Os escritos de Qumran satildeo proacutedigos em registros que tratam sobre a

expectativaesperanccedila messiacircnica para o periacuteodo que antecede e inaugura o Novo Testamento Ver BROOKE In

Realeza e messianismo nos manuscritos do Mar Morto Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 451-472 SICRE De Davi ao Messias textos

baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 334-351

521 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 510 grifo nosso

522 MIRALLES El Mesiacuteas en tiempos del NT 2006 p 40 No original a confirmar tanto la historicidad el

personaje como su consideracioacuten popular de Mesiacuteas

121

a mentalidade cristatilde no periacuteodo a ponto de podermos afirmar que ldquotornou-se caracteriacutestica da

escatologia cristatilde primitiva por exemplo Justino Dial 113 139 Tertuliano Adv Marcionem

3 24 Irineu Adv Haer 5 33 3-4rdquo523 entre outros Pais ateacute final do Seacuteculo II o estabelecimento

do entendimento de que o pleno cumprimento das profecias messiacircnicas estava em Jesus Cristo

tanto nos fatos jaacute realizados quanto nos ainda por se cumprirem524 Este caso em especiacutefico

tambeacutem nos atesta que os Pais Apologistas foram aqueles que produziram os ldquoprimeiros ensaios

de teologia cientiacutefica que apareceram na Igrejardquo525 mostrando deste modo quatildeo notaacutevel foi

sua influecircncia Esta tendecircncia hermenecircutica messiacircnica na Patriacutestica perdurou ateacute o advento da

escola alexandrina no iniacutecio do Seacuteculo III526

Deste modo de maneira incontestaacutevel podemos afirmar que o messianismo como

temaacutetica teoloacutegica tornou-se uma das contribuiccedilotildees mais importantes da histoacuteria da

religiosidade monoteiacutesta a niacutevel mundial tendo como seus baluartes intelectuais o cristianismo

(de forma maciccedila) e algumas correntes do judaiacutesmo Este ideaacuterio teoloacutegico ndash que se concentra

em um ou dois agentes527 de superaccedilatildeo da realidade sociorreligiosa ndash iniciou-se provavelmente

como algo inserido profundamente em ditames de teor poliacutetico passando posteriormente a ser

um princiacutepio orientativo para determinados seguimentos religiosos e acabou por se definir em

uma expectativaesperanccedila de caraacuteter excepcionalmente escatoloacutegico

Salientamos que a partir do desenvolvimento da ldquoideologiardquo messiacircnica houve uma

abrupta ruptura entre as suas duas principais correntes de aclamaccedilatildeo especialmente devido a

singularidade identitaacuteria do protagonista algo de imensa relevacircncia para ambos os lados Este

fato requerido e inegociaacutevel em sua espeacutecie tornou-se o ldquoatestadordquo do cumprimento profeacutetico

das exigecircncias teoloacutegicas que distinguiam especialmente a ldquoliteratura cristatilde primitivardquo528

Obviamente sabemos que estas ldquobalizasrdquo envolvem a pessoa de Jesus morador histoacuterico da

cidade de Nazareacute como sendo o autecircntico Ungido (MessiasCristo) prometido a Israel

Os passos a seguir nos conduziratildeo de maneira especiacutefica novamente ao pensamento

de Justino Sua compreensatildeo do escopo profeacutetico messiacircnico do Antigo Testamento torna-se a

523 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 493 grifo do autor

524 Aqui nos referimos a tese moderna do ldquojaacute e o ainda natildeordquo desenvolvida por Oscar Cullmann Ver

CULLMANN Salvation in History 1967

525 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 49

526 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

527 Ver SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 342-343

528 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 492

122

partir de agora nosso alvo e objeto de anaacutelise Esse conjunto de fatos que exteriorizou a

revelaccedilatildeo Divina antes do advento do cristianismo como religiatildeo acabou por condicionar-se

entre outras coisas em um dos casos mais pertinentes da doutrina cristatilde em toda a sua histoacuteria

O Logos Palavra Verbo que encarnou na concepccedilatildeo cristatilde foi entendimento claramente como

o Messias prometido a Israel o qual toda a tradiccedilatildeo religiosa judaica (por seacuteculos) ainda

esperava poreacutem Justino junto aos seus (cristatildeos) jaacute o havia reconhecido e recebido como

Deus

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO

Toda abordagem de Justino nesta temaacutetica possui um elevado grau de reconhecimento

especialmente devido agrave sua posiccedilatildeo Patriacutestica pois em Justino nos eacute possiacutevel afirmar que este

foi ldquoum dos primeiros autores cristatildeos a formular a exegese da presenccedila do Verbo-Messias na

Lei e nos profetasrdquo529 Esse reconhecimento se destaca por meio de um forte aparato

metodoloacutegico no qual a estruturaccedilatildeo escrituriacutestica do Apologista ganha ecircnfase Xavier salienta-

nos esta orientaccedilatildeo definindo-a como um proacutedigo ldquoponto cardealrdquo na temaacutetica do autor ldquosua

obra como um todo contribuiacute para explicar a feacute cristatilde baseada nas Escrituras como a fonte

suprema de autoridade cujas profecias podem ser compreendidas somente pela Graccedila de

Deusrdquo530

Ao analisarmos a I Apologia fica-nos evidente a relaccedilatildeo que Justino faz de forma

automaacutetica ou seja como uma consequecircncia procedimental do papel das Escrituras Sagradas

referente a manifestaccedilatildeo de Cristo como pessoa humana e como ministro das coisas celestiais

Aleacutem disso Justino contempla (reconhece) nas profecias toda a revelaccedilatildeo que Deus visou

apresentar aos Homens atraveacutes do Logos encarnado em Cristo Notamos que este

condicionamento oferecido por Justino acaba por se tornar desde cedo em sua anaacutelise profeacutetica

(do Antigo Testamento) algo absolutamente imperativo e imparcial para com o

desenvolvimento de sua perspectiva messiacircnica Na visatildeo do Apologista tudo o que eacute

legalmente oferecido e constituiacutedo em Cristo ldquorepousa nas profecias veterotestamentaacuterias e no

que ele chama de lsquomemoacuteriasrsquo dos apoacutestolos ou seja os evangelhos (JUSTINO I Apologia

LXVI 3)rdquo531

529 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

530 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

531 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

123

Neste contexto cabe-nos ressaltar esta importante fundamentaccedilatildeo do Texto Sagrado

como tambeacutem da Tradiccedilatildeo Apostoacutelica encontrada em Justino Estes alicerces da feacute cristatilde

significam e tem para Justino a funccedilatildeo de ldquobuacutessolardquo teoloacutegica a qual neste caso

especificamente sempre estaacute estabilizada na direccedilatildeo do ldquonorterdquo profeacutetico o qual sem exageros

podemos chamar de uma espeacutecie de ldquonorte messiacircnicordquo Isso porque sua interpretaccedilatildeo

(exegese) nasce de uma hermenecircutica claramente messiacircnica algo que notamos sempre de

forma niacutetida quando o Apologista aponta para a direccedilatildeo de tentar migrar agrave atenccedilatildeo ndash ou

poderiacuteamos dizer moldar o entendimento ndash de seus ouvintes para estes fatos (profecias

messiacircnicas) que possuiacuteam um teor incontestaacutevel na oacutetica do Apologista Indiscutivelmente

para Justino a ldquoprofecia eacute a prova maacuteximardquo532 eacute ldquoo ponto mais forte em relaccedilatildeo agrave veracidade

do cristianismordquo533

Algumas das passagens da I Apologia contribuem decisivamente para este conceito

Por exemplo quando Justino afirma ldquoDisso proveacutem nossa firmeza em aceitar seus

ensinamentos pois se manifesta realizado tudo quanto ele predisse que aconteceria Eis a obra

de Deus dizer as coisas antes que aconteccedilam e depois mostrar o acontecido tal qual ele foi

preditordquo534 Logo adiante no mesmo contexto o Apologista robustece ainda mais seu

raciociacutenio seguindo em uma de suas mais peculiares abordagens Justino claramente natildeo visa

um posicionamento maiecircutico535 nem busca uma manifestaccedilatildeo sofista para com o puacuteblico-alvo

de sua I Apologia Assim ele reafirma com zelo a determinaccedilatildeo de seu ideaacuterio de feacute

ldquoPoderiacuteamos terminar aqui o nosso discurso sem acrescentar mais nada considerando que

pedimos coisas justas e verdadeirasrdquo536

Neste trecho transparece-nos a ideia de que Justino reconhecia nas profecias algo de

elementar e misterioso que natildeo podia ser ocultado Para o Apologista estaacute expliacutecito que aquilo

que esta projeccedilatildeo Divina ndash de essecircncia clara devida e orientada segundo a obra do Espiacuterito

Santo ndash visava expressar ao conhecimento humano era o conteuacutedo filosoacutefico salviacutefico do Logos

que ldquoilumina toda alma de boa vontaderdquo537 fazendo com que as profecias da Antiga Alianccedila

532 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 23

533 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

534 JUSTINO I Apologia XII 10 grifo nosso

535 Maiecircutica (maimiddotecircumiddottimiddotca) grego maieutikeacute ciecircncia ou arte do parto Substantivo feminino Significa Uma das

formas pedagoacutegicas do processo socraacutetico a qual consiste em multiplicar as perguntas a fim de obter por induccedilatildeo

dos casos particulares e concretos um conceito geral do objeto em estudo Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua

Portuguesa Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgmaiecircuticagt Acesso em 12 de mar 2019

536 JUSTINO I Apologia XII 11 grifo nosso

537 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

124

evidentemente conseguissem comunicar seu caraacuteter e estado superior o qual por ter-se

concretizado na manifestaccedilatildeo do Evangelho de Cristo atestava o cumprimento das Boas Novas

do Logos que os profetas (e tambeacutem os filoacutesofos538) haviam recebido no passado como um

sinal visiacutevel de que agrave Palavra Incriada visitaria plenamente aos homens Neste aspecto

podemos celebrar juntamente com Justino sua tentativa ordenada ndash e consequentemente loacutegica

ndash de aprumar a religiatildeo cristatilde neste cenaacuterio profeacutetico Sobre esta praacutetica Santos comenta o

seguinte

Em seu texto Justino parece revelar-nos que as profecias foram o que mais o

convenceram quanto agrave ldquoverdaderdquo do evangelho Se sua busca era encontrar Deus

(JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6) no cristianismo ele o encontrou a partir da

veracidade das profecias Elas eram a confirmaccedilatildeo de que o cristianismo era a

verdade que ele tanto procurava539

Quando se lecirc a I Apologia percebe-se que o contato de Justino com o Antigo

Testamento foi muito significativo algo que possivelmente foi ocasionado e fomentado por sua

relaccedilatildeo de proximidade na infacircncia e juventude com o ambiente judeu na cidade de Flaacutevia

Neaacutepolis mesmo que sua obra natildeo nos indique um ldquoconhecimento aprofundado do

judaiacutesmordquo540 do periacuteodo por parte de Justino

Contudo uma ordenaccedilatildeo de caraacuteter sadia ndash no sentido interpretativo ndash nos parece ter

surgido desde cedo na relaccedilatildeo analiacutetica de Justino para com as profecias veterotestamentaacuterios

Pode-se afirmar que os profetas e suas profecias lhe despertaram muito a consciecircncia e

provocaram grande reflexatildeo em Justino Dois outros aspectos chamam bastante a atenccedilatildeo

porque descrevem com consistecircncia a posiccedilatildeo hermenecircutica de Justino O primeiro estaacute

relacionado a sua defesa da ideia de que o Antigo Testamento retrata tipologicamente a Nova

Alianccedila O segundo eacute o conjunto messiacircnico desenvolvido na I Apologia541 algo que veremos

mais detalhadamente a seguir Voltando ao primeiro ponto a pesquisa de Xavier nos auxilia

significativamente pois consegue sintetizaacute-lo de forma ampla e coerente

538 Ver JUSTINO I Apologia XLIV 1-13

539 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

grifo nosso

540 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

541 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

125

No tratado ldquoContra Maacutercionrdquo refuta os ensinos deste que instigavam a crer em outro

deus maior do que o criador proferindo blasfecircmias e negando que o criador do

universo seja o Pai de Cristo Embora Marciatildeo fosse considerado cristatildeo ensinava

que o Antigo Testamento natildeo devia ser seguido pelos cristatildeos por ser muito diferente

dos ensinos de Cristo Os judeus por sua vez tambeacutem diziam que os cristatildeos

interpretavam mal o Antigo Testamento vendo nele a preparaccedilatildeo para a vinda de

Jesus Essas discussotildees propiciaram Justino a escrever ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo onde

ele argumenta com o judeu Trifatildeo acerca da relaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e o Antigo

Testamento utilizando-se de tipologias visando demonstrar como se interpreta o

Antigo Testamento afirmando que ldquo[] o Antigo Testamento aponta para Jesus

principalmente de dois modos mediante suas palavras profeacuteticas e mediante atos e

accedilotildees que satildeo lsquofigurasrsquo ou lsquotiposrsquo que tambeacutem apontam para Jesusrdquo A interpretaccedilatildeo

tipoloacutegica de Justino baseia-se nos proacuteprios fatos histoacutericos em particular nos fatos

da vida de Jesus542

Nesta posiccedilatildeo do exame cabe-nos recordar e ressaltar o caraacuteter fortemente

empiacuterico543 que se apresenta novamente no relato de nosso autor Este se sustenta de maneira

consideraacutevel pois eacute utilizado como um criteacuterio comprobatoacuterio da metodologia apologeacutetica de

Justino Como jaacute vimos anteriormente Justino natildeo era um empirista segundo o rigor que o

termo exige a partir do Seacuteculo XVII Entretanto o Apologista parece conduzir a concepccedilatildeo do

real a uma inevitaacutevel relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica especialmente no caso do Logos profetizado

que se manifestou em Cristo Assim torna-se inevitaacutevel reconhecer que para Justino a Verdade

se manifestou no reconhecimento da experiecircncia do homem para com agrave profecia Divina

Algo que tambeacutem nos chama bastante atenccedilatildeo nesta cena eacute que este suposto meacutetodo

empirista que poderiacuteamos chamar de claacutessico544 parece ser mais atrelado agraves teorias aristoteacutelicas

do que platocircnicas545 devido agrave grande valorizaccedilatildeo do meacutetodo indutivo Desta forma vemos no

capiacutetulo XXX da I Apologista um conjunto que visa apontar elementos de teor comprobatoacuterio

Nesta porccedilatildeo encontramos a partir da visatildeo do Apologista a seguinte conceituaccedilatildeo

Apresentaremos pois a demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos

mas crendo por necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da

forma que os vemos cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos

tal como foram profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes

mesmos a mais forte e a mais verdadeira546

542 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 19

543 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

544 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

545 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

546 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

126

Algo de importacircncia singular em toda esta exposiccedilatildeo eacute o estabelecimento da ideia

como tambeacutem a percepccedilatildeo de um estado ativo de consciecircncia em Justino Para ele as profecias

veterotestamentaacuterias tecircm sua origem (entenda-se inspiraccedilatildeo) na terceira pessoa da Trindade547

O Espiacuterito Santo que Justino chama de ldquoEspiacuterito profeacuteticordquo548 aparece em seus registros como

Aquele que atua de forma proclamadora sendo o agente inspirador e formador no espiacuterito dos

profetas da Palavra a ser promulgada trazendo ao conhecimento de todos por meio desses

servos os eventos divinos que futuramente se revelariam Aqui vale-nos registrar que o

princiacutepio de pressaacutegio como algo que foi ajuizado para se revelar num tempo futuro possuiacutea

fundamental importacircncia nesta conceituaccedilatildeo Para Justino era imprescindiacutevel em sua

construccedilatildeo apologeacutetica salientar que as profecias foram registradas efetivamente antes de seu

cumprimento ou seja antes de terem se tornado fatos reais549

Neste contexto cabe-nos examinar duas passagens da I Apologia que promovem esta

ideia Sem desejarmos abordar de maneira direta qualquer outra ecircnfase teoloacutegica nestas

passagens ndash por exemplo aplicaccedilotildees escatoloacutegicas e outras ndash iremos apenas nos focar naquilo

que entendemos ser o grau de concordacircncia substancial oferecido e exigido por ambas as

porccedilotildees dentro de nossa temaacutetica A anaacutelise profeacutetica (interpretaccedilatildeo) do Apologista se

desenvolve desta forma

Entre os judeus houve profetas de Deus atraveacutes dos quais o Espiacuterito profeacutetico

anunciou antecipadamente os acontecimentos futuros e os reis que segundo os

tempos se sucederam entre os judeus apropriando-se de tais profecias guardaram-nas

cuidadosamente tal como foram ditas e tal como os proacuteprios profetas as consignaram

em seus livros escritos em sua proacutepria liacutengua hebraica [] E de novo o mesmo

profeta Isaiacuteas inspirado pelo Espiacuterito profeacutetico disse [hellip]rdquo550

De forma emblemaacutetica vemos na apresentaccedilatildeo de Justino relacionada ao proacuteprio

Cristo Logos Messias o ponto elementar e essencial para a interpretaccedilatildeo da revelaccedilatildeo profeacutetica

do Antigo Testamento uma vez que o conhecimento transcendental relacionado agrave pessoa de

547 Justino coordena com certa razoabilidade em seus escritos a descriccedilatildeo das Trecircs Pessoas Divinas utilizando-se

especialmente para isso de foacutermulas obtidas dos ritos de batismo e eucaristia Suas referecircncias ao Espiacuterito Santo

aparecem com normalidade em suas obras embora Justino natildeo seja absolutamente claro acerca da relaccedilatildeo entre as

funccedilotildees do Espiacuterito e as do Logos em algumas passagens Entretanto eacute niacutetido que o Apologista considerava que

estes (Pai Logos e Espiacuterito) eram realmente pessoas distintas Ver JUSTINO I Apologia LXI 3-12 KELLY

Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 75

548 JUSTINO I Apologia VI 2

549 JUSTINO I Apologia XII 9-10

550 JUSTINO I Apologia XXXI 1 XXXV 3a grifo nosso

127

Jesus manifestava a sua proacutepria natureza ministerial ou seja revelava o Messias prometido a

Israel Em um contexto que aborda sobre Moiseacutes e as profecias messiacircnicas Justino eacute

categoacuterico em afirmar ldquoateacute agrave apariccedilatildeo de Jesus Cristo nosso Mestre e interprete das profecias

desconhecidas tal como foi de antematildeo dito pelo Espiacuterito Santo profeacutetico por meio de Moiseacutes

que natildeo faltaria priacutencipe dos judeus ateacute aquele para o qual estaacute reservada a realezardquo551

Nesta mesma abordagem torna-se importante fazer uma observaccedilatildeo quanto agrave

excepcional erudiccedilatildeo apresentada por Justino O Apologista fomenta uma impecaacutevel exegese

de caracteriacutestica e ordenamento dogmaacutetico algo que explica as peculiaridades do autor e seu

meio intelectual (Patriacutestico)552 distinccedilatildeo que tambeacutem pode ser detectada em sua apresentaccedilatildeo

de caraacuteter expositivo dos textos biacuteblicos utilizados553 Santos contribui decisivamente na

construccedilatildeo deste realce

Mas ele mesmo se mostra um exiacutemio exegeta ao enumerar e manusear as profecias

tanto do Antigo Testamento quanto as do Novo Testamento Justino as interpreta as

explica as esclarece revela a que se referem com uma forte argumentaccedilatildeo Haacute

algumas incoerecircncias em suas interpretaccedilotildees poreacutem estas satildeo frutos das boas

intenccedilotildees em demonstrar o quanto as profecias comprovam a superioridade da feacute dos

cristatildeos554

Notamos portanto que Justino representa mais do que uma ideia destacadamente ele

representa a continuidade de uma fiel relaccedilatildeo entre a profecia aplicada no passado e a

orquestraccedilatildeo de seu estabelecimento no presente555 Este presente que agora estaacute sob o efeito

daacute ldquotransformaccedilatildeo completa do conceito da filosofiardquo556 passa a ser entendido como um estado

contiacutenuo que invade e preenche o futuro com sua proclamaccedilatildeo por ser fidedignamente um

retrato do dogma cristoloacutegico557 ecircnfase que acaba por cristalizar-se a ponto de ser possiacutevel se

afirmar que ldquoJustino foi o primeiro verdadeiro teoacutelogo a formular uma teologia da histoacuteria

551 JUSTINO I Apologia XXXII 2b

552 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

553 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

554 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114-

115

555 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

556 Para Boehner e Gilson agrave filosofia grega como ciecircncia entendida a eacutepoca passa para os cristatildeos o controle

histoacuterico de seus atos a partir da Era dos Pais Apologista sendo Justino o elemento decisivo para que ocorresse

esse fenocircmeno cultural Ver BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

557 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

128

cristocecircntricardquo558 Deste modo finalizamos este item com o pensamento de Walde Neste

vemos com clareza que no conceito de Justino a figura humana de Jesus Cristo era literalmente

a manifestaccedilatildeo do que poderia ser considerado ldquoprofecias cumpridasrdquo559

Adicionado a esta leitura apresentamos a partir de agora o exame de um dos elementos

teoloacutegicos mais caros ao cristianismo Este singelo criteacuterio nos conduziraacute ao cliacutemax daquilo que

Justino visava comunicar por meio do processo de revelaccedilatildeo contido nas profecias do Antigo

Testamento Deste modo iniciamos a parte final desta pesquisa O item seguinte iraacute

complementar o atual e finalizar este capiacutetulo com uma anaacutelise sobre o cumprimento profeacutetico

da Primeira Alianccedila sendo esse processo o grande resultado que para Justino equivale agrave

apropriaccedilatildeo da Verdade como uma definiccedilatildeo real sobre a vida e os acontecimentos humanos

pois para Justino isso prova de maneira definitiva que a Verdade estaacute com o cristianismo Essa

evidecircncia indubitaacutevel para o Apologista eacute a encarnaccedilatildeo de Cristo

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO

Iniciamos este item citando a Walde que eacute emblemaacutetico ao se utilizar do pensamento

de Schaff quando procura introduzir em sua pesquisa um conjunto de mediadas loacutegicas que

parecem visar o estabelecimento de uma proposta a teologia de Justino Walde buscando de

maneira clara estabelecer um rigor de orientaccedilatildeo para causas que ele considera balizares

apresenta-nos mediante um meacutetodo a priori560 seu entendimento de que para Justino haacute uma

consequecircncia ndash dando-nos a impressatildeo de que este evento eacute o grau maacuteximo possiacutevel para o

caso ndash causal para aquilo que a humanidade testificou sobre a accedilatildeo salviacutefica de Deus Deste

modo Walde conjectura sobre a ideia de Schaff e nos afirma que ldquolsquoo cristianismo eacute a alta

razatildeorsquo para Justino lsquoO Logos eacute a razatildeo preacute-existente absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo

dele o Logos encarnadorsquordquo561

Eacute oportuno aqui apresentarmos um resumo de alguns pontos essenciais jaacute

desenvolvidos em nossa pesquisa principalmente na questatildeo que envolve o conceito do Logos

em Justino poreacutem agora focado no dogma da encarnaccedilatildeo de Jesus Cristo

558 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

559 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

560 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

561 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5 grifo nosso

129

Desta maneira optamos por comeccedilar esta reapresentaccedilatildeo de uma forma mais geneacuterica

onde a explanaccedilatildeo de Dreher contribui de maneira significativa Ele escreve ldquoO cristianismo

segundo Justino natildeo soacute eacute a mais antiga como tambeacutem a religiatildeo mais natural e praacuteticardquo562

Trata-se de uma harmoniosa relaccedilatildeo entre estado e forma ou talvez entre causa e efeito O

cristianismo como corpo (uma coletividade organizada) passa a ser o efeito seleto de uma

substacircncia (Logos) que eacute perfeita e sublime na concepccedilatildeo de Justino563 O mesmo sentido

conseguimos captar em Dreher que apresenta a seguinte definiccedilatildeo a respeito do ideaacuterio

apologeacutetico do Seacuteculo II

Toda a histoacuteria em uacuteltima anaacutelise se desenrola em direccedilatildeo ao cristianismo Homens

como Heraacuteclito e Soacutecrates foram inspirados pelo Logos divino bem como os

precursores do cristianismo Abraatildeo Elias e outros profetas Judeus Em Cristo toda a

filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo564

Novamente algo bem condensado nos aparece junto aos comentaacuterios feitos a respeito

do Logos especialmente no que se refere aquilo ou aqueles que envolviam o ambiente

sociorreligioso de Justino ndash lugar de sua conceituaccedilatildeo por excelecircncia O cenaacuterio cultural

descrito conduz (de maneira linear) o tema a uma nova anaacutelise temporal devido ao forte teor

teoloacutegico que possuiacutea Esta mensagem reorientada (o Logos que tornou-se Homem) por Justino

afirmava que tudo o que um dia foi profetizado por um povo estrangeiro ndash considerado de

cultura ldquoestranha e inferiorrdquo a realidade do mundo greco-romano ndash a partir de agora os conduzia

a Verdade e isso de forma antroacutepica por meio de uma ideia um tanto quanto exoacutetica (absurda)

para esse meio cultural Esse novo conceito afirma que um ser excelso (divino) tinha se tornado

um ser humano ou seja que ele havia encarnado

Na mesma linha de Dreher Wachholz se pronuncia de forma muito similar ele

escreve ldquoPara Justino o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga pois foi preparada pelo Logos

como se evidecircncia nos profetas e no pensamento grego Em Cristo a filosofia chega agrave plenitude

Mais do que isso toda a histoacuteria se desenvolve na direccedilatildeo do cristianismordquo565 Desta maneira

a transmissatildeo dessa ideia acaba por ganhar um teor imperativo em sua implicaccedilatildeo pois nesse

ponto (encarnaccedilatildeo do Logos) a leitura que compreendemos ter havido por parte de Justino

562 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

563 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

564 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

565 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 61 grifo nosso

130

referente agrave Primeira Alianccedila comeccedila a apresentar de maneira elaborada seu ente e

consequentemente a este sua essecircncia Seu ente eacute Jesus Cristo (o Homem) sua essecircncia eacute

Logos566

Deste modo manifesta-se algo profundo na construccedilatildeo e postura de Justino quando

ele passa a atribuir (mesmo que de forma implicitamente) agrave encarnaccedilatildeo de Cristo toda a

eficiecircncia necessaacuteria para o pleno cumprimento das profecias do passado Notamos que na

opiniatildeo do Apologista as questotildees referentes a libertaccedilatildeo do homem de sua ignoracircncia e das

accedilotildees demoniacuteacas que o escravizam ndash assunto que eacute amplamente tratado na I Apologia567 ndash

acabam por exercer relevante importacircncia no cenaacuterio humano de forma geral porque estas

mazelas espirituais dominam e vituperam o ser humano aprisionando-o por meio de sofismas

e de falsos exames da verdadeira realidade histoacuterica Esse ponto eacute realmente relevante quando

tratamos sobre o pensamento de Justino pois ele entendia de maneira praacutetica568 que os

democircnios possuiacuteam uma missatildeo ordinaacuteria de ldquoreduzir os homens a escravos e assistentes

seusrdquo569

A ligaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e a filosofia grega natildeo se faz sem conflitos570 e natildeo eacute uma

questatildeo de menor impacto no periacuteodo do Seacuteculo II No que cabe a delimitaccedilatildeo deste estudo o

comentaacuterio de Gonzaacutelez a respeito do Tratado de Taciano571 retrata esse conflito de visotildees que

cercava o avanccedilo do Evangelho em meio a cultura helecircnica do periacuteodo Este registro traz

importante contribuiccedilatildeo ao nosso raciociacutenio Gonzaacutelez diz

Tudo o que a haacute de valioso entre os gregos ndash prossegue Taciano ndash eles o tomaram dos

baacuterbaros Assim por exemplo a astronomia aprenderam dos babilocircnios a geometria

dos egiacutepcios e a escrita dos feniacutecios E o mesmo pode se dizer acerca da filosofia e da

religiatildeo pois os escritos de Moiseacutes satildeo muito mais antigos que os de Platatildeo e ateacute mais

antigos que os de Homero Se Homero e Platatildeo realmente eram pessoas cultas

segundo os proacuteprios gregos dizem era de se supor que conhecessem os escritos de

Moiseacutes Portanto qualquer coincidecircncia entre a cultura supostamente grega e a

religiatildeo dos ldquobaacuterbarosrdquo hebreus e cristatildeos deve-se a que os gregos aprenderam sua

sabedoria dos baacuterbaros Mas em todo caso o certo eacute que os gregos ao lerem a

566 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

567 JUSTINO I Apologia V 1-4 IX 1 X 6

568 JUSTINO I Apologia XIV 1

569 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

570 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

571 O escrito chama-se de Discurso aos Gregos composto por Taciano o mais famoso entre os disciacutepulos de

Justino Esta obra reconhecidamente representa um ataque frontal contra tudo que os gregos consideravam

valioso em seu exerciacutecio da racionalidade especialmente naquilo que constituiacutea as bases de sua metafisica O

escrito de caraacuteter apologeacutetico tambeacutem se salienta pela defesa dos chamados ldquobaacuterbarosrdquo isto eacute dos cristatildeos Ver

GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

131

sabedoria dos ldquobaacuterbarosrdquo natildeo a entenderam e portanto adulteraram a verdade que os

hebreus conheciam Portanto a suposta sabedoria grega natildeo eacute senatildeo um paacutelido reflexo

e uma caricatura da verdade que Moiseacutes conheceu e que os cristatildeos agora pregam572

Um fator nesta conjuntura que apresenta caracteriacutesticas agudas estaacute na apropriaccedilatildeo de

que agrave ldquosabedoriardquo (como sendo o grande fundo de conhecimento) proveniente da filosofia e

toda ou qualquer outra forma de conhecimento humano considerado como elevado para a

concepccedilatildeo da eacutepoca usava de bases ontoloacutegicas em sua refutaccedilatildeo dos elementos vitais

apresentados pela feacute cristatilde que estava em pleno estabelecimento e curso de seu exerciacutecio

naquele ambiente gentiacutelico573

O ministeacuterio a morte e especialmente a ressurreiccedilatildeo de Cristo574 causavam natildeo apenas

estranheza mas tambeacutem incocircmodo a classe intelectual dominante O testemunho de Paulo nos

apresenta uma fraccedilatildeo dessa realidade cultural O Apoacutestolo desenvolve uma definiccedilatildeo

figurativa mas nada ilusoacuteria desta realidade e de sua reaccedilatildeo para com a nova mensagem que

surgia Ele escreve ldquoPorque tanto os judeus pedem sinais como os gregos buscam sabedoria

mas noacutes pregamos a Cristo crucificado escacircndalo para os judeus loucura para os gentiosrdquo (1

Co 122-23) Neste contexto Paulo afirma que os ldquogregos insistiam em explicaccedilotildees racionais e

buscavam sistemas especulativosrdquo575 Um procedimento de harmonizaccedilatildeo que facilmente

condicionava a si exigecircncias de que ldquoDeus se revelasse em harmonia com as suas ideias em

particularrdquo576

Portanto atraveacutes dos relatos registrados acima podemos afirmar que uma espeacutecie de

ldquomonopoacutelio do saberrdquo procurava se manter vigorosamente ativo Este cenaacuterio histoacuterico foi o

mesmo em que Justino teve que apresentar sua mensagem apologeacutetica afirmando que Aquele

ao qual representava simbolizava a plena afirmaccedilatildeo de uma loacutegica da ordenaccedilatildeo Divina entre

os homens Isso se concretiza em suas obras especialmente na I Apologia quando afirma ndash de

uma forma praticamente sistemaacutetica ndash que as profecias do Antigo Testamento se cumpriram na

encarnaccedilatildeo do Logos A obra de Gonzaacutelez nos auxilia na compreensatildeo desta loacutegica orientada e

proposta por Justino

572 TACIANO Discurso Contra os Gregos apud GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

573 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 88

574 Ver Atos dos Apoacutestolos 1718-32

575 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 253 grifo do

autor

576 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 254

132

Segundo os filoacutesofos gregos tudo o que nossa mente consegue compreender o faz

porquecirc de algum modo participa do ldquologosrdquo ou razatildeo universal Por exemplo se

podemos compreender que dois e dois satildeo quatro isso se deve ao fato de que tanto

em nossa mente como no universo existe um ldquologosrdquo uma razatildeo ou ordem segundo

o qual dois e dois satildeo quatro Ora o que os cristatildeos creem eacute que em Jesus Cristo esse

logos ndash e esta eacute a palavra que aparece no proacutelogo do Quarto Evangelho ndash se fez carne

O que Joatildeo 114 nos diz eacute que a razatildeo fundamental do universo o verbo ou palavra

(logos) de Deus se fez carne em Jesus Cristo577

Nesse ambiente tatildeo carregado de ordenamentos filosoacuteficos e por conseguinte tambeacutem

teoloacutegicos nasce uma interrogaccedilatildeo de acentuada relevacircncia ldquoMas por que esta interpretaccedilatildeo

sobre Jesus deve ser acreditadardquo578 Como premissa seria interessante (ou necessaacuterio)

providenciar uma soluccedilatildeo para esta demanda partindo do que podemos encontrar no proacuteprio

autor (Justino)

Assim o Apologista comeccedila a nos responder este ponto que poderia ser interpretada

como repetitiva eou ateacute mesmo ldquotrivialrdquo para com o contexto filosoacutefico e teoloacutegico moderno

Contudo esta questatildeo parece ter sido solucionada de forma amplamente criativa e inovadora

para com aquele contexto sociorreligioso Justino responde essa pergunta de caraacuteter entranhaacutevel

ndash figadal para alguns ouvintes espirituosa para outros ndash dizendo ldquoos homens poderiam

considerar incriacutevel e impossiacutevel de acontecer Deus o indicou antecipadamente por meio do

Espiacuterito profeacutetico para que quando acontecesse natildeo lhe fosse negada a feacute e sim justamente

por ter sido predito fosse acreditadordquo579

Entretanto cabe-nos realocar Walde nesta construccedilatildeo conceitual (a pergunta acima eacute

de sua autoria) Ele nos propotildee duas razoaacuteveis respostas na tentativa de concretizar sua ideia

tendo como base o que pode ser considerado um resultado ordenado na tentativa de tornar a

mensagem de Justino plausiacutevel A primeira baseia-se direta e integralmente em uma citaccedilatildeo da

I Apologia Walde vecirc com consideraacutevel eficiecircncia nas palavras de Justino580 uma opccedilatildeo

admissiacutevel para emoldurar essa questatildeo Importante tambeacutem eacute entendermos que no contexto

daquela eacutepoca (e igualmente na atualidade) em questotildees que envolviam a aplicaccedilatildeo de algumas

proposiccedilotildees natildeo bastava ser diretivo era necessaacuterio ser consequente Desta forma o autor

inicia a resposta agrave sua pergunta citando o Apologista581

577 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

578 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

579 JUSTINO I Apologia XXXIII 2

580 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

581 Ver JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

133

Nos livros dos profetas jaacute encontramos anunciado que Jesus nosso Cristo deveria vir

nascido de uma virgem que ele chegaria agrave idade adulta curaria toda doenccedila toda

fraqueza e ressuscitaria dos mortos que seria invejado desconhecido e crucificado

que morreria ressuscitaria e subiria aos ceacuteus que ele eacute e se chama Filho de Deus que

ele enviaria alguns para proclamar essas coisas a todo o gecircnero humano e seriam os

homens das naccedilotildees aqueles que mais creriam nelerdquo E essas profecias foram feitas

umas cinco outras trecircs outras dois mil e outras mil e oitocentos anos antes que ele

aparecesse no mundo Com efeito eacute sabido que os profetas se sucederam uns aos

outros de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo582

A segunda resposta de Walde se orienta atraveacutes de uma questatildeo cultural que tambeacutem

possui uma importante relevacircncia neste cenaacuterio ldquoNatildeo soacute foi o cumprimento da profecia notaacutevel

em si mesmo mas tambeacutem foi significante que tais profecias foram feitas muito antes dos

filoacutesofos gregos pois diferente de hoje a antiguidade era importante para a mentalidade grega

em estabelecer uma crenccedilardquo583 Cabe-nos registrar que nesse enlace a pesquisa biacuteblica teoloacutegica

poderia apontar datas posteriores (ao periacuteodo da Filosofia Claacutessica) para a promulgaccedilatildeo dessas

Palavras Profeacuteticas (Messiacircnicas) aleacutem de debater se os ldquotextos satildeo autecircnticosrdquo584 no entanto

lembramos que nosso alvo em anaacutelise estaacute centrado na pessoa de Justino o qual sem nenhuma

duacutevida eacute um dos pioneiros da interpretaccedilatildeo de caraacuteter expositivo e natildeo cientiacutefico meacutetodo (por

assim chamar) reconhecidamente usual no periacuteodo Patriacutestico ateacute o Seacuteculo V585 Deste modo

para Justino natildeo havia duacutevidas as profecias satildeo anteriores aos filoacutesofos

Na busca de um resultado mais qualificado para esta pesquisa entendemos que uma

anaacutelise mais pormenorizada da I Apologia ainda se faz necessaacuteria em pelo menos um quesito

O cenaacuterio no qual a I Apologia foi escrita expunha necessidades claras de se apresentar

evidecircncias fortes na tentativa de se estabelecer o status necessaacuterio as provas que visavam

atestar o cumprimento das profecias messiacircnicas na existecircncia futura (encarnaccedilatildeo) de Cristo

Nunca podemos esquecer que para Justino de forma primordial o cristianismo se estabelecia

em um esquema com propriedades ldquomorfoloacutegicasrdquo pois este era mais que um sistema ndash como

configurado em escolas filosoacuteficas ndash ele era essencialmente ldquouma pessoa o Verbo encarnado

e crucificado em Jesus que lhe revelou o misteacuterio de Deusrdquo586 Para Justino questotildees factiacuteveis

parecem ser importantes ou ateacute mesmo fundamentais no programa que ele visava representar

582 JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

583 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

584 ROumlSEL Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea 2009 p 95

585 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

586 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152 grifo nosso

134

de forma minuciosa Sendo assim vemos em sua construccedilatildeo apologeacutetica um claro objetivo de

desenvolvimento daquilo que ele desejava provar por meio de suas palavras

Eacute portanto necessaacuterio apresentar detalhadamente as citaccedilotildees que salientam a

encarnaccedilatildeo de Cristo na visatildeo de Justino O esquema abaixo baseia-se nas obras de Frangiotti587

e Santos588 os quais retratam em seus trabalhos esta conexatildeo exegeacutetica existente em Justino

Neste esquema conseguimos visualizar com significativa clareza (de maneira ateacute mesmo

didaacutetica) a notaacutevel relaccedilatildeo dos textos da I Apologia com os textos do Antigo Testamento que

para Justino antecipam a encarnaccedilatildeo de Cristo Segundo a obra do Apologista a realizaccedilatildeo das

Palavras preditas pelos profetas de Israel constitui a conexatildeo com o Logos tornado carne e

concretiza um dos pontos elementares da accedilatildeo de Deus em meio aos homens Partindo da I

Apologia em paralelo com a Primeira Alianccedila vemos

I Apologia Antigo Testamento

Moiseacutes que foi o primeiro dos profetas

disse literalmente ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe

de Judaacute nem chefe saiacutedo de seus

muacutesculos ateacute que venha aquele a quem

estaacute reservado Ele seraacute a esperanccedila das

naccedilotildees amarrando seu jumentinho agrave

vinha e lavando sua roupa no sangue da

uvardquo (JUSTINO I Apologia XXXII 1)

ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe de Judaacute nem mesmo um

chefe de suas entranhas ateacute que venha aquilo

que estaacute guardado para ele ele eacute a expectativa

dos povos Ele amarraraacute seu jumentinho agrave

vinha e o filhote do seu jumento ao ramo ele

lavaraacute sua veste em vinho e o seu manto no

sangue das uvasrdquo589 Gecircnesis 4910-11

E Isaiacuteas outro profeta diz a mesma coisa

com outras palavras ldquoLevantar-se-aacute uma

estrela de Jacoacute e uma flor subiraacute da raiz

de Isaiacute e as naccedilotildees esperaram sobre o seu

braccedilordquo (JUSTINO I Apologia XXXII

12a)

ldquoLevantar-se-aacute um broto da raiz de Jesseacute e um

renovo subiraacute desta raiz [] Naquele dia

haveraacute a raiz de Jesseacute que se levanta para

587 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 24-26

588 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 115-

117

589 No original ldquoοὐκ ἐκλείψει ἄρχων ἐξ Ιουδα καὶ ἡγούμενος ἐκ τῶν μηρῶν αὐτοῦ ἕως ἂν ἔλθῃ τὰ ἀποκείμενα αὐτῷ

καὶ αὐτὸς προσδοκία ἐθνῶν δεσμεύων πρὸς ἄμπελον τὸν πῶλον αὐτοῦ καὶ τῇ ἕλικι τὸν πῶλον τῆς ὄνου αὐτοῦ πλυνεῖ

ἐν οἴνῳ τὴν στολὴν αὐτοῦ καὶ ἐν αἵματι σταφυλῆς τὴν περιβολὴν αὐτοῦrdquo

135

governar as naccedilotildees nele esperaratildeo as naccedilotildees

e seu repouso seraacute gloriosordquo590 Isaiacuteas 11110

Escutai agora como foi literalmente

profetizado por Isaiacuteas que Cristo seria

concebido por uma virgem Ele diz o

seguinte ldquoEis que uma virgem conceberaacute

e daraacute agrave luz um filho e lhe poratildeo o nome

Deus conoscordquo (JUSTINO I Apologia

XXXIII 1)

ldquoPor causa disto o proacuteprio Senhor vos daraacute

um sinal eis que a virgem conceberaacute e daraacute agrave

luz um filho e tu lhe daraacutes o nome de

Emanuelrdquo591 Isaiacuteas 714

Escutai agora como Miqueacuteias outro

profeta predisse o lugar da terra em que

ele nasceria Assim diz ldquoE tu Beleacutem terra

de Judaacute de modo algum eacutes a menor entre

os priacutencipes de Judaacute pois de ti sairaacute o

chefe que apascentaraacute o meu povordquo

(JUSTINO I Apologia XXXIV 1)

ldquoE tu Beleacutem casa de Efrata eacutes insignificante

em tua existecircncia entre os milhares de Judaacute

poreacutem em teu meio se levantaraacute aquele que

seraacute governante em Israel Tambeacutem as

origens dele satildeo desde o princiacutepio desde os

tempos eternosrdquo592 Miqueacuteias 51

Tambeacutem foi predito que Cristo depois de

nascer viveria oculto aos outros homens

ateacute agrave idade adulta Escutai o que foi dito

antecipadamente a esse respeito Eacute o

seguinte ldquoUm menino nasceu um

pequenino nos foi dado cujo impeacuterio estaacute

sobre os ombrosrdquo ( JUSTINO I Apologia

XXXV 1-2a)

ldquoPorque um menino vos nasceu e um filho vos

foi dado o qual recebeu o governo sobre os

seus ombros E ele seraacute chamado de

Mensageiro do Magniacutefico Conselho pois eu

trarei paz sobre os priacutencipes e sauacutede para

elerdquo593 Isaiacuteas 95

590 No original ldquoκαὶ ἐξελεύσεται ῥάβδος ἐκ τῆς ῥίζης Ιεσσαι καὶ ἄνθος ἐκ τῆς ῥίζης ἀναβήσεται [] καὶ ἔσται ἐν

τῇ ἡμέρᾳ ἐκείνῃ ἡ ῥίζα τοῦ Ιεσσαι καὶ ὁ ἀνιστάμενος ἄρχειν ἐθνῶν ἐπrsquo αὐτῷ ἔθνη ἐλπιοῦσιν καὶ ἔσται ἡ ἀνάπαυσις

αὐτοῦ τιμήrdquo

591 No original ldquoδιὰ τοῦτο δώσει κύριος αὐτὸς ὑμῖν σημεῖον ἰδοὺ ἡ παρθένος ἐν γαστρὶ ἕξει καὶ τέξεται υἱόν καὶ

καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Εμμανουηλrdquo

592 No original ldquoκαὶ σύ Βηθλεεμ οἶκος τοῦ Εφραθα ὀλιγοστὸς εἶ τοῦ εἶναι ἐν χιλιάσιν Ιουδα ἐκ σοῦ μοι ἐξελεύσεται

τοῦ εἶναι εἰς ἄρχοντα ἐν τῷ Ισραηλ καὶ αἱ ἔξοδοι αὐτοῦ ἀπrsquo ἀρχῆς ἐξ ἡμερῶν αἰῶνοςrdquo

593 No original ldquoὅτι παιδίον ἐγεννήθη ἡμῖν υἱὸς καὶ ἐδόθη ἡμῖν οὗ ἡ ἀρχὴ ἐγενήθη ἐπὶ τοῦ ὤμου αὐτοῦ καὶ καλεῖται

τὸ ὄνομα αὐτοῦ μεγάλης βουλῆς ἄγγελος ἐγὼ γὰρ ἄξω εἰρήνην ἐπὶ τοὺς ἄρχοντας εἰρήνην καὶ ὑγίειαν αὐτῷrdquo

136

E outra vez por meio de outro profeta diz

com outras palavras ldquoEles transpassaram

meus peacutes e minhas matildeos e lanccedilaram sorte

sobre a minha roupardquo (JUSTINO I

Apologia XXXV 5)

ldquoPois muitos catildees me cercaram a assembleia

dos perversos me rodeia traspassaram as

minhas matildeos e os meus peacutes [] Repartiram

entre si as minhas vestes e sobre o meu traje

lanccedilaram sortesrdquo594 Salmos 211719

Citamos tambeacutem a profecia de outro

profeta Sofonias595 que literalmente

profetizou que ele montaria sobre um

jumentinho e desse modo entraria em

Jerusaleacutem Satildeo estas as suas palavras

ldquoAlegra-te muito filha de Siatildeo daacute gritos

filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a

ti manso montado sobre um jumento

sobre um jumentinho filho de um animal

de jugordquo (JUSTINO I Apologia XXXV

10-11)

ldquoRegozija-te muito Filha de Siatildeo proclama

Filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a ti

ele eacute justo e salvador Ele eacute humilde e estaacute

montado sobre um jumentinho um asno

novordquo596 Zacarias 99

Em suma podemos afirmar que em Justino encontra-se uma salutar e liacutempida

cristologia messiacircnica baseada consistentemente no Antigo Testamento597 De maneira

objetiva a descriccedilatildeo que conseguimos desenvolver a partir do texto de Justino nos aponta para

uma consistente elaboraccedilatildeo no qual alguns detalhes de caraacuteter terminante (irrevogaacuteveis)

quanto a funccedilatildeo de serem utilizados como conceitos primazes ndash na tentativa de estabelecer

princiacutepios e valores fundantes ndash se evidenciam por parte e a partir dos apontamentos de caraacuteter

particular que Justino faz agrave pessoa de Jesus Cristo (especialmente na I Apologia) Sem exageros

eacute possiacutevel agregarmos a esta organizaccedilatildeo textual a intenccedilatildeo de apresentar uma proposta de

constituiccedilatildeo messiacircnica segundo um modelo cristoloacutegico em desenvolvimento o qual seguia

594 No original ldquoὅτι ἐκύκλωσάν με κύνες πολλοί συναγωγὴ πονηρευομένων περιέσχον με ὤρυξαν χεῖράς μου καὶ

πόδας [] διεμερίσαντο τὰ ἱμάτιά μου ἑαυτοῖς καὶ ἐπὶ τὸν ἱματισμόν μου ἔβαλον κλῆρονrdquo

595 O Profeta aqui mencionado deveria ser Zacarias e natildeo Sofonias O equiacutevoco possivelmente natildeo eacute do tradutor

mas sim de Justino No texto grego temos σοφονιανSofonian

596 No original ldquoχαῖρε σφόδρα θύγατερ Σιων κήρυσσε θύγατερ Ιερουσαλημ ἰδοὺ ὁ βασιλεύς σου ἔρχεταί σοι δίκαιος

καὶ σῴζων αὐτός πραῢς καὶ ἐπιβεβηκὼς ἐπὶ ὑποζύγιον καὶ πῶλον νέονrdquo

597 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

137

de perto a ortodoxia da eacutepoca que jaacute estava sofrendo inuacutemeros ataques de acircmbito interno e

externo598

Natildeo haacute consenso de que Justino tenha inaugurado esse meacutetodo exegeacutetico599 mas sem

duacutevida eacute um dos que melhor conseguiu contribuir para o desenvolvimento desta temaacutetica na

histoacuteria da teologia dogmaacutetica600 Neste contexto em particular o Apologista passou a ser visto

como um claro orientador eou catalisador dos pressupostos existentes na filosofia grega Ele eacute

o primeiro a conceber o Logos como uma evidecircncia viaacutevel para uma siacutentese teoacuterica

possibilitando deste modo seu envolvimento no cristianismo Essa participaccedilatildeo intelectual

indiscutivelmente se destaca em sua autenticidade autoral a ponto de podermos dizer que

Justino foi o responsaacutevel por lanccedilar ldquoos fundamentos de um humanismo cristatildeordquo601

Este estudo evidenciou o apreccedilo e o temor de Justino pelas Sagradas Escrituras Sua

abordagem leitura e registro das profecias veterotestamentaacuterias constituem um quadro de

profunda responsabilidade e sobriedade por parte do Apologista especialmente naquilo que se

refere agrave descriccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de seu conceito sobre o que seria a Verdade sempre focando esse

fim como um resultado da revelaccedilatildeo escrituriacutestica Nesse ponto em especiacutefico a ponderaccedilatildeo de

Xavier nos oferece generosa lucidez ldquosua obra como um todo contribui para explicar a feacute cristatilde

baseada nas Escrituras como a fonte suprema de autoridade cujas profecias podem ser

compreendidas somente pela Graccedila de Deusrdquo602

Por uacuteltimo ainda devemos adotar uma postura clara e objetiva junto a este processo

que em si traz elementos fortemente interpretativos Assim salientamos que na concepccedilatildeo de

Justino era fundamental que o procedimento exegeacutetico de um cristatildeo sempre orientasse seus

leitoresouvintesmeditantes a conhecer e descobrir agrave Verdade O acontecimento que expressava

de forma incondicional que a revelaccedilatildeo Divina se realizou concretiza-se de maneira simples

nos elementos (profecias) que provam que o Logos encarnou603 Estes relatos profeacuteticos

apresentavam as condiccedilotildees ideais tornando-se assim em fatos irrefutaacuteveis para aqueles que

598 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

599 Para Daniel-Rops Justino utiliza-se do meacutetodo de interpretaccedilatildeo jaacute encontrado em Fiacutelon de Alexandria Nesse

processo partia-se do sentido concreto e histoacuterico do relato (biacuteblico) passando a seguir a busca de se obter

(alcanccedilardescobrir) uma explicaccedilatildeo de espeacutecie simboacutelica existente (implicitamente) nos Textos Sagrados Deste

modo essa ldquodescobertardquo de caraacuteter esoteacuterico tornava-se o objetivo uacuteltimo (principal) a ser alcanccedilado nesse meacutetodo

interpretativo Contudo faltam evidecircncias mais concretas sobre essa relaccedilatildeo e influecircncia autoral sobre Justino

Ver DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 280

600 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

601 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 30

602 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

603 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000

138

nisso criam fazendo com que cristatildeos de todas as classes e niacuteveis viessem a abraccedilar essa ideia

(como conceito) passando a compreender o cristianismo como um valor permanente do

ldquoespiacuterito humano a que a Encarnaccedilatildeo deu o seu verdadeiro sentido e o seu alcancerdquo604 Neste

contexto de impressionante singularidade a citaccedilatildeo de Santos nos permite encerrar com

excepcional qualidade esse item apresentado ldquoTodos os detalhes da histoacuteria de Jesus jaacute estavam

preditos nos profetas do Antigo Testamento Essa eacute a maior prova da superioridade da religiatildeo

cristatilde Por isso na concepccedilatildeo de Justino tudo o que eles (os cristatildeos) dizem eacute a verdaderdquo605

604 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279 grifo nosso

605 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 117

grifo nosso

139

CONCLUSAtildeO

A presente dissertaccedilatildeo procurou explanar a respeito de uma concepccedilatildeo que se destaca

por sua ordem moral e por seus paracircmetros dogmaacuteticos apresentando-se como uma chancela

na descriccedilatildeo apologeacutetica de Justino Maacutertir Este ponto de valor axiomaacutetico revelado pelo

Apologista torna-se de maneira evidente em uma espeacutecie de mediador de sua mensagem

permeando-se em toda a extensatildeo de um de seus mais conhecidos tratados literaacuterios Assim

reconhecemos que a I Apologia de Justino estaacute repleta de uma empolgante apresentaccedilatildeo do

termo Verdade sendo este substantivo normalmente utilizado pelo autor para uma distinccedilatildeo de

caraacuteter qualitativo sobre a representaccedilatildeo de um novo conjunto humano da realidade

sociorreligiosa do Seacuteculo II

Para Justino evidenciar a Verdade era tambeacutem ldquosetorizaacute-lardquo de alguma maneira dentro

da realidade humana Necessariamente essa postura adotada pelo Apologista acabou por se

definir por meio de sua leitura ativa sobre o estado e as praacuteticas de um grupo do qual ele mesmo

pertencia e do qual se estabeleciam as bases para sua dialeacutetica Logo falar sobre a Verdade

para Justino era falar dos recursos conceituais e praacuteticos vivenciados pelos cristatildeos de seu

tempo

Importa-nos nesta conclusatildeo ressaltar que Justino visava necessariamente qualificar o

ldquoobjetordquo junto a ldquoideiardquo que possuiacutea e defendia e como um bom filoacutesofo procurou obter

explicaccedilotildees satisfatoacuterias que salientassem sua posse daquilo que realmente era verdadeiro Na

esteira desta ideia o pensamento contemporacircneo balizado em argumentos considerados

ldquoortodoxosrdquo ndash mesmo tendo se passado quase vinte seacuteculos ndash ainda redunda com forccedila pois

consegue conceber que se estar na Verdade eacute para o espiacuterito humano possibilitar que as coisas

recebam agrave devida e real importacircncia que elas possuem na realidade

A partir disso na consciecircncia do Apologista tudo o que era produzido pela feacute cristatilde ndash

sendo ela assumida como um meio constitutivo de vida e praacutetica ndash possibilitava o

desenvolvimento de um senso de valor inesgotaacutevel sobre aquilo que se pode minimamente

relacionar como sendo o real o lugar onde a Verdade se ldquohospedardquo sendo que esta existecircncia

estaacute soberanamente ligada a uma realidade superiortranscendente ou seja esse real eacute Deus

Logo estar na Verdade seraacute sempre reconhecer a soberana realidade de Deus Esta

realidade percebida de forma geral pela noccedilatildeo de se possuir a Verdade eacute a realidade de Deus

manifestada pois aquilo que os cristatildeos vivem eacute a realidade de Deus entre noacutes Assim a

Verdade seraacute confessar a infinita majestade e santidade divinas por meio do legado de Deus

140

orquestrado pelos cristatildeos Nesta linha por meio dos princiacutepios metodoloacutegicos de Justino

consegue-se sintetizar com eficaacutecia e transparecircncia os resultados aos quais o Apologista

chegou como tambeacutem compreende-se melhor sua finalidade apologeacutetica que aponta com

clareza para uma identificaccedilatildeo que conforma a ideia (Verdade) ao objeto (Jesus Cristo) o dito

(novo Modus Vivendi) ao feito (Praxis Fidei) o anunciado (Profecias Messiacircnicas) ao ocorrido

(Encarnaccedilatildeo) em seu sentido absoluto

O problema que esta pesquisa levantou objetivamente foi qual o sentido do vocaacutebulo

ldquoVerdaderdquo empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica A

partir disto quatro capiacutetulos foram desenvolvidos na busca de se estabelecer um caminho

central e loacutegico para a soluccedilatildeo dessa questatildeo

O primeiro capiacutetulo fez uma breve apresentaccedilatildeo de Justino sua vida seu ministeacuterio

sua obra e seu contexto histoacuterico De maneira objetiva apresentamos um resumo biograacutefico da

pessoa de Justino em seu meio social e histoacuterico Procurou-se tambeacutem apresentar traccedilos

importantes para a compreensatildeo do cenaacuterio que elaborou nossa argumentaccedilatildeo central onde o

Pai Apologista Justino foi apresentado e a obra base desta pesquisa foi examinada de modo

literaacuterio dentro da necessidade requerida ndash relaccedilatildeo na qual ainda se agregou a perspectiva

cultural de Justino e por consequecircncia esta nos conduziu a uma abordagem sobre sua formaccedilatildeo

filosoacutefica

Mesmo natildeo sendo um dos pontos de sustentaacuteculo para a estrutura desta pesquisa em

nossa opiniatildeo o fator mais importante deste primeiro capiacutetulo certamente eacute o fenocircmeno do

martiacuterio entre os cristatildeos Fora do acircmbito teoloacutegico este traacutegico processo poderia ser

interpretado de forma estranha quando apresentado como um elemento determinante e ateacute

mesmo uacutetil enquanto via para que os natildeo-cristatildeos viessem a se converter e assim conhecerem a

Verdade Desta forma compreendemos que o processo de martiacuterio dos cristatildeos como um fato

histoacuterico foi influente na concepccedilatildeo e fundamental na constituiccedilatildeo do desenvolvimento do

ideaacuterio de Justino O Apologista por meio de sua obra nos oferece a niacutetida impressatildeo de ser um

habilidoso comentador da revelaccedilatildeo escrituriacutestica tambeacutem um autecircntico conhecedor da vida

espiritual mas acima de tudo demonstra ser um irredutiacutevel defensor da crenccedila que possuiacutea

selando sua obra ministeacuterio e vida com o proacuteprio sangue derramado O martiacuterio cristatildeo foi eacute e

continuaraacute sendo um dos casos mais misterioso e emblemaacutetico da histoacuteria da civilizaccedilatildeo

humana

O segundo capiacutetulo falou sobre o novo modus vivendi orquestrado pelos cristatildeos onde

se pode de maneira sinteacutetica observar as praacuteticas do contexto social de Justino apresentando e

clarificando o que eram os haacutebitos cristatildeos em contraste com o cotidiano da cultura greco-

141

romana Nesse processo estabeleceu-se uma descriccedilatildeo de cunho analiacutetico que procurou seguir

uma loacutegica encontrada em Justino o qual pocircs em praacutetica nossa leitura sobre o meacutetodo dialeacutetico

e empiacuterico do Apologista O capiacutetulo apresenta ldquoa nova identidaderdquo surgida junto ao cenaacuterio

sociorreligioso da eacutepoca o cristianismo Aleacutem disto definir aqueles que natildeo compunham esse

grupo de feacute ndash os Judeus e os Gentios ndash tornou-se tambeacutem uma tarefa necessaacuteria Por isso foi

indispensaacutevel apresentar os criteacuterios que para Justino demonstravam a ordem sistemaacutetica de um

grupo que se distinguia e separava dos demais Para Justino tratava-se da praxis fidei Adversus

Iniquitatem ldquoa praacutetica da feacute contra a iniquidaderdquo um realce com tonalidades absolutamente

opostas que apresentava um claro e inevitaacutevel ambiente de separaccedilatildeo entre os grupos

Deste modo esta segunda divisatildeo da pesquisa nos conduziu a uma inserccedilatildeo de postura

paradoxal para com alguns haacutebitos e assuntos humanos que no periacuteodo ocupavam tanto o

acircmbito privado quanto puacuteblico Assim algumas provas factiacuteveis passaram a ser descritas como

sentenccedilas de um novo modus vivendi ndash proposto por Justino ndash na conjuntura sociorreligiosa do

Seacuteculo II fato altamente desafiador o qual definimos em sentenccedilas classificadas como

teologais deterministas e puristas de acordo com suas consequecircncias praacuteticas Aqui salientou-

se o iniacutecio das distinccedilotildees que descreviam a certeza de haver um estado manifesto e claro do

que era a Verdade para Justino

O terceiro capiacutetulo retratou a filosofia em Justino tratando a respeito de sua influecircncia

e seu legado nesse seguimento O desenvolvimento desse capiacutetulo partiu de um formal apelo

desenvolvido pelo proacuteprio Apologista no capiacutetulo XXVIII da I Apologia para o uso da razatildeo

como um elemento determinante para o reconhecimento da Verdade oriunda da revelaccedilatildeo

Divina Um exame introdutoacuterio sobre o capiacutetulo XXVIII abriu o caminho para o entendimento

do que eacute filosofia para Justino A partir disto explicitou-se o filoacutesofo Justino evidenciando

suas principais influecircncias filosoacuteficas oriundas do estoicismo e do meacutedio platonismo aleacutem de

apresentar um sinteacutetico esboccedilo do autecircntico conceito de Logos encontrado em nosso autor

filoacutesofo-teoacutelogo

Todavia o aacutepice desta seccedilatildeo encontra-se em seu uacuteltimo item onde se justificou o que

Justino almejava com a citaccedilatildeo ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus se preocupe com essas coisas

(uso da razatildeo)rdquo606 O Apologista realccedila de uma forma quase ldquopalpaacutevelrdquo sua compreensatildeo de

como se concebia naturalmente a feacute em Jesus Cristo Partindo do fato de que a razatildeo eacute um

recurso exclusivamente humano Justino entendia que apenas nisso estavam condicionadas

todas as possibilidades reais do autecircntico Logos ser recebido e concebido pelos homens o que

606 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

142

os levava a verdadeira filosofia e os afastava decisivamente dos equiacutevocos e enganos praticados

pelos democircnios

O quarto e derradeiro capiacutetulo deste estudo salienta o que Justino considera o ponto

alto da revelaccedilatildeo por ele recebida o cumprimento das profecias messiacircnicas e as consequecircncias

para compreender o que Justino considera como sendo a Verdade

Iniciamos com uma sinteacutetica poreacutem objetiva descriccedilatildeo dos elementos socioculturais

de acircmbito religioso que desde a Antiguidade ateacute os dias de Justino formaram e identificaram a

figura de um Messias na cultura judaica Em seguida analisamos a revelaccedilatildeo das profecias

messiacircnicas do Antigo Testamento na visatildeo de Justino referentes a pessoa de Jesus Cristo

Finalizamos este capiacutetulo ratificando o conceito que definimos como principal para

Justino em sua descriccedilatildeo apologeacutetica o qual apresentava a Verdade ao mundo O modo e o

sentido que o Apologista procurava dar agrave concepccedilatildeo central de sua feacute passava necessariamente

pela identificaccedilatildeo entre o Logos dos filoacutesofos com o personagem messiacircnico preconizado pelos

profetas do Antigo Testamento Vimos que esse ser que havia sido reconhecido pelos filoacutesofos

como o Logos tambeacutem havia sido profetizado pelos servos de Deus A providecircncia Divina

levou a humanidade ao ponto alto desta histoacuteria quando o Logos profetizado se encarnado

Logo as profecias se cumpriram Assim concluiacutemos que este cenaacuterio e seus casos tornaram-se

para Justino um elemento real que evidenciava de maneira inquestionaacutevel o que era a Verdade

em sentido absoluto

Por fim eacute oportuno registrar a pertinente e categoacuterica postura do Apologista em aceitar

o cristianismo como ldquoa verdadeira razatildeordquo607 Justino compreendeu que a feacute cristatilde tinha em si

alguns pontos de caraacuteter deliberativo e proposital que consequentemente se estabeleciam nas

vidas que se estruturavam sobre esses preceitos utilizando-os de forma resolutiva Aqui cabe

ressaltar que para uma correta anaacutelise de Justino como autor eacute necessaacuterio se utilizar de medidas

efetivas que amparem o uso da razatildeo para os fins que o Apologista entendia serem ordenados

por Deus Nisso salienta-se a compreensatildeo jaacute atestada no ideaacuterio de Justino de natildeo haver

acepccedilatildeo do recurso da razatildeo a nenhum homem pois todos aqueles que foram criados agrave imagem

e semelhanccedila de Deus podiam ser instruiacutedos desse modo desde as mentes mais simples as mais

capacitadas

Importa-nos ainda registrar que outros aspectos de relevacircncia para esta pesquisa

poderiam ter sido tratados visando um maior aprofundamento desta temaacutetica e suas possiacuteveis

variaccedilotildees De forma praacutetica podemos citar as seguintes observaccedilotildees propor uma maior ecircnfase

607 JUSTINO I Apologia XLIII 6b

143

na questatildeo do martiacuterio cristatildeo como elemento habilitador na construccedilatildeo do conceito da Verdade

como princiacutepio moral e dogmaacutetico uma mais detalhada descriccedilatildeo do conceito Logos tanto para

a cultura helecircnica quanto para os cristatildeos do Seacuteculo II abordar sobre o conceito elaborado por

Justino de Jesus Cristo ser o mestre dos cristatildeos608 referindo-se ao Messias como o condutor

pleno de toda verdadeira revelaccedilatildeo Divina em detrimento aos mitos criados pelo helenismo

oferecer uma pormenorizada anaacutelise sobre a forccedila ilocucionaacuteria desses atos e discursos

apologeacuteticos Aleacutem disso outros pontos significativos poderiam ter sido abordados na tentativa

de se construir de forma mais completa esse importantiacutessimo cenaacuterio do cristianismo histoacuterico

Contudo essa ampliaccedilatildeo possivelmente ultrapassaria os limites propostos desta pesquisa

provavelmente poluindo sua intenccedilatildeo central

A abordagem desta dissertaccedilatildeo demonstrou que na I Apologia Justino revela e retrata

a sua concepccedilatildeo do que eacute ser cristatildeo e viver na Verdade O Apologista transparece de forma

intensa sua postura em transmitir essa maacutexima que natildeo era simplesmente verossiacutemil em seu

entendimento Eacute fato que essa demonstraccedilatildeo tambeacutem visava proteger e resgatar seu povo de

um cenaacuterio hostil salientando por meio de sua postura uma clara separaccedilatildeo de valores e

preceitos

Vimos que as vicissitudes do tempo natildeo seriam capazes de alterar o objeto e as coisas

que caracterizavam sua posiccedilatildeo que estava plenamente balizada e sustentada por meio de sua

dialeacutetica Isso nos impressiona porque para quem procura entender este testemunho sobre a

Verdade os livros de Justino nunca envelhecem aleacutem disso quase vinte seacuteculos depois os

textos desse notaacutevel cristatildeo ainda reverberam o som do eco causado por nossos vazios que

precisam ser preenchidos pelos conceitos princiacutepios e valores que natildeo pertence a este mundo

Por essa razatildeo ldquodialogarrdquo com Justino na atualidade eacute algo importantiacutessimo e ateacute mesmo

fundamental

Em resumo para Justino a uacutenica via para possuir a Verdade era ser cristatildeo o que

equivale a crer e professar sobre Aquele que prometido pelos antigos profetas de Israel e

percebido pelos antigos filoacutesofos gregos veio em carne para apresentar agrave razatildeo humana os

meios de como se proceder ldquoafirmando a Verdaderdquo609

608 Ver JUSTINO I Apologia XIII 3 XIX 6 XXI 1-6

609 JUSTINO I Apologia XLIII 2a grifo nosso

144

REFEREcircNCIAS

ALLERT Craig D Revelation Truth Canon and Interpretation Studies in Justin Martyr‟s

Dialogue with Trypho Leiden The Netherlands Brill 2002

ALTANER Berthold STUIBER Alfred Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da

Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1988

ARZANI Alessandro VENTURINI Renata Lopes Biazotto A Origem da Tradiccedilatildeo

Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir Disponiacutevel em lt

httpwwwppeuembrjeamanais2010pdf03pdfgt Acesso em 27 de set 2018

AUDI Robert (Ed) The Cambridge Dictionary of Philosophy New York Cambridge

University Press 1999

AUNE David Edward The Westminster Dictionary of New Testament and Early Nice

Christian Literature and Rhetoric Kentucky Westminster John Knox Press 2003

AYMARD Andreacute AUBOYER Jeannine Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da

Unidade Romana (Fim) A Aacutesia Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II Rio e

janeiro Bertrand Brasil 1994

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen II Salamanca Ediciones Sigueme 1998

BARRERA Julio Trebolle A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da

Biacuteblia Petroacutepolis Vozes 1995

BEARD Mary SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga Satildeo Paulo Planeta 2017

BERARDINO Di Angelo (Org) Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis

Vozes Paulus 2002

BIacuteBLIA Grego Novo Testamento Grego Textus Receptus (15501894) Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1550 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Grego Septuaginta (Sem Acentuaccedilatildeo) Antigo Testamento Grego Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1935 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Portuguecircs Novo Testamento Interlinear Grego-Portuguecircs Texto Grego The Greek

New Testament 4ed SBU 1994 Textos Portuguecircs Traduccedilatildeo Literal SBB 2004 Traduccedilatildeo

de Joatildeo Ferreira de Almeida 2ed SBB 1993 Nova Traduccedilatildeo da Linguagem de Hoje SBB

2000 Barueri Sociedade Biacuteblica do Brasil 2004

BIRLEY Anthony Marcus Aurelius A Biography New York Routledge 2001

BOEHNER Philotheus GILSON Etienne Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 5ed Petroacutepolis

Vozes 1991

BOGAZ Antocircnio S COUTO Maacutercio A HANSEN Joatildeo H Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 3ed Satildeo Paulo Paulus 2011

145

BUENO Daniel Ruiz (Ed) Actas de los Maacutertires Texto Bilinguumle Quinta Edicion Madri

Biblioteca de Autores Cristianos 1996

BUNSON Matthew Encyclopedia of the Roman Empire New York Facts on file Inc 2002

CAMPENHAUSEN Hans Von Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros

Teoacutelogos Cristatildeos Rio de Janeiro CPAD 2005

CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras

1990

CASEY Michael Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina Ligouri Mo Triumph

Books 1995

CAZELLES Henri Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento Roma Borla

1993

CHAUIacute Marilena Convite agrave Filosofia 2ed Satildeo Paulo Aacutetica 1995

______ Marilena Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I

Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos

Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal Disponiacutevel em

lthttpwwwvaticanvaroman_curiacongregationsccatheducdocumentsrc_con_ccatheduc_

doc_19891110_padri_ithtmlgt Acesso em 12 set 2018

CORNELL Tim MATTHEWS John Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio

2008

CREDO APOSTOacuteLICO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em

22 de jan de 2019

CREDO NICENO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em 14 de

fev 2019

CULLMANN Oscar Salvation in History New York Harper amp Row 1967

DAILLEacute Jean Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui

sont auiourdhui en la religion Geneve Pierre Aubert 1632

DANIEL-ROPS [Henri Petiot] A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires Satildeo Paulo Quadrante

1988

DANIEacuteLOU Jean O Escacircndalo da Verdade Petroacutepolis Vozes 1963

______ Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo

Gregoacuterio Magno Petroacutepolis Vozes 1966

DAY John (Org) et al Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees

do Seminaacuterio Veterotestamentaacuterio de Oxford Satildeo Paulo Paulinas 2005

146

DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as comunidades de hoje Traduccedilatildeo

Introduccedilatildeo e Notas de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 17ed Satildeo Paulo Paulus 2010

DONALDSON James A Critical History of Christian Literature and Doctrine From the

Death of the Apostles to the Nicene Council3 The apologists continued London MacMillan

1866

DOUGLAS J D (Org) et al O Novo Dicionaacuterio da Biacuteblia Satildeo Paulo Vida Nova 1995

DREHER Martin N A Igreja no Impeacuterio Romano Satildeo Leopoldo Sinodal 1993

DROBNER Hubertus R Manual de Patrologia 2ed Petroacutepolis Vozes 2008

EMILSSON Eyjoacutelfur K Neo-Platonism In FURLEY David (Ed) Routledge History of

Philosophy From Aristotle to Augustine London Routledge 1999

EUSEacuteBIO DE CESAREIA Histoacuteria Eclesiaacutestica Traduccedilatildeo de Wolfgang Fischer Satildeo Paulo

Novo Seacuteculo 2002

FALLS Thomas B The Fathers of the Church New York Christian Heritage 1948

FEacuteLIX Viviana Laura Las filosofiacuteas en la teologiacutea de Justino Maacutertir Teologiacutea y Vida

Santiago v 55 n 3 p 435-448 2014

FIGUEIREDO Fernando A Curso de Teologia Patriacutestica I A vida da Igreja primitiva

(Seacuteculos I e II) Petroacutepolis Vozes 1983

FLUCK Marlon Ronald Teologia dos Pais da Igreja Curitiba Cia de Escritores 2012

FOXE John O Livro dos Maacutertires Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2003

FROumlHLICH Roland Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulinas 1987

FUNARI Pedro P Abreu Roma vida puacuteblica e vida privada 10ed Satildeo Paulo Atual 1993

GONZAacuteLEZ Justo L A Era dos Maacutertires Satildeo Paulo Vida Nova 1995

GREATHOUSE William M CARVER Frank G METZ Donald S Comentaacuterio Biacuteblico

Beacon V 8 Rio de Janeiro CPAD 2006

HAumlGGLUND Bengt Histoacuteria da Teologia 6ed Porto Alegre Concoacuterdia 1999

HALL Chirstopher A Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja Satildeo Paulo Ultimato 2003

HAMMAN Adalbert Gautier Os Padres da Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1985

______ A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) Satildeo Paulo Paulus 1997

HARNACK Adolf Von The Mission and Expansion of Christianity in the First Three

Centuries Grand Rapids Christian Classics Ethereal Library 2005

HARRIS R Laird (Org) et al Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

Satildeo Paulo Vida Nova 1998

147

HATZENBERGER Dioniacutesio Histoacuteria da Igreja Disponiacutevel em lthttphist-

igrejablogspotcombrpcristianismo-nos-seculos-i-e-iihtmlgt Acesso em 15 de out 2018

HEGENBERG Leocircnidas Significado e Conhecimento Satildeo Paulo EPU EDUSP 1975

INAacuteCIO DE ANTIOQUIA Epiacutestola aos Magneacutesios Disponiacutevel em

lthttpwwwcristianismoorgbrinacio-3htmgt Acesso em 27 de fev 2019

INSUELAS Joatildeo B Lourenccedilo Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja

2ed Braga PAX 1948

INWOOD Brad (Org) et al Os Estoacuteicos Satildeo Paulo Odysseus 2006

IRVIN Dale T SUNQUIST Scott W Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I

Do cristianismo primitivo a 1453 Satildeo Paulo Paulus 2004

IYSTINOY Proacutete Apologiacutea Disponiacutevel em

lthttpwwwdocumentacatholicaomniaeu20vs103_migne_gm0100-

0160_Iustinus_Apologia_Prima_(MPG_006_0327_0440)_GMpdfampgtgt Acesso em 12 de

jan 2019

JUSTIN Apologies Texte Grec traduction franccedilaise introduction et index par Louis Pautigny

Paris EDITURS 1904

JUSTINO DE ROMA I Apologia Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti

Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo Paulus 1995

______ II Apologia Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo

Paulus 1995

______ Diaacutelogo com Trifatildeo Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo

Paulo Paulus 1995

KEE Howard Clark As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica Satildeo Paulo Paulinas

1983

KELLY John N D Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde

Satildeo Paulo Vida Nova 1994

KLEINMAN Paul Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 4ed Satildeo Paulo Gente

Editora 2014

LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V

II Dalla fine dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) Torino S A I E 1972

LESBAUPIN Ivo A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio

Romano Petroacutepolis Vozes 1975

MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio Disponiacutevel em

lthttpabdetcombrsitewp-contentuploads201411ComentC3A1rios-sobre-a-

primeira-dC3A9cada-de-Tito-LC3ADvio-Discorsicompressedpdfgt Acesso em 17

de out 2018

148

MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees Introduccedilatildeo de Maxwell Staniforth Traduccedilatildeo de Luiacutes A P

Varela Pinto Espinho Versatildeo Eletrocircnica 2002

______ Meditaccedilotildees Traduccedilatildeo de Agostinho da Silva Satildeo Paulo Abril Cultural 1985

MEEKS Wayne A As Origens da Moralidade Cristatilde Satildeo Paulo Paulus 1997

MINNS Denis PARVIS Paul Justin Philosopher and Martyr Apologies New York

Oxford University Press 2009

MINUacuteCIO FEacuteLIX Octaacutevio Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e comentaacuterio de Manuel A Naia da Silva

Lisboa Ediccedilatildeo Instituto Nacional de Investigaccedilatildeo Cientifica Centro de Estudos Claacutessicos da

Universidade de Lisboa 1990

MOL Hans J Identity and the Sacred a sketch for a new social-scientific theory of religion

New York The free Press Macmillan 1977

MONDONI Danilo Histoacuteria da Igreja na Antiguidade Satildeo Paulo Loyola 2001

MONTEIRO Eymard Lrsquo E A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1940

MORESCHINI Claacuteudio NORELLI Enrico Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e

Latina Satildeo Paulo Santuaacuterio 2005

MIRALLES Lorena El Mesiacuteas en tiempos del NT Verbo Divino Estella n 50 Verano

2006

NORRIS Junior The Apologists Cambridge University Press 2004

OTTO Johann Carl Theodor (E) S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur

omnia Volume 1 Part 1 Chicago Prostat apud Fride Mauke 1847

PADOVESE Luigi Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica Satildeo Paulo Loyola 1999

______ Luigi Lexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico Satildeo Paulo Loyola 2003

PADRES APOLOGISTAS Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti Traduccedilatildeo

de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin Satildeo Paulo Paulus 1995

PEREIRA Isidoro Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Tilgraacutefica 1998

PIERING Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Disponiacutevel em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt Acesso em 11 de set 2018

PIERINI Franco A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I Satildeo Paulo Paulus 1998

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Enrico Corvisieri Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

______ Apologia de Soacutecrates Introduccedilatildeo traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Editores 2008

149

______ Timeu-Criacutetias Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo notas e iacutendices de Rodolfo Lopes

Coimbra CECH 2011

PLIacuteNIO Caio Segundo Historia Natural Edicioacuten y traduccioacuten de Josefa Cantoacute Madrid

Caacutetedra 2002

POHLENZ Max La Stoa storia di un movimento spirituale Florenccedila La Nuova Italia

1967

POPE Kyle The Second Apology of Justin Martyr Kansas Ancient Road 2001

PRIBERAM INFORMAacuteTICA SA Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa 2008-2013

Disponiacutevel em lt httppriberamptdlpogt Acessos em 28 de set 2018

RIVAS Fernando San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo

Verbo Divino Estella n 98 2018II

ROumlSEL Martin Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea Satildeo

Leopoldo SinodalEST 2009

ROSSI Andrea L D O C BINATO Claacuteudia P As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo

parcial do Livro X correspondecircncia administrativa com o Imperador Trajano Histoacuteria

Unisinos Satildeo Leopoldo vol 21 nordm 1 p 149-156 janeiroabril de 2017

RUSCONI Carlo Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento Satildeo Paulo Paulus 2003

SANTOS Bento Silva Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos

Comuns Veritas Porto Alegre v 48 n 3 p315-491 set 2003

SANTOS Flaacutevyo Henrique Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano Disponivel em

lthttpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminianogt Acesso em 15 de

fev 2019

SANTOS Samuel Nunes dos Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 178 f Dissertaccedilatildeo (Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria) Faculdade de Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes Goiacircnia 2012

SANTOS Samuel N GONCcedilALVES Ana Teresa M A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo

Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I Apologia de Justino Maacutertir Disponiacutevel em

lthttpwwwsbpcnetorgbrlivro63raconpeexmestradotrabalhos-mestradomestrado-

samuel-nunespdfgt Acesso em 08 de jan 2019

SCHAFF Phillip Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the

Christian Church Grand Rapids Eerdmans 1910

______ Phillip The creeds of Christendom with a history and critical notes Grand Rapids

Baker Book House 1966

SCOTT Benjamin As Catacumbas de Roma 13ed Rio de Janeiro CPAD 1996

SEVERINO Emanuele A Filosofia Antiga Lisboa Ediccedilotildees 70 1984

150

SICRE Joseacute Luis De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica Petroacutepolis

Vozes 2000

SIMONE R J de JUSTINO filoacutesofo e maacutertir In BERARDINO Di Angelo (Org)

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis Vozes Paulus 2002 p 798-800

SIMONETTI Manlio (Org) et al Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica Satildeo Paulo Ave Maria

2010

STEGEMANN Ekkehard W STEGEMANN Wolfgang Histoacuteria Social do

Protocristianismo Satildeo Leopoldo Sinodal Satildeo Paulo Paulus 2004

STRONG James Dicionaacuterio Biacuteblico Strong Barueri SBB 2002

TACIANO Discurso Contra os Gregos Disponiacutevel em

lthttpwwwveritatiscombrpatristicaobrasdiscurso-contra-os-gregosgt Acesso em 25 de

mar 2019

TAacuteCITO Anais Prefaacutecio de Breno Silveira Traduccedilatildeo de Joseacute Liberato Freire de Carvalho

Rio de Janeiro W M Jackson 1957

TERTULIANO Apologia Disponiacutevel em

lthttpwwwibpancombrimagesstoriesDownloadsEstudos_BiblicosTertuliano20-

20Apologiapdfgt Acesso em 16 de out 2018

______ Agraves Naccedilotildees Disponiacutevel em lthttpwwwtertullianorglatinad_nationes_1htmgt

Acesso em 08 de jan 2019

______ Contra os Valentinianos Disponiacutevel em

lthttpwwwintratextcomIXTLAT0258_P2HTMgt Acesso em 27 de set 2018

THAYER Joseph Henry A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms

Wilkes clavis novi testamenti New York Cincinnati Chicago American Book Company

1889

TORRES Milton L A retoacuterica joanina do Logos Revista Caminhando Satildeo Paulo v 21 n 2

p 147-167 juldez 2016

VINE W E UNGER Merril F WHITE JR Willian Dicionaacuterio Vine O Significado

Exegeacutetico e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento Rio de Janeiro CPAD

2002

VIRKLER Henry Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica

Satildeo Paulo Vida 2001

WALDE Rick Justino Maacutertir Defensor da Igreja Disponiacutevel em

lthttplogoshp6tenetAPO25htmampgtgt Acesso em 11 set 2018

WACHHOLZ Wilhelm Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval Satildeo Paulo Know How 2010

XAVIER Erico Tadeu Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde Uacuteltimo Andar

(ISSN 1980-8305) Satildeo Paulo n 24 dez 2014

151

OBRAS CONSULTADAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ABRAtildeO Bernadete Siqueira A Histoacuteria da Filosofia Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

ANTONIAZZI Alberto MATOS Henrique C J Cristianismo 2000 anos de caminhada

3ed Satildeo Paulo Paulinas 1996

ARRUDA Elton Como fazer a Metodologia em um Projeto Disponiacutevel em

lthttpwwwbiblioteconomiadigitalcombr201007como-fazer-metodologia-em-um-

projetohtmlampgtgt Acesso em 18 dez 2018

BALTHAZAR Hans Urs von O Cristatildeo na Hora Decisiva Caxias do Sul Paulinas 1969

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen I Salamanca Ediciones Sigueme 1996

BIacuteBLIA Portuguecircs Ave Maria Traduccedilatildeo dos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica)

8ed Digital Satildeo Paulo Ave Maria 2014

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo de Genebra Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo MacArthur Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs A Biacuteblia de Jerusaleacutem Satildeo Paulo Paulinas 1980

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo Palavra-Chave Hebraico e Grego Traduccedilatildeo de Joatildeo

Ferreira de Almeida 2ed Rio de Janeiro CPAD 2011

______ Portuguecircs Biacuteblia Shedd Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo Paulo Vida

Nova 1997

CAIRNS Earle O Cristianismo Atraveacutes dos Seacuteculos Uma Histoacuteria da Igreja Cristatilde Satildeo

Paulo Vida Nova 1995

CHAPPIN Marcel Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Loyola 1999

COCHRANE Charles Norris Cristianismo e Cultura Claacutessica Rio de Janeiro Topbooks

2012

CONYBEARE Frederick Cornwallis STOCK St George Gramaacutetica do Grego da

Septuaginta Satildeo Paulo Loyola 2011

DELCOR Mathias MARTINEZ Florentino Garcia Introduccion a la Literatura Esenia de

Qumran Madrid Ediciones Cristiandad 1982

DURKHEIM Eacutemile As formas Elementares da Vida Religiosa Satildeo Paulo Paulinas 1989

152

GOMES Cirilo Folch Antologia dos Santos Padres paacuteginas seletas dos antigos escritos

eclesiaacutesticos 3ed Satildeo Paulo Paulinas 1979

GUIMARAtildeES Marcelo Rezende Conversando com os Pais e Matildees da Igreja Petroacutepolis

Vozes 1994

HASTENTEUFEL Zeno Infacircncia e Adolescecircncia da Igreja Porto Alegre EDIPUCRS

1995

JAEGER Werner Cristianismo Primitivo e Paideia Grega Lisboa Ediccedilotildees 70 1961

JUSTIN Apologie pour les chreacutetiens introduction texte critique traduction et notes par

Charles Munier Paris Cerf 2006

JUSTINUS Des Philosophen und Maumlrtyrers Rechtfertigung des Christentums (Apologie I u

II) Angeleitet Verdeutscht und Erlaumlutert von Heidenheim T Veil Strassburg Heitz amp

Muumlndel 1894

LLORCA Bernardino Nueva visioacuten de la Historia del Cristianismo Tomo Primero

Barcelona Labor 1956

MARTIacuteRIO DE POLICARPO DE ESMIRNA Disponiacutevel em lt

httpwwwcentroestudosanglicanoscombrbancodetextoshistoriadaigrejamartirio_de_polic

arpo_de_esmirnapdfgt Acesso em 17 de out 2018

PIERRARD Pierre Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulus 1982

ROBERTS Alexander DONALDSON James (Edited) Ante-Nicene Fathers Volume 1 The

Apostolic Fathers Justin Martyr Irenaeus Chronologically arranged with brief notes and

prefaces by Arthur Cleveland Coxe Peabody Hendrickson Publishers 1994

TAYLOR Justin As Origens do Cristianismo Satildeo Paulo Paulinas 2010

VIVES Joseacute Los Padres de la Iglesia Textos doctrinales del cristianismo desde los oriacutegenes

basta san Atanasio Barcelona Herder 1988

153

Page 3: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE

DIEGO DOS SANTOS WINGERT

CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO REFLEXAtildeO

SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE JUSTINO MAacuteRTIR

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de

Teologia da Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica

do Rio Grande do Sul como requisito parcial

para obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Teologia

Aacuterea de Concentraccedilatildeo em Teologia

Sistemaacutetica

Orientador Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da

Silva

Aprovada em _____ de _____ de _______ pela Comissatildeo Examinadora

COMISSAtildeO EXAMINADORA

______________________________________

Prof Dr Caacutessio Murilo Dias da Silva ndash PUCRS

______________________________________

Prof Dr Nythamar Hilario Fernandes de Oliveira Junior ndash PUCRS

______________________________________

Prof Dr Andreacute Luiz Rodrigues da Silva ndash PUC-Rio

A memoacuteria de meus familiares

Isidor Nairto Wingert meu querido pai por sua

histoacuteria como docente mas principalmente

pelas doces e constantes lembranccedilas de seu

carinho

Anisio e Maria Andradina dos Santos meus

saudosos avoacutes por seu amor sem medida por

sua entrega total a minha vida

Sempre os amarei

AGRADECIMENTOS

A minha amada Esposa uma luz constante em

minha vida Nela tudo sempre se renova sem

ela pouco restaria

Aos meus queridos filhos Pedro e Maria os

maiores presentes que Deus me deu Cristo

formado em voacutes eacute a maior heranccedila que pretendo

deixar

A minha amada Matildee que foi fundamental para

a realizaccedilatildeo desse sonho Seu amor foi constate

em todo tempo sua coragem sempre me

inspirou e seu legado me enche de orgulho

A meu Tio Ademir que eacute um exemplo vivo do

caraacuteter de Cristo sendo presente nessa

caminhada como um pai que acompanha seu

filho Essa conquista tambeacutem pertence a vocecirc

Ao Prof Caacutessio mestre por vocaccedilatildeo modelo de

excelecircncia para a docecircncia Sua orientaccedilatildeo foi

excepcional sua honestidade intelectual eacute

admiraacutevel Sua postura se tornou um exemplo a

ser seguido por esse teoacutelogo

Aos meus colegas Alexandre Dorcelina

Fernando Filipe Rodrigo e Samuel por tudo o

que compartilhamos e vivemos nesse tempo

jamais os esquecerei

Ao Pai ao Filho ao Espiacuterito Santo de quem eacute

o reino o poder e a gloacuteria de geraccedilatildeo em

geraccedilatildeo pelos seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem

ldquoEu lhes tenho dado a tua palavra e o mundo

os odiou porque eles natildeo satildeo do mundo como

tambeacutem eu natildeo sou Natildeo peccedilo que os tires do

mundo e sim que os guardes do mal Eles natildeo

satildeo do mundo como tambeacutem eu natildeo sou

Santifica-os na verdade a tua palavra eacute a

verdaderdquo

Joatildeo 1714-17

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo apresenta uma pesquisa bibliograacutefica direcionada a estabelecer a

identificaccedilatildeo moral e dogmaacutetica do termo Verdade exposto de forma predicativa na obra

intitulada I Apologia de Justino Maacutertir Acredita-se que na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo histoacuterica

do cristianismo alguns autores como Justino de Roma ajudaram a criar e fomentar os

paracircmetros necessaacuterios para se estabelecer uma ldquoidentidade cristatilderdquo durante os dois primeiros

seacuteculos da era atual A partir de novos valores e preceitos ordenou-se de maneira pragmaacutetica

uma tentativa de reconhecer e distinguir o fato de ser cristatildeo em meio ao contexto

sociorreligioso do mundo greco-romano De maneira expliacutecita e impliacutecita ndash e agraves vezes de forma

paradoxal ndash Justino categoricamente identifica o que era ser um seguidor de Cristo em sua I

Apologia aleacutem de apresentar o que poderia ser considerado como a Verdade de forma

categoacuterica e ateacute mesmo tangiacutevel nesse processo A partir desse ideaacuterio de feacute a dissertaccedilatildeo

discute questotildees pertinentes sobre o autor a obra base e outras caracteriacutesticas de seu contexto

histoacuterico Foram investigadas as relaccedilotildees entre a cultura helecircnica e o novo modus vivendi

naquele ambiente e nele a identidade filosoacutefica de Justino Por fim apresentou-se um quadro

clarificador sobre os elementos que satildeo considerados evidecircncias inquestionaacuteveis para Justino

do que eacute a Verdade revelada em meio aos homens Desenvolveu-se deste modo uma provaacutevel

definiccedilatildeo da Verdade segundo a concepccedilatildeo de Justino Maacutertir a partir de sua I Apologia

Palavras-chave Justino Maacutertir I Apologia Verdade

ABSTRACT

This dissertation presents a bibliographical research directed to establish the moral and

dogmatic identification of the term Truth exposed in a predicative way in the work entitled I

Apology of Justin Martyr It is believed that in the formation and historical constitution of

Christianity some authors like Justin of Rome helped to create and foster the parameters

necessary to establish a Christian identity during the first two centuries of the present era

From new values and precepts an attempt to recognize and distinguish the fact of being

Christian amidst the socioreligious context of the Greco-Roman world was pragmatically

ordered Explicitly and implicitly - and sometimes in a paradoxical way - Justin categorically

identifies what it was like to be a follower of Christ in his Apology in addition to presenting

what could be categorically and even tangibly Truth in that process From this idea of faith the

dissertation discusses pertinent questions about the author the base work and other

characteristics of its historical context The relations between the Hellenic culture and the new

modus vivendi in that environment were investigated and in it the philosophical identity of

Justin Finally a clarifying picture was presented on the elements that are considered

unquestionable evidences for Justino of what is the Truth revealed among men In this way a

probable definition of the Truth according to the conception of Justin Martyr from his I

Apologia was developed

Keywords Justin Martyr I Apologia Truth

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1 Pe ndash Primeira Epiacutestola de Pedro

1 Pet ndash The First Epistle of Peter

aC ndash Antes de Cristo

Adv Haer ndash Adversus Haereses

Adv Marcionem ndash Adversus Marcionem

Cap ndash Capiacutetulo

Caps ndash Capiacutetulos

dC ndash Depois de Cristo

Dial ndash Diaacutelogo com Trifatildeo

Gn ndash Livro de Gecircnesis

ICAR ndash Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

Jo ndash Evangelho de Joatildeo

Js ndash Livro de Josueacute

Sl ndash Livro dos Salmos

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 11

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

17

11 JUSTINO DE ROMA 17

12 PAIS DA IGREJA 23

121 Pais Apologistas 26

122 O Apologista Justino 29

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO 32

131 Dataccedilatildeo 32

132 Divisatildeo Textual 34

133 Gecircnero Literaacuterio 35

134 Manuscritos 38

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS 39

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo 40

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia 43

2 O NOVO MODUS VIVENDI 50

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE 51

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO 56

221 Os Judeus 58

222 Os Gentios 61

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM 65

231 Um Princiacutepio Teologal 68

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista 69

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria 70

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo 71

232 Um Princiacutepio Determinista 75

233 Um Princiacutepio de Pureza 78

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR 84

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII 85

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO 90

321 Estoicismo e Platonismo em Justino 95

322 O Logos em Justino 104

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS 110

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO 117

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO 118

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO 122

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO 128

CONCLUSAtildeO 139

REFEREcircNCIAS 144

OBRAS CONSULTADAS 151

11

INTRODUCcedilAtildeO

O assunto desta pesquisa dissertativa vem a ser um exame sobre uma proposta

desenvolvida a partir da obra intitulada I Apologia de Justino Maacutertir tambeacutem conhecido junto

ao meio eclesiaacutestico e acadecircmico como Justino de Roma Reconhecido de forma unacircnime como

um dos ldquomais ceacutelebres apologistas do seacuteculo IIrdquo1 Justino pertence agrave segunda era Patriacutestica

conhecida tradicionalmente pela definiccedilatildeo Pais Apologistas Nessa abordagem visamos

caracterizar a ideia de Justino a partir de sua definiccedilatildeo da palavra Verdade apresentada de

forma axiomaacutetica por diversas vezes em seu primeiro tratado apologeacutetico

Acredita-se que no processo de formaccedilatildeo desenvolvimento e consolidaccedilatildeo do

cristianismo como religiatildeo alguns valores de sentido absoluto (poderiacuteamos dizer dogmaacuteticos)

foram provedores e promovedores de um esquema de reconhecimento2 por meio de fortes

ascendentes (voltados para sua origem) de caracterizaccedilatildeo Esses valores amparados por sinais

e siacutembolos ndash alguns que receberam literal evidecircncia informativa ndash projetaram uma eficiente

identificaccedilatildeo cristatilde conseguindo externar a partir de preceitos e praacuteticas ordenadas um real

estado de enobrecimento3 e assim distinguiram o ser cristatildeo dos demais4

Aleacutem disso em toda a histoacuteria conhecida o homem sempre buscou descobrir quais

eram os reais elementos que promovem e garantem a certeza do bem (conquista felicidade

realizaccedilatildeo etc)5 e da verdade junto aos seres e as coisas com quem convive e se relaciona6

Nesse processo de desenvolvimento passando por todo percurso da histoacuteria humana nos

deparamos com as sequelas de um estado de consciecircncia que estaacute eacutetica eou moralmente

corrompido enfatizado em nosso em caso em especiacutefico pelo incocircmodo que o ser humano

passa quando exposto as consequecircncias e dilemas apresentados pelas ldquofacesrdquo da Verdade

Nesta mesma perspectiva reconhecemos que as ldquotestemunhas da verdade sempre

irritaram os ceacuteticos e os espertosrdquo7 Nessa missatildeo de testificar a Verdade os Apologistas

cristatildeos do Seacuteculo II acabaram por se distinguir mediante contribuiccedilotildees pertinentes para esse

1 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 51

2 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

3 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

4 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

5 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

6 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

7 DANIEacuteLOU O Escacircndalo da Verdade1963 p 11

12

processo construtivo tornando-se diferenciais em seu tempo e espaccedilo de atuaccedilatildeo8 Justino

nesse mesmo seguimento acaba ganhando destaque atraveacutes de seus tratados que descrevem a

vida cotidiana dos cristatildeos do periacuteodo sendo-nos possiacutevel afirmar que no que se refere ao

conceito de Verdade (como predicativo) Justino parece estar ldquomais proacuteximo de noacutes do que

muitos pensadores modernosrdquo9

Uma especificidade que devemos apontar como elemento introdutoacuterio neste processo

refere-se ao entendimento de Justino para com o vocaacutebulo Verdade Neste quesito um

imperativo surge pois de forma inquestionaacutevel mediante o registro do Apologista conseguimos

considerar o que ele compreendia sobre o termo verdade em sua dimensatildeo epistemoloacutegica O

vocaacutebulo grego αλήθεια10 que comumente se traduz por verdade em portuguecircs eacute amplamente

utilizado por Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo (absoluta) para

aquilo que o Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que

dependia de ser apontado como agrave realidade presente e necessaacuteria para os Homens

Este conceito gramatical que Justino carrega sobre o termo Verdade jaacute estaacute presente

nos filoacutesofos11 e seu significado incorpora algo que define bem sua temaacutetica apologeacutetica

Justino compreendia que a realidade necessitava ser deslumbrada pois a verdade estaacute

subentendida a um ldquoestado preacutevio que viemos a descobrir a colocar de manifesto

estabelecendo o que a coisa eacuterdquo12 Deste modo Justino mediante sua metodologia dialeacutetica e

empiacuterica procurava salientar sua posse da Verdade por meio de um ldquosentido de certezardquo que

envolvia e incorporava a comprovaccedilatildeo de seus resultados Estes efeitos eram obtidos no

afastamento de dados distorcidos e encobertos sobre a realidade isso porque uma vez aplicado

tal desvelamento percebia-se como as coisas eram13 fazendo com que a Verdade fosse

colocada diante de seus expectadores

8 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

9 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152

10 Rusconi ao apresentar este vocaacutebulo aborda inicialmente sobre sua composiccedilatildeo composta onde salienta que a

existecircncia da letra ldquoαrdquo no iniacutecio da palavra eacute uma partiacutecula negativa que estaacute somada ao termo ldquoλαθλήθrdquo que

significa ldquoestar escondidordquo Assim no caso em especiacutefico quase sempre a composiccedilatildeo visa expressar uma

realidade que estaacute ldquoescondida obscura eou esquecidardquo Deste modo a construccedilatildeo gramatical do termo propotildee

que a consequecircncia da autenticidade (verdade) dos fatos eacute o efeito causado pelo desvelamento destes casos Sendo

assim passa-se a conhecer a verdade a partir do momento que se remove as coisas que a ocultam Rusconi ainda

indica que o termo procurava apresentar a realidade como sendo a condiccedilatildeo objetiva das coisas visiacuteveis e

recordaacuteveis ao Homem o que atestava esse desvelamento do que estava oculto Ver RUSCONI Dicionaacuterio do

Grego do Novo Testamento 2003 p 32

11 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

12 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 12

13 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 15

13

A base dessa compreensatildeo sobre o vocaacutebulo verdade eacute utilizada amplamente por

Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo absoluta para aquilo que o

Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que dependia de ser

apontado como a realidade presente e necessaacuteria para os homens

Neste compasso eacute que esta dissertaccedilatildeo procura examinar como Justino interpretava

um de seus mais usados e emblemaacuteticos termos Este exerciacutecio nos conduz agrave questatildeo principal

que visamos responder nesta pesquisa sendo possiacutevel deste modo argumentarmos sobre este

ponto fundamental atraveacutes da seguinte interrogaccedilatildeo qual o sentido do vocaacutebulo ldquoVerdaderdquo

empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica

Sendo assim a realizaccedilatildeo desta pesquisa se deu atraveacutes de um exame bibliograacutefico

com literatura do tipo teoloacutegica filosoacutefica histoacuterica entre outras aacutereas relacionadas ao seu tema

base Cabe-nos salientar que esta dissertaccedilatildeo procura se apresentar como um agregado

intelectual em liacutengua portuguesa14 para sua aacuterea teoloacutegica especiacutefica

(PatriacutesticaPatrologiaHistoacuteria do Dogma) como tambeacutem para as demais aacutereas Humanas que

da mesma forma possam colher frutos num acircmbito interdisciplinar O estudo aqui proposto

baseia-se nos capiacutetulos XXIII-XXX da I Apologia de Justino Maacutertir tornando-se este nosso

principal ponto de delimitaccedilatildeo textual na busca de se compreender o conceito de Verdade para

Justino

Tratando-se dos termos Pai(s) ou Padre(s) ndash convencionalmente utilizados de forma

padratildeo e geneacuterica na titulaccedilatildeo das figuras de destaque na aacuterea Patriacutestica ndash optamos pelo

vocaacutebulo Pai como elemento descritivo a ser utilizado nesta pesquisa Isso devido a duas

questotildees orientativas A primeira busca priorizar a originalidade da liacutengua vernacular desta

dissertaccedilatildeo (portuguecircs) Jaacute a segunda procura seguir uma postura de acircmbito ecumecircnico visto

que o termo Pai se adapta melhor agrave compreensatildeo confessional cristatilde fora da realidade teoloacutegica

da Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana natildeo trazendo nenhum prejuiacutezo cognitivo aos leitores

desta uacuteltima Instituiccedilatildeo

As citaccedilotildees da I Apologia de Justino foram extraiacutedas de versotildees em liacutengua portuguesa

e grega Em portuguecircs a I Apologia eacute traduzida e editada por Ivo Storniolo e Euclides M

Balancin e comentada por Roque Frangiotti para a coleccedilatildeo Patriacutestica da editora Paulus Jaacute o

texto em seu idioma original estaacute presente em duas publicaccedilotildees a primeira estaacute na coletacircnea

Patrologiae Cursus Completus Series Graeca Volume 6 editado por Jacques Paul Migne e a

14 A falta de trabalhos sobre o pensamento de Justino Maacutertir em liacutengua portuguesa no cenaacuterio nacional (Brasil) eacute

uma evidente deficiecircncia acadecircmica ateacute o momento Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 12

14

segunda estaacute na coletacircnea Apologies (contendo a I e a II Apologias) traduzida e comentada por

Louis Pautigny A traduccedilatildeo e transliteraccedilatildeo do original grego quando se fez necessaacuterio satildeo de

nossa autoria15

Duas satildeo as traduccedilotildees da Biacuteblia Sagrada em liacutengua portuguesa utilizadas nesta

dissertaccedilatildeo A primeira que eacute aplicada de forma padratildeo em todo corpo textual desta pesquisa

eacute a traduzida em portuguecircs por Joatildeo Ferreira de Almeida 2ordf ediccedilatildeo Revista e Atualizada no

Brasil da Sociedade Biacuteblica do Brasil de 1993 A segunda traduccedilatildeo que eacute utilizada

exclusivamente no quadro comparativo entre os textos da I Apologia de Justino e os textos

escrituriacutesticos do Antigo Testamento localizado no IV capiacutetulo eacute de nossa inteira autoria16

Quanto ao texto grego utiliza-se o Novo Testamento Grego tradicionalmente conhecido por

Textus Receptus 15501894 (que significa texto recebido) de domiacutenio puacuteblico poreacutem editado

e produzido eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007 Quanto ao Antigo

Testamento emprega-se a versatildeo grega conhecida como Septuaginta de 190317 de domiacutenio

puacuteblico editada e produzida eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007

Esta pesquisa se desenvolve textualmente em quatro capiacutetulos O primeiro capiacutetulo

discute quatro pontos principais O primeiro eacute uma sucinta abordagem biograacutefica da figura

humana de Justino diante dos fatos existentes em seu contexto O segundo apresenta o perfil

histoacuterico e intelectual especialmente na classe Patriacutestica em que estaacute inserido O terceiro ponto

faz uma anaacutelise literaacuteria da I Apologia sua dataccedilatildeo sua divisatildeo textual seu gecircnero literaacuterio e

os manuscritos que se dispotildeem da obra Por uacuteltimo se aborda por meio de uma breve exposiccedilatildeo

histoacuterica o ponto-chave que em meados do Seacuteculo II motivou Justino a redigir esta obra o

fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo eacute analisado como sendo a forccedila motriz que conduziu a pena de

Justino neste tratado

O segundo capiacutetulo estaacute dividido em trecircs pontos O primeiro descreve quem eram os

cristatildeos como grupo apresentando algumas de suas particularidades mas visa especialmente

construir algo que se pode explicar como uma definiccedilatildeo ldquoidentitaacuteriardquo destes homens e mulheres

que se haviam tornado mais um segmento do contexto sociorreligioso do Seacuteculo II O segundo

15 As obras de referecircncia utilizadas para tal exerciacutecio de traduccedilatildeo foram Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-

Grego de Isidoro Pereira Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento de Carlo Rusconi Dicionaacuterio Biacuteblico Strong

de James Strong e A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti

de Joseph Thayer

16 Esta opccedilatildeo se daacute devido ao fato de natildeo existir em liacutengua portuguesa uma traduccedilatildeo que represente ou se

assemelhe de maneira teacutecnica ao original grego da Septuaginta

17 Os editores empregam correlatamente o termo ldquosem acentuaccedilatildeordquo junto a titulaccedilatildeo desta versatildeo O emprego

ocorre devido ao texto grego natildeo apresentar acentos

15

que daacute seguimento ao ponto anterior visa apresentar um melhor desenvolvimento dos objetivos

deste trabalho deste modo eacute imprescindiacutevel se apresenta um esboccedilo do que para Justino se

caracteriza como os setores da sociedade opostos ao cristianismo nesta relaccedilatildeo duas ldquoclassesrdquo

surgem judeus e gentios Por fim o terceiro ponto aborda o exame principal desta etapa Aqui

se descreve uma potencial relaccedilatildeo entre fatores que por regra se diferenciam essencialmente

sendo esta diferenciaccedilatildeo estabelecida necessariamente por uma nova postura espiritual eou

religiosa Novas variantes surgem de forma definitiva no cenaacuterio sociorreligioso da eacutepoca

confrontando seu status quo o que leva Justino a reagir criando automaticamente uma accedilatildeo

dialeacutetica que envolve conceitos teologais providenciais eacuteticos e morais aleacutem de gerar outras

variaccedilotildees que estabelecem o passo futuro a ser dado por Justino visando um desdobramento

que estabeleccedila sua confissatildeo de feacute Neste cenaacuterio eacute possiacutevel propor uma definiccedilatildeo do que seja

a Verdade para Justino

Tambeacutem o terceiro capiacutetulo tem sua estrutura dividida em trecircs pontos bases O

primeiro aborda o capiacutetulo XXVIII da I Apologia o qual seraacute analisado de forma introdutoacuteria

levando desta maneira ao desenvolvimento do restante da proposta aleacutem de dar fundamento agrave

construccedilatildeo do argumento central que estaacute ancorado no pensamento do Apologista O segundo

ponto do capiacutetulo concentra-se na descriccedilatildeo da filosofia como a principal ldquociecircnciardquo e a base

intelectual na formaccedilatildeo de Justino Neste espaccedilo se vecirc de forma sumarizada o filoacutesofo Justino

aqui tambeacutem se mencionam as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo deste Pai da Igreja

onde o estoicismo e o platonismo satildeo salientados Aleacutem disso eacute discutida tambeacutem o conceito

de Logos questatildeo filosoacutefica-teoloacutegica que acabou por se tornar em uma de suas principais

contribuiccedilotildees para a histoacuteria do dogma cristatildeo18 Finalmente o terceiro ponto concentra

esforccedilos no desenvolvimento de uma peculiar abordagem de Justino quanto ao uso e o fim que

a racionalidade humana exerce no seu conjunto de relaccedilotildees Este ambiente formado de coisas

temporais e atemporais caracteriza de maneira clara e oacutebvia para Justino uma postura sistecircmica

como modelo para as atitudes humanas que concentram em si a resposta que define a Verdade

para este Apologista

O quarto e derradeiro capiacutetulo se compotildeem de trecircs pontos elementares Inicia-se por

uma abordagem que procura desenvolver uma raacutepida relaccedilatildeo histoacuterica do conceito messiacircnico

em algumas culturas direcionando seu foco final para a eacutepoca de Justino O segundo item

descreve com certo grau de peculiaridade a definiccedilatildeo do que eram e consequentemente o que

representavam as profecias messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino aleacutem de visar

18 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

16

comunicaacute-las de maneira correta acima de tudo a quem ele as apresentou como tipo alvo e

revelaccedilatildeo maacutexima19 Por fim o terceiro ponto expotildee por meio do auxiacutelio de fontes que para

Justino havia um evidente qualificador em sua definiccedilatildeo do cumprimento profeacutetico da Antiga

Alianccedila Este fator se concentra em um axioma que se tornou visiacutevel sendo bem definido pelo

autor do Quarto Evangelho ldquoo Verbo se fez carne e habitou entre noacutes cheio de graccedila e de

verdade e vimos a sua gloacuteria gloacuteria como do unigecircnito do Pairdquo (Joatildeo 114)

Em resumo o primeiro capiacutetulo estaacute centrado no contexto da figura histoacuterica de

Justino O segundo em aspectos significativos sobre a contraposiccedilatildeo de ideias e haacutebitos O

terceiro na obtenccedilatildeo da inteligibilidade do Apologista em resistecircncia a uma previsatildeo

meramente sensiacutevel do agregado vivencial ou funcional de sua realidade O quarto na

afirmaccedilatildeo de um apogeu que sustentado em evidecircncias irrefutaacuteveis para Justino se estabelece

como uma sentenccedila irrevogaacutevel

Este apanhado nos convida a uma reflexatildeo para conhecer e a uma busca para

comprovar o que seria a Verdade na visatildeo de Justino de Roma Daniel-Rops foi mais um dos

tantos que foram conquistados pelas nuances do legado apologeacutetico de Justino e como

consequecircncia deste encontro encoraja seus leitores a aceitarem este desafio

Como os seus problemas satildeo semelhantes aos nossos Como bate seu coraccedilatildeo num

ritmo que conhecemos tatildeo bem Neste filoacutesofo de dezoito seacuteculos ressoa aos nossos

ouvidos uma espeacutecie de Pascal neste dialeacutetico emeacuterito encontra-se uma vontade de

acolhimento e uma abertura de alma que os cristatildeos de hoje podem tomar por

modelo20

19 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

20 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 277

17

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

Ao imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo

filoacutesofo e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do

saber ao sacro Senado e a todo o povo romano Em prol dos homens de qualquer raccedila

que satildeo injustamente odiados e caluniados eu Justino um deles filho de Prisco que

o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestina compus este discurso e

esta suacuteplica21

Para conhecermos melhor a Justino o cognominado Maacutertir da ainda jovem Igreja de

Cristo ndash como tambeacutem ilustre residente da comunidade romana do Seacuteculo II ndash devemos nos

aproximar de suas obras Especialmente nas conhecidas I Apologia e Diaacutelogo com Trifatildeo nos

deparamos com um pequeno poreacutem significativo acesso a informaccedilotildees que fundamenta um

consideraacutevel entendimento histoacuterico desta figura tatildeo destacada daquele periacuteodo22

A partir desta anaacutelise histoacuterica buscaremos desenvolver uma construccedilatildeo por meio de

fatores que entendemos serem essenciais para o progresso do restante desta pesquisa no qual

assuntos de teor elementar procuraratildeo ser respondidos Entre estes podemos identificar alguns

como Quem foi esse homem chamado Justino o qual o testemunho cristatildeo antigo afirma ter

sido morador da cidade de Roma e martirizado por sua feacute A qual classe da sociedade romana

de sua eacutepoca ele pertenceu A qual grupo da ldquointelectualidaderdquo cristatilde ele somou Como e

quando escreveu suas obras em especial a I Apologia Como este escrito encomiaacutestico de

defesa nasce Quem eou o quecirc (fatores diversosplurais) o incentivaram a escrevecirc-la de forma

proposital

11 JUSTINO DE ROMA

Torna-se necessaacuterio desde o iniacutecio salientar que se possui atualmente informaccedilotildees bem

detalhadas de quem teria sido Justino ndash o qual foi cunhado por Tertuliano como ldquofiloacutesofo e

maacutertirrdquo23 ndash morador da capital do Impeacuterio Romano isso tudo devido especialmente agraves claras

ldquoreferecircncias autobiograacuteficas de suas proacuteprias obras a um relato sobre seu martiacuterio e a notiacutecias

encontradas na Histoacuteria eclesiaacutestica de Euseacutebio e em Epifacircniordquo24 Uma gama consideraacutevel de

21 JUSTINO I Apologia I 1

22 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

23 TERTULIANO Contra os Valentinianos V 1

24 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 82-83

18

estudiosos concorda que Justino tenha nascido por volta do ano 100 da era cristatilde25 isso devido

agrave referecircncia textual apresentada pelo proacuteprio Apologista ldquoeu Justino um deles filho de Prisco

que o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestinardquo26 Neste contexto contribui

o trabalho de Xavier que afirma acreditar ldquoque ele (Justino) nasceu depois do ano 100 dC em

Flavia Neaacutepolis (atual Naplusa) na Siacuteria-Palestina ou Samaria a Siqueacutem dos tempos biacuteblicos

(Palestina)rdquo27 Nota-se atraveacutes do auto relato de Justino que este nasceu em pleno ldquocoraccedilatildeo da

Galileiardquo28 em uma cidade remodelada (modernizada) para sua eacutepoca agrave cultura romana ou seja

pagatilde Logo sua famiacutelia provavelmente tambeacutem era pagatilde possivelmente seus pais ldquoeram

colonos abastadosrdquo29 e de origem latina ou grega sendo a primeira opccedilatildeo de preferecircncia por

Hamman que afirma serem de caracteriacutestica latina a qualidade de caraacuteter o gosto por dados

histoacutericos e a natildeo apreciaccedilatildeo de argumentaccedilotildees pomposas e prolixas encontradas em Justino30

Vale tambeacutem citar que a etimologia dos nomes do seu pai (Prisco) e do seu avocirc (Baacutequio)

colabora para uma origem natildeo judaicaisraelita mesmo tendo nascido na regiatildeo da Samaria

local no qual possivelmente tenha crescido e sido educado31

Os proacuteximos relatos biograacuteficos apresentados por nosso autor jaacute se estabeleceram no

decorrer de sua jornada em direccedilatildeo ao alvo que buscava atingir eacute quando em seu escrito

intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo Justino se apresentaraacute como um apaixonado apreciador da

filosofia e do absoluto que a razatildeo deveria perscrutar Em um escrito estiliacutestico e repleto de

artifiacutecios literaacuterios Justino cita seu passado em meio aos estoicos peripateacuteticos pitagoacutericos e

platocircnicos32 observando desde cedo que o objetivo de seu caminho nestes grupos que

ldquocultuavamrdquo o bem-estar do viver humano era o de descobrir a verdade como um estado livre

de contingecircncias Hamman endossa esse processo de peregrinaccedilatildeo filosoacutefica na vida do autor

25 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 81

26 JUSTINO I Apologia I 1

27 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo nosso

28 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

29 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

30 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

31 Flaacutevia Neaacutepolis foi fundada em 72 de nossa era por Vespasiano sobre a antiga Siqueacutem A cidade existe hoje

sob o nome de Naplusa Natildeo se deve esquecer a importacircncia deste siacutetio geograacutefico para a histoacuteria religiosa de

judeus e cristatildeos Foi em Siqueacutem que Deus apareceu a Abraatildeo e este lhe dedicou um altar (cf Gn 126-7) Ali se

conservava a memoacuteria de um ldquopoccedilo de Jacoacuterdquo junto ao qual Jesus dialogou com a samaritana (cf Jo 45-6) Foi em

Siqueacutem que Josueacute reuniu a grande assembleia das tribos para ratificar a alianccedila entre Deus e seu povo (cf Js 24)

Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5

32 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3-6

19

O proacuteprio Justino conta-nos no Diaacutelogo com Trifatildeo o longo itineraacuterio de sua busca

[] Sucessivamente em Naplusa frequentou as aulas de um estoico depois de um

disciacutepulo de Aristoacuteteles que logo abandonou trocando-o por um platocircnico Com

candura esperava que a filosofia de Platatildeo lhe permitisse ldquover imediatamente a

Deusrdquo33

Entretanto Justino diante de diversas circunstacircncias e ainda acometido de inuacutemeras

inquietaccedilotildees decorridas das mesmas perguntas que o afligiam em sua busca pela verdade passa

a relatar seu impressionante encontro com o Evangelho de Cristo em seu Diaacutelogo com um judeu

chamado Trifatildeo34 Justino que aparentemente parece ter sido encorajado apoacutes ser ensinado por

um mestre da escola platocircnica passa a viver por meio de haacutebitos mais austeros e se retira a um

lugar isolado onde segundo ele mesmo procuraria encontrar ldquoo proacuteprio Deusrdquo35 Poreacutem em

meio a esta experiecircncia de isolamento ndash possivelmente ocorrida na regiatildeo da Aacutesia Menor36 ndash

Justino se depara com um anciatildeo que seraacute o arauto da mais significativa filosofia que conheceu

Hamman daacute ecircnfase a esse evento ldquoRetirando-se agrave solidatildeo Justino passeava pela areia a beira-

mar para meditar sobre a visatildeo de Deus sem conseguir apaziguar sua inquietaccedilatildeo quando

encontrou um anciatildeo misterioso que dissipou suas ilusotildeesrdquo37

Nesse Diaacutelogo nos deparamos com uma seacuterie de interrogaccedilotildees vindas da parte do

Anciatildeo judeu dirigidas a pessoa de Justino assuntos sobre Deus (divindade) sobre o saber

humano (filosofia) sobre a felicidade e a disposiccedilatildeo da alma (psique) satildeo algumas das questotildees

apresentadas ao ldquointelectordquo do filoacutesofo Justino No que tudo indica parecer um processo

baseado na maiecircutica socraacutetica o Anciatildeo leva nosso autor a inuacutemeras duacutevidas e consegue

estabelecer contradiccedilotildees naquela que parecia ser a melhor via (meacutedio platonismo) para o

entendimento da verdade conhecida por Justino ateacute entatildeo38 Diante das argumentaccedilotildees

apresentadas pelo Anciatildeo e sentindo-se vencido por elas Justino reconhece a sua limitaccedilatildeo e

pergunta ldquoEntatildeo a quem vamos tomar como mestre ou de quem poderemos tirar algum

proveito se nem mesmo nestes (filoacutesofos) se encontra a verdaderdquo39

33 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

34 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo III 1-VIII 2

35 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6-III 1

36 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

37 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

38 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

39 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1 grifo nosso

20

O decorrer do caso nos eacute apresentado com entusiasmo pelo autor o Anciatildeo eacute retratado

como algueacutem que natildeo hesita em afirmar ao sedento Justino que os profetas da antiga alianccedila

foram aqueles que manifestaramproclamaram a Verdade antes de todos os outros homens40

pois a resposta ao apelo do espiacuterito de Justino jaacute encontrava razatildeo e sentido na revelaccedilatildeo

anteriormente profetizada (Antigo Testamento) Estes fatos (profecias) tinham total relevacircncia

pois eram ldquomais antigos do que todos estes considerados filoacutesofos homens bem-aventurados

justos e amigos de Deusrdquo41 Neste ponto soma-se de forma significativa a descriccedilatildeo de Walde

desenvolvida junto ao texto de Justino sobre a sua conversatildeo

Justino foi introduzido na feacute diretamente por um velho homem que o envolveu numa

discussatildeo sobre problemas filosoacuteficos e entatildeo lhe falou sobre Jesus Ele falou a Justino

sobre os profetas que vieram antes dos filoacutesofos ele disse e que falou ldquocomo

confiaacutevel testemunha da verdaderdquo Eles profetizaram a vinda de Cristo e suas

profecias se cumpriram em Jesus Justino disse depois que ldquomeu espiacuterito foi

imediatamente posto no fogo e uma afeiccedilatildeo pelos profetas e para aqueles que satildeo

amigos de Cristo tomaram conta de mim enquanto ponderava nestas palavras

descobri que a sua era a uacutenica filosofia segura e uacutetil [] eacute meu desejo que todos

tivessem os mesmos sentimentos que eu e nunca desprezassem as palavras do

Salvadorrdquo42

Apoacutes este evento notabilizador na histoacuteria de Justino um evento que atesta a

conversaccedilatildeo do filoacutesofo a nova religiatildeo que se apresentava a cada dia com maior forccedila em meio

ao mundo heleniacutestico nasce um ministeacuterio que iraacute se caracterizar por uma profunda e inegaacutevel

entrega a causa que o conquistou Chegando agrave cidade de Eacutefeso Justino se deparou com irmatildeos

que se diziam disciacutepulos do apoacutestolo Joatildeo os quais por meio de uma intensa relaccedilatildeo lhe

mostraram o novo e relevante aspecto da nova filosofia que agora havia decidido seguir

passando a entender que o cristianismo deve ser ldquoum cristianismo de atos e natildeo soacute de

palavrasrdquo43

Poreacutem o maior entendimento que o Apologista obteve foi o de encontrar a Verdade a

qual buscava incessantemente unindo este axioma (Verdade) com o Logos revelado pelas

Escrituras contexto que definiu como a uacutenica ldquofilosofia segura e proveitosardquo44 para a vida a

40 DROHNER Manual de Patrologia 2008

41 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1

42 WALDE Defensor da Igreja 2000 p 1

43 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

44 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

21

qual eacute a fonte do saber primordial que manteve-se inalterada poreacutem tendo assumido ldquonovas

formas e expressotildees diferentesrdquo atraveacutes dos seacuteculos45 Este esteio da intelectualidade de Justino

foi tatildeo decisivo para a histoacuteria do cristianismo que segundo Hamman passou a apresentar

(temporariamente) uma satisfatoacuteria ldquoconclusatildeo para todas as verdades parciais [] Instante

inesqueciacutevel que assinala uma data na histoacuteria cristatilde em que se encontram a alma platocircnica e

a alma cristatilde A Igreja acolhia Justino e Platatildeordquo46

Aleacutem disto Justino guardou caracteriacutesticas daquilo que reconhecia ser saudaacutevel de seu

passado como amigo da sabedoria vestindo-se com ldquomanto de filoacutesofo como sinal do pregador

cristatildeo itineranterdquo47 Desta forma Justino procurou caracterizar-se entre os seus

contemporacircneos como algueacutem que representava a Verdade que havia encontrado Ateacute onde se

tem notiacutecias jamais foi ordenado assim como a maioria dos Pais de sua classe Patriacutestica

(Apologistas)48 No entanto ele iniciou em Roma possivelmente a pedido do Bispo Higino49

ldquoagrave maneira das escolas de filosofia uma escola de iniciaccedilatildeo agrave religiatildeo cristatilderdquo50 na qual formou

disciacutepulos recebendo tambeacutem por esta iniciativa a possiacutevel desaprovaccedilatildeo da ldquoclasserdquo

intelectual de sua eacutepoca pois tudo indica que natildeo cobrava nenhuma compensaccedilatildeo ndash entenda-se

salaacuteriopagamento ndash de seus alunos51 Este periacuteodo ministerial de Justino na ldquocapital do mundordquo

teve tamanha repercussatildeo na histoacuteria da Igreja a ponto de Euseacutebio fazer questatildeo de reproduzir

algumas particularidades desse filoacutesofo cristatildeo deixando-nos assim uma robusta base

historiograacutefica de Justino o primeiro historiador da Igreja afirma que ldquofloresceu Justino Com

estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de Deus e lutava pela feacute com seus escritosrdquo52

Decorrido um periacuteodo de confrontaccedilotildees filosoacuteficas e teoloacutegicas ndash especialmente no

acircmbito da eacuteticamoral ndash e de crescentes atritos com as esferas aristocraacuteticas da sociedade

romana Justino foi acusado de ser cristatildeo53 Tudo indica que a denuacutencia partiu de um filoacutesofo

45 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

46 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

47 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 83

48 RIVAS San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo 2018

49 Acredita-se que devido ao crescimento de alguns movimentos gnoacutesticos (Marcionismo Valentianismo etc)

junto a capital do Impeacuterio o Bispo Higino (Nono Papa) solicitou a presenccedila de Justino na tentativa de se introduzir

uma formaccedilatildeo filosoacutefico-cultural cristatilde em Roma no empenho de se responder adequadamente mediante a

verdadeira doutrina de Cristo a estes representantes heterodoxos Ver FEacuteLIX Las filosofiacuteas en la teologiacutea de

Justino Maacutertir 2014 p 438

50 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

51 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

52 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 10 8

53 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

22

ciacutenico54 de caraacuteter duvidoso chamado Crescente O proacuteprio Justino registra em sua segunda

Apologia o pressentimento de que entregaria sua vida em prol da causa do Evangelho que o

libertou da ignoracircncia e o salvou da morte eterna Ele escreve ldquoEu mesmo espero ser viacutetima

das ciladas de algum desses democircnios aludidos e ser cravado no cepo ou pelo menos das ciladas

de Crescente esse amigo da desordem e da ostentaccedilatildeordquo55 Deste modo Justino e provavelmente

seis de seus disciacutepulos foram conduzidos diante do Prefeito de Roma chamado Juacutenio Ruacutestico56

Apoacutes ser julgado e condenado agrave morte ldquoSua sentenccedila foi a decapitaccedilatildeo que ocorreu por volta

do ano 165 dCrdquo57 Hamman ainda enobrece a posiccedilatildeo de Justino salientando que o Apologista

tinha a compreensatildeo de que diante de seus algozes natildeo se tratava ldquomais de convencer senatildeo de

confessarrdquo58 Assim mesmo nesse cenaacuterio de violecircncia a identidade e histoacuteria do filoacutesofo que

quando jovem peregrinava atraacutes das respostas do absoluto acaba por transformar-se por meio

de um ato de feacute o entatildeo filoacutesofo cristatildeo chamado Justino e morador da cidade de Roma passa

agora a ser tambeacutem o Maacutertir da Igreja de Cristo

Finalizamos este item com a descriccedilatildeo de Euseacutebio que com realce e temor retrata os

fatos finais da histoacuteria da vida de Justino

Por este mesmo tempo Justino mencionado haacute pouco depois de dedicar aos

supracitados imperadores seu segundo livro em defesa de nossas doutrinas foi

adornado com o sagrado martiacuterio O responsaacutevel pela conspiraccedilatildeo foi o filoacutesofo

Crescente - homem que se esforccedilava em levar uma vida e uma conduta bem adequadas

ao cognome de ciacutenico - pois Justino o havia repreendido muitas vezes em presenccedila

de seus ouvintes Justino com seu martiacuterio acabou cingindo o precircmio da vitoacuteria da

verdade da qual era embaixador59

54 O cinismo origina-se nas escolas filosoacuteficas da Greacutecia antiga que reivindicam uma linhagem socraacutetica Chamar

os ciacutenicos de ldquoescolardquo no entanto imediatamente levanta uma dificuldade para um grupo natildeo convencional e anti-

teoacuterico Seus principais interesses satildeo eacuteticos mas eles concebem a eacutetica mais como um modo de viver do que

como uma doutrina que precisa de explicaccedilatildeo Como tal askēsis ndash uma palavra grega que significa um tipo de

treinamento do eu ou da praacutetica ndash eacute fundamental Os ciacutenicos assim como os estoacuteicos que os seguiram caracterizam

o modo de vida ciacutenico como um ldquoatalho para a virtuderdquo (ver Dioacutegenes Laeacutercio Vidas de Filoacutesofos Eminentes)

Livro 6 Capiacutetulo 104 e Livro 7 Capiacutetulo 122) Embora muitas vezes sugiram que descobriram o caminho mais

raacutepido e talvez o mais certo para a vida virtuosa eles reconhecem a dificuldade desse caminho Ver PIERING

Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Texto completo em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt

55 JUSTINO II Apologia VIII 9 1

56 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

57 CAMPENHAUSEN Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros Teoacutelogos Cristatildeos 2005 p 22 apud

SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 67

58 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 32

59 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 16 1

23

Apoacutes este introdutoacuterio exame biograacutefico comeccedilaremos a apresentar o cristatildeo e filoacutesofo

Justino em seu grupo de definiccedilatildeo Patriacutestica ou poderiacuteamos dizer no condicionamento

ministerial de seu exerciacutecio da manutenccedilatildeo e defesa da feacute cristatilde

12 PAIS DA IGREJA

Justino eacute um personagem histoacuterico do cristianismo mundial e possui seu assento no

espaccedilo definido pela teologia Patriacutestica como um PaiPadre da Igreja60 Em sua pesquisa de

ordenamento histoacuterico Santos salienta que ldquoele se insere num momento e num ciacuterculo muito

importante da histoacuteria do cristianismo primitivo naquilo que se convencionou chamar de

Padres da Igrejardquo61 Neste espaccedilo analiacutetico em que surgem terminologias de caraacuteter mais

temaacutetico desenvolvem-se alguns viacutenculos que visam obter uma melhor orientaccedilatildeo teoloacutegica

As ciecircncias intituladas Patriacutestica e Patrologia (denominaccedilatildeo predominante no acircmbito teoloacutegico

Catoacutelico Romano) detecircm as estruturas funcionalidades e linguagens que buscam o

aperfeiccediloamento deste ramo de pesquisa histoacuterica em meio a teologia Nesse espaccedilo torna-se

importante apresentar a sinteacutetica definiccedilatildeo oriunda da Congregaccedilatildeo para a Educaccedilatildeo Catoacutelica

em sua Instruccedilatildeo sobre o Estudo dos Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal esta diz ldquoa

Patriacutestica ocupa-se do pensamento teoloacutegico dos Padres [] a Patrologia tem por objeto a vida

e os escritos dos mesmosrdquo62 Notamos que nesse ambiente se caracteriza uma espeacutecie de

sinoniacutemia entre os termos sendo isso o resultado de diversas siacutenteses oriundas do confronto de

algumas posiccedilotildees divergentes ao longo da histoacuteria da elaboraccedilatildeo teoloacutegica ocidental63 poreacutem

a definiccedilatildeo terminoloacutegica conhecida por Histoacuteria da Literatura Cristatilde Antiga utilizada por

Lazzati e Simonetti ndash mesmo que extensa e ainda pouco usada ndash devido a sua qualificaccedilatildeo

linguiacutestica acabou por se estabelecer Padovese resume bem essa proposta de ldquosimbioserdquo ao

60 Em vaacuterias liacutenguas eacute a mesma palavra para o significado de Padre e Pai pater em latim padre em italiano e em

espanhol pegravere em francecircs father em inglecircs Em portuguecircs haacute hoje distinccedilatildeo niacutetida entre Padre e Pai mas o sentido

original da palavra eacute o de Pai (ateacute natildeo muitos anos atraacutes diziacuteamos [na liturgia da ICAR] ldquoPadre nosso que estais

no ceacuteurdquo) Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 17 grifo nosso

61 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68

62 CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos Padres da Igreja na

Formaccedilatildeo Sacerdotal 1989 art 49

63 A Patriacutestica no mundo protestante tornou-se ldquoHistoacuteria dos Dogmasrdquo e tanto no acircmbito catoacutelico como

protestante alguns identificaram a Patrologia com a histoacuteria da literatura cristatilde (Harnack) ou com a ldquohistoacuteria da

literatura eclesiaacutesticardquo (Bardenhewer) ou ainda com a ldquohistoacuteria da literatura cristatilde antigardquo (Lazzati Simonetti)

Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 22

24

sugerir que ldquoambas (Patriacutestica e Patrologia) juntamente com a histoacuteria da literatura cristatilde

antiga trabalham com as mesmas obrasrdquo64

Desta maneira a aacuterea de estudo dos Pais da Igreja tem sido objeto e alvo de diversas

pesquisas na atualidade aleacutem de ter sido um feacutertil campo para inuacutemeras e variadas abordagens

no decorrer dos seacuteculos havendo significativos trabalhos jaacute no Seacuteculo XVII65 Mais

recentemente (Seacuteculo XX)66 houve um reconhecimento do grande valor estrutural desse

segmento para o meio teoloacutegico de forma transconfessional onde acabou por acarretar

expressiva contribuiccedilatildeo em questotildees especialmente dogmaacuteticas Hall baseando-se no

pensamento de Casey desenvolve sua ideia atraveacutes de afirmaccedilotildees relevantes sob a importacircncia

do estudo da PatriacutesticaPatrologia para o ensino ordinaacuterio da teologia (academia) e da Igreja

(catequese)

Primeiro os pais satildeo os ldquomais proacuteximos beneficiaacuterios da tradiccedilatildeo apostoacutelicardquo Em

minhas proacuteprias palavras eles viveram e trabalharam em aproximaccedilatildeo hermenecircutica

com os escritores biacuteblicos especialmente os do novo testamento Segundo os pais

ldquoajudam-nos a entender nossas proacuteprias raiacutezesrdquo na feacute Terceiro muitos pais

escreveram e viveram como pastores Eles escreveram para ajudar as pessoas a

agarrar-se ao ensino de Cristo67

De maneira ampla podemos dizer que haacute algumas variaccedilotildees no meacutetodo e no estilo de

estudar o cenaacuterio patriacutestico em sua estrutura conjuntural Devemos iniciar salientando que o

periacuteodo patriacutestico simplesmente ldquonatildeo eacute definido como um marco cronoloacutegico mas como um

periacuteodo de passagemrdquo68 Deste modo uma delimitaccedilatildeo se constroacutei atraveacutes de uma conclusatildeo de

periacuteodos (estrutura temporal) ndash onde atributos culturais e eclesiaacutesticos se mesclam para gerar

uma definiccedilatildeo conceitual Nessa espeacutecie de ldquorestriccedilatildeo conceitualrdquo tambeacutem se encaixa o

conjunto de criteacuterios adotados no processo de seleccedilatildeo daqueles que podem receber tal tiacutetulo

honoriacutefico de Pai da Igreja mesmo que estes elementos de classificaccedilatildeo (ortodoxia

64 PADOVESE Leacutexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico 2003 p 576 apud SANTOS Identidade Cristatilde

no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68 grifo nosso

65 DAILLEacute Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui sont auiourdhui en la

religion 1632

66 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

67 CASEY Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina 1995 p 105 apud HALL Lendo as Escrituras

com os Pais da Igreja 2003 p 56

68 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

25

santificaccedilatildeo reconhecimento eclesiaacutestico antiguidade)69 tenham possuiacutedo variaacuteveis (de meacuterito

e de forma)70 em sua aplicaccedilatildeo durante toda a histoacuteria Ainda nesse processo de formaccedilatildeo

tambeacutem cabe registrar a profunda influecircncia de indicaccedilatildeo geograacutefica ocorrida em todo esse

desenvolvimento onde uma linha divisoacuteria de significativa relevacircncia se apresenta quando faz

a separaccedilatildeo do ldquotemperamento teoloacutegico entre o Oriente e Ocidenterdquo71

Contudo cabe-nos assumir uma forma de classificaccedilatildeo e organizaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo

desta pesquisa desta forma por utilizar-se de uma linguagem acessiacutevel e por apresentar maior

incidecircncia literaacuteria em meios natildeo teoloacutegicos utilizaremos das seguintes divisotildees baseadas no

trabalho de Hall descritas como

I Pais Apostoacutelicos (final do Seacuteculo I ateacute meados do II)

II Pais Apologistas ou Ante-Nicenos (Seacuteculo II)

III Pais Polemistas ou Nicenos (final do Seacuteculo II e Seacuteculo III)

IV Pais Cientiacuteficos ou Poacutes-Nicenos (Seacuteculo III ao V)72

O primeiro modo de classificaccedilatildeo iraacute se designar por uma abordagem de caraacuteter mais

funcional no que diz respeito a seus integrantes todos estatildeo relacionados ao periacuteodo

denominado de cristianismo antigoprimitivo recebendo assim o nome de Pais Apostoacutelicos

Foram os herdeiros diretos do chamado ldquodepoacutesito da Feacuterdquo o qual foi estabelecido atraveacutes da

missatildeo dos apoacutestolos de Cristo que detinham a autoridade e a grande responsabilidade de

perpetuar a doutrina apostoacutelica (entenda-se afirmar a continuidade da mensagem una santa e

catoacutelica do cristianismo por meio da manutenccedilatildeo daacute mensagem original) Jaacute os denominados

Pais Apologistas (grupo agrave qual Justino pertence) notabilizaram-se ndash principalmente devido agrave

notaacutevel qualidade de seus escritos ndash por defender a Feacute cristatilde de inuacutemeras accedilotildees repressivas agrave

doutrina e agraves comunidades fenocircmeno que se caracterizou especialmente no decurso do Seacuteculo

II Os Pais Polemistas salientam-se por sua ampla argumentaccedilatildeo no que confere a asseveraccedilatildeo

dos principais ensinos (doutrinasdogmas) do cristianismo protegendo-os das mais variadas

heresias tambeacutem afirmando suas peculiaridades mas acima de tudo pontuando estas instruccedilotildees

como questotildees indispensaacuteveis para a existecircncia da verdadeira Feacute em Cristo Por uacuteltimo os Pais

chamados ldquocientiacuteficosrdquo distinguiram-se por sua ecircnfase na densa aplicaccedilatildeo da Teologia em aacutereas

69 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 11

70 Bogaz Couto e Hansen indicam ainda um quinto criteacuterio na classificaccedilatildeo dos elementos para se ser credenciado

como um integrante do mundo patriacutestico eles o chamam de COLEGIALIDADE E DIAacuteLOGO Este visa analisar

a abrangecircncia do patrimocircnio teoloacutegico deixado pelo autor Ver BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica

caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 28 grifo do autor

71 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

72 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003 Ver capiacutetulos III-V

26

filosoacuteficas e do conhecimento ldquonaturalrdquo (antropologia sociologia psicologia etc) de seu

tempo Cabe-nos ainda frisar por uma questatildeo teacutecnica que o periacuteodo Patriacutestico normalmente eacute

descrito ateacute figuras do Seacuteculo VIII73 poreacutem nossa abordagem natildeo esmiuccedilara tal fato pelo

mesmo exceder o tema proposto nesta pesquisa

Para terminar nossa lacocircnia abordagem de uma aacuterea tatildeo ampla e rica de conteuacutedo

devemos sustentar a premissa de que uma consistente estrutura para anaacutelise Patriacutestica se daacute

atraveacutes da apropriaccedilatildeo de seu legado intelectual e isso se constroacutei atraveacutes de um genuiacuteno exame

de suas obras Aqui se apresenta a Patrologia como a ciecircncia a ser seguida e exercitada em

sentido literal isso devido a essa ser a organizadora deste sistema Santos em sua pesquisa

contribui neste enfoque

Haacute ainda outra forma muito comum de se estudar os padres da Igreja que eacute a partir de

suas obras e ainda o estudo deles todos sem qualquer divisatildeo atendo-se agraves vezes agrave

cronologia tanto de suas obras quanto de sua existecircncia na linha do tempo agraves vezes

de forma alfabeacutetica Em ambos os casos satildeo estruturados de forma enciclopeacutedica ou

dispostos como um dicionaacuterio de pensadores cristatildeos Assim os padres da Igreja

fazem parte de um campo de estudo maior inserido no que pode ser chamado de

Histoacuteria das ideias ou do pensamento cristatildeo74

Seguindo em uma ordem organograacutefica examinaremos a partir de agora o grupo

Patriacutestico no qual Justino se enquadrou em seu exerciacutecio ministerial devido a suas

caracteriacutesticas filosoacuteficas e teoloacutegicas

121 Pais Apologistas

Verificamos que no decorrer do Seacuteculo II surgiu nas comunidades cristatildes uma iminente

necessidade de combater determinadas acusaccedilotildees aleacutem de procurar dissuadir visotildees distorcidas

sobre o cristianismo75 especialmente as relacionadas a questotildees que adotavam posturas parciais

que simplesmente acusavam a religiatildeo cristatilde de ser um legado para pessoas ldquoignorantes e

fanaacuteticasrdquo76 Tal incitaccedilatildeo jaacute estava ativa em grande parte do Impeacuterio Romano Desta forma a

73 Os estudiosos patriacutesticos definem o fechamento deste periacuteodo no ocidente com Gregoacuterio Magno (ou Isidoro de

Sevilha) no Seacuteculo VII e no Oriente com Joatildeo Damasceno no Seacuteculo VIII Ver BOGAZ COUTO HANSEN

Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

74 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 69

75 Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 29-31

76 SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 181

27

Igreja ancorada em um ldquonuacutemero notaacutevel de gentios dotados de soacutelida formaccedilatildeo intelectualrdquo77

sendo sua maioria formada por ldquofiloacutesofosrdquo que haviam se convertido ao cristianismo acabaram

postando-se como baluartes desta nova religiatildeo tendo seus escritos (chamados de ldquotradiccedilatildeo

apologeacutetica cristatilderdquo78) como sua principal ldquoarmardquo de defesa estes (escritores e suas obras)

visavam ldquorefutar as calunias e [] expor o absurdo e a incoerecircncia dos ritos e dos mitos

pagatildeosrdquo79 aleacutem de apresentarem suas vidas como testemunhos da transformaccedilatildeo almejada por

esta feacute que defendiam Diante dos recursos aos quais protegiam e frente a busca de

ldquolegitimaccedilatildeordquo do cristianismo como religiatildeo no Impeacuterio estes cristatildeos questionavam de

maneira enfaacutetica as infundadas agressotildees propostas por aqueles que decidiam ldquofechar os seus

olhosrdquo as virtuosas obras geradas pelos seguidores desta Boa Nova Fluck contribui com ecircnfase

na tentativa de legitimaccedilatildeo que estes escritores apologistas procuraram dar a sua pregaccedilatildeo na

busca de toleracircncia para sua mensagem

Os apologistas queriam manifestar diante da opiniatildeo puacuteblica a verdadeira natureza do

Cristianismo Eles tinham a preocupaccedilatildeo de demonstrar a conformidade do

Cristianismo com o ideal helecircnico Proclamavam ndash na maioria dos casos ndash a alianccedila

do Cristianismo e da Filosofia Queriam mais do que somente toleracircncia Mostravam

que os cristatildeos eram os melhores cidadatildeos do Impeacuterio e que o Cristianismo favorecia

a grandeza do Impeacuterio80

Esta postura adotada por homens de elevada cultura acabou por robustecer e superar

uma necessidade existencial que havia surgido na relaccedilatildeo do cristianismo para com mundo

greco-romano isso devido agrave expansatildeo e estabilizaccedilatildeo em sociedades predominantemente

heleniacutesticas Os Pais Apologistas (em sua ampla maioria) inauguraram o que podemos chamar

de informaccedilatildeo ldquoad extrardquo81 ou seja estabelecer uma relaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo para fora dos

ldquomurosrdquo da Igreja O que antes era conhecida como a dimensatildeo (alcance e destino para

mensagem) literaacuteria ndash definida como ldquoad intrardquo82 ndash no periacuteodo dos Pais Apostoacutelico agora era

acompanhada de um novo estilo linguiacutestico que abria espaccedilo e trazia em sua armaccedilatildeo tambeacutem

77 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 69

78 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 2

79 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

80 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 31

81 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

82 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 97

28

o ldquoconhecimento das ciecircncias das letras e da filosofiardquo83 Torna-se valiosa nessa abordagem as

consideraccedilotildees gerais de Haumlgglund sobre a importacircncia da accedilatildeo literaacuteria dos Apologistas

Os apologistas ocupam lugar de destaque na histoacuteria do dogma natildeo soacute devido a sua

descriccedilatildeo do cristianismo como a verdadeira filosofia como tambeacutem por sua tentativa

de elucidar ensinamentos teoloacutegicos com o auxiacutelio de terminologia filosoacutefica

contemporacircnea (por exemplo na assim chamada laquocristologia do Logosraquo) O que neles

encontramos por conseguinte eacute a primeira tentativa de definir de maneira loacutegica o

conteuacutedo da feacute cristatilde bem como a primeira conexatildeo entre teologia e ciecircncia entre

cristianismo e filosofia grega84

Acredita-se que o periacuteodo apologeacutetico teve seu iniacutecio no seio da Igreja com a literatura

de um disciacutepulo chamado Quadrato que possivelmente em 124125 dC apresentou ldquodianterdquo

do Imperador Adriano na cidade de Atenas (Greacutecia) uma espeacutecie de tratado que visava enfatizar

que Cristo em seu ministeacuterio terreno havia realizado diversas curas e milagres afirmando que

a ressurreiccedilatildeo de mortos foi algo emblemaacutetico entre esses feitos prodigiosos85 Aristides eacute outro

personagem que merece destaque como precursor desta classe Patriacutestica Euseacutebio se refere a

ele deste modo ldquoMas tambeacutem Aristides homem de feacute entregue a nossa religiatildeo deixou assim

como Codratos uma Apologia em favor da feacute que havia dirigido a Adriano Tambeacutem a obra

deste escritor se conservou ateacute nossos dias em muitos lugaresrdquo86 Nesse escrito o historiador da

Igreja iraacute apresentar uma das proposiccedilotildees recorrentes entre os escritos apologeacuteticos do periacuteodo

o de que somente os cristatildeos satildeo verdadeiramente eacuteticos isso devido principalmente aos seus

haacutebitos de elevada postura moral87 o que buscava demonstrar que eram os uacutenicos que

verdadeiramente conheciam a DeusDivindade88 e deste modo acabavam por serem os

ldquomelhores cidadatildeos do Impeacuteriordquo89 Desta forma seguindo quase que um modelo padratildeo de

abordagem esses Apologistas apelaram aacute razoabilidade dos governantes romanos de sua eacutepoca

exigindo destes natildeo apenas toleracircncia mas acima de tudo justiccedila

83 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

84 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21

85 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

86 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 3 3

87 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

88 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

89 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 28

29

Ainda citamos o trabalho de Xavier que aborda de forma sinteacutetica outras figuras desse

periacuteodo apologeacutetico destacando sua alta produccedilatildeo textual que acabou por ter significativa

relevacircncia na estruturaccedilatildeo e funcionalidade de diversos segmentos do processo de formaccedilatildeo

dogmaacutetico na Igreja O relato agrega teor agrave nossa construccedilatildeo

Taciano disciacutepulo de Justino que compocircs ldquoDiscurso aos gregosrdquo Atenaacutegoras que

escreveu ldquoDefesa dos cristatildeosrdquo e um tratado ldquoSobre a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo Por

volta do ano 180 o bispo de Antioquia Teoacutefilo escreveu ldquoTrecircs livros a Autoacutelicordquo

tratando da doutrina cristatilde de Deus a interpretaccedilatildeo das Escrituras e a vida cristatilde

refutando as objeccedilotildees dos pagatildeos sobre essas questotildees No seacuteculo terceiro Oriacutegenes

de Alexandria escreveu uma refutaccedilatildeo ldquoContra Celsordquo Todas essas obras foram

escritas em grego sendo que na liacutengua latina destacam-se dois escritos apologeacuteticos

a ldquoApologiardquo de Tertuliano e o ldquoOtaacuteviordquo de Minuacutecio Feacutelix90

Portanto fica registrado na histoacuteria da identidade cristatilde mais que um gecircnero literaacuterio

antes uma postura corajosa de homens de estimado caraacuteter que ldquotocados pelo testemunho dos

cristatildeos e pelo querigma apostoacutelicordquo91 comunicaram uma genuiacutena e autecircntica mensagem de

vida e esperanccedila Tambeacutem devemos afirmar que a ldquotarefa de defender a feacute diante desta classe

de ataques produziu algumas das mais notaacuteveis obras teoloacutegicas do seacuteculo segundordquo92

Provavelmente muitos poderosos abastados intelectuais e outros detentores das benesses que

compunham a aristocracia romana do periacuteodo foram confrontados e alcanccedilados pelo

testemunho destes disciacutepulos que enfatizaram o apelo agrave razatildeo na tentativa de evitar a loucura

humana Nesse ponto Xavier consegue expressar com clareza a provaacutevel motivaccedilatildeo destes

homens ldquoSuas principais intenccedilotildees eram fazer com que o cristianismo fosse visto como um

ideal de vida que podia ser aceito e vivido em conformidade com a cultura greco-romana sem

necessidade de serem os cristatildeos perseguidos mortos ou marginalizadosrdquo93

122 O Apologista Justino

Eacute importantiacutessimo iniciarmos este item com as palavras de Dreher Frangiotti

Haumlgglund e Hamman O primeiro diz ldquoEntre os apologetas cristatildeos que procuraram estabelecer

90 XAXIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo do autor

91 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

92 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 86

93 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14

30

um diaacutelogo com os filoacutesofos Justino (110-165) foi o mais importanterdquo94 O segundo

similarmente afirma ldquoJustino eacute certamente o melhor apologista do seacuteculo IIrdquo95 O terceiro daacute

mesma forma garante no uso de um superlativo a importacircncia do Apologista ldquoO mais notaacutevel

dos apologistas foi Justino cognominado laquoo maacutertirraquo cujas duas laquoapologiasraquo datam de meados

do segundo seacuteculordquo96 O quarto usando de adjetivaccedilatildeo similar agrave do anterior enobrece com

insigne descriccedilatildeo a figura do Apologista ldquoDe todos os filoacutesofos cristatildeos do seacuteculo II Justino eacute

o mais ceacutelebre e o maiorrdquo97

Neste espaccedilo faremos uma descriccedilatildeo sinteacutetica apresentando a figura de Justino dentro

de sua classe Patriacutestica tendo como centro de nossa atenccedilatildeo sua produccedilatildeo textual

especialmente de suas duas apologias que satildeo as nossas principais ferramentas de ponderaccedilatildeo

sobre sua atuaccedilatildeo ministerial Nessa composiccedilatildeo podemos dizer que entre os ldquoApologistas

Maioresrdquo98 nenhum ldquoestava mais bem preparado para esse confronto do que Justinordquo99 isso

devido a sua variada formaccedilatildeo filosoacutefica Aproximadamente entre os ldquoanos de 150 e 165

dCrdquo100 Justino se apresentou no cenaacuterio apologeacutetico cristatildeo de forma avultosa mesmo natildeo

sendo um literato de destaque ganhou espaccedilo seja por seu caraacuteter iacutentegro como tambeacutem por

sua postura de retidatildeo haacute doutrina a ponto de seus escritos mostrarem ldquoo calor nunca

desmentido das suas convicccedilotildeesrdquo101 Hamman define bem essa peculiaridade na literatura de

Justino ao dizer que a ldquooriginalidade de Justino natildeo estaacute na sua qualidade literaacuteria mas na

novidade de seu esforccedilo teoloacutegicordquo102

Deste modo Justino conseguiu expressar muito bem aquilo que se tornaria o estandarte

apologeacutetico deste periacuteodo afirmando que o cristianismo ldquoeacute a filosofia segura e proveitosardquo103

levando-nos a conclusatildeo de que em ldquoCristo deu-se portanto a restauraccedilatildeo da filosofiardquo104

Nota-se que Justino estava absolutamente convencido de que havia encontrado o verdadeiro

94 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

95 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 6 grifo nosso

96 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21 grifo nosso

97 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27 grifo nosso

98 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 80

99 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 28

100 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

101 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

102 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

103 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

104 BARRERA A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da Biacuteblia 1995 p 663 apud FLUCK

Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32

31

caminho ldquoe passou a defendecirc-lo de diversas maneiras por meio de seus ensinos em seus

escritos e em sua vida e morte como maacutertirrdquo105 Assim como resultado de sua produccedilatildeo

literaacuteria Justino acabou destacando-se a ponto de se tornar ldquoo principal dos apologistas gregos

do seacuteculo IIrdquo106 como jaacute referido acima vale ainda mencionar o seleto testemunho de Euseacutebio

nessa constituiccedilatildeo este nos sugere que o legado apologeacutetico de Justino eacute consequecircncia de um

elaborado processo do conhecimento ao qual este passou a possuir ele escreve ldquoTambeacutem por

este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava ainda ocupado em

exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da

filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez sem razatildeo mas com juiacutezordquo107

Contudo ainda nos cabe um raacutepido registro histoacuterico relativo agrave produccedilatildeo literaacuteria de

Justino referente a questatildeo de se apontar qual seria sua habilitaccedilatildeo como um autecircntico

Apologista do Seacuteculo II Obviamente esta capacidade teacutecnica proveacutem daquilo que eacute a parte

material de sua arte no caso de Justino suas obras108 A pesquisa historiograacutefica apresenta ldquo8

obrasrdquo109 creditadas a Justino por Euseacutebio110 fazendo com que nosso autor seja reconhecido

como um escritor de ldquofecundardquo111 atividade literaacuteria no passado entretanto como autecircnticas

chegaram ateacute noacutes apenas trecircs destas diversas obras satildeo elas a I e II Apologia e um relato

argumentativo com um provaacutevel rabino judeu intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo112 Entre as

Apologias a primeira eacute direcionada agrave classe imperial Romana (Antonino Pio e seus filhos

Marco Aureacutelio e Luacutecio Vero) como tambeacutem ao senado Jaacute a segunda eacute motivo de um amplo

debate na esfera da criacutetica textual por natildeo apresentar um relato introdutoacuterio nem um

destinataacuterio de forma objetiva Muitos acreditam ser esta obra um apecircndice da I Apologia Nesta

cena eacute relevante a pesquisa de Santos que cita as bases de Euseacutebio aleacutem de outros trecircs autores

que nos auxiliam de forma eficaz na elucidaccedilatildeo desta questatildeo mesmo que natildeo possam pocircr um

fim a discussatildeo ele diz

105 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13 grifo nosso

106 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13

107 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 5

108 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

109 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 76

110 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 18 1-6

111 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

112 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 83 SIMONETTI In Justino

Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

32

Destas obras cabem-nos as seguintes consideraccedilotildees quanto agraves duas primeiras a

primeira apologia citada em Euseacutebio corresponde a I Apologia que chegou ateacute noacutes A

segunda apologia natildeo corresponde a II Apologia que temos Primeiro porque natildeo

possui uma introduccedilatildeo e nem um destinataacuterio enquanto que a citada por Euseacutebio

possui um destinataacuterio O segundo ponto que corrobora este ponto de vista eacute a citaccedilatildeo

que Euseacutebio faz da primeira apologia Diz ele ldquoo mesmo autor (Justino) em sua

primeira Apologiardquo e conta uma histoacuteria que consta em nossa II Apologia II 1-20

(EUSEacuteBIO DE CESAREacuteIA Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 17) Eacute mais provaacutevel que a dita

II Apologia que chegou ateacute noacutes seja um apecircndice da I Apologia (FRANGIOTTI 1995

MORESCHINI amp NORELLI 2005 p 110)113

Diante de tatildeo curioso e desafiante cenaacuterio eacute valioso buscar compreender o propoacutesito

dos tratados de Justino pois por ldquotraacutes deste esforccedilo descobrimos o testemunho de um homem

de uma conversatildeo de uma opccedilatildeo definitivardquo114 opccedilatildeo que nos oferece a possibilidade de

conhecer o verdadeiro e uacutenico Deus e se necessaacuterio for viver e morrer na defesa deste

Evangelho que nos leva ao verdadeiro conhecimento115

Apoacutes abordar a figura de Justino em sua classe Patriacutestica e salientar resumidamente

seu instrutivo serviccedilo para com o cristianismo seraacute analisada de maneira diminuta mas com

dedicado alinho a dataccedilatildeo e a estrutura literaacuteria da primeira obra apologeacutetica que serve de esteio

para esta pesquisa

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO

A constituiccedilatildeo textual da primeira obra de Justino apresenta caracteriacutesticas histoacuterico-

literaacuterias muito interessantes como tambeacutem evidecircncia aspectos relevantes na assimilaccedilatildeo do

desenvolvimento do cristianismo dos dois primeiros seacuteculos Desta forma reconhecemos a

necessidade de uma abordagem cientiacutefica ndash mesmo que aqui apresentada de maneira lacocircnica

ndash de algumas aacutereas da anaacutelise criacutetica textual para uma melhor assimilaccedilatildeo de nosso escrito

alicerccedilante Assim um enfoque calculado na dataccedilatildeo na divisatildeo no gecircnero literaacuterio e nas

principais peccedilas quirograacuteficas da I Apologia de Justino nos possibilitaratildeo uma melhor

compreensatildeo dos conteuacutedos e elementos que a mesma visa comunicar A partir de agora nosso

objetivo seraacute examinar estas quatro aacutereas

131 Dataccedilatildeo

113 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 70

114 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

115 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

33

Apresenta-se praticamente como ponto paciacutefico na pesquisa histoacuterica-teoloacutegica que a

obra tenha sido escrita em meados do Seacuteculo II de nossa Era sendo reconhecida como a data

mais aceita para esta afirmaccedilatildeo o periacuteodo entre os anos de 150 e 160 dC116 Essa tese encontra

forccedila significativa atraveacutes de quatro argumentos todos de cunho e alccedilada existencial

comunicados na proacutepria obra Inicialmente os destinataacuterios para quem esse escrito apologeacutetico

de Justino se dirigiu garantem um aporte histoacuterico consideraacutevel neste exame o mesmo escreve

ldquoAo imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo filoacutesofo

e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do saber ao sacro

Senado e a todo o povo romanordquo117 Por meio desse dado Frangiotti eacute categoacuterico ao afirmar que

eacute ldquofato que estes imperadores reinaram do ano 147 ao ano 161 A Apologia deve ter sido escrita

ao longo destes 15 anosrdquo118

Em segundo outro fator se apresenta determinante na tentativa de se apontar

satisfatoriamente a data desse escrito o ponto em questatildeo se apresenta no capiacutetulo XLVI da

obra novamente o comentaacuterio de Frangiotti eacute valioso por apresentar evidecircncias importantes

Justino menciona que uma das objeccedilotildees contra a doutrina cristatilde era a de ldquodizermos

que Cristo nasceu somente haacute cento e cinquenta anos sob Quirino e ensinou sua

doutrina mais tarde no tempo de Pocircncio Pilatosrdquo Embora se deva tomar o ano cento

e cinquenta como um arredondamento pode-se pensar que a redaccedilatildeo da I Apologia

natildeo se deu antes desta data119

O terceiro elemento a se tornar pontual no texto de Justino eacute sua menccedilatildeo a respeito da

terceira revolta judaica liderada por Simatildeo Bar Koacutekeba em meados do Seacuteculo II A respeito

disto Justino relata com ecircnfase apologeacutetica que ldquoCom efeito na guerra dos judeus agora

terminada Bar Koacutekeba o cabeccedila da rebeliatildeordquo120 estaria aplicando meacutetodos de tortura nos

cristatildeos ao seu redor Santos mostra em sua pesquisa que esta exposiccedilatildeo de Justino pode ser

considerada como um ponto norteador para uma medida qualificada de dataccedilatildeo de sua obra o

116 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

117 JUSTINO I Apologia I 1

118 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

119 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

120 JUSTINO I Apologia XXXI 6

34

historiador diz ldquoEssa rebeliatildeo ocorreu entre os anos de 132 e 135 dC A expressatildeo lsquoagora

terminadarsquo nos remete a uma data posterior ao final da revoltardquo121

O quarto e uacuteltimo argumento baseia-se no relato de Justino encontrado no capiacutetulo

XXIX nos versos 2 e 3 da I Apologia Neste espaccedilo o Apologista retrata um caso juriacutedico

envolvendo o prefeito de Alexandria denominado Feacutelix que havia indeferido um pedido

exoacutetico proposto por um jovem cristatildeo que desejava castrar-se por motivos asceacuteticos Bases

histoacutericas confiaacuteveis ldquoidentificam o prefeito Feacutelix como Minuacutecio Feacutelix o qual reinou em

Alexandria do ano 148 a 154rdquo122 podendo-se deste modo catalogar outro importante elemento

que corrobora para a dataccedilatildeo da I Apologia

Por fim mesmo que natildeo sejamos especialistas na anaacutelise historiograacutefica nem mesmo

nos seja possiacutevel definir uma data precisa para o escrito examinado ainda assim em vista dos

termos aqui apresentados reconhecemos com a ampla maioria de pesquisadores da aacuterea que

os elementos apresentados trazem recursos suficientes para que atestemos que a I Apologia de

Justino tenha realmente sido escrita por volta da deacutecada de 50 do Seacuteculo II da era cristatilde

132 Divisatildeo Textual

O escrito natildeo segue um padratildeo riacutegido de construccedilatildeo textual pelo contraacuterio digressotildees

satildeo comuns em todas as obras de Justino mesmo que suas apologias sofram menos com

divagaccedilotildees abruptas ou mudanccedilas draacutesticas de rumo nas intenccedilotildees e consideraccedilotildees centrais que

o autor propotildee em suas conjunccedilotildees temaacuteticas Essas variaccedilotildees possivelmente ocorrem devido a

Justino preferir seguir uma proposta de caraacuteter mais catequeacutetico em vez de sua proacutepria

elaboraccedilatildeo conceitual123

Baliza-se de maneira majoritaacuteria na anaacutelise criacutetica a concordacircncia de que a obra se

divide em duas partes principais124 Contudo apresentam-se variaccedilotildees nessa forma de

separaccedilatildeo Nossa opccedilatildeo seraacute por apresentar a estrutura oferecia por Drohner por ser a mais

utilizada por outros autores aleacutem de parecer a que melhor reporta o teor do pensamento

proposto por Justino em sua construccedilatildeo apologeacutetica-doutrinal

121 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 72

122 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

123 DROHNER Manual de Patrologia 2008

124 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

35

Na primeira parte os capiacutetulos I ao XXIX estabelecem uma forte e riacutegida postura de

defesa contra algumas acusaccedilotildees lanccediladas sobre os cristatildeos como a praacutetica do ateiacutesmo por

exemplo Salienta-se neste espaccedilo sua afirmaccedilatildeo de que Jesus Cristo eacute ldquoo Logos e Filho de

Deusrdquo125 que revelou os planos demoniacuteacos que aprisionam a humanidade atraveacutes de praacuteticas

pecaminosas afastando-os do plano de salvaccedilatildeo No entanto boas novas se anunciam a partir

de agora pela revelaccedilatildeo do Logos por meio dos cristatildeos pelo qual todos (homens) poderatildeo

tornar-se tementes a Deus A segunda parte se desenvolve entre os capiacutetulos XXX ao LXVIII

nesta seccedilatildeo questotildees dogmaacuteticas (Encarnaccedilatildeo Divindade Profecias etc) questotildees filosoacuteficas

(revelaccedilatildeo do Logos faacutebulas humanas Platonismo etc) e questotildees sacramentaiseclesiaacutesticas

(Batismo Santa Ceia Liturgia) se aglutinam na formataccedilatildeo de uma ideia para defesa da

identidade e do bem-estar de um ldquopovordquo (conceito que abordaremos mais detalhadamente no II

capiacutetulo deste trabalho)

A partir desse item trataremos do gecircnero literaacuterio da obra algo muito importante na

elaboraccedilatildeo desta pesquisa

133 Gecircnero Literaacuterio

O estilo natildeo eacute novo nem recente e foi muito utilizado na antiguidade126 Podemos

afirmar com seguranccedila que as primeiras referecircncias a esse tipo de literatura de que dispomos

datam do periacuteodo da Filosofia Claacutessica e podem ser encontradas a partir do Seacuteculo IV aC

Provavelmente uma das obras mais conhecidas e renomadas deste tipo eacute a Apologia de Soacutecrates

escrita por seu aluno Platatildeo Nela aquele que possivelmente foi o mais dedicado dentre seus

disciacutepulos procura defender o legado e a imagem de seu mestre por meio da preservaccedilatildeo do seu

pensamento Eacute importante frisar neste contexto a abordagem de forma direta e completa (em

um estilo dialogal-filosoacutefico) do processo (meacutetodo) de julgamento de Soacutecrates oferecida por

Platatildeo a tocircnica do relato parece ganhar a direccedilatildeo de querer conscientizar seus ouvintes da

necessidade de se fazer justiccedila independentemente do caso e das circunstacircncias que estatildeo em

debate Esse estilo acaba por influenciar sua eacutepoca e torna-se o modelo apologeacutetico a ser

seguido nos seacuteculos seguintes127

Contribui ainda para uma melhor assimilaccedilatildeo das intenccedilotildees subjacentes a esse estilo

de linguagem e escrita o pensamento de Malta que ao comentar os diaacutelogos que tratam do

125 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 84

126 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008

127 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

36

processo contra Soacutecrates (os quais satildeo quatro Ecircutifon Apologia de Soacutecrates Criacuteton e Feacutedon)

acaba por colaborar de maneira expressiva na elaboraccedilatildeo do caraacuteter que estas obras (apologias)

procuravam transmitir aos seus receptores ldquoEntre eles haacute uma clara sequencia dramaacutetica desde

a discussatildeo sobre o ponto central da acusaccedilatildeo (o que eacute piedade) passando pela defesa no

tribunal e a estada na prisatildeo ateacute o momento em que a pena de morte eacute cumpridardquo128

A palavra apologia (grego απολογια) que no portuguecircs eacute definido como um

substantivo feminino129 eacute formada por dois vocaacutebulos gregos O primeiro eacute απο uma partiacutecula

primaacuteria uma preposiccedilatildeo cujo significado baacutesico eacute a ideia ldquode separaccedilatildeo eou de origem do

lugar de onde algo estaacute vem acontece eacute tomadordquo130 O segundo eacute o vocaacutebulo λογος de

significado vasto ndash desenvolvendo inclusive uma estrutura particular junto ao cristianismo131

ndash mas colocado em paralelo com o nosso exame pode ser definido como ldquopalavra proferida

a viva voz que expressa uma concepccedilatildeo ou ideia o que eacute declarado pensamento declaraccedilatildeo

aforismo dito significativo sentenccedila maacuteximardquo132 ldquoproclamaccedilatildeo ensinamento [] doutrina

parte de uma doutrinardquo133 Entretanto deve-se sempre se levar em conta que junto ao ambiente

filosoacutefico-teoloacutegico de Justino ldquoum duplo uso do termo deve ser distinguido um que diz

respeito ao falar e outro que se relaciona com o pensamentordquo134 Neste cenaacuterio ainda se

robustece a ideia de que o termo composto (απολογια) era condutor de um conceito de

soberania instaurado pela ldquosabedoria pessoal e poder em uniatildeo com Deusrdquo135 Ainda focando

128 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

129 Apologia (amiddotpomiddotlomiddotgimiddota) Substantivo feminino Significa 1 Discurso encomiaacutestico 2 [Figurado] Elogio 3

Defesa laudatoacuteria Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa Disponiacutevel em

lthttpsdicionariopriberamorgapologiagt Acesso em 28 de set 2018

130 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1317

131 Ritt sugere-nos que a partir dos registros neotestamentaacuterios houve uma guinada na concepccedilatildeo do Logos como

elemento estrutural e funcional para a realidade histoacuterica do termo junto as culturas e os ambientes intelectuais

que o utilizavam Utilizando-se de um sistema de progressatildeo biacuteblica Ritt chega ao proacutelogo do Evangelho de Joatildeo

onde salienta que ldquoEstas declaraccedilotildees que estatildeo concentradas na encarnaccedilatildeo permitem reconhecer uma origem

cristatilde do hino (proacutelogo do Evangelho de Joatildeo)rdquo onde a autenticidade do sujeito (Logos) como um recurso estaacutevel

e completo para a humanidade se daacute a conhecer nesse evento apoteoacutetico (encarnaccedilatildeo de Cristo) Ver RITT In

λόγος ου ό Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento Volumen II 1998 p 78 grifo nosso No original Estos

enunciados que se concentran en la encarnacioacuten permiten reconocer un origen cristiano del himno

132 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1622

133 RUSCONI Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento 2003 p 288 grifo nosso

134 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 880 No original a twofold use of the term is to be distinguished one which relates to speaking and one which

relates to thinking

135 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 882 No original personal wisdom and power in union with god

37

este segundo vocaacutebulo para uma maior amplitude do assunto sobre este termo grego tatildeo

ilustrativo vale-nos citar a definiccedilatildeo de Pereira

Palavra dito revelaccedilatildeo divina resposta dum oraacuteculo maacutexima sentenccedila exemplo

decisatildeo resoluccedilatildeo condiccedilatildeo promessas pretexto argumento ordem menccedilatildeo

notiacutecia que corre conversaccedilatildeo relato mateacuteria de estudo ou de conversaccedilatildeo razatildeo

inteligecircncia senso comum a razatildeo de uma coisa motivo juiacutezo opiniatildeo estima valor

que se daacute a uma coisa justificaccedilatildeo explicaccedilatildeo a razatildeo divina136

Rapidamente atentando aos escritos apologeacuteticos cristatildeos do Seacuteculo II notamos um

ldquoesforccedilo de aproximaccedilatildeordquo137 dos Pais Apologistas (em sua ampla maioria) para a utilizaccedilatildeo da

consagrada forma do diaacutelogo-filosoacutefico (como citado acima) isso devido especialmente ao fato

de essas obras serem direcionadas agrave aristocracia poliacuteticaintelectual de sua eacutepoca incluindo

nesse cenaacuterio opulente os proacuteprios Imperadores de Roma138 Uma importante referecircncia a ser

associada a este contexto estaacute relacionada agrave utilizaccedilatildeo e significado da palavra ldquoapologiardquo

utilizada por Euseacutebio na identificaccedilatildeo da obra de Justino Euseacutebio ndash possivelmente o primeiro

a empregar o termo (apologia) para definir um conjunto de escritos do meio cristatildeo139 ndash utiliza

das seguintes descriccedilotildees para se referir ao nosso autor ldquoEm sua primeira Apologiardquo140 ou ldquoao

escrever sua Apologia dirigida a Antoninordquo141 e ainda ldquoem sua Apologiardquo142 Eacute importante

frisar que Justino em nenhum momento se utiliza do termo ldquoapologiardquo em sua obra143 mas a

define como ldquodiscurso e suacuteplicardquo144 todavia para Euseacutebio (e para a Sagrada Tradiccedilatildeo na qual

este se amparava) Justino indiscutivelmente havia sido um fiel defensor da verdade revelada

de Deus Aleacutem disso neste quadro cabe-nos ainda ressaltar o comentaacuterio de Arzani e Venturini

ao trabalho de Euseacutebio pois ambos buscam definir uma ideia qualitativa e funcional na

utilizaccedilatildeo do termo pelo historiador

136 PEREIRA Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego 1998 p 350

137 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 188

138 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

139 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 Para um maior

aprofundamento do tema ver 2 Euseacutebio de Cesareia as apologias e os apologistas p 2-7

140 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2 VI 17 1

141 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3

142 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 11 11

143 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

144 JUSTINO I Apologia I 1

38

Uma anaacutelise mais ampla sobre a constituiccedilatildeo (ou natildeo) dos gecircneros apologeacuteticos

cristatildeos deve ficar para uma outra oportunidade entretanto considerando que eacute

Euseacutebio quem primeiro apresenta uma ideia mesmo que hipoteacutetica do

reconhecimento das formas dos textos de defesa dos cristatildeos ou de suas crenccedilas eacute

preciso considerar como ele emprega o termo apologia Aleacutem de empregar o termo

apologia para se referir aos sete textos anteriormente citados ele tambeacutem o usa no seu

sentido claacutessico como simples ldquodiscurso de defesardquo145

Desta forma podemos concluir que os escritos apologeacuteticos buscavam efeitos

similares tanto no cenaacuterio cristatildeo quanto no pagatildeo Poreacutem no que cabe agrave Igreja vale ressaltar

que o estilo apologeacutetico procurou desconstruir equiacutevocos salientar o cristianismo como religiatildeo

ordeira e beneacutefica ndash entenda-se (baseado em alguns relatos Patriacutesticos) como superior agraves

demais crenccedilas ndash mas acima de tudo sanar as injusticcedilas cometidas contra os cristatildeos Nesse

uacuteltimo ponto a penna dos Apologistas procurava pesar contra a consciecircncia dos governantes

de seu tempo a reflexatildeo de Richard Norris considera bem essa questatildeo ldquoo objetivo de tais

escritos eram em geral persuadir as autoridades de que as frequentes perseguiccedilotildees locais eram

injustas desnecessaacuterias e indignas de governantes esclarecidosrdquo146

A partir deste item visando a qualificaccedilatildeo deste trabalho damos segmento a nosso

exame estrutural agregando a seu corpo um destacado incremento teacutecnico falemos agora dos

manuscritos da I Apologia

134 Manuscritos

A criacutetica textual somada a inuacutemeras e significativas descobertas arqueoloacutegicas tecircm

possibilitado haacute teologia avanccedilos consideraacuteveis em suas pesquisas acerca dos documentos

antigos do cristianismo No que se refere as obras de Justino isso natildeo eacute diferente pois desde o

Seacuteculo XIX a criacutetica textual jaacute possibilitava exames bem estruturados ao meio acadecircmico

Exemplo disto eacute Johann Otto que ao analisar o Codex Claromontanus LXXXII ratificou que

este de maneira inicial ldquonos fornece alguns dos escritos de Justinordquo147 Nesta questatildeo cabe

ressaltar que das obras preservadas de Justino possuiacutemos apenas trecircs manuscritos mesmo que

apenas um seja considerado absolutamente confiaacutevel pela criacutetica suscitando desta forma certa

controveacutersia entre os analistas Quanto a esta pendecircncia citamos parte consideraacutevel da pesquisa

145 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 3-4

146 NORRIS The Apologists 2004 p 36 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

147 OTTO Prolegocircmenos XXI In S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur omnia Volume 1 Part 1

1847

39

de Santos que baseada em autores renomados da aacuterea daacute o destaque necessaacuterio a essa anaacutelise

quirograacutefica O autor nos agrega relevante contribuiccedilatildeo neste item teacutecnico

Haacute trecircs manuscritos para as obras de Justino o Codex Parisinus Graecus 45055 o

Codex Claromontanus LXXXII e o Codex Ottobonianus Graecus 274 (MINNS amp

PARVIS 2009 p 3) Alguns comentadores preferem atribuir um manuscrito (AUNE

2003 p 257 ALLERT 2002 p 32 POPE 2001 p 7) ou dois manuscritos

(DONALDSON 1866 p 144) Os que defendem a existecircncia de somente um

manuscrito levam em conta que o Codex Parisinus Graecus 450 eacute o uacutenico vaacutelido uma

vez que o Codex Claromontanus LXXXII eacute apenas uma coacutepia deste e o Codex

Ottobonianus Graecus 274 possui apenas trecircs capiacutetulos da I Apologia Aqueles que

consideram como dois manuscritos referem-se aos dois primeiros Por questatildeo de

coerecircncia (pois apesar do Claromontaus ser coacutepia natildeo deixa de ser um manuscrito e

o Ottobonianus mesmo tendo apenas trecircs capiacutetulos tambeacutem natildeo) concordamos com

a afirmaccedilatildeo de Minns e Parvis de que existem trecircs manuscritos148

No entanto eacute fato que o Codex Parisinus Graecus 450 se condiciona como o ldquomelhorrdquo

destes manuscritos existentes Este manuscrito data de 11 de setembro de 1363-1364 possui

467 paacuteginas duplas (ou foacutelios que medem 285 x 215 cm) e atualmente permanece arquivado

na Bibliothegraveque Nationale em Paris149 Infelizmente natildeo haacute informaccedilotildees sobre quem teria sido

o copista apenas sabe-se graccedilas a um registro oficial que ele pertenceu a Guillaume Pellicier

um notaacutevel Bispo Catoacutelico Romano do Seacuteculo XVI que provavelmente o adquiriu em uma de

suas atividades diplomaacuteticas possivelmente entre os anos de 1539 a 1542150

Enfim apoacutes explorarmos ndash mesmo que de maneira sucinta ndash a estrutura textual da obra

central desta dissertaccedilatildeo podemos afirmar que estes documentos histoacutericos nos ldquocomunicamrdquo

e ldquotraduzemrdquo um melhor conhecimento do passado edificando a Igreja e tambeacutem certificando

o meio acadecircmico de forma eficaz (cientificamente) de que homens como Justino lutaram

corajosamente para defender a feacute de seus irmatildeos especialmente das perseguiccedilotildees oficiais

assunto que trataremos a seguir

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS

Compreendemos ser ainda importante na construccedilatildeo desta pesquisa enfocarmos

mesmo que de maneira sucinta e setorizada um dos fatores que constituiu uma das

caracteriacutesticas mais vibrantes e significativas da histoacuteria do cristianismo em sua gecircnese como

148 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

149 PAUTIGNY In Introduction Justin Apologies 1904 p 10

150 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

40

movimento humano-religioso fato que mobilizou o cenaacuterio social da eacutepoca comprovando a

ldquoexistecircncia de um esquemardquo151 de perseguiccedilatildeo e cerceamento da liberdade de crenccedila e culto dos

cristatildeos isso tanto atraveacutes do agir do poder estatal quanto de setores organizados (especialmente

do meio religioso) da sociedade de entatildeo em sua formaccedilatildeo soacutecia-politica-religiosa de caraacuteter

cultural greco-romana Esta caracteriacutestica coativa acabou por se comprovar tambeacutem atraveacutes do

desenvolvimento de material textual como o que norteia nosso trabalho (I Apologia) acento

que sancionou uma regra funcional dos dias de nosso autor a de acionar a razatildeo humana para

tentar evitar uma insensata postura detrativa entre os homens autodeclarados de civilizados

Desta forma como parte derradeira deste capiacutetulo introdutoacuterio apresentamos duas

divisotildees uma temaacutetica e outra analiacutetica trazendo ambas carateriacutesticas funcionais especiacuteficas

desse sistema de repressatildeo A primeira retrata uma siacutentese deste processo na organizaccedilatildeo

estrutural do Impeacuterio Romano A segunda se orienta por um periacuteodo cronoloacutegico que se

desenvolveu durante o Seacuteculo II especialmente concentrando-se no dececircnio em que se acredita

que Justino tenha escrito sua primeira obra apologeacutetica

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo

Desde o Seacuteculo I a ldquopesquisa histoacutericardquo152 jaacute nos retrata com eficiecircncia fatos que

tiveram influecircncia decisiva do poder humano controlador do mundo de entatildeo (Impeacuterio Romano)

para com a Igreja de Cristo sobre a terra Dessa grande estrutura poliacutetica da antiguidade emergiu

tanto a perseguiccedilatildeo quanto o resultado mais elementar e simboacutelico deste processo que tinha o

cristianismo como alvo o martiacuterio de seus seguidores Poderiacuteamos chamaacute-lo sem o apelo a

nenhum eufemismo de ldquoassassinatordquo de centenas de pessoas

Contudo nesta seacuterie de sucessivos acontecimentos anormais vem a nascer a mais

significativa contribuiccedilatildeo deste intolerante processo governamental a saber a expansatildeo do

cristianismo Hatzenberger desenvolve uma soacutelida ideia a esse respeito quando conjectura sobre

o caraacuteter poliacutetico vigente junto ao Impeacuterio Tendo analisado seus preconceitos limitaccedilotildees e

maliacutecias Hatzenberger tenta explicar a capacidade desse sistema atraveacutes de sua multiplicidade

de gecircnios dando a entender que nesta ampla diversidade o cristianismo encontrou sua

possibilidade de crescer Hatzenberger afirma que podemos ldquodizer que o Impeacuterio Romano era

um tambor de gasolina agrave espera da faiacutesca da feacute cristatilderdquo153

151 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

152 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

153 HATZENBERGER Histoacuteria da Igreja 2012 p 1

41

Entretanto as perseguiccedilotildees estatais ao cristianismo satildeo um caso histoacuterico delicado e

nada romacircntico pois tornou-se uma dura realidade para muitas comunidades cristatildes na

antiguidade isso devido ao grande desenvolvimento do cristianismo que no decorrer dos seus

primeiros 100 anos suscitou uma consideraacutevel preocupaccedilatildeo ao Impeacuterio Catalogada desde cedo

como uma religiatildeo antagonista e excludente154 pela sua recusa em seguir praacuteticas comuns do

meio social vigente das grandes cidades onde jaacute se encontrava consolidada ndash devido

especialmente as suas posiccedilotildees quanto as questotildees de ordem cuacuteltica (ldquofestas oficiaisrdquo155) como

a adoraccedilatildeo aos ldquodeuses pagatildeos em particular o Imperador a quem negavam o caraacuteter divinordquo156

ndash fazia com que os seguidores desse movimento que inicialmente foi interpretado como uma

seita judaica157 fossem em muitos casos expressivamente acusados de colocarem em risco a

ldquopax deorumrdquo158 devido ao entendimento comum e geral de que o Imperador era o supremo

mantenedor desse estado de satisfaccedilatildeo e gloacuteria conquistados por Roma Outras questotildees

depreciativas eram atribuiacutedas aos cristatildeos antissociabilidade ateiacutesmo canibalismo fanatismo

orgias sexuais entre outras desvirtudes que eram amplamente apresentadas como acusaccedilotildees de

ordem formal e agraves vezes informal (atraveacutes de buchichos fofocas e relatos puacuteblicos natildeo oficiais)

as quais despertavam ldquoreaccedilotildees populares descontroladas de medo de intoleracircncia e de

violecircnciardquo159 contra estes que se colocavam como disciacutepulos de Cristo

Desta forma entre falsas ideias e verdadeiras demandas ndash a recusa ao ldquojuramento e os

ritos implicados no serviccedilo militarrdquo160 eacute outro exemplo da suposta ldquorebeliatildeordquo cristatilde ao Impeacuterio

ndash criou-se um ldquoestadordquo de perigo que mediante uma forte campanha de difamaccedilatildeo passou a

ser considerado como uma ameaccedila a cultura e a forma do governo Romano Certamente

servindo de combustiacutevel para as perseguiccedilotildees pontuais eou sistematizadas161 especialmente

nos Seacuteculos I e II Aleacutem disto junto com a expansatildeo da nova doutrina e feacute cristatildes um novo

entendimento comeccedilou a se estabelecer que o cristianismo se diferenciava do judaiacutesmo162

154 TAacuteCITO Anais XV 44

155 FROumlHLICH Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja 1987 p 23

156 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 15

157 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

158 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 969

159 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 976

160 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 84

161 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

162 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

42

Com o fim do ldquoequiacutevoco judaicordquo163 houve a reelaboraccedilatildeo de um esquema que gerou um

reposicionamento de Roma para essa nova perspectiva Aqui a siacutentese de Xavier retrata bem o

que desejamos comunicar sobre esse reposicionamento

O Impeacuterio Romano percebeu que a nova religiatildeo possuiacutea diferenccedilas acentuadas em

relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Embora os judeus resistissem agrave cultura e religiatildeo greco-romana

o cristianismo passou a se organizar como religiatildeo crescendo em nuacutemero e em

organizaccedilatildeo sendo formadas igrejas em vaacuterios lugares O evangelho chegou aos

grandes centros da eacutepoca e ateacute os confins da terra devido a pregaccedilatildeo de cristatildeos que

viajavam a negoacutecios missatildeo ou levados pela perseguiccedilatildeo que dispersava os cristatildeos

fazendo com que a feacute se expandisse164

Quanto a questotildees que envolvem esse amplo periacuteodo conflituoso ainda eacute necessaacuterio

apresentarmos dois raacutepidos e sucintos registros O primeiro envolve um conjunto de fatos

constituiacutedos em mais de 250 anos onde podemos registrar periacuteodos que devem ser classificados

como ldquoperseguiccedilatildeo perseguiccedilatildeo geral perseguiccedilatildeo maior e toleracircnciardquo165 para com os cristatildeos

Satildeo muitas e variadas as circunstacircncias e as caracteriacutesticas que formam cada uma destas fases

e fazem com que elementos singulares a cada uma delas (como periacuteodo e regionalidade)

tornem-se fatores decisivos nesta diferenciaccedilatildeo Entretanto natildeo as abordaremos

especificamente por entendermos que o assunto foge de nosso exame central Segundo

compreendemos ser imprescindiacutevel junto a esta abordagem citar a tese amplamente sustentada

pelo meio histoacuterico-teoloacutegico da ldquoexistecircncia de um esquema de dez grandes perseguiccedilotildeesrdquo166

tendo seu primeiro caso ocorrido entre 64-68 dC sob o Imperador Nero desde seu uacuteltimo ato

no periacuteodo dos governos de Diocleciano e Maximiano entre 285-305 dC167 Tertuliano168 e

Euseacutebio fornecem-nos consideraacutevel conteuacutedo sobre aquela que possivelmente tenha sido a

primeira grande onda de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos promovida pelo Impeacuterio Citamos Euseacutebio

163 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 82

164 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 10

165 A ordem dos fatores apresentados natildeo eacute cronoloacutegica e sim alfabeacutetica Ver LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila

da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 11-12

166 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

167 As intituladas ldquoDez Perseguiccedilotildeesrdquo ao cristianismo por parte do Impeacuterio Romano satildeo protagonizadas por Nero

(54-68 dC) Domiciano (95-96 dC) Trajano (108 dC) Marco Aureacutelio (162 dC) Cocircmodo (192 dC)

Maximino (235 dC) Deacutecio (250-251 dC) Valeriano (257-260 dC) Aureliano (274 dC) Diocleciano (303-

313 dC) Ver FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 16-32

168 TERTULIANO Apologia V

43

que ao falar sobre o reinado de Nero (54-68 dC) fomenta uma simbiose de dados histoacutericos

mencionando o proacuteprio Tertuliano

Firmado Nero no poder deu-se a praacuteticas iacutempias e tomou as armas contra a proacutepria

religiatildeo do Deus do universo [] Mas deve-se saber que a tudo o que foi dito sobre

ele faltava acrescentar que foi o primeiro imperador que se mostrou inimigo da

piedade para com Deus Disto faz menccedilatildeo tambeacutem o latino Tertuliano quando diz

ldquoLeiam vossas memoacuterias Nelas encontrareis que Nero foi o primeiro a perseguir esta

doutrina principalmente quando depois de submeter todo o Oriente em Roma era

cruel para com todosrdquo169

Portanto buscando apresentar uma ideia conclusiva a nossa concisa elaboraccedilatildeo sobre

esse tema tatildeo vasto da histoacuteria da Igreja podemos dizer que natildeo restam duacutevidas mediante

inuacutemeros argumentos histoacutericos apresentados por diversas e variadas fontes ser plausiacutevel e ateacute

mesmo luacutecido afirmar que o Impeacuterio Romano foi em diversos momentos um literal

perseguidor acusador juiz e algoz do cristianismo durante um periacuteodo de praticamente dois

seacuteculos e meio Scott por meio de bases historiograacuteficas retrata bem esse processo ajudando-o

a sancionaacute-lo

Repetidas vezes foram publicados editos para exterminar da terra os cristatildeos

Levantaram ateacute monumentos para celebrar e perpetuar os supostos ecircxitos das

perseguiccedilotildees Aqui estatildeo duas preservadas inscriccedilotildees desses monumentos em escritos

da eacutepoca DIOCLECIANO CEacuteSAR AUGUSTO TENDO ADOTADO GALEacuteRIO

NO ORIENTE A SUPERSTICcedilAtildeO DOS CRISTAtildeOS FOI DESTRUIacuteDA EM TODA

A PARTE E PROPAGADA A ADORACcedilAtildeO DOS DEUSES170

A partir de agora examinaremos um conjunto mais restrito desse longo periacuteodo

imperial (54-313 dC)171 de tensotildees entre a Igreja e seus perseguidores pagatildeos especificamente

abordaremos o periacuteodo endossado pelos registros de Justino atraveacutes de seu ministeacuterio

testemunho e vivecircncia na feacute cristatilde

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia

169 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 25 1 3 4

170 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996 p 84 grifo do autor

171 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

44

Durante o Seacuteculo II podemos dizer que um periacuteodo determinado pela irregularidade

ou seja pela ausecircncia de um padratildeo caracterizou o ambiente social da eacutepoca atraveacutes de uma

ldquoperseguiccedilatildeo difusa ora aqui ora ali hoje perseguiccedilatildeo amanhatilde toleracircnciardquo172 Este momento

tambeacutem pode ser realccedilado por outras questotildees pontuais mas sua principal distinccedilatildeo realmente

se define pela esporadicidade dos periacuteodos de repressatildeo estatal o que ocasionou momentos de

consideraacutevel toleracircncia ao cristianismo balizados e sustentados ldquojuridicamenterdquo pela resposta

do Imperador Trajano agrave consulta de Pliacutenio173 (Cocircnsul da Bitiacutenia) por volta do ano 111 dC

Santos sintetiza bem esses dececircnios da relaccedilatildeo entre o Impeacuterio e a Igreja ldquoA poliacutetica romana agrave

eacutepoca era de tanto quanto possiacutevel natildeo condenar os cristatildeos agrave morte De modo geral desde o

final do Seacuteculo I ateacute o final do II da era cristatilde houve vaacuterios Imperadores com poliacuteticas mais

paciacuteficas em relaccedilatildeo aos cristatildeosrdquo174 Vale tambeacutem ressaltarmos como um elemento

consideraacutevel a tese proposta que no momento ao qual Justino escreveu sua I Apologia Roma

era governada pela dinastia denominada de Nerva-Antonina a qual foi conhecida pela alcunha

dos ldquocinco bons imperadoresrdquo175 definiccedilatildeo que foi proposta por Maquiavel em uma anaacutelise

poliacutetica do ano de 1503 Maquiavel escreveu

Do estudo desta histoacuteria podemos tambeacutem aprender como um bom governo deve ser

fundado pois enquanto todos os imperadores que acederam ao trono por nascimento

exceto Tito foram ruins todos foram bons que acederam por adoccedilatildeo como foi o caso

dos cinco de Nerva ateacute Marco Mas tatildeo logo o impeacuterio caiu novamente nas matildeos dos

herdeiros por nascimento sua ruiacutena recomeccedilou176

Entretanto falaremos especificamente apenas de duas figuras deste periacuteodo chamado

de dinastia Nerva-Antonina (96 a 180 dC) mais precisamente de seus dois uacuteltimos

172 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 20

173 ROSSI BINATO As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo parcial do Livro X correspondecircncia administrativa

com o Imperador Trajano 2017

174 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

175 Relaccedilatildeo dos Imperadores da dinastia Nerva-antonina Nerva (96-98 dC) Trajano (98-117 dC) Adriano (117-

138 dC) Antonino Pio (138-161 dC) Marco Aureacutelio (161-180 dC) Ver SANTOS Identidade Cristatilde no

Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

176 MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio I 10

45

representantes a saber Antonino Pio177 (que sucedeu a Adriano) e seu filho adotivo Marco

Aureacutelio178 que o sucedeu

O Imperador Antonino Pio governou Roma por mais de vinte anos (138 a 161) Ele eacute

o destinataacuterio formal eou principal da I Apologia de Justino Neste aspecto vale muito para

esta pesquisa a anaacutelise referencial deixada por Foxe ldquoAdriano ao morrer no ano 138 dC foi

sucedido por Antonino Pio um dos mais gentis monarcas que jamais reinou e que deteve as

perseguiccedilotildees contra os cristatildeosrdquo179 Santos tambeacutem nos auxilia quando expotildeem o pensamento

de Bunson sobre a administraccedilatildeo de Antonino Pio ldquoQuanto agraves questotildees de poliacutetica externa

procurava sempre resolvecirc-las primeiramente de forma paciacutefica depois administrativamente e

por uacuteltimo com taacuteticas militaresrdquo180 Eacute fato praticamente livre de contestaccedilotildees que em seu

governo natildeo houve perseguiccedilotildees de maior envergadura sendo que as que ocorreram foram

pontuais e sem maiores impactos referendando deste modo a imagem do Imperador como a de

um monarca paciacutefico (para a eacutepoca) pois ateacute mesmo em seu periacuteodo como divus romanus foi

cognominado pelo povo de ldquoPIEDOSO pelo amor que dedicava aos pobresrdquo181

Quanto a Marco Aureacutelio seu sucessor os relatos sobre a sua postura para com o

cristianismo devem no miacutenimo ser apresentados com o adjetivo de obscurus Foxe retrata bem

esta dificuldade ldquoMarco Aureacutelio sucedeu no trono no ano 161 de nosso Senhor era um homem

de natureza mais riacutegida e severa e embora elogiaacutevel no estudo da filosofia e em sua atividade

de governo foi duro e feroz contra os cristatildeos e desencadeou a quarta (grande) perseguiccedilatildeordquo182

Extremamente vaacutelido eacute analisarmos os registros do proacuteprio Imperador os quais nos

demonstram de forma muita clara a incompatibilidade de sua filosofia com a doutrina de Cristo

como se vecirc em uma de suas citaccedilotildees

177 Titus Aurelius Fulvus Boionius Antoninus nasceu em 86 dC em Nimes na Gaacutelia Narbonense no sul da atual

Franccedila Devido agrave sua fidelidade Adriano o adotou em fevereiro de 138 dC para ser o seu sucessor no Impeacuterio o

que ocorreu logo depois no mecircs de julho com a morte de Adriano Ver BUNSON Encyclopedia of the Roman

Empire 2002 p 23-24 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino

Maacutertir 2012 p 95

178 Marcus Aurelius Antoninus nasceu em 121 dC na cidade de Roma Filho de Annius Verus e Domitia Lucilla

Tornou-se Imperador em 161 dC e a seu pedido Lucio Vero (Lucius Aerelius Verus) governou Roma juntamente

com ele Ver BIRLEY Marcus Aurelius A Biography 2001 p 116 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 14

10

179 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18

180 BUNSON Encyclopedia of the Roman Empire 2002 p 24 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 96

181 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 81 grifo do

autor

182 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18 grifo nosso

46

[] alma preparada para uma imediata separaccedilatildeo do corpo seja para extinguir seja

para se dispersar ou sobreviver [] Que essa preparaccedilatildeo poreacutem provenha de um juiacutezo

proacuteprio e natildeo dum simples sectarismo como o dos cristatildeos [] uma preparaccedilatildeo

raciocinada grave e para ser convincente nada teatral183

Alguns detalhes nos chamam muito a atenccedilatildeo no periacuteodo em que Marco Aureacutelio

governou especialmente se nosso estudo partir do ponto de vista de alguns historiadores que

fazem questatildeo de ratificar que esse periacuteodo foi como ldquoum lsquomarcorsquo negro fincado na histoacuteria

eclesiaacutestica assinalando com as sombras de sua tirania a eacutepoca triste de seu governo

nefastordquo184 Euseacutebio nos auxilia nesta anaacutelise de maneira importante pois segue a mesma

concepccedilatildeo de que os atos de Marco Aureacutelio foram excessivamente malignos para com o

cristianismo Buscando ser amplo e detalhista Euseacutebio promove sentimentos profundos em seu

relato quando nos retrata o martiacuterio de Policarpo Bispo de Esmirna ocorrido no reinado de

Marco Aureacutelio

E o prococircnsul disse ldquoTenho feras A elas te lanccedilarei se natildeo mudas tua posiccedilatildeordquo Mas

ele respondeu ldquoChama-as porque para noacutes natildeo eacute possiacutevel mudar de posiccedilatildeo se eacute do

melhor para o pior O bom eacute mudar do mau para o justordquo Insistiu o prococircnsul ldquoComo

natildeo te arrependes farei com que o fogo te dome se desprezas as ferasrdquo Policarpo

disse ldquoAmeaccedilas com um fogo que arde algum tempo mas depois de um pouco se

apaga E ignoras o fogo do juiacutezo futuro e do castigo eterno reservado aos iacutempios

Mas por que tardas Traga o que quiseresrdquo Enquanto dizia isto e muitas outras coisas

mais enchia-se de valor e de alegria e seu rosto transbordava de graccedila ao ponto de

que natildeo somente natildeo caiu em confusatildeo pelas coisas que lhe diziam mas pelo

contraacuterio foi o prococircnsul que ficou fora de si e chamou o arauto para que no meio do

estaacutedio apregoasse trecircs vezes Policarpo confessou que eacute cristatildeo185

Nesse cenaacuterio imperial ainda nos conveacutem apresentar a proacutepria experiecircncia de Justino

como um cristatildeo perseguido No ano de 165 dC o filoacutesofo Justino possivelmente

acompanhado de seis de seus disciacutepulos (todos cristatildeos como ele) eacute apresentado com estes a

um tribunal civil Romano sob a acusaccedilatildeo de serem cristatildeos Este relato estaacute amplamente

amparado por uma fonte secular pagatilde186 que goza de altiacutessima credibilidade Apoacutes ser

183 MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees XI 3 grifo nosso

184 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 90

185 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 15 23-25

186 As Atas dos Maacutertires eacute a transcriccedilatildeo dos processos verbais escritos pelas autoridades romanas e mantidos nos

arquivos oficiais do Impeacuterio Estes registros coletaram estenograficamente muitos dos atos relacionados aos

processos forenses aos quais os cristatildeos foram submetidos pelos magistrados principalmente nos interrogatoacuterios

puacuteblicos Posteriormente estes registros foram traduzidos para a escrita vulgar e assim as peccedilas foram passadas

para os arquivos judiciais Muitos dos atos foram destruiacutedos (queimados em praccedila puacuteblica) pelo Imperador

47

denunciado pelo ciacutenico Crescente Justino se apresenta diante de Ruacutestico (Prefeito de Roma)

onde o relato do processo forense se estabelece e desenrola

Venha ao tribunal o prefeito Ruacutestico disse a Justino ndash Primeiro acredite nos deuses

e obedeccedila aos imperadores Justino respondeu ndash O irrepreensiacutevel e que natildeo admite

condenaccedilatildeo eacute obedecer aos mandamentos de nosso Salvador Jesus Cristo O prefeito

Ruacutestico disse ndash Que doutrina vocecirc professa Justino respondeu ndash Tentei ouvir sobre

qualquer linhagem de doutrinas mas apenas aderi agraves doutrinas dos cristatildeos que satildeo

as verdadeiras mesmo que natildeo sejam agradaacuteveis para quem segue opiniotildees falsas187

Nessa projeccedilatildeo vemos que o Apologista apresenta natildeo somente sua feacute mas tambeacutem

sua consciecircncia de que os preceitos recebidos por ele mediante o cristianismo solidificavam

sua posiccedilatildeo Mesmo diante de um sistema que os poderia prejudicar e sendo incentivados a

recuar de suas convicccedilotildees por meio de uma aguccedilada ameaccedila de que poderiam ser

ldquoimpiedosamente punidosrdquo188 Justino e seus disciacutepulos passam a concentrar seus esforccedilos

naquilo que esta pesquisa define como um importante argumento para a Verdade que Justino

sustentava Aqui o fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo conduzido e explorado pelo Impeacuterio Romano

ganha uma inopinada abrangecircncia pois o supliacutecio desses homens e mulheres registrados como

peccedilas do protocolo governamental acabariam por se tornar nos fatos que solidificaram e

encorajaram a militacircncia desses obreiros da feacute cristatilde Sem duacutevida Justino e seus disciacutepulos

parecem ter caminhado de forma soacutebria para ldquoonde foram decapitados e consumaram o martiacuterio

proclamando a feacute no Salvadorrdquo189 Deste modo diante de apresentaccedilotildees que se alternam entre

descriccedilotildees de caraacuteter romacircntico e fatalista vemos que os Imperadores e seus sistemas de

controle marcaram a histoacuteria natildeo apenas com sangue mas tambeacutem com o relato fidedigno da

convicccedilatildeo que suas viacutetimas sustentavam

Diocleciano (284-305 dC) pois havia notado que esses contos heroicos inflamavam a alma dos cristatildeos dando

testemunho favoraacutevel para que outros tambeacutem viessem a sofrer a pena capital sem constrangimento para com as

suas vidas Ver PRIMEROS CRISTIANOS 2016 Disponiacutevel em

lthttpswwwprimeroscristianoscomarticulosactas-de-los-martiresgt Acesso em 16 de set 2019

187 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 311 grifo nosso No original Venidos ante el tribunal el prefecto Ruacutestico

dijo a Justino mdash En primer lugar cree en los dioses y obedece a los emperadores Justino respondioacute mdash Lo

irreprochable y que no admite condenacioacuten es obedecer a los mandatos de nuestro Salvador Jesucristo El prefecto

Ruacutestico dijo mdash iquestQueacute doctrina profesas Justino respondioacute mdash He procurado tener noticia de todo linaje de

doctrinas pero soacutelo me he adherido a las doctrinas de los cristianos que son las verdaderas por maacutes que no sean

gratas a quienes siguen falsas opiniones

188 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original sereacuteis inexorablemente castigados

189 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original salieron al lugar acostumbrado y cortaacutendoles alliacute las

cabezas consumaron su martirio en la confesioacuten de nuestro Salvador

48

Marco Aureacutelio tinha aproximadamente 34 anos quando Justino escreveu sua I

Apologia e cerca de 44 quando Justino sofreu o martiacuterio Mesmo diante de relatos assombrosos

de seu periacuteodo como governante ldquoe apesar de sua visatildeo negativa em relaccedilatildeo aos cristatildeos e dos

cristatildeos para com ele novamente natildeo haacute evidecircncias de qualquer (novo) decreto de perseguiccedilatildeo

aos cristatildeos por parte do Imperadorrdquo190 mesmo que se garanta uma expressiva deflagraccedilatildeo deste

expediente sombrio em seu reinado191 Devemos ainda colocar que um atento pesquisador

necessariamente se impressionaraacute com a latente crueza e dureza deste periacuteodo que esteve sob

o comando dos chamados Imperadores ldquofiloacutesofosrdquo Danieacutelou e Marrou chegam a ser aacutesperos

em sua abordagem entretanto nos parece absolutamente plausiacutevel sua definiccedilatildeo desse periacuteodo

ldquoEacute que a civilizaccedilatildeo greco-romana como tal muito embora sob um verniz humanista guardava

um fundo de crueldade Desconhecem-nos os historiadores racionalistas que pretendem reduzir

as perseguiccedilotildees a problemas socioloacutegicosrdquo192

Contudo as perseguiccedilotildees que marcaram o cristianismo e por consequecircncia geraram o

principal fruto (os martiacuterios) deste violento periacuteodo indiscutivelmente ainda satildeo sementes que

testificam e geram vida em meio a Igreja A realidade da cristandade dos primeiros seacuteculos foi

difiacutecil e desafiadora para sua feacute mas sua Esperanccedila e Amor em Jesus Cristo fez os cristatildeos

superarem ateacute a mais dolorosa realidade fosse no calor de uma fogueira nos dentes de uma

fera ou no supliacutecio de uma cruz Xavier em nosso ponto de vista consegue caracterizar bem o

fervor e feacute destes vencedores ldquoA doenccedila dificuldades e martiacuterio fizeram parte da vida dos

cristatildeos nos primeiros seacuteculos e ao longo da histoacuteria poreacutem a virtude do Evangelho natildeo deixou

de ser pregada de uma forma ou de outra pelo exemplo pela palavra falada ou escritardquo193

Apoacutes esta exposiccedilatildeo nos eacute possiacutevel reconhecer indicadores confiaacuteveis de quem foi

este filoacutesofo cristatildeo do Seacuteculo II chamado Justino de como a histoacuteria eclesiaacutestica o reconhece

e de como a histoacuteria teoloacutegica o depreende Mais ainda eacute possiacutevel compreender por meio de

dados teacutecnicos um de seus escritos mais importantes (I Apologia) Estas paacuteginas lanccedilaram luz

de maneira praacutetica (visando quando onde e por quecirc) sobre o cenaacuterio histoacuterico que envolveu

as perseguiccedilotildees e os martiacuterios dos cristatildeos especialmente no periacuteodo da atuaccedilatildeo apologeacutetica de

190 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 97 grifo

nosso

191 Para uma melhor compreensatildeo deste cenaacuterio hostil no reinado de Marco Aureacutelio ver MONTEIRO A Feacute e os

Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 89-108

192 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p

109

193 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 11-12

49

Justino Para efeito de conclusatildeo desta seccedilatildeo conveacutem transcrever o registro de Hamman em

formato de siacutentese que fomenta virtuosamente a descriccedilatildeo capitular desenvolvida

Neste homem que viveu haacute dezoito seacuteculos percebemos o eco de nossos anseios de

nossas objeccedilotildees de nossas certezas Descobrimos nele uma abertura de alma uma

possibilidade de acolhimento uma vontade de diaacutelogo que desarmam e seduzem Se

muitas de suas obras estatildeo hoje perdidas as que nos restam fornecem-nos o diaacuterio

iacutentimo desse cristatildeo e satildeo suficientes para nos revelar sua vida desde o seu

nascimento e a sua formaccedilatildeo ateacute o seu martiacuterio194

O proacuteximo capiacutetulo faz uma anaacutelise na qual procuramos mostrar elementos factiacuteveis

de uma nova praacutetica social vigente ndash descrita por Justino ndash em meio ao status quo da sociedade

romana de entatildeo Desta maneira tambeacutem nos cabe frisar que a partir deste ponto se salientaraacute

o iniacutecio da descriccedilatildeo daquilo que para nosso autor era uma das provas estaacuteveis do novo modus

vivendi no qual a Verdade se manifestava de forma irrefutaacutevel

194 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27

50

2 O NOVO MODUS VIVENDI

Este capiacutetulo faraacute uma anaacutelise realiacutestica a partir da observaccedilatildeo de praacuteticas do contexto

social de Justino maacutertir Com ele iniciamos a perspectiva central proposta para esta pesquisa

aleacutem de apresentarmos de forma introdutoacuteria seu ponto nuclear Algumas marcas de cunho

histoacuterico nos permitem medir aquilo que aproximava ou afastava uma pessoa que confessava

a feacute cristatilde de seu meio sociocultural de suas atividades ordinaacuterias de seus afazeres do dia-a-

dia195 Assim neste espaccedilo apresentamos um teoacuterico conjunto de expressotildees que apontam os

conceitos que afloram do pensamento de Justino quanto agrave ldquomorfogeniardquo de sua feacute e porque natildeo

se dizer de seu grupo o qual eacute definido pelo autor como aqueles ldquoque se chamam irmatildeosrdquo196

A contemporaneidade retrata uma condiccedilatildeo ambiacutegua em comparaccedilatildeo com o Seacuteculo II

naquilo que se trata da transmissatildeo da religiosidade cristatilde ndash especialmente no que se reporta as

estruturas confessionais histoacutericas nos paiacuteses europeus e latino-americanos ndash tendo o processo

atual significativa ambivalecircncia com o padratildeo antigo o qual ainda natildeo havendo passado pelo

processo de enculturaccedilatildeo definia-se fortemente pela conversatildeo de pessoas adultas dado

amparado de forma eficiente por Tertuliano em sua Apologia ldquoos homens se tornam natildeo

nascem cristatildeosrdquo197

Deste modo notamos que a leitura histoacuterica praticamente natildeo abre concessotildees agrave

conversatildeo ao cristianismo na eacutepoca de Justino constituiacutea uma verdadeira transformaccedilatildeo na vida

do convertido implicando em uma real mudanccedila de vida ou seja de haacutebitos que

necessariamente provocava uma ldquoruptura com a cidade e isolava o cristatildeo de seu meio e de sua

famiacutelia se ela permanecesse pagatilderdquo198 Baseados em afirmaccedilotildees como esta eacute que delinearemos

um horizonte que possa definir de forma consideraacutevel a realidade do que seria estar vivendo a

Verdade para Justino mediante uma contraposiccedilatildeo de haacutebitos detectada por meio dessa

transformaccedilatildeo

Diante de tal teor surgem interrogaccedilotildees que nos trazem demandas pontuais

principalmente de caraacuteter especulativo orientadas a responder questotildees que despertam o

imaginaacuterio de nosso contexto atual Por estarem devidamente inseridas no cenaacuterio histoacuterico da

I Apologia estes assuntos caracterizam-se por suas pendecircncias mesmo que uma determinaccedilatildeo

em comum saliente todos os espaccedilos em branco tendo esta demarcaccedilatildeo em si um caraacuteter de

195 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

196 JUSTINO I Apologia LXV 1

197 TERTULIANO Apologia XVIII 4

198 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 187

51

diferenciaccedilatildeo que evoca uma clara distinccedilatildeo de estados Desta forma seguem alguns modelos

nos quais visamos indagar esta distinccedilatildeo que detectamos em Justino como definia-se um cristatildeo

em meados do Seacuteculo II Quais pessoas natildeo pertenciam a este grupo religioso e quais eram as

limitaccedilotildees que as impediam de tal prerrogativa Que nova praacutetica de feacute eacute esta que descarta as

antigas tradiccedilotildees religiosas De qual maneira isso se tornou um criteacuterio a ponto de estabelecer

diferenciaccedilotildees a niacutevel existencial

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE

Este espaccedilo tende a abertura de um caminho ao qual entendemos ser fundamental para

o desenvolvimento desta pesquisa isso devido agrave necessidade de apontarmos bases soacutelidas na

construccedilatildeo de nosso conceito mater Desta maneira iniciamos este capiacutetulo essencial em nossa

estruturaccedilatildeo utilizando-nos de uma afirmaccedilatildeo desenvolvida junto agrave pesquisa de Santos e

Gonccedilalves a qual soma valiosamente a nossa tese por contemplar a seguinte definiccedilatildeo ldquoAo

analisarmos a I Apologia podemos verificar que ele pretende revelar quem satildeo os cristatildeos Isto

parece fazer bastante sentido Ao buscar defender o cristianismo parece natural desenvolver um

texto que visa mostrar a identidade do grupordquo199

O cristianismo como religiatildeo vem a se desenvolver (universalmente) a partir de uma

comunidade autoacutectone de seu ldquofundadorrdquo emergindo atraveacutes de um pequeno grupo de

seguidores (Atos dos Apoacutestolos capiacutetulo 2) altamente condicionados agrave sua cultura e tradiccedilatildeo

religiosa200 poreacutem passados aproximadamente 110 anos o movimento cristatildeo chega ateacute os

dias de Justino com uma proporccedilatildeo numeacuterica muito significativa para um periacuteodo de tempo natildeo

tatildeo extenso201 Nesse processo estruturante tambeacutem de modo irrefragaacutevel202 houve um

desenvolvimento de um novo processo conceitual de um novo status de conhecimento ndash ou se

poderia chamar de um autoconhecimento ndash da proacutepria identidade (natildeo eacutetnica) cristatilde Processo

ao qual os chamados seguidores de Cristo apresentavam preceitos de paridade em uma espeacutecie

de similaridade existencial fato que leva o historiador Santos ao afirmar que ldquoa concepccedilatildeo de

meros disciacutepulos passou posteriormente a adquirir a ideia de povordquo203 Santos na verdade

199 SANTOS GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

200 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

201 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

202 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

203 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 135

52

reproduz simplesmente um pensamento jaacute consolidado no meio teoloacutegico Harnack no capiacutetulo

sete de sua obra A Missatildeo e Expansatildeo do Cristianismo nos Primeiros Trecircs Seacuteculos204 jaacute

solidifica tal ideia O teoacutelogo alematildeo caracteriza seu pensamento socioteoloacutegico da seguinte

forma

Convencido de que Jesus o mestre e o profeta era tambeacutem o Messias que voltaria em

breve para terminar o seu trabalho as pessoas passaram da consciecircncia de serem seus

disciacutepulos para o seu povo o povo de Deus ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον

ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pe II 9 ldquoVoacutes sois uma raccedila escolhida

um sacerdoacutecio real uma naccedilatildeo santa um povo para possessatildeordquo) e na medida em

que se sentiam um povo os cristatildeos sabiam que eles eram o verdadeiro Israel pessoas

que ao mesmo tempo representavam o novo e o velho205

Cabe-nos tambeacutem frisar neste aspecto levantado por Harnack que na questatildeo referente

agrave formaccedilatildeo de uma nova identidade social de caraacuteter religiosa este foi um fenocircmeno tanto

perceptiacutevel para eacutepoca de Justino como tambeacutem o ainda eacute em alguns segmentos humanos na

contemporaneidade Esta accedilatildeo associativa organizou-se (e ainda se organiza) de forma

majoritariamente comunitaacuteria a partir de experiecircncias pessoais de seus participantes sendo isto

ocasionado quase que na totalidade dos casos por meio do fenocircmeno conversiacutevel ocorrido no

acircmbito individual Este processo normalmente excludente e sectaacuterio de um determinado extrato

social ndash absolutamente imperativo no periacuteodo histoacuterico analisado poreacutem na atualidade natildeo

mais apresentando necessariamente uma ambiguidade ao estado de crenccedila anterior do

confessando (agente humano) ndash acaba por ser adesivo a outro o que ocasionava o

comprometimento com uma nova forma de comunhatildeo a qual amparada em novas certezas

rechaccedilava com ousadia as referecircncias da antiga crenccedila Em relaccedilatildeo ao cristianismo esse

fenocircmeno foi mais saliente entre as comunidades gentiacutelicas que abandonaram o paganismo206

Mencionamos ainda a definiccedilatildeo de Mol utilizada por Kee por entendermos que ele consegue

esclarecer de maneira objetiva aquilo que nos interessa expressar neste item sendo uma

consequecircncia natural do processo de conversatildeo ao cristianismo em meados de Seacuteculo II Mol

204 No original The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries

205 HARNACK The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries 2005 p 152 No original

Convinced that Jesus the teacher and the prophet was also the Messiah who was to return ere long to finish off

his work people passed from the consciousness of being his disciples into that of being his people the people of

God ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pet ii 9 ldquoYe are a chosen

race a royal priesthood a holy nation a people for possessionrdquo) and in so far as they felt themselves to be a

people Christians knew they were the true Israel at once the new people and the old

206 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

53

escreve que o primeiro estaacutegio de um novo convertido neste periacuteodo se caracterizava por aquilo

que ele define como um ldquodistanciamento de anteriores padrotildees de identidaderdquo207

Deste modo seguindo a proposta acima encontramos algumas afirmaccedilotildees que nos

parecem descrever com exatidatildeo a tese (por hipoacutetese cristatilde) que definia a sociedade de entatildeo

como que constituiacuteda por um suposto terceiro grupo de pessoas (holisticamente falando) Aleacutem

dos denominados gentios e judeus (no relato biacuteblico) haveria tambeacutem os cristatildeos Cabe-nos

ressaltar que esse indicador quantitativo variou dentro da construccedilatildeo desta proposiccedilatildeo

indicativa das supostas variaccedilotildees de ldquoraccedilasrdquo pois jaacute nos escritos dos Pais Apologistas esse

nuacutemero chegou a ser descrito em mais de trecircs segmentos (caldeus egiacutepcios gregos judeus e

cristatildeos)208 Assunto que voltaremos a tratar com mais exatidatildeo a seguir Vale-nos tambeacutem citar

que o conceito de estraneidade abordado especialmente em anaacutelises eclesioloacutegicas e

missioloacutegicas do meio Patriacutestico209 diferencia-se em alguns aspectos de nosso assunto

diferenciaccedilatildeo que natildeo seraacute abordada por entendermos que foge de nossa temaacutetica atual

Iniciamos nossa argumentaccedilatildeo apontando que este conceito identitaacuterio de caraacuteter

etnograacutefico jaacute se apresenta com clareza no relato da Escritura Sagrada Vemos o apoacutestolo Paulo

fazendo distinccedilatildeo similar quando opta por desenvolver uma anaacutelise contrastante do cenaacuterio

humano (eacutetnico religioso etc) de seu tempo apresentando-nos uma leitura com trecircs diferentes

grupos humanos ldquoNatildeo vos torneis causa de tropeccedilo nem para judeus nem para gentios nem

tampouco para a igreja de Deusrdquo (1 Coriacutentios 1032) Neste ponto posiccedilotildees exegeacuteticas variadas

podem corroborar para a compreensatildeo e tambeacutem assimilaccedilatildeo da passagem citada referente ao

suposto conceito de iacutendole eacutetnica apontado210 mas o proacuteprio cenaacuterio nos aponta determinados

viacutenculos que nos conduzem a ideia de que ser cristatildeo no suposto periacuteodo oferecia aos fieacuteis a

opiniatildeo de pertencer a um povo diferente211

Neste conjunto eacute necessaacuterio citar o Apologista Aristides que de maneira

inquestionaacutevel se apresenta no cenaacuterio cristatildeo como aquele que daraacute um salto intelectual na

direccedilatildeo do desenvolvimento daquilo que poderiacuteamos definir como a primeira concepccedilatildeo de um

ethnos propriamente cristatildeo212 Aristides ldquofiloacutesofo de Atenas e um dos primeiros defensores do

207 MOL Identity and the Sacred 1977 p 52-53 apud KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica

1983 p 65-66 grifo nosso

208 Ver ARISTIDES Apologia II XIV e XV

209 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

210 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

211 GONZAacuteLEZ 1995

212 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

54

cristianismordquo213 permitiraacute a transmissatildeo conceitual deste tema apontado nos escritos paulinos

aproximadamente oitenta anos depois de Paulo escrever aos cristatildeos de Corinto Em sua obra

Apologia Aristides concentra esforccedilos em uma elaboraccedilatildeo pragmaacutetica que visa uma

apresentaccedilatildeo de diferentes aspectos teoloacutegicos e morais todos provenientes de haacutebitos e

costumes de outros padrotildees religiosos de entre as etniaspovosnaccedilotildees de sua eacutepoca

Neste exerciacutecio Aristides ldquodescreve os cristatildeos como um povo ou naccedilatildeordquo214 que iraacute

progressivamente e cada vez mais contrastar seus conhecimentos e seu comportamento com os

outros povos com que convivia a saber os babilocircnios os gregos os egiacutepcios e os judeus

Possivelmente Aristides desejava ldquoexprimir a autocompreensatildeo cristatilderdquo215 de seus dias no

entanto provavelmente tambeacutem expressava um conceito jaacute bem estruturado em seu meio

religioso utilizando-se de um escrito apologeacutetico muito diretivo desenvolvido em ldquoforma de

uma etnografia comparativardquo216 Importante eacute o fato de que um entendimento novo de forma

absolutamente objetiva retratava a nova maneira de viver e esta maneira era aplicada

adjetivamente como cristatilde

Este fenocircmeno ocorria devido a este novo conceito ter se estruturado sobre ldquouma

organizaccedilatildeo humana cada vez mais precisa e soacutelida uma sociedade cujos alicerces satildeo

inteiramente novos e um tipo de homem diferente de todos aqueles que o mundo conhecerardquo217

Desta forma acabou por se gerar um entendimento novo sobre uma nova realidade histoacuterica

diferente de todas as demais jaacute existentes algo que na compreensatildeo de seus participantes soacute

poderia ser condicionado por um novo organismo ou seja uma nova ldquoraccedilardquopovonaccedilatildeo

Contudo este fato pode ser tambeacutem comprovado atraveacutes de outros seguimentos uma vez que

os proacuteprios natildeo-cristatildeos parecem fomentar esta ideia de separaccedilatildeo eacutetnica Isso pode ser visto

com realce atraveacutes do relato de outra figura Patriacutestica de destaque o qual torna-se o personagem

central de nosso exame a partir deste ponto

A partir do Seacuteculo II haveraacute inuacutemeras contribuiccedilotildees para a histoacuteria da teologia Em

primeiro lugar na figura de Tertuliano por ser considerado o ldquofundador da tradiccedilatildeo teoloacutegica

ocidentalrdquo218 Entretanto referente ao tema em destaque Tertuliano em sua obra Agraves Naccedilotildees (Ad

nationes) ndash tambeacutem traduzida por Aos Pagatildeos ndash apresenta no capiacutetulo VIII do I livro uma

213 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

214 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 16

215 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

216 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 17

217 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240

218 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 42

55

relevante informaccedilatildeo a respeito de nosso assunto pois atraveacutes de uma genuiacutena accedilatildeo apologeacutetica

passa a informar algo que estava sendo apregoado sobre os cristatildeos Ele menciona que alguns

ldquoCertamente dizem que somos a terceira raccedila dos homensrdquo219 Jaacute de iniacutecio torna-se simples

devido ao desenvolvimento do texto conceituar a definiccedilatildeo (ldquoterceira raccedilardquo) citada por

Tertuliano pois de maneira peculiar sua ironia consegue descrever com exatidatildeo sua intenccedilatildeo

e o que ele escreve a seguir acaba por orientar seu entendimento e interesse argumentativo Ele

diz ldquoDe que maneira Uma raccedila com cara de cachorro Ou uma que possui apenas um enorme

peacute Ou algum Antiacutepoda subterracircneordquo220

Obviamente Tertuliano natildeo tinha em mente elaborar uma refutaccedilatildeo que viesse a

discutir questotildees bioloacutegicas ou antropoloacutegicas referentes agraves pessoas que estavam sendo

atingidas por essa pecha de ordem etnorracial Seu estilo quase sarcaacutestico demonstra que na

verdade sua indignaccedilatildeo frente agraves agressotildees lanccediladas aos irmatildeos da feacute que eram protagonizadas

pelas perseguiccedilotildees oferecidas pelos descrentes e das quais ele era uma literal testemunha o

compeliam a reagir em sua defesa ldquoTenham cautela no entanto pois aqueles a quem vocecircs

chamam de terceira raccedila devem obter o primeiro lugar uma vez que natildeo haacute certamente naccedilatildeo

que natildeo seja cristatilderdquo221

Tertuliano ainda em sua fase Apologista222 procura nos apresentar uma descriccedilatildeo

pejorativa (ldquoterceira raccedilardquo) dos pagatildeos como absolutamente preconceituosa e totalmente

intolerante pois esta visa tatildeo somente implementar ldquoacusaccedilotildees contra os cristatildeosrdquo223 buscando

unicamente denigrir sua religiatildeo natildeo possuindo nenhuma ligaccedilatildeo especiacutefica com as relaccedilotildees

eacutetnicas eou nacionais destas pessoas Sobre este prisma o proacuteprio Tertuliano afirma ldquoMas eacute

no sentido de religiatildeo e natildeo de naccedilatildeo que somos tidos como a terceira raccedila Pela ordem os

romanos os judeus e por uacuteltimo os cristatildeosrdquo224 No decorrer do texto225 fica-nos ainda mais

evidente que esta tentativa de uma diferenciaccedilatildeo humana natildeo corresponde a dados bioloacutegicos e

antropoloacutegicos pois visa promover unicamente uma desqualificaccedilatildeo da crenccedila do grupo ao qual

ataca (cristatildeos) independentemente de suas origens eacutetnicas

219 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

220 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

221 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9

222 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

223 LEAL In Tertuliano Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1577

224 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

225 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9-11

56

Deste modo assimilando os variados dados relacionados nesta construccedilatildeo

fenomenoloacutegica vemos que independentemente do meio (eclesiaacutestico ou secular) e da

temporalidade (periacuteodo biacuteblico ou patriacutestico) o sentido uniforme do conceito de ser cristatildeo

estava incondicionalmente ldquovinculado a um grupo com relaccedilotildees sociais distintas dos

demaisrdquo226 Aqui a reflexatildeo de Santos nos auxilia de forma significativa especialmente visando

o desenvolvimento restante deste capiacutetulo

Relaccedilotildees sociais estas que privilegiam os aspectos espirituais e morais Neste sentido

os cristatildeos podem ser entendidos como um povo particular com uma promessa

profeacutetica especificamente direcionada a eles Povo este que como vimos

anteriormente possui seu conjunto de crenccedilas um estilo de vida proacuteprio seus

siacutembolos sua interpretaccedilatildeo de mundo Tudo isto se traduz pela expressatildeo ldquonova vida

e os nossos ensinamentosrdquo utilizada por Justino (JUSTINO I Apologia III 3)227

Ao finalizarmos este item salientamos nossa intenccedilatildeo na proposta de agregar a esta

pesquisa a ideia de que para o cristianismo inicial como tambeacutem para seu meio social ndash onde

Justino necessariamente se enquadra ndash havia um conceito de identidade definido do que era ser

cristatildeo Cabe-nos agora complementaacute-lo Para isto propomos uma descriccedilatildeo de seu perfil

oposto ateacute mesmo antagocircnico para o periacuteodo ou seja descrevendo aquilo (ou aqueles) que na

visatildeo dos cristatildeos natildeo eram cristatildeos

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO

Em nossa proposta de pesquisa se faz indispensaacutevel conhecermos a visatildeo do meio

cristatildeo (eclesioloacutegica) a respeito daqueles que eram ao seu entendimento ndash pelo menos de

maneira preliminar ndash antagocircnicos agrave sua realidade existencial Obviamente este trabalho busca

ancorar-se ao pensamento de seu autor central Assim sendo Justino passa a nos ceder as bases

desse processo de incompatibilidade de grupos228 onde podemos sem exageros a partir de

Justino arquitetar um cenaacuterio que nos mostra eficientemente que este conceito evidenciado no

Apologista eacute oriundo da mensagem Apostoacutelica (Paulo) e Patriacutestica (Aristides) anteriores a ele

as quais parecem terem sido bem recebidas e definidas quanto a essa importante questatildeo

226 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 143

227 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

grifo nosso

228 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

57

etnograacutefica Percebemos isso com certa clareza quando ele diz que ldquoDeve-se saber que o

restante de todas as raccedilas humanas satildeo chamadas de naccedilotildees pelo Espiacuterito profeacutetico a casta dos

judeus e samaritanos poreacutem chama-se Israel e Casa de Jacoacuterdquo229

Nesta introduccedilatildeo ainda nos eacute possiacutevel descrever um conceito metafiacutesico a partir do

entendimento de Justino que era um filoacutesofo Utilizando-nos da objetivaccedilatildeo da identidade

(ethnos) cristatilde um modelo passa a se estabelecer nesta descriccedilatildeo e este modelo eacute que ldquotorna

uma entidade reconheciacutevelrdquo230 Assim este estado que passa a ser evidentemente concreto e

que estaacute constituiacutedo em uma forma de identificaccedilatildeo passa tambeacutem a possuir o seu oposto

definindo-se por meio de diversos exames tendo a partir disso haacute possibilidade de ser aceito

ou rejeitado por aquilo que lhe eacute diferente

Prosseguindo no desenvolvimento de nosso raciociacutenio comeccedilaremos a descrever

sinteticamente o ponto central a ser analisado nesta pesquisa Entendemos que a reflexatildeo que

recebemos a partir da oacutetica de Justino poder ser definida por meio de sua compreensatildeo do que

eacute a Verdade revelada para a humanidade Deste modo inicialmente nos cabe salientar que o

periacuteodo de tempo logo apoacutes o advento do cristianismo e sua consolidaccedilatildeo (informal para a

eacutepoca) como uma religiatildeo estabelecida em meio ao Impeacuterio Romano trouxe algumas

evidecircncias que caracterizavam e apontavam para a identificaccedilatildeo daqueles que eram seguidores

deste credo e ipso facto passava a distingui-los quase que de forma automaacutetica dos demais

seguidores de outras praacuteticas religiosas tais como o judaiacutesmo e os cultos politeiacutestas os quais

tambeacutem podem ser definidos no cenaacuterio imperial como ldquocultos estataisrdquo231 eou religiatildeo dos

povos gentios

Ainda neste espaccedilo nos eacute necessaacuterio salientar que a atribuiccedilatildeo religiosa como ponto

primaz na questatildeo orientativa dos que natildeo confessavam a feacute cristatilde eacute importante ou ateacute mesmo

necessaacuteria porque no referido periacuteodo natildeo se concebia a ideia de que as massas humanas ndash em

qualquer lugar independentemente de sua etnia ou nacionalidade ndash natildeo aderissem a uma forma

de crenccedila232 O pensamento de Santos qualifica esta ideia de contraste entre crenccedilas

Os cristatildeos precisavam ser diferentes dos judeus e dos demais povos para construiacuterem

uma identidade proacutepria ainda que algo dos dois fizesse parte de sua identidade E

mesmo esse algo teria uma leitura particular dentro do cristianismo Os siacutembolos

229 JUSTINO I Apologia LIII 4

230 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014 p 110

231 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 51

232 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

58

ainda que preservados natildeo teriam exatamente os mesmos significados Justino por

vezes ao apontar aquilo que os cristatildeos eram utiliza a comparaccedilatildeo Tal comparaccedilatildeo eacute

feita com base natildeo soacute naquilo que eacute semelhante nos grupos que ele considera natildeo-

cristatildeos mas principalmente nas suas diferenccedilas o que nos revela que no outro haacute

tanto pontos congruentes quanto incongruentes233

Desta forma a partir deste ponto falaremos a respeito dos dois respectivos grupos

humanos (em sentido eacutetnico e nacional) nos quais se estabeleciam a distinccedilatildeo e a divisatildeo

proposta por Justino em sua construccedilatildeo teoloacutegica

221 Os Judeus

Passando objetivamente a leitura da obra de Justino (I Apologia) constatamos com

razoaacutevel clareza a importacircncia dada pelo autor aquilo que corresponde diretamente ao povo

judeu este aspecto acaba por se tornar importantiacutessimo na elaboraccedilatildeo de nosso conceito pois

traz equiliacutebrio agrave orientaccedilatildeo que Justino propotildeem desenvolver como contrastante ao seu estado

de feacute e crenccedila Para Justino o povo eleito por Deus para receber as promessas diretrizes e

preceitos da Primeira Alianccedila acabou por se tornar uma espeacutecie de agente condutor e ateacute

mesmo catalisador de uma forma funcional do cumprimento das profecias descritas como

messiacircnicas234 Justino ao mencionar o Profeta Isaiacuteas e o Livro dos Salmos235 apresenta-nos esta

indicaccedilatildeo dizendo

Quando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de Cristo ele se expressa assim ldquoEu

estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz aos que andam por um

caminho que natildeo eacute bomrdquo E novamente ldquoEntreguei minhas costas aos accediloites e

minhas faces agraves bofetadas e natildeo afastei o meu rosto da vergonha das cuspidas E o

Senhor se tornou o meu auxiacutelio por isso eu natildeo fui confundido mas transformei o

meu rosto em rocha dura e soube que natildeo seria confundido pois estaacute perto aquele

que me justificardquo E o mesmo quando diz ldquoEles lanccedilaram sorte sobre as minhas

roupas e transpassaram as minhas matildeos e os meus peacutes mas eu adormeci e me

entreguei ao sono e ressuscitei porque o Senhor me protegeurdquo E outra vez quando

diz ldquoCochichavam com os seus laacutebios e balanccedilaram a cabeccedila dizendo Salve-se a si

mesmo Podeis comprovar que tudo isso cumpriu-se atraveacutes dos judeus em Cristordquo236

233 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

234 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

235 Acredita-se que os textos biacuteblicos usados por Justino segundo a versatildeo da Biacuteblia Grega (Septuaginta) satildeo Is

652 Is 506-8 Sl 2119 Sl 36 Sl 218-9 Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 27

236 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1-7

59

Nesta passagem da I Apologia onde jaacute nos deparamos com o exegeta Justino237 fica-

nos claro que na opiniatildeo deste os reconhecidos como natildeo-cristatildeos ndash particularmente tratando-

se do povo judeu e de sua religiatildeo ndash natildeo compreenderam o tempo de sua visitaccedilatildeo menos ainda

foram capazes de interpretar com eficiecircncia tudo aquilo que as profecias anunciavam a respeito

de seu Messias Esse processo ganha ainda mais ecircnfase quando o teor aplicado por Justino passa

a ser mediado atraveacutes do contexto entre os capiacutetulos XXXVI a XXXVIII onde o relato parece

sugerir um compecircndio baacutesico com ldquoregras de interpretaccedilatildeordquo238 do Apologista sobre as profecias

messiacircnicas Neste cenaacuterio eacute possiacutevel penetrar mais profundamente na realidade sugerida por

Justino os judeus natildeo obstante sua falta de discernimento tornaram-se por seu endurecimento

os proacuteprios algozes Daquele que veio libertaacute-los

Torna-se necessaacuterio dizer que a exegese aplicada por Justino natildeo se faz sem equiacutevocos

Alguns erros satildeo ateacute mesmo inocentes quando analisados agrave luz de elementos da ciecircncia biacuteblica

atual239 como por exemplo quando cita o texto do Salmo 2119 (segundo a Septuaginta) o

qual eacute amplamente interpretado pelos Evangelhos240 como uma accedilatildeo dos soldados romanos

junto ao relato da crucifixatildeo de Cristo e natildeo como um ato diretamente empregado pelo povo

judeu Entretanto Justino entende que os judeus natildeo apenas assumiram agrave culpa desse ato por

meio de seu embrutecimento mas principalmente por seu endurecimento o qual foi causado

originalmente por sua incredulidade (natildeo-assimilaccedilatildeo) para com a pessoa de Jesus Cristo na

opiniatildeo de Justino241 Deste modo parece natildeo permanecer nenhum constrangimento por parte

do Apologista em apontar aos judeus natildeo como meros colaboradores mas sim como os

grandes culpados pela morte de Cristo

Na verdade Davi rei e profeta que disse isso natildeo sofreu nada disso mas Jesus Cristo

estendeu as suas matildeos quando foi crucificado pelos judeus que o contradiziam e

falavam que ele natildeo era o Messias Com efeito como disse o profeta levaram-no

arrastando e fazendo-o sentar-se numa cadeira de juiz disseram-lhe ldquojulga-nosrdquo242

237 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

238 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 26

239 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

240 Ver Mateus 2633-38 Marcos 1522-24 Lucas 2333-34 Joatildeo 1923-24

241 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

242 JUSTINO I Apologia XXXV 6

60

Mesmo jaacute tendo sido identificado por noacutes de forma preacutevia cabe-nos ainda citar de

maneira mais precisa as pertinentes consideraccedilotildees que Justino faz referente ao natildeo

reconhecimento da pessoa de Jesus Cristo como o Messias prometido ao povonaccedilatildeo de Israel

por parte dos judeus O Apologista escreve ldquoNatildeo entendendo isso os judeus que satildeo aqueles

que possuem os Livros dos profetas natildeo soacute natildeo reconheceram a Cristo jaacute vindo mas tambeacutem

odeiam a noacutes que dizemos que ele de fato veio e mostramos que como fora profetizado foi

por eles crucificadordquo243

Aleacutem dessa notificaccedilatildeo exortativa referente aquilo que poderiacuteamos definir como uma

leitura do cenaacuterio sociorreligioso judaico (que no presente momento e tambeacutem anteriormente a

ele interagiu conflituosamente com os cristatildeos) devemos tambeacutem reconhecer outro aspecto que

este ambiente social nos aponta por meio da ldquoobservaccedilatildeo de Justino segundo a qual Bar

Kochba244 ameaccedilou judeus messiacircnicos com pesados castigos caso natildeo negassem que Jesus eacute

o Cristordquo245 estabelecendo deste modo haacute opiniatildeo de que os cristatildeos realmente eram um povo

que sofria historicamente ldquohostilidade dos judeusrdquo246 principalmente porque os cristatildeos deram

o devido valor agrave revelaccedilatildeo de Deus247

Por uacuteltimo neste cenaacuterio de nossa anaacutelise concentrada na opiniatildeo de Justino frente ao

status sociorreligioso judaico devemos ainda olhar com bastante atenccedilatildeo para uma passagem

da Escritura Sagrada relacionada a Primeira Alianccedila que nos eacute apresentada enfaticamente por

Justino em sua obra apologeacutetica O texto do capiacutetulo 65 verso 2 do Livro do profeta Isaiacuteas eacute

citado por trecircs vezes na I Apologia248 caracterizando mediante este fato repetitivo uma

significativa elucubraccedilatildeo por parte de Justino a esta porccedilatildeo da Escritura Nosso autor se

distingui ao comentar o Texto Sagrado dizendo ldquoQuando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de

Cristo ele se expressa assim lsquoEu estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz

aos que andam por um caminho que natildeo eacute bomrsquordquo249

Partamos de um ponto conceitual Na esfera racional de Justino o caso das ldquomatildeos

estarem estendidas a um povo increacutedulo e contestadorrdquo era um fato indubitaacutevel apresentado

atraveacutes de um ar enfaacutetico que apontava agrave suposta culpa que os judeus teriam na rejeiccedilatildeo do

243 JUSTINO I Apologia XXXVI 3

244 JUSTINO I Apologia XXXI 6

245 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 266

246 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 32

247 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

248 JUSTINO I Apologia XXXV 3 XXXVIII 1 XVIX 3

249 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1

61

verdadeiro Ungido de Deus solidificando deste modo de maneira inevitaacutevel sua compreensatildeo

de que os judeus ao natildeo reconhecerem o Messias ldquoperderam o direito hereditaacuterio a promessa

que passou para os cristatildeosrdquo250 Este conceito251 acaba por ficar ainda mais saliente em sua

obra Diaacutelogo com Trifatildeo252 detalhe que natildeo apontaremos aqui devido a nossa opccedilatildeo de

delimitaccedilatildeo textual

Por fim necessitamos condicionar nossa pesquisa a um resultado Entatildeo ratificamos

que em nosso entendimento fica claro que na transmissatildeo da ideia de Justino os judeus foram

rejeitados como naccedilatildeopovoldquoraccedilardquo por sua incredulidade mesmo que estes tenham sido

anteriormente escolhidos como os herdeiros das promessas de Deus De fato Justino afirma

ldquoEntatildeo eles se arrependeratildeo quando de nada mais lhes valeraacuterdquo253 Logo para Justino os judeus

natildeo eram mais a ldquoraccedilardquo eleita porque natildeo eram cristatildeos

Passamos agora ao outro grupo compreendido como natildeo-cristatildeo pelo conceito

etnograacutefico dos seguidores do cristianismo na eacutepoca de Justino os Gentios

222 Os Gentios

De imediato devemos propor um referencial orientativo visando essa construccedilatildeo e

uma afirmaccedilatildeo parece definir de maneira satisfatoacuteria esta questatildeo Igualmente agrave anaacutelise anterior

(para com os judeus) partimos de referenciais de caraacuteter sociorreligioso baseados em nosso

autor central poreacutem com a diferenciaccedilatildeo de que agora falamos de um campo muito mais

abrangente a ser examinado pois os ldquogentiosrdquo254 (segundo o Apoacutestolo Paulo) ldquoos caldeus os

gregos e os egiacutepciosrdquo255 (segundo Aristides) e ldquoos romanosrdquo256 (segundo Tertuliano) formam

esse novo e amplo grupo que tambeacutem se caracteriza religiosamente em contraste tanto com

cristatildeos quanto com os judeus que haviam rejeitado o seu Messias

Todo esse enorme contingente religioso se distinguia por sua diversidade Nesta

multiplicidade surgia uma variedade imensa de divindades uma para cada gosto eou prazer

250 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

251 Segundo Insuelas as duas primeiras Apologias satildeo escritas ldquocontrardquo os pagatildeos jaacute o Diaacutelogo com Trifatildeo eacute

escrito ldquocontrardquo os judeus Neles Justino pretende provar que Jesus Cristo eacute o Messias e que a sua religiatildeo eacute a

verdadeira Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 54

252 Ver JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo CVIII 1-3

253 JUSTINO I Apologia LII 9

254 Ver 1 Coriacutentios 1032

255 ARISTIDES Apologia II XIV e XV

256 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

62

com as quais estes devotos procuravam cobrir suas necessidades e as exigecircncias de culto em

seus dias257 Esta praacutetica reconhecida como politeiacutesmo envolve a coletividade humana desde

seus primoacuterdios258 No entanto para Justino quem seriam as pessoas que adoravam essa

imensidatildeo de outros deuses

Inicialmente afirmamos que os participantesocupantes desse distinto grupo

indiscutivelmente se diferenciavam dos judeus natildeo apenas por sua religiatildeo mas tambeacutem por

questotildees que podem (e devem) ser descritas como eacutetnicas No caso anterior o judaiacutesmo (ou

podemos chamar de religiatildeo judaica) natildeo se desvinculava (nem atualmente se desvincula) da

etnia de origem semita (judeus) que ocupava massivamente a regiatildeo do moderno estado de

Israel Ateacute os dias de hoje os judeus ndash tambeacutem chamados de ldquoisraelitasrdquo (genericamente) ndash satildeo

definidos regularmente como ldquofieacuteisrdquo da religiatildeo judaica259 Em nosso caso de destaque os

agentes religiosos que formavam as fileiras das religiotildees politeiacutestas eram seres humanos

oriundos das mais variadas sociedades da eacutepoca de diversas culturas mas que assumiam o

chamado culto de origem mitoloacutegica difundido amplamente na cultura de origem greco-

romana260 na qual Justino tambeacutem havia vivido e sido criado261 e que havia se tornado em um

elemento poliacutetico que ldquoos romanos chamavam de pax deorumrdquo262

Estes adoradores de outros e variados deuses usualmente possuem outra designaccedilatildeo

tanto para Justino quanto no relato biacuteblico satildeo os gentios ndash termo geneacuterico que adotaremos a

partir de agora neste item para a identificaccedilatildeo desse grupo devido a sua abrangecircncia e

complexidade A pesquisa de Santos nos auxilia consideravelmente nesta definiccedilatildeo

O termo utilizado na Biacuteblia hebraica para gentio eacute gocircy (גוי) e tanto no texto grego do

Antigo Testamento (Septuaginta) quanto no Novo Testamento temos os termos

ethnos (εθνος) ou hellen (ελλην) Satildeo geralmente traduzidos como naccedilatildeo raccedila

gentes gentios Se estiver no singular podem se referir aos judeus (HARRIS 1998 p

251-252 DOUGLAS 1995 p 662 VINE 2002 p 673) De forma geral quando no

plural eles se referem aos outros povos que natildeo os judeus e no caso mais

especificamente cristatildeo denotam natildeo soacute os natildeo-judeus mas podem se referir agravequeles

gentios que se converteram ao cristianismo ldquoOs quais pela minha vida expuseram as

257 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010

258 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

259 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

260 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

261 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998

262 CORNELL MATTHEWS A Civilizaccedilatildeo Romana 2008 p 94

63

suas cabeccedilas o que natildeo soacute eu lhes agradeccedilo mas tambeacutem todas as igrejas dos gentiosrdquo

(Romanos 164)263

Justino natildeo apenas se utiliza dessa terminologia com desenvoltura mas tambeacutem se

serve de outros termos que designam este grupo de existecircncia gentiacutelica Encontramos citaccedilotildees

como ldquogente de todas as naccedilotildeesrdquo264 ldquogente de todas as raccedilasrdquo265 ldquohomens das naccedilotildeesrdquo266 ou

ldquoos povos das naccedilotildeesrdquo267 Ao analisarmos o contexto textual destas citaccedilotildees de Justino fica

evidente que o Apologista ao descrever estes trechos estaacute incondicionalmente se referindo ao

cumprimento das promessas messiacircnicas aos gentios Desta forma acaba por caracterizar (os

gentios) como os natildeo-judeus que estavam sem Cristo mas que iriam recebecirc-lo pela

proclamaccedilatildeo da mensagem evangeacutelica Drobner sugere que possivelmente Justino acreditava

que uma vez que os democircnios foram silenciados pela proclamaccedilatildeo da Verdade por meio da

mensagem da cruz ldquoos homens agora em todo o mundo se tornariam tementes a Deusrdquo268

Encontramos na I Apologia uma tendecircncia ndash pelo menos de maneira impliacutecita ndash de

apontar em menor nuacutemero elementos negativos eou pejorativos dos gentios e de suas praacuteticas

religiosas politeiacutestas Isso obviamente se comparados com agravequeles apresentados

volumosamente como prejuiacutezos trazidos eou deixados pelos judeus naquilo que se tratava da

revelaccedilatildeo de Deus em Jesus Cristo Tratando-se especificamente dessa questatildeo sociorreligiosa

que envolvia a religiatildeo judaica cabe-nos ressaltar com veemecircncia que em nossas afirmaccedilotildees

natildeo se estaacute buscando implicar de nenhuma maneira ou forma a Justino uma postura

antissemita269 pois sua polecircmica com os judeus ldquonada tem a ver com antissemitismo porque

natildeo se trata da raccedila mas da feacuterdquo270 Deste modo orientando-nos atraveacutes de dados da anaacutelise

historiograacutefica acreditamos que este fenocircmeno se baseou na tentativa de indicar com clareza

atribuiccedilotildees da histoacuteria da revelaccedilatildeo no fato de se contextualizar o relato salviacutefico de Deus para

263 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 147

264 JUSTINO I Apologia XXXII 3

265 JUSTINO I Apologia XXXII 4

266 JUSTINO I Apologia XXXI 7

267 JUSTINO I Apologia XLIX 1

268 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 84

269 Antissemita (anmiddottismiddotsemiddotmimiddotta) anti- + semita Adjetivo de dois gecircneros e substantivo de dois gecircneros Significa

Que ou quem se opotildee aos semitas e particularmente aos judeus Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa

Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgantissemitagt Acesso em 17 de jan de 2019

270 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

64

a humanidade pois o ldquoproacuteprio texto nos fornece um contexto Mas tambeacutem pelos enunciados

que evidenciam sua forccedila ilocucionaacuteriardquo271

Poreacutem entendemos ainda ser oportuno citar a Justino de forma direta mais uma vez

em nossa elaboraccedilatildeo sobre o conceito de definiccedilatildeo daqueles que natildeo satildeo cristatildeos para ele

Indiscutivelmente os gentios gozavam de uma pequena parcela de toleracircncia por parte de

Justino especialmente diante do testemunho das conversotildees ocorridas junto o mundo greco-

romano das quais ele mesmo era fruto Aleacutem disso em nossa construccedilatildeo conceitual outra vez

fica notoacuterio que nosso autor natildeo procura mascarar em nenhum momento sua dificuldade para

com a religiatildeo judaica272 O texto de Justino transparece isso com muita clareza

Ao contraacuterio (dos judeus) os gentios que nunca tinham ouvido falar dele ateacute que os

apoacutestolos tendo saiacutedo de Jerusaleacutem lhes contaram sua vida e lhes entregaram as

profecias cheios de alegria e de feacute renunciaram aos iacutedolos e se consagraram ao Deus

ingecircnito por meio de Cristo273

Contudo torna-se claro tambeacutem que na concepccedilatildeo de Justino o alcance dessa

conformidade do plano salviacutefico de Deus atraveacutes de Jesus Cristo para com os gentios seria

segundo o posicionamento de feacute desse grupo pois o teor e a objetividade para o

desenvolvimento da I Apologia provam o contraacuterio pois esta obra acabou sendo redigida

condicionalmente na tentativa de aplacar os acircnimos daqueles que perseguiam os cristatildeos de

forma injustificaacutevel sendo evidente no relato de ambas as Apologias de Justino que os

perseguidores eram majoritariamente formados de natildeo-cristatildeos de origem gentiacutelica Essa

evidecircncia conseguimos resgatar no proacuteprio relato do Apologista quando este comenta a

respeito da idolatria dos gentios enfatizando seu politeiacutesmo Nessa passagem sua penna eacute

categoacuterica e imperativa

E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o atribuiacutes a noacutes como

se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia como estamos livres

por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam nenhum dano ao

271 SANTOS amp GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

272 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

273 JUSTINO I Apologia XLIX 5 grifo nosso

65

contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda levantam falso

testemunho contra noacutes274

Finalizamos assim este item que visou especificar aquilo que se encontra aplicado na

explanaccedilatildeo do Apologista sobre o natildeo ser um cristatildeo Buscamos nesta explanaccedilatildeo uma espeacutecie

de caraacuteter identificativo aleacutem de termos procurado sinalizar para o oposto de cada caso

examinado distinguindo deste modo os grupos religiosos analisados atraveacutes de criteacuterios que

os contrastavam entre si e para com o objeto principal (cristianismo) pois notificamos que para

Justino como tambeacutem para a Igreja em sua eacutepoca judeus e gentios natildeo eram homens de outra

espeacutecie (em sentido bioloacutegico) mas natildeo sendo cristatildeos pertenciam necessariamente a outro

mundo um mundo natildeo-cristatildeo

A seguir trataremos de assuntos mais pontuais os quais podemos denominar de

ldquofactiacuteveisrdquo segundo a leitura de Justino para com a realidade que o cercava Esse conjunto de

fatos era polemizado de maneira constante (por meio de uma tentativa aguda de se diferenciar

proposiccedilotildees) pois possuiacutea uma importacircncia fundamental na definiccedilatildeo exigida para se

estabelecer a oposiccedilatildeo dos ldquomundosrdquo que apontamos

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM

E para que se torne evidente para voacutes vamos apresentar-vos a prova de que aquilo

que dizemos por tecirc-lo aprendido de Cristo e dos profetas que os precederam eacute a uacutenica

verdade e a mais antiga do que todos os escritores que existiram Natildeo pedimos que se

aceite a nossa doutrina por coincidir com eles mas porque dizemos a verdade275

A partir deste item apresentamos uma anaacutelise de meios e de casos os quais

entendemos serem absolutamente necessaacuterios para uma resposta realmente qualificada visando

uma conclusatildeo satisfatoacuteria desta pesquisa Neste processo que inicialmente abarcou de maneira

histoacuterica a estruturaccedilatildeo e funcionalidade de um ambiente confessional acabou por se

caracterizar cada vez mais atraveacutes de um distinto cenaacuterio sociorreligioso em seu tempo Nessa

verificaccedilatildeo de costumes do comportamento humano na esfera religiosa percebemos com certa

facilidade o profundo impacto ndash especialmente no acircmbito da eacuteticamoral ndash que o cristianismo

proporcionou ao apresentar-se ldquocomo a revoluccedilatildeo mais radical que a humanidade jaacute tinha

274 JUSTINO I Apologia XXVII 5

275 JUSTINO I Apologia XXIII 1 grifo nosso

66

realizadordquo276 Desta forma organizamos uma detalhada abordagem dessa conjuntura de caraacuteter

social na esfera religiosa a qual vamos descrever a seguir procurando direcionar de maneira

objetiva nossos apontamentos para dentro da soluccedilatildeo de nosso problema jaacute anteriormente

especificado e deste modo comeccedilarmos a indicar uma resposta plausiacutevel para o conceito do

que seria a Verdade redigida e sustentada por Justino

Importante para nossa sequecircncia de trabalho eacute procurarmos estabilizar desde cedo a

compreensatildeo de que esta elaboraccedilatildeo de caraacuteter eacutetico-moral natildeo visa ser pormenorizada tatildeo

pouco exaustiva pois acreditamos que isto nem mesmo seria possiacutevel diante da abrangecircncia a

qual o termo Verdade poderia alcanccedilar em um exame epistemoloacutegico mais aprofundado

Particularmente tratando-se de nosso caso em especial um agravante ainda se coloca isso

devido nossa palavra-chave nem mesmo ser aplicada como um simples substantivo por parte

do autor pois recebe por parte de Justino uma abrangecircncia axiomaacutetica muito singular somente

compreendida em seu contexto mais amplo (realidade sociorreligiosa)

Entretanto partimos da necessidade de nos orientarmos por meio de definiccedilotildees

provenientes das afirmaccedilotildees do proacuteprio Justino Diante da realidade sociorreligiosa ndash tambeacutem

pode-se classificaacute-la como cultural dependendo dos criteacuterios propostos ndash que cercava e

envolvia o Apologista (no periacuteodo de redaccedilatildeo da I Apologia) estava necessariamente instituiacuteda

uma forma de cerceamento agraves suas convicccedilotildees religiosas Sem restriccedilotildees podemos nos utilizar

de uma espeacutecie de pleonasmo ao dizermos que Justino ndash ldquose justificardquo ndash constantemente por

meio de um paralelo dialeacutetico que de maneira exata acaba por condicionar-se como loacutegico

pois o Apologista busca apresentar uma ldquoperfeita lealdade dos seus processosrdquo277 racionais em

toda a sua narrativa As contribuiccedilotildees oriundas da predominante linha filosoacutefica a qual Justino

aderiu em sua jornada na busca pela Verdade manifestam-se de forma niacutetida em sua construccedilatildeo

apofacircntica Esse meacutetodo se clarifica na abordagem de Chauiacute

A dialeacutetica platocircnica eacute um procedimento intelectual e linguiacutestico que parte de alguma

coisa que deve ser separada ou dividida em dois ou duas partes contraacuterias ou opostas

de modo que se conheccedila sua contradiccedilatildeo e se possa determinar qual dos contraacuterios eacute

verdadeiro e qual eacute falso278

276 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 44

277 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

278 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 181

67

Deste modo Justino explanou suas conclusotildees de maneira categoacuterica por meio da

aplicaccedilatildeo de um meacutetodo que visava eliminar contradiccedilotildees essenciais daquilo que estava sendo

examinado279 Aparentemente o Apologista acreditava que algo de caraacuteter indivisiacutevel no

sentido de ser inquestionaacutevel poderia ser alcanccedilado mediante suas confrontaccedilotildees mesmo que

Justino afirmasse ser imprescindiacutevel ter que haver feacute em Jesus Cristo para tais fins elemento

(feacute) que era reconhecidamente ausente em seus opositores algo que no final parece desiquilibrar

a loacutegica da teoria de Justino Neste espaccedilo ainda nos eacute necessaacuterio dizer que nosso autor se

baseava fortemente em indicaccedilotildees de cunho comparativo e histoacuterico (a niacutevel de suas convicccedilotildees

religiosas) para defender suas comparaccedilotildees280 Neste item jaacute detectamos fortemente o ser

ldquofiloacutesofordquo em Justino realidade que abordaremos mais detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo

Essa base filosoacutefica que acabamos de citar iraacute orientar o ministeacuterio de Justino no

decorrer de sua construccedilatildeo teoloacutegica e quanto a essa filosofia devemos sem constrangimento

atrelaacute-la agravequilo que acabou por se tornar o estilo literaacuterio preponderante em seus trabalhos

Estes se caracterizaram pela presenccedila de um forte teor (dispositivo) apologeacutetico possibilitando-

nos a partir da anaacutelise historiograacutefica281 afirmar que uma vez que os filoacutesofos (do periacuteodo de

Justino) receberam a feacute em Cristo estes podem defender a Verdade pois passam a possuir a

ldquoconsciecircncia da razatildeo filosoacutefica que nela estaacute contidardquo282

Desta forma seguindo uma postura assumidamente analiacutetica Justino passa a arquitetar

seu plano argumentativo utilizando-se de uma clara confrontaccedilatildeo de fatos em vista de alcanccedilar

o resultado desejado Mesmo sem ser um empirista ndash sistema filosoacutefico totalmente distante

cronologicamente de Justino ndash eacute impossiacutevel natildeo se detectar um apego por parte do Apologista

para com um meacutetodo de exame que venha a conferir com afinco a experiecircncia do uso dos

sentidos humanos como o meio para agrave origem e geraccedilatildeo do conhecimento Com isso mais um

detalhe pertinente segundo a nossa compreensatildeo vem a surgir nesta anaacutelise pois conseguimos

detectar com certa facilidade que Justino vincula os fatos registrados de sua feacute na rotina humana

presente efetivamente em seu contexto o que vem a somar para a caracterizaccedilatildeo de uma postura

que na praacutetica eacute empirista283

279 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

280 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

281 Ver SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 185-186

282 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

283 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

68

231 Um Princiacutepio Teologal

Seguindo o que acabamos de apontar apresentaremos uma posiccedilatildeo de ordem factiacutevel

da parte de Justino passando a citar elementos que em nosso entendimento estabelecem as

provas desenvolvidas pelo Apologista em seu relato de defesa dos cristatildeos Retrataremos dois

contextos em que Justino apresenta sua iniciativa de modo contundente na busca de seus

objetivos O primeiro cenaacuterio se desenvolve apoacutes o autor terminar uma ilustre analogia entre

ldquodoutrinas estoicas e cristatildesrdquo284

A primeira prova eacute que quando dizemos tais coisas aos gregos somos os uacutenicos a

serem odiados pelo nome de Cristo e nos tiram a vida sem termos cometido crime

algum como se focircssemos pecadores E tendes alguns aqui e outros ali que cultuam

aacutervores rios ratos gatos crocodilos e uma multidatildeo de animais irracionais O

interessante eacute que nem todos cultuam os mesmos mas uns satildeo honrados num lugar

outros em outro de modo que todos satildeo iacutempios entre si por natildeo ter a mesma religiatildeo

Esta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que

voacutes e natildeo oferecemos libaccedilotildees e gorduras aos mortos natildeo colocamos coroas nos

sepulcros nem celebramos sacrifiacutecios sobre eles No entanto sabeis perfeitamente

que os mesmos animais por alguns satildeo considerados deuses por outros feras e por

outras viacutetimas para sacrifiacutecios285

A partir desta descriccedilatildeo passamos definitivamente a exposiccedilatildeo dos fatos que satildeo

contrastantes entre a praacutetica da feacute cristatilde e a ordem dos acontecimentos estabelecida nas

ocorrecircncias do meio secular ao redor da Igreja de Cristo isto porque o centro da coletividade

cristatilde (Assembleia Santa) era o que melhor distinguia exteriormente essa separaccedilatildeo

existencial286 A ecircnfase de Justino aplicada agrave realidade sociorreligiosa de seu tempo nos impotildee

a necessidade de uma adaptaccedilatildeo por meio de um delineamento de ordem temaacutetica isso devido

agrave diversidade de assuntos aos quais poderiacuteamos enfocar nesse exame pois a ldquoformalidade da

religiatildeo (pagatilde) manifestava-se de maneira diversardquo287 nos variados ciacuterculos sociais do mundo

greco-romano

O texto de Justino que estaacute depositado em uma genuiacutena literatura de estilo apologeacutetico

acaba ateacute mesmo por ganhar ares enfaticamente polemistas mesmo que esta definiccedilatildeo literaacuteria

do meio Patriacutestico seraacute apenas regulada sobre um escritor apologista a partir da figura de

284 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 8

285 JUSTINO I Apologia XXIV 1-3

286 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

287 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 20 grifo nosso

69

Tertuliano288 Isso porque a objetividade empregada por Justino natildeo visava unicamente

solicitar toleracircncia em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde mas tambeacutem evidenciar de forma categoacuterica direta e

especiacutefica uma superioridade do culto cristatildeo sobre as religiotildees pagatildes289

Deste modo de forma essencial entendemos que para uma melhor compreensatildeo do

contexto sugerido se faz necessaacuterio fracionaacute-lo Poreacutem devido agraves vaacuterias possibilidades de

argumentaccedilatildeo que a porccedilatildeo apresentada nos oferece decidimos concentrar nosso exame em

trecircs toacutepicos orientativos atraveacutes dos quais acreditamos ser possiacutevel desenvolver o escopo que

desejamos estes se condicionam a falta de valores absolutos a praacutetica da idolatria (na

concepccedilatildeo cristatilde) e as variaccedilotildees dos atos cuacutelticos que envolviam tal praacutetica mesmo que ambos

os casos apontados venham a se mesclar no seguimento de nosso relato textual devido sua

estreita relaccedilatildeo ldquosimbioacuteticardquo Os trecircs pontos nos conduzem de forma natural a uma reflexatildeo

historiograacutefica em torno do periacuteodo dos Seacuteculos I e II dC visando deste modo uma maior

clarificaccedilatildeo dos fatos que procuramos distinguir

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista

Iniciamos a nossa estruturaccedilatildeo apresentando um registro que descreve esse cenaacuterio

cuacuteltico pagatildeo o qual estaacute disponibilizado no texto da Escritura Sagrada Aproximadamente

100 anos antes290 desse registro de Justino o Apoacutestolo Paulo jaacute censurava enfaticamente a

mesma praacutetica religiosa que natildeo estranhamente estava vigorando na cultura social ateacute os dias

de Justino Quando o Apologista acusa seus oponentes de adorarem uma variedade

(pluralidade) de seres criados (ou a natureza) abre-se um paralelismo com o texto biacuteblico que

diz ldquoInculcando-se por saacutebios tornaram-se loucos e mudaram a gloacuteria do Deus incorruptiacutevel

em semelhanccedila da imagem de homem corruptiacutevel bem como de aves quadruacutepedes e repteisrdquo

(Romanos 122-23)

Justino argumenta sobre este cenaacuterio afirmando que o status de honra a estas diversas

ldquodivindadesrdquo passava por variaccedilotildees ndash ou ateacute mesmo vacilaccedilotildees ndash natildeo possuindo nenhum teor

de algo que poderiacuteamos afirmar como ldquoabsolutordquo Justino fortemente tambeacutem salienta que o

simples fator geograacutefico eacute capaz de destituir este aspecto de adoraccedilatildeo realidades

(contingenciais) que acabam por confrontar-se com o credo cristatildeo que jaacute possui seu conceito

bem estabilizado nos dias Justino Nisto nos auxilia o texto da Didaqueacute (possivelmente

288 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

289 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

290 GREATHOUSE In A Epiacutestola aos Romanos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

70

redigido no final do Seacuteculo I291) o qual confessa que ldquoTu Senhor Todo-poderoso criaste todas

as coisas por causa do teu Nomerdquo292 solidificando desde muito cedo o princiacutepio que mais

tarde293 seria absolutamente consolidado no Credo Apostoacutelico que iraacute reproduzir conteuacutedo

idecircntico ao afirmar ldquoCreio em Deus Pai todo-poderoso Criador do ceacuteu e da terrardquo294

Deste modo a nova feacute em curso concebia desde seus primoacuterdios um uacutenico ser todo-

poderoso que natildeo pode nem mesmo estaacute sensiacutevel a sofrer as variantes temporais descritas por

Justino Aleacutem disso o Apologista nos apresenta uma variaccedilatildeo de grau que poderiacuteamos definir

como ldquocaoacuteticardquo para uma postura humana em sua relaccedilatildeo com estes ldquoobjetosrdquo de culto pois

cita como premissa que o mesmo ldquoobjetordquo tem determinada condiccedilatildeo de qualidade superior

para alguns mas torna-se trivial e comum para outros295 algo impossiacutevel de ser adaptado ao

elemento divino do culto cristatildeo

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria

O outro ponto que desejamos destacar se aplica sobre a afirmaccedilatildeo de Justino ao dizer

ldquoEsta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que voacutesrdquo296

A enfaacutetica argumentaccedilatildeo de Justino salienta a natildeo participaccedilatildeo dos cristatildeos nas atividades

religiosas dos ciacuterculos sociais aos quais pertenciam Estas atividades que eram implementadas

pelo mito popular297 e pelas classes poliacuteticas controladoras298 acabavam por definir-se como

os ritos religiosos ldquooficiaisrdquo ndash aceitos permitidos e em alguns casos tolerados pelas

autoridades ndash no Impeacuterio Romano299 O culto aos diversos deuses e ao imperador romano

caracterizam bem esta diversidade mitoloacutegica300 Assim passamos para um fato literaacuterio que

em nosso entendimento fomenta bem essa ideia estruturada na realidade humana que

desejamos retratar O escrito a seguir de autoria de Pliacutenio o Velho produzido possivelmente

291 STORNIOLO BALANCIN In Introduccedilatildeo DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as

comunidades de hoje 2010 p 3

292 DIDAQUEacute X 3

293 SCHAFF The creeds of Christendom with a history and critical notes 1966

294 CREDO APOSTOacuteLICO 1ordm artigo (da criaccedilatildeo)

295 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89-90

296 JUSTINO I Apologia XXIV 2

297 Ver KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983 p 91-97

298 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

299 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

300 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993

71

em torno do ano 77 da era cristatilde301 nos expotildee por meio de um registro de tipo naturalista a

seguinte observaccedilatildeo quanto algumas praacuteticas ritualiacutesticas comuns ao cenaacuterio sociorreligioso de

entatildeo Pliacutenio assim escreve

Sacrificar animais sem oraccedilotildees natildeo funciona aparentemente nem produz a correta

relaccedilatildeo ritual com os deuses As foacutermulas variam uma para conseguir um bom

agouro uma segunda para evitar o mau agouro e uma terceira para cultuar as

divindades [] Ao usarmos as preces costumeiras nesse ritual admitimos a eficaacutecia

dessas foacutermulas comprovadas pela experiecircncia de 830 anos302

Cabe-nos dizer que Pliacutenio estava simplesmente retratando de maneira descritiva os

processos de ordem religiosa no meio social que estava inserido poreacutem o contexto claramente

nos sugere que Pliacutenio tambeacutem buscava salientar a ldquoimportacircncia do respeito agraves formalidades na

religiatildeo do Estadordquo303 Natildeo podemos esquecer que Pliacutenio como oficial e administrador romano

esteve inserido em diversas regiotildees do Impeacuterio304 o que nos possibilita afirmar que o registro

estaacute baseado em um amplo e avultado conteuacutedo experiencial e que portanto seu relato estaacute

condicionado a ser classificado como um ldquocaso geneacutericordquo de praacuteticas cuacutelticas das regiotildees

influenciadas pela cultura greco-romana

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo

Uma praacutetica que era corrente nos tempos de Justino e jaacute antes dele era o de definir os

cristatildeos ldquocomo culpados do crime de ateiacutesmordquo305 A natildeo-aderecircncia dos cristatildeos a essas praacuteticas

religiosas pagatildes eram vistas e entendidas por alguns (elite social)306 como atos de

irracionalidade mas principalmente eram interpretadas pelos pagatildeos (de forma geral) como

301 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

302 PLIacuteNIO Histoacuteria Natural XXVIII 10-12 No original Sacrificar animales sin oraciones no funciona

aparentemente ni produce la correcta relacioacuten ritual con los dioses Las foacutermulas variacutean una para conseguir un

buen aguumlero una segunda para evitar el mal aguumlero y una tercera para cultuar a las divinidades [] Al usar las

oraciones acostumbradas en ese ritual admitimos la eficacia de esas foacutermulas comprobadas por la experiencia de

830 antildeos

303 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 17 grifo nosso

304 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

305 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004 p 100

306 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004

72

accedilotildees que manifestavam uma evidente incredulidade307 ndash ou seja uma atitude de profundo

desrespeito ndash por parte dos cristatildeos agravequilo que era considerado como divino De ordem jaacute muito

habitual eram as acusaccedilotildees deste tipo junto agrave cultura greco-romana pois jaacute na antiguidade

algumas figuras de destaque como Soacutecrates foram alvos desse tipo de defraudaccedilatildeo

considerado de ordem moral para o periacuteodo

Voltemos ao caso de Soacutecrates pois este foi julgado aproximadamente 550 anos

antes308 de Justino escrever sua I Apologia vindo a receber por parte da parte de seus algozes

acusaccedilotildees de mesma ordem as quais os cristatildeos agora similarmente sofriam tal como Soacutecrates

que ldquodescobriu o embuste dos democircnios e os convidou (demais seres humanos) a procurar o

verdadeiro Deus por isso ele teve de morrer como maacutertirrdquo309 Justino cita-nos o fato dizendo

Quando Soacutecrates com raciociacutenio verdadeiro e investigando as coisas tentou

esclarecer tudo isso e afastar os homens dos democircnios estes conseguiram por meio

de homens que se comprazem na maldade que ele tambeacutem fosse executado como

ateu e iacutempio alegando que ele estava introduzindo novos democircnios Tentam fazer o

mesmo contra noacutes310

Entendemos que ainda se faz importante somar a estrutura dessa pesquisa o relato

redigido por Platatildeo referente ao processo de defesa e julgamento de seu mestre Nesse registro

apologeacutetico encontramos o diaacutelogo entre Soacutecrates e Ecircutrifron311 que comprova o fato juriacutedico

ocorrido na Greacutecia Antiga do qual citamos atraveacutes de Justino

Ecircutrifron ndash O que eu gostaria Soacutecrates mas receio que aconteccedila o contraacuterio Pois me

parece que ele simplesmente comeccedila por prejudicar a cidade pela lareira312 ao

tencionar fazer mal a vocecirc Mas me diga ele diz que vocecirc corrompe os jovens fazendo

o quecirc

307 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 84-86

308 Ver MALTA In Introduccedilatildeo Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

309 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 85 grifo nosso

310 JUSTINO I Apologia V 3 grifo nosso

311 Natildeo temos outras informaccedilotildees sobre Ecircutifron ndash um adivinho prognosticador conforme subtiacutetulo da obra ndash

aleacutem das que encontramos em Platatildeo Mas seu nome tinha um significado claro para os gregos ldquoo de espiacuterito

direto ou ortodoxordquo Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates 2008 p 25

312 A lareira (ou Heacutestia) representava enquanto fogo sagrado da cidade e de cada casa o princiacutepio da estabilidade

Com essa fala Ecircutifron deixa clara sua admiraccedilatildeo por Soacutecrates Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates

2008 p 27

73

Soacutecrates ndash Coisas estranhas admiraacutevel homem para se ouvir assim Pois diz que sou

fazedor de deuses e que por isso mesmo ndash por fazer novos deuses e natildeo crer nos

antigos ndash me denunciou conforme diz313

Ainda referente ao assunto ndash cristatildeos definidos como ateus e iacutempios pelos pagatildeos ndash

vale-nos destacar o ponto de vista de um historiador Santos contribui muito em nosso exame

que visa apontar fatos contrastante por meio de fenocircmenos de intoleracircncia religiosa ocorridos

no passado Santos afirma que as acusaccedilotildees de ateiacutesmo por parte dos pagatildeos tiveram uma

importante contribuiccedilatildeo junto agrave construccedilatildeo de uma ldquoidentidaderdquo cristatilde durante o periacuteodo do

Seacuteculo II314 Tratando-se pontualmente do que acabamos de mencionar Santos novamente

contribui favoravelmente a nossa construccedilatildeo quando diz

Justino continua explicando que como acusaram Soacutecrates de ateiacutesmo assim satildeo

acusados os cristatildeos por natildeo adorarem os deuses de Roma Em seguida ele apresenta

uma pequena profissatildeo de feacute com o objetivo de esclarecer que os cristatildeos natildeo satildeo

ateus pois ldquocultuamos e adoramosrdquo o Deus verdadeiriacutessimo o seu Filho os seus

exeacutercitos de anjos e o Espiacuterito profeacutetico (JUSTINO I Apologia VI 1 2) Vaacuterios

exemplos desta estrutura do desenvolvimento podem ser observados no decorrer da I

Apologia315

A variaccedilatildeo entre o caso de Soacutecrates e a realidade de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos reforccedila

as atribuiccedilotildees de Justino quanto a postura que este buscava assumir e automaticamente

diferenciar Quando aponta de maneira clara para o estabelecimento de um distanciamento

ldquosegurordquo entre as partes que na concepccedilatildeo do Apologista apresentam uma clara distinccedilatildeo de

culto No entanto Justino natildeo deixa de assumir a significativa importacircncia que as ldquoestruturasrdquo

de feacute representam como objeto para a estabilidade humana no sentido de gerar nessa

coletividade uma espeacutecie de harmonia que pode ser definida com o um termo moderno como

ldquoseguranccedila socialrdquo mas claro isso somente se faz possiacutevel devido agrave Justino assumir ser um

crente ndash afastando assim todas as acusaccedilotildees de ateiacutesmo ndash mas natildeo um idoacutelatra exercendo deste

modo (novamente por meio de sua tradicional ferramenta apologeacutetica) um consideraacutevel

apontamento para as diferenccedilas entre estes dois (ou mais) estados de crenccedila e culto Walde

313 PLATAtildeO Ecircutrifon (Sobre a piedade) 2

314 Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 Item

12 A apropriaccedilatildeo do estilo grego nos escritos e pregaccedilotildees p 31-38

315 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 p 108

grifo nosso

74

salienta bem esse enfoque comparativo que acabou por constituir uma espeacutecie de meacutetodo que

foi aplicado por Justino em sua verificaccedilatildeo entre as diferenccedilas que encontrou Desta forma

Walde resume seu entendimento

Parte do problema era uma maacute interpretaccedilatildeo da crenccedila cristatilde Por natildeo renderem culto

aos deuses gregos e romanos os cristatildeos eram chamados ateus Justino perguntou

como eles podiam ser ateus jaacute que eles rendiam culto ldquoao Deus verdadeirordquo Os

cristatildeos rendem culto ao Pai Filho e Espiacuterito Santo ele disse e ldquolhes datildeo homenagens

com razatildeo e verdaderdquo Justino tambeacutem apontou a inconsistecircncia dos governantes

romanos Alguns de seus proacuteprios filoacutesofos ensinaram que natildeo havia nenhum deus

mas eles natildeo os perseguiram soacute por terem o nome de filoacutesofos316

Aleacutem desses destaques de caraacuteter mais historiograacuteficos adquirimos atraveacutes do texto

biacuteblico o relato Apostoacutelico que certamente abarca os fatores que compotildeem a posiccedilatildeo de Justino

Este testemunho Sagrado retrata com esmero o que o autor de Atos dos Apoacutestolos buscava

comunicar ao seu status quo pois o discurso de Paulo em Atenas torna-se esclarecedor para o

fim de testificar o estado e o tipo da feacute que os cristatildeos confessavam Vemos nisso proposta uma

relocaccedilatildeo do ser humano em direccedilatildeo a nova concepccedilatildeo de se ser a geraccedilatildeo de Deus ndash atraveacutes

da nova criaccedilatildeo ndash pois os procedimentos dos cultos pagatildeos contrariavam os princiacutepios

fundamentais deste Deus absoluto uacutenico e consequentemente a isso verdadeiro na visatildeo de

Justino sendo absolutamente ldquotolice pensar que a divindade ndash lsquoo divinorsquo ou lsquodivinalrsquo ndash seria

semelhante agraves imagens de ouro ou de prata feitas pelos homensrdquo317 O Texto Sagrado

indiscutivelmente apresenta o caminho e o fundamento pelo qual Justino alcanccedilou e sustentava

suas convicccedilotildees

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe sendo ele Senhor do ceacuteu e da terra

natildeo habita em santuaacuterios feitos por matildeos humanas Nem eacute servido por matildeos humanas

como se de alguma coisa precisasse pois ele mesmo eacute quem a todos daacute vida

respiraccedilatildeo e tudo mais [] Sendo pois geraccedilatildeo de Deus natildeo devemos pensar que

a divindade eacute semelhante ao ouro agrave prata ou agrave pedra trabalhados pela arte e

imaginaccedilatildeo do homem (Atos dos Apoacutestolos 17242529)

Apoacutes discorrermos sobre o meacuterito da questatildeo dos disciacutepulos de Jesus Cristo serem ou

natildeo ateus e tambeacutem de abordarmos com uma finalidade dissertativa algumas caracteriacutesticas de

316 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 3 grifo nosso

317 EARLE In Livro dos Atos dos Apoacutestolos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 343

75

ordem cultual do meio pagatildeo seguiremos explorando algumas citaccedilotildees de Justino que se

apresentam de forma diversificada em sua tentativa de enfatizar um latente antagonismo entre

os grupos religiosos de seu tempo

232 Um Princiacutepio Determinista

Os capiacutetulos XXV e XXVI da I Apologia nos apresentam inuacutemeras variaccedilotildees desses

haacutebitos religiosos todos sentenciados por nosso autor como nefastos porque Justino sempre

buscava afirmar como ponto inicial de sua argumentaccedilatildeo a premissa de que seu grupo (cristatildeos)

se diferencia dos demais por natildeo possuir as mesmas praacuteticas Essas praacuteticas pagatildes de culto no

entendimento de Justino fossem exercidas de maneira ordinaacuteria ou extraordinaacuteria por seus

seguidores no final incontestavelmente seriam condenadas pois se manifestariam como obras

demoniacuteacas Isso ocorria porque alguns ldquodemocircnios levaram certos homensrdquo318 a praticaacute-las

para prejuiacutezo dos cristatildeos sendo estes por fim injustamente acusados de praacuteticas danosas

Euseacutebio ao comentar sobre o ministeacuterio de Justino retrataraacute este contexto de forma

simposiasta

Isto eacute demonstrado por Justino que se distinguiu em nossa doutrina natildeo muito tempo

depois dos apoacutestolos e de quem exporemos oportunamente o que seja conveniente

Em sua primeira Apologia dirigida a Antonino em favor de nossa feacute escreve como

segue ldquoE depois da ascensatildeo do Senhor ao ceacuteu os democircnios levaram alguns homens

a dizer que eram deuses e estes natildeo somente natildeo foram perseguidos por voacutes mas ateacute

foram considerados dignos de honrasrdquo319

Nos capiacutetulos XXIV-XXVI Justino nos retrata de maneira sintetizada diversas

caracteriacutesticas da religiatildeo gentiacutelica de sua eacutepoca Ateacute aqui natildeo encontramos nada de novo ou

ateacute mesmo excepcional neste tipo de relato mas o que nos chama a atenccedilatildeo neste

enquadramento analiacutetico sobre o qual estamos ponderando eacute a proporccedilatildeo temaacutetica que o

assunto ganha referente agrave sua futura fundamentaccedilatildeo literaacuteria Cabe-nos aqui atestar que Justino

se utiliza de trecircs elementos indicativos naquilo que procura apresentar como casos evidentes da

perseguiccedilatildeo social para com aqueles que se denominavam cristatildeos Justino atraveacutes de uma

espeacutecie de ldquolista numeradardquo320 notoriamente sinaliza uma sequecircncia de fases as quais

318 JUSTINO I Apologia XXVI 1

319 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2-3

320 Justino se utiliza dos termos gregos Πρωτον (Em primeiro lugar) no cap XXIV Δεύτερον (Em segundo lugar)

no cap XXV Τρίτον (Em terceiro lugar) no cap XXVI Sendo os vocaacutebulos empregados pelo autor na segunda

76

Frangiotti chama de ldquoProvasrdquo321 utilizadas pelo Apologista sendo que estes fatos em

perspectiva geral se apresentavam de maneira tenebrosa na visatildeo de Justino pois em sua

anaacutelise sustentavam-se sobre argumentos fraacutegeis duvidosos e absolutamente injustos

principalmente pelo fato dessas acusaccedilotildees possuiacuterem um caraacuteter preconceituoso fazendo

somente dos cristatildeos por princiacutepio legal as viacutetimas dessas regras estabelecidas

Neste breve conjunto propositivo encontramos um cenaacuterio real que passa a se

caracterizar por meio de uma descriccedilatildeo de fatos pujantes que ascendem ao nosso olhar atraveacutes

de uma linguagem conceitual Justino amparado por analogias literais passa mediante sua

construccedilatildeo da defesa da moral cristatilde322 a utilizar-se de accedilotildees dialeacuteticas as quais levam as

praacuteticas dos cultos pagatildeos a serem apontadas por Justino (especialmente no capiacutetulo XXV) e

tambeacutem examinadas de uma maneira imperativa mesmo que visando uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria

para o entendimento de seus leitores Essa praacutetica literaacuteria eacute algo normalmente detectado junto

ao trabalho de um pensador com caracteriacutesticas platocircnicas pois estes ldquodisciacutepulosrdquo de Platatildeo

atraveacutes de uma confrontaccedilatildeo de imagens contraditoacuterias visavam chegar a ideias idecircnticas e

assim uniformizar o pensamento humano323

Entretanto esta conformidade natildeo era possiacutevel na anaacutelise de Justino pois os fatos

(praacuteticas pagatildes) natildeo possuiacuteam a ldquoidentidaderdquo necessaacuteria para o Apologista muito pelo

contraacuterio eram absolutamente antagocircnicos e inquestionavelmente se definiam como espuacuterios

aos olhos dos cristatildeos quando ponderados diante da doutrina cristatilde estabelecida pela

transmissatildeo e edificaccedilatildeo Apostoacutelica Deste modo a separaccedilatildeo essencial proposta pelo

Apologista torna-se ainda mais clara se confrontada com o comentaacuterio de Euseacutebio ao capiacutetulo

XXVI da I Apologia O Historiador constroacutei uma consideraacutevel argumentaccedilatildeo sobre uma figura

humana denominado Menandro o qual sendo participante de atos miacutesticos recebeu de Euseacutebio

o cognome de ldquoMagordquo

Tambeacutem Justino ao mencionar Simatildeo pela mesma razatildeo acrescenta uma relaccedilatildeo

sobre este outro dizendo ldquoSabemos tambeacutem que um certo Menandro tambeacutem

samaritano oriundo da aldeia chamada Caparatea depois de ser disciacutepulo de Simatildeo e

estando tambeacutem possuiacutedo por democircnios apareceu em Antioquia e com sua arte

maacutegica seduziu a muitos E convenceu seus seguidores de que natildeo morreriam Hoje

declinaccedilatildeo do acusativo permitem em sua traduccedilatildeo o emprego tanto da preposiccedilatildeo ldquoemrdquo quanto do substantivo

ldquolugarrdquo condicionando desta forma uma indicaccedilatildeo de relaccedilatildeo e loacutegica em sua estrutura organizacional Ver

PAUTIGNY In Notes Apologies XXVI 1 XXV 1 XXVI 1

321 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 21

322 JUSTINO I Apologia XXV 1-3

323 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

77

restam alguns de sua seita que continuam a professaacute-lordquo Era sem duacutevida obra da

influecircncia diaboacutelica lanccedilar matildeo de tais feiticeiros revestidos do nome de cristatildeos para

esforccedilar-se em caluniar o grande misteacuterio de piedade acusando de magia e destruir

por meio deles os dogmas da Igreja sobre a imortalidade da alma e a ressurreiccedilatildeo dos

mortos Mas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedila324

Neste comentaacuterio histoacuterico notamos com clareza a relaccedilatildeo de contribuiccedilatildeo que

Euseacutebio visa estender ao confronto apologeacutetico pelo qual Justino havia passado Desta maneira

acaba por nos manifestar seu condicionamento a um fato que em sua concepccedilatildeo parece-nos

claramente a expressatildeo de um princiacutepio pelo qual faz emergir um compromisso ndash algo que nos

soa como uma necessidade moral ndash que possui um caraacuteter imperioso Euseacutebio nos relata sem

restriccedilotildees que as accedilotildees maleacutevolas praticadas pelo meio sociorreligioso pagatildeo do periacuteodo de

Justino tinham claramente o objetivo de ldquocaluniar o grande misteacuterio de piedade [] e destruir

por meio deles os dogmas da Igrejardquo325 constituindo deste modo a noccedilatildeo histoacuterica de que os

valores da feacute cristatilde eram a expressatildeo perfeita da Verdade tanto para Justino quanto para a Igreja

(representada historicamente no relato de Euseacutebio) Tratando-se quanto agrave Igreja nesta questatildeo

pontualmente Justino entendia que em seu curso natural a Igreja vivenciava naturalmente essa

relaccedilatildeo dialeacutetica fazendo com que as difamaccedilotildees consequentes da falsa religiatildeo manifestassem

que a Igreja era (e estava) Santa mesmo que sob o ataque e a tentativa de manipulaccedilatildeo dos

seres demoniacuteacos326

Sem entrarmos diretamente no meacuterito teoloacutegico destas afirmaccedilotildees mas buscando nos

direcionarmos para aquilo que nos cabe como exame pretendido neste trabalho ressaltamos

que o comportamento daqueles que buscavam defender a feacute cristatilde nos parece visar de forma

clara o estabelecimento de um padratildeo entre causa e efeito em suas anaacutelises O efeito do

procedimento daqueles que assumiram esta postura hereacutetica em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde eacute assim

definido por Euseacutebio ldquoMas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedilardquo327 Aqui encontramos um destaque consideraacutevel para esta pesquisa pois

podemos sustentar que Euseacutebio baseia sua argumentaccedilatildeo de maneira evidente na

intelectualidade de Justino Logo devemos novamente afirmar de maneira expressiva que tanto

para Justino quanto para Euseacutebio havia uma definiccedilatildeo consistente do que seria a Verdade como

324 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 3-4

325 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4

326 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

327 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4 grifo nosso

78

tambeacutem onde ela necessariamente estava eou se encontrava Aqui tambeacutem se caracterizava

um processo de objeccedilatildeo a Verdade sendo os registros historiograacutefico um peso consideraacutevel na

comprovaccedilatildeo deste caso

233 Um Princiacutepio de Pureza

Seguindo no tratado de Justino jaacute nos dirigindo ao segundo cenaacuterio de nossa anaacutelise

para este item apresentamos mais um relato de alccedilada histoacuterica que eacute proposto por nosso autor

Como nos temas anteriores este tambeacutem envolve primordialmente questotildees de foro social

poreacutem agora apontando precisamente para outras realidades do ambiente sociorreligioso que

envolvia a realidade de Justino Sendo assim a partir deste ponto iremos considerar o capiacutetulo

XXVII da I Apologia onde encontramos uma postura determinante por parte do Apologista

quanto a questotildees de ordem para com agrave conduta sexual humana Neste caso especiacutefico podemos

ateacute mesmo falar de um padratildeo de comportamento a ser adotado em detrimento de outro328

Tambeacutem devemos afirmar sem constrangimento que para Justino fazer figurar esta

exposiccedilatildeo era algo vaacutelido e ateacute mesmo fundamental para suas intenccedilotildees apologeacuteticas pois tudo

nos indica que ele natildeo apenas queria sinalizar uma conduta mas tambeacutem solidificaacute-la por meio

de um ordenamento ldquoA pureza da vida cristatilderdquo329 Entendemos que para uma melhor

compreensatildeo dessa questatildeo em especiacutefico se faz necessaacuterio uma leitura completa do registro

apologeacutetico de Justino quanto ao assunto Deste modo segue na integra o capiacutetulo XXVII da I

Apologia

Noacutes por outro lado a fim de natildeo cometer pecado ou impiedade professamos a

doutrina de que expor os receacutem-nascidos eacute obra de perversos Primeiro porque vemos

que quase todos vatildeo acabar na dissoluccedilatildeo natildeo soacute as meninas mas tambeacutem os

meninos Do mesmo modo como se conta que os antigos mantinham rebanhos de bois

cabras ovelhas ou cavalos de pasto assim se reuacutenem agora rebanhos de crianccedilas com

a uacutenica finalidade de usar torpemente delas e toda uma multidatildeo tanto de mulheres

como de androacuteginos e pervertidos estaacute preparada em cada proviacutencia para semelhante

abominaccedilatildeo Para isso recolheis taxas contribuiccedilotildees e tributos ao passo que o vosso

dever seria o de arrancaacute-las pela raiz do vosso impeacuterio Quando se abusa de tais seres

aleacutem de tratar de uma uniatildeo proacutepria de pessoas sem Deus iacutempia e torpe natildeo faltaraacute

quem se una conforme a circunstacircncia com um filho um parente ou um irmatildeo Haacute

tambeacutem aqueles que prostituem seus proacuteprios filhos e mulheres outros mutilam-se

publicamente para a torpeza e referem esses misteacuterios agrave matildee dos deuses Finalmente

em todos aqueles que considerais como deuses a serpente se pinta como siacutembolo e

grande misteacuterio E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o

atribuiacutes a noacutes como se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia

328 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

329 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

79

como estamos livres por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam

nenhum dano ao contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda

levantam falso testemunho contra noacutes330

O conteuacutedo exposto no capiacutetulo XXVII nos retrata uma condiccedilatildeo muito conflituosa

para os cristatildeos Graccedilas agrave sua praxis fidei eles chegaram a ser considerados ldquoinimigos do estado

e ateusrdquo331 A Igreja em sua fase primitiva teve em seu ldquoexerciacutecio de feacuterdquo a acusaccedilatildeo de se

envolver amplamente com a imoralidade de seu meio cultural332 No entanto a situaccedilatildeo que

Justino enfrentava em seus dias natildeo era mais proveniente de uma solene admoestaccedilatildeo

Apostoacutelica Pelo contraacuterio agora os cristatildeos passaram a ser vitimados por efeitos de um estado

opressor No passado estes pecados haviam afligido a Igreja de Cristo a ponto de suas praacuteticas

lituacutergicas serem ldquoconfundidasrdquo com as muitas facetas do rito religioso natildeo-cristatildeo vigente em

sua eacutepoca algo que Justino se interpocircs de forma vertiginosa Sem termos a intenccedilatildeo de produzir

necessariamente um apanhado histoacuterico-cultural (entenda-se de se comentar detalhadamente o

capiacutetulo citado) procuraremos a partir deste ponto estabelecer agrave saliecircncia que entendemos

haver entre as praacuteticas descritas no capiacutetulo XXVII pois a descriccedilatildeo elementar de Justino nos

leva a uma singular oposiccedilatildeo de valores e preceitos considerados por ele como fundamentais

A cultura greco-romana alicerccedilada e solidificada nas entranhas do Impeacuterio nos

demonstra uma coletividade de fatos os quais eram considerados inoacutespitos ao ldquoideaacuteriordquo cristatildeo

que se encontrava estruturado no rigor das comunidades do Seacuteculo II333 Obviamente alguns

desvios de conduta por parte dos fieacuteis ocorriam em meio agraves ldquoassembleiasrdquo cristatildes ateacute mesmo

com certa normalidade especialmente nos grandes centros urbanos334 Entretanto a proteccedilatildeo

da disciplina eclesiaacutestica ndash principalmente mediante a accedilatildeo Episcopal e dos rigores penitenciais

ndash conseguia estabelecer um ldquocontrolerdquo por meio da manutenccedilatildeo da autecircntica doutrina de

Cristo335

Neste cenaacuterio as diversas praacuteticas religiosas pagatildes atreladas ao sistema social de entatildeo

ndash as quais envolviam de maneira ampla e robusta a vida cotidiana dos suacuteditos de Roma em

330 JUSTINO I Apologia XXVII 1-5

331 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

332 Ver 1 Coriacutentios 5

333 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

334 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

335 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

80

suas mais variadas atuaccedilotildees familiar civil militar etc336 ndash apontavam de forma depreciativa

para o puacuteblico cristatildeo O cristianismo nesse momento cada vez mais inserido na realidade

social do Impeacuterio trazia o ldquofermento de um ideal superiorrdquo337 elaborado tanto no niacutevel

intelectual de seus praticantes quanto tambeacutem no de seus defraudadores Isso fazia com que a

feacute cristatilde acabasse por se distinguir de forma evidente dos diversos haacutebitos e costumes

considerados ordinaacuterios do sistema religioso natildeo-cristatildeo que estava sendo analisado e

apologeticamente combatido por Justino

Os cristatildeos eram acusados falsamente de cometerem torpezas sexuais em seus

encontros cultuais sendo que os cristatildeos nem de perto praticavam fornicaccedilatildeo adulteacuterio

mutilaccedilatildeo entre outros atos repugnantes338 que eram comuns na ldquoliturgiardquo cuacuteltica pagatilde Neste

cenaacuterio para Justino a pior consequecircncia ainda era a de que o Impeacuterio tolerava tais atos sem

nenhuma forma ativa de puniccedilatildeo a estes pois caso um respectivo modo de culto viesse a trazer

benefiacutecios poliacuteticos ao Impeacuterio o mesmo era tolerado sem se levar em conta sua origem ou

meacutetodos de celebraccedilatildeo por mais esdruacutexulos que fossem 339

Seguindo ainda nesta temaacutetica a I Apologia nos permite afirmar que a celeuma de

origem pagatilde que procurava acusar os cristatildeos de realizarem orgias canibalismo pedofilia e

diversos outros atos de torpeza em suas celebraccedilotildees natildeo passava de um plano difamatoacuterio que

infelizmente conseguiu se estabelecer em meio a uma realidade sociorreligiosa com

caracteriacutesticas muito preconceituosas pois mesmo sendo sincretista em sua essecircncia340 tal

sociedade natildeo soube ou natildeo quis reconhecer esse tipo de crenccedila religiosa341 Poreacutem cabe-nos

336 CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

337 LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V II Dalla fine

dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) 1972 p 619 No original fermento drsquoun ideale superiore

338 Ver DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio

Magno Petroacutepolis Vozes 1966 p 105-109

339 Algumas formas rituais de culto eram tatildeo bizarras que solapam mais do que qualquer outra coisa o estereoacutetipo

moderno dos romanos como convencionais e serenos Exemplo disso na festa da Lupercaacutelia em fevereiro homens

jovens corriam nus pela cidade accediloitando qualquer mulher que encontrassem pela frente (trata-se da mesma festa

recriada na cena de abertura da peccedila Juacutelio Ceacutesar de Shakespeare) Ver BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma

Antiga 2017 p 104

340 AYMARD AUBOYER Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da Unidade Romana (Fim) A Aacutesia

Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II 1994 p 64-65 CORNELL Tim MATTHEWS John

Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio 2008 p 97

341 Neste aspecto em particular o meio teoloacutegico diverge de posiccedilatildeo possivelmente devido a inclinaccedilatildeo do

pesquisador em ponderar aspectos filosoacuteficos eou ideoloacutegicos tanto do passado quanto do presente para a eacutepoca

(Seacuteculo II) em anaacutelise Por exemplo Meeks entende que as caracteriacutesticas da moralidade estabelecida entre os

cristatildeos jaacute possuiacuteam forte ascendecircncia em meio a setores da sociedade Romana em contraposiccedilatildeo Daniel-Rops

atesta que a moralidade de origem cristatilde constituiacuteda atraveacutes dos Seacuteculos I ao IV natildeo encontra antecedentes agrave altura

que possam ser considerados como paralelos realmente orientativos haacute esta Ver MEEKS As Origens da

Moralidade Cristatilde 1997 p 9-24 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240-242

81

ressaltar que Justino em seus tratados apologeacuteticos procurou incansavelmente defender seu

grupo como ldquoseres transformadosrdquo que abandonaram as praacuteticas repugnantes e agora satildeo

portadores (possuidores) de uma alta qualificaccedilatildeo moral Quanto a esse aspecto Walde afirma

Justino tambeacutem deu ecircnfase agrave casta conduta dos cristatildeos em resposta a acusaccedilotildees de

conduta imoral durante o culto Para mostrar como isso natildeo era verdade ele contou a

histoacuteria de um homem que foi perguntado por um cirurgiatildeo que o queria fazecirc-lo de

eunuco para provar que os cristatildeos natildeo praticam promiscuidade O pedido foi negado

porque o homem escolheu ficar solteiro e seguir seus companheiros cristatildeos342

Apoacutes utilizarmos desse exemplo de teor absolutamente imperativo ndash por sua estrutura

excecircntrica ateacute mesmo junto a um nicho de caraacuteter sociorreligioso considerado peculiar em

suas caracteriacutesticas Entendemos que ainda se faz necessaacuterio apresentar junto a essa discussatildeo

uma abordagem que compreenda a realidade que procuramos descrever Encontramos esse

complemento junto ao trabalho de Walde Este por meio de uma entrada que nos indica agrave leitura

de alguns fatos apresenta-nos uma das teacutecnicas utilizadas por Justino em sua construccedilatildeo

literaacuteria Walde reconhece que o Apologista ao mencionar a situaccedilatildeo religiosa de seu cotidiano

aborda de forma contundente o desgaste entre os praticantes da nova feacute (cristatildeos) e os

adoradores do ldquopanteatildeordquo (natildeo-cristatildeos) Os exemplos descritos por Walde satildeo similares aos

usados por Justino e esta similaridade nos leva novamente a concentrarmos nosso foco agrave uma

accedilatildeo comparativa de estados opostos entre si ou seja dialeacuteticos Sendo assim torna-se notoacuterio

desde o iniacutecio do trabalho de Walde a aplicaccedilatildeo de uma metodologia comparativa e a

diferenciaccedilatildeo de casos tornando-se uma espeacutecie de ldquoconclusatildeordquo definitiva para esse processo

Uma das taacuteticas apologeacuteticas de Justino era contrastar o que os cristatildeos eram

falsamente acusados e castigados com que os romanos faziam com impunidade Por

exemplo os cristatildeos eram acusados de matar crianccedilas em seus cultos e comecirc-las

depois Justino lembrava que os adoradores de Saturno se entregavam a matar e beber

sangue e outros pagatildeos que jogavam sangue de homens e animais em seus iacutedolos Os

cristatildeos eram acusados de imoralidade sexual mas eram seus criacuteticos Justino dizia

quem imitavam ldquoJuacutepiter e os outros deuses na sodomia e relaccedilotildees pecadoras com

mulheres343

342 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

343 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

82

Ao analisarmos o texto de Walde percebemos que este utiliza-se do verbo ldquocontrastarrdquo

em sentido intransitivo para salientar com bastante preponderacircncia uma forma calculada de

oposiccedilatildeo e apresentar uma literal contrariedade de estados em essecircncia Logo conseguimos

notar a diferenccedila entre estes Eacute impressionante aos nossos olhos a relaccedilatildeo que Walde estabelece

em seu trabalho sobre o termo Verdade (mesmo que indiretamente) sendo este vocaacutebulo

utilizado como habilitador de uma caracteriacutestica de cunho existencial que passa a ser

manifestada pelos cristatildeos Novamente citamos este teoacutelogo em nossa busca de clarificar ainda

mais essa base indicativa que para noacutes eacute entendida como uma evidecircncia concreta nesta

construccedilatildeo conceitual Walde diz ldquoEm primeiro lugar disse Justino os cristatildeos demonstravam

sua honestidade por natildeo mentir quando em julgamento Por serem pessoas da verdade eles

confessariam sua feacute ateacute a morte Eles amavam a verdade mais que a vidardquo344

Portanto Walde tem razatildeo em afirmar que a atitude ldquode viver segundo a verdade era

um exemplo de mudanccedila provocado nas vidas das pessoas seguindo sua conversatildeordquo345 Desta

forma compreendemos por meio de uma avaliaccedilatildeo baseada em medidas factiacuteveis que haacute

possibilidade de se ser cristatildeo na concepccedilatildeo de Justino ndash como tambeacutem na de Tertuliano

Euseacutebio Walde e outros ndash passava por um proceder de vida que designava com eloquecircncia

atributos de diferenciaccedilatildeo no contexto social ativo da cultura a qual esta pessoa estava inserida

Esta separaccedilatildeo de maneira simples e evidente se condicionava no testemunho de vida dos fieacuteis

na esfera puacuteblica Cabe-nos ainda neste contexto colocarmos a frase de Falls citada por Walde

este diz ldquoesta mudanccedila chegou a ser conhecida como lsquoa triunfal canccedilatildeo dos apologistasrsquordquo346

Encerramos aqui nosso desenvolvimento deste ponto distintivo referente agravequilo que

poderiacuteamos denominar de ldquodialeacutetica de Justinordquo Para isso utilizamos de um texto da I

Apologia no qual Justino enfatiza esta mudanccedila essencial entre as vidas humanas que

caracterizamos como cristatildeos e natildeo-cristatildeos Em seguida classificamos agrave realidade cristatilde

como algo superior atraveacutes do meacutetodo de comparaccedilatildeo que tanto utilizamos nesta seccedilatildeo

confrontando os opostos em uma relaccedilatildeo que atesta suas diferenccedilas as quais satildeo consideradas

por Justino como irreconciliaacuteveis

Antes noacutes nos compraziacuteamos na dissoluccedilatildeo agora abraccedilamos apenas a temperanccedila

antes nos entregaacutevamos agraves artes maacutegicas agora nos consagramos ao Deus bom e

ingecircnito antes amaacutevamos acima de tudo o dinheiro e as rendas de nossos bens

344 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

345 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

346 FALLS The Fathers of the Church 1948 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

83

agora colocamos em comum o que possuiacutemos e disso damos uma parte para todo

aquele que estaacute necessitado antes noacutes nos odiaacutevamos e nos mataacutevamos mutuamente

e natildeo compartilhaacutevamos o lar com aqueles que natildeo pertenciam agrave nossa raccedila pela

diferenccedila de costumes agora depois da apariccedilatildeo de Cristo vivemos todos juntos

rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem

injustamente a fim de que vivendo conforme os belos conselhos de Cristo tenham

boas esperanccedilas de alcanccedilar conosco os mesmos bens que esperamos de Deus

soberano de todas as coisas347

O objetivo deste capiacutetulo foi apresentar de modo sinteacutetico o conceito acerca dos

cristatildeos no periacuteodo do Seacuteculo II dC Tambeacutem arguimos com clareza sobre a tentativa de

clarificarmos a situaccedilatildeo daqueles que natildeo eram pertencentes a este grupo os quais procuramos

mediante a aplicaccedilatildeo de uma distinccedilatildeo elementar defini-los com o termo de natildeo-cristatildeos

poreacutem acima de tudo buscamos apresentar por meio de sinais constitutivos e fatos

historiograacuteficos348 quais eram os predicativos que formulavam esta definiccedilatildeo ou melhor

dizendo quais eram os qualificadores que definiam aqueles que eram seguidores da Verdade

na concepccedilatildeo de Justino e outros349

No proacuteximo capiacutetulo buscaremos vislumbrar o filoacutesofo Justino Apresentaremos um

conciso relato de sua histoacuteria na filosofia procurando abordar de maneira satisfatoacuteria quais

foram suas principais influecircncias dentro desse segmento Trabalharemos de forma especial na

tentativa de apontar qual foi a sua definiccedilatildeo sobre o uso da razatildeo para os planos salviacuteficos de

Deus para a humanidade sendo este em nosso entendimento mais um dos fatores determinantes

para a complementaridade de nosso exame sobre a definiccedilatildeo da Verdade junto a I Apologia de

Justino o Maacutertir

347 JUSTINO I Apologia XIV 2-3

348 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966

349 Danieacutelou e Marrou definem agrave Euseacutebio e Lactacircncio como apologistas de Constantino dando a entender que

uma poliacutetica de reeducaccedilatildeo na esfera sociorreligiosa do Impeacuterio Romano se desenvolveu mediante uma nova

abordagem dos fatos do passado no caso em especifico (I Apologia de Justino e seu cenaacuterio social) os imperadores

do passado deixaram de ser ldquoendeusadosrdquo passando a serem reconhecidos como tiranos e deacutespotas aos quais o

processo de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos tornou-se em um de seus principais atos de ignomiacutenia Ver DANIEacuteLOU

MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p 106

84

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra350

Partindo do capiacutetulo XXVIII da obra base de Justino para este trabalho eacute que

desenvolvemos o capiacutetulo III desta pesquisa no qual apresentamos um cenaacuterio diferenciado

sobre a figura humana de nosso autor O cristatildeo Justino o qual podemos registrar de forma

variaacutevel mediante seu ldquomeacutetierrdquo amplo estaacute classificado entre os Pais Apologistas elencado

como um seleto articulador da importante cidade de Roma catalogado como um dos mais

significativos maacutertires do Seacuteculo II mas tambeacutem estaacute sem nenhuma sombra para duacutevidas

definido nos compecircndios histoacutericos como um expressivo filoacutesofo do meio cristatildeo

Este aspecto pontual referente a intelectualidade de Justino por jaacute ter sido

consideravelmente explorado natildeo eacute mais uma novidade no meio acadecircmico351 no entanto esta

questatildeo ainda pode ser desenvolvida e ateacute mesmo arquitetada para fins que visam estabelecer

pontos de conexatildeo entre temas diversos os quais incluem o tema e agrave objetividade central

propostos para esta pesquisa

Podemos constatar por meio da anaacutelise do desenvolvimento da expressatildeo intelectual

de um filoacutesofo ou de uma escolalinha filosoacutefica uma ampla polissemia locucional e ateacute mesmo

perceber casos opostos quando ocorrem no estabelecimento de algumas propriedades termos

diferentes que evoluiacuteram para uma mesma fonologia construindo desta maneira tambeacutem casos

de homoniacutemia dentro da manifestaccedilatildeo filosoacutefica352 Deste modo torna-se possiacutevel ndash e ateacute

mesmo necessaacuterio ndash direcionar o caraacuteter conceitual contido em algumas expressotildees filosoacuteficas

quando estas satildeo analisadas visando estabelecer uma direccedilatildeo que busque esclarecer

determinado contexto ou cenaacuterio Assim por este meio podemos salientar que assaz entre noacutes

350 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4a grifo nosso

351 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27-32

352 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

85

fortes indiacutecios que Justino desenvolveu uma postura robustamente teoloacutegica mediante ter

formado sua tese atraveacutes da ldquodiversidade filosoacuteficardquo da qual era apreciador353

No caso de nosso trabalho em especiacutefico notamos a necessidade da integraccedilatildeo de

indicadores que nos orientem agrave amplitude da filosofia de Justino em nossa busca da definiccedilatildeo

da que era agrave Verdade para este Apologista Esta amplitude natildeo visa se desviar de modelos

tradicionais nem propriamente somar a eles mas antes disso entendemos ser necessaacuterio

rejeitar a ideia de que trabalhamos com um conceito formado precariamente sem um

fundamento soacutelido o qual poderiacuteamos considerar como um mero estereoacutetipo sem originalidade

Ao contraacuterio este modelo encontrado em Justino natildeo se baseia em preconceitos mas sim num

corpo intelectual de ldquotalento respeitaacutevel ampla leitura e memoacuteria enormerdquo354 algo que eacute notoacuterio

na literatura de Justino e exposto ateacute entatildeo com uma consideraacutevel parcela de originalidade355

Neste exposto algumas interrogaccedilotildees nos surgem especialmente quando tentamos

descrever (definir) o filoacutesofo Justino e sua contribuiccedilatildeo Aqui esboccedilamos alguns destes

questionamentos Quem era Justino o filoacutesofo Quais foram as principais influecircncias que

Justino recebeu na filosofia Qual resultado se percebe na teologia do autor devido a esta

influecircncia Por fim existe um condicionante (entenda-se uma caracteriacutestica inata) no ser

humano que explique tal interesse de Justino em expressar seu conceito

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII

O capiacutetulo XXVIII da I Apologia eacute de grande importacircncia para esta pesquisa

inaugurando por assim dizer um significativo espaccedilo de reflexatildeo na busca de alcanccedilarmos o

desfecho que almejamos Num breve conjunto de argumentos os quais se concentram sobre

um rigor metodologicamente dedutivo o capiacutetulo XXVIII nos eacute apresentado pelo Apologista

de modo perspiacutecuo onde a clareza de suas proposiccedilotildees salientam seus objetivos os quais

formulam-se mediante as propriedades de caraacuteter racionalista que ele apresenta Aqui notamos

uma aguccedilada aplicaccedilatildeo por parte do autor agravequilo que podemos chamar de uma postura

construtiva para com a estrutura inteligiacutevel do ser criado agrave imagem e semelhanccedila de Deus

353 WALDE 2000

354 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

355 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

86

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Frangiotti podemos afirmar baseados nesse espaccedilo (cap XXVIII)

que Justino entendia que ldquoO homem eacute racional e livrerdquo356

Neste capiacutetulo (XXVIII) Justino desenvolve uma condensada e pragmaacutetica

abordagem envolvendo os quatro versiacuteculos que o compotildee Diante disso em momento algum

nossa argumentaccedilatildeo visa exaurir as diversas possibilidades contextuais ndash seja num campo

hermeneuticamente literal anaacutelogo ou metafoacuterico ndash do trabalho do Apologista mas apenas

organizaacute-lo de maneira ativa por meio de sua divisatildeo (versos) a um quadrante que possibilite

o interesse deste exame o qual se constroacutei na tentativa de aproximarmos as interpretaccedilotildees da

definiccedilatildeo de Verdade que detectamos em Justino de nosso interesse teoloacutegico

Neste item em especiacutefico (31) que visa uma abordagem introdutoacuteria desenvolvemos

em especial uma aproximaccedilatildeo entre os dois primeiros versiacuteculos do capiacutetulo onde priorizamos

apresentar sua estruturaccedilatildeo visando desta forma o aperfeiccediloamento destes pontos para

estabelecermos uma sentenccedila axiomaacutetica a qual eacute esboccedilada pelo autor no terceiro versiacuteculo do

relato Quanto ao primeiro versiacuteculo

Entre noacutes o priacutencipe dos maus democircnios se chama serpente satanaacutes diabo ou

caluniador como podeis ver caso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escrituras Ele e todo o seu exeacutercito juntamente com os homens que o seguem seraacute

enviado ao fogo para ser castigado pela eternidade sem fim coisa que foi de antematildeo

anunciada por Cristo357

A primeira impressatildeo para um leitor moderno dessa descriccedilatildeo eacute de surpresa ou ateacute

mesmo de espanto poreacutem o verso devidamente encaixado no relato que o antecede o explica

e ateacute mesmo o suaviza As palavras de Justino satildeo absolutamente biacuteblicas e estatildeo enquadradas

em um absoluto arcabouccedilo escrituriacutestico Honestamente devemos salientar que nada lhe falta

como meacutetodo para que possamos empregar o tiacutetulo de ldquoortodoxordquo em seu embasamento

teoloacutegico358 Pois seus termos empregados tais como o ldquopriacutenciperdquo359 a chamada ldquoserpenterdquo360

aleacutem das demais terminologias como ldquosatanaacutesrdquo361 ldquodiabordquo eou ldquocaluniadorrdquo362 apresentam-se

356 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

357 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

358 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

359 Ver Joatildeo 1231 1430

360 Ver Gecircnesis 31 2 Coriacutentios 113 Apocalipse 129

361 Ver Mateus 410 Atos dos Apoacutestolos 2618

362 Ver Mateus 411 Atos dos Apoacutestolos 1310

87

neste cenaacuterio apologeacutetico como evidecircncias elementares extraiacutedas da Escritura Sagrada e

aplicadas em uma construccedilatildeo dialeacutetica sendo estas ainda vinculadas por Justino como uma

sentenccedila arbitral agravequeles que estatildeo sendo expostos e julgados pelo Apologista ndash caracteriacutestica

literaacuteria que notamos ser amplamente utilizada por Justino na afirmaccedilatildeo de suas convicccedilotildees363

Aqui fomenta-se uma configuraccedilatildeo de ordem proacutepria a qual apresenta Justino como

um filoacutesofo que pode ser definido como pertencente a um grupo que adota uma postura mais

claacutessica de linha platocircnica ndash algo que seraacute mais bem desenvolvido a seguir ndash onde atributos

que caracterizem causa e efeito que partindo de um suposto ldquomundo sensiacutevelrdquo364 passam a

somar caracteriacutesticas evidentes em sua construccedilatildeo textual sendo o teacutermino do capiacutetulo XXVII

uma expliacutecita manifestaccedilatildeo de fatos que atestam essa correlaccedilatildeo tatildeo dura mas tambeacutem

necessaacuteria no processo de evidenciaccedilatildeo proposto por Justino

Mas eacute preponderante para natildeo se dizer essencial que a loacutegica do Apologista se baseia

em artifiacutecios nucleares pois quem diz ldquocaso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escriturasrdquo365 carrega consigo uma tonalidade de patentes e natildeo de meras suposiccedilotildees porque

a Verdade como elemento distinguiacutevel e diferencial eacute criteacuterio identificaacutevel na leitura de Justino

junto agravequilo que o mesmo salienta como sua (no caso do texto ldquonossardquo) ldquoEscriturardquo366 ou seja

sua preeminecircncia espiritual o que na descriccedilatildeo do Apologista deve ser entendida como uma

real vantagem distintiva sendo uma latente superioridade existencial para os homens que a

possuem Este ponto de prevalecircncia seraacute melhor abordado no uacuteltimo capiacutetulo desta pesquisa

Uma importante observaccedilatildeo ainda nos cabe fazer na parte final do primeiro verso

Antes mesmo de ocorrer os eventos conciliares de Niceacuteia eou Constantinopla a ecumenicidade

do Credo parece jaacute se caracterizar em uma forma de universalidade e um confessar da missatildeo

apostoacutelica jaacute anteriormente registrada no compecircndio biacuteblico se faz reverberar no ideaacuterio de

Justino Iniciamos nossa leitura do testemunho Apostoacutelico junto agrave estrutura biacuteblica O apoacutestolo

Judas escreveu ldquoele tem guardado sob trevas em algemas eternas para o juiacutezo do grande Dia

[] satildeo postas para exemplo do fogo eterno sofrendo puniccedilatildeordquo (Judas 6b7b) Nesta passagem

encontramos bases que se conformam ao relato de Justino que enfatiza que o proacuteprio Cristo as

havia anunciado367 Prosseguindo vemos que o Credo redigido anos depois iraacute afirmar o mesmo

363 DROBNER Manual de Patrologia 2008

364 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 84

365 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

366 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

367 Ver Joatildeo 1248

88

quando diz ldquoe viraacute novamente em gloacuteria a julgar os vivos e os mortosrdquo368 Natildeo nos resta duacutevidas

que a missatildeo apostoacutelica gerou a doutrina e consolidou o Credo369 mas passagens de ordem

Patriacutestica como esta salientam que o mesmo (Credo) tambeacutem balizou sua eficiecircncia atraveacutes da

ecircnfase da atuaccedilatildeo de homens que pela feacute natildeo sucumbiram agraves dificuldades370 pelo contraacuterio

salientaram com seu testemunho que estas propriedades de ordem atemporal miacutestica e

existencial foram e ainda eram a proacutepria forma da Verdade em meio aos homens

Quanto ao segundo verso eacute necessaacuterio algumas observaccedilotildees iniciais especialmente

em relaccedilatildeo ao ldquoteorrdquo teoloacutegico que Justino desenvolve nesta pequena porccedilatildeo a qual apresenta

dificuldades interpretativas consideraacuteveis junto ao acircmbito dogmaacutetico ndash independentemente da

estrutura confessional que a examine ndash sugerindo-nos desta forma apresentarmos uma sucinta

argumentaccedilatildeo antes de abordaacute-lo Entendemos que esse procedimento se faz necessaacuterio para

que natildeo aja em nossa construccedilatildeo conceitual-programaacutetica (caps XXIII-XXX) um ponto natildeo

devidamente abordado

Variados debates podem surgir a partir da ecircnfase destacada por Justino (verso 2 do

cap XXVIII) porque afirmaccedilotildees desta espeacutecie fomentam diversos tipos de interesses de ordem

miacutestica no caso em questatildeo (texto de Justino) podem inclusive alavancar questotildees

soterioloacutegicas por exemplo Algumas anaacutelises ldquomodernasrdquo371 se esforccedilam atualmente em

descrever a figura de Justino como ocupante empregador defensor ou ateacute mesmo praticante

de uma ou outra escola teoloacutegica do cenaacuterio cristatildeo atual Entretanto optamos por natildeo abranger

este e outros contextos nesta pesquisa por entendermos que estes assuntos e temas natildeo se

envolvem diretamente com o ponto central de nosso trabalho Aleacutem de reconhecermos outra

dificuldade que nos parece ser muito significativa neste tipo de situaccedilatildeo a de se incorrer no

grave risco de se cometer um anacronismo textual histoacuterico e teoloacutegico372 e desta forma

sugerir um teoacuterico dilema teoloacutegico que para Justino e seus contemporacircneos possivelmente

natildeo era nem sequer um problema doutrinal

Passando agora efetivamente ao texto este diz ldquoNa verdade a paciecircncia que Deus

mostra em natildeo fazecirc-lo imediatamente tem como causa o seu amor pelo gecircnero humano pois

ele prevecirc que alguns se salvaratildeo pela penitecircncia entre os quais alguns que talvez ainda natildeo

368 CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO 7ordm Artigo

369 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

370 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

371 Ver SANTOS Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano 2014 Disponivel em

httpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminiano

372 VIRKLER Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica 2001

89

tenham nascidordquo373 Iniciamos esta parte de um ponto elementar da teologia de Justino374 ao

qual abordaremos mais detalhadamente a frente contudo compreendemos que sua aplicaccedilatildeo

neste item natildeo eacute apenas orientativa mas tambeacutem qualitativa para o restante da argumentaccedilatildeo

Um fato muito criativo do pensamento filosoacutefico de Justino se apresenta quando o

Apologista passa a enfatizar a existecircncia do Logos como o Cristo revelado Isto para Justino eacute

uma asserccedilatildeo de valores pontuais em uma escala ascendente que com facilidade se encontram

e se envolvem em sistemas transcendentais Wachholz elucida a abrangecircncia do termo Logos

dizendo o seguinte

O termo Logos (grego) quer dizer ldquopalavrardquo e tambeacutem ldquorazatildeordquo Segundo os gregos

nossa mente consegue compreender por que participa de alguma maneira do Logos

ou razatildeo universal Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse

Logos que se fez carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento375

Torna-se necessaacuterio entendermos a notoriedade que Justino aplica agrave onipotecircncia

onisciecircncia e preexistecircncia de Cristo em sua atuaccedilatildeo salviacutefica a partir deste ponto questotildees

(atributos divinos) as quais devemos considerar como absolutamente factiacuteveis no entendimento

do Apologista pois satildeo atributos da Escritura Sagrada ou seja satildeo consideradas evidecircncias

inquestionaacuteveis da vontade Divina (ativa e passiva) na leitura de Justino Poreacutem o ponto de

repouso deste exame se concentra na primeira parte do texto onde novamente Justino enfatiza

sua clarificaccedilatildeo de um estado de conformidade entre ideias e objetos (Verdade)

Mesmo o pensamento de Justino estando alavancado a uma espeacutecie de meacuterito para a

salvaccedilatildeo eacute evidente que sua afirmaccedilatildeo a soberania de Deus ndash a quem adjetiva como

ldquopacienciosordquo ndash caracteriza que esta benesse estaacute intimamente unida ao contexto temaacutetico que

podemos definir como amor de Deus O relato Apostoacutelico a Igreja em Corinto jaacute registrava a

seguinte afirmaccedilatildeo ldquoPorque todas as coisas existem por amor de voacutesrdquo (2 Coriacutentios 415a)

Carver diraacute sobre essa passagem que ldquoA expressatildeo tudo isso eacute por amor de voacutes explica o

acreacutescimo de convosco no versiacuteculo anterior O sofrimento de Paulo eacute um chamado ou uma

daacutediva que ele compartilha com toda a igrejardquo376 Da mesma forma notamos que Justino sofria

373 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

374 DROBNER Manual de Patrologia 2008

375 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 60

376 CARVER In A Segunda Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 427

90

por este grupo chamado a viver a Verdade o qual neste quadro eacute pintado como a resistecircncia

que manifesta esse amor imerecido e incondicional

Na descriccedilatildeo o Apologista nos parece transparecer com certa naturalidade seu intuito

em tentar provar algo como tambeacutem busca possivelmente sanar um erro (o do porquecirc este

juiacutezo de Deus ainda natildeo se manifestou) No entanto esse cenaacuterio eacute aplicado como uma forma

de ldquotranscriccedilotildeesrdquo que satildeo provenientes das afirmaccedilotildees e revelaccedilotildees inquestionaacuteveis para a

percepccedilatildeo de Justino por estarem devidamente relacionadas aos misteacuterios do Evangelho ao

qual ele servia Inclusive Justino claramente submetia sua razatildeo aos enigmas que a feacute em Cristo

natildeo lhe elucidava satisfatoriamente mas tambeacutem natildeo abalava sua convicccedilatildeo nesta feacute que ldquonatildeo

soacute eacute boa e santa em si mesma mas acima de tudo eacute a uacutenica religiatildeo verdadeirardquo377 Por fim

apontamos neste contexto (verso 2) aquilo que com clareza descreve esta certeza teoloacutegica

ancorada no Apologista que de forma contumaz declara que ldquoNa verdaderdquo378 algo se revelava

e condensava-se nos coraccedilotildees daqueles que o recebiam

Apoacutes descrevermos de maneira introdutoacuteria parte de nossa periacutecope base passamos a

uma abordagem sinteacutetica de uma faceta importantiacutessima de nosso autor para a construccedilatildeo do

restante desta pesquisa Comeccedilamos de imediato a elaborar uma descriccedilatildeo do filoacutesofo Justino

apresentando um resumo de sua jornada no mundo da ldquosabedoriardquo helecircnica descrevendo quais

foram suas principais influecircncias neste meio e quais desiacutegnios esta ascendecircncia deixou em sua

teologia

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO

Os acontecimentos relacionados agrave vida de Justino nos direcionam ndash podemos ateacute

mesmo dizer que incontestavelmente nos norteiam ndash para um mesmo ponto de convergecircncia

independentemente da aacuterea ou fase que procuremos abordar sobre esta Desde cedo ateacute o fim

de sua jornada ministerial Justino nos apresentaraacute influecircncias significativas do meio intelectual

ao qual havia pertencido desde sua juventude e ao qual nunca abandonou pelo contraacuterio fez

deste seguimento o ponto principal de irradiaccedilatildeo de sua teologia379 tornando-o necessariamente

uma peccedila-chave para agrave compreensatildeo de suas obras

Este ponto de equiliacutebrio na vida de Justino se daacute principalmente no fato de este ser

um filoacutesofo ao qual podemos catalogar como claacutessico em sua formaccedilatildeo (de origem helecircnica)

377 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 47

378 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

379 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

91

natildeo necessariamente por enquadrar-se ldquono modo de pensar e exprimir os pensamentos que

surgiu especificamente com os gregosrdquo380 mas especialmente na virtude apresentada por sua

filosofia que desde cedo natildeo se pautou por um caraacuteter meramente especulativo sem um fim

praacutetico em si mesma mas sim notabiliza-se pela ldquobusca da sabedoria e da verdaderdquo381 como

estados beneacuteficos disponiacuteveis para serem procurados conhecidos e vivenciados por todos os

homens

O primeiro historiador da Igreja nos comprova tal fato assinalando o claacutessico teor

filosoacutefico existente no Apologista os termos de Euseacutebio muito nos dizem a respeito do

ministeacuterio de Justino

Tambeacutem por este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava

ainda ocupado em exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Mas sobretudo foi nesta

eacutepoca que floresceu Justino Com estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de

Deus e lutava pela feacute com seus escritos382

A doutrina cristatilde encontrada em Justino ndash sua compreensatildeo ativa sobre o que era o

cristianismo como agrave religiatildeo salviacutefica do verdadeiro e uacutenico Deus aos homens ndash foi recebida

e necessariamente desenvolvida por ele atraveacutes de um filtro ou podemos ateacute mesmo dizer por

uma forma de catalisador Este ensino constituiacutea-se de diversas mateacuterias filosoacuteficas nas quais

a diversidade conceitual e estiliacutestica das muitas escolas sapienciais da eacutepoca foram agregadas

ao experimento (de caraacuteter circunspecto) do Apologista383 Notamos deste modo em muitos

aspectos em particular que Justino foi exercitado a uma postura pragmaacutetica de seu tempo a

qual necessariamente o contingenciou a algumas demandas de sua ordem puacuteblica provenientes

de seu status sociorreligioso Neste aspecto a abordagem de Wachholz nos atualiza e ilumina

sobre este cenaacuterio ele diz

A cultura claacutessica pagatilde incluiacutea obra e pensamento de Platatildeo Aristoacuteteles e dos estoicos

que eram muito admirados Rejeitar tais pensamentos era assumir posiccedilatildeo de

ignoracircncia Para os cristatildeos por outro lado aceitar toda esta carga de cultura poderia

tambeacutem significar concessatildeo ao paganismo e comeccedilo de uma nova idolatria Diante

380 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 21

381 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

382 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 11 8

383 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

92

desta alternativa somente havia dois caminhos possiacuteveis oposiccedilatildeo radical entre feacute

cristatilde e cultura pagatilde ou postura natildeo tatildeo negativa em relaccedilatildeo agrave cultura pagatilde384

A histoacuteria nos testifica que Justino de maneira evidente foi um baluarte em sua postura

de proclamador e representante da feacute cristatilde mais ainda portou-se de maneira excepcional

(como testificam seus procedimentos) no exerciacutecio de sua crenccedila fosse isso relacionado ao seu

foro iacutentimo (Igreja) ou no puacuteblico (social)

Desta forma eacute interessante e necessaacuterio reconhecer que Justino se apresentaraacute como

uma espeacutecie de precursor entre aqueles que eram oriundos da filosofia e que ldquohabitavamrdquo

especialmente em meio agrave cultura helecircnica385 contudo natildeo era o uacutenico Assim estes (filoacutesofos

convertidos ao cristianismo) passando agora a praticar os novos haacutebitos e costumes (modus

vivendi) recebidos do cristianismo natildeo abandonaram de forma absoluta suas praacuteticas cotidianas

do passado ndash ou poderiacuteamos tambeacutem chamaacute-las de ordinaacuterias ndash as quais eram vivenciadas

dentro de um sistema pedagoacutegico da filosofia por assim dizer Isso ocorreu simplesmente

porque tais accedilotildees natildeo requeriam tal censura devido a sua natildeo contrariedade com a Doctrina

Sanctorum que orientava os cristatildeos386 Obviamente tais disposiccedilotildees eram amplamente revistas

e reformuladas com um vieacutes cristatildeo embora mantendo uma estrutura didaacutetica proacutepria e ateacute

mesmo peculiar387 pois na praacutetica estes novos mestres cristatildeos agora ensinavam ldquoexatamente

como os filoacutesofos mas em conformidade com Cristordquo388

Vale-nos ressaltar ainda que essa postura de adaptaccedilatildeo dos convertidos do paganismo

para o cristianismo se desencadeou em muitos segmentos da realidade social do periacuteodo389

especialmente naqueles que se identificavam com as ciecircncias da eacutepoca Indiscutivelmente

nisto Justino se destacou pois seus ldquoconhecimentos filosoacuteficos eram muito profundosrdquo390

Neste ponto novamente recorremos a um registro de Wachholz que nos descreve com clareza

este processo de identificaccedilatildeo na figura de Justino

384 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 58

385 Alguns pesquisadores apresentam Aristides de Atenas como o primeiro filoacutesofo (Grego) propriamente

convertido ao cristianismo a escrever uma obra apologeacutetica Entretanto faltam evidecircncias mais robustas para

sustentar tal afirmaccedilatildeo Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p

50-51

386 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

387 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

388 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

389 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

390 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

93

Por outro lado houve tambeacutem aqueles que defenderam uma postura ldquoconciliatoacuteriardquo

entre feacute cristatilde e cultura pagatilde Justino (110-165) foi um destes representantes que natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas passou a dedicar-se em fazer ldquofilosofia cristatilderdquo abrindo

caminho para que o cristianismo pudesse reclamar tambeacutem para si a cultura claacutessica

apesar de ser cultura pagatilde391

Sendo o registro histoacuterico uma peccedila fundamental na elaboraccedilatildeo e construccedilatildeo

conceitual desta pesquisa entendemos ser emblemaacutetico trazer-se agrave tona alguns registros de

pesquisadores que atestam entre si acometimentos similares isso se daacute quando mencionam

pontos que caracterizam a figura de Justino como um distinto representante da Filosofia

mediante sua penetraccedilatildeo investigaccedilatildeo e conclusatildeo dos fatos algo que era ndash como se viu

anteriormente ndash relevante na busca de respostas junto ao meio sociorreligioso ao qual estava

inserido

Deste modo dando seguimento ao nosso intento de esclarecer historicamente um

pouco mais a respeito deste personagem cristatildeo oriundo da filosofia grega392 eacute que registramos

o seu desenvolvimento a parti das palavras de Walde ldquoJustino continuou usando a capa que o

identificava como filoacutesofo e ensinou estudantes em Eacutefeso e depois em Romardquo393 O relato ainda

se estende sobre a pesquisa de Walde poreacutem agora registrando o pensamento de Schaff este

diz ldquoEle havia adquirido cultura claacutessica e filosoacutefica consideraacutevel antes de sua conversatildeo e

entatildeo a fez ficar subordinada a defesa da feacuterdquo394 Ainda sobre esta esteira agregamos outras duas

elaboraccedilotildees A primeira estaacute no trabalho de Xavier que se baseia no pensamento de Fluck E

somado a ela encaixamos a siacutentese de Wachholz sobre Justino Ambos convencionam ideias

similares quando retratam o Apologista e por consequecircncia acabam por se moverem

metodologicamente na mesma direccedilatildeo

Em sua caminhada cristatilde ensinou estudantes em Eacutefeso e chegou a Roma em 150 dC

onde fundou uma escola filosoacutefica debatendo com natildeo-cristatildeos tanto pagatildeos quanto

judeus ou hereges em defesa do cristianismo Para Justino o cristianismo era a

391 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

392 Eacute importante que se diga que a Filosofia (a qual no acircmbito do conceito moderno eacute entendida como uma ciecircncia

da aacuterea de estudos Humanos) permaneceu completamente associada a consciecircncia de Justino durante todo o

periacuteodo de sua atuaccedilatildeo teoloacutegica Partindo-se do fato de que a vida de Justino se encerrou no martiacuterio podemos

concluir que de sua conversatildeo ateacute sua morte nunca houve um ldquoJustinordquo que tambeacutem natildeo fosse um filoacutesofo Ver

HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29-30

393 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

394 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

94

ldquoverdadeira filosofiardquo sendo que os cristatildeos eram ldquoos autecircnticos herdeiros da

civilizaccedilatildeo greco-romanardquo395

Tornou-se cristatildeo aos 25 anos de idade apoacutes ter estudado filosofia o que o levou a

fazer uma siacutentese entre teologia e filosofia afirmando que a feacute cristatilde eacute a forma plena

de toda a filosofia Em sua escola em Roma ensinava entatildeo a ldquoverdadeira filosofiardquo

Boa parte de seu labor consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o

cristianismo e a sabedoria claacutessica396

Finalizando esta seacuterie de registros cabe-nos ainda citar algumas relevantes

argumentaccedilotildees A primeira condicionada por Gonzaacutelez nos traz uma definiccedilatildeo da histoacuteria de

Justino em questotildees junto a filosofia ele diz ldquoAo se converter ao cristianismo Justino natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas dedicou-se a fazer filosofia cristatilde e boa parte dessa filosofia

consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o cristianismo e a sabedoria claacutessicardquo397 A

segunda elaborada por Daniel-Rops diz ldquoFoi uma fase importante para a histoacuteria do

pensamento cristatildeo que com Justino passou a ser tomado a seacuteriordquo398 Esta ecircnfase somada ao

primeiro apontamento nos afirma uma importante contribuiccedilatildeo para o meio Patriacutestico pois

trabalha com paracircmetros qualitativos referentes agrave relevacircncia da figura de Justino como

articulador filosoacutefico e sucessivamente no meio teoloacutegico como um exegeta399 nos levando a

considerar deste modo que a formaccedilatildeo dogmaacutetica em seu sentido histoacuterico passa

necessariamente por afirmaccedilotildees como esta

Portanto eacute impossiacutevel caracterizar Justino como um pensador e teoacutelogo fora da

filosofia claacutessica pois o personagem que veio a fundar escolas filosoacuteficas cristatildes (primeiro em

Eacutefeso e depois em Roma)400 deve ser compreendido como um autecircntico ldquoamante da sabedoriardquo

Neste quesito distintivo no caso de Justino em especial um agravante modal deve aqui ser

aplicado sendo que esta caracteriacutestica de caraacuteter peculiar eacute o proacuteprio processo de conversaccedilatildeo

ao cristianismo que em seu entendimento ldquoo transformou em um verdadeiro filoacutesofordquo401 arauto

395 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15 grifo nosso

396 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59 grifo nosso

397 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 91

398 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

399 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31-32

400 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

401 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

95

da verdadeira sabedoria ndash peccedila final a qual Justino possivelmente exigiria como um

complemento fundamental na elaboraccedilatildeo dessa descriccedilatildeo

Dando seguimento agrave nossa construccedilatildeo ainda nos eacute necessaacuterio examinar duas questotildees

relevantes junto a postura filosoacutefica de nosso autor A primeira estaacute relacionada aos seus

pressupostos na Filosofia como aacuterea de estudo propriamente na qual o estoicismo e o

platonismo se destacam no cenaacuterio em seguida naquilo que possivelmente se tornou a principal

elaboraccedilatildeo teoloacutegica deixada como teoria por Justino a sua concepccedilatildeo do Logos Eterno

321 Estoicismo e Platonismo em Justino

Quando pesquisamos a respeito de quais seriam as principais influecircncias da filosofia

grega que poderiacuteamos encontrar em Justino logo nos saltam aos olhos duas linhas majoritaacuterias

do pensamento histoacuterico filosoacutefico e que tiveram fundamental importacircncia na formaccedilatildeo

intelectual deste Pai da Igreja Desta forma torna-se indispensaacutevel falar do estoicismo e do

meacutedio platonismo402 como elementos filosoacuteficos na vida de Justino pois a anaacutelise dessas

escolas sapienciais junto agrave construccedilatildeo de nosso objetivo de pesquisa apresenta-se como

fundamental para a compreensatildeo do cristianismo apresentado por Justino403

Nossa intenccedilatildeo nesta construccedilatildeo natildeo eacute haacute de se estabelecer um relato minucioso sobre

os aportes princiacutepios e valores filosoacuteficos de Zenon de Ciacutecio (fundador do estoicismo) nem

mesmo dos seguidores ideoloacutegicos do legado de Platatildeo os quais sustentavam no presente

periacuteodo a fase denominada de meacutedio platonismo Pelo contraacuterio visamos apenas retratar de

maneira sinteacutetica a influecircncia dessas escolas no pensamento apologeacutetico do Seacuteculo II tendo a

pessoa de Justino como alvo central e em alguns momentos ateacute mesmo exclusivo neste exame

O advento do Seacuteculo II trouxe consigo um contato mais amplo e consequentemente

tambeacutem mais vantajoso das correntes filosoacuteficas gregas para com o ocidente de uma maneira

em geral Influenciada especialmente pela administraccedilatildeo e organizaccedilatildeo do Impeacuterio Romano agrave

discussatildeo sobre a importacircncia e a manutenccedilatildeo dessas identidades intelectuais (escolas

filosoacuteficas) tornou-se muito ativa especialmente para o meio aristocraacutetico de entatildeo404 Sendo

402 O meacutedio platonismo teve seu iniacutecio no Seacuteculo I aC com Antioco de Ascalona e vai ateacute aproximadamente o

Seacuteculo II dC Entre os seus principais representantes encontram-se os nomes de Filo de Alexandria Apuleio e do

bioacutegrafo Plutarco Este recorte temporal eacute um dos pontos que justifica a nossa opccedilatildeo pelo uso do termo meacutedio

platonismo uma vez que coincide com o periacuteodo de Justino Ver EMILSSON Neo-Platonism 1999 p 358

AUDI The Cambridge Dictionary of Philosophy 1999 p 567 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 123

403 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

404 CARCOPINO Roma no Apogeu do Impeacuterio 1990

96

o cristianismo cada vez mais presente na estrutura sociorreligiosa do Impeacuterio natildeo demorou

para se considerar ldquotambeacutem os leitores natildeo-cristatildeosrdquo405 como parte do exame teoloacutegico dos

Pais No entanto os mestres e principais arautos dessas claacutessicas estruturas filosoacuteficas eram

pagatildeos em seu modo de vida espiritual o que ocasionou ndash quase automaticamente ndash uma

investidura por parte dos Pais (remodelaccedilatildeo cristatilde) das concepccedilotildees filosoacuteficas de alguns

autores claacutessicos do paganismo Como consequecircncia desse processo o periacuteodo dos Pais

Apologistas se confirma e se engrandece de maneira significativa na histoacuteria cristatilde devido ao

seu importante conteuacutedo teoloacutegico406 desenvolvido a partir dessa adaptaccedilatildeoremodelaccedilatildeo

Voltando precisamente para a pessoa de Justino vemos a partir da pesquisa de Walde

ndash o qual soma seu pensamento a Falls ndash o estabelecimento de uma expressiva comunicaccedilatildeo

entre Justino e as escolas filosoacuteficas apresentadas Walde escreve ldquoComo jovem adulto

mostrou interesse por filosofia e estudou primeiramente estoicismo e platonismo Justino

buscava a Deus que eacute a meta da filosofia de Platatildeo diziardquo407 Este retrato dos fatos nos

demonstra com clareza que o diaacutelogo do Apologista com as referidas escolas filosoacuteficas

norteou sua formaccedilatildeo intelectual de forma significativa

A primeira experiecircncia de fato com a filosofia grega e a qual podemos afirmar ter

deixado marcas consideraacuteveis na vida de Justino foi com a escola estoica Em sua busca da

autecircntica sabedoria Justino comeccedilou a frequentar as aulas de um mestre estoico408

provavelmente ainda em sua cidade natal Se tratando de sua experiecircncia com o estoicismo em

particular o Apologista nos oferece um relato autobiograacutefico no qual informa detalhes

interessantes referentes a sua jornada pela Verdade ldquoEu mesmo no iniacutecio desejando tambeacutem

reunir-me com algum deles (mestres filoacutesofos) coloquei-me nas matildeos de um estoico e passei

bastante tempo com elerdquo409

O interessante nessa narraccedilatildeo eacute que o expressivo contato de Justino com o estoicismo

natildeo surtiu nele o beneacutefico resultado que Justino parecia esperar Efetivamente Justino afirma

em seu Diaacutelogo com Trifatildeo ldquoTodavia percebi que nada me adiantava para o conhecimento de

Deus pois nem sequer ele sabia nada nem dizia que esse conhecimento era necessaacuterio Entatildeo

405 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 140

406 Ver DROBNER Manual de Patrologia 2008 p76-80

407 FALLS The Fathers of the Church 1948 p 151 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p

1

408 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

409 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3a grifo nosso

97

separei dele e dirigi-me a outrordquo410 Kelly inclusive salienta mediante a auto narraccedilatildeo de

Justino que parece ter havido um esforccedilo da parte deste em se apropriar ndash ou melhor se

aprofundar ndash das maacuteximas da doutrina estoica Isso devido especialmente ao seu ldquoelevado

padratildeo moral ainda que um tanto impessoalrdquo411 mas com um forte apelo agrave posturas e posiccedilotildees

que estabeleciam um padratildeo moralmente bom para seus praticantes preceitos que eram de

alguma maneira dogmatizados pela doutrina estoica na tentativa de se alcanccedilar ldquouma norma

para os humanos seguiremrdquo412 Dessa forma os praticantes de tal sistema chegavam aquilo que

poderiacuteamos (forccedilosamente) definir como o verdadeiro conhecimento do ldquoSerrdquo e da ldquoEsferardquo

divina pois a ldquovida moral eacute vista como assimilaccedilatildeo a Deus e como imitaccedilatildeo de Deusrdquo413

Contudo apoacutes um periacuteodo de deferecircncia a doutrina estoica ldquopareceu-lhe rudimentar e de uma

metafisica falazrdquo414 aleacutem do sistema natildeo conseguir ldquoesclarececirc-lo a respeito de Deusrdquo415 ou

seja o estoicismo natildeo pode oferecer as condiccedilotildees necessaacuterias para suprir os vaacutecuos e demandas

existecircncias de Justino

Entretanto o estoicismo como doutrina filosoacutefica teve uma significativa relevacircncia na

formaccedilatildeo de Justino como tambeacutem na construccedilatildeo teoloacutegica dos demais Pais Apologistas Na

anaacutelise desse cenaacuterio houve ateacute mesmo quem afirmasse que caso natildeo houvesse o encontro

entre o Poacutertico416 e a Igreja natildeo teria existido uma linguagem inteligiacutevel por parte da doutrina

cristatilde para alguns ambientes gentiacutelicos ou seja o ldquocristianismo seria incompreensiacutevelrdquo417 para

alguns segmentos que formavam o quadro sociorreligioso agrave eacutepoca Teses como essa levantam

questotildees pertinentes No caso em exame parece-nos que tal afirmaccedilatildeo havia se desenvolvido

como um marco referencial junto agrave Era Patriacutestica citada explicando tambeacutem deste modo o que

permitiu que esse conceito teoloacutegico-filosoacutefico viesse a se construir Neste processo as relaccedilotildees

de conformidade entre cristianismo e estoicismo foram absolutamente decisivas sendo o campo

410 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3b

411 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 13

412 ALGRA In Teologia estoacuteica Os Estoacuteicos 2006 p 189

413 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 132

414 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

415 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

416 Poacutertico Ornado (ou Pintado) grego Stoagrave Poikiacutele Local na cidade de Atenas onde o filoacutesofo grego Zenon

(fundador do estoicismo) ensinava a seus disciacutepulos Ver SEDLEY In A Escola de Zenon a Aacuterio Diacutedimo Os

Estoacuteicos 2006 p 7-13

417 POHLENZ La Stoa storia di un movimento spirituale 1967 p 397 apud PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia

Patriacutestica 1999 p 131

98

moral junto agrave formaccedilatildeo dogmaacutetica cristatilde ndash poderiacuteamos ateacute mesmo chamaacute-lo de eacutetico ndash decisivo

nessa correlaccedilatildeo (modelagem) de valores

Entre os fatos desse paralelismo ideoloacutegico vemos o otimismo religioso expressado

pelo estoicismo que encontrou de forma geral na consciecircncia dos Pais (ateacute o Seacuteculo III) uma

beneacutevola e favoraacutevel proximidade com a Divindade onipotente e onipresente a qual os

Apologistas reconheciam especialmente na figura de Deus Pai e em sua traduccedilatildeo do Ser

absoluto cenaacuterio que agora expressava-se inclusive na manifestaccedilatildeo Deste (Deus) em uma

relaccedilatildeo de perfeita imanecircncia com seus eleitos Minuacutecio Feacutelix (Apologista do final do Seacuteculo

II) retrata com clareza esse conceito gerado no meio Apologista fruto da relaccedilatildeo destes com os

ditames estoicos ldquonatildeo soacute estaacute perto de noacutes como tambeacutem dentro de noacutes [] natildeo soacute vivemos

sob seu olhar como tambeacutem em seu seiordquo418

Neste contexto ainda vale-nos identificar uma caracteriacutestica peculiar da relaccedilatildeo de

Justino com o estoicismo Trata-se das interpretaccedilotildees escrituriacutesticas desenvolvidas por meio de

meacutetodos alegoacutericos Essa metodologia jaacute estava em uso no meio cristatildeo e jaacute antes era

amplamente ldquodifundida tambeacutem entre os filoacutesofos gregos sobretudo os estoicos com o objetivo

de fazer enquadrarem-se as tradicionais faacutebulas mitoloacutegicas com as suas ideiasrdquo419 Justino se

torna ldquoceacutelebrerdquo no meio Patriacutestico tambeacutem por sua exegese atestando isso quando passa a

unificar textos referentes a economia da Antiga e Nova Alianccedilas fazendo uso em muitos

momentos da teacutecnica citada

Desta forma mormente veremos na construccedilatildeo teoloacutegica de Justino que se encontram

traccedilos desse sistema da filosofia grega que se fizeram notoacuterios em seu registro apologeacutetico

Santos ao citar Staniforth retrata com precisatildeo essa inspiraccedilatildeo e sua contribuiccedilatildeo junto ao

trabalho do Apologista Aleacutem disto consegue descrever com clareza e harmonia agrave postura de

Justino referente sua interpretaccedilatildeo das bases substanciais do estoicismo Santos assim registra

essa relaccedilatildeo

Segundo Staniforth os elementos que predominavam no cristianismo antes de seu

contato com o estoicismo eram os morais e espirituais jaacute os intelectuais eram

subordinados a estes Ele acrescenta poreacutem que ldquoquando a mensagem se espalhou

para aleacutem dos confins da Palestina e as suas implicaccedilotildees foram assimiladas pelos

pensadores de outras terras fez-se sentir a necessidade de concepccedilotildees mais exatas da

verdaderdquo (STANIFORTH 2002 p 20) [] Entre outras coisas citadas por Staniforth

estatildeo ainda a noccedilatildeo de unidade divina a ideia de que os homens satildeo filhos de Deus

e participam da sua natureza e procuram fazer sempre o bem (STANIFORTH 2002

418 MINUacuteCIO FEacuteLIX Otaacutevio 32-33

419 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1146

99

p 22) Justino traz uma argumentaccedilatildeo inversa Segundo ele os imitadores satildeo os

demais povos ldquonatildeo somos noacutes que professamos opiniotildees iguais aos outros e sim

todos por imitaccedilatildeo repetem as nossas doutrinas (JUSTINO I Apologia LX 10)rdquo420

Sendo jaacute anteriormente caracterizado por meio do relato da vida de Justino a elementar

decepccedilatildeo de Justino pelo estoicismo como doutrina a ser seguida levou-o a uma nova fase na

sua busca do ldquoideal da sabedoria perfeitardquo421 Assim seu intento redirecionou-se para outras

esferas da filosofia grega passando por algumas experiecircncias variadas por meio de suas

relaccedilotildees com outras escolas sistemas e mestres Neste cenaacuterio naquilo que possuiacutemos relatos

confiaacuteveis Justino chegou a conviver com ldquoum peripateacutetico e um pitagoacutericordquo422 sempre

buscando alcanccedilar seu intento maacuteximo como amante do saber

Por fim a escola platocircnica tornou-se sua uacuteltima instacircncia de apelo nessa busca intensa

pelo saber supremo que inclusive ele imagina ter alcanccedilado ldquona filosofia (meacutedio) platocircnicardquo423

fazendo desse caso em especiacutefico (platonismo) o encontro ldquomais positivordquo424 Neste ponto

compreendemos que o desenvolvimento do pensamento teoloacutegico que encontramos

futuramente estabelecido em Justino eacute o que o constituiu categoricamente como um filoacutesofo

cristatildeo e foi principalmente detalhado pela influecircncia desta corrente filosoacutefica (platonismo)

mais do que por sua experiecircncia com os demais sistemas O ponto de vista de Xavier colabora

com nossa anaacutelise transmitindo a mesma ideia

A procura incansaacutevel pela verdade levou Justino a se tornar um distinto filoacutesofo do

pensamento grego adotando principalmente a filosofia de Platatildeo que para ele tinha

muita semelhanccedila com os ensinamentos judaicos no que diz respeito agrave Palavra de

Deus (Logos Verbo)425

Eacute portanto necessaacuterio fazer ainda que rapidamente algumas consideraccedilotildees geneacutericas

referentes agrave influecircncia desse importante sistema filosoacutefico (platonismo) no contexto

sociorreligioso ao qual Justino estava inserido O chamado meacutedio platonismo teve singular

420 STANIFORTH In Introduccedilatildeo Meditaccedilotildees 2002 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119 122

421 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 25

422 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27

423 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

424 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

425 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 15

100

influecircncia junto ao meio teoloacutegico cristatildeo em meados do Seacuteculo II Sua importacircncia em

questotildees como a metafiacutesica por exemplo ldquodeterminou profundamente a compreensatildeo

teoloacutegicardquo426 dos Pais Apologistas Ainda neste cenaacuterio eacute necessaacuterio afirmar que na eacutepoca o

pensamento de Platatildeo estruturado pela manutenccedilatildeo de seus seguidores (meacutedio platonismo)

plasmou-se quase que na totalidade dos seguimentos ditos intelectuais do periacuteodo ocasionando

um expliacutecito e permanente ldquodesenvolvimento do saber filosoacutefico e portanto da cultura

ocidentalrdquo427 a qual teve sua formaccedilatildeo por meio da mecanicidade da Filosofia propriamente

reconhecida como cristatilde em sua formaccedilatildeo

Voltando especificamente para nosso autor retratamos com certa facilidade ndash por se

considerar a questatildeo como um ponto paciacutefico referente agrave figura de Justino ndash sua ampla e notoacuteria

relaccedilatildeo com os ensinamentos baseados na doutrina de Platatildeo Insuelas nos diz que Justino

possivelmente procurou o sistema platocircnico porque este ldquogozava naquele tempo de grande

reputaccedilatildeo e era seguido por homem de valorrdquo428 Fato eacute que Justino progrediu de maneira

consideravelmente raacutepida na doutrina pois ldquoesperava que na filosofia de Platatildeordquo429 veria

imediatamente a Deus questatildeo (enxergar agrave Divindade) que nos indica uma praacutetica

contemplativa que provavelmente levou o jovem filoacutesofo a peregrinar isoladamente ateacute a praia

onde em algum momento ocorreu sua conversatildeo ao cristianismo Utilizamos ainda a ecircnfase

dada por Daniel-Rops a este caso o qual salienta que nesse acesso para a doutrina platocircnica

Justino deu o ldquopasso decisivo levando-o a ver que o uacutenico fim verdadeiro da filosofia era o

conhecimento de Deusrdquo430

Outra descriccedilatildeo que se soma a esta tese nasce das palavras do proacuteprio Justino na sua

I Apologia Estas construccedilotildees do Apologista ganham eficaacutecia e nitidez quando retratadas por

Euseacutebio em seu relato histoacuterico Elas apresentam um Justino intreacutepido e resoluto movendo-se

na eficaacutecia daquilo que encontrou em sua jornada tornando-se desta maneira em um ldquosincero

amante da verdadeira filosofiardquo431 Quanto ao platonismo descrito pelo autor em sua

experiecircncia Euseacutebio escreve

426 SANTOS Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos Comuns 2003 p 335

427 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 81

428 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

429 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

430 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

431 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 grifo nosso

101

Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez

sem razatildeo mas com juiacutezo escreve o seguinte ldquoporque tambeacutem eu mesmo que me

comprazia nos ensinamentos de Platatildeo ao ouvir as caluacutenias contra os cristatildeos e vecirc-

los irem intreacutepidos para a morte e para tudo que eacute terriacutevel comecei a pensar que natildeo

era possiacutevel que aqueles homens vivessem na maldade e no amor aos prazeresrdquo432

Seguindo no mesmo contexto vemos que Justino no capiacutetulo II de seu Diaacutelogo com

Trifatildeo agrega agrave sua biografia um relato exponencial no qual nos descreve um encontro com um

filoacutesofo platocircnico na cidade de Flaacutevia Neaacutepolis Justino como vimos acima foi procurar este

mestre a fim de conferenciarem sobre temas de relevacircncia para o Apologista Assim havendo

ldquoaprendido bastante do platonismordquo433 Justino envolto de uma acentuada euforia ateacute mesmo

presumiu (erroneamente) haver obtido um distinto conhecimento de superior e incomparaacutevel

qualidade todavia por fim salientou uma conclusatildeo ambiacutegua e de aspecto desfalecente sobre

esta experiecircncia quando se referiu as coisas que em determinado momento lhe pareciam

absolutamente certas e vivazes Ele nos afirma foi ldquotornado saacutebio num aacutetimo e minha estupidez

fazia-me esperar que de um momento para outro contemplaria o proacuteprio Deusrdquo434

No entanto cabe-nos apontar que mesmo diante desta pessimista afirmaccedilatildeo por parte

de Justino o platonismo de sua eacutepoca ldquotinha grande forccedila teiacutestardquo435 aleacutem de apresentar um

ldquoalto tocircnus moralrdquo436 expressatildeo que posteriormente em seu desenvolvimento teoloacutegico passou

a comprovar o cristianismo como o conjunto doutrinal por excelecircncia Sendo essa conclusatildeo

obtida na consequecircncia do emprego de sua metodologia dialeacutetica como teoria do conhecimento

ndash fato (dialeacutetica platocircnica) que jaacute abordamos anteriormente

No que se refere ao raciociacutenio de Justino que encontramos especificamente baseado

no ideaacuterio platocircnico notamos com certa facilidade que este conjunto de ideias o levou a

desenvolver em seus tratados (I e II Apologias e Diaacutelogo com Trifatildeo) algumas referecircncias que

se atestam como elementos de comparaccedilatildeo entre a filosofia grega e a feacute cristatilde Neste periacuteodo

(Seacuteculo II) o meio filosoacutefico grego jaacute registrava haacute algum tempo a noccedilatildeo de um Ser ou Estado

supremo437 ldquoque estaacute acima de todos os seres e do qual todos derivam sua existecircnciardquo438

432 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 5

433 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

434 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6

435 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

436 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

437 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

438 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

102

Sabemos baseados em amplas evidecircncias textuais que a vida aleacutem da morte fiacutesica jaacute era

ensinada ou ateacute mesmo garantida por Soacutecrates439 No pensamento de Platatildeo esta teoria eacute

estruturada filosoficamente como uma realidade diferente mas igualmente atemporal a qual

existe aleacutem eou fora deste mundo440

Em Platatildeo detectamos um referencial que nos salienta sobre a expressividade agrave sua

ldquoexposiccedilatildeo da separaccedilatildeo e diferenccedila entre o mundo sensiacutevel (sentidos) e o mundo inteligiacutevel

(intelecto)rdquo441 fazendo com que a percepccedilatildeo humana seja uma espeacutecie de imagem da

realidade442 mas natildeo necessariamente a realidade em si Deste modo Platatildeo automaticamente

condicionava seus leitoresouvintes a compreender que aquilo que estava oculto (natildeo visiacutevel)

deveria pelo encontro com a pura razatildeo voltar ao seu estado inicial ou seja o Uno mesmo

que Platatildeo natildeo considerasse a ldquoForma do Bem ou o Um como Deus no sentido comum da

palavrardquo443 A tese do retorno ao Uno eacute uma performance originalmente desenvolvida na fase

denominada de meacutedio platonismo444

Justino nos demonstra com clareza sua relativa conformidade com essa ideia que de

uma maneira orientativa procurava dar coesatildeo e expressividade agrave realidade perceptiacutevel do

homem em encontrar o que era verdadeiro definido como o ldquonatildeo-escondidordquo445 para o espiacuterito

humano Poreacutem tambeacutem nos apresenta de forma incondicional uma clara distinccedilatildeo substancial

a este conceito segundo o qual ldquoo centro da esperanccedila cristatilde natildeo eacute a imortalidade da alma mas

a ressurreiccedilatildeo do corpordquo446 Corroborando a esta proposiccedilatildeo encontramos a posiccedilatildeo de

Wachholz que organiza o referido cenaacuterio em uma descriccedilatildeo cronoloacutegica embasada no

desenvolvimento do pensamento (dogma) cristatildeo do periacuteodo

Assim por exemplo percebia que tambeacutem Soacutecrates e Platatildeo afirmavam que existia

vida aleacutem da morte fiacutesica Platatildeo afirmava que este mundo natildeo esgota toda a realidade

mas que existe outro mundo de realidades eternas Neste sentido Justino concorda

439 A discussatildeo sobre a imortalidade da alma ndash a uacuteltima de que Soacutecrates participa no dia de sua morte ndash eacute narrada

na obra intitulada Feacutedon de Platatildeo Ver MALTA In Nota 103 Apologia de Soacutecrates 2008 p 97

440 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984

441 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 189 grifo nosso

442 Um exemplo claacutessico dessa ideia se encontra no Livro VII de sua obra intitulada A Repuacuteblica em uma alegoria

conhecida como o Mito da Caverna Ver PLATAtildeO A Repuacuteblica VII 514a-541b

443 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 12

444 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

445 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 197

446 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

103

pois afirma que o centro da esperanccedila cristatilde natildeo estaacute na imortalidade da alma mas na

ressurreiccedilatildeo do corpo447

Amparado nesse conceito filosoacutefico Justino passa a desdobrar sua concepccedilatildeo sobre a

ideia do estado de um ldquomundo inteligiacutevelrdquo que passa a ser compreendido como a uacutenica

condiccedilatildeo pela qual as coisas satildeo eternas imutaacuteveis e incorruptiacuteveis constituindo deste modo

sua posiccedilatildeo sobre o que seria o proacuteprio ldquomundo de Deusrdquo possiacutevel de ser alcanccedilado Na visatildeo

platocircnica este mundo ideal soacute pode ser alcanccedilado pelo intelecto humano quando este eacute elevado

a seu patamar maacuteximo sendo isso possiacutevel somente por meio do auxiacutelio da filosofia Para

Justino essa filosofia soacute pode ser o cristianismo pois este foi revelado como a uacutenica Verdade

oferecida aos homens

Desta forma para Justino soacute mediante o cristianismo a concepccedilatildeo platocircnica de

alcanccedilar o mundo real torna-se possiacutevel No final da apresentaccedilatildeo de sua jornada entre as

escolas filosoacuteficas Justino nos relata que aquilo que fez com que ele se decidisse pela escola

platocircnica ndash entendendo que esta seria a melhor alternativa para desenvolver sua mente (razatildeo)

na tentativa de receber a verdadeira sapiecircncia ndash fosse agrave profunda admiraccedilatildeo inicial que ele

encontrou em alguns pontos que distinguiam a doutrina das demais ldquoprincipalmente com a

consideraccedilatildeo do incorpoacutereordquo448 mas tambeacutem pela referente ldquocontemplaccedilatildeo das ideiasrdquo449 as

quais ele afirma ldquodava asas agrave minha inteligecircnciardquo450

Nesta jornada de conhecimento Justino salienta que compreendia e admirava o

objetivo desse ensino que se demonstrava estaacutevel e possuiacutea intenccedilotildees muito nobres para agrave

natureza humana a ponto de afirmar que ldquoCom efeito esta eacute a meta da filosofia de Platatildeordquo451

Jaacute como cristatildeo Justino esclarece para o judeu Trifatildeo que ldquoVemos e estamos convencidos de

que por meio do nome de Jesus Cristo crucificado as pessoas se afastam da idolatria e de toda

iniquidade para aproximar-se de Deusrdquo452 ou seja somente um caminho leva definitivamente

a verdadeira filosofia e este caminho natildeo eacute a filosofia de Platatildeo

Apoacutes este raacutepido mas importante embasamento sobre a formaccedilatildeo filosoacutefica de nosso

autor ainda eacute necessaacuteria uma descriccedilatildeo final sobre os elementos filosoacuteficos estruturantes

447 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59-60

448 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

449 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

450 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

451 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6b

452 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo XI 4

104

encontrados em Justino Entre estes insumos um se destaca consideravelmente como fruto da

ampla influecircncia deixada pelo predomiacutenio de suas bases filosoacuteficas (estoicismo e platonismo)

Desta forma o Logos em Justino seraacute o ponto central de anaacutelise a seguir

322 O Logos em Justino

Este ponto eacute fundamental para nossa descriccedilatildeo do pensamento de Justino como um Pai

Apologista Mesmo que nos falte uma sistematizaccedilatildeo sobre o tema Logos tanto em Justino

como tambeacutem nos demais representantes de sua Era Patriacutestica453 o Logos eacute um conteuacutedo

teoloacutegico fundamental para a histoacuteria do cristianismo e natildeo aparece com suficiente clareza em

nenhum outro escritor cristatildeo anterior a Justino que acaba por se evidenciar neste assunto de

forma muito significativa

Jaacute no Seacuteculo I a doutrina referente agrave PalavraVerbo divino era conhecida pelo

judaiacutesmo em sua forma posterior devido agrave grande influecircncia do filoacutesofo judeu Filo de

Alexandria O estoicismo como doutrina filosoacutefica tambeacutem foi muito atuante na elaboraccedilatildeo

do termo Logos como um conceito paralelo entre uma plena imanecircncia e uma total expressatildeo

do que eacute superior eou eterno454 O Evangelho de Joatildeo em seu proacutelogo (Joatildeo 11-5) nos oferece

o termo de forma sublime mesmo que o Logos em Joatildeo pareccedila ter sido influenciado por

Heraacuteclito455 Quanto agrave Patriacutestica em sua fase inicial (Pais Apostoacutelicos) Inaacutecio Bispo de

Antioquia parece ser a melhor opccedilatildeo de uma leitura consistente sobre a ideia de a Palavra

Divina preexistente ter sido anunciada antecipadamente aos homens das geraccedilotildees passadas

ldquoInspiraram-se (os profetas) em Sua graccedila a fim de que os increacutedulos se convencessem

plenamente que haacute um soacute Deus a manifestar-se por Jesus Cristo Seu Filho Sua palavra saiacuteda

do silecircncio que em tudo agradou Aquele que O enviourdquo456

Poreacutem vale-nos novamente frisar que aqui como em outras partes desta pesquisa natildeo

procuraremos ser exaustivos muito menos conclusivos especialmente tratando-se de uma

anaacutelise que possui uma conjuntura tatildeo extensa mas de maneira sucinta desenvolveremos uma

siacutentese que visa ser orientativa nesta definiccedilatildeo sobre o legado teoloacutegico do Apologista Justino

A relaccedilatildeo de Justino com esta temaacutetica filosoacutefica (Logos) foi ampla e profunda Eacute

possiacutevel condicionarmos jaacute a partir de Justino uma realidade conclusiva para o tema naquilo

453 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

454 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

455 TORRES A retoacuterica joanina do Logos 2016

456 INAacuteCIO Epiacutestola aos Magneacutesios VIII 2 grifo nosso

105

que ele se refere a revelaccedilatildeo cristatilde esta conclusatildeo estaacute na ldquoconcepccedilatildeo justiacutenica do Logos como

entidade divina intermediaacuteria entre Deus e o mundordquo457 Isso gerou uma nova perspectiva a

qual Justino com certa originalidade conceitual passa a definir o Logos como um agente que

jaacute orientava a humanidade antes mesmo de Sua encarnaccedilatildeo desejando por meio da ldquoIgreja com

a sua accedilatildeo missionaacuteriardquo458 tornar participantes todos os homens que por meio da feacute em Cristo

poderatildeo gozar da esperanccedila do cumprimento profeacutetico do segundo advento do Salvador

Em seu trabalho apologeacutetico Justino estabeleceu uma conjunccedilatildeo entre proposiccedilotildees

separadas mas que se demonstraram de uma mesma espeacutecie Esse ato invariaacutevel conectou de

maneira significativa o Logos459 da filosofia grega ndash aqui expresso em uma de suas definiccedilotildees

temporais do meio filosoacutefico sendo apresentado como o ldquoPrinciacutepio platocircnico mediador entre o

mundo sensiacutevel e o inteligiacutevelrdquo460 ndash com o Logos do Evangelho de Joatildeo ou poderiacuteamos dizer

da interpretaccedilatildeo feita pelo meio apologeacutetico cristatildeo do Seacuteculo II Tratando ainda um pouco mais

sobre o cenaacuterio histoacuterico envolvendo a realidade conceitual sobre o Logos Walde nos indica

este princiacutepio conectivo quando cita Schaff em um exame sobre esta teoria Vemos em sua

descriccedilatildeo que o historiador

Philip Schaff descreve o pensamento desta maneira O Logos eacute a razatildeo preacute-existente

absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo dele o Logos encarnado Qualquer coisa

racional eacute cristatilde e qualquer coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os

homens da razatildeo e liberdade que natildeo estavam perdidos desde a queda Ele espalhou

sementes da verdade antes de sua encarnaccedilatildeo natildeo soacute entre os judeus mas tambeacutem

entre os gregos e baacuterbaros sobretudo entre os filoacutesofos e poetas que satildeo os profetas

pagatildeos Os que viveram razoavelmente e virtuosamente em obediecircncia a esta luz

preparatoacuteria foram de fato cristatildeos ainda que natildeo no nome ao contraacuterio os que

viveram irracionalmente eram inimigos de Cristo Soacutecrates foi um cristatildeo assim como

Abraatildeo ainda que ele natildeo o conheceu461

457 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1147

458 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

459 O conceito de Logos derivado da filosofia contemporacircnea especialmente do estoicismo com sua doutrina da

razatildeo universal foi usado pelos Apologistas para explicar como Cristo se relacionava com Deus Pai Algo do

Logos diziam encontra-se em todos os homens Ver HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

460 Logos (grego loacutegograves) Substantivo masculino de dois nuacutemeros Significa 1 Palavra 2 Discurso 3 Linguagem

4 Estudo 5 Teoria Significado em aacutereas proacuteprias 1 Filosofia Razatildeo ou princiacutepio da inteligibilidade 2

Filosofia Princiacutepio platocircnico mediador entre o mundo sensiacutevel e o inteligiacutevel 3 Filosofia Forccedila divina ou

criadora que eacute organizadora do mundo 1 Teologia Cristo ou o Verbo de Deus segunda pessoa da Trindade Ver

Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa ltDisponiacutevel em httpsdicionariopriberamorglogosgt Acesso em

27 de fev 2019

461 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

106

Esta ideia por assim dizer protagonizou aquilo que possivelmente foi o primeiro

encontro consistente entre filosofia e teologia na Era atual (dC) O conjunto deste exerciacutecio

que vemos pouco tempo depois jaacute constituiacutedo na escola de Alexandria (aproximadamente 50

anos) sob a preeminecircncia de Clemente (Bispo de Alexandria)462 continuou a evoluir no

decorrer dos seacuteculos e encontrou seu aacutepice no movimento Escolaacutestico da Idade Meacutedia463

Contudo parece-nos que a funccedilatildeo do Logos propriamente empregado dentro da realidade

teoloacutegica cristatilde originalmente foi de alguma maneira semeada por Justino

Ainda sobre esta praacutetica hermenecircutica de se assemelhar a teorema dos filoacutesofos gregos

com a revelaccedilatildeo biacuteblica (ou Patriacutestica) notamos com facilidade a apresentaccedilatildeo de certas

evidecircncias que nos levam ao ldquoberccedilordquo da obra do Apologista Definitivamente Justino parece

agregar conceitos em seu relato que claramente evidenciam isto pois ldquoa principal contribuiccedilatildeo

dos apologistas (sendo Justino expoente no contexto) foi sua tentativa de correlacionar o

cristianismo com a erudiccedilatildeo grega tentativa que encontrou sua expressatildeo mais marcante na

teoria do Logos e sua aplicaccedilatildeo agrave cristologia (mateacuteria determinante em Justino)rdquo464

A teoria cristatilde sobre o Logos tem caraacuteter preceituador e exerceu impacto relevante na

histoacuteria dogmaacutetica cristatilde pois de maneira imperiosa tornou acessiacutevel a sua realidade intelectual

tanto intra quanto extra muros transmitindo a ideia de que ldquoeste Verbo este Logos que assim

iluminou progressivamente a mente humana eacute o proacuteprio Cristo tal como se revelou em Jesus

por meio do qual o pensamento e a vida encontraram o seu significadordquo465 Nesta mesma linha

Wachholz apresenta um paralelo forte desta soma de posiccedilotildees

Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse Logos que se fez

carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento Por outro lado Justino tambeacutem pode

afirmar que os pagatildeos tambeacutem puderam conhecer o Logos embora parcialmente

(inclusive Soacutecrates e Platatildeo) Os cristatildeos por sua vez conhecem o Logos tal qual ele

eacute por causa da encarnaccedilatildeo do mesmo em Cristo466

Devemos ainda agregar a influecircncia estoica ndash a qual neste ponto de forma mais direta

inspirou intelectualmente a Justino ndash agrave preponderacircncia junto a apresentaccedilatildeo do Logos como o

462 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

463 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

464 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 24 grifo nosso

465 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

466 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

107

princiacutepio elementar (material e imaterial) de todas as coisas existentes nos escritos de Justino

O estoicismo mais que o platonismo conseguia de modo mais teacutecnico467 e com maior rigor no

periacuteodo definir tanto a convicccedilatildeo teoloacutegica de Justino468 como de todo o segmento Apologista

cristatildeo Dreher consegue frisar tal relaccedilatildeo e consequecircncia desta realidade ldquoLogos eacute para os

estoicos a Razatildeo Universal que tudo penetra e tudo comanda que tudo ordena Tambeacutem Justino

viu no Logos a Razatildeo Universal mas que se teria revelado no cristianismo de maneira mais

perfeitardquo469

Outro importante apontamento que merece destaque estaacute na ideia de criaccedilatildeo e

manutenccedilatildeo operado pelos Logos Aqui enfatiza-se que tudo estava ordenado pela Palavra que

era e foi criadora sustentadora e orientativa mais ainda tudo provinha desta mesma Palavra

que possuiacutea e estava (mantinha-se) em uma realidade imanente e preexistente a tudo Simonetti

afirma que ldquofunda-se sobre a conspecccedilatildeo de Cristo como Logos divino e nessa condiccedilatildeo

princiacutepio de racionalidade universal cujas sementes (spermata) entram em toda a criaccedilatildeo e

habilitam o homem a conhecer Deus como criador organizador e regente do mundordquo470 Disso

tudo podemos afirmar que Justino e seus contemporacircneos de fides et toga entendiam que ldquotoda

a verdade estaacute no Logos [] Logo toda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo471

Cabe-nos nesse conjunto apontar que na exposiccedilatildeo intelectual de Justino referente ao

Logos este natildeo desenvolve com clareza aquilo que seria a presenccedila da Palavra nos outros

homens Em seus registros vemos em alguns momentos que essa relaccedilatildeo de habitaccedilatildeo do Logos

(entendido como incipiente) no ser humano eacute descrita como um processo de semeadura (o

Logos sendo semeado)472 jaacute em outras passagens a analogia se constroacutei atraveacutes de uma imagem

467 Os Apologista do Seacuteculo II empregavam textos do Antigo Testamento como o Salmo 336 (ldquoOs ceus por sua

palavra [isto eacute pela Palavra do Senhor] se fizeramrdquo) onde natildeo hesitavam em misturaacute-los com a distinccedilatildeo teacutecnica

que os estoacuteicos faziam entre ldquopalavra imanenterdquo (grego logos endiathetos) e a ldquopalavra pronunciada ou expressardquo

(grego logos prophorikos) Esta distinccedilatildeo empregada pelos Apologistas visava diferenciar o duplo fato da

unicidade preacute-temporal de Cristo Seu estado preexistente com o Pai Sua manifestaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo

Ver KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

468 Nessa construccedilatildeo teoacuterica que em determinados momentos parece procurar indiacutecios sustentaacuteveis sobre qual

seria o sistema filosoacutefico de maior influecircncia na formaccedilatildeo do conceito de Logos em Justino ganha destaque o

apontamento de Simone o qual utilizando-se de um caraacuteter sucinto e soacutebrio parece definir com normatividade

esta relaccedilatildeo e seu desenvolvimento ldquoseu conceito estaacute mais proacuteximo do meacutedio platonismo do que do estoicismo

isto eacute a terminologia eacute estoica mas o pensamento subjacente eacute platocircnicordquo Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo

e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 798

469 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

470 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

471 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27 grifo nosso

472 Ver JUSTINO I Apologia XXXII 8 JUSTINO II Apologia VIII 1

108

de ldquoocupaccedilatildeordquo (posse) tanto plena473 quanto parcial474 em sua abrangecircncia475 O proacuteprio Justino

em sua II Apologia nos conduz a uma afirmaccedilatildeo de caraacuteter muito pertinente na tentativa de

explicar o porquecirc da accedilatildeo e necessidade da Palavra se manifestar aos homens Nessa afirmaccedilatildeo

ele regula o cristianismo como algo superior aos demais ensinos que procuravam ensinar sobre

a realidade do Logos como sendo um elemento orientativo Justino escreve sobre isso e afirma

que ldquoPortanto a nossa religiatildeo mostra-se mais sublime do que todo o ensinamento humano

pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo inteiro que eacute Cristo manifestado por noacutes

tornando-se corpo razatildeo e almardquo476

Justino nessa abordagem acaba por gerar em seu contexto uma evidenciaccedilatildeo

cristoloacutegica de importacircncia iacutempar pois salienta que a ldquodiferenccedila entre Cristo e os Homens

comuns encontra-se natildeo em alguma disparidade essencial de constituiccedilatildeo mas no fato de que

enquanto o Logos opera neles de forma fragmentada (kata meros) ou como uma semente em

Cristo Ele opera como um todordquo477 ou seja no Verbo que encarnou temos a plenitude da

manifestaccedilatildeo do Logos divino sendo este aquele mesmo que os filoacutesofos gregos anteriormente

jaacute haviam esquematizado478 poreacutem de maneira imperfeita

Prosseguindo em nossa construccedilatildeo algo que fica evidente neste exame eacute que mais que

esboccedilar uma ldquoexplicaccedilatildeo intelectualmente satisfatoacuteriardquo479 para o Logos Justino procura ser

expressivo mas natildeo necessariamente um sistemaacutetico deixando-nos carecentes de uma loacutegica

argumentativa mais robusta nesta questatildeo

Nesse aspecto encontramos orientaccedilatildeo junto a obras como a de Santos que

especificamente em nosso objetivo de pesquisa aparece provavelmente como uma das mais

qualificadas definiccedilotildees sobre agrave visatildeo de Justino e sua ressignificaccedilatildeo sobre o assunto Logos de

que disponibilizamos Partindo de dados extraiacutedos da anaacutelise sociorreligiosa do Seacuteculo II e a

473 Ver JUSTINO I Apologia XLVI 3

474 Ver JUSTINO II Apologia X 2 XIII 3

475 Deve-se distinguir entre o ldquoVerbo inteirordquo ingecircnito inefaacutevel o proacuteprio Cristo e o ldquoVerbo seminalrdquo que habita

nos homens especialmente nos saacutebios Ver FRANGIOTTI In Nota c II Apologia 1995 p 74

476 JUSTINO II Apologia X 1

477 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 108

478 Para Simone Justino se ampara claramente em uma tese oriunda do meacutedio platonismo quando procura

estabilizar sua ideia sobre haacute preexistecircncia antiguidade e universalidade do Logos Nesta inferecircncia o Apologista

baseia-se na ideia do meacutedio platonismo de que a transformaccedilatildeo do demiurgo miacutetico de Platatildeo visto como uma

forma de mente transcendente (PLATAcircO Timeu-Criacutetias 28c) se associa plenamente haacute figura do Deus Pai e

Criador do Cosmos trazida pela revelaccedilatildeo (sublime) do cristianismo Sendo deste modo o Logos apresentado

como ldquonascidogeradocriadordquo a partir do proacuteprio Deus Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799 LOPES In Nota 67 Timeu-Criacutetias 2011 p 95

479 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

109

estes somando algumas porccedilotildees da II Apologia de Justino Santos estabelece uma soacutelida

conexatildeo entre o Logos e o cristianismo Nesse conjunto de dados Santos consegue incorporar

a sua descriccedilatildeo uma das evidecircncias fundamentais que apontavam diretamente na diferenciaccedilatildeo

do extrato social agrave eacutepoca denominado cristatildeo Essa conjectura aplica-se assim se por um lado

o Logos eacute eterno foi anunciado anteriormente pelos profetas esteve manifesto na mente

(brilhante) dos filoacutesofos Logo isso o define como cristatildeo Conclusatildeo o Logos eacute Cristo Nossa

deduccedilatildeo eacute fraacutegil (em sentido teacutecnico) nem visa ser emblemaacutetica No entanto define e salienta

o pensamento de Justino que como veremos abaixo Santos ratifica se utilizando de raciociacutenio

similar por entender que Justino demonstra com clareza a concepccedilatildeo cristatilde daquele periacuteodo

sobre o Logos

O Logos total eacute aquele que soacute os cristatildeos possuem Por isso o cristianismo eacute a religiatildeo

por excelecircncia acima de toda filosofia e de qualquer matriz de pensamento humano

Justino declara que o cristianismo ldquomostra-se mais sublime do que todo o ensinamento

humano pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo por inteiro que eacute Cristo

manifestado por noacutes tornando-se corpo razatildeo e almardquo (JUSTINO II Apologia X 1)

O Logos eacute o Deus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles que

manifestam o Logos divino pois o possuem de forma integral O que eles manifestam

do Logos eacute o seu amor pela humanidade que eacute a razatildeo maacutexima de sua encarnaccedilatildeo

Entatildeo os cristatildeos revelam ao mundo que ldquoEle se tornou homem para partilhar de

nossos sofrimentos e curaacute-losrdquo (JUSTINO II Apologia XIII 4) O Logos serve para

explicar a semelhanccedila do comportamento moral dos cristatildeos com os ensinamentos dos

filoacutesofos principalmente os platocircnicos e estoicos (JUSTINO II Apologia XIII 2) e

ao mesmo tempo classifica os cristatildeos como superiores a eles (JUSTINO II Apologia

X 1)480

Para concluir a exposiccedilatildeo acerca de Justino dentro da filosofia grega podemos afirmar

sem nenhuma duacutevida que o Apologista eacute um verdadeiro filoacutesofo que entre outras coisas

compreendeu e praticou a vivacidade da revelaccedilatildeo do Logos divino entre os homens sempre

salientando que ldquotoda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo481 Assim neste processo

conduzido por Justino podemos afirmar que revelou-se ldquoa grande ideia (Logos) marcada com

o selo do gecircnio (Justino) que vai fazer desembocar na verdade cristatilde o platonismo o filonismo

e toda a expectativa das geraccedilotildees humanasrdquo482

A partir disto prosseguiremos falando a respeito do capiacutetulo XXVIII de nossa obra

referencial Poreacutem a partir de agora abordaremos precisamente uma de suas principais

480 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

481 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 29

482 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

110

caracteriacutesticas Essa peculiaridade que possivelmente se mostra como a mais elaborada entre

as proposiccedilotildees por noacutes jaacute apresentadas realccedila e enobrece nossa busca pelos melhores

argumentos para a definiccedilatildeo do termo Verdade retratado na I Apologia Assim uma

interrogaccedilatildeo elementar em nossa construccedilatildeo comeccedila a ser diretamente respondida

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra Virtude e vicio seriam puros nomes e os homens considerariam as coisas

como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidade483

O uacuteltimo item deste capiacutetulo visa possibilitar uma clara visatildeo bem como garantir a

genuiacutena adesatildeo ndash questatildeo que entendemos natildeo apenas como necessaacuteria mas sim como

fundamental para a compreensatildeo deste conceito ndash agrave perspectiva de Justino quanto ao que ele

sentenciou como algo determinante em sua proposta apologeacutetica Este modelo de conduta

adotado por Justino natildeo apenas relacionado pontualmente neste caso (I Apologia) caracteriza

com vigor desde o iniacutecio sua orientaccedilatildeo intelectual Aleacutem disso Justino passou a afirmar com

esta evidenciaccedilatildeo de casos toda sua ordem teoloacutegica baseada em sua anaacutelise racional como

tambeacutem agrave explicava ou no miacutenimo agrave definia mediante a maneira que estas relaccedilotildees se

posicionavam

Walde ao analisar aquilo que poderiacuteamos chamar do ldquocampo de anaacutelise racionalrdquo de

Justino ndash ao qual este estabelecia e limitava a sua reflexatildeo ndash sustenta que o pensamento da

Apologista parte de um ponto fixo de uma base depositada profundamente num conceito de

sua racionalizaccedilatildeo Segundo Walde para Justino ldquoQualquer coisa racional eacute cristatilde e qualquer

coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os homens da razatildeo e liberdade que natildeo

estavam perdidos desde a quedardquo484

Apoacutes esta citaccedilatildeo faz-se novamente necessaacuterio afirmar que esta pesquisa natildeo almeja

diretamente um debate soterioloacutegico nem sequer visa agregar conceitos ndash de nenhuma espeacutecie

ndash ao termo ldquoLivre Arbiacutetriordquo que empregado indiretamente por Walde possa sugerir debates

483 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4 grifo nosso)

484 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

111

teoloacutegicos nessa esfera Contudo salientamos que a ideia transmitida por Justino no capiacutetulo

XXVIII pode ser empregada com determinada liberdade nesta discussatildeo soterioloacutegica pois a

tomada do Livre Arbiacutetrio como atributo caracteriza uma abrangecircncia muito significativa

especialmente quando Justino afirma que o homem racional eacute ldquocapaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus pois todos

foram criados racionais e capazes de contemplar a verdaderdquo485

Entretanto agregar este ldquoescolherrdquo para fins soterioloacutegicos na tentativa de se

apresentar alguma possibilidade (em forma ou modo) de participaccedilatildeo humana no ato salviacutefico

de Deus em Cristo buscando dar o sentido de que o convencimento salviacutefico natildeo eacute uma

exclusividade da accedilatildeo Divina parece-nos ser um literal descaso com o texto uma vez que se

agrega a Justino algo que ele simplesmente natildeo estava tentando comunicar

Dando seguimento ao nosso assunto mencionamos que o principal criteacuterio que

procuramos definir nesta exposiccedilatildeo estaacute relacionado a importacircncia delegada por Justino agrave razatildeo

humana Eacute imprescindiacutevel nesta construccedilatildeo salientarmos que este recurso humano

(razatildeoracionalidade) era compreendido por Justino (e tambeacutem dos demais Apologistas do

periacuteodo) como uma das principais (se natildeo haacute principal) daacutedivas de Deus ao ser humano486 e

natildeo apenas isso mas este ldquopresenterdquo (uma espeacutecie de ldquodomrdquo praacutetico) possuiacutea tambeacutem uma

accedilatildeo determinante na existecircncia humana para com as coisas celestiais tanto no presente

(cotidiano) como para o futuro (escatoloacutegico) do ser criado

Inicialmente detectamos em Justino a importacircncia por ele atribuiacuteda agrave racionalidade

no homem quando passa a afirmar que ldquoNo princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional

capaz de escolher a verdade e praticar o bemrdquo487 Desta forma na concepccedilatildeo do Apologista a

Verdade era comunicada ndash ou ateacute mesmo sentenciada ndash ao ser humano por meio de sua

condiccedilatildeo inata (existente e natildeo adquirida) ou seja seu estado racional Aqui cabe-nos ainda

ressaltar que para Justino o homem para receber a revelaccedilatildeo da feacute em Cristo e mediante isso

agregar a si as benesses eou becircnccedilatildeos desta relaccedilatildeo se fazia necessaacuterio uma transmissatildeo desse

conhecimento ao entendimento humano e isso se dava pelo uso da razatildeo

Walde novamente soma a nossa pesquisa ao conceituar que ldquoDeus simplesmente natildeo

era conhecido por meio da razatildeo abstratardquo488 Assim podemos afirmar que Justino compreendia

485 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

486 DROBNER Manual de Patrologia 2008

487 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

488 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

112

(fortemente influenciado por uma tendecircncia apologista) que a Verdade naturalmente emergia

ao intelecto humano pela razatildeo apoacutes a conversatildeo do homem a Cristo Isso se condicionava

porque era o proacuteprio fruto da accedilatildeo regeneradora do Evangelho no ser humano que agora era

capaz de compreender o processo de separaccedilatildeo entre o joio e o trigo caso contraacuterio os ldquohomens

considerariam as coisas como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior

impiedade e iniquidaderdquo489

Neste contexto vemos um contraste interessante se formar Pois o Apologista nos

conduz a um quadro extremo no qual apresenta a opiniatildeo humana versus a Verdade Neste

ponto importa mencionarmos Fluck que afirma que Justino ldquoConsiderava que os adversaacuterios

do cristianismo insultavam a razatildeo e a moralrdquo490 Pode ateacute mesmo ser loacutegico poreacutem para nossa

pesquisa eacute imperativo e necessaacuterio salientar que para Justino natildeo havia duacutevidas acerca da

superioridade da Verdade quando revelada (especialmente no Logos) em oposiccedilatildeo agrave razatildeo

humana (caracterizada principalmente pela razatildeo oriunda da filosofia grega) Neste aspecto

Walde eacute categoacuterico e nos apresenta alguns paracircmetros dessa distinccedilatildeo empregada por Justino

Devo notar aqui que esta ecircnfase na razatildeo natildeo deve nos fazer pensar que a feacute natildeo

significava nada para Justino Ele se refere muitas vezes agrave feacute em suas apologias Ele

fala de noacutes sendo transformados ldquopor feacute atraveacutes do sangue e da morte de Cristordquo Ele

inclusive se refere a Abraatildeo que ldquofoi justificado e abenccediloado por Deus devido a sua

feacute nelerdquo No entanto o assunto de conhecimento eacute central aqui porque Justino deu

mais peso em crer nos ensinos de Cristo que crer no proacuteprio Cristo491

Em vista disso natildeo haacute duacutevidas de que a capacidade para decidir para escolher para

tonificar juiacutezos para agregar ou natildeo inferecircncias ou ateacute mesmo para se possuir um meacutetodo de

postura loacutegica passava claramente pela apropriaccedilatildeo da Verdade por meio da razatildeo humana na

concepccedilatildeo de Justino Sendo possiacutevel a partir de entatildeo formar-se no homem (exclusivamente

na experiencia cristatilde ndash com o verdadeiro Logos) os acordos morais para constituiccedilatildeo dos

pensamentos ou das ideias necessaacuterias para a vida humana

Por conseguinte somente aqueles que agregavam a si esta ldquorazatildeordquo (o Logos) poderiam

usufruir de um verdadeiro discernimento e juiacutezo que era proveniente Daquele que se tornou

489 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

490 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

491 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

113

ldquocorpo razatildeo e almardquo492 Diante disso clarificasse a ideia e torna-se vigente o conceito de que

para Justino o Logos eacute o ldquoDeus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles

que manifestam o Logos divino pois O possuem de forma integralrdquo493 Neste ponto em questatildeo

Schaff nos ajuda na compreensatildeo desta distinccedilatildeo

O cristianismo conteacutem a racionalidade necessaacuteria para ser aceito e compreendido pela

filosofia grega Dessa maneira defendendo o cristianismo Justino defendeu a feacute

cristatilde referindo-se agrave feacute em Cristo como forma de justificaccedilatildeo e transformaccedilatildeo sendo

essa feacute totalmente racional494

Este comportamento da feacute compreendida eou assimilada pela razatildeo mostrou-se mais

como uma forma de pensamento do que de conduta naquele momento da histoacuteria495 Isso levou

a classe Apologista do periacuteodo de Justino (praticamente toda helenista em sua origem eou base

cultural) a considerar este procedimento justo e legiacutetimo em sua ordem o que tambeacutem de

maneira muito razoaacutevel possibilitou que este entendimento fosse aceito e vivido496 de forma

significativa em determinados nichos da referida realidade sociorreligiosa

Neste quesito em particular notamos com clareza que o procedimento adotado por

Justino para defender a feacute cristatilde se utilizou de admiraacuteveis recursos filosoacuteficos (racionais)

Justino ldquoSoube juntar admiravelmente os princiacutepios da razatildeo com os dogmas da feacuterdquo497 para

comunicar-se com uma classe distinta intelectualmente de modo especial com aqueles

(Imperadores Senadores outros) aos quais as obras foram dirigidas (a I e II Apologias e o

Diaacutelogo com Trifatildeo no caso de Justino especificamente) A legitimidade da proposta de Justino

(apresentar a feacute cristatilde como um fato racional a ser implantado e assimilado pelos ouvintes)

permite algumas consideraccedilotildees Walde argumenta nesta direccedilatildeo quando diz

Era importante mostrar a racionalidade da feacute e o Logos era o locus da razatildeo nas altas

escolas de filosofia grega [] Isso garantiu a racionalidade do cristianismo

492 JUSTINO II Apologia X 1

493 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

494 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

495 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

496 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

497 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

114

identificando a Jesus como o Logos indicando Sua antiguidade que era importante

para a mentalidade grega em estabelecer uma crenccedila498

A partir deste ponto fomentaremos a atribuiccedilatildeo enfaacutetica do capiacutetulo XXVIII da I

Apologia onde Justino afirma com veemecircncia e certo rigor que ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus

se preocupe com essas coisasrdquo499 este (ou estes) passa por um consideraacutevel descompasso de

ordem moral Esta afirmaccedilatildeo eacute muito relevante no conjunto em que estaacute aplicada pois denota

de maneira singular toda a estrutura da mensagem do Apologista

Referente a esse caso nos eacute possiacutevel afirmar balizados em toda a descriccedilatildeo

empreendida do sistema de loacutegica adotado por Justino ndash sob clara influecircncia da escola

platocircnica500 ndash que para o Apologista os natildeo-cristatildeos (praticantes ou natildeo dos valores atribuiacutedos

a razatildeo) natildeo conseguiam ponderar com a autecircntica ldquorazatildeo universalrdquo a mesma que era e estava

implantada no ser humano de maneira inata e agora se fazia conhecer porque manifestava-se

nas vidas (consciecircncias regeneradas) dos cristatildeos501

A concepccedilatildeo sobre uma ordenaccedilatildeo coacutesmica universal vista na filosofia estoica502

comeccedila no contexto teoloacutegico de Justino a ser denominada de Logos Spermatikoacutes503 Conceito

que de forma ampla e sistemaacutetica passa a ser usado pelo autor ndash e consequentemente pelo meio

cristatildeo ndash em sua II Apologia na qual Justino ldquoatribui a Cristo a expressatildeo lsquoLogos Spermatikoacutesrsquo

(verbo seminal ou semente da razatildeo) significando que dEle procedem todas as coisasrdquo504

Assim quando os homens natildeo aceitam a distinccedilatildeo que a Verdade oferece para tudo que a ela eacute

estranho prova-se que eles (homens) necessariamente agem sem estar em seu juiacutezo pleno

completo perfeito ou seja natildeo satildeo dirigidos nem governados pelo verdadeiro Logos Nisso se

498 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

499 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

500 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

501 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

502 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

503 Fluck explica que o que se entendia na filosofia como ldquorazatildeo universalrdquo imanente em todas as coisas foi

relacionado a ldquosemente racionalrdquo que estaacute presente em todo ser humano (Logos Spermatikoacutes ou semente do

Logos) Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 33 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em

Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 17 Jaacute Haumlgglund diz que a razatildeo como um embriatildeo encontra-se implantada dentro

deles (Loacutegos Spermatikoacutes) Mas os apologistas em contraste com os estoicos natildeo diziam ser ela uma espeacutecie de

razatildeo universal concebida panteisticamente Em vez disso identificavam o Logos com Cristo Ver HAumlGGLUND

Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

504 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 20

115

conclui que estes homens estatildeo corrompidos na ldquosua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidaderdquo505

Logo podemos deduzir um final especiacutefico ao pensamento de Justino nesta periacutecope

Entendemos que o paralelo entre feacute e razatildeo eacute um excelente instrumento indicativo orientador

e balizador na tentativa de afirmaccedilatildeo de sua doutrina e de refutaccedilatildeo do erro sendo que o

constituidor dessa anaacutelise deficiente da realidade (o erro de natildeo se utilizar corretamente da

razatildeo) se estabelecia em um conjunto temaacutetico muito amplo e complexo (crenccedilas instituiccedilotildees

poliacutetica etc) o qual decidimos chamar de realidade ou meio sociorreligioso

Sabemos que aplicar o relato de Justino a anaacutelises contemporacircneas pode causar um

aprisionamento indevido de um pensamento nobre e puro mas eacute inquestionaacutevel o uso de meios

e ferramentas que mostram com clareza ndash em uma orquestraccedilatildeo quase impecaacutevel ndash os incriacuteveis

subsiacutedios racionais que Justino possui para julgar o cenaacuterio de seus conflitos Dreher nesta

esteira enfatiza que para Justino em ldquoCristo toda a filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo Por isso os

cristatildeos satildeo os verdadeiros seres racionaisrdquo506

Portanto deduzimos a partir de tantas evidecircncias que na compreensatildeo de Justino a

Verdade tambeacutem se encontra no seu oposto pois sempre que o homem natildeo usar da razatildeo para

assumir viver e praticar a Verdade ldquoou teraacute que confessar com sofismas que natildeo existe (a

Verdade) ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como uma

pedrardquo507

Na abordagem deste capiacutetulo trabalhamos a construccedilatildeo da imagem de Justino Maacutertir

como um filoacutesofo inserido e atuante no mundo greco-romano do Seacuteculo II dC ou como citado

anteriormente da filosofia na vida do cristatildeo Justino Procuramos por meio deste exame fazer

uma clara e suficiente descriccedilatildeo do corpo base desta anaacutelise que partiu e se concentrou no

capiacutetulo XXVIII da I Apologia Em seguida passamos a um exame da vida do autor em meio

agrave filosofia de sua eacutepoca e descrevemos as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo do

Apologista Aleacutem disso abordamos o efeito desta construccedilatildeo que possivelmente se tornou um

dos maiores (se natildeo o principal) legados deixado pelo autor Por uacuteltimo buscamos estabelecer

um comentaacuterio soacutebrio sobre a tese de Justino a respeito da realidade da razatildeo regenerada como

o agente arbitral na vida humana como a ldquoforccedilardquo condutora para se conhecer agrave Verdade

505 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

506 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

507 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

116

No proacuteximo capiacutetulo trataremos do que em nossa opiniatildeo eacute o ponto epiteacutetico deste

relato apologeacutetico de Justino Mesmo diante de muitas circunstacircncias que em sua eacutepoca afligiam

consideravelmente a cristandade Justino nos apresenta uma ldquochave mestrardquo que no seu

entendimento nos prova que o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga e deste modo a uacutenica que

revela genuinamente a Verdade

117

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO

Poderiam nos objetar ldquoQue inconveniente haacute em que esse que noacutes chamamos Cristo

seja um homem que vem de outros homens e que por arte maacutegica fez os prodiacutegios

que dizemos e por isso pareceu ser filho de Deusrdquo Apresentaremos pois a

demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos mas crendo por

necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da forma que os vemos

cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos tal como foram

profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes mesmos a mais forte

e a mais verdadeira508

Iniciamos a seccedilatildeo final desta dissertaccedilatildeo partindo novamente da principal delimitaccedilatildeo

textual empregada a esta pesquisa Neste espaccedilo nossa anaacutelise se concentraraacute no capiacutetulo XXX

da I Apologia onde encontramos uma enfaacutetica afirmaccedilatildeo apresentada acerca da leitura das

profecias do Antigo Testamento e da interpretaccedilatildeo que Justino fez delas

Quando examinamos a trajetoacuteria de Justino na feacute cristatilde nos deparamos com

comentaacuterios situacionais que visam fixar conjuntos referenciais sobre as coisas consideradas

reais as quais nos possibilitem identificar com clareza as situaccedilotildees existentes no cenaacuterio

analisado Uma dessas afirmaccedilotildees seria a de que ldquoSeguindo sua inspiraccedilatildeo (de Justino) logo

houve outros cristatildeos que se dedicaram a construir pontes entre sua feacute e a cultura da

antiguidaderdquo509 Asserccedilotildees como esta mostram um caminho amplo e sistecircmico de um projeto

de construccedilatildeo que visa estabelecer novos paradigmas neste caso especiacutefico para a cristandade

da eacutepoca

Este processo natildeo eacute formado simplesmente por elementos de coesatildeo mas tambeacutem por

muitas medidas de desconexatildeo Em alguns momentos o projeto evangeliacutestico de Justino eacute

desenvolvido majoritariamente por meios apologeacuteticos e foi amplamente caracterizado por

visar um processo de desconstruccedilatildeo dos valores vigentes de seu meio sociorreligioso algo que

jaacute atestamos anteriormente relacionando o processo dialeacutetico de Justino a outros fatores

Seguindo esse processo este capiacutetulo nasce da necessidade de apresentarmos uma

resposta satisfatoacuteria para algo que surge na parte final da porccedilatildeo selecionada como base

(capiacutetulos XXIII a XXX da I Apologia) de nossa busca de soluccedilotildees para o objetivo central desta

pesquisa Neste contexto um ponto epiteacutetico surge e se move em meio agraves palavras de Justino

sendo enfaticamente referido ao cumprimento profeacutetico do Antigo Testamento Esse caso

508 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

509 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

118

interpretativo do Apologista natildeo ocorre apenas no capiacutetulo XXX mas tambeacutem em outras

passagens da I Apologia510 as quais condicionaratildeo o alvo final de nossa anaacutelise

Entretanto se haacute um epiacuteteto significa que haacute um cliacutemax neste conjunto que requer ser

exposto e acima de tudo abordado Deste modo surgem algumas indagaccedilotildees sobre este ponto

alto levantado e abordado por Justino Essa busca nos leva a perguntar como estava a

consciecircncia sobre a realidade messiacircnica no Seacuteculo II em meio aos cristatildeos O que eram e o

que significavam as profecias consideradas messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino

Elas se realizaram na visatildeo do autor O que ele visava comunicar para seus leitores atraveacutes

delas Havia nelas um ponto alto uma maacutexima a ser revelada Por uacuteltimo havia como a

Verdade ser revelada eou representada por meio do cumprimento dessas profecias

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO

O messianismo como movimento teoloacutegico tem uma longiacutenqua e variada histoacuteria em

sua estruturaccedilatildeo e desenvolvimento Diversos cenaacuterios humanos desde as antigas dinastias do

Impeacuterio Egiacutepcio passando por quase todo crescente feacutertil chegando ateacute a antiga realeza

Mesopotacircmica descreviam traccedilos de similaridade que apresentavam um ser protagonista em

seu ambiente poliacutetico e religioso (caso essa diferenciaccedilatildeo possa existir para a eacutepoca) o qual

passa a caber como uma entidade superior gerada manifestada sustentada e dirigida

Divinamente

A pesquisa moderna nos tem surpreendido de maneira constante ao apresentar

elementos encontrados nas civilizaccedilotildees antigas os quais se referem agrave ideia sobre a existecircncia

de uma figura messiacircnica de presenccedila soberana potencial salviacutefico e valor moral ilibado O

Egito como um grande Impeacuterio na antiguidade jaacute nos expotildee uma diversidade de personagens

exoacuteticos (que envolviam essencialmente a figura do ImperadorFaraoacute) que deveriam de

maneira fundamental exercer uma ordem religiosa poliacutetica e moral Cabe-nos ressaltar de iniacutecio

que ldquolonge de produzir qualquer coisa parecida com a figura de um lsquoMessiasrsquordquo511 como no

judaiacutesmo as crenccedilas religiosas no antigo Egito salientavam que esse agente mantenedor da

ordem coacutesmica ndash com accedilatildeo visiacutevel no tempo presente ndash faria por meio de sua sucessatildeo

(dinastia) a manutenccedilatildeo desses elementos cariacutessimos para o bem geral e deste modo

510 Ver JUSTINO I Apologia XXXIII 1 XXXVI 6 XLIV 3 XLVIII 1 LI 6 LII 1 4

511 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 52

119

possibilitaria a passagem para o mundo futuro de qualidade superior por ser santificado pela

ldquopassagem do deus-Sol pelo aleacutemrdquo512

Quanto agrave regiatildeo da Mesopotacircmia os povos de origem Sumeacuteria Babilocircnica e Assiacuteria

demonstram similar afinidade quando buscam exteriorizar o modelo de realeza ideal a ser

desempenhado pelo respectivo soberano em atividade Nestes povos nos chama a atenccedilatildeo que

a linhagem deste personagem era considerada uma inquestionaacutevel instituiccedilatildeo Divina sendo

ldquodesignado pelo pai (Rei predecessor) como o priacutencipe herdeirordquo513 Tal nomeaccedilatildeo era ldquofeita

com a aprovaccedilatildeo dos deusesrdquo514 algo que tambeacutem ocorre de forma similar na aprovaccedilatildeo de

Davi e sua linhagem como monarquia perpeacutetua515 Quanto aos Mesopotacircmicos ainda eacute

necessaacuterio mencionar a respeito de suas ldquoinscriccedilotildees reacutegiasrdquo516 que apresentavam a solene

tradiccedilatildeo ao povo tambeacutem traziam consigo a responsabilidade de descrever o ethos do Soberano

como algueacutem que fora designado e iluminado divinamente para o cargoposiccedilatildeo Essa

contestaccedilatildeo explica por que ldquoNesse sentido a antiga Mesopotacircmia era verdadeiramente

messiacircnicardquo517

No Antigo Testamento variadas e amplas satildeo as alternativas que se apresentam na

construccedilatildeo de uma possiacutevel linha de pesquisa sobre o tema Elas perpassam todo o texto biacuteblico

do Pentateuco aos Profetas Menores ganhando destaque junto aos Livros Histoacuterico que ldquonos

permitem conhecer todas as luzes e sombras da esperanccedila messiacircnicardquo518 aleacutem de tambeacutem

encontrar uma ecircnfase diretiva nos Profetas Maiores (Isaiacuteas e Ezequiel por exemplo) Contudo

eacute nos escritos Poeacuteticos e Sapienciais que encontra-se o repouso pleno dessa mensagem de

esperanccedila e o Livro dos Salmos ganha significativa relevacircncia junto ao cenaacuterio Hamilton nos

enfatiza que a ldquoliteratura de Salmos considera de modo todo especial o mashicircah como agente

512 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

513 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 grifo nosso No Original

Designato dal padre come principe ereditario

514 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 No original fatta con

lapprovazione degli dei

515 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

516 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

517 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

518 SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 103

120

de Deus ou seu vice regente (como em Sl 22)rdquo519 Esta perspectiva ndash recebida mediante os

escritos considerados profeacuteticos sobre a figura ldquosalviacuteficardquo para Israel ndash fica clara quando

salienta a trajetoacuteria do Ungido ao fazer seu percurso de caraacuteter libertador e restaurativo Este

anuacutencio salviacutefico conecta-se automaticamente de forma simples ao proacuteximo passo desta missatildeo

libertadora520 a qual consideraraacute as profecias como realizadas em definitivo

Ao examinarmos alguns dos conceitos fundamentais da hermenecircutica messiacircnica no

Novo Testamento vemos que a expectativa sobre o restabelecimento de um reino Daviacutedico

sobre a terra (amplamente difundido na concepccedilatildeo religiosa do judaiacutesmo tardio) faz com que a

Nova Alianccedila estabelecida na concepccedilatildeo dos cristatildeos atraveacutes do advento do Ungido ganhe

contornos bem definidos no sentido de enxergar na figura de Jesus Cristo o cumprimento

absoluto das promessas messiacircnicas

Dos Evangelhos ao Apocalipse de Joatildeo o messianismo que antes representava

majoritariamente um princiacutepio de restauraccedilatildeo poliacutetica e espiritual para diversos movimentos

judaicos passou a ganhar nova e emblemaacutetica posiccedilatildeo pois tudo ndash em maior ou menor

proporccedilatildeo dependendo do autor biacuteblico ndash foi constituiacutedo pela forte convicccedilatildeo do elemento

messiacircnico (como um ente) relacionado agrave ldquopresenccedila terrena passada de Jesus o Messias

(prometido a Israel)rdquo521 vinculando Este agrave realidade dos fatos presentes e dos eventos futuros

(escatoloacutegicos) aguardados pelos cristatildeos Importante tambeacutem citarmos que para a formaccedilatildeo

dogmaacutetica no Seacuteculo I os relatos histoacutericos do cristianismo (Atos dos Apoacutestolos) tiveram

fundamental importacircncia nesta construccedilatildeo teoloacutegica pois viriam ldquopara confirmar tanto a

historicidade do personagem quanto sua consideraccedilatildeo popular do Messiasrdquo522

Tratando-se do periacuteodo poacutes-apostoacutelico ateacute os dias de Justino ndash ponto que se torna o

delimitador desse item ndash vemos que uma pujante cristalizaccedilatildeo sobre o conceito messiacircnico se

estruturava sem maiores dificuldades O relato escrituriacutestico somado agrave forte conscientizaccedilatildeo

sobre a existecircncia de um futuro reinado messiacircnico sobre a terra ratificava de forma decisiva

519 HAMILTON In 1255c maumlshicircah Ungido aquele que eacute ungido Dicionaacuterio Internacional de Teologia do

Antigo Testamento 1998 p 885 grifo do autor

520 Cabe-nos registrar que o periacuteodo entre 340 aC a 30 dC eacute riquiacutessimo no que se trata de documentaccedilatildeo

envolvendo o tema messiacircnico em Israel Os escritos de Qumran satildeo proacutedigos em registros que tratam sobre a

expectativaesperanccedila messiacircnica para o periacuteodo que antecede e inaugura o Novo Testamento Ver BROOKE In

Realeza e messianismo nos manuscritos do Mar Morto Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 451-472 SICRE De Davi ao Messias textos

baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 334-351

521 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 510 grifo nosso

522 MIRALLES El Mesiacuteas en tiempos del NT 2006 p 40 No original a confirmar tanto la historicidad el

personaje como su consideracioacuten popular de Mesiacuteas

121

a mentalidade cristatilde no periacuteodo a ponto de podermos afirmar que ldquotornou-se caracteriacutestica da

escatologia cristatilde primitiva por exemplo Justino Dial 113 139 Tertuliano Adv Marcionem

3 24 Irineu Adv Haer 5 33 3-4rdquo523 entre outros Pais ateacute final do Seacuteculo II o estabelecimento

do entendimento de que o pleno cumprimento das profecias messiacircnicas estava em Jesus Cristo

tanto nos fatos jaacute realizados quanto nos ainda por se cumprirem524 Este caso em especiacutefico

tambeacutem nos atesta que os Pais Apologistas foram aqueles que produziram os ldquoprimeiros ensaios

de teologia cientiacutefica que apareceram na Igrejardquo525 mostrando deste modo quatildeo notaacutevel foi

sua influecircncia Esta tendecircncia hermenecircutica messiacircnica na Patriacutestica perdurou ateacute o advento da

escola alexandrina no iniacutecio do Seacuteculo III526

Deste modo de maneira incontestaacutevel podemos afirmar que o messianismo como

temaacutetica teoloacutegica tornou-se uma das contribuiccedilotildees mais importantes da histoacuteria da

religiosidade monoteiacutesta a niacutevel mundial tendo como seus baluartes intelectuais o cristianismo

(de forma maciccedila) e algumas correntes do judaiacutesmo Este ideaacuterio teoloacutegico ndash que se concentra

em um ou dois agentes527 de superaccedilatildeo da realidade sociorreligiosa ndash iniciou-se provavelmente

como algo inserido profundamente em ditames de teor poliacutetico passando posteriormente a ser

um princiacutepio orientativo para determinados seguimentos religiosos e acabou por se definir em

uma expectativaesperanccedila de caraacuteter excepcionalmente escatoloacutegico

Salientamos que a partir do desenvolvimento da ldquoideologiardquo messiacircnica houve uma

abrupta ruptura entre as suas duas principais correntes de aclamaccedilatildeo especialmente devido a

singularidade identitaacuteria do protagonista algo de imensa relevacircncia para ambos os lados Este

fato requerido e inegociaacutevel em sua espeacutecie tornou-se o ldquoatestadordquo do cumprimento profeacutetico

das exigecircncias teoloacutegicas que distinguiam especialmente a ldquoliteratura cristatilde primitivardquo528

Obviamente sabemos que estas ldquobalizasrdquo envolvem a pessoa de Jesus morador histoacuterico da

cidade de Nazareacute como sendo o autecircntico Ungido (MessiasCristo) prometido a Israel

Os passos a seguir nos conduziratildeo de maneira especiacutefica novamente ao pensamento

de Justino Sua compreensatildeo do escopo profeacutetico messiacircnico do Antigo Testamento torna-se a

523 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 493 grifo do autor

524 Aqui nos referimos a tese moderna do ldquojaacute e o ainda natildeordquo desenvolvida por Oscar Cullmann Ver

CULLMANN Salvation in History 1967

525 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 49

526 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

527 Ver SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 342-343

528 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 492

122

partir de agora nosso alvo e objeto de anaacutelise Esse conjunto de fatos que exteriorizou a

revelaccedilatildeo Divina antes do advento do cristianismo como religiatildeo acabou por condicionar-se

entre outras coisas em um dos casos mais pertinentes da doutrina cristatilde em toda a sua histoacuteria

O Logos Palavra Verbo que encarnou na concepccedilatildeo cristatilde foi entendimento claramente como

o Messias prometido a Israel o qual toda a tradiccedilatildeo religiosa judaica (por seacuteculos) ainda

esperava poreacutem Justino junto aos seus (cristatildeos) jaacute o havia reconhecido e recebido como

Deus

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO

Toda abordagem de Justino nesta temaacutetica possui um elevado grau de reconhecimento

especialmente devido agrave sua posiccedilatildeo Patriacutestica pois em Justino nos eacute possiacutevel afirmar que este

foi ldquoum dos primeiros autores cristatildeos a formular a exegese da presenccedila do Verbo-Messias na

Lei e nos profetasrdquo529 Esse reconhecimento se destaca por meio de um forte aparato

metodoloacutegico no qual a estruturaccedilatildeo escrituriacutestica do Apologista ganha ecircnfase Xavier salienta-

nos esta orientaccedilatildeo definindo-a como um proacutedigo ldquoponto cardealrdquo na temaacutetica do autor ldquosua

obra como um todo contribuiacute para explicar a feacute cristatilde baseada nas Escrituras como a fonte

suprema de autoridade cujas profecias podem ser compreendidas somente pela Graccedila de

Deusrdquo530

Ao analisarmos a I Apologia fica-nos evidente a relaccedilatildeo que Justino faz de forma

automaacutetica ou seja como uma consequecircncia procedimental do papel das Escrituras Sagradas

referente a manifestaccedilatildeo de Cristo como pessoa humana e como ministro das coisas celestiais

Aleacutem disso Justino contempla (reconhece) nas profecias toda a revelaccedilatildeo que Deus visou

apresentar aos Homens atraveacutes do Logos encarnado em Cristo Notamos que este

condicionamento oferecido por Justino acaba por se tornar desde cedo em sua anaacutelise profeacutetica

(do Antigo Testamento) algo absolutamente imperativo e imparcial para com o

desenvolvimento de sua perspectiva messiacircnica Na visatildeo do Apologista tudo o que eacute

legalmente oferecido e constituiacutedo em Cristo ldquorepousa nas profecias veterotestamentaacuterias e no

que ele chama de lsquomemoacuteriasrsquo dos apoacutestolos ou seja os evangelhos (JUSTINO I Apologia

LXVI 3)rdquo531

529 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

530 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

531 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

123

Neste contexto cabe-nos ressaltar esta importante fundamentaccedilatildeo do Texto Sagrado

como tambeacutem da Tradiccedilatildeo Apostoacutelica encontrada em Justino Estes alicerces da feacute cristatilde

significam e tem para Justino a funccedilatildeo de ldquobuacutessolardquo teoloacutegica a qual neste caso

especificamente sempre estaacute estabilizada na direccedilatildeo do ldquonorterdquo profeacutetico o qual sem exageros

podemos chamar de uma espeacutecie de ldquonorte messiacircnicordquo Isso porque sua interpretaccedilatildeo

(exegese) nasce de uma hermenecircutica claramente messiacircnica algo que notamos sempre de

forma niacutetida quando o Apologista aponta para a direccedilatildeo de tentar migrar agrave atenccedilatildeo ndash ou

poderiacuteamos dizer moldar o entendimento ndash de seus ouvintes para estes fatos (profecias

messiacircnicas) que possuiacuteam um teor incontestaacutevel na oacutetica do Apologista Indiscutivelmente

para Justino a ldquoprofecia eacute a prova maacuteximardquo532 eacute ldquoo ponto mais forte em relaccedilatildeo agrave veracidade

do cristianismordquo533

Algumas das passagens da I Apologia contribuem decisivamente para este conceito

Por exemplo quando Justino afirma ldquoDisso proveacutem nossa firmeza em aceitar seus

ensinamentos pois se manifesta realizado tudo quanto ele predisse que aconteceria Eis a obra

de Deus dizer as coisas antes que aconteccedilam e depois mostrar o acontecido tal qual ele foi

preditordquo534 Logo adiante no mesmo contexto o Apologista robustece ainda mais seu

raciociacutenio seguindo em uma de suas mais peculiares abordagens Justino claramente natildeo visa

um posicionamento maiecircutico535 nem busca uma manifestaccedilatildeo sofista para com o puacuteblico-alvo

de sua I Apologia Assim ele reafirma com zelo a determinaccedilatildeo de seu ideaacuterio de feacute

ldquoPoderiacuteamos terminar aqui o nosso discurso sem acrescentar mais nada considerando que

pedimos coisas justas e verdadeirasrdquo536

Neste trecho transparece-nos a ideia de que Justino reconhecia nas profecias algo de

elementar e misterioso que natildeo podia ser ocultado Para o Apologista estaacute expliacutecito que aquilo

que esta projeccedilatildeo Divina ndash de essecircncia clara devida e orientada segundo a obra do Espiacuterito

Santo ndash visava expressar ao conhecimento humano era o conteuacutedo filosoacutefico salviacutefico do Logos

que ldquoilumina toda alma de boa vontaderdquo537 fazendo com que as profecias da Antiga Alianccedila

532 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 23

533 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

534 JUSTINO I Apologia XII 10 grifo nosso

535 Maiecircutica (maimiddotecircumiddottimiddotca) grego maieutikeacute ciecircncia ou arte do parto Substantivo feminino Significa Uma das

formas pedagoacutegicas do processo socraacutetico a qual consiste em multiplicar as perguntas a fim de obter por induccedilatildeo

dos casos particulares e concretos um conceito geral do objeto em estudo Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua

Portuguesa Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgmaiecircuticagt Acesso em 12 de mar 2019

536 JUSTINO I Apologia XII 11 grifo nosso

537 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

124

evidentemente conseguissem comunicar seu caraacuteter e estado superior o qual por ter-se

concretizado na manifestaccedilatildeo do Evangelho de Cristo atestava o cumprimento das Boas Novas

do Logos que os profetas (e tambeacutem os filoacutesofos538) haviam recebido no passado como um

sinal visiacutevel de que agrave Palavra Incriada visitaria plenamente aos homens Neste aspecto

podemos celebrar juntamente com Justino sua tentativa ordenada ndash e consequentemente loacutegica

ndash de aprumar a religiatildeo cristatilde neste cenaacuterio profeacutetico Sobre esta praacutetica Santos comenta o

seguinte

Em seu texto Justino parece revelar-nos que as profecias foram o que mais o

convenceram quanto agrave ldquoverdaderdquo do evangelho Se sua busca era encontrar Deus

(JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6) no cristianismo ele o encontrou a partir da

veracidade das profecias Elas eram a confirmaccedilatildeo de que o cristianismo era a

verdade que ele tanto procurava539

Quando se lecirc a I Apologia percebe-se que o contato de Justino com o Antigo

Testamento foi muito significativo algo que possivelmente foi ocasionado e fomentado por sua

relaccedilatildeo de proximidade na infacircncia e juventude com o ambiente judeu na cidade de Flaacutevia

Neaacutepolis mesmo que sua obra natildeo nos indique um ldquoconhecimento aprofundado do

judaiacutesmordquo540 do periacuteodo por parte de Justino

Contudo uma ordenaccedilatildeo de caraacuteter sadia ndash no sentido interpretativo ndash nos parece ter

surgido desde cedo na relaccedilatildeo analiacutetica de Justino para com as profecias veterotestamentaacuterios

Pode-se afirmar que os profetas e suas profecias lhe despertaram muito a consciecircncia e

provocaram grande reflexatildeo em Justino Dois outros aspectos chamam bastante a atenccedilatildeo

porque descrevem com consistecircncia a posiccedilatildeo hermenecircutica de Justino O primeiro estaacute

relacionado a sua defesa da ideia de que o Antigo Testamento retrata tipologicamente a Nova

Alianccedila O segundo eacute o conjunto messiacircnico desenvolvido na I Apologia541 algo que veremos

mais detalhadamente a seguir Voltando ao primeiro ponto a pesquisa de Xavier nos auxilia

significativamente pois consegue sintetizaacute-lo de forma ampla e coerente

538 Ver JUSTINO I Apologia XLIV 1-13

539 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

grifo nosso

540 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

541 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

125

No tratado ldquoContra Maacutercionrdquo refuta os ensinos deste que instigavam a crer em outro

deus maior do que o criador proferindo blasfecircmias e negando que o criador do

universo seja o Pai de Cristo Embora Marciatildeo fosse considerado cristatildeo ensinava

que o Antigo Testamento natildeo devia ser seguido pelos cristatildeos por ser muito diferente

dos ensinos de Cristo Os judeus por sua vez tambeacutem diziam que os cristatildeos

interpretavam mal o Antigo Testamento vendo nele a preparaccedilatildeo para a vinda de

Jesus Essas discussotildees propiciaram Justino a escrever ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo onde

ele argumenta com o judeu Trifatildeo acerca da relaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e o Antigo

Testamento utilizando-se de tipologias visando demonstrar como se interpreta o

Antigo Testamento afirmando que ldquo[] o Antigo Testamento aponta para Jesus

principalmente de dois modos mediante suas palavras profeacuteticas e mediante atos e

accedilotildees que satildeo lsquofigurasrsquo ou lsquotiposrsquo que tambeacutem apontam para Jesusrdquo A interpretaccedilatildeo

tipoloacutegica de Justino baseia-se nos proacuteprios fatos histoacutericos em particular nos fatos

da vida de Jesus542

Nesta posiccedilatildeo do exame cabe-nos recordar e ressaltar o caraacuteter fortemente

empiacuterico543 que se apresenta novamente no relato de nosso autor Este se sustenta de maneira

consideraacutevel pois eacute utilizado como um criteacuterio comprobatoacuterio da metodologia apologeacutetica de

Justino Como jaacute vimos anteriormente Justino natildeo era um empirista segundo o rigor que o

termo exige a partir do Seacuteculo XVII Entretanto o Apologista parece conduzir a concepccedilatildeo do

real a uma inevitaacutevel relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica especialmente no caso do Logos profetizado

que se manifestou em Cristo Assim torna-se inevitaacutevel reconhecer que para Justino a Verdade

se manifestou no reconhecimento da experiecircncia do homem para com agrave profecia Divina

Algo que tambeacutem nos chama bastante atenccedilatildeo nesta cena eacute que este suposto meacutetodo

empirista que poderiacuteamos chamar de claacutessico544 parece ser mais atrelado agraves teorias aristoteacutelicas

do que platocircnicas545 devido agrave grande valorizaccedilatildeo do meacutetodo indutivo Desta forma vemos no

capiacutetulo XXX da I Apologista um conjunto que visa apontar elementos de teor comprobatoacuterio

Nesta porccedilatildeo encontramos a partir da visatildeo do Apologista a seguinte conceituaccedilatildeo

Apresentaremos pois a demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos

mas crendo por necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da

forma que os vemos cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos

tal como foram profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes

mesmos a mais forte e a mais verdadeira546

542 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 19

543 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

544 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

545 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

546 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

126

Algo de importacircncia singular em toda esta exposiccedilatildeo eacute o estabelecimento da ideia

como tambeacutem a percepccedilatildeo de um estado ativo de consciecircncia em Justino Para ele as profecias

veterotestamentaacuterias tecircm sua origem (entenda-se inspiraccedilatildeo) na terceira pessoa da Trindade547

O Espiacuterito Santo que Justino chama de ldquoEspiacuterito profeacuteticordquo548 aparece em seus registros como

Aquele que atua de forma proclamadora sendo o agente inspirador e formador no espiacuterito dos

profetas da Palavra a ser promulgada trazendo ao conhecimento de todos por meio desses

servos os eventos divinos que futuramente se revelariam Aqui vale-nos registrar que o

princiacutepio de pressaacutegio como algo que foi ajuizado para se revelar num tempo futuro possuiacutea

fundamental importacircncia nesta conceituaccedilatildeo Para Justino era imprescindiacutevel em sua

construccedilatildeo apologeacutetica salientar que as profecias foram registradas efetivamente antes de seu

cumprimento ou seja antes de terem se tornado fatos reais549

Neste contexto cabe-nos examinar duas passagens da I Apologia que promovem esta

ideia Sem desejarmos abordar de maneira direta qualquer outra ecircnfase teoloacutegica nestas

passagens ndash por exemplo aplicaccedilotildees escatoloacutegicas e outras ndash iremos apenas nos focar naquilo

que entendemos ser o grau de concordacircncia substancial oferecido e exigido por ambas as

porccedilotildees dentro de nossa temaacutetica A anaacutelise profeacutetica (interpretaccedilatildeo) do Apologista se

desenvolve desta forma

Entre os judeus houve profetas de Deus atraveacutes dos quais o Espiacuterito profeacutetico

anunciou antecipadamente os acontecimentos futuros e os reis que segundo os

tempos se sucederam entre os judeus apropriando-se de tais profecias guardaram-nas

cuidadosamente tal como foram ditas e tal como os proacuteprios profetas as consignaram

em seus livros escritos em sua proacutepria liacutengua hebraica [] E de novo o mesmo

profeta Isaiacuteas inspirado pelo Espiacuterito profeacutetico disse [hellip]rdquo550

De forma emblemaacutetica vemos na apresentaccedilatildeo de Justino relacionada ao proacuteprio

Cristo Logos Messias o ponto elementar e essencial para a interpretaccedilatildeo da revelaccedilatildeo profeacutetica

do Antigo Testamento uma vez que o conhecimento transcendental relacionado agrave pessoa de

547 Justino coordena com certa razoabilidade em seus escritos a descriccedilatildeo das Trecircs Pessoas Divinas utilizando-se

especialmente para isso de foacutermulas obtidas dos ritos de batismo e eucaristia Suas referecircncias ao Espiacuterito Santo

aparecem com normalidade em suas obras embora Justino natildeo seja absolutamente claro acerca da relaccedilatildeo entre as

funccedilotildees do Espiacuterito e as do Logos em algumas passagens Entretanto eacute niacutetido que o Apologista considerava que

estes (Pai Logos e Espiacuterito) eram realmente pessoas distintas Ver JUSTINO I Apologia LXI 3-12 KELLY

Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 75

548 JUSTINO I Apologia VI 2

549 JUSTINO I Apologia XII 9-10

550 JUSTINO I Apologia XXXI 1 XXXV 3a grifo nosso

127

Jesus manifestava a sua proacutepria natureza ministerial ou seja revelava o Messias prometido a

Israel Em um contexto que aborda sobre Moiseacutes e as profecias messiacircnicas Justino eacute

categoacuterico em afirmar ldquoateacute agrave apariccedilatildeo de Jesus Cristo nosso Mestre e interprete das profecias

desconhecidas tal como foi de antematildeo dito pelo Espiacuterito Santo profeacutetico por meio de Moiseacutes

que natildeo faltaria priacutencipe dos judeus ateacute aquele para o qual estaacute reservada a realezardquo551

Nesta mesma abordagem torna-se importante fazer uma observaccedilatildeo quanto agrave

excepcional erudiccedilatildeo apresentada por Justino O Apologista fomenta uma impecaacutevel exegese

de caracteriacutestica e ordenamento dogmaacutetico algo que explica as peculiaridades do autor e seu

meio intelectual (Patriacutestico)552 distinccedilatildeo que tambeacutem pode ser detectada em sua apresentaccedilatildeo

de caraacuteter expositivo dos textos biacuteblicos utilizados553 Santos contribui decisivamente na

construccedilatildeo deste realce

Mas ele mesmo se mostra um exiacutemio exegeta ao enumerar e manusear as profecias

tanto do Antigo Testamento quanto as do Novo Testamento Justino as interpreta as

explica as esclarece revela a que se referem com uma forte argumentaccedilatildeo Haacute

algumas incoerecircncias em suas interpretaccedilotildees poreacutem estas satildeo frutos das boas

intenccedilotildees em demonstrar o quanto as profecias comprovam a superioridade da feacute dos

cristatildeos554

Notamos portanto que Justino representa mais do que uma ideia destacadamente ele

representa a continuidade de uma fiel relaccedilatildeo entre a profecia aplicada no passado e a

orquestraccedilatildeo de seu estabelecimento no presente555 Este presente que agora estaacute sob o efeito

daacute ldquotransformaccedilatildeo completa do conceito da filosofiardquo556 passa a ser entendido como um estado

contiacutenuo que invade e preenche o futuro com sua proclamaccedilatildeo por ser fidedignamente um

retrato do dogma cristoloacutegico557 ecircnfase que acaba por cristalizar-se a ponto de ser possiacutevel se

afirmar que ldquoJustino foi o primeiro verdadeiro teoacutelogo a formular uma teologia da histoacuteria

551 JUSTINO I Apologia XXXII 2b

552 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

553 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

554 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114-

115

555 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

556 Para Boehner e Gilson agrave filosofia grega como ciecircncia entendida a eacutepoca passa para os cristatildeos o controle

histoacuterico de seus atos a partir da Era dos Pais Apologista sendo Justino o elemento decisivo para que ocorresse

esse fenocircmeno cultural Ver BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

557 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

128

cristocecircntricardquo558 Deste modo finalizamos este item com o pensamento de Walde Neste

vemos com clareza que no conceito de Justino a figura humana de Jesus Cristo era literalmente

a manifestaccedilatildeo do que poderia ser considerado ldquoprofecias cumpridasrdquo559

Adicionado a esta leitura apresentamos a partir de agora o exame de um dos elementos

teoloacutegicos mais caros ao cristianismo Este singelo criteacuterio nos conduziraacute ao cliacutemax daquilo que

Justino visava comunicar por meio do processo de revelaccedilatildeo contido nas profecias do Antigo

Testamento Deste modo iniciamos a parte final desta pesquisa O item seguinte iraacute

complementar o atual e finalizar este capiacutetulo com uma anaacutelise sobre o cumprimento profeacutetico

da Primeira Alianccedila sendo esse processo o grande resultado que para Justino equivale agrave

apropriaccedilatildeo da Verdade como uma definiccedilatildeo real sobre a vida e os acontecimentos humanos

pois para Justino isso prova de maneira definitiva que a Verdade estaacute com o cristianismo Essa

evidecircncia indubitaacutevel para o Apologista eacute a encarnaccedilatildeo de Cristo

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO

Iniciamos este item citando a Walde que eacute emblemaacutetico ao se utilizar do pensamento

de Schaff quando procura introduzir em sua pesquisa um conjunto de mediadas loacutegicas que

parecem visar o estabelecimento de uma proposta a teologia de Justino Walde buscando de

maneira clara estabelecer um rigor de orientaccedilatildeo para causas que ele considera balizares

apresenta-nos mediante um meacutetodo a priori560 seu entendimento de que para Justino haacute uma

consequecircncia ndash dando-nos a impressatildeo de que este evento eacute o grau maacuteximo possiacutevel para o

caso ndash causal para aquilo que a humanidade testificou sobre a accedilatildeo salviacutefica de Deus Deste

modo Walde conjectura sobre a ideia de Schaff e nos afirma que ldquolsquoo cristianismo eacute a alta

razatildeorsquo para Justino lsquoO Logos eacute a razatildeo preacute-existente absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo

dele o Logos encarnadorsquordquo561

Eacute oportuno aqui apresentarmos um resumo de alguns pontos essenciais jaacute

desenvolvidos em nossa pesquisa principalmente na questatildeo que envolve o conceito do Logos

em Justino poreacutem agora focado no dogma da encarnaccedilatildeo de Jesus Cristo

558 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

559 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

560 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

561 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5 grifo nosso

129

Desta maneira optamos por comeccedilar esta reapresentaccedilatildeo de uma forma mais geneacuterica

onde a explanaccedilatildeo de Dreher contribui de maneira significativa Ele escreve ldquoO cristianismo

segundo Justino natildeo soacute eacute a mais antiga como tambeacutem a religiatildeo mais natural e praacuteticardquo562

Trata-se de uma harmoniosa relaccedilatildeo entre estado e forma ou talvez entre causa e efeito O

cristianismo como corpo (uma coletividade organizada) passa a ser o efeito seleto de uma

substacircncia (Logos) que eacute perfeita e sublime na concepccedilatildeo de Justino563 O mesmo sentido

conseguimos captar em Dreher que apresenta a seguinte definiccedilatildeo a respeito do ideaacuterio

apologeacutetico do Seacuteculo II

Toda a histoacuteria em uacuteltima anaacutelise se desenrola em direccedilatildeo ao cristianismo Homens

como Heraacuteclito e Soacutecrates foram inspirados pelo Logos divino bem como os

precursores do cristianismo Abraatildeo Elias e outros profetas Judeus Em Cristo toda a

filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo564

Novamente algo bem condensado nos aparece junto aos comentaacuterios feitos a respeito

do Logos especialmente no que se refere aquilo ou aqueles que envolviam o ambiente

sociorreligioso de Justino ndash lugar de sua conceituaccedilatildeo por excelecircncia O cenaacuterio cultural

descrito conduz (de maneira linear) o tema a uma nova anaacutelise temporal devido ao forte teor

teoloacutegico que possuiacutea Esta mensagem reorientada (o Logos que tornou-se Homem) por Justino

afirmava que tudo o que um dia foi profetizado por um povo estrangeiro ndash considerado de

cultura ldquoestranha e inferiorrdquo a realidade do mundo greco-romano ndash a partir de agora os conduzia

a Verdade e isso de forma antroacutepica por meio de uma ideia um tanto quanto exoacutetica (absurda)

para esse meio cultural Esse novo conceito afirma que um ser excelso (divino) tinha se tornado

um ser humano ou seja que ele havia encarnado

Na mesma linha de Dreher Wachholz se pronuncia de forma muito similar ele

escreve ldquoPara Justino o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga pois foi preparada pelo Logos

como se evidecircncia nos profetas e no pensamento grego Em Cristo a filosofia chega agrave plenitude

Mais do que isso toda a histoacuteria se desenvolve na direccedilatildeo do cristianismordquo565 Desta maneira

a transmissatildeo dessa ideia acaba por ganhar um teor imperativo em sua implicaccedilatildeo pois nesse

ponto (encarnaccedilatildeo do Logos) a leitura que compreendemos ter havido por parte de Justino

562 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

563 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

564 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

565 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 61 grifo nosso

130

referente agrave Primeira Alianccedila comeccedila a apresentar de maneira elaborada seu ente e

consequentemente a este sua essecircncia Seu ente eacute Jesus Cristo (o Homem) sua essecircncia eacute

Logos566

Deste modo manifesta-se algo profundo na construccedilatildeo e postura de Justino quando

ele passa a atribuir (mesmo que de forma implicitamente) agrave encarnaccedilatildeo de Cristo toda a

eficiecircncia necessaacuteria para o pleno cumprimento das profecias do passado Notamos que na

opiniatildeo do Apologista as questotildees referentes a libertaccedilatildeo do homem de sua ignoracircncia e das

accedilotildees demoniacuteacas que o escravizam ndash assunto que eacute amplamente tratado na I Apologia567 ndash

acabam por exercer relevante importacircncia no cenaacuterio humano de forma geral porque estas

mazelas espirituais dominam e vituperam o ser humano aprisionando-o por meio de sofismas

e de falsos exames da verdadeira realidade histoacuterica Esse ponto eacute realmente relevante quando

tratamos sobre o pensamento de Justino pois ele entendia de maneira praacutetica568 que os

democircnios possuiacuteam uma missatildeo ordinaacuteria de ldquoreduzir os homens a escravos e assistentes

seusrdquo569

A ligaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e a filosofia grega natildeo se faz sem conflitos570 e natildeo eacute uma

questatildeo de menor impacto no periacuteodo do Seacuteculo II No que cabe a delimitaccedilatildeo deste estudo o

comentaacuterio de Gonzaacutelez a respeito do Tratado de Taciano571 retrata esse conflito de visotildees que

cercava o avanccedilo do Evangelho em meio a cultura helecircnica do periacuteodo Este registro traz

importante contribuiccedilatildeo ao nosso raciociacutenio Gonzaacutelez diz

Tudo o que a haacute de valioso entre os gregos ndash prossegue Taciano ndash eles o tomaram dos

baacuterbaros Assim por exemplo a astronomia aprenderam dos babilocircnios a geometria

dos egiacutepcios e a escrita dos feniacutecios E o mesmo pode se dizer acerca da filosofia e da

religiatildeo pois os escritos de Moiseacutes satildeo muito mais antigos que os de Platatildeo e ateacute mais

antigos que os de Homero Se Homero e Platatildeo realmente eram pessoas cultas

segundo os proacuteprios gregos dizem era de se supor que conhecessem os escritos de

Moiseacutes Portanto qualquer coincidecircncia entre a cultura supostamente grega e a

religiatildeo dos ldquobaacuterbarosrdquo hebreus e cristatildeos deve-se a que os gregos aprenderam sua

sabedoria dos baacuterbaros Mas em todo caso o certo eacute que os gregos ao lerem a

566 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

567 JUSTINO I Apologia V 1-4 IX 1 X 6

568 JUSTINO I Apologia XIV 1

569 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

570 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

571 O escrito chama-se de Discurso aos Gregos composto por Taciano o mais famoso entre os disciacutepulos de

Justino Esta obra reconhecidamente representa um ataque frontal contra tudo que os gregos consideravam

valioso em seu exerciacutecio da racionalidade especialmente naquilo que constituiacutea as bases de sua metafisica O

escrito de caraacuteter apologeacutetico tambeacutem se salienta pela defesa dos chamados ldquobaacuterbarosrdquo isto eacute dos cristatildeos Ver

GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

131

sabedoria dos ldquobaacuterbarosrdquo natildeo a entenderam e portanto adulteraram a verdade que os

hebreus conheciam Portanto a suposta sabedoria grega natildeo eacute senatildeo um paacutelido reflexo

e uma caricatura da verdade que Moiseacutes conheceu e que os cristatildeos agora pregam572

Um fator nesta conjuntura que apresenta caracteriacutesticas agudas estaacute na apropriaccedilatildeo de

que agrave ldquosabedoriardquo (como sendo o grande fundo de conhecimento) proveniente da filosofia e

toda ou qualquer outra forma de conhecimento humano considerado como elevado para a

concepccedilatildeo da eacutepoca usava de bases ontoloacutegicas em sua refutaccedilatildeo dos elementos vitais

apresentados pela feacute cristatilde que estava em pleno estabelecimento e curso de seu exerciacutecio

naquele ambiente gentiacutelico573

O ministeacuterio a morte e especialmente a ressurreiccedilatildeo de Cristo574 causavam natildeo apenas

estranheza mas tambeacutem incocircmodo a classe intelectual dominante O testemunho de Paulo nos

apresenta uma fraccedilatildeo dessa realidade cultural O Apoacutestolo desenvolve uma definiccedilatildeo

figurativa mas nada ilusoacuteria desta realidade e de sua reaccedilatildeo para com a nova mensagem que

surgia Ele escreve ldquoPorque tanto os judeus pedem sinais como os gregos buscam sabedoria

mas noacutes pregamos a Cristo crucificado escacircndalo para os judeus loucura para os gentiosrdquo (1

Co 122-23) Neste contexto Paulo afirma que os ldquogregos insistiam em explicaccedilotildees racionais e

buscavam sistemas especulativosrdquo575 Um procedimento de harmonizaccedilatildeo que facilmente

condicionava a si exigecircncias de que ldquoDeus se revelasse em harmonia com as suas ideias em

particularrdquo576

Portanto atraveacutes dos relatos registrados acima podemos afirmar que uma espeacutecie de

ldquomonopoacutelio do saberrdquo procurava se manter vigorosamente ativo Este cenaacuterio histoacuterico foi o

mesmo em que Justino teve que apresentar sua mensagem apologeacutetica afirmando que Aquele

ao qual representava simbolizava a plena afirmaccedilatildeo de uma loacutegica da ordenaccedilatildeo Divina entre

os homens Isso se concretiza em suas obras especialmente na I Apologia quando afirma ndash de

uma forma praticamente sistemaacutetica ndash que as profecias do Antigo Testamento se cumpriram na

encarnaccedilatildeo do Logos A obra de Gonzaacutelez nos auxilia na compreensatildeo desta loacutegica orientada e

proposta por Justino

572 TACIANO Discurso Contra os Gregos apud GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

573 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 88

574 Ver Atos dos Apoacutestolos 1718-32

575 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 253 grifo do

autor

576 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 254

132

Segundo os filoacutesofos gregos tudo o que nossa mente consegue compreender o faz

porquecirc de algum modo participa do ldquologosrdquo ou razatildeo universal Por exemplo se

podemos compreender que dois e dois satildeo quatro isso se deve ao fato de que tanto

em nossa mente como no universo existe um ldquologosrdquo uma razatildeo ou ordem segundo

o qual dois e dois satildeo quatro Ora o que os cristatildeos creem eacute que em Jesus Cristo esse

logos ndash e esta eacute a palavra que aparece no proacutelogo do Quarto Evangelho ndash se fez carne

O que Joatildeo 114 nos diz eacute que a razatildeo fundamental do universo o verbo ou palavra

(logos) de Deus se fez carne em Jesus Cristo577

Nesse ambiente tatildeo carregado de ordenamentos filosoacuteficos e por conseguinte tambeacutem

teoloacutegicos nasce uma interrogaccedilatildeo de acentuada relevacircncia ldquoMas por que esta interpretaccedilatildeo

sobre Jesus deve ser acreditadardquo578 Como premissa seria interessante (ou necessaacuterio)

providenciar uma soluccedilatildeo para esta demanda partindo do que podemos encontrar no proacuteprio

autor (Justino)

Assim o Apologista comeccedila a nos responder este ponto que poderia ser interpretada

como repetitiva eou ateacute mesmo ldquotrivialrdquo para com o contexto filosoacutefico e teoloacutegico moderno

Contudo esta questatildeo parece ter sido solucionada de forma amplamente criativa e inovadora

para com aquele contexto sociorreligioso Justino responde essa pergunta de caraacuteter entranhaacutevel

ndash figadal para alguns ouvintes espirituosa para outros ndash dizendo ldquoos homens poderiam

considerar incriacutevel e impossiacutevel de acontecer Deus o indicou antecipadamente por meio do

Espiacuterito profeacutetico para que quando acontecesse natildeo lhe fosse negada a feacute e sim justamente

por ter sido predito fosse acreditadordquo579

Entretanto cabe-nos realocar Walde nesta construccedilatildeo conceitual (a pergunta acima eacute

de sua autoria) Ele nos propotildee duas razoaacuteveis respostas na tentativa de concretizar sua ideia

tendo como base o que pode ser considerado um resultado ordenado na tentativa de tornar a

mensagem de Justino plausiacutevel A primeira baseia-se direta e integralmente em uma citaccedilatildeo da

I Apologia Walde vecirc com consideraacutevel eficiecircncia nas palavras de Justino580 uma opccedilatildeo

admissiacutevel para emoldurar essa questatildeo Importante tambeacutem eacute entendermos que no contexto

daquela eacutepoca (e igualmente na atualidade) em questotildees que envolviam a aplicaccedilatildeo de algumas

proposiccedilotildees natildeo bastava ser diretivo era necessaacuterio ser consequente Desta forma o autor

inicia a resposta agrave sua pergunta citando o Apologista581

577 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

578 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

579 JUSTINO I Apologia XXXIII 2

580 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

581 Ver JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

133

Nos livros dos profetas jaacute encontramos anunciado que Jesus nosso Cristo deveria vir

nascido de uma virgem que ele chegaria agrave idade adulta curaria toda doenccedila toda

fraqueza e ressuscitaria dos mortos que seria invejado desconhecido e crucificado

que morreria ressuscitaria e subiria aos ceacuteus que ele eacute e se chama Filho de Deus que

ele enviaria alguns para proclamar essas coisas a todo o gecircnero humano e seriam os

homens das naccedilotildees aqueles que mais creriam nelerdquo E essas profecias foram feitas

umas cinco outras trecircs outras dois mil e outras mil e oitocentos anos antes que ele

aparecesse no mundo Com efeito eacute sabido que os profetas se sucederam uns aos

outros de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo582

A segunda resposta de Walde se orienta atraveacutes de uma questatildeo cultural que tambeacutem

possui uma importante relevacircncia neste cenaacuterio ldquoNatildeo soacute foi o cumprimento da profecia notaacutevel

em si mesmo mas tambeacutem foi significante que tais profecias foram feitas muito antes dos

filoacutesofos gregos pois diferente de hoje a antiguidade era importante para a mentalidade grega

em estabelecer uma crenccedilardquo583 Cabe-nos registrar que nesse enlace a pesquisa biacuteblica teoloacutegica

poderia apontar datas posteriores (ao periacuteodo da Filosofia Claacutessica) para a promulgaccedilatildeo dessas

Palavras Profeacuteticas (Messiacircnicas) aleacutem de debater se os ldquotextos satildeo autecircnticosrdquo584 no entanto

lembramos que nosso alvo em anaacutelise estaacute centrado na pessoa de Justino o qual sem nenhuma

duacutevida eacute um dos pioneiros da interpretaccedilatildeo de caraacuteter expositivo e natildeo cientiacutefico meacutetodo (por

assim chamar) reconhecidamente usual no periacuteodo Patriacutestico ateacute o Seacuteculo V585 Deste modo

para Justino natildeo havia duacutevidas as profecias satildeo anteriores aos filoacutesofos

Na busca de um resultado mais qualificado para esta pesquisa entendemos que uma

anaacutelise mais pormenorizada da I Apologia ainda se faz necessaacuteria em pelo menos um quesito

O cenaacuterio no qual a I Apologia foi escrita expunha necessidades claras de se apresentar

evidecircncias fortes na tentativa de se estabelecer o status necessaacuterio as provas que visavam

atestar o cumprimento das profecias messiacircnicas na existecircncia futura (encarnaccedilatildeo) de Cristo

Nunca podemos esquecer que para Justino de forma primordial o cristianismo se estabelecia

em um esquema com propriedades ldquomorfoloacutegicasrdquo pois este era mais que um sistema ndash como

configurado em escolas filosoacuteficas ndash ele era essencialmente ldquouma pessoa o Verbo encarnado

e crucificado em Jesus que lhe revelou o misteacuterio de Deusrdquo586 Para Justino questotildees factiacuteveis

parecem ser importantes ou ateacute mesmo fundamentais no programa que ele visava representar

582 JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

583 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

584 ROumlSEL Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea 2009 p 95

585 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

586 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152 grifo nosso

134

de forma minuciosa Sendo assim vemos em sua construccedilatildeo apologeacutetica um claro objetivo de

desenvolvimento daquilo que ele desejava provar por meio de suas palavras

Eacute portanto necessaacuterio apresentar detalhadamente as citaccedilotildees que salientam a

encarnaccedilatildeo de Cristo na visatildeo de Justino O esquema abaixo baseia-se nas obras de Frangiotti587

e Santos588 os quais retratam em seus trabalhos esta conexatildeo exegeacutetica existente em Justino

Neste esquema conseguimos visualizar com significativa clareza (de maneira ateacute mesmo

didaacutetica) a notaacutevel relaccedilatildeo dos textos da I Apologia com os textos do Antigo Testamento que

para Justino antecipam a encarnaccedilatildeo de Cristo Segundo a obra do Apologista a realizaccedilatildeo das

Palavras preditas pelos profetas de Israel constitui a conexatildeo com o Logos tornado carne e

concretiza um dos pontos elementares da accedilatildeo de Deus em meio aos homens Partindo da I

Apologia em paralelo com a Primeira Alianccedila vemos

I Apologia Antigo Testamento

Moiseacutes que foi o primeiro dos profetas

disse literalmente ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe

de Judaacute nem chefe saiacutedo de seus

muacutesculos ateacute que venha aquele a quem

estaacute reservado Ele seraacute a esperanccedila das

naccedilotildees amarrando seu jumentinho agrave

vinha e lavando sua roupa no sangue da

uvardquo (JUSTINO I Apologia XXXII 1)

ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe de Judaacute nem mesmo um

chefe de suas entranhas ateacute que venha aquilo

que estaacute guardado para ele ele eacute a expectativa

dos povos Ele amarraraacute seu jumentinho agrave

vinha e o filhote do seu jumento ao ramo ele

lavaraacute sua veste em vinho e o seu manto no

sangue das uvasrdquo589 Gecircnesis 4910-11

E Isaiacuteas outro profeta diz a mesma coisa

com outras palavras ldquoLevantar-se-aacute uma

estrela de Jacoacute e uma flor subiraacute da raiz

de Isaiacute e as naccedilotildees esperaram sobre o seu

braccedilordquo (JUSTINO I Apologia XXXII

12a)

ldquoLevantar-se-aacute um broto da raiz de Jesseacute e um

renovo subiraacute desta raiz [] Naquele dia

haveraacute a raiz de Jesseacute que se levanta para

587 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 24-26

588 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 115-

117

589 No original ldquoοὐκ ἐκλείψει ἄρχων ἐξ Ιουδα καὶ ἡγούμενος ἐκ τῶν μηρῶν αὐτοῦ ἕως ἂν ἔλθῃ τὰ ἀποκείμενα αὐτῷ

καὶ αὐτὸς προσδοκία ἐθνῶν δεσμεύων πρὸς ἄμπελον τὸν πῶλον αὐτοῦ καὶ τῇ ἕλικι τὸν πῶλον τῆς ὄνου αὐτοῦ πλυνεῖ

ἐν οἴνῳ τὴν στολὴν αὐτοῦ καὶ ἐν αἵματι σταφυλῆς τὴν περιβολὴν αὐτοῦrdquo

135

governar as naccedilotildees nele esperaratildeo as naccedilotildees

e seu repouso seraacute gloriosordquo590 Isaiacuteas 11110

Escutai agora como foi literalmente

profetizado por Isaiacuteas que Cristo seria

concebido por uma virgem Ele diz o

seguinte ldquoEis que uma virgem conceberaacute

e daraacute agrave luz um filho e lhe poratildeo o nome

Deus conoscordquo (JUSTINO I Apologia

XXXIII 1)

ldquoPor causa disto o proacuteprio Senhor vos daraacute

um sinal eis que a virgem conceberaacute e daraacute agrave

luz um filho e tu lhe daraacutes o nome de

Emanuelrdquo591 Isaiacuteas 714

Escutai agora como Miqueacuteias outro

profeta predisse o lugar da terra em que

ele nasceria Assim diz ldquoE tu Beleacutem terra

de Judaacute de modo algum eacutes a menor entre

os priacutencipes de Judaacute pois de ti sairaacute o

chefe que apascentaraacute o meu povordquo

(JUSTINO I Apologia XXXIV 1)

ldquoE tu Beleacutem casa de Efrata eacutes insignificante

em tua existecircncia entre os milhares de Judaacute

poreacutem em teu meio se levantaraacute aquele que

seraacute governante em Israel Tambeacutem as

origens dele satildeo desde o princiacutepio desde os

tempos eternosrdquo592 Miqueacuteias 51

Tambeacutem foi predito que Cristo depois de

nascer viveria oculto aos outros homens

ateacute agrave idade adulta Escutai o que foi dito

antecipadamente a esse respeito Eacute o

seguinte ldquoUm menino nasceu um

pequenino nos foi dado cujo impeacuterio estaacute

sobre os ombrosrdquo ( JUSTINO I Apologia

XXXV 1-2a)

ldquoPorque um menino vos nasceu e um filho vos

foi dado o qual recebeu o governo sobre os

seus ombros E ele seraacute chamado de

Mensageiro do Magniacutefico Conselho pois eu

trarei paz sobre os priacutencipes e sauacutede para

elerdquo593 Isaiacuteas 95

590 No original ldquoκαὶ ἐξελεύσεται ῥάβδος ἐκ τῆς ῥίζης Ιεσσαι καὶ ἄνθος ἐκ τῆς ῥίζης ἀναβήσεται [] καὶ ἔσται ἐν

τῇ ἡμέρᾳ ἐκείνῃ ἡ ῥίζα τοῦ Ιεσσαι καὶ ὁ ἀνιστάμενος ἄρχειν ἐθνῶν ἐπrsquo αὐτῷ ἔθνη ἐλπιοῦσιν καὶ ἔσται ἡ ἀνάπαυσις

αὐτοῦ τιμήrdquo

591 No original ldquoδιὰ τοῦτο δώσει κύριος αὐτὸς ὑμῖν σημεῖον ἰδοὺ ἡ παρθένος ἐν γαστρὶ ἕξει καὶ τέξεται υἱόν καὶ

καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Εμμανουηλrdquo

592 No original ldquoκαὶ σύ Βηθλεεμ οἶκος τοῦ Εφραθα ὀλιγοστὸς εἶ τοῦ εἶναι ἐν χιλιάσιν Ιουδα ἐκ σοῦ μοι ἐξελεύσεται

τοῦ εἶναι εἰς ἄρχοντα ἐν τῷ Ισραηλ καὶ αἱ ἔξοδοι αὐτοῦ ἀπrsquo ἀρχῆς ἐξ ἡμερῶν αἰῶνοςrdquo

593 No original ldquoὅτι παιδίον ἐγεννήθη ἡμῖν υἱὸς καὶ ἐδόθη ἡμῖν οὗ ἡ ἀρχὴ ἐγενήθη ἐπὶ τοῦ ὤμου αὐτοῦ καὶ καλεῖται

τὸ ὄνομα αὐτοῦ μεγάλης βουλῆς ἄγγελος ἐγὼ γὰρ ἄξω εἰρήνην ἐπὶ τοὺς ἄρχοντας εἰρήνην καὶ ὑγίειαν αὐτῷrdquo

136

E outra vez por meio de outro profeta diz

com outras palavras ldquoEles transpassaram

meus peacutes e minhas matildeos e lanccedilaram sorte

sobre a minha roupardquo (JUSTINO I

Apologia XXXV 5)

ldquoPois muitos catildees me cercaram a assembleia

dos perversos me rodeia traspassaram as

minhas matildeos e os meus peacutes [] Repartiram

entre si as minhas vestes e sobre o meu traje

lanccedilaram sortesrdquo594 Salmos 211719

Citamos tambeacutem a profecia de outro

profeta Sofonias595 que literalmente

profetizou que ele montaria sobre um

jumentinho e desse modo entraria em

Jerusaleacutem Satildeo estas as suas palavras

ldquoAlegra-te muito filha de Siatildeo daacute gritos

filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a

ti manso montado sobre um jumento

sobre um jumentinho filho de um animal

de jugordquo (JUSTINO I Apologia XXXV

10-11)

ldquoRegozija-te muito Filha de Siatildeo proclama

Filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a ti

ele eacute justo e salvador Ele eacute humilde e estaacute

montado sobre um jumentinho um asno

novordquo596 Zacarias 99

Em suma podemos afirmar que em Justino encontra-se uma salutar e liacutempida

cristologia messiacircnica baseada consistentemente no Antigo Testamento597 De maneira

objetiva a descriccedilatildeo que conseguimos desenvolver a partir do texto de Justino nos aponta para

uma consistente elaboraccedilatildeo no qual alguns detalhes de caraacuteter terminante (irrevogaacuteveis)

quanto a funccedilatildeo de serem utilizados como conceitos primazes ndash na tentativa de estabelecer

princiacutepios e valores fundantes ndash se evidenciam por parte e a partir dos apontamentos de caraacuteter

particular que Justino faz agrave pessoa de Jesus Cristo (especialmente na I Apologia) Sem exageros

eacute possiacutevel agregarmos a esta organizaccedilatildeo textual a intenccedilatildeo de apresentar uma proposta de

constituiccedilatildeo messiacircnica segundo um modelo cristoloacutegico em desenvolvimento o qual seguia

594 No original ldquoὅτι ἐκύκλωσάν με κύνες πολλοί συναγωγὴ πονηρευομένων περιέσχον με ὤρυξαν χεῖράς μου καὶ

πόδας [] διεμερίσαντο τὰ ἱμάτιά μου ἑαυτοῖς καὶ ἐπὶ τὸν ἱματισμόν μου ἔβαλον κλῆρονrdquo

595 O Profeta aqui mencionado deveria ser Zacarias e natildeo Sofonias O equiacutevoco possivelmente natildeo eacute do tradutor

mas sim de Justino No texto grego temos σοφονιανSofonian

596 No original ldquoχαῖρε σφόδρα θύγατερ Σιων κήρυσσε θύγατερ Ιερουσαλημ ἰδοὺ ὁ βασιλεύς σου ἔρχεταί σοι δίκαιος

καὶ σῴζων αὐτός πραῢς καὶ ἐπιβεβηκὼς ἐπὶ ὑποζύγιον καὶ πῶλον νέονrdquo

597 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

137

de perto a ortodoxia da eacutepoca que jaacute estava sofrendo inuacutemeros ataques de acircmbito interno e

externo598

Natildeo haacute consenso de que Justino tenha inaugurado esse meacutetodo exegeacutetico599 mas sem

duacutevida eacute um dos que melhor conseguiu contribuir para o desenvolvimento desta temaacutetica na

histoacuteria da teologia dogmaacutetica600 Neste contexto em particular o Apologista passou a ser visto

como um claro orientador eou catalisador dos pressupostos existentes na filosofia grega Ele eacute

o primeiro a conceber o Logos como uma evidecircncia viaacutevel para uma siacutentese teoacuterica

possibilitando deste modo seu envolvimento no cristianismo Essa participaccedilatildeo intelectual

indiscutivelmente se destaca em sua autenticidade autoral a ponto de podermos dizer que

Justino foi o responsaacutevel por lanccedilar ldquoos fundamentos de um humanismo cristatildeordquo601

Este estudo evidenciou o apreccedilo e o temor de Justino pelas Sagradas Escrituras Sua

abordagem leitura e registro das profecias veterotestamentaacuterias constituem um quadro de

profunda responsabilidade e sobriedade por parte do Apologista especialmente naquilo que se

refere agrave descriccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de seu conceito sobre o que seria a Verdade sempre focando esse

fim como um resultado da revelaccedilatildeo escrituriacutestica Nesse ponto em especiacutefico a ponderaccedilatildeo de

Xavier nos oferece generosa lucidez ldquosua obra como um todo contribui para explicar a feacute cristatilde

baseada nas Escrituras como a fonte suprema de autoridade cujas profecias podem ser

compreendidas somente pela Graccedila de Deusrdquo602

Por uacuteltimo ainda devemos adotar uma postura clara e objetiva junto a este processo

que em si traz elementos fortemente interpretativos Assim salientamos que na concepccedilatildeo de

Justino era fundamental que o procedimento exegeacutetico de um cristatildeo sempre orientasse seus

leitoresouvintesmeditantes a conhecer e descobrir agrave Verdade O acontecimento que expressava

de forma incondicional que a revelaccedilatildeo Divina se realizou concretiza-se de maneira simples

nos elementos (profecias) que provam que o Logos encarnou603 Estes relatos profeacuteticos

apresentavam as condiccedilotildees ideais tornando-se assim em fatos irrefutaacuteveis para aqueles que

598 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

599 Para Daniel-Rops Justino utiliza-se do meacutetodo de interpretaccedilatildeo jaacute encontrado em Fiacutelon de Alexandria Nesse

processo partia-se do sentido concreto e histoacuterico do relato (biacuteblico) passando a seguir a busca de se obter

(alcanccedilardescobrir) uma explicaccedilatildeo de espeacutecie simboacutelica existente (implicitamente) nos Textos Sagrados Deste

modo essa ldquodescobertardquo de caraacuteter esoteacuterico tornava-se o objetivo uacuteltimo (principal) a ser alcanccedilado nesse meacutetodo

interpretativo Contudo faltam evidecircncias mais concretas sobre essa relaccedilatildeo e influecircncia autoral sobre Justino

Ver DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 280

600 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

601 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 30

602 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

603 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000

138

nisso criam fazendo com que cristatildeos de todas as classes e niacuteveis viessem a abraccedilar essa ideia

(como conceito) passando a compreender o cristianismo como um valor permanente do

ldquoespiacuterito humano a que a Encarnaccedilatildeo deu o seu verdadeiro sentido e o seu alcancerdquo604 Neste

contexto de impressionante singularidade a citaccedilatildeo de Santos nos permite encerrar com

excepcional qualidade esse item apresentado ldquoTodos os detalhes da histoacuteria de Jesus jaacute estavam

preditos nos profetas do Antigo Testamento Essa eacute a maior prova da superioridade da religiatildeo

cristatilde Por isso na concepccedilatildeo de Justino tudo o que eles (os cristatildeos) dizem eacute a verdaderdquo605

604 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279 grifo nosso

605 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 117

grifo nosso

139

CONCLUSAtildeO

A presente dissertaccedilatildeo procurou explanar a respeito de uma concepccedilatildeo que se destaca

por sua ordem moral e por seus paracircmetros dogmaacuteticos apresentando-se como uma chancela

na descriccedilatildeo apologeacutetica de Justino Maacutertir Este ponto de valor axiomaacutetico revelado pelo

Apologista torna-se de maneira evidente em uma espeacutecie de mediador de sua mensagem

permeando-se em toda a extensatildeo de um de seus mais conhecidos tratados literaacuterios Assim

reconhecemos que a I Apologia de Justino estaacute repleta de uma empolgante apresentaccedilatildeo do

termo Verdade sendo este substantivo normalmente utilizado pelo autor para uma distinccedilatildeo de

caraacuteter qualitativo sobre a representaccedilatildeo de um novo conjunto humano da realidade

sociorreligiosa do Seacuteculo II

Para Justino evidenciar a Verdade era tambeacutem ldquosetorizaacute-lardquo de alguma maneira dentro

da realidade humana Necessariamente essa postura adotada pelo Apologista acabou por se

definir por meio de sua leitura ativa sobre o estado e as praacuteticas de um grupo do qual ele mesmo

pertencia e do qual se estabeleciam as bases para sua dialeacutetica Logo falar sobre a Verdade

para Justino era falar dos recursos conceituais e praacuteticos vivenciados pelos cristatildeos de seu

tempo

Importa-nos nesta conclusatildeo ressaltar que Justino visava necessariamente qualificar o

ldquoobjetordquo junto a ldquoideiardquo que possuiacutea e defendia e como um bom filoacutesofo procurou obter

explicaccedilotildees satisfatoacuterias que salientassem sua posse daquilo que realmente era verdadeiro Na

esteira desta ideia o pensamento contemporacircneo balizado em argumentos considerados

ldquoortodoxosrdquo ndash mesmo tendo se passado quase vinte seacuteculos ndash ainda redunda com forccedila pois

consegue conceber que se estar na Verdade eacute para o espiacuterito humano possibilitar que as coisas

recebam agrave devida e real importacircncia que elas possuem na realidade

A partir disso na consciecircncia do Apologista tudo o que era produzido pela feacute cristatilde ndash

sendo ela assumida como um meio constitutivo de vida e praacutetica ndash possibilitava o

desenvolvimento de um senso de valor inesgotaacutevel sobre aquilo que se pode minimamente

relacionar como sendo o real o lugar onde a Verdade se ldquohospedardquo sendo que esta existecircncia

estaacute soberanamente ligada a uma realidade superiortranscendente ou seja esse real eacute Deus

Logo estar na Verdade seraacute sempre reconhecer a soberana realidade de Deus Esta

realidade percebida de forma geral pela noccedilatildeo de se possuir a Verdade eacute a realidade de Deus

manifestada pois aquilo que os cristatildeos vivem eacute a realidade de Deus entre noacutes Assim a

Verdade seraacute confessar a infinita majestade e santidade divinas por meio do legado de Deus

140

orquestrado pelos cristatildeos Nesta linha por meio dos princiacutepios metodoloacutegicos de Justino

consegue-se sintetizar com eficaacutecia e transparecircncia os resultados aos quais o Apologista

chegou como tambeacutem compreende-se melhor sua finalidade apologeacutetica que aponta com

clareza para uma identificaccedilatildeo que conforma a ideia (Verdade) ao objeto (Jesus Cristo) o dito

(novo Modus Vivendi) ao feito (Praxis Fidei) o anunciado (Profecias Messiacircnicas) ao ocorrido

(Encarnaccedilatildeo) em seu sentido absoluto

O problema que esta pesquisa levantou objetivamente foi qual o sentido do vocaacutebulo

ldquoVerdaderdquo empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica A

partir disto quatro capiacutetulos foram desenvolvidos na busca de se estabelecer um caminho

central e loacutegico para a soluccedilatildeo dessa questatildeo

O primeiro capiacutetulo fez uma breve apresentaccedilatildeo de Justino sua vida seu ministeacuterio

sua obra e seu contexto histoacuterico De maneira objetiva apresentamos um resumo biograacutefico da

pessoa de Justino em seu meio social e histoacuterico Procurou-se tambeacutem apresentar traccedilos

importantes para a compreensatildeo do cenaacuterio que elaborou nossa argumentaccedilatildeo central onde o

Pai Apologista Justino foi apresentado e a obra base desta pesquisa foi examinada de modo

literaacuterio dentro da necessidade requerida ndash relaccedilatildeo na qual ainda se agregou a perspectiva

cultural de Justino e por consequecircncia esta nos conduziu a uma abordagem sobre sua formaccedilatildeo

filosoacutefica

Mesmo natildeo sendo um dos pontos de sustentaacuteculo para a estrutura desta pesquisa em

nossa opiniatildeo o fator mais importante deste primeiro capiacutetulo certamente eacute o fenocircmeno do

martiacuterio entre os cristatildeos Fora do acircmbito teoloacutegico este traacutegico processo poderia ser

interpretado de forma estranha quando apresentado como um elemento determinante e ateacute

mesmo uacutetil enquanto via para que os natildeo-cristatildeos viessem a se converter e assim conhecerem a

Verdade Desta forma compreendemos que o processo de martiacuterio dos cristatildeos como um fato

histoacuterico foi influente na concepccedilatildeo e fundamental na constituiccedilatildeo do desenvolvimento do

ideaacuterio de Justino O Apologista por meio de sua obra nos oferece a niacutetida impressatildeo de ser um

habilidoso comentador da revelaccedilatildeo escrituriacutestica tambeacutem um autecircntico conhecedor da vida

espiritual mas acima de tudo demonstra ser um irredutiacutevel defensor da crenccedila que possuiacutea

selando sua obra ministeacuterio e vida com o proacuteprio sangue derramado O martiacuterio cristatildeo foi eacute e

continuaraacute sendo um dos casos mais misterioso e emblemaacutetico da histoacuteria da civilizaccedilatildeo

humana

O segundo capiacutetulo falou sobre o novo modus vivendi orquestrado pelos cristatildeos onde

se pode de maneira sinteacutetica observar as praacuteticas do contexto social de Justino apresentando e

clarificando o que eram os haacutebitos cristatildeos em contraste com o cotidiano da cultura greco-

141

romana Nesse processo estabeleceu-se uma descriccedilatildeo de cunho analiacutetico que procurou seguir

uma loacutegica encontrada em Justino o qual pocircs em praacutetica nossa leitura sobre o meacutetodo dialeacutetico

e empiacuterico do Apologista O capiacutetulo apresenta ldquoa nova identidaderdquo surgida junto ao cenaacuterio

sociorreligioso da eacutepoca o cristianismo Aleacutem disto definir aqueles que natildeo compunham esse

grupo de feacute ndash os Judeus e os Gentios ndash tornou-se tambeacutem uma tarefa necessaacuteria Por isso foi

indispensaacutevel apresentar os criteacuterios que para Justino demonstravam a ordem sistemaacutetica de um

grupo que se distinguia e separava dos demais Para Justino tratava-se da praxis fidei Adversus

Iniquitatem ldquoa praacutetica da feacute contra a iniquidaderdquo um realce com tonalidades absolutamente

opostas que apresentava um claro e inevitaacutevel ambiente de separaccedilatildeo entre os grupos

Deste modo esta segunda divisatildeo da pesquisa nos conduziu a uma inserccedilatildeo de postura

paradoxal para com alguns haacutebitos e assuntos humanos que no periacuteodo ocupavam tanto o

acircmbito privado quanto puacuteblico Assim algumas provas factiacuteveis passaram a ser descritas como

sentenccedilas de um novo modus vivendi ndash proposto por Justino ndash na conjuntura sociorreligiosa do

Seacuteculo II fato altamente desafiador o qual definimos em sentenccedilas classificadas como

teologais deterministas e puristas de acordo com suas consequecircncias praacuteticas Aqui salientou-

se o iniacutecio das distinccedilotildees que descreviam a certeza de haver um estado manifesto e claro do

que era a Verdade para Justino

O terceiro capiacutetulo retratou a filosofia em Justino tratando a respeito de sua influecircncia

e seu legado nesse seguimento O desenvolvimento desse capiacutetulo partiu de um formal apelo

desenvolvido pelo proacuteprio Apologista no capiacutetulo XXVIII da I Apologia para o uso da razatildeo

como um elemento determinante para o reconhecimento da Verdade oriunda da revelaccedilatildeo

Divina Um exame introdutoacuterio sobre o capiacutetulo XXVIII abriu o caminho para o entendimento

do que eacute filosofia para Justino A partir disto explicitou-se o filoacutesofo Justino evidenciando

suas principais influecircncias filosoacuteficas oriundas do estoicismo e do meacutedio platonismo aleacutem de

apresentar um sinteacutetico esboccedilo do autecircntico conceito de Logos encontrado em nosso autor

filoacutesofo-teoacutelogo

Todavia o aacutepice desta seccedilatildeo encontra-se em seu uacuteltimo item onde se justificou o que

Justino almejava com a citaccedilatildeo ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus se preocupe com essas coisas

(uso da razatildeo)rdquo606 O Apologista realccedila de uma forma quase ldquopalpaacutevelrdquo sua compreensatildeo de

como se concebia naturalmente a feacute em Jesus Cristo Partindo do fato de que a razatildeo eacute um

recurso exclusivamente humano Justino entendia que apenas nisso estavam condicionadas

todas as possibilidades reais do autecircntico Logos ser recebido e concebido pelos homens o que

606 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

142

os levava a verdadeira filosofia e os afastava decisivamente dos equiacutevocos e enganos praticados

pelos democircnios

O quarto e derradeiro capiacutetulo deste estudo salienta o que Justino considera o ponto

alto da revelaccedilatildeo por ele recebida o cumprimento das profecias messiacircnicas e as consequecircncias

para compreender o que Justino considera como sendo a Verdade

Iniciamos com uma sinteacutetica poreacutem objetiva descriccedilatildeo dos elementos socioculturais

de acircmbito religioso que desde a Antiguidade ateacute os dias de Justino formaram e identificaram a

figura de um Messias na cultura judaica Em seguida analisamos a revelaccedilatildeo das profecias

messiacircnicas do Antigo Testamento na visatildeo de Justino referentes a pessoa de Jesus Cristo

Finalizamos este capiacutetulo ratificando o conceito que definimos como principal para

Justino em sua descriccedilatildeo apologeacutetica o qual apresentava a Verdade ao mundo O modo e o

sentido que o Apologista procurava dar agrave concepccedilatildeo central de sua feacute passava necessariamente

pela identificaccedilatildeo entre o Logos dos filoacutesofos com o personagem messiacircnico preconizado pelos

profetas do Antigo Testamento Vimos que esse ser que havia sido reconhecido pelos filoacutesofos

como o Logos tambeacutem havia sido profetizado pelos servos de Deus A providecircncia Divina

levou a humanidade ao ponto alto desta histoacuteria quando o Logos profetizado se encarnado

Logo as profecias se cumpriram Assim concluiacutemos que este cenaacuterio e seus casos tornaram-se

para Justino um elemento real que evidenciava de maneira inquestionaacutevel o que era a Verdade

em sentido absoluto

Por fim eacute oportuno registrar a pertinente e categoacuterica postura do Apologista em aceitar

o cristianismo como ldquoa verdadeira razatildeordquo607 Justino compreendeu que a feacute cristatilde tinha em si

alguns pontos de caraacuteter deliberativo e proposital que consequentemente se estabeleciam nas

vidas que se estruturavam sobre esses preceitos utilizando-os de forma resolutiva Aqui cabe

ressaltar que para uma correta anaacutelise de Justino como autor eacute necessaacuterio se utilizar de medidas

efetivas que amparem o uso da razatildeo para os fins que o Apologista entendia serem ordenados

por Deus Nisso salienta-se a compreensatildeo jaacute atestada no ideaacuterio de Justino de natildeo haver

acepccedilatildeo do recurso da razatildeo a nenhum homem pois todos aqueles que foram criados agrave imagem

e semelhanccedila de Deus podiam ser instruiacutedos desse modo desde as mentes mais simples as mais

capacitadas

Importa-nos ainda registrar que outros aspectos de relevacircncia para esta pesquisa

poderiam ter sido tratados visando um maior aprofundamento desta temaacutetica e suas possiacuteveis

variaccedilotildees De forma praacutetica podemos citar as seguintes observaccedilotildees propor uma maior ecircnfase

607 JUSTINO I Apologia XLIII 6b

143

na questatildeo do martiacuterio cristatildeo como elemento habilitador na construccedilatildeo do conceito da Verdade

como princiacutepio moral e dogmaacutetico uma mais detalhada descriccedilatildeo do conceito Logos tanto para

a cultura helecircnica quanto para os cristatildeos do Seacuteculo II abordar sobre o conceito elaborado por

Justino de Jesus Cristo ser o mestre dos cristatildeos608 referindo-se ao Messias como o condutor

pleno de toda verdadeira revelaccedilatildeo Divina em detrimento aos mitos criados pelo helenismo

oferecer uma pormenorizada anaacutelise sobre a forccedila ilocucionaacuteria desses atos e discursos

apologeacuteticos Aleacutem disso outros pontos significativos poderiam ter sido abordados na tentativa

de se construir de forma mais completa esse importantiacutessimo cenaacuterio do cristianismo histoacuterico

Contudo essa ampliaccedilatildeo possivelmente ultrapassaria os limites propostos desta pesquisa

provavelmente poluindo sua intenccedilatildeo central

A abordagem desta dissertaccedilatildeo demonstrou que na I Apologia Justino revela e retrata

a sua concepccedilatildeo do que eacute ser cristatildeo e viver na Verdade O Apologista transparece de forma

intensa sua postura em transmitir essa maacutexima que natildeo era simplesmente verossiacutemil em seu

entendimento Eacute fato que essa demonstraccedilatildeo tambeacutem visava proteger e resgatar seu povo de

um cenaacuterio hostil salientando por meio de sua postura uma clara separaccedilatildeo de valores e

preceitos

Vimos que as vicissitudes do tempo natildeo seriam capazes de alterar o objeto e as coisas

que caracterizavam sua posiccedilatildeo que estava plenamente balizada e sustentada por meio de sua

dialeacutetica Isso nos impressiona porque para quem procura entender este testemunho sobre a

Verdade os livros de Justino nunca envelhecem aleacutem disso quase vinte seacuteculos depois os

textos desse notaacutevel cristatildeo ainda reverberam o som do eco causado por nossos vazios que

precisam ser preenchidos pelos conceitos princiacutepios e valores que natildeo pertence a este mundo

Por essa razatildeo ldquodialogarrdquo com Justino na atualidade eacute algo importantiacutessimo e ateacute mesmo

fundamental

Em resumo para Justino a uacutenica via para possuir a Verdade era ser cristatildeo o que

equivale a crer e professar sobre Aquele que prometido pelos antigos profetas de Israel e

percebido pelos antigos filoacutesofos gregos veio em carne para apresentar agrave razatildeo humana os

meios de como se proceder ldquoafirmando a Verdaderdquo609

608 Ver JUSTINO I Apologia XIII 3 XIX 6 XXI 1-6

609 JUSTINO I Apologia XLIII 2a grifo nosso

144

REFEREcircNCIAS

ALLERT Craig D Revelation Truth Canon and Interpretation Studies in Justin Martyr‟s

Dialogue with Trypho Leiden The Netherlands Brill 2002

ALTANER Berthold STUIBER Alfred Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da

Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1988

ARZANI Alessandro VENTURINI Renata Lopes Biazotto A Origem da Tradiccedilatildeo

Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir Disponiacutevel em lt

httpwwwppeuembrjeamanais2010pdf03pdfgt Acesso em 27 de set 2018

AUDI Robert (Ed) The Cambridge Dictionary of Philosophy New York Cambridge

University Press 1999

AUNE David Edward The Westminster Dictionary of New Testament and Early Nice

Christian Literature and Rhetoric Kentucky Westminster John Knox Press 2003

AYMARD Andreacute AUBOYER Jeannine Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da

Unidade Romana (Fim) A Aacutesia Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II Rio e

janeiro Bertrand Brasil 1994

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen II Salamanca Ediciones Sigueme 1998

BARRERA Julio Trebolle A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da

Biacuteblia Petroacutepolis Vozes 1995

BEARD Mary SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga Satildeo Paulo Planeta 2017

BERARDINO Di Angelo (Org) Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis

Vozes Paulus 2002

BIacuteBLIA Grego Novo Testamento Grego Textus Receptus (15501894) Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1550 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Grego Septuaginta (Sem Acentuaccedilatildeo) Antigo Testamento Grego Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1935 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Portuguecircs Novo Testamento Interlinear Grego-Portuguecircs Texto Grego The Greek

New Testament 4ed SBU 1994 Textos Portuguecircs Traduccedilatildeo Literal SBB 2004 Traduccedilatildeo

de Joatildeo Ferreira de Almeida 2ed SBB 1993 Nova Traduccedilatildeo da Linguagem de Hoje SBB

2000 Barueri Sociedade Biacuteblica do Brasil 2004

BIRLEY Anthony Marcus Aurelius A Biography New York Routledge 2001

BOEHNER Philotheus GILSON Etienne Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 5ed Petroacutepolis

Vozes 1991

BOGAZ Antocircnio S COUTO Maacutercio A HANSEN Joatildeo H Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 3ed Satildeo Paulo Paulus 2011

145

BUENO Daniel Ruiz (Ed) Actas de los Maacutertires Texto Bilinguumle Quinta Edicion Madri

Biblioteca de Autores Cristianos 1996

BUNSON Matthew Encyclopedia of the Roman Empire New York Facts on file Inc 2002

CAMPENHAUSEN Hans Von Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros

Teoacutelogos Cristatildeos Rio de Janeiro CPAD 2005

CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras

1990

CASEY Michael Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina Ligouri Mo Triumph

Books 1995

CAZELLES Henri Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento Roma Borla

1993

CHAUIacute Marilena Convite agrave Filosofia 2ed Satildeo Paulo Aacutetica 1995

______ Marilena Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I

Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos

Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal Disponiacutevel em

lthttpwwwvaticanvaroman_curiacongregationsccatheducdocumentsrc_con_ccatheduc_

doc_19891110_padri_ithtmlgt Acesso em 12 set 2018

CORNELL Tim MATTHEWS John Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio

2008

CREDO APOSTOacuteLICO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em

22 de jan de 2019

CREDO NICENO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em 14 de

fev 2019

CULLMANN Oscar Salvation in History New York Harper amp Row 1967

DAILLEacute Jean Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui

sont auiourdhui en la religion Geneve Pierre Aubert 1632

DANIEL-ROPS [Henri Petiot] A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires Satildeo Paulo Quadrante

1988

DANIEacuteLOU Jean O Escacircndalo da Verdade Petroacutepolis Vozes 1963

______ Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo

Gregoacuterio Magno Petroacutepolis Vozes 1966

DAY John (Org) et al Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees

do Seminaacuterio Veterotestamentaacuterio de Oxford Satildeo Paulo Paulinas 2005

146

DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as comunidades de hoje Traduccedilatildeo

Introduccedilatildeo e Notas de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 17ed Satildeo Paulo Paulus 2010

DONALDSON James A Critical History of Christian Literature and Doctrine From the

Death of the Apostles to the Nicene Council3 The apologists continued London MacMillan

1866

DOUGLAS J D (Org) et al O Novo Dicionaacuterio da Biacuteblia Satildeo Paulo Vida Nova 1995

DREHER Martin N A Igreja no Impeacuterio Romano Satildeo Leopoldo Sinodal 1993

DROBNER Hubertus R Manual de Patrologia 2ed Petroacutepolis Vozes 2008

EMILSSON Eyjoacutelfur K Neo-Platonism In FURLEY David (Ed) Routledge History of

Philosophy From Aristotle to Augustine London Routledge 1999

EUSEacuteBIO DE CESAREIA Histoacuteria Eclesiaacutestica Traduccedilatildeo de Wolfgang Fischer Satildeo Paulo

Novo Seacuteculo 2002

FALLS Thomas B The Fathers of the Church New York Christian Heritage 1948

FEacuteLIX Viviana Laura Las filosofiacuteas en la teologiacutea de Justino Maacutertir Teologiacutea y Vida

Santiago v 55 n 3 p 435-448 2014

FIGUEIREDO Fernando A Curso de Teologia Patriacutestica I A vida da Igreja primitiva

(Seacuteculos I e II) Petroacutepolis Vozes 1983

FLUCK Marlon Ronald Teologia dos Pais da Igreja Curitiba Cia de Escritores 2012

FOXE John O Livro dos Maacutertires Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2003

FROumlHLICH Roland Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulinas 1987

FUNARI Pedro P Abreu Roma vida puacuteblica e vida privada 10ed Satildeo Paulo Atual 1993

GONZAacuteLEZ Justo L A Era dos Maacutertires Satildeo Paulo Vida Nova 1995

GREATHOUSE William M CARVER Frank G METZ Donald S Comentaacuterio Biacuteblico

Beacon V 8 Rio de Janeiro CPAD 2006

HAumlGGLUND Bengt Histoacuteria da Teologia 6ed Porto Alegre Concoacuterdia 1999

HALL Chirstopher A Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja Satildeo Paulo Ultimato 2003

HAMMAN Adalbert Gautier Os Padres da Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1985

______ A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) Satildeo Paulo Paulus 1997

HARNACK Adolf Von The Mission and Expansion of Christianity in the First Three

Centuries Grand Rapids Christian Classics Ethereal Library 2005

HARRIS R Laird (Org) et al Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

Satildeo Paulo Vida Nova 1998

147

HATZENBERGER Dioniacutesio Histoacuteria da Igreja Disponiacutevel em lthttphist-

igrejablogspotcombrpcristianismo-nos-seculos-i-e-iihtmlgt Acesso em 15 de out 2018

HEGENBERG Leocircnidas Significado e Conhecimento Satildeo Paulo EPU EDUSP 1975

INAacuteCIO DE ANTIOQUIA Epiacutestola aos Magneacutesios Disponiacutevel em

lthttpwwwcristianismoorgbrinacio-3htmgt Acesso em 27 de fev 2019

INSUELAS Joatildeo B Lourenccedilo Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja

2ed Braga PAX 1948

INWOOD Brad (Org) et al Os Estoacuteicos Satildeo Paulo Odysseus 2006

IRVIN Dale T SUNQUIST Scott W Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I

Do cristianismo primitivo a 1453 Satildeo Paulo Paulus 2004

IYSTINOY Proacutete Apologiacutea Disponiacutevel em

lthttpwwwdocumentacatholicaomniaeu20vs103_migne_gm0100-

0160_Iustinus_Apologia_Prima_(MPG_006_0327_0440)_GMpdfampgtgt Acesso em 12 de

jan 2019

JUSTIN Apologies Texte Grec traduction franccedilaise introduction et index par Louis Pautigny

Paris EDITURS 1904

JUSTINO DE ROMA I Apologia Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti

Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo Paulus 1995

______ II Apologia Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo

Paulus 1995

______ Diaacutelogo com Trifatildeo Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo

Paulo Paulus 1995

KEE Howard Clark As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica Satildeo Paulo Paulinas

1983

KELLY John N D Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde

Satildeo Paulo Vida Nova 1994

KLEINMAN Paul Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 4ed Satildeo Paulo Gente

Editora 2014

LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V

II Dalla fine dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) Torino S A I E 1972

LESBAUPIN Ivo A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio

Romano Petroacutepolis Vozes 1975

MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio Disponiacutevel em

lthttpabdetcombrsitewp-contentuploads201411ComentC3A1rios-sobre-a-

primeira-dC3A9cada-de-Tito-LC3ADvio-Discorsicompressedpdfgt Acesso em 17

de out 2018

148

MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees Introduccedilatildeo de Maxwell Staniforth Traduccedilatildeo de Luiacutes A P

Varela Pinto Espinho Versatildeo Eletrocircnica 2002

______ Meditaccedilotildees Traduccedilatildeo de Agostinho da Silva Satildeo Paulo Abril Cultural 1985

MEEKS Wayne A As Origens da Moralidade Cristatilde Satildeo Paulo Paulus 1997

MINNS Denis PARVIS Paul Justin Philosopher and Martyr Apologies New York

Oxford University Press 2009

MINUacuteCIO FEacuteLIX Octaacutevio Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e comentaacuterio de Manuel A Naia da Silva

Lisboa Ediccedilatildeo Instituto Nacional de Investigaccedilatildeo Cientifica Centro de Estudos Claacutessicos da

Universidade de Lisboa 1990

MOL Hans J Identity and the Sacred a sketch for a new social-scientific theory of religion

New York The free Press Macmillan 1977

MONDONI Danilo Histoacuteria da Igreja na Antiguidade Satildeo Paulo Loyola 2001

MONTEIRO Eymard Lrsquo E A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1940

MORESCHINI Claacuteudio NORELLI Enrico Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e

Latina Satildeo Paulo Santuaacuterio 2005

MIRALLES Lorena El Mesiacuteas en tiempos del NT Verbo Divino Estella n 50 Verano

2006

NORRIS Junior The Apologists Cambridge University Press 2004

OTTO Johann Carl Theodor (E) S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur

omnia Volume 1 Part 1 Chicago Prostat apud Fride Mauke 1847

PADOVESE Luigi Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica Satildeo Paulo Loyola 1999

______ Luigi Lexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico Satildeo Paulo Loyola 2003

PADRES APOLOGISTAS Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti Traduccedilatildeo

de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin Satildeo Paulo Paulus 1995

PEREIRA Isidoro Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Tilgraacutefica 1998

PIERING Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Disponiacutevel em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt Acesso em 11 de set 2018

PIERINI Franco A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I Satildeo Paulo Paulus 1998

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Enrico Corvisieri Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

______ Apologia de Soacutecrates Introduccedilatildeo traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Editores 2008

149

______ Timeu-Criacutetias Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo notas e iacutendices de Rodolfo Lopes

Coimbra CECH 2011

PLIacuteNIO Caio Segundo Historia Natural Edicioacuten y traduccioacuten de Josefa Cantoacute Madrid

Caacutetedra 2002

POHLENZ Max La Stoa storia di un movimento spirituale Florenccedila La Nuova Italia

1967

POPE Kyle The Second Apology of Justin Martyr Kansas Ancient Road 2001

PRIBERAM INFORMAacuteTICA SA Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa 2008-2013

Disponiacutevel em lt httppriberamptdlpogt Acessos em 28 de set 2018

RIVAS Fernando San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo

Verbo Divino Estella n 98 2018II

ROumlSEL Martin Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea Satildeo

Leopoldo SinodalEST 2009

ROSSI Andrea L D O C BINATO Claacuteudia P As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo

parcial do Livro X correspondecircncia administrativa com o Imperador Trajano Histoacuteria

Unisinos Satildeo Leopoldo vol 21 nordm 1 p 149-156 janeiroabril de 2017

RUSCONI Carlo Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento Satildeo Paulo Paulus 2003

SANTOS Bento Silva Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos

Comuns Veritas Porto Alegre v 48 n 3 p315-491 set 2003

SANTOS Flaacutevyo Henrique Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano Disponivel em

lthttpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminianogt Acesso em 15 de

fev 2019

SANTOS Samuel Nunes dos Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 178 f Dissertaccedilatildeo (Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria) Faculdade de Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes Goiacircnia 2012

SANTOS Samuel N GONCcedilALVES Ana Teresa M A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo

Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I Apologia de Justino Maacutertir Disponiacutevel em

lthttpwwwsbpcnetorgbrlivro63raconpeexmestradotrabalhos-mestradomestrado-

samuel-nunespdfgt Acesso em 08 de jan 2019

SCHAFF Phillip Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the

Christian Church Grand Rapids Eerdmans 1910

______ Phillip The creeds of Christendom with a history and critical notes Grand Rapids

Baker Book House 1966

SCOTT Benjamin As Catacumbas de Roma 13ed Rio de Janeiro CPAD 1996

SEVERINO Emanuele A Filosofia Antiga Lisboa Ediccedilotildees 70 1984

150

SICRE Joseacute Luis De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica Petroacutepolis

Vozes 2000

SIMONE R J de JUSTINO filoacutesofo e maacutertir In BERARDINO Di Angelo (Org)

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis Vozes Paulus 2002 p 798-800

SIMONETTI Manlio (Org) et al Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica Satildeo Paulo Ave Maria

2010

STEGEMANN Ekkehard W STEGEMANN Wolfgang Histoacuteria Social do

Protocristianismo Satildeo Leopoldo Sinodal Satildeo Paulo Paulus 2004

STRONG James Dicionaacuterio Biacuteblico Strong Barueri SBB 2002

TACIANO Discurso Contra os Gregos Disponiacutevel em

lthttpwwwveritatiscombrpatristicaobrasdiscurso-contra-os-gregosgt Acesso em 25 de

mar 2019

TAacuteCITO Anais Prefaacutecio de Breno Silveira Traduccedilatildeo de Joseacute Liberato Freire de Carvalho

Rio de Janeiro W M Jackson 1957

TERTULIANO Apologia Disponiacutevel em

lthttpwwwibpancombrimagesstoriesDownloadsEstudos_BiblicosTertuliano20-

20Apologiapdfgt Acesso em 16 de out 2018

______ Agraves Naccedilotildees Disponiacutevel em lthttpwwwtertullianorglatinad_nationes_1htmgt

Acesso em 08 de jan 2019

______ Contra os Valentinianos Disponiacutevel em

lthttpwwwintratextcomIXTLAT0258_P2HTMgt Acesso em 27 de set 2018

THAYER Joseph Henry A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms

Wilkes clavis novi testamenti New York Cincinnati Chicago American Book Company

1889

TORRES Milton L A retoacuterica joanina do Logos Revista Caminhando Satildeo Paulo v 21 n 2

p 147-167 juldez 2016

VINE W E UNGER Merril F WHITE JR Willian Dicionaacuterio Vine O Significado

Exegeacutetico e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento Rio de Janeiro CPAD

2002

VIRKLER Henry Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica

Satildeo Paulo Vida 2001

WALDE Rick Justino Maacutertir Defensor da Igreja Disponiacutevel em

lthttplogoshp6tenetAPO25htmampgtgt Acesso em 11 set 2018

WACHHOLZ Wilhelm Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval Satildeo Paulo Know How 2010

XAVIER Erico Tadeu Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde Uacuteltimo Andar

(ISSN 1980-8305) Satildeo Paulo n 24 dez 2014

151

OBRAS CONSULTADAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ABRAtildeO Bernadete Siqueira A Histoacuteria da Filosofia Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

ANTONIAZZI Alberto MATOS Henrique C J Cristianismo 2000 anos de caminhada

3ed Satildeo Paulo Paulinas 1996

ARRUDA Elton Como fazer a Metodologia em um Projeto Disponiacutevel em

lthttpwwwbiblioteconomiadigitalcombr201007como-fazer-metodologia-em-um-

projetohtmlampgtgt Acesso em 18 dez 2018

BALTHAZAR Hans Urs von O Cristatildeo na Hora Decisiva Caxias do Sul Paulinas 1969

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen I Salamanca Ediciones Sigueme 1996

BIacuteBLIA Portuguecircs Ave Maria Traduccedilatildeo dos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica)

8ed Digital Satildeo Paulo Ave Maria 2014

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo de Genebra Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo MacArthur Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs A Biacuteblia de Jerusaleacutem Satildeo Paulo Paulinas 1980

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo Palavra-Chave Hebraico e Grego Traduccedilatildeo de Joatildeo

Ferreira de Almeida 2ed Rio de Janeiro CPAD 2011

______ Portuguecircs Biacuteblia Shedd Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo Paulo Vida

Nova 1997

CAIRNS Earle O Cristianismo Atraveacutes dos Seacuteculos Uma Histoacuteria da Igreja Cristatilde Satildeo

Paulo Vida Nova 1995

CHAPPIN Marcel Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Loyola 1999

COCHRANE Charles Norris Cristianismo e Cultura Claacutessica Rio de Janeiro Topbooks

2012

CONYBEARE Frederick Cornwallis STOCK St George Gramaacutetica do Grego da

Septuaginta Satildeo Paulo Loyola 2011

DELCOR Mathias MARTINEZ Florentino Garcia Introduccion a la Literatura Esenia de

Qumran Madrid Ediciones Cristiandad 1982

DURKHEIM Eacutemile As formas Elementares da Vida Religiosa Satildeo Paulo Paulinas 1989

152

GOMES Cirilo Folch Antologia dos Santos Padres paacuteginas seletas dos antigos escritos

eclesiaacutesticos 3ed Satildeo Paulo Paulinas 1979

GUIMARAtildeES Marcelo Rezende Conversando com os Pais e Matildees da Igreja Petroacutepolis

Vozes 1994

HASTENTEUFEL Zeno Infacircncia e Adolescecircncia da Igreja Porto Alegre EDIPUCRS

1995

JAEGER Werner Cristianismo Primitivo e Paideia Grega Lisboa Ediccedilotildees 70 1961

JUSTIN Apologie pour les chreacutetiens introduction texte critique traduction et notes par

Charles Munier Paris Cerf 2006

JUSTINUS Des Philosophen und Maumlrtyrers Rechtfertigung des Christentums (Apologie I u

II) Angeleitet Verdeutscht und Erlaumlutert von Heidenheim T Veil Strassburg Heitz amp

Muumlndel 1894

LLORCA Bernardino Nueva visioacuten de la Historia del Cristianismo Tomo Primero

Barcelona Labor 1956

MARTIacuteRIO DE POLICARPO DE ESMIRNA Disponiacutevel em lt

httpwwwcentroestudosanglicanoscombrbancodetextoshistoriadaigrejamartirio_de_polic

arpo_de_esmirnapdfgt Acesso em 17 de out 2018

PIERRARD Pierre Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulus 1982

ROBERTS Alexander DONALDSON James (Edited) Ante-Nicene Fathers Volume 1 The

Apostolic Fathers Justin Martyr Irenaeus Chronologically arranged with brief notes and

prefaces by Arthur Cleveland Coxe Peabody Hendrickson Publishers 1994

TAYLOR Justin As Origens do Cristianismo Satildeo Paulo Paulinas 2010

VIVES Joseacute Los Padres de la Iglesia Textos doctrinales del cristianismo desde los oriacutegenes

basta san Atanasio Barcelona Herder 1988

153

Page 4: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE

A memoacuteria de meus familiares

Isidor Nairto Wingert meu querido pai por sua

histoacuteria como docente mas principalmente

pelas doces e constantes lembranccedilas de seu

carinho

Anisio e Maria Andradina dos Santos meus

saudosos avoacutes por seu amor sem medida por

sua entrega total a minha vida

Sempre os amarei

AGRADECIMENTOS

A minha amada Esposa uma luz constante em

minha vida Nela tudo sempre se renova sem

ela pouco restaria

Aos meus queridos filhos Pedro e Maria os

maiores presentes que Deus me deu Cristo

formado em voacutes eacute a maior heranccedila que pretendo

deixar

A minha amada Matildee que foi fundamental para

a realizaccedilatildeo desse sonho Seu amor foi constate

em todo tempo sua coragem sempre me

inspirou e seu legado me enche de orgulho

A meu Tio Ademir que eacute um exemplo vivo do

caraacuteter de Cristo sendo presente nessa

caminhada como um pai que acompanha seu

filho Essa conquista tambeacutem pertence a vocecirc

Ao Prof Caacutessio mestre por vocaccedilatildeo modelo de

excelecircncia para a docecircncia Sua orientaccedilatildeo foi

excepcional sua honestidade intelectual eacute

admiraacutevel Sua postura se tornou um exemplo a

ser seguido por esse teoacutelogo

Aos meus colegas Alexandre Dorcelina

Fernando Filipe Rodrigo e Samuel por tudo o

que compartilhamos e vivemos nesse tempo

jamais os esquecerei

Ao Pai ao Filho ao Espiacuterito Santo de quem eacute

o reino o poder e a gloacuteria de geraccedilatildeo em

geraccedilatildeo pelos seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem

ldquoEu lhes tenho dado a tua palavra e o mundo

os odiou porque eles natildeo satildeo do mundo como

tambeacutem eu natildeo sou Natildeo peccedilo que os tires do

mundo e sim que os guardes do mal Eles natildeo

satildeo do mundo como tambeacutem eu natildeo sou

Santifica-os na verdade a tua palavra eacute a

verdaderdquo

Joatildeo 1714-17

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo apresenta uma pesquisa bibliograacutefica direcionada a estabelecer a

identificaccedilatildeo moral e dogmaacutetica do termo Verdade exposto de forma predicativa na obra

intitulada I Apologia de Justino Maacutertir Acredita-se que na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo histoacuterica

do cristianismo alguns autores como Justino de Roma ajudaram a criar e fomentar os

paracircmetros necessaacuterios para se estabelecer uma ldquoidentidade cristatilderdquo durante os dois primeiros

seacuteculos da era atual A partir de novos valores e preceitos ordenou-se de maneira pragmaacutetica

uma tentativa de reconhecer e distinguir o fato de ser cristatildeo em meio ao contexto

sociorreligioso do mundo greco-romano De maneira expliacutecita e impliacutecita ndash e agraves vezes de forma

paradoxal ndash Justino categoricamente identifica o que era ser um seguidor de Cristo em sua I

Apologia aleacutem de apresentar o que poderia ser considerado como a Verdade de forma

categoacuterica e ateacute mesmo tangiacutevel nesse processo A partir desse ideaacuterio de feacute a dissertaccedilatildeo

discute questotildees pertinentes sobre o autor a obra base e outras caracteriacutesticas de seu contexto

histoacuterico Foram investigadas as relaccedilotildees entre a cultura helecircnica e o novo modus vivendi

naquele ambiente e nele a identidade filosoacutefica de Justino Por fim apresentou-se um quadro

clarificador sobre os elementos que satildeo considerados evidecircncias inquestionaacuteveis para Justino

do que eacute a Verdade revelada em meio aos homens Desenvolveu-se deste modo uma provaacutevel

definiccedilatildeo da Verdade segundo a concepccedilatildeo de Justino Maacutertir a partir de sua I Apologia

Palavras-chave Justino Maacutertir I Apologia Verdade

ABSTRACT

This dissertation presents a bibliographical research directed to establish the moral and

dogmatic identification of the term Truth exposed in a predicative way in the work entitled I

Apology of Justin Martyr It is believed that in the formation and historical constitution of

Christianity some authors like Justin of Rome helped to create and foster the parameters

necessary to establish a Christian identity during the first two centuries of the present era

From new values and precepts an attempt to recognize and distinguish the fact of being

Christian amidst the socioreligious context of the Greco-Roman world was pragmatically

ordered Explicitly and implicitly - and sometimes in a paradoxical way - Justin categorically

identifies what it was like to be a follower of Christ in his Apology in addition to presenting

what could be categorically and even tangibly Truth in that process From this idea of faith the

dissertation discusses pertinent questions about the author the base work and other

characteristics of its historical context The relations between the Hellenic culture and the new

modus vivendi in that environment were investigated and in it the philosophical identity of

Justin Finally a clarifying picture was presented on the elements that are considered

unquestionable evidences for Justino of what is the Truth revealed among men In this way a

probable definition of the Truth according to the conception of Justin Martyr from his I

Apologia was developed

Keywords Justin Martyr I Apologia Truth

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1 Pe ndash Primeira Epiacutestola de Pedro

1 Pet ndash The First Epistle of Peter

aC ndash Antes de Cristo

Adv Haer ndash Adversus Haereses

Adv Marcionem ndash Adversus Marcionem

Cap ndash Capiacutetulo

Caps ndash Capiacutetulos

dC ndash Depois de Cristo

Dial ndash Diaacutelogo com Trifatildeo

Gn ndash Livro de Gecircnesis

ICAR ndash Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

Jo ndash Evangelho de Joatildeo

Js ndash Livro de Josueacute

Sl ndash Livro dos Salmos

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 11

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

17

11 JUSTINO DE ROMA 17

12 PAIS DA IGREJA 23

121 Pais Apologistas 26

122 O Apologista Justino 29

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO 32

131 Dataccedilatildeo 32

132 Divisatildeo Textual 34

133 Gecircnero Literaacuterio 35

134 Manuscritos 38

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS 39

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo 40

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia 43

2 O NOVO MODUS VIVENDI 50

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE 51

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO 56

221 Os Judeus 58

222 Os Gentios 61

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM 65

231 Um Princiacutepio Teologal 68

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista 69

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria 70

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo 71

232 Um Princiacutepio Determinista 75

233 Um Princiacutepio de Pureza 78

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR 84

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII 85

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO 90

321 Estoicismo e Platonismo em Justino 95

322 O Logos em Justino 104

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS 110

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO 117

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO 118

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO 122

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO 128

CONCLUSAtildeO 139

REFEREcircNCIAS 144

OBRAS CONSULTADAS 151

11

INTRODUCcedilAtildeO

O assunto desta pesquisa dissertativa vem a ser um exame sobre uma proposta

desenvolvida a partir da obra intitulada I Apologia de Justino Maacutertir tambeacutem conhecido junto

ao meio eclesiaacutestico e acadecircmico como Justino de Roma Reconhecido de forma unacircnime como

um dos ldquomais ceacutelebres apologistas do seacuteculo IIrdquo1 Justino pertence agrave segunda era Patriacutestica

conhecida tradicionalmente pela definiccedilatildeo Pais Apologistas Nessa abordagem visamos

caracterizar a ideia de Justino a partir de sua definiccedilatildeo da palavra Verdade apresentada de

forma axiomaacutetica por diversas vezes em seu primeiro tratado apologeacutetico

Acredita-se que no processo de formaccedilatildeo desenvolvimento e consolidaccedilatildeo do

cristianismo como religiatildeo alguns valores de sentido absoluto (poderiacuteamos dizer dogmaacuteticos)

foram provedores e promovedores de um esquema de reconhecimento2 por meio de fortes

ascendentes (voltados para sua origem) de caracterizaccedilatildeo Esses valores amparados por sinais

e siacutembolos ndash alguns que receberam literal evidecircncia informativa ndash projetaram uma eficiente

identificaccedilatildeo cristatilde conseguindo externar a partir de preceitos e praacuteticas ordenadas um real

estado de enobrecimento3 e assim distinguiram o ser cristatildeo dos demais4

Aleacutem disso em toda a histoacuteria conhecida o homem sempre buscou descobrir quais

eram os reais elementos que promovem e garantem a certeza do bem (conquista felicidade

realizaccedilatildeo etc)5 e da verdade junto aos seres e as coisas com quem convive e se relaciona6

Nesse processo de desenvolvimento passando por todo percurso da histoacuteria humana nos

deparamos com as sequelas de um estado de consciecircncia que estaacute eacutetica eou moralmente

corrompido enfatizado em nosso em caso em especiacutefico pelo incocircmodo que o ser humano

passa quando exposto as consequecircncias e dilemas apresentados pelas ldquofacesrdquo da Verdade

Nesta mesma perspectiva reconhecemos que as ldquotestemunhas da verdade sempre

irritaram os ceacuteticos e os espertosrdquo7 Nessa missatildeo de testificar a Verdade os Apologistas

cristatildeos do Seacuteculo II acabaram por se distinguir mediante contribuiccedilotildees pertinentes para esse

1 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 51

2 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

3 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

4 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

5 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

6 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

7 DANIEacuteLOU O Escacircndalo da Verdade1963 p 11

12

processo construtivo tornando-se diferenciais em seu tempo e espaccedilo de atuaccedilatildeo8 Justino

nesse mesmo seguimento acaba ganhando destaque atraveacutes de seus tratados que descrevem a

vida cotidiana dos cristatildeos do periacuteodo sendo-nos possiacutevel afirmar que no que se refere ao

conceito de Verdade (como predicativo) Justino parece estar ldquomais proacuteximo de noacutes do que

muitos pensadores modernosrdquo9

Uma especificidade que devemos apontar como elemento introdutoacuterio neste processo

refere-se ao entendimento de Justino para com o vocaacutebulo Verdade Neste quesito um

imperativo surge pois de forma inquestionaacutevel mediante o registro do Apologista conseguimos

considerar o que ele compreendia sobre o termo verdade em sua dimensatildeo epistemoloacutegica O

vocaacutebulo grego αλήθεια10 que comumente se traduz por verdade em portuguecircs eacute amplamente

utilizado por Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo (absoluta) para

aquilo que o Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que

dependia de ser apontado como agrave realidade presente e necessaacuteria para os Homens

Este conceito gramatical que Justino carrega sobre o termo Verdade jaacute estaacute presente

nos filoacutesofos11 e seu significado incorpora algo que define bem sua temaacutetica apologeacutetica

Justino compreendia que a realidade necessitava ser deslumbrada pois a verdade estaacute

subentendida a um ldquoestado preacutevio que viemos a descobrir a colocar de manifesto

estabelecendo o que a coisa eacuterdquo12 Deste modo Justino mediante sua metodologia dialeacutetica e

empiacuterica procurava salientar sua posse da Verdade por meio de um ldquosentido de certezardquo que

envolvia e incorporava a comprovaccedilatildeo de seus resultados Estes efeitos eram obtidos no

afastamento de dados distorcidos e encobertos sobre a realidade isso porque uma vez aplicado

tal desvelamento percebia-se como as coisas eram13 fazendo com que a Verdade fosse

colocada diante de seus expectadores

8 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

9 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152

10 Rusconi ao apresentar este vocaacutebulo aborda inicialmente sobre sua composiccedilatildeo composta onde salienta que a

existecircncia da letra ldquoαrdquo no iniacutecio da palavra eacute uma partiacutecula negativa que estaacute somada ao termo ldquoλαθλήθrdquo que

significa ldquoestar escondidordquo Assim no caso em especiacutefico quase sempre a composiccedilatildeo visa expressar uma

realidade que estaacute ldquoescondida obscura eou esquecidardquo Deste modo a construccedilatildeo gramatical do termo propotildee

que a consequecircncia da autenticidade (verdade) dos fatos eacute o efeito causado pelo desvelamento destes casos Sendo

assim passa-se a conhecer a verdade a partir do momento que se remove as coisas que a ocultam Rusconi ainda

indica que o termo procurava apresentar a realidade como sendo a condiccedilatildeo objetiva das coisas visiacuteveis e

recordaacuteveis ao Homem o que atestava esse desvelamento do que estava oculto Ver RUSCONI Dicionaacuterio do

Grego do Novo Testamento 2003 p 32

11 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

12 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 12

13 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 15

13

A base dessa compreensatildeo sobre o vocaacutebulo verdade eacute utilizada amplamente por

Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo absoluta para aquilo que o

Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que dependia de ser

apontado como a realidade presente e necessaacuteria para os homens

Neste compasso eacute que esta dissertaccedilatildeo procura examinar como Justino interpretava

um de seus mais usados e emblemaacuteticos termos Este exerciacutecio nos conduz agrave questatildeo principal

que visamos responder nesta pesquisa sendo possiacutevel deste modo argumentarmos sobre este

ponto fundamental atraveacutes da seguinte interrogaccedilatildeo qual o sentido do vocaacutebulo ldquoVerdaderdquo

empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica

Sendo assim a realizaccedilatildeo desta pesquisa se deu atraveacutes de um exame bibliograacutefico

com literatura do tipo teoloacutegica filosoacutefica histoacuterica entre outras aacutereas relacionadas ao seu tema

base Cabe-nos salientar que esta dissertaccedilatildeo procura se apresentar como um agregado

intelectual em liacutengua portuguesa14 para sua aacuterea teoloacutegica especiacutefica

(PatriacutesticaPatrologiaHistoacuteria do Dogma) como tambeacutem para as demais aacutereas Humanas que

da mesma forma possam colher frutos num acircmbito interdisciplinar O estudo aqui proposto

baseia-se nos capiacutetulos XXIII-XXX da I Apologia de Justino Maacutertir tornando-se este nosso

principal ponto de delimitaccedilatildeo textual na busca de se compreender o conceito de Verdade para

Justino

Tratando-se dos termos Pai(s) ou Padre(s) ndash convencionalmente utilizados de forma

padratildeo e geneacuterica na titulaccedilatildeo das figuras de destaque na aacuterea Patriacutestica ndash optamos pelo

vocaacutebulo Pai como elemento descritivo a ser utilizado nesta pesquisa Isso devido a duas

questotildees orientativas A primeira busca priorizar a originalidade da liacutengua vernacular desta

dissertaccedilatildeo (portuguecircs) Jaacute a segunda procura seguir uma postura de acircmbito ecumecircnico visto

que o termo Pai se adapta melhor agrave compreensatildeo confessional cristatilde fora da realidade teoloacutegica

da Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana natildeo trazendo nenhum prejuiacutezo cognitivo aos leitores

desta uacuteltima Instituiccedilatildeo

As citaccedilotildees da I Apologia de Justino foram extraiacutedas de versotildees em liacutengua portuguesa

e grega Em portuguecircs a I Apologia eacute traduzida e editada por Ivo Storniolo e Euclides M

Balancin e comentada por Roque Frangiotti para a coleccedilatildeo Patriacutestica da editora Paulus Jaacute o

texto em seu idioma original estaacute presente em duas publicaccedilotildees a primeira estaacute na coletacircnea

Patrologiae Cursus Completus Series Graeca Volume 6 editado por Jacques Paul Migne e a

14 A falta de trabalhos sobre o pensamento de Justino Maacutertir em liacutengua portuguesa no cenaacuterio nacional (Brasil) eacute

uma evidente deficiecircncia acadecircmica ateacute o momento Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 12

14

segunda estaacute na coletacircnea Apologies (contendo a I e a II Apologias) traduzida e comentada por

Louis Pautigny A traduccedilatildeo e transliteraccedilatildeo do original grego quando se fez necessaacuterio satildeo de

nossa autoria15

Duas satildeo as traduccedilotildees da Biacuteblia Sagrada em liacutengua portuguesa utilizadas nesta

dissertaccedilatildeo A primeira que eacute aplicada de forma padratildeo em todo corpo textual desta pesquisa

eacute a traduzida em portuguecircs por Joatildeo Ferreira de Almeida 2ordf ediccedilatildeo Revista e Atualizada no

Brasil da Sociedade Biacuteblica do Brasil de 1993 A segunda traduccedilatildeo que eacute utilizada

exclusivamente no quadro comparativo entre os textos da I Apologia de Justino e os textos

escrituriacutesticos do Antigo Testamento localizado no IV capiacutetulo eacute de nossa inteira autoria16

Quanto ao texto grego utiliza-se o Novo Testamento Grego tradicionalmente conhecido por

Textus Receptus 15501894 (que significa texto recebido) de domiacutenio puacuteblico poreacutem editado

e produzido eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007 Quanto ao Antigo

Testamento emprega-se a versatildeo grega conhecida como Septuaginta de 190317 de domiacutenio

puacuteblico editada e produzida eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007

Esta pesquisa se desenvolve textualmente em quatro capiacutetulos O primeiro capiacutetulo

discute quatro pontos principais O primeiro eacute uma sucinta abordagem biograacutefica da figura

humana de Justino diante dos fatos existentes em seu contexto O segundo apresenta o perfil

histoacuterico e intelectual especialmente na classe Patriacutestica em que estaacute inserido O terceiro ponto

faz uma anaacutelise literaacuteria da I Apologia sua dataccedilatildeo sua divisatildeo textual seu gecircnero literaacuterio e

os manuscritos que se dispotildeem da obra Por uacuteltimo se aborda por meio de uma breve exposiccedilatildeo

histoacuterica o ponto-chave que em meados do Seacuteculo II motivou Justino a redigir esta obra o

fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo eacute analisado como sendo a forccedila motriz que conduziu a pena de

Justino neste tratado

O segundo capiacutetulo estaacute dividido em trecircs pontos O primeiro descreve quem eram os

cristatildeos como grupo apresentando algumas de suas particularidades mas visa especialmente

construir algo que se pode explicar como uma definiccedilatildeo ldquoidentitaacuteriardquo destes homens e mulheres

que se haviam tornado mais um segmento do contexto sociorreligioso do Seacuteculo II O segundo

15 As obras de referecircncia utilizadas para tal exerciacutecio de traduccedilatildeo foram Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-

Grego de Isidoro Pereira Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento de Carlo Rusconi Dicionaacuterio Biacuteblico Strong

de James Strong e A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti

de Joseph Thayer

16 Esta opccedilatildeo se daacute devido ao fato de natildeo existir em liacutengua portuguesa uma traduccedilatildeo que represente ou se

assemelhe de maneira teacutecnica ao original grego da Septuaginta

17 Os editores empregam correlatamente o termo ldquosem acentuaccedilatildeordquo junto a titulaccedilatildeo desta versatildeo O emprego

ocorre devido ao texto grego natildeo apresentar acentos

15

que daacute seguimento ao ponto anterior visa apresentar um melhor desenvolvimento dos objetivos

deste trabalho deste modo eacute imprescindiacutevel se apresenta um esboccedilo do que para Justino se

caracteriza como os setores da sociedade opostos ao cristianismo nesta relaccedilatildeo duas ldquoclassesrdquo

surgem judeus e gentios Por fim o terceiro ponto aborda o exame principal desta etapa Aqui

se descreve uma potencial relaccedilatildeo entre fatores que por regra se diferenciam essencialmente

sendo esta diferenciaccedilatildeo estabelecida necessariamente por uma nova postura espiritual eou

religiosa Novas variantes surgem de forma definitiva no cenaacuterio sociorreligioso da eacutepoca

confrontando seu status quo o que leva Justino a reagir criando automaticamente uma accedilatildeo

dialeacutetica que envolve conceitos teologais providenciais eacuteticos e morais aleacutem de gerar outras

variaccedilotildees que estabelecem o passo futuro a ser dado por Justino visando um desdobramento

que estabeleccedila sua confissatildeo de feacute Neste cenaacuterio eacute possiacutevel propor uma definiccedilatildeo do que seja

a Verdade para Justino

Tambeacutem o terceiro capiacutetulo tem sua estrutura dividida em trecircs pontos bases O

primeiro aborda o capiacutetulo XXVIII da I Apologia o qual seraacute analisado de forma introdutoacuteria

levando desta maneira ao desenvolvimento do restante da proposta aleacutem de dar fundamento agrave

construccedilatildeo do argumento central que estaacute ancorado no pensamento do Apologista O segundo

ponto do capiacutetulo concentra-se na descriccedilatildeo da filosofia como a principal ldquociecircnciardquo e a base

intelectual na formaccedilatildeo de Justino Neste espaccedilo se vecirc de forma sumarizada o filoacutesofo Justino

aqui tambeacutem se mencionam as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo deste Pai da Igreja

onde o estoicismo e o platonismo satildeo salientados Aleacutem disso eacute discutida tambeacutem o conceito

de Logos questatildeo filosoacutefica-teoloacutegica que acabou por se tornar em uma de suas principais

contribuiccedilotildees para a histoacuteria do dogma cristatildeo18 Finalmente o terceiro ponto concentra

esforccedilos no desenvolvimento de uma peculiar abordagem de Justino quanto ao uso e o fim que

a racionalidade humana exerce no seu conjunto de relaccedilotildees Este ambiente formado de coisas

temporais e atemporais caracteriza de maneira clara e oacutebvia para Justino uma postura sistecircmica

como modelo para as atitudes humanas que concentram em si a resposta que define a Verdade

para este Apologista

O quarto e derradeiro capiacutetulo se compotildeem de trecircs pontos elementares Inicia-se por

uma abordagem que procura desenvolver uma raacutepida relaccedilatildeo histoacuterica do conceito messiacircnico

em algumas culturas direcionando seu foco final para a eacutepoca de Justino O segundo item

descreve com certo grau de peculiaridade a definiccedilatildeo do que eram e consequentemente o que

representavam as profecias messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino aleacutem de visar

18 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

16

comunicaacute-las de maneira correta acima de tudo a quem ele as apresentou como tipo alvo e

revelaccedilatildeo maacutexima19 Por fim o terceiro ponto expotildee por meio do auxiacutelio de fontes que para

Justino havia um evidente qualificador em sua definiccedilatildeo do cumprimento profeacutetico da Antiga

Alianccedila Este fator se concentra em um axioma que se tornou visiacutevel sendo bem definido pelo

autor do Quarto Evangelho ldquoo Verbo se fez carne e habitou entre noacutes cheio de graccedila e de

verdade e vimos a sua gloacuteria gloacuteria como do unigecircnito do Pairdquo (Joatildeo 114)

Em resumo o primeiro capiacutetulo estaacute centrado no contexto da figura histoacuterica de

Justino O segundo em aspectos significativos sobre a contraposiccedilatildeo de ideias e haacutebitos O

terceiro na obtenccedilatildeo da inteligibilidade do Apologista em resistecircncia a uma previsatildeo

meramente sensiacutevel do agregado vivencial ou funcional de sua realidade O quarto na

afirmaccedilatildeo de um apogeu que sustentado em evidecircncias irrefutaacuteveis para Justino se estabelece

como uma sentenccedila irrevogaacutevel

Este apanhado nos convida a uma reflexatildeo para conhecer e a uma busca para

comprovar o que seria a Verdade na visatildeo de Justino de Roma Daniel-Rops foi mais um dos

tantos que foram conquistados pelas nuances do legado apologeacutetico de Justino e como

consequecircncia deste encontro encoraja seus leitores a aceitarem este desafio

Como os seus problemas satildeo semelhantes aos nossos Como bate seu coraccedilatildeo num

ritmo que conhecemos tatildeo bem Neste filoacutesofo de dezoito seacuteculos ressoa aos nossos

ouvidos uma espeacutecie de Pascal neste dialeacutetico emeacuterito encontra-se uma vontade de

acolhimento e uma abertura de alma que os cristatildeos de hoje podem tomar por

modelo20

19 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

20 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 277

17

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

Ao imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo

filoacutesofo e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do

saber ao sacro Senado e a todo o povo romano Em prol dos homens de qualquer raccedila

que satildeo injustamente odiados e caluniados eu Justino um deles filho de Prisco que

o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestina compus este discurso e

esta suacuteplica21

Para conhecermos melhor a Justino o cognominado Maacutertir da ainda jovem Igreja de

Cristo ndash como tambeacutem ilustre residente da comunidade romana do Seacuteculo II ndash devemos nos

aproximar de suas obras Especialmente nas conhecidas I Apologia e Diaacutelogo com Trifatildeo nos

deparamos com um pequeno poreacutem significativo acesso a informaccedilotildees que fundamenta um

consideraacutevel entendimento histoacuterico desta figura tatildeo destacada daquele periacuteodo22

A partir desta anaacutelise histoacuterica buscaremos desenvolver uma construccedilatildeo por meio de

fatores que entendemos serem essenciais para o progresso do restante desta pesquisa no qual

assuntos de teor elementar procuraratildeo ser respondidos Entre estes podemos identificar alguns

como Quem foi esse homem chamado Justino o qual o testemunho cristatildeo antigo afirma ter

sido morador da cidade de Roma e martirizado por sua feacute A qual classe da sociedade romana

de sua eacutepoca ele pertenceu A qual grupo da ldquointelectualidaderdquo cristatilde ele somou Como e

quando escreveu suas obras em especial a I Apologia Como este escrito encomiaacutestico de

defesa nasce Quem eou o quecirc (fatores diversosplurais) o incentivaram a escrevecirc-la de forma

proposital

11 JUSTINO DE ROMA

Torna-se necessaacuterio desde o iniacutecio salientar que se possui atualmente informaccedilotildees bem

detalhadas de quem teria sido Justino ndash o qual foi cunhado por Tertuliano como ldquofiloacutesofo e

maacutertirrdquo23 ndash morador da capital do Impeacuterio Romano isso tudo devido especialmente agraves claras

ldquoreferecircncias autobiograacuteficas de suas proacuteprias obras a um relato sobre seu martiacuterio e a notiacutecias

encontradas na Histoacuteria eclesiaacutestica de Euseacutebio e em Epifacircniordquo24 Uma gama consideraacutevel de

21 JUSTINO I Apologia I 1

22 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

23 TERTULIANO Contra os Valentinianos V 1

24 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 82-83

18

estudiosos concorda que Justino tenha nascido por volta do ano 100 da era cristatilde25 isso devido

agrave referecircncia textual apresentada pelo proacuteprio Apologista ldquoeu Justino um deles filho de Prisco

que o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestinardquo26 Neste contexto contribui

o trabalho de Xavier que afirma acreditar ldquoque ele (Justino) nasceu depois do ano 100 dC em

Flavia Neaacutepolis (atual Naplusa) na Siacuteria-Palestina ou Samaria a Siqueacutem dos tempos biacuteblicos

(Palestina)rdquo27 Nota-se atraveacutes do auto relato de Justino que este nasceu em pleno ldquocoraccedilatildeo da

Galileiardquo28 em uma cidade remodelada (modernizada) para sua eacutepoca agrave cultura romana ou seja

pagatilde Logo sua famiacutelia provavelmente tambeacutem era pagatilde possivelmente seus pais ldquoeram

colonos abastadosrdquo29 e de origem latina ou grega sendo a primeira opccedilatildeo de preferecircncia por

Hamman que afirma serem de caracteriacutestica latina a qualidade de caraacuteter o gosto por dados

histoacutericos e a natildeo apreciaccedilatildeo de argumentaccedilotildees pomposas e prolixas encontradas em Justino30

Vale tambeacutem citar que a etimologia dos nomes do seu pai (Prisco) e do seu avocirc (Baacutequio)

colabora para uma origem natildeo judaicaisraelita mesmo tendo nascido na regiatildeo da Samaria

local no qual possivelmente tenha crescido e sido educado31

Os proacuteximos relatos biograacuteficos apresentados por nosso autor jaacute se estabeleceram no

decorrer de sua jornada em direccedilatildeo ao alvo que buscava atingir eacute quando em seu escrito

intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo Justino se apresentaraacute como um apaixonado apreciador da

filosofia e do absoluto que a razatildeo deveria perscrutar Em um escrito estiliacutestico e repleto de

artifiacutecios literaacuterios Justino cita seu passado em meio aos estoicos peripateacuteticos pitagoacutericos e

platocircnicos32 observando desde cedo que o objetivo de seu caminho nestes grupos que

ldquocultuavamrdquo o bem-estar do viver humano era o de descobrir a verdade como um estado livre

de contingecircncias Hamman endossa esse processo de peregrinaccedilatildeo filosoacutefica na vida do autor

25 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 81

26 JUSTINO I Apologia I 1

27 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo nosso

28 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

29 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

30 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

31 Flaacutevia Neaacutepolis foi fundada em 72 de nossa era por Vespasiano sobre a antiga Siqueacutem A cidade existe hoje

sob o nome de Naplusa Natildeo se deve esquecer a importacircncia deste siacutetio geograacutefico para a histoacuteria religiosa de

judeus e cristatildeos Foi em Siqueacutem que Deus apareceu a Abraatildeo e este lhe dedicou um altar (cf Gn 126-7) Ali se

conservava a memoacuteria de um ldquopoccedilo de Jacoacuterdquo junto ao qual Jesus dialogou com a samaritana (cf Jo 45-6) Foi em

Siqueacutem que Josueacute reuniu a grande assembleia das tribos para ratificar a alianccedila entre Deus e seu povo (cf Js 24)

Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5

32 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3-6

19

O proacuteprio Justino conta-nos no Diaacutelogo com Trifatildeo o longo itineraacuterio de sua busca

[] Sucessivamente em Naplusa frequentou as aulas de um estoico depois de um

disciacutepulo de Aristoacuteteles que logo abandonou trocando-o por um platocircnico Com

candura esperava que a filosofia de Platatildeo lhe permitisse ldquover imediatamente a

Deusrdquo33

Entretanto Justino diante de diversas circunstacircncias e ainda acometido de inuacutemeras

inquietaccedilotildees decorridas das mesmas perguntas que o afligiam em sua busca pela verdade passa

a relatar seu impressionante encontro com o Evangelho de Cristo em seu Diaacutelogo com um judeu

chamado Trifatildeo34 Justino que aparentemente parece ter sido encorajado apoacutes ser ensinado por

um mestre da escola platocircnica passa a viver por meio de haacutebitos mais austeros e se retira a um

lugar isolado onde segundo ele mesmo procuraria encontrar ldquoo proacuteprio Deusrdquo35 Poreacutem em

meio a esta experiecircncia de isolamento ndash possivelmente ocorrida na regiatildeo da Aacutesia Menor36 ndash

Justino se depara com um anciatildeo que seraacute o arauto da mais significativa filosofia que conheceu

Hamman daacute ecircnfase a esse evento ldquoRetirando-se agrave solidatildeo Justino passeava pela areia a beira-

mar para meditar sobre a visatildeo de Deus sem conseguir apaziguar sua inquietaccedilatildeo quando

encontrou um anciatildeo misterioso que dissipou suas ilusotildeesrdquo37

Nesse Diaacutelogo nos deparamos com uma seacuterie de interrogaccedilotildees vindas da parte do

Anciatildeo judeu dirigidas a pessoa de Justino assuntos sobre Deus (divindade) sobre o saber

humano (filosofia) sobre a felicidade e a disposiccedilatildeo da alma (psique) satildeo algumas das questotildees

apresentadas ao ldquointelectordquo do filoacutesofo Justino No que tudo indica parecer um processo

baseado na maiecircutica socraacutetica o Anciatildeo leva nosso autor a inuacutemeras duacutevidas e consegue

estabelecer contradiccedilotildees naquela que parecia ser a melhor via (meacutedio platonismo) para o

entendimento da verdade conhecida por Justino ateacute entatildeo38 Diante das argumentaccedilotildees

apresentadas pelo Anciatildeo e sentindo-se vencido por elas Justino reconhece a sua limitaccedilatildeo e

pergunta ldquoEntatildeo a quem vamos tomar como mestre ou de quem poderemos tirar algum

proveito se nem mesmo nestes (filoacutesofos) se encontra a verdaderdquo39

33 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

34 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo III 1-VIII 2

35 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6-III 1

36 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

37 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

38 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

39 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1 grifo nosso

20

O decorrer do caso nos eacute apresentado com entusiasmo pelo autor o Anciatildeo eacute retratado

como algueacutem que natildeo hesita em afirmar ao sedento Justino que os profetas da antiga alianccedila

foram aqueles que manifestaramproclamaram a Verdade antes de todos os outros homens40

pois a resposta ao apelo do espiacuterito de Justino jaacute encontrava razatildeo e sentido na revelaccedilatildeo

anteriormente profetizada (Antigo Testamento) Estes fatos (profecias) tinham total relevacircncia

pois eram ldquomais antigos do que todos estes considerados filoacutesofos homens bem-aventurados

justos e amigos de Deusrdquo41 Neste ponto soma-se de forma significativa a descriccedilatildeo de Walde

desenvolvida junto ao texto de Justino sobre a sua conversatildeo

Justino foi introduzido na feacute diretamente por um velho homem que o envolveu numa

discussatildeo sobre problemas filosoacuteficos e entatildeo lhe falou sobre Jesus Ele falou a Justino

sobre os profetas que vieram antes dos filoacutesofos ele disse e que falou ldquocomo

confiaacutevel testemunha da verdaderdquo Eles profetizaram a vinda de Cristo e suas

profecias se cumpriram em Jesus Justino disse depois que ldquomeu espiacuterito foi

imediatamente posto no fogo e uma afeiccedilatildeo pelos profetas e para aqueles que satildeo

amigos de Cristo tomaram conta de mim enquanto ponderava nestas palavras

descobri que a sua era a uacutenica filosofia segura e uacutetil [] eacute meu desejo que todos

tivessem os mesmos sentimentos que eu e nunca desprezassem as palavras do

Salvadorrdquo42

Apoacutes este evento notabilizador na histoacuteria de Justino um evento que atesta a

conversaccedilatildeo do filoacutesofo a nova religiatildeo que se apresentava a cada dia com maior forccedila em meio

ao mundo heleniacutestico nasce um ministeacuterio que iraacute se caracterizar por uma profunda e inegaacutevel

entrega a causa que o conquistou Chegando agrave cidade de Eacutefeso Justino se deparou com irmatildeos

que se diziam disciacutepulos do apoacutestolo Joatildeo os quais por meio de uma intensa relaccedilatildeo lhe

mostraram o novo e relevante aspecto da nova filosofia que agora havia decidido seguir

passando a entender que o cristianismo deve ser ldquoum cristianismo de atos e natildeo soacute de

palavrasrdquo43

Poreacutem o maior entendimento que o Apologista obteve foi o de encontrar a Verdade a

qual buscava incessantemente unindo este axioma (Verdade) com o Logos revelado pelas

Escrituras contexto que definiu como a uacutenica ldquofilosofia segura e proveitosardquo44 para a vida a

40 DROHNER Manual de Patrologia 2008

41 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1

42 WALDE Defensor da Igreja 2000 p 1

43 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

44 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

21

qual eacute a fonte do saber primordial que manteve-se inalterada poreacutem tendo assumido ldquonovas

formas e expressotildees diferentesrdquo atraveacutes dos seacuteculos45 Este esteio da intelectualidade de Justino

foi tatildeo decisivo para a histoacuteria do cristianismo que segundo Hamman passou a apresentar

(temporariamente) uma satisfatoacuteria ldquoconclusatildeo para todas as verdades parciais [] Instante

inesqueciacutevel que assinala uma data na histoacuteria cristatilde em que se encontram a alma platocircnica e

a alma cristatilde A Igreja acolhia Justino e Platatildeordquo46

Aleacutem disto Justino guardou caracteriacutesticas daquilo que reconhecia ser saudaacutevel de seu

passado como amigo da sabedoria vestindo-se com ldquomanto de filoacutesofo como sinal do pregador

cristatildeo itineranterdquo47 Desta forma Justino procurou caracterizar-se entre os seus

contemporacircneos como algueacutem que representava a Verdade que havia encontrado Ateacute onde se

tem notiacutecias jamais foi ordenado assim como a maioria dos Pais de sua classe Patriacutestica

(Apologistas)48 No entanto ele iniciou em Roma possivelmente a pedido do Bispo Higino49

ldquoagrave maneira das escolas de filosofia uma escola de iniciaccedilatildeo agrave religiatildeo cristatilderdquo50 na qual formou

disciacutepulos recebendo tambeacutem por esta iniciativa a possiacutevel desaprovaccedilatildeo da ldquoclasserdquo

intelectual de sua eacutepoca pois tudo indica que natildeo cobrava nenhuma compensaccedilatildeo ndash entenda-se

salaacuteriopagamento ndash de seus alunos51 Este periacuteodo ministerial de Justino na ldquocapital do mundordquo

teve tamanha repercussatildeo na histoacuteria da Igreja a ponto de Euseacutebio fazer questatildeo de reproduzir

algumas particularidades desse filoacutesofo cristatildeo deixando-nos assim uma robusta base

historiograacutefica de Justino o primeiro historiador da Igreja afirma que ldquofloresceu Justino Com

estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de Deus e lutava pela feacute com seus escritosrdquo52

Decorrido um periacuteodo de confrontaccedilotildees filosoacuteficas e teoloacutegicas ndash especialmente no

acircmbito da eacuteticamoral ndash e de crescentes atritos com as esferas aristocraacuteticas da sociedade

romana Justino foi acusado de ser cristatildeo53 Tudo indica que a denuacutencia partiu de um filoacutesofo

45 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

46 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

47 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 83

48 RIVAS San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo 2018

49 Acredita-se que devido ao crescimento de alguns movimentos gnoacutesticos (Marcionismo Valentianismo etc)

junto a capital do Impeacuterio o Bispo Higino (Nono Papa) solicitou a presenccedila de Justino na tentativa de se introduzir

uma formaccedilatildeo filosoacutefico-cultural cristatilde em Roma no empenho de se responder adequadamente mediante a

verdadeira doutrina de Cristo a estes representantes heterodoxos Ver FEacuteLIX Las filosofiacuteas en la teologiacutea de

Justino Maacutertir 2014 p 438

50 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

51 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

52 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 10 8

53 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

22

ciacutenico54 de caraacuteter duvidoso chamado Crescente O proacuteprio Justino registra em sua segunda

Apologia o pressentimento de que entregaria sua vida em prol da causa do Evangelho que o

libertou da ignoracircncia e o salvou da morte eterna Ele escreve ldquoEu mesmo espero ser viacutetima

das ciladas de algum desses democircnios aludidos e ser cravado no cepo ou pelo menos das ciladas

de Crescente esse amigo da desordem e da ostentaccedilatildeordquo55 Deste modo Justino e provavelmente

seis de seus disciacutepulos foram conduzidos diante do Prefeito de Roma chamado Juacutenio Ruacutestico56

Apoacutes ser julgado e condenado agrave morte ldquoSua sentenccedila foi a decapitaccedilatildeo que ocorreu por volta

do ano 165 dCrdquo57 Hamman ainda enobrece a posiccedilatildeo de Justino salientando que o Apologista

tinha a compreensatildeo de que diante de seus algozes natildeo se tratava ldquomais de convencer senatildeo de

confessarrdquo58 Assim mesmo nesse cenaacuterio de violecircncia a identidade e histoacuteria do filoacutesofo que

quando jovem peregrinava atraacutes das respostas do absoluto acaba por transformar-se por meio

de um ato de feacute o entatildeo filoacutesofo cristatildeo chamado Justino e morador da cidade de Roma passa

agora a ser tambeacutem o Maacutertir da Igreja de Cristo

Finalizamos este item com a descriccedilatildeo de Euseacutebio que com realce e temor retrata os

fatos finais da histoacuteria da vida de Justino

Por este mesmo tempo Justino mencionado haacute pouco depois de dedicar aos

supracitados imperadores seu segundo livro em defesa de nossas doutrinas foi

adornado com o sagrado martiacuterio O responsaacutevel pela conspiraccedilatildeo foi o filoacutesofo

Crescente - homem que se esforccedilava em levar uma vida e uma conduta bem adequadas

ao cognome de ciacutenico - pois Justino o havia repreendido muitas vezes em presenccedila

de seus ouvintes Justino com seu martiacuterio acabou cingindo o precircmio da vitoacuteria da

verdade da qual era embaixador59

54 O cinismo origina-se nas escolas filosoacuteficas da Greacutecia antiga que reivindicam uma linhagem socraacutetica Chamar

os ciacutenicos de ldquoescolardquo no entanto imediatamente levanta uma dificuldade para um grupo natildeo convencional e anti-

teoacuterico Seus principais interesses satildeo eacuteticos mas eles concebem a eacutetica mais como um modo de viver do que

como uma doutrina que precisa de explicaccedilatildeo Como tal askēsis ndash uma palavra grega que significa um tipo de

treinamento do eu ou da praacutetica ndash eacute fundamental Os ciacutenicos assim como os estoacuteicos que os seguiram caracterizam

o modo de vida ciacutenico como um ldquoatalho para a virtuderdquo (ver Dioacutegenes Laeacutercio Vidas de Filoacutesofos Eminentes)

Livro 6 Capiacutetulo 104 e Livro 7 Capiacutetulo 122) Embora muitas vezes sugiram que descobriram o caminho mais

raacutepido e talvez o mais certo para a vida virtuosa eles reconhecem a dificuldade desse caminho Ver PIERING

Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Texto completo em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt

55 JUSTINO II Apologia VIII 9 1

56 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

57 CAMPENHAUSEN Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros Teoacutelogos Cristatildeos 2005 p 22 apud

SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 67

58 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 32

59 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 16 1

23

Apoacutes este introdutoacuterio exame biograacutefico comeccedilaremos a apresentar o cristatildeo e filoacutesofo

Justino em seu grupo de definiccedilatildeo Patriacutestica ou poderiacuteamos dizer no condicionamento

ministerial de seu exerciacutecio da manutenccedilatildeo e defesa da feacute cristatilde

12 PAIS DA IGREJA

Justino eacute um personagem histoacuterico do cristianismo mundial e possui seu assento no

espaccedilo definido pela teologia Patriacutestica como um PaiPadre da Igreja60 Em sua pesquisa de

ordenamento histoacuterico Santos salienta que ldquoele se insere num momento e num ciacuterculo muito

importante da histoacuteria do cristianismo primitivo naquilo que se convencionou chamar de

Padres da Igrejardquo61 Neste espaccedilo analiacutetico em que surgem terminologias de caraacuteter mais

temaacutetico desenvolvem-se alguns viacutenculos que visam obter uma melhor orientaccedilatildeo teoloacutegica

As ciecircncias intituladas Patriacutestica e Patrologia (denominaccedilatildeo predominante no acircmbito teoloacutegico

Catoacutelico Romano) detecircm as estruturas funcionalidades e linguagens que buscam o

aperfeiccediloamento deste ramo de pesquisa histoacuterica em meio a teologia Nesse espaccedilo torna-se

importante apresentar a sinteacutetica definiccedilatildeo oriunda da Congregaccedilatildeo para a Educaccedilatildeo Catoacutelica

em sua Instruccedilatildeo sobre o Estudo dos Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal esta diz ldquoa

Patriacutestica ocupa-se do pensamento teoloacutegico dos Padres [] a Patrologia tem por objeto a vida

e os escritos dos mesmosrdquo62 Notamos que nesse ambiente se caracteriza uma espeacutecie de

sinoniacutemia entre os termos sendo isso o resultado de diversas siacutenteses oriundas do confronto de

algumas posiccedilotildees divergentes ao longo da histoacuteria da elaboraccedilatildeo teoloacutegica ocidental63 poreacutem

a definiccedilatildeo terminoloacutegica conhecida por Histoacuteria da Literatura Cristatilde Antiga utilizada por

Lazzati e Simonetti ndash mesmo que extensa e ainda pouco usada ndash devido a sua qualificaccedilatildeo

linguiacutestica acabou por se estabelecer Padovese resume bem essa proposta de ldquosimbioserdquo ao

60 Em vaacuterias liacutenguas eacute a mesma palavra para o significado de Padre e Pai pater em latim padre em italiano e em

espanhol pegravere em francecircs father em inglecircs Em portuguecircs haacute hoje distinccedilatildeo niacutetida entre Padre e Pai mas o sentido

original da palavra eacute o de Pai (ateacute natildeo muitos anos atraacutes diziacuteamos [na liturgia da ICAR] ldquoPadre nosso que estais

no ceacuteurdquo) Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 17 grifo nosso

61 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68

62 CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos Padres da Igreja na

Formaccedilatildeo Sacerdotal 1989 art 49

63 A Patriacutestica no mundo protestante tornou-se ldquoHistoacuteria dos Dogmasrdquo e tanto no acircmbito catoacutelico como

protestante alguns identificaram a Patrologia com a histoacuteria da literatura cristatilde (Harnack) ou com a ldquohistoacuteria da

literatura eclesiaacutesticardquo (Bardenhewer) ou ainda com a ldquohistoacuteria da literatura cristatilde antigardquo (Lazzati Simonetti)

Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 22

24

sugerir que ldquoambas (Patriacutestica e Patrologia) juntamente com a histoacuteria da literatura cristatilde

antiga trabalham com as mesmas obrasrdquo64

Desta maneira a aacuterea de estudo dos Pais da Igreja tem sido objeto e alvo de diversas

pesquisas na atualidade aleacutem de ter sido um feacutertil campo para inuacutemeras e variadas abordagens

no decorrer dos seacuteculos havendo significativos trabalhos jaacute no Seacuteculo XVII65 Mais

recentemente (Seacuteculo XX)66 houve um reconhecimento do grande valor estrutural desse

segmento para o meio teoloacutegico de forma transconfessional onde acabou por acarretar

expressiva contribuiccedilatildeo em questotildees especialmente dogmaacuteticas Hall baseando-se no

pensamento de Casey desenvolve sua ideia atraveacutes de afirmaccedilotildees relevantes sob a importacircncia

do estudo da PatriacutesticaPatrologia para o ensino ordinaacuterio da teologia (academia) e da Igreja

(catequese)

Primeiro os pais satildeo os ldquomais proacuteximos beneficiaacuterios da tradiccedilatildeo apostoacutelicardquo Em

minhas proacuteprias palavras eles viveram e trabalharam em aproximaccedilatildeo hermenecircutica

com os escritores biacuteblicos especialmente os do novo testamento Segundo os pais

ldquoajudam-nos a entender nossas proacuteprias raiacutezesrdquo na feacute Terceiro muitos pais

escreveram e viveram como pastores Eles escreveram para ajudar as pessoas a

agarrar-se ao ensino de Cristo67

De maneira ampla podemos dizer que haacute algumas variaccedilotildees no meacutetodo e no estilo de

estudar o cenaacuterio patriacutestico em sua estrutura conjuntural Devemos iniciar salientando que o

periacuteodo patriacutestico simplesmente ldquonatildeo eacute definido como um marco cronoloacutegico mas como um

periacuteodo de passagemrdquo68 Deste modo uma delimitaccedilatildeo se constroacutei atraveacutes de uma conclusatildeo de

periacuteodos (estrutura temporal) ndash onde atributos culturais e eclesiaacutesticos se mesclam para gerar

uma definiccedilatildeo conceitual Nessa espeacutecie de ldquorestriccedilatildeo conceitualrdquo tambeacutem se encaixa o

conjunto de criteacuterios adotados no processo de seleccedilatildeo daqueles que podem receber tal tiacutetulo

honoriacutefico de Pai da Igreja mesmo que estes elementos de classificaccedilatildeo (ortodoxia

64 PADOVESE Leacutexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico 2003 p 576 apud SANTOS Identidade Cristatilde

no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68 grifo nosso

65 DAILLEacute Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui sont auiourdhui en la

religion 1632

66 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

67 CASEY Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina 1995 p 105 apud HALL Lendo as Escrituras

com os Pais da Igreja 2003 p 56

68 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

25

santificaccedilatildeo reconhecimento eclesiaacutestico antiguidade)69 tenham possuiacutedo variaacuteveis (de meacuterito

e de forma)70 em sua aplicaccedilatildeo durante toda a histoacuteria Ainda nesse processo de formaccedilatildeo

tambeacutem cabe registrar a profunda influecircncia de indicaccedilatildeo geograacutefica ocorrida em todo esse

desenvolvimento onde uma linha divisoacuteria de significativa relevacircncia se apresenta quando faz

a separaccedilatildeo do ldquotemperamento teoloacutegico entre o Oriente e Ocidenterdquo71

Contudo cabe-nos assumir uma forma de classificaccedilatildeo e organizaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo

desta pesquisa desta forma por utilizar-se de uma linguagem acessiacutevel e por apresentar maior

incidecircncia literaacuteria em meios natildeo teoloacutegicos utilizaremos das seguintes divisotildees baseadas no

trabalho de Hall descritas como

I Pais Apostoacutelicos (final do Seacuteculo I ateacute meados do II)

II Pais Apologistas ou Ante-Nicenos (Seacuteculo II)

III Pais Polemistas ou Nicenos (final do Seacuteculo II e Seacuteculo III)

IV Pais Cientiacuteficos ou Poacutes-Nicenos (Seacuteculo III ao V)72

O primeiro modo de classificaccedilatildeo iraacute se designar por uma abordagem de caraacuteter mais

funcional no que diz respeito a seus integrantes todos estatildeo relacionados ao periacuteodo

denominado de cristianismo antigoprimitivo recebendo assim o nome de Pais Apostoacutelicos

Foram os herdeiros diretos do chamado ldquodepoacutesito da Feacuterdquo o qual foi estabelecido atraveacutes da

missatildeo dos apoacutestolos de Cristo que detinham a autoridade e a grande responsabilidade de

perpetuar a doutrina apostoacutelica (entenda-se afirmar a continuidade da mensagem una santa e

catoacutelica do cristianismo por meio da manutenccedilatildeo daacute mensagem original) Jaacute os denominados

Pais Apologistas (grupo agrave qual Justino pertence) notabilizaram-se ndash principalmente devido agrave

notaacutevel qualidade de seus escritos ndash por defender a Feacute cristatilde de inuacutemeras accedilotildees repressivas agrave

doutrina e agraves comunidades fenocircmeno que se caracterizou especialmente no decurso do Seacuteculo

II Os Pais Polemistas salientam-se por sua ampla argumentaccedilatildeo no que confere a asseveraccedilatildeo

dos principais ensinos (doutrinasdogmas) do cristianismo protegendo-os das mais variadas

heresias tambeacutem afirmando suas peculiaridades mas acima de tudo pontuando estas instruccedilotildees

como questotildees indispensaacuteveis para a existecircncia da verdadeira Feacute em Cristo Por uacuteltimo os Pais

chamados ldquocientiacuteficosrdquo distinguiram-se por sua ecircnfase na densa aplicaccedilatildeo da Teologia em aacutereas

69 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 11

70 Bogaz Couto e Hansen indicam ainda um quinto criteacuterio na classificaccedilatildeo dos elementos para se ser credenciado

como um integrante do mundo patriacutestico eles o chamam de COLEGIALIDADE E DIAacuteLOGO Este visa analisar

a abrangecircncia do patrimocircnio teoloacutegico deixado pelo autor Ver BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica

caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 28 grifo do autor

71 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

72 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003 Ver capiacutetulos III-V

26

filosoacuteficas e do conhecimento ldquonaturalrdquo (antropologia sociologia psicologia etc) de seu

tempo Cabe-nos ainda frisar por uma questatildeo teacutecnica que o periacuteodo Patriacutestico normalmente eacute

descrito ateacute figuras do Seacuteculo VIII73 poreacutem nossa abordagem natildeo esmiuccedilara tal fato pelo

mesmo exceder o tema proposto nesta pesquisa

Para terminar nossa lacocircnia abordagem de uma aacuterea tatildeo ampla e rica de conteuacutedo

devemos sustentar a premissa de que uma consistente estrutura para anaacutelise Patriacutestica se daacute

atraveacutes da apropriaccedilatildeo de seu legado intelectual e isso se constroacutei atraveacutes de um genuiacuteno exame

de suas obras Aqui se apresenta a Patrologia como a ciecircncia a ser seguida e exercitada em

sentido literal isso devido a essa ser a organizadora deste sistema Santos em sua pesquisa

contribui neste enfoque

Haacute ainda outra forma muito comum de se estudar os padres da Igreja que eacute a partir de

suas obras e ainda o estudo deles todos sem qualquer divisatildeo atendo-se agraves vezes agrave

cronologia tanto de suas obras quanto de sua existecircncia na linha do tempo agraves vezes

de forma alfabeacutetica Em ambos os casos satildeo estruturados de forma enciclopeacutedica ou

dispostos como um dicionaacuterio de pensadores cristatildeos Assim os padres da Igreja

fazem parte de um campo de estudo maior inserido no que pode ser chamado de

Histoacuteria das ideias ou do pensamento cristatildeo74

Seguindo em uma ordem organograacutefica examinaremos a partir de agora o grupo

Patriacutestico no qual Justino se enquadrou em seu exerciacutecio ministerial devido a suas

caracteriacutesticas filosoacuteficas e teoloacutegicas

121 Pais Apologistas

Verificamos que no decorrer do Seacuteculo II surgiu nas comunidades cristatildes uma iminente

necessidade de combater determinadas acusaccedilotildees aleacutem de procurar dissuadir visotildees distorcidas

sobre o cristianismo75 especialmente as relacionadas a questotildees que adotavam posturas parciais

que simplesmente acusavam a religiatildeo cristatilde de ser um legado para pessoas ldquoignorantes e

fanaacuteticasrdquo76 Tal incitaccedilatildeo jaacute estava ativa em grande parte do Impeacuterio Romano Desta forma a

73 Os estudiosos patriacutesticos definem o fechamento deste periacuteodo no ocidente com Gregoacuterio Magno (ou Isidoro de

Sevilha) no Seacuteculo VII e no Oriente com Joatildeo Damasceno no Seacuteculo VIII Ver BOGAZ COUTO HANSEN

Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

74 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 69

75 Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 29-31

76 SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 181

27

Igreja ancorada em um ldquonuacutemero notaacutevel de gentios dotados de soacutelida formaccedilatildeo intelectualrdquo77

sendo sua maioria formada por ldquofiloacutesofosrdquo que haviam se convertido ao cristianismo acabaram

postando-se como baluartes desta nova religiatildeo tendo seus escritos (chamados de ldquotradiccedilatildeo

apologeacutetica cristatilderdquo78) como sua principal ldquoarmardquo de defesa estes (escritores e suas obras)

visavam ldquorefutar as calunias e [] expor o absurdo e a incoerecircncia dos ritos e dos mitos

pagatildeosrdquo79 aleacutem de apresentarem suas vidas como testemunhos da transformaccedilatildeo almejada por

esta feacute que defendiam Diante dos recursos aos quais protegiam e frente a busca de

ldquolegitimaccedilatildeordquo do cristianismo como religiatildeo no Impeacuterio estes cristatildeos questionavam de

maneira enfaacutetica as infundadas agressotildees propostas por aqueles que decidiam ldquofechar os seus

olhosrdquo as virtuosas obras geradas pelos seguidores desta Boa Nova Fluck contribui com ecircnfase

na tentativa de legitimaccedilatildeo que estes escritores apologistas procuraram dar a sua pregaccedilatildeo na

busca de toleracircncia para sua mensagem

Os apologistas queriam manifestar diante da opiniatildeo puacuteblica a verdadeira natureza do

Cristianismo Eles tinham a preocupaccedilatildeo de demonstrar a conformidade do

Cristianismo com o ideal helecircnico Proclamavam ndash na maioria dos casos ndash a alianccedila

do Cristianismo e da Filosofia Queriam mais do que somente toleracircncia Mostravam

que os cristatildeos eram os melhores cidadatildeos do Impeacuterio e que o Cristianismo favorecia

a grandeza do Impeacuterio80

Esta postura adotada por homens de elevada cultura acabou por robustecer e superar

uma necessidade existencial que havia surgido na relaccedilatildeo do cristianismo para com mundo

greco-romano isso devido agrave expansatildeo e estabilizaccedilatildeo em sociedades predominantemente

heleniacutesticas Os Pais Apologistas (em sua ampla maioria) inauguraram o que podemos chamar

de informaccedilatildeo ldquoad extrardquo81 ou seja estabelecer uma relaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo para fora dos

ldquomurosrdquo da Igreja O que antes era conhecida como a dimensatildeo (alcance e destino para

mensagem) literaacuteria ndash definida como ldquoad intrardquo82 ndash no periacuteodo dos Pais Apostoacutelico agora era

acompanhada de um novo estilo linguiacutestico que abria espaccedilo e trazia em sua armaccedilatildeo tambeacutem

77 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 69

78 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 2

79 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

80 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 31

81 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

82 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 97

28

o ldquoconhecimento das ciecircncias das letras e da filosofiardquo83 Torna-se valiosa nessa abordagem as

consideraccedilotildees gerais de Haumlgglund sobre a importacircncia da accedilatildeo literaacuteria dos Apologistas

Os apologistas ocupam lugar de destaque na histoacuteria do dogma natildeo soacute devido a sua

descriccedilatildeo do cristianismo como a verdadeira filosofia como tambeacutem por sua tentativa

de elucidar ensinamentos teoloacutegicos com o auxiacutelio de terminologia filosoacutefica

contemporacircnea (por exemplo na assim chamada laquocristologia do Logosraquo) O que neles

encontramos por conseguinte eacute a primeira tentativa de definir de maneira loacutegica o

conteuacutedo da feacute cristatilde bem como a primeira conexatildeo entre teologia e ciecircncia entre

cristianismo e filosofia grega84

Acredita-se que o periacuteodo apologeacutetico teve seu iniacutecio no seio da Igreja com a literatura

de um disciacutepulo chamado Quadrato que possivelmente em 124125 dC apresentou ldquodianterdquo

do Imperador Adriano na cidade de Atenas (Greacutecia) uma espeacutecie de tratado que visava enfatizar

que Cristo em seu ministeacuterio terreno havia realizado diversas curas e milagres afirmando que

a ressurreiccedilatildeo de mortos foi algo emblemaacutetico entre esses feitos prodigiosos85 Aristides eacute outro

personagem que merece destaque como precursor desta classe Patriacutestica Euseacutebio se refere a

ele deste modo ldquoMas tambeacutem Aristides homem de feacute entregue a nossa religiatildeo deixou assim

como Codratos uma Apologia em favor da feacute que havia dirigido a Adriano Tambeacutem a obra

deste escritor se conservou ateacute nossos dias em muitos lugaresrdquo86 Nesse escrito o historiador da

Igreja iraacute apresentar uma das proposiccedilotildees recorrentes entre os escritos apologeacuteticos do periacuteodo

o de que somente os cristatildeos satildeo verdadeiramente eacuteticos isso devido principalmente aos seus

haacutebitos de elevada postura moral87 o que buscava demonstrar que eram os uacutenicos que

verdadeiramente conheciam a DeusDivindade88 e deste modo acabavam por serem os

ldquomelhores cidadatildeos do Impeacuteriordquo89 Desta forma seguindo quase que um modelo padratildeo de

abordagem esses Apologistas apelaram aacute razoabilidade dos governantes romanos de sua eacutepoca

exigindo destes natildeo apenas toleracircncia mas acima de tudo justiccedila

83 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

84 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21

85 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

86 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 3 3

87 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

88 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

89 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 28

29

Ainda citamos o trabalho de Xavier que aborda de forma sinteacutetica outras figuras desse

periacuteodo apologeacutetico destacando sua alta produccedilatildeo textual que acabou por ter significativa

relevacircncia na estruturaccedilatildeo e funcionalidade de diversos segmentos do processo de formaccedilatildeo

dogmaacutetico na Igreja O relato agrega teor agrave nossa construccedilatildeo

Taciano disciacutepulo de Justino que compocircs ldquoDiscurso aos gregosrdquo Atenaacutegoras que

escreveu ldquoDefesa dos cristatildeosrdquo e um tratado ldquoSobre a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo Por

volta do ano 180 o bispo de Antioquia Teoacutefilo escreveu ldquoTrecircs livros a Autoacutelicordquo

tratando da doutrina cristatilde de Deus a interpretaccedilatildeo das Escrituras e a vida cristatilde

refutando as objeccedilotildees dos pagatildeos sobre essas questotildees No seacuteculo terceiro Oriacutegenes

de Alexandria escreveu uma refutaccedilatildeo ldquoContra Celsordquo Todas essas obras foram

escritas em grego sendo que na liacutengua latina destacam-se dois escritos apologeacuteticos

a ldquoApologiardquo de Tertuliano e o ldquoOtaacuteviordquo de Minuacutecio Feacutelix90

Portanto fica registrado na histoacuteria da identidade cristatilde mais que um gecircnero literaacuterio

antes uma postura corajosa de homens de estimado caraacuteter que ldquotocados pelo testemunho dos

cristatildeos e pelo querigma apostoacutelicordquo91 comunicaram uma genuiacutena e autecircntica mensagem de

vida e esperanccedila Tambeacutem devemos afirmar que a ldquotarefa de defender a feacute diante desta classe

de ataques produziu algumas das mais notaacuteveis obras teoloacutegicas do seacuteculo segundordquo92

Provavelmente muitos poderosos abastados intelectuais e outros detentores das benesses que

compunham a aristocracia romana do periacuteodo foram confrontados e alcanccedilados pelo

testemunho destes disciacutepulos que enfatizaram o apelo agrave razatildeo na tentativa de evitar a loucura

humana Nesse ponto Xavier consegue expressar com clareza a provaacutevel motivaccedilatildeo destes

homens ldquoSuas principais intenccedilotildees eram fazer com que o cristianismo fosse visto como um

ideal de vida que podia ser aceito e vivido em conformidade com a cultura greco-romana sem

necessidade de serem os cristatildeos perseguidos mortos ou marginalizadosrdquo93

122 O Apologista Justino

Eacute importantiacutessimo iniciarmos este item com as palavras de Dreher Frangiotti

Haumlgglund e Hamman O primeiro diz ldquoEntre os apologetas cristatildeos que procuraram estabelecer

90 XAXIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo do autor

91 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

92 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 86

93 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14

30

um diaacutelogo com os filoacutesofos Justino (110-165) foi o mais importanterdquo94 O segundo

similarmente afirma ldquoJustino eacute certamente o melhor apologista do seacuteculo IIrdquo95 O terceiro daacute

mesma forma garante no uso de um superlativo a importacircncia do Apologista ldquoO mais notaacutevel

dos apologistas foi Justino cognominado laquoo maacutertirraquo cujas duas laquoapologiasraquo datam de meados

do segundo seacuteculordquo96 O quarto usando de adjetivaccedilatildeo similar agrave do anterior enobrece com

insigne descriccedilatildeo a figura do Apologista ldquoDe todos os filoacutesofos cristatildeos do seacuteculo II Justino eacute

o mais ceacutelebre e o maiorrdquo97

Neste espaccedilo faremos uma descriccedilatildeo sinteacutetica apresentando a figura de Justino dentro

de sua classe Patriacutestica tendo como centro de nossa atenccedilatildeo sua produccedilatildeo textual

especialmente de suas duas apologias que satildeo as nossas principais ferramentas de ponderaccedilatildeo

sobre sua atuaccedilatildeo ministerial Nessa composiccedilatildeo podemos dizer que entre os ldquoApologistas

Maioresrdquo98 nenhum ldquoestava mais bem preparado para esse confronto do que Justinordquo99 isso

devido a sua variada formaccedilatildeo filosoacutefica Aproximadamente entre os ldquoanos de 150 e 165

dCrdquo100 Justino se apresentou no cenaacuterio apologeacutetico cristatildeo de forma avultosa mesmo natildeo

sendo um literato de destaque ganhou espaccedilo seja por seu caraacuteter iacutentegro como tambeacutem por

sua postura de retidatildeo haacute doutrina a ponto de seus escritos mostrarem ldquoo calor nunca

desmentido das suas convicccedilotildeesrdquo101 Hamman define bem essa peculiaridade na literatura de

Justino ao dizer que a ldquooriginalidade de Justino natildeo estaacute na sua qualidade literaacuteria mas na

novidade de seu esforccedilo teoloacutegicordquo102

Deste modo Justino conseguiu expressar muito bem aquilo que se tornaria o estandarte

apologeacutetico deste periacuteodo afirmando que o cristianismo ldquoeacute a filosofia segura e proveitosardquo103

levando-nos a conclusatildeo de que em ldquoCristo deu-se portanto a restauraccedilatildeo da filosofiardquo104

Nota-se que Justino estava absolutamente convencido de que havia encontrado o verdadeiro

94 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

95 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 6 grifo nosso

96 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21 grifo nosso

97 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27 grifo nosso

98 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 80

99 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 28

100 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

101 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

102 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

103 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

104 BARRERA A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da Biacuteblia 1995 p 663 apud FLUCK

Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32

31

caminho ldquoe passou a defendecirc-lo de diversas maneiras por meio de seus ensinos em seus

escritos e em sua vida e morte como maacutertirrdquo105 Assim como resultado de sua produccedilatildeo

literaacuteria Justino acabou destacando-se a ponto de se tornar ldquoo principal dos apologistas gregos

do seacuteculo IIrdquo106 como jaacute referido acima vale ainda mencionar o seleto testemunho de Euseacutebio

nessa constituiccedilatildeo este nos sugere que o legado apologeacutetico de Justino eacute consequecircncia de um

elaborado processo do conhecimento ao qual este passou a possuir ele escreve ldquoTambeacutem por

este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava ainda ocupado em

exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da

filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez sem razatildeo mas com juiacutezordquo107

Contudo ainda nos cabe um raacutepido registro histoacuterico relativo agrave produccedilatildeo literaacuteria de

Justino referente a questatildeo de se apontar qual seria sua habilitaccedilatildeo como um autecircntico

Apologista do Seacuteculo II Obviamente esta capacidade teacutecnica proveacutem daquilo que eacute a parte

material de sua arte no caso de Justino suas obras108 A pesquisa historiograacutefica apresenta ldquo8

obrasrdquo109 creditadas a Justino por Euseacutebio110 fazendo com que nosso autor seja reconhecido

como um escritor de ldquofecundardquo111 atividade literaacuteria no passado entretanto como autecircnticas

chegaram ateacute noacutes apenas trecircs destas diversas obras satildeo elas a I e II Apologia e um relato

argumentativo com um provaacutevel rabino judeu intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo112 Entre as

Apologias a primeira eacute direcionada agrave classe imperial Romana (Antonino Pio e seus filhos

Marco Aureacutelio e Luacutecio Vero) como tambeacutem ao senado Jaacute a segunda eacute motivo de um amplo

debate na esfera da criacutetica textual por natildeo apresentar um relato introdutoacuterio nem um

destinataacuterio de forma objetiva Muitos acreditam ser esta obra um apecircndice da I Apologia Nesta

cena eacute relevante a pesquisa de Santos que cita as bases de Euseacutebio aleacutem de outros trecircs autores

que nos auxiliam de forma eficaz na elucidaccedilatildeo desta questatildeo mesmo que natildeo possam pocircr um

fim a discussatildeo ele diz

105 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13 grifo nosso

106 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13

107 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 5

108 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

109 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 76

110 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 18 1-6

111 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

112 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 83 SIMONETTI In Justino

Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

32

Destas obras cabem-nos as seguintes consideraccedilotildees quanto agraves duas primeiras a

primeira apologia citada em Euseacutebio corresponde a I Apologia que chegou ateacute noacutes A

segunda apologia natildeo corresponde a II Apologia que temos Primeiro porque natildeo

possui uma introduccedilatildeo e nem um destinataacuterio enquanto que a citada por Euseacutebio

possui um destinataacuterio O segundo ponto que corrobora este ponto de vista eacute a citaccedilatildeo

que Euseacutebio faz da primeira apologia Diz ele ldquoo mesmo autor (Justino) em sua

primeira Apologiardquo e conta uma histoacuteria que consta em nossa II Apologia II 1-20

(EUSEacuteBIO DE CESAREacuteIA Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 17) Eacute mais provaacutevel que a dita

II Apologia que chegou ateacute noacutes seja um apecircndice da I Apologia (FRANGIOTTI 1995

MORESCHINI amp NORELLI 2005 p 110)113

Diante de tatildeo curioso e desafiante cenaacuterio eacute valioso buscar compreender o propoacutesito

dos tratados de Justino pois por ldquotraacutes deste esforccedilo descobrimos o testemunho de um homem

de uma conversatildeo de uma opccedilatildeo definitivardquo114 opccedilatildeo que nos oferece a possibilidade de

conhecer o verdadeiro e uacutenico Deus e se necessaacuterio for viver e morrer na defesa deste

Evangelho que nos leva ao verdadeiro conhecimento115

Apoacutes abordar a figura de Justino em sua classe Patriacutestica e salientar resumidamente

seu instrutivo serviccedilo para com o cristianismo seraacute analisada de maneira diminuta mas com

dedicado alinho a dataccedilatildeo e a estrutura literaacuteria da primeira obra apologeacutetica que serve de esteio

para esta pesquisa

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO

A constituiccedilatildeo textual da primeira obra de Justino apresenta caracteriacutesticas histoacuterico-

literaacuterias muito interessantes como tambeacutem evidecircncia aspectos relevantes na assimilaccedilatildeo do

desenvolvimento do cristianismo dos dois primeiros seacuteculos Desta forma reconhecemos a

necessidade de uma abordagem cientiacutefica ndash mesmo que aqui apresentada de maneira lacocircnica

ndash de algumas aacutereas da anaacutelise criacutetica textual para uma melhor assimilaccedilatildeo de nosso escrito

alicerccedilante Assim um enfoque calculado na dataccedilatildeo na divisatildeo no gecircnero literaacuterio e nas

principais peccedilas quirograacuteficas da I Apologia de Justino nos possibilitaratildeo uma melhor

compreensatildeo dos conteuacutedos e elementos que a mesma visa comunicar A partir de agora nosso

objetivo seraacute examinar estas quatro aacutereas

131 Dataccedilatildeo

113 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 70

114 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

115 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

33

Apresenta-se praticamente como ponto paciacutefico na pesquisa histoacuterica-teoloacutegica que a

obra tenha sido escrita em meados do Seacuteculo II de nossa Era sendo reconhecida como a data

mais aceita para esta afirmaccedilatildeo o periacuteodo entre os anos de 150 e 160 dC116 Essa tese encontra

forccedila significativa atraveacutes de quatro argumentos todos de cunho e alccedilada existencial

comunicados na proacutepria obra Inicialmente os destinataacuterios para quem esse escrito apologeacutetico

de Justino se dirigiu garantem um aporte histoacuterico consideraacutevel neste exame o mesmo escreve

ldquoAo imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo filoacutesofo

e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do saber ao sacro

Senado e a todo o povo romanordquo117 Por meio desse dado Frangiotti eacute categoacuterico ao afirmar que

eacute ldquofato que estes imperadores reinaram do ano 147 ao ano 161 A Apologia deve ter sido escrita

ao longo destes 15 anosrdquo118

Em segundo outro fator se apresenta determinante na tentativa de se apontar

satisfatoriamente a data desse escrito o ponto em questatildeo se apresenta no capiacutetulo XLVI da

obra novamente o comentaacuterio de Frangiotti eacute valioso por apresentar evidecircncias importantes

Justino menciona que uma das objeccedilotildees contra a doutrina cristatilde era a de ldquodizermos

que Cristo nasceu somente haacute cento e cinquenta anos sob Quirino e ensinou sua

doutrina mais tarde no tempo de Pocircncio Pilatosrdquo Embora se deva tomar o ano cento

e cinquenta como um arredondamento pode-se pensar que a redaccedilatildeo da I Apologia

natildeo se deu antes desta data119

O terceiro elemento a se tornar pontual no texto de Justino eacute sua menccedilatildeo a respeito da

terceira revolta judaica liderada por Simatildeo Bar Koacutekeba em meados do Seacuteculo II A respeito

disto Justino relata com ecircnfase apologeacutetica que ldquoCom efeito na guerra dos judeus agora

terminada Bar Koacutekeba o cabeccedila da rebeliatildeordquo120 estaria aplicando meacutetodos de tortura nos

cristatildeos ao seu redor Santos mostra em sua pesquisa que esta exposiccedilatildeo de Justino pode ser

considerada como um ponto norteador para uma medida qualificada de dataccedilatildeo de sua obra o

116 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

117 JUSTINO I Apologia I 1

118 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

119 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

120 JUSTINO I Apologia XXXI 6

34

historiador diz ldquoEssa rebeliatildeo ocorreu entre os anos de 132 e 135 dC A expressatildeo lsquoagora

terminadarsquo nos remete a uma data posterior ao final da revoltardquo121

O quarto e uacuteltimo argumento baseia-se no relato de Justino encontrado no capiacutetulo

XXIX nos versos 2 e 3 da I Apologia Neste espaccedilo o Apologista retrata um caso juriacutedico

envolvendo o prefeito de Alexandria denominado Feacutelix que havia indeferido um pedido

exoacutetico proposto por um jovem cristatildeo que desejava castrar-se por motivos asceacuteticos Bases

histoacutericas confiaacuteveis ldquoidentificam o prefeito Feacutelix como Minuacutecio Feacutelix o qual reinou em

Alexandria do ano 148 a 154rdquo122 podendo-se deste modo catalogar outro importante elemento

que corrobora para a dataccedilatildeo da I Apologia

Por fim mesmo que natildeo sejamos especialistas na anaacutelise historiograacutefica nem mesmo

nos seja possiacutevel definir uma data precisa para o escrito examinado ainda assim em vista dos

termos aqui apresentados reconhecemos com a ampla maioria de pesquisadores da aacuterea que

os elementos apresentados trazem recursos suficientes para que atestemos que a I Apologia de

Justino tenha realmente sido escrita por volta da deacutecada de 50 do Seacuteculo II da era cristatilde

132 Divisatildeo Textual

O escrito natildeo segue um padratildeo riacutegido de construccedilatildeo textual pelo contraacuterio digressotildees

satildeo comuns em todas as obras de Justino mesmo que suas apologias sofram menos com

divagaccedilotildees abruptas ou mudanccedilas draacutesticas de rumo nas intenccedilotildees e consideraccedilotildees centrais que

o autor propotildee em suas conjunccedilotildees temaacuteticas Essas variaccedilotildees possivelmente ocorrem devido a

Justino preferir seguir uma proposta de caraacuteter mais catequeacutetico em vez de sua proacutepria

elaboraccedilatildeo conceitual123

Baliza-se de maneira majoritaacuteria na anaacutelise criacutetica a concordacircncia de que a obra se

divide em duas partes principais124 Contudo apresentam-se variaccedilotildees nessa forma de

separaccedilatildeo Nossa opccedilatildeo seraacute por apresentar a estrutura oferecia por Drohner por ser a mais

utilizada por outros autores aleacutem de parecer a que melhor reporta o teor do pensamento

proposto por Justino em sua construccedilatildeo apologeacutetica-doutrinal

121 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 72

122 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

123 DROHNER Manual de Patrologia 2008

124 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

35

Na primeira parte os capiacutetulos I ao XXIX estabelecem uma forte e riacutegida postura de

defesa contra algumas acusaccedilotildees lanccediladas sobre os cristatildeos como a praacutetica do ateiacutesmo por

exemplo Salienta-se neste espaccedilo sua afirmaccedilatildeo de que Jesus Cristo eacute ldquoo Logos e Filho de

Deusrdquo125 que revelou os planos demoniacuteacos que aprisionam a humanidade atraveacutes de praacuteticas

pecaminosas afastando-os do plano de salvaccedilatildeo No entanto boas novas se anunciam a partir

de agora pela revelaccedilatildeo do Logos por meio dos cristatildeos pelo qual todos (homens) poderatildeo

tornar-se tementes a Deus A segunda parte se desenvolve entre os capiacutetulos XXX ao LXVIII

nesta seccedilatildeo questotildees dogmaacuteticas (Encarnaccedilatildeo Divindade Profecias etc) questotildees filosoacuteficas

(revelaccedilatildeo do Logos faacutebulas humanas Platonismo etc) e questotildees sacramentaiseclesiaacutesticas

(Batismo Santa Ceia Liturgia) se aglutinam na formataccedilatildeo de uma ideia para defesa da

identidade e do bem-estar de um ldquopovordquo (conceito que abordaremos mais detalhadamente no II

capiacutetulo deste trabalho)

A partir desse item trataremos do gecircnero literaacuterio da obra algo muito importante na

elaboraccedilatildeo desta pesquisa

133 Gecircnero Literaacuterio

O estilo natildeo eacute novo nem recente e foi muito utilizado na antiguidade126 Podemos

afirmar com seguranccedila que as primeiras referecircncias a esse tipo de literatura de que dispomos

datam do periacuteodo da Filosofia Claacutessica e podem ser encontradas a partir do Seacuteculo IV aC

Provavelmente uma das obras mais conhecidas e renomadas deste tipo eacute a Apologia de Soacutecrates

escrita por seu aluno Platatildeo Nela aquele que possivelmente foi o mais dedicado dentre seus

disciacutepulos procura defender o legado e a imagem de seu mestre por meio da preservaccedilatildeo do seu

pensamento Eacute importante frisar neste contexto a abordagem de forma direta e completa (em

um estilo dialogal-filosoacutefico) do processo (meacutetodo) de julgamento de Soacutecrates oferecida por

Platatildeo a tocircnica do relato parece ganhar a direccedilatildeo de querer conscientizar seus ouvintes da

necessidade de se fazer justiccedila independentemente do caso e das circunstacircncias que estatildeo em

debate Esse estilo acaba por influenciar sua eacutepoca e torna-se o modelo apologeacutetico a ser

seguido nos seacuteculos seguintes127

Contribui ainda para uma melhor assimilaccedilatildeo das intenccedilotildees subjacentes a esse estilo

de linguagem e escrita o pensamento de Malta que ao comentar os diaacutelogos que tratam do

125 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 84

126 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008

127 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

36

processo contra Soacutecrates (os quais satildeo quatro Ecircutifon Apologia de Soacutecrates Criacuteton e Feacutedon)

acaba por colaborar de maneira expressiva na elaboraccedilatildeo do caraacuteter que estas obras (apologias)

procuravam transmitir aos seus receptores ldquoEntre eles haacute uma clara sequencia dramaacutetica desde

a discussatildeo sobre o ponto central da acusaccedilatildeo (o que eacute piedade) passando pela defesa no

tribunal e a estada na prisatildeo ateacute o momento em que a pena de morte eacute cumpridardquo128

A palavra apologia (grego απολογια) que no portuguecircs eacute definido como um

substantivo feminino129 eacute formada por dois vocaacutebulos gregos O primeiro eacute απο uma partiacutecula

primaacuteria uma preposiccedilatildeo cujo significado baacutesico eacute a ideia ldquode separaccedilatildeo eou de origem do

lugar de onde algo estaacute vem acontece eacute tomadordquo130 O segundo eacute o vocaacutebulo λογος de

significado vasto ndash desenvolvendo inclusive uma estrutura particular junto ao cristianismo131

ndash mas colocado em paralelo com o nosso exame pode ser definido como ldquopalavra proferida

a viva voz que expressa uma concepccedilatildeo ou ideia o que eacute declarado pensamento declaraccedilatildeo

aforismo dito significativo sentenccedila maacuteximardquo132 ldquoproclamaccedilatildeo ensinamento [] doutrina

parte de uma doutrinardquo133 Entretanto deve-se sempre se levar em conta que junto ao ambiente

filosoacutefico-teoloacutegico de Justino ldquoum duplo uso do termo deve ser distinguido um que diz

respeito ao falar e outro que se relaciona com o pensamentordquo134 Neste cenaacuterio ainda se

robustece a ideia de que o termo composto (απολογια) era condutor de um conceito de

soberania instaurado pela ldquosabedoria pessoal e poder em uniatildeo com Deusrdquo135 Ainda focando

128 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

129 Apologia (amiddotpomiddotlomiddotgimiddota) Substantivo feminino Significa 1 Discurso encomiaacutestico 2 [Figurado] Elogio 3

Defesa laudatoacuteria Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa Disponiacutevel em

lthttpsdicionariopriberamorgapologiagt Acesso em 28 de set 2018

130 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1317

131 Ritt sugere-nos que a partir dos registros neotestamentaacuterios houve uma guinada na concepccedilatildeo do Logos como

elemento estrutural e funcional para a realidade histoacuterica do termo junto as culturas e os ambientes intelectuais

que o utilizavam Utilizando-se de um sistema de progressatildeo biacuteblica Ritt chega ao proacutelogo do Evangelho de Joatildeo

onde salienta que ldquoEstas declaraccedilotildees que estatildeo concentradas na encarnaccedilatildeo permitem reconhecer uma origem

cristatilde do hino (proacutelogo do Evangelho de Joatildeo)rdquo onde a autenticidade do sujeito (Logos) como um recurso estaacutevel

e completo para a humanidade se daacute a conhecer nesse evento apoteoacutetico (encarnaccedilatildeo de Cristo) Ver RITT In

λόγος ου ό Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento Volumen II 1998 p 78 grifo nosso No original Estos

enunciados que se concentran en la encarnacioacuten permiten reconocer un origen cristiano del himno

132 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1622

133 RUSCONI Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento 2003 p 288 grifo nosso

134 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 880 No original a twofold use of the term is to be distinguished one which relates to speaking and one which

relates to thinking

135 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 882 No original personal wisdom and power in union with god

37

este segundo vocaacutebulo para uma maior amplitude do assunto sobre este termo grego tatildeo

ilustrativo vale-nos citar a definiccedilatildeo de Pereira

Palavra dito revelaccedilatildeo divina resposta dum oraacuteculo maacutexima sentenccedila exemplo

decisatildeo resoluccedilatildeo condiccedilatildeo promessas pretexto argumento ordem menccedilatildeo

notiacutecia que corre conversaccedilatildeo relato mateacuteria de estudo ou de conversaccedilatildeo razatildeo

inteligecircncia senso comum a razatildeo de uma coisa motivo juiacutezo opiniatildeo estima valor

que se daacute a uma coisa justificaccedilatildeo explicaccedilatildeo a razatildeo divina136

Rapidamente atentando aos escritos apologeacuteticos cristatildeos do Seacuteculo II notamos um

ldquoesforccedilo de aproximaccedilatildeordquo137 dos Pais Apologistas (em sua ampla maioria) para a utilizaccedilatildeo da

consagrada forma do diaacutelogo-filosoacutefico (como citado acima) isso devido especialmente ao fato

de essas obras serem direcionadas agrave aristocracia poliacuteticaintelectual de sua eacutepoca incluindo

nesse cenaacuterio opulente os proacuteprios Imperadores de Roma138 Uma importante referecircncia a ser

associada a este contexto estaacute relacionada agrave utilizaccedilatildeo e significado da palavra ldquoapologiardquo

utilizada por Euseacutebio na identificaccedilatildeo da obra de Justino Euseacutebio ndash possivelmente o primeiro

a empregar o termo (apologia) para definir um conjunto de escritos do meio cristatildeo139 ndash utiliza

das seguintes descriccedilotildees para se referir ao nosso autor ldquoEm sua primeira Apologiardquo140 ou ldquoao

escrever sua Apologia dirigida a Antoninordquo141 e ainda ldquoem sua Apologiardquo142 Eacute importante

frisar que Justino em nenhum momento se utiliza do termo ldquoapologiardquo em sua obra143 mas a

define como ldquodiscurso e suacuteplicardquo144 todavia para Euseacutebio (e para a Sagrada Tradiccedilatildeo na qual

este se amparava) Justino indiscutivelmente havia sido um fiel defensor da verdade revelada

de Deus Aleacutem disso neste quadro cabe-nos ainda ressaltar o comentaacuterio de Arzani e Venturini

ao trabalho de Euseacutebio pois ambos buscam definir uma ideia qualitativa e funcional na

utilizaccedilatildeo do termo pelo historiador

136 PEREIRA Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego 1998 p 350

137 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 188

138 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

139 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 Para um maior

aprofundamento do tema ver 2 Euseacutebio de Cesareia as apologias e os apologistas p 2-7

140 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2 VI 17 1

141 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3

142 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 11 11

143 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

144 JUSTINO I Apologia I 1

38

Uma anaacutelise mais ampla sobre a constituiccedilatildeo (ou natildeo) dos gecircneros apologeacuteticos

cristatildeos deve ficar para uma outra oportunidade entretanto considerando que eacute

Euseacutebio quem primeiro apresenta uma ideia mesmo que hipoteacutetica do

reconhecimento das formas dos textos de defesa dos cristatildeos ou de suas crenccedilas eacute

preciso considerar como ele emprega o termo apologia Aleacutem de empregar o termo

apologia para se referir aos sete textos anteriormente citados ele tambeacutem o usa no seu

sentido claacutessico como simples ldquodiscurso de defesardquo145

Desta forma podemos concluir que os escritos apologeacuteticos buscavam efeitos

similares tanto no cenaacuterio cristatildeo quanto no pagatildeo Poreacutem no que cabe agrave Igreja vale ressaltar

que o estilo apologeacutetico procurou desconstruir equiacutevocos salientar o cristianismo como religiatildeo

ordeira e beneacutefica ndash entenda-se (baseado em alguns relatos Patriacutesticos) como superior agraves

demais crenccedilas ndash mas acima de tudo sanar as injusticcedilas cometidas contra os cristatildeos Nesse

uacuteltimo ponto a penna dos Apologistas procurava pesar contra a consciecircncia dos governantes

de seu tempo a reflexatildeo de Richard Norris considera bem essa questatildeo ldquoo objetivo de tais

escritos eram em geral persuadir as autoridades de que as frequentes perseguiccedilotildees locais eram

injustas desnecessaacuterias e indignas de governantes esclarecidosrdquo146

A partir deste item visando a qualificaccedilatildeo deste trabalho damos segmento a nosso

exame estrutural agregando a seu corpo um destacado incremento teacutecnico falemos agora dos

manuscritos da I Apologia

134 Manuscritos

A criacutetica textual somada a inuacutemeras e significativas descobertas arqueoloacutegicas tecircm

possibilitado haacute teologia avanccedilos consideraacuteveis em suas pesquisas acerca dos documentos

antigos do cristianismo No que se refere as obras de Justino isso natildeo eacute diferente pois desde o

Seacuteculo XIX a criacutetica textual jaacute possibilitava exames bem estruturados ao meio acadecircmico

Exemplo disto eacute Johann Otto que ao analisar o Codex Claromontanus LXXXII ratificou que

este de maneira inicial ldquonos fornece alguns dos escritos de Justinordquo147 Nesta questatildeo cabe

ressaltar que das obras preservadas de Justino possuiacutemos apenas trecircs manuscritos mesmo que

apenas um seja considerado absolutamente confiaacutevel pela criacutetica suscitando desta forma certa

controveacutersia entre os analistas Quanto a esta pendecircncia citamos parte consideraacutevel da pesquisa

145 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 3-4

146 NORRIS The Apologists 2004 p 36 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

147 OTTO Prolegocircmenos XXI In S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur omnia Volume 1 Part 1

1847

39

de Santos que baseada em autores renomados da aacuterea daacute o destaque necessaacuterio a essa anaacutelise

quirograacutefica O autor nos agrega relevante contribuiccedilatildeo neste item teacutecnico

Haacute trecircs manuscritos para as obras de Justino o Codex Parisinus Graecus 45055 o

Codex Claromontanus LXXXII e o Codex Ottobonianus Graecus 274 (MINNS amp

PARVIS 2009 p 3) Alguns comentadores preferem atribuir um manuscrito (AUNE

2003 p 257 ALLERT 2002 p 32 POPE 2001 p 7) ou dois manuscritos

(DONALDSON 1866 p 144) Os que defendem a existecircncia de somente um

manuscrito levam em conta que o Codex Parisinus Graecus 450 eacute o uacutenico vaacutelido uma

vez que o Codex Claromontanus LXXXII eacute apenas uma coacutepia deste e o Codex

Ottobonianus Graecus 274 possui apenas trecircs capiacutetulos da I Apologia Aqueles que

consideram como dois manuscritos referem-se aos dois primeiros Por questatildeo de

coerecircncia (pois apesar do Claromontaus ser coacutepia natildeo deixa de ser um manuscrito e

o Ottobonianus mesmo tendo apenas trecircs capiacutetulos tambeacutem natildeo) concordamos com

a afirmaccedilatildeo de Minns e Parvis de que existem trecircs manuscritos148

No entanto eacute fato que o Codex Parisinus Graecus 450 se condiciona como o ldquomelhorrdquo

destes manuscritos existentes Este manuscrito data de 11 de setembro de 1363-1364 possui

467 paacuteginas duplas (ou foacutelios que medem 285 x 215 cm) e atualmente permanece arquivado

na Bibliothegraveque Nationale em Paris149 Infelizmente natildeo haacute informaccedilotildees sobre quem teria sido

o copista apenas sabe-se graccedilas a um registro oficial que ele pertenceu a Guillaume Pellicier

um notaacutevel Bispo Catoacutelico Romano do Seacuteculo XVI que provavelmente o adquiriu em uma de

suas atividades diplomaacuteticas possivelmente entre os anos de 1539 a 1542150

Enfim apoacutes explorarmos ndash mesmo que de maneira sucinta ndash a estrutura textual da obra

central desta dissertaccedilatildeo podemos afirmar que estes documentos histoacutericos nos ldquocomunicamrdquo

e ldquotraduzemrdquo um melhor conhecimento do passado edificando a Igreja e tambeacutem certificando

o meio acadecircmico de forma eficaz (cientificamente) de que homens como Justino lutaram

corajosamente para defender a feacute de seus irmatildeos especialmente das perseguiccedilotildees oficiais

assunto que trataremos a seguir

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS

Compreendemos ser ainda importante na construccedilatildeo desta pesquisa enfocarmos

mesmo que de maneira sucinta e setorizada um dos fatores que constituiu uma das

caracteriacutesticas mais vibrantes e significativas da histoacuteria do cristianismo em sua gecircnese como

148 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

149 PAUTIGNY In Introduction Justin Apologies 1904 p 10

150 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

40

movimento humano-religioso fato que mobilizou o cenaacuterio social da eacutepoca comprovando a

ldquoexistecircncia de um esquemardquo151 de perseguiccedilatildeo e cerceamento da liberdade de crenccedila e culto dos

cristatildeos isso tanto atraveacutes do agir do poder estatal quanto de setores organizados (especialmente

do meio religioso) da sociedade de entatildeo em sua formaccedilatildeo soacutecia-politica-religiosa de caraacuteter

cultural greco-romana Esta caracteriacutestica coativa acabou por se comprovar tambeacutem atraveacutes do

desenvolvimento de material textual como o que norteia nosso trabalho (I Apologia) acento

que sancionou uma regra funcional dos dias de nosso autor a de acionar a razatildeo humana para

tentar evitar uma insensata postura detrativa entre os homens autodeclarados de civilizados

Desta forma como parte derradeira deste capiacutetulo introdutoacuterio apresentamos duas

divisotildees uma temaacutetica e outra analiacutetica trazendo ambas carateriacutesticas funcionais especiacuteficas

desse sistema de repressatildeo A primeira retrata uma siacutentese deste processo na organizaccedilatildeo

estrutural do Impeacuterio Romano A segunda se orienta por um periacuteodo cronoloacutegico que se

desenvolveu durante o Seacuteculo II especialmente concentrando-se no dececircnio em que se acredita

que Justino tenha escrito sua primeira obra apologeacutetica

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo

Desde o Seacuteculo I a ldquopesquisa histoacutericardquo152 jaacute nos retrata com eficiecircncia fatos que

tiveram influecircncia decisiva do poder humano controlador do mundo de entatildeo (Impeacuterio Romano)

para com a Igreja de Cristo sobre a terra Dessa grande estrutura poliacutetica da antiguidade emergiu

tanto a perseguiccedilatildeo quanto o resultado mais elementar e simboacutelico deste processo que tinha o

cristianismo como alvo o martiacuterio de seus seguidores Poderiacuteamos chamaacute-lo sem o apelo a

nenhum eufemismo de ldquoassassinatordquo de centenas de pessoas

Contudo nesta seacuterie de sucessivos acontecimentos anormais vem a nascer a mais

significativa contribuiccedilatildeo deste intolerante processo governamental a saber a expansatildeo do

cristianismo Hatzenberger desenvolve uma soacutelida ideia a esse respeito quando conjectura sobre

o caraacuteter poliacutetico vigente junto ao Impeacuterio Tendo analisado seus preconceitos limitaccedilotildees e

maliacutecias Hatzenberger tenta explicar a capacidade desse sistema atraveacutes de sua multiplicidade

de gecircnios dando a entender que nesta ampla diversidade o cristianismo encontrou sua

possibilidade de crescer Hatzenberger afirma que podemos ldquodizer que o Impeacuterio Romano era

um tambor de gasolina agrave espera da faiacutesca da feacute cristatilderdquo153

151 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

152 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

153 HATZENBERGER Histoacuteria da Igreja 2012 p 1

41

Entretanto as perseguiccedilotildees estatais ao cristianismo satildeo um caso histoacuterico delicado e

nada romacircntico pois tornou-se uma dura realidade para muitas comunidades cristatildes na

antiguidade isso devido ao grande desenvolvimento do cristianismo que no decorrer dos seus

primeiros 100 anos suscitou uma consideraacutevel preocupaccedilatildeo ao Impeacuterio Catalogada desde cedo

como uma religiatildeo antagonista e excludente154 pela sua recusa em seguir praacuteticas comuns do

meio social vigente das grandes cidades onde jaacute se encontrava consolidada ndash devido

especialmente as suas posiccedilotildees quanto as questotildees de ordem cuacuteltica (ldquofestas oficiaisrdquo155) como

a adoraccedilatildeo aos ldquodeuses pagatildeos em particular o Imperador a quem negavam o caraacuteter divinordquo156

ndash fazia com que os seguidores desse movimento que inicialmente foi interpretado como uma

seita judaica157 fossem em muitos casos expressivamente acusados de colocarem em risco a

ldquopax deorumrdquo158 devido ao entendimento comum e geral de que o Imperador era o supremo

mantenedor desse estado de satisfaccedilatildeo e gloacuteria conquistados por Roma Outras questotildees

depreciativas eram atribuiacutedas aos cristatildeos antissociabilidade ateiacutesmo canibalismo fanatismo

orgias sexuais entre outras desvirtudes que eram amplamente apresentadas como acusaccedilotildees de

ordem formal e agraves vezes informal (atraveacutes de buchichos fofocas e relatos puacuteblicos natildeo oficiais)

as quais despertavam ldquoreaccedilotildees populares descontroladas de medo de intoleracircncia e de

violecircnciardquo159 contra estes que se colocavam como disciacutepulos de Cristo

Desta forma entre falsas ideias e verdadeiras demandas ndash a recusa ao ldquojuramento e os

ritos implicados no serviccedilo militarrdquo160 eacute outro exemplo da suposta ldquorebeliatildeordquo cristatilde ao Impeacuterio

ndash criou-se um ldquoestadordquo de perigo que mediante uma forte campanha de difamaccedilatildeo passou a

ser considerado como uma ameaccedila a cultura e a forma do governo Romano Certamente

servindo de combustiacutevel para as perseguiccedilotildees pontuais eou sistematizadas161 especialmente

nos Seacuteculos I e II Aleacutem disto junto com a expansatildeo da nova doutrina e feacute cristatildes um novo

entendimento comeccedilou a se estabelecer que o cristianismo se diferenciava do judaiacutesmo162

154 TAacuteCITO Anais XV 44

155 FROumlHLICH Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja 1987 p 23

156 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 15

157 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

158 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 969

159 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 976

160 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 84

161 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

162 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

42

Com o fim do ldquoequiacutevoco judaicordquo163 houve a reelaboraccedilatildeo de um esquema que gerou um

reposicionamento de Roma para essa nova perspectiva Aqui a siacutentese de Xavier retrata bem o

que desejamos comunicar sobre esse reposicionamento

O Impeacuterio Romano percebeu que a nova religiatildeo possuiacutea diferenccedilas acentuadas em

relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Embora os judeus resistissem agrave cultura e religiatildeo greco-romana

o cristianismo passou a se organizar como religiatildeo crescendo em nuacutemero e em

organizaccedilatildeo sendo formadas igrejas em vaacuterios lugares O evangelho chegou aos

grandes centros da eacutepoca e ateacute os confins da terra devido a pregaccedilatildeo de cristatildeos que

viajavam a negoacutecios missatildeo ou levados pela perseguiccedilatildeo que dispersava os cristatildeos

fazendo com que a feacute se expandisse164

Quanto a questotildees que envolvem esse amplo periacuteodo conflituoso ainda eacute necessaacuterio

apresentarmos dois raacutepidos e sucintos registros O primeiro envolve um conjunto de fatos

constituiacutedos em mais de 250 anos onde podemos registrar periacuteodos que devem ser classificados

como ldquoperseguiccedilatildeo perseguiccedilatildeo geral perseguiccedilatildeo maior e toleracircnciardquo165 para com os cristatildeos

Satildeo muitas e variadas as circunstacircncias e as caracteriacutesticas que formam cada uma destas fases

e fazem com que elementos singulares a cada uma delas (como periacuteodo e regionalidade)

tornem-se fatores decisivos nesta diferenciaccedilatildeo Entretanto natildeo as abordaremos

especificamente por entendermos que o assunto foge de nosso exame central Segundo

compreendemos ser imprescindiacutevel junto a esta abordagem citar a tese amplamente sustentada

pelo meio histoacuterico-teoloacutegico da ldquoexistecircncia de um esquema de dez grandes perseguiccedilotildeesrdquo166

tendo seu primeiro caso ocorrido entre 64-68 dC sob o Imperador Nero desde seu uacuteltimo ato

no periacuteodo dos governos de Diocleciano e Maximiano entre 285-305 dC167 Tertuliano168 e

Euseacutebio fornecem-nos consideraacutevel conteuacutedo sobre aquela que possivelmente tenha sido a

primeira grande onda de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos promovida pelo Impeacuterio Citamos Euseacutebio

163 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 82

164 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 10

165 A ordem dos fatores apresentados natildeo eacute cronoloacutegica e sim alfabeacutetica Ver LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila

da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 11-12

166 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

167 As intituladas ldquoDez Perseguiccedilotildeesrdquo ao cristianismo por parte do Impeacuterio Romano satildeo protagonizadas por Nero

(54-68 dC) Domiciano (95-96 dC) Trajano (108 dC) Marco Aureacutelio (162 dC) Cocircmodo (192 dC)

Maximino (235 dC) Deacutecio (250-251 dC) Valeriano (257-260 dC) Aureliano (274 dC) Diocleciano (303-

313 dC) Ver FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 16-32

168 TERTULIANO Apologia V

43

que ao falar sobre o reinado de Nero (54-68 dC) fomenta uma simbiose de dados histoacutericos

mencionando o proacuteprio Tertuliano

Firmado Nero no poder deu-se a praacuteticas iacutempias e tomou as armas contra a proacutepria

religiatildeo do Deus do universo [] Mas deve-se saber que a tudo o que foi dito sobre

ele faltava acrescentar que foi o primeiro imperador que se mostrou inimigo da

piedade para com Deus Disto faz menccedilatildeo tambeacutem o latino Tertuliano quando diz

ldquoLeiam vossas memoacuterias Nelas encontrareis que Nero foi o primeiro a perseguir esta

doutrina principalmente quando depois de submeter todo o Oriente em Roma era

cruel para com todosrdquo169

Portanto buscando apresentar uma ideia conclusiva a nossa concisa elaboraccedilatildeo sobre

esse tema tatildeo vasto da histoacuteria da Igreja podemos dizer que natildeo restam duacutevidas mediante

inuacutemeros argumentos histoacutericos apresentados por diversas e variadas fontes ser plausiacutevel e ateacute

mesmo luacutecido afirmar que o Impeacuterio Romano foi em diversos momentos um literal

perseguidor acusador juiz e algoz do cristianismo durante um periacuteodo de praticamente dois

seacuteculos e meio Scott por meio de bases historiograacuteficas retrata bem esse processo ajudando-o

a sancionaacute-lo

Repetidas vezes foram publicados editos para exterminar da terra os cristatildeos

Levantaram ateacute monumentos para celebrar e perpetuar os supostos ecircxitos das

perseguiccedilotildees Aqui estatildeo duas preservadas inscriccedilotildees desses monumentos em escritos

da eacutepoca DIOCLECIANO CEacuteSAR AUGUSTO TENDO ADOTADO GALEacuteRIO

NO ORIENTE A SUPERSTICcedilAtildeO DOS CRISTAtildeOS FOI DESTRUIacuteDA EM TODA

A PARTE E PROPAGADA A ADORACcedilAtildeO DOS DEUSES170

A partir de agora examinaremos um conjunto mais restrito desse longo periacuteodo

imperial (54-313 dC)171 de tensotildees entre a Igreja e seus perseguidores pagatildeos especificamente

abordaremos o periacuteodo endossado pelos registros de Justino atraveacutes de seu ministeacuterio

testemunho e vivecircncia na feacute cristatilde

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia

169 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 25 1 3 4

170 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996 p 84 grifo do autor

171 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

44

Durante o Seacuteculo II podemos dizer que um periacuteodo determinado pela irregularidade

ou seja pela ausecircncia de um padratildeo caracterizou o ambiente social da eacutepoca atraveacutes de uma

ldquoperseguiccedilatildeo difusa ora aqui ora ali hoje perseguiccedilatildeo amanhatilde toleracircnciardquo172 Este momento

tambeacutem pode ser realccedilado por outras questotildees pontuais mas sua principal distinccedilatildeo realmente

se define pela esporadicidade dos periacuteodos de repressatildeo estatal o que ocasionou momentos de

consideraacutevel toleracircncia ao cristianismo balizados e sustentados ldquojuridicamenterdquo pela resposta

do Imperador Trajano agrave consulta de Pliacutenio173 (Cocircnsul da Bitiacutenia) por volta do ano 111 dC

Santos sintetiza bem esses dececircnios da relaccedilatildeo entre o Impeacuterio e a Igreja ldquoA poliacutetica romana agrave

eacutepoca era de tanto quanto possiacutevel natildeo condenar os cristatildeos agrave morte De modo geral desde o

final do Seacuteculo I ateacute o final do II da era cristatilde houve vaacuterios Imperadores com poliacuteticas mais

paciacuteficas em relaccedilatildeo aos cristatildeosrdquo174 Vale tambeacutem ressaltarmos como um elemento

consideraacutevel a tese proposta que no momento ao qual Justino escreveu sua I Apologia Roma

era governada pela dinastia denominada de Nerva-Antonina a qual foi conhecida pela alcunha

dos ldquocinco bons imperadoresrdquo175 definiccedilatildeo que foi proposta por Maquiavel em uma anaacutelise

poliacutetica do ano de 1503 Maquiavel escreveu

Do estudo desta histoacuteria podemos tambeacutem aprender como um bom governo deve ser

fundado pois enquanto todos os imperadores que acederam ao trono por nascimento

exceto Tito foram ruins todos foram bons que acederam por adoccedilatildeo como foi o caso

dos cinco de Nerva ateacute Marco Mas tatildeo logo o impeacuterio caiu novamente nas matildeos dos

herdeiros por nascimento sua ruiacutena recomeccedilou176

Entretanto falaremos especificamente apenas de duas figuras deste periacuteodo chamado

de dinastia Nerva-Antonina (96 a 180 dC) mais precisamente de seus dois uacuteltimos

172 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 20

173 ROSSI BINATO As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo parcial do Livro X correspondecircncia administrativa

com o Imperador Trajano 2017

174 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

175 Relaccedilatildeo dos Imperadores da dinastia Nerva-antonina Nerva (96-98 dC) Trajano (98-117 dC) Adriano (117-

138 dC) Antonino Pio (138-161 dC) Marco Aureacutelio (161-180 dC) Ver SANTOS Identidade Cristatilde no

Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

176 MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio I 10

45

representantes a saber Antonino Pio177 (que sucedeu a Adriano) e seu filho adotivo Marco

Aureacutelio178 que o sucedeu

O Imperador Antonino Pio governou Roma por mais de vinte anos (138 a 161) Ele eacute

o destinataacuterio formal eou principal da I Apologia de Justino Neste aspecto vale muito para

esta pesquisa a anaacutelise referencial deixada por Foxe ldquoAdriano ao morrer no ano 138 dC foi

sucedido por Antonino Pio um dos mais gentis monarcas que jamais reinou e que deteve as

perseguiccedilotildees contra os cristatildeosrdquo179 Santos tambeacutem nos auxilia quando expotildeem o pensamento

de Bunson sobre a administraccedilatildeo de Antonino Pio ldquoQuanto agraves questotildees de poliacutetica externa

procurava sempre resolvecirc-las primeiramente de forma paciacutefica depois administrativamente e

por uacuteltimo com taacuteticas militaresrdquo180 Eacute fato praticamente livre de contestaccedilotildees que em seu

governo natildeo houve perseguiccedilotildees de maior envergadura sendo que as que ocorreram foram

pontuais e sem maiores impactos referendando deste modo a imagem do Imperador como a de

um monarca paciacutefico (para a eacutepoca) pois ateacute mesmo em seu periacuteodo como divus romanus foi

cognominado pelo povo de ldquoPIEDOSO pelo amor que dedicava aos pobresrdquo181

Quanto a Marco Aureacutelio seu sucessor os relatos sobre a sua postura para com o

cristianismo devem no miacutenimo ser apresentados com o adjetivo de obscurus Foxe retrata bem

esta dificuldade ldquoMarco Aureacutelio sucedeu no trono no ano 161 de nosso Senhor era um homem

de natureza mais riacutegida e severa e embora elogiaacutevel no estudo da filosofia e em sua atividade

de governo foi duro e feroz contra os cristatildeos e desencadeou a quarta (grande) perseguiccedilatildeordquo182

Extremamente vaacutelido eacute analisarmos os registros do proacuteprio Imperador os quais nos

demonstram de forma muita clara a incompatibilidade de sua filosofia com a doutrina de Cristo

como se vecirc em uma de suas citaccedilotildees

177 Titus Aurelius Fulvus Boionius Antoninus nasceu em 86 dC em Nimes na Gaacutelia Narbonense no sul da atual

Franccedila Devido agrave sua fidelidade Adriano o adotou em fevereiro de 138 dC para ser o seu sucessor no Impeacuterio o

que ocorreu logo depois no mecircs de julho com a morte de Adriano Ver BUNSON Encyclopedia of the Roman

Empire 2002 p 23-24 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino

Maacutertir 2012 p 95

178 Marcus Aurelius Antoninus nasceu em 121 dC na cidade de Roma Filho de Annius Verus e Domitia Lucilla

Tornou-se Imperador em 161 dC e a seu pedido Lucio Vero (Lucius Aerelius Verus) governou Roma juntamente

com ele Ver BIRLEY Marcus Aurelius A Biography 2001 p 116 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 14

10

179 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18

180 BUNSON Encyclopedia of the Roman Empire 2002 p 24 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 96

181 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 81 grifo do

autor

182 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18 grifo nosso

46

[] alma preparada para uma imediata separaccedilatildeo do corpo seja para extinguir seja

para se dispersar ou sobreviver [] Que essa preparaccedilatildeo poreacutem provenha de um juiacutezo

proacuteprio e natildeo dum simples sectarismo como o dos cristatildeos [] uma preparaccedilatildeo

raciocinada grave e para ser convincente nada teatral183

Alguns detalhes nos chamam muito a atenccedilatildeo no periacuteodo em que Marco Aureacutelio

governou especialmente se nosso estudo partir do ponto de vista de alguns historiadores que

fazem questatildeo de ratificar que esse periacuteodo foi como ldquoum lsquomarcorsquo negro fincado na histoacuteria

eclesiaacutestica assinalando com as sombras de sua tirania a eacutepoca triste de seu governo

nefastordquo184 Euseacutebio nos auxilia nesta anaacutelise de maneira importante pois segue a mesma

concepccedilatildeo de que os atos de Marco Aureacutelio foram excessivamente malignos para com o

cristianismo Buscando ser amplo e detalhista Euseacutebio promove sentimentos profundos em seu

relato quando nos retrata o martiacuterio de Policarpo Bispo de Esmirna ocorrido no reinado de

Marco Aureacutelio

E o prococircnsul disse ldquoTenho feras A elas te lanccedilarei se natildeo mudas tua posiccedilatildeordquo Mas

ele respondeu ldquoChama-as porque para noacutes natildeo eacute possiacutevel mudar de posiccedilatildeo se eacute do

melhor para o pior O bom eacute mudar do mau para o justordquo Insistiu o prococircnsul ldquoComo

natildeo te arrependes farei com que o fogo te dome se desprezas as ferasrdquo Policarpo

disse ldquoAmeaccedilas com um fogo que arde algum tempo mas depois de um pouco se

apaga E ignoras o fogo do juiacutezo futuro e do castigo eterno reservado aos iacutempios

Mas por que tardas Traga o que quiseresrdquo Enquanto dizia isto e muitas outras coisas

mais enchia-se de valor e de alegria e seu rosto transbordava de graccedila ao ponto de

que natildeo somente natildeo caiu em confusatildeo pelas coisas que lhe diziam mas pelo

contraacuterio foi o prococircnsul que ficou fora de si e chamou o arauto para que no meio do

estaacutedio apregoasse trecircs vezes Policarpo confessou que eacute cristatildeo185

Nesse cenaacuterio imperial ainda nos conveacutem apresentar a proacutepria experiecircncia de Justino

como um cristatildeo perseguido No ano de 165 dC o filoacutesofo Justino possivelmente

acompanhado de seis de seus disciacutepulos (todos cristatildeos como ele) eacute apresentado com estes a

um tribunal civil Romano sob a acusaccedilatildeo de serem cristatildeos Este relato estaacute amplamente

amparado por uma fonte secular pagatilde186 que goza de altiacutessima credibilidade Apoacutes ser

183 MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees XI 3 grifo nosso

184 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 90

185 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 15 23-25

186 As Atas dos Maacutertires eacute a transcriccedilatildeo dos processos verbais escritos pelas autoridades romanas e mantidos nos

arquivos oficiais do Impeacuterio Estes registros coletaram estenograficamente muitos dos atos relacionados aos

processos forenses aos quais os cristatildeos foram submetidos pelos magistrados principalmente nos interrogatoacuterios

puacuteblicos Posteriormente estes registros foram traduzidos para a escrita vulgar e assim as peccedilas foram passadas

para os arquivos judiciais Muitos dos atos foram destruiacutedos (queimados em praccedila puacuteblica) pelo Imperador

47

denunciado pelo ciacutenico Crescente Justino se apresenta diante de Ruacutestico (Prefeito de Roma)

onde o relato do processo forense se estabelece e desenrola

Venha ao tribunal o prefeito Ruacutestico disse a Justino ndash Primeiro acredite nos deuses

e obedeccedila aos imperadores Justino respondeu ndash O irrepreensiacutevel e que natildeo admite

condenaccedilatildeo eacute obedecer aos mandamentos de nosso Salvador Jesus Cristo O prefeito

Ruacutestico disse ndash Que doutrina vocecirc professa Justino respondeu ndash Tentei ouvir sobre

qualquer linhagem de doutrinas mas apenas aderi agraves doutrinas dos cristatildeos que satildeo

as verdadeiras mesmo que natildeo sejam agradaacuteveis para quem segue opiniotildees falsas187

Nessa projeccedilatildeo vemos que o Apologista apresenta natildeo somente sua feacute mas tambeacutem

sua consciecircncia de que os preceitos recebidos por ele mediante o cristianismo solidificavam

sua posiccedilatildeo Mesmo diante de um sistema que os poderia prejudicar e sendo incentivados a

recuar de suas convicccedilotildees por meio de uma aguccedilada ameaccedila de que poderiam ser

ldquoimpiedosamente punidosrdquo188 Justino e seus disciacutepulos passam a concentrar seus esforccedilos

naquilo que esta pesquisa define como um importante argumento para a Verdade que Justino

sustentava Aqui o fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo conduzido e explorado pelo Impeacuterio Romano

ganha uma inopinada abrangecircncia pois o supliacutecio desses homens e mulheres registrados como

peccedilas do protocolo governamental acabariam por se tornar nos fatos que solidificaram e

encorajaram a militacircncia desses obreiros da feacute cristatilde Sem duacutevida Justino e seus disciacutepulos

parecem ter caminhado de forma soacutebria para ldquoonde foram decapitados e consumaram o martiacuterio

proclamando a feacute no Salvadorrdquo189 Deste modo diante de apresentaccedilotildees que se alternam entre

descriccedilotildees de caraacuteter romacircntico e fatalista vemos que os Imperadores e seus sistemas de

controle marcaram a histoacuteria natildeo apenas com sangue mas tambeacutem com o relato fidedigno da

convicccedilatildeo que suas viacutetimas sustentavam

Diocleciano (284-305 dC) pois havia notado que esses contos heroicos inflamavam a alma dos cristatildeos dando

testemunho favoraacutevel para que outros tambeacutem viessem a sofrer a pena capital sem constrangimento para com as

suas vidas Ver PRIMEROS CRISTIANOS 2016 Disponiacutevel em

lthttpswwwprimeroscristianoscomarticulosactas-de-los-martiresgt Acesso em 16 de set 2019

187 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 311 grifo nosso No original Venidos ante el tribunal el prefecto Ruacutestico

dijo a Justino mdash En primer lugar cree en los dioses y obedece a los emperadores Justino respondioacute mdash Lo

irreprochable y que no admite condenacioacuten es obedecer a los mandatos de nuestro Salvador Jesucristo El prefecto

Ruacutestico dijo mdash iquestQueacute doctrina profesas Justino respondioacute mdash He procurado tener noticia de todo linaje de

doctrinas pero soacutelo me he adherido a las doctrinas de los cristianos que son las verdaderas por maacutes que no sean

gratas a quienes siguen falsas opiniones

188 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original sereacuteis inexorablemente castigados

189 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original salieron al lugar acostumbrado y cortaacutendoles alliacute las

cabezas consumaron su martirio en la confesioacuten de nuestro Salvador

48

Marco Aureacutelio tinha aproximadamente 34 anos quando Justino escreveu sua I

Apologia e cerca de 44 quando Justino sofreu o martiacuterio Mesmo diante de relatos assombrosos

de seu periacuteodo como governante ldquoe apesar de sua visatildeo negativa em relaccedilatildeo aos cristatildeos e dos

cristatildeos para com ele novamente natildeo haacute evidecircncias de qualquer (novo) decreto de perseguiccedilatildeo

aos cristatildeos por parte do Imperadorrdquo190 mesmo que se garanta uma expressiva deflagraccedilatildeo deste

expediente sombrio em seu reinado191 Devemos ainda colocar que um atento pesquisador

necessariamente se impressionaraacute com a latente crueza e dureza deste periacuteodo que esteve sob

o comando dos chamados Imperadores ldquofiloacutesofosrdquo Danieacutelou e Marrou chegam a ser aacutesperos

em sua abordagem entretanto nos parece absolutamente plausiacutevel sua definiccedilatildeo desse periacuteodo

ldquoEacute que a civilizaccedilatildeo greco-romana como tal muito embora sob um verniz humanista guardava

um fundo de crueldade Desconhecem-nos os historiadores racionalistas que pretendem reduzir

as perseguiccedilotildees a problemas socioloacutegicosrdquo192

Contudo as perseguiccedilotildees que marcaram o cristianismo e por consequecircncia geraram o

principal fruto (os martiacuterios) deste violento periacuteodo indiscutivelmente ainda satildeo sementes que

testificam e geram vida em meio a Igreja A realidade da cristandade dos primeiros seacuteculos foi

difiacutecil e desafiadora para sua feacute mas sua Esperanccedila e Amor em Jesus Cristo fez os cristatildeos

superarem ateacute a mais dolorosa realidade fosse no calor de uma fogueira nos dentes de uma

fera ou no supliacutecio de uma cruz Xavier em nosso ponto de vista consegue caracterizar bem o

fervor e feacute destes vencedores ldquoA doenccedila dificuldades e martiacuterio fizeram parte da vida dos

cristatildeos nos primeiros seacuteculos e ao longo da histoacuteria poreacutem a virtude do Evangelho natildeo deixou

de ser pregada de uma forma ou de outra pelo exemplo pela palavra falada ou escritardquo193

Apoacutes esta exposiccedilatildeo nos eacute possiacutevel reconhecer indicadores confiaacuteveis de quem foi

este filoacutesofo cristatildeo do Seacuteculo II chamado Justino de como a histoacuteria eclesiaacutestica o reconhece

e de como a histoacuteria teoloacutegica o depreende Mais ainda eacute possiacutevel compreender por meio de

dados teacutecnicos um de seus escritos mais importantes (I Apologia) Estas paacuteginas lanccedilaram luz

de maneira praacutetica (visando quando onde e por quecirc) sobre o cenaacuterio histoacuterico que envolveu

as perseguiccedilotildees e os martiacuterios dos cristatildeos especialmente no periacuteodo da atuaccedilatildeo apologeacutetica de

190 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 97 grifo

nosso

191 Para uma melhor compreensatildeo deste cenaacuterio hostil no reinado de Marco Aureacutelio ver MONTEIRO A Feacute e os

Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 89-108

192 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p

109

193 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 11-12

49

Justino Para efeito de conclusatildeo desta seccedilatildeo conveacutem transcrever o registro de Hamman em

formato de siacutentese que fomenta virtuosamente a descriccedilatildeo capitular desenvolvida

Neste homem que viveu haacute dezoito seacuteculos percebemos o eco de nossos anseios de

nossas objeccedilotildees de nossas certezas Descobrimos nele uma abertura de alma uma

possibilidade de acolhimento uma vontade de diaacutelogo que desarmam e seduzem Se

muitas de suas obras estatildeo hoje perdidas as que nos restam fornecem-nos o diaacuterio

iacutentimo desse cristatildeo e satildeo suficientes para nos revelar sua vida desde o seu

nascimento e a sua formaccedilatildeo ateacute o seu martiacuterio194

O proacuteximo capiacutetulo faz uma anaacutelise na qual procuramos mostrar elementos factiacuteveis

de uma nova praacutetica social vigente ndash descrita por Justino ndash em meio ao status quo da sociedade

romana de entatildeo Desta maneira tambeacutem nos cabe frisar que a partir deste ponto se salientaraacute

o iniacutecio da descriccedilatildeo daquilo que para nosso autor era uma das provas estaacuteveis do novo modus

vivendi no qual a Verdade se manifestava de forma irrefutaacutevel

194 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27

50

2 O NOVO MODUS VIVENDI

Este capiacutetulo faraacute uma anaacutelise realiacutestica a partir da observaccedilatildeo de praacuteticas do contexto

social de Justino maacutertir Com ele iniciamos a perspectiva central proposta para esta pesquisa

aleacutem de apresentarmos de forma introdutoacuteria seu ponto nuclear Algumas marcas de cunho

histoacuterico nos permitem medir aquilo que aproximava ou afastava uma pessoa que confessava

a feacute cristatilde de seu meio sociocultural de suas atividades ordinaacuterias de seus afazeres do dia-a-

dia195 Assim neste espaccedilo apresentamos um teoacuterico conjunto de expressotildees que apontam os

conceitos que afloram do pensamento de Justino quanto agrave ldquomorfogeniardquo de sua feacute e porque natildeo

se dizer de seu grupo o qual eacute definido pelo autor como aqueles ldquoque se chamam irmatildeosrdquo196

A contemporaneidade retrata uma condiccedilatildeo ambiacutegua em comparaccedilatildeo com o Seacuteculo II

naquilo que se trata da transmissatildeo da religiosidade cristatilde ndash especialmente no que se reporta as

estruturas confessionais histoacutericas nos paiacuteses europeus e latino-americanos ndash tendo o processo

atual significativa ambivalecircncia com o padratildeo antigo o qual ainda natildeo havendo passado pelo

processo de enculturaccedilatildeo definia-se fortemente pela conversatildeo de pessoas adultas dado

amparado de forma eficiente por Tertuliano em sua Apologia ldquoos homens se tornam natildeo

nascem cristatildeosrdquo197

Deste modo notamos que a leitura histoacuterica praticamente natildeo abre concessotildees agrave

conversatildeo ao cristianismo na eacutepoca de Justino constituiacutea uma verdadeira transformaccedilatildeo na vida

do convertido implicando em uma real mudanccedila de vida ou seja de haacutebitos que

necessariamente provocava uma ldquoruptura com a cidade e isolava o cristatildeo de seu meio e de sua

famiacutelia se ela permanecesse pagatilderdquo198 Baseados em afirmaccedilotildees como esta eacute que delinearemos

um horizonte que possa definir de forma consideraacutevel a realidade do que seria estar vivendo a

Verdade para Justino mediante uma contraposiccedilatildeo de haacutebitos detectada por meio dessa

transformaccedilatildeo

Diante de tal teor surgem interrogaccedilotildees que nos trazem demandas pontuais

principalmente de caraacuteter especulativo orientadas a responder questotildees que despertam o

imaginaacuterio de nosso contexto atual Por estarem devidamente inseridas no cenaacuterio histoacuterico da

I Apologia estes assuntos caracterizam-se por suas pendecircncias mesmo que uma determinaccedilatildeo

em comum saliente todos os espaccedilos em branco tendo esta demarcaccedilatildeo em si um caraacuteter de

195 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

196 JUSTINO I Apologia LXV 1

197 TERTULIANO Apologia XVIII 4

198 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 187

51

diferenciaccedilatildeo que evoca uma clara distinccedilatildeo de estados Desta forma seguem alguns modelos

nos quais visamos indagar esta distinccedilatildeo que detectamos em Justino como definia-se um cristatildeo

em meados do Seacuteculo II Quais pessoas natildeo pertenciam a este grupo religioso e quais eram as

limitaccedilotildees que as impediam de tal prerrogativa Que nova praacutetica de feacute eacute esta que descarta as

antigas tradiccedilotildees religiosas De qual maneira isso se tornou um criteacuterio a ponto de estabelecer

diferenciaccedilotildees a niacutevel existencial

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE

Este espaccedilo tende a abertura de um caminho ao qual entendemos ser fundamental para

o desenvolvimento desta pesquisa isso devido agrave necessidade de apontarmos bases soacutelidas na

construccedilatildeo de nosso conceito mater Desta maneira iniciamos este capiacutetulo essencial em nossa

estruturaccedilatildeo utilizando-nos de uma afirmaccedilatildeo desenvolvida junto agrave pesquisa de Santos e

Gonccedilalves a qual soma valiosamente a nossa tese por contemplar a seguinte definiccedilatildeo ldquoAo

analisarmos a I Apologia podemos verificar que ele pretende revelar quem satildeo os cristatildeos Isto

parece fazer bastante sentido Ao buscar defender o cristianismo parece natural desenvolver um

texto que visa mostrar a identidade do grupordquo199

O cristianismo como religiatildeo vem a se desenvolver (universalmente) a partir de uma

comunidade autoacutectone de seu ldquofundadorrdquo emergindo atraveacutes de um pequeno grupo de

seguidores (Atos dos Apoacutestolos capiacutetulo 2) altamente condicionados agrave sua cultura e tradiccedilatildeo

religiosa200 poreacutem passados aproximadamente 110 anos o movimento cristatildeo chega ateacute os

dias de Justino com uma proporccedilatildeo numeacuterica muito significativa para um periacuteodo de tempo natildeo

tatildeo extenso201 Nesse processo estruturante tambeacutem de modo irrefragaacutevel202 houve um

desenvolvimento de um novo processo conceitual de um novo status de conhecimento ndash ou se

poderia chamar de um autoconhecimento ndash da proacutepria identidade (natildeo eacutetnica) cristatilde Processo

ao qual os chamados seguidores de Cristo apresentavam preceitos de paridade em uma espeacutecie

de similaridade existencial fato que leva o historiador Santos ao afirmar que ldquoa concepccedilatildeo de

meros disciacutepulos passou posteriormente a adquirir a ideia de povordquo203 Santos na verdade

199 SANTOS GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

200 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

201 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

202 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

203 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 135

52

reproduz simplesmente um pensamento jaacute consolidado no meio teoloacutegico Harnack no capiacutetulo

sete de sua obra A Missatildeo e Expansatildeo do Cristianismo nos Primeiros Trecircs Seacuteculos204 jaacute

solidifica tal ideia O teoacutelogo alematildeo caracteriza seu pensamento socioteoloacutegico da seguinte

forma

Convencido de que Jesus o mestre e o profeta era tambeacutem o Messias que voltaria em

breve para terminar o seu trabalho as pessoas passaram da consciecircncia de serem seus

disciacutepulos para o seu povo o povo de Deus ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον

ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pe II 9 ldquoVoacutes sois uma raccedila escolhida

um sacerdoacutecio real uma naccedilatildeo santa um povo para possessatildeordquo) e na medida em

que se sentiam um povo os cristatildeos sabiam que eles eram o verdadeiro Israel pessoas

que ao mesmo tempo representavam o novo e o velho205

Cabe-nos tambeacutem frisar neste aspecto levantado por Harnack que na questatildeo referente

agrave formaccedilatildeo de uma nova identidade social de caraacuteter religiosa este foi um fenocircmeno tanto

perceptiacutevel para eacutepoca de Justino como tambeacutem o ainda eacute em alguns segmentos humanos na

contemporaneidade Esta accedilatildeo associativa organizou-se (e ainda se organiza) de forma

majoritariamente comunitaacuteria a partir de experiecircncias pessoais de seus participantes sendo isto

ocasionado quase que na totalidade dos casos por meio do fenocircmeno conversiacutevel ocorrido no

acircmbito individual Este processo normalmente excludente e sectaacuterio de um determinado extrato

social ndash absolutamente imperativo no periacuteodo histoacuterico analisado poreacutem na atualidade natildeo

mais apresentando necessariamente uma ambiguidade ao estado de crenccedila anterior do

confessando (agente humano) ndash acaba por ser adesivo a outro o que ocasionava o

comprometimento com uma nova forma de comunhatildeo a qual amparada em novas certezas

rechaccedilava com ousadia as referecircncias da antiga crenccedila Em relaccedilatildeo ao cristianismo esse

fenocircmeno foi mais saliente entre as comunidades gentiacutelicas que abandonaram o paganismo206

Mencionamos ainda a definiccedilatildeo de Mol utilizada por Kee por entendermos que ele consegue

esclarecer de maneira objetiva aquilo que nos interessa expressar neste item sendo uma

consequecircncia natural do processo de conversatildeo ao cristianismo em meados de Seacuteculo II Mol

204 No original The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries

205 HARNACK The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries 2005 p 152 No original

Convinced that Jesus the teacher and the prophet was also the Messiah who was to return ere long to finish off

his work people passed from the consciousness of being his disciples into that of being his people the people of

God ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pet ii 9 ldquoYe are a chosen

race a royal priesthood a holy nation a people for possessionrdquo) and in so far as they felt themselves to be a

people Christians knew they were the true Israel at once the new people and the old

206 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

53

escreve que o primeiro estaacutegio de um novo convertido neste periacuteodo se caracterizava por aquilo

que ele define como um ldquodistanciamento de anteriores padrotildees de identidaderdquo207

Deste modo seguindo a proposta acima encontramos algumas afirmaccedilotildees que nos

parecem descrever com exatidatildeo a tese (por hipoacutetese cristatilde) que definia a sociedade de entatildeo

como que constituiacuteda por um suposto terceiro grupo de pessoas (holisticamente falando) Aleacutem

dos denominados gentios e judeus (no relato biacuteblico) haveria tambeacutem os cristatildeos Cabe-nos

ressaltar que esse indicador quantitativo variou dentro da construccedilatildeo desta proposiccedilatildeo

indicativa das supostas variaccedilotildees de ldquoraccedilasrdquo pois jaacute nos escritos dos Pais Apologistas esse

nuacutemero chegou a ser descrito em mais de trecircs segmentos (caldeus egiacutepcios gregos judeus e

cristatildeos)208 Assunto que voltaremos a tratar com mais exatidatildeo a seguir Vale-nos tambeacutem citar

que o conceito de estraneidade abordado especialmente em anaacutelises eclesioloacutegicas e

missioloacutegicas do meio Patriacutestico209 diferencia-se em alguns aspectos de nosso assunto

diferenciaccedilatildeo que natildeo seraacute abordada por entendermos que foge de nossa temaacutetica atual

Iniciamos nossa argumentaccedilatildeo apontando que este conceito identitaacuterio de caraacuteter

etnograacutefico jaacute se apresenta com clareza no relato da Escritura Sagrada Vemos o apoacutestolo Paulo

fazendo distinccedilatildeo similar quando opta por desenvolver uma anaacutelise contrastante do cenaacuterio

humano (eacutetnico religioso etc) de seu tempo apresentando-nos uma leitura com trecircs diferentes

grupos humanos ldquoNatildeo vos torneis causa de tropeccedilo nem para judeus nem para gentios nem

tampouco para a igreja de Deusrdquo (1 Coriacutentios 1032) Neste ponto posiccedilotildees exegeacuteticas variadas

podem corroborar para a compreensatildeo e tambeacutem assimilaccedilatildeo da passagem citada referente ao

suposto conceito de iacutendole eacutetnica apontado210 mas o proacuteprio cenaacuterio nos aponta determinados

viacutenculos que nos conduzem a ideia de que ser cristatildeo no suposto periacuteodo oferecia aos fieacuteis a

opiniatildeo de pertencer a um povo diferente211

Neste conjunto eacute necessaacuterio citar o Apologista Aristides que de maneira

inquestionaacutevel se apresenta no cenaacuterio cristatildeo como aquele que daraacute um salto intelectual na

direccedilatildeo do desenvolvimento daquilo que poderiacuteamos definir como a primeira concepccedilatildeo de um

ethnos propriamente cristatildeo212 Aristides ldquofiloacutesofo de Atenas e um dos primeiros defensores do

207 MOL Identity and the Sacred 1977 p 52-53 apud KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica

1983 p 65-66 grifo nosso

208 Ver ARISTIDES Apologia II XIV e XV

209 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

210 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

211 GONZAacuteLEZ 1995

212 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

54

cristianismordquo213 permitiraacute a transmissatildeo conceitual deste tema apontado nos escritos paulinos

aproximadamente oitenta anos depois de Paulo escrever aos cristatildeos de Corinto Em sua obra

Apologia Aristides concentra esforccedilos em uma elaboraccedilatildeo pragmaacutetica que visa uma

apresentaccedilatildeo de diferentes aspectos teoloacutegicos e morais todos provenientes de haacutebitos e

costumes de outros padrotildees religiosos de entre as etniaspovosnaccedilotildees de sua eacutepoca

Neste exerciacutecio Aristides ldquodescreve os cristatildeos como um povo ou naccedilatildeordquo214 que iraacute

progressivamente e cada vez mais contrastar seus conhecimentos e seu comportamento com os

outros povos com que convivia a saber os babilocircnios os gregos os egiacutepcios e os judeus

Possivelmente Aristides desejava ldquoexprimir a autocompreensatildeo cristatilderdquo215 de seus dias no

entanto provavelmente tambeacutem expressava um conceito jaacute bem estruturado em seu meio

religioso utilizando-se de um escrito apologeacutetico muito diretivo desenvolvido em ldquoforma de

uma etnografia comparativardquo216 Importante eacute o fato de que um entendimento novo de forma

absolutamente objetiva retratava a nova maneira de viver e esta maneira era aplicada

adjetivamente como cristatilde

Este fenocircmeno ocorria devido a este novo conceito ter se estruturado sobre ldquouma

organizaccedilatildeo humana cada vez mais precisa e soacutelida uma sociedade cujos alicerces satildeo

inteiramente novos e um tipo de homem diferente de todos aqueles que o mundo conhecerardquo217

Desta forma acabou por se gerar um entendimento novo sobre uma nova realidade histoacuterica

diferente de todas as demais jaacute existentes algo que na compreensatildeo de seus participantes soacute

poderia ser condicionado por um novo organismo ou seja uma nova ldquoraccedilardquopovonaccedilatildeo

Contudo este fato pode ser tambeacutem comprovado atraveacutes de outros seguimentos uma vez que

os proacuteprios natildeo-cristatildeos parecem fomentar esta ideia de separaccedilatildeo eacutetnica Isso pode ser visto

com realce atraveacutes do relato de outra figura Patriacutestica de destaque o qual torna-se o personagem

central de nosso exame a partir deste ponto

A partir do Seacuteculo II haveraacute inuacutemeras contribuiccedilotildees para a histoacuteria da teologia Em

primeiro lugar na figura de Tertuliano por ser considerado o ldquofundador da tradiccedilatildeo teoloacutegica

ocidentalrdquo218 Entretanto referente ao tema em destaque Tertuliano em sua obra Agraves Naccedilotildees (Ad

nationes) ndash tambeacutem traduzida por Aos Pagatildeos ndash apresenta no capiacutetulo VIII do I livro uma

213 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

214 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 16

215 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

216 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 17

217 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240

218 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 42

55

relevante informaccedilatildeo a respeito de nosso assunto pois atraveacutes de uma genuiacutena accedilatildeo apologeacutetica

passa a informar algo que estava sendo apregoado sobre os cristatildeos Ele menciona que alguns

ldquoCertamente dizem que somos a terceira raccedila dos homensrdquo219 Jaacute de iniacutecio torna-se simples

devido ao desenvolvimento do texto conceituar a definiccedilatildeo (ldquoterceira raccedilardquo) citada por

Tertuliano pois de maneira peculiar sua ironia consegue descrever com exatidatildeo sua intenccedilatildeo

e o que ele escreve a seguir acaba por orientar seu entendimento e interesse argumentativo Ele

diz ldquoDe que maneira Uma raccedila com cara de cachorro Ou uma que possui apenas um enorme

peacute Ou algum Antiacutepoda subterracircneordquo220

Obviamente Tertuliano natildeo tinha em mente elaborar uma refutaccedilatildeo que viesse a

discutir questotildees bioloacutegicas ou antropoloacutegicas referentes agraves pessoas que estavam sendo

atingidas por essa pecha de ordem etnorracial Seu estilo quase sarcaacutestico demonstra que na

verdade sua indignaccedilatildeo frente agraves agressotildees lanccediladas aos irmatildeos da feacute que eram protagonizadas

pelas perseguiccedilotildees oferecidas pelos descrentes e das quais ele era uma literal testemunha o

compeliam a reagir em sua defesa ldquoTenham cautela no entanto pois aqueles a quem vocecircs

chamam de terceira raccedila devem obter o primeiro lugar uma vez que natildeo haacute certamente naccedilatildeo

que natildeo seja cristatilderdquo221

Tertuliano ainda em sua fase Apologista222 procura nos apresentar uma descriccedilatildeo

pejorativa (ldquoterceira raccedilardquo) dos pagatildeos como absolutamente preconceituosa e totalmente

intolerante pois esta visa tatildeo somente implementar ldquoacusaccedilotildees contra os cristatildeosrdquo223 buscando

unicamente denigrir sua religiatildeo natildeo possuindo nenhuma ligaccedilatildeo especiacutefica com as relaccedilotildees

eacutetnicas eou nacionais destas pessoas Sobre este prisma o proacuteprio Tertuliano afirma ldquoMas eacute

no sentido de religiatildeo e natildeo de naccedilatildeo que somos tidos como a terceira raccedila Pela ordem os

romanos os judeus e por uacuteltimo os cristatildeosrdquo224 No decorrer do texto225 fica-nos ainda mais

evidente que esta tentativa de uma diferenciaccedilatildeo humana natildeo corresponde a dados bioloacutegicos e

antropoloacutegicos pois visa promover unicamente uma desqualificaccedilatildeo da crenccedila do grupo ao qual

ataca (cristatildeos) independentemente de suas origens eacutetnicas

219 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

220 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

221 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9

222 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

223 LEAL In Tertuliano Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1577

224 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

225 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9-11

56

Deste modo assimilando os variados dados relacionados nesta construccedilatildeo

fenomenoloacutegica vemos que independentemente do meio (eclesiaacutestico ou secular) e da

temporalidade (periacuteodo biacuteblico ou patriacutestico) o sentido uniforme do conceito de ser cristatildeo

estava incondicionalmente ldquovinculado a um grupo com relaccedilotildees sociais distintas dos

demaisrdquo226 Aqui a reflexatildeo de Santos nos auxilia de forma significativa especialmente visando

o desenvolvimento restante deste capiacutetulo

Relaccedilotildees sociais estas que privilegiam os aspectos espirituais e morais Neste sentido

os cristatildeos podem ser entendidos como um povo particular com uma promessa

profeacutetica especificamente direcionada a eles Povo este que como vimos

anteriormente possui seu conjunto de crenccedilas um estilo de vida proacuteprio seus

siacutembolos sua interpretaccedilatildeo de mundo Tudo isto se traduz pela expressatildeo ldquonova vida

e os nossos ensinamentosrdquo utilizada por Justino (JUSTINO I Apologia III 3)227

Ao finalizarmos este item salientamos nossa intenccedilatildeo na proposta de agregar a esta

pesquisa a ideia de que para o cristianismo inicial como tambeacutem para seu meio social ndash onde

Justino necessariamente se enquadra ndash havia um conceito de identidade definido do que era ser

cristatildeo Cabe-nos agora complementaacute-lo Para isto propomos uma descriccedilatildeo de seu perfil

oposto ateacute mesmo antagocircnico para o periacuteodo ou seja descrevendo aquilo (ou aqueles) que na

visatildeo dos cristatildeos natildeo eram cristatildeos

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO

Em nossa proposta de pesquisa se faz indispensaacutevel conhecermos a visatildeo do meio

cristatildeo (eclesioloacutegica) a respeito daqueles que eram ao seu entendimento ndash pelo menos de

maneira preliminar ndash antagocircnicos agrave sua realidade existencial Obviamente este trabalho busca

ancorar-se ao pensamento de seu autor central Assim sendo Justino passa a nos ceder as bases

desse processo de incompatibilidade de grupos228 onde podemos sem exageros a partir de

Justino arquitetar um cenaacuterio que nos mostra eficientemente que este conceito evidenciado no

Apologista eacute oriundo da mensagem Apostoacutelica (Paulo) e Patriacutestica (Aristides) anteriores a ele

as quais parecem terem sido bem recebidas e definidas quanto a essa importante questatildeo

226 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 143

227 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

grifo nosso

228 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

57

etnograacutefica Percebemos isso com certa clareza quando ele diz que ldquoDeve-se saber que o

restante de todas as raccedilas humanas satildeo chamadas de naccedilotildees pelo Espiacuterito profeacutetico a casta dos

judeus e samaritanos poreacutem chama-se Israel e Casa de Jacoacuterdquo229

Nesta introduccedilatildeo ainda nos eacute possiacutevel descrever um conceito metafiacutesico a partir do

entendimento de Justino que era um filoacutesofo Utilizando-nos da objetivaccedilatildeo da identidade

(ethnos) cristatilde um modelo passa a se estabelecer nesta descriccedilatildeo e este modelo eacute que ldquotorna

uma entidade reconheciacutevelrdquo230 Assim este estado que passa a ser evidentemente concreto e

que estaacute constituiacutedo em uma forma de identificaccedilatildeo passa tambeacutem a possuir o seu oposto

definindo-se por meio de diversos exames tendo a partir disso haacute possibilidade de ser aceito

ou rejeitado por aquilo que lhe eacute diferente

Prosseguindo no desenvolvimento de nosso raciociacutenio comeccedilaremos a descrever

sinteticamente o ponto central a ser analisado nesta pesquisa Entendemos que a reflexatildeo que

recebemos a partir da oacutetica de Justino poder ser definida por meio de sua compreensatildeo do que

eacute a Verdade revelada para a humanidade Deste modo inicialmente nos cabe salientar que o

periacuteodo de tempo logo apoacutes o advento do cristianismo e sua consolidaccedilatildeo (informal para a

eacutepoca) como uma religiatildeo estabelecida em meio ao Impeacuterio Romano trouxe algumas

evidecircncias que caracterizavam e apontavam para a identificaccedilatildeo daqueles que eram seguidores

deste credo e ipso facto passava a distingui-los quase que de forma automaacutetica dos demais

seguidores de outras praacuteticas religiosas tais como o judaiacutesmo e os cultos politeiacutestas os quais

tambeacutem podem ser definidos no cenaacuterio imperial como ldquocultos estataisrdquo231 eou religiatildeo dos

povos gentios

Ainda neste espaccedilo nos eacute necessaacuterio salientar que a atribuiccedilatildeo religiosa como ponto

primaz na questatildeo orientativa dos que natildeo confessavam a feacute cristatilde eacute importante ou ateacute mesmo

necessaacuteria porque no referido periacuteodo natildeo se concebia a ideia de que as massas humanas ndash em

qualquer lugar independentemente de sua etnia ou nacionalidade ndash natildeo aderissem a uma forma

de crenccedila232 O pensamento de Santos qualifica esta ideia de contraste entre crenccedilas

Os cristatildeos precisavam ser diferentes dos judeus e dos demais povos para construiacuterem

uma identidade proacutepria ainda que algo dos dois fizesse parte de sua identidade E

mesmo esse algo teria uma leitura particular dentro do cristianismo Os siacutembolos

229 JUSTINO I Apologia LIII 4

230 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014 p 110

231 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 51

232 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

58

ainda que preservados natildeo teriam exatamente os mesmos significados Justino por

vezes ao apontar aquilo que os cristatildeos eram utiliza a comparaccedilatildeo Tal comparaccedilatildeo eacute

feita com base natildeo soacute naquilo que eacute semelhante nos grupos que ele considera natildeo-

cristatildeos mas principalmente nas suas diferenccedilas o que nos revela que no outro haacute

tanto pontos congruentes quanto incongruentes233

Desta forma a partir deste ponto falaremos a respeito dos dois respectivos grupos

humanos (em sentido eacutetnico e nacional) nos quais se estabeleciam a distinccedilatildeo e a divisatildeo

proposta por Justino em sua construccedilatildeo teoloacutegica

221 Os Judeus

Passando objetivamente a leitura da obra de Justino (I Apologia) constatamos com

razoaacutevel clareza a importacircncia dada pelo autor aquilo que corresponde diretamente ao povo

judeu este aspecto acaba por se tornar importantiacutessimo na elaboraccedilatildeo de nosso conceito pois

traz equiliacutebrio agrave orientaccedilatildeo que Justino propotildeem desenvolver como contrastante ao seu estado

de feacute e crenccedila Para Justino o povo eleito por Deus para receber as promessas diretrizes e

preceitos da Primeira Alianccedila acabou por se tornar uma espeacutecie de agente condutor e ateacute

mesmo catalisador de uma forma funcional do cumprimento das profecias descritas como

messiacircnicas234 Justino ao mencionar o Profeta Isaiacuteas e o Livro dos Salmos235 apresenta-nos esta

indicaccedilatildeo dizendo

Quando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de Cristo ele se expressa assim ldquoEu

estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz aos que andam por um

caminho que natildeo eacute bomrdquo E novamente ldquoEntreguei minhas costas aos accediloites e

minhas faces agraves bofetadas e natildeo afastei o meu rosto da vergonha das cuspidas E o

Senhor se tornou o meu auxiacutelio por isso eu natildeo fui confundido mas transformei o

meu rosto em rocha dura e soube que natildeo seria confundido pois estaacute perto aquele

que me justificardquo E o mesmo quando diz ldquoEles lanccedilaram sorte sobre as minhas

roupas e transpassaram as minhas matildeos e os meus peacutes mas eu adormeci e me

entreguei ao sono e ressuscitei porque o Senhor me protegeurdquo E outra vez quando

diz ldquoCochichavam com os seus laacutebios e balanccedilaram a cabeccedila dizendo Salve-se a si

mesmo Podeis comprovar que tudo isso cumpriu-se atraveacutes dos judeus em Cristordquo236

233 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

234 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

235 Acredita-se que os textos biacuteblicos usados por Justino segundo a versatildeo da Biacuteblia Grega (Septuaginta) satildeo Is

652 Is 506-8 Sl 2119 Sl 36 Sl 218-9 Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 27

236 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1-7

59

Nesta passagem da I Apologia onde jaacute nos deparamos com o exegeta Justino237 fica-

nos claro que na opiniatildeo deste os reconhecidos como natildeo-cristatildeos ndash particularmente tratando-

se do povo judeu e de sua religiatildeo ndash natildeo compreenderam o tempo de sua visitaccedilatildeo menos ainda

foram capazes de interpretar com eficiecircncia tudo aquilo que as profecias anunciavam a respeito

de seu Messias Esse processo ganha ainda mais ecircnfase quando o teor aplicado por Justino passa

a ser mediado atraveacutes do contexto entre os capiacutetulos XXXVI a XXXVIII onde o relato parece

sugerir um compecircndio baacutesico com ldquoregras de interpretaccedilatildeordquo238 do Apologista sobre as profecias

messiacircnicas Neste cenaacuterio eacute possiacutevel penetrar mais profundamente na realidade sugerida por

Justino os judeus natildeo obstante sua falta de discernimento tornaram-se por seu endurecimento

os proacuteprios algozes Daquele que veio libertaacute-los

Torna-se necessaacuterio dizer que a exegese aplicada por Justino natildeo se faz sem equiacutevocos

Alguns erros satildeo ateacute mesmo inocentes quando analisados agrave luz de elementos da ciecircncia biacuteblica

atual239 como por exemplo quando cita o texto do Salmo 2119 (segundo a Septuaginta) o

qual eacute amplamente interpretado pelos Evangelhos240 como uma accedilatildeo dos soldados romanos

junto ao relato da crucifixatildeo de Cristo e natildeo como um ato diretamente empregado pelo povo

judeu Entretanto Justino entende que os judeus natildeo apenas assumiram agrave culpa desse ato por

meio de seu embrutecimento mas principalmente por seu endurecimento o qual foi causado

originalmente por sua incredulidade (natildeo-assimilaccedilatildeo) para com a pessoa de Jesus Cristo na

opiniatildeo de Justino241 Deste modo parece natildeo permanecer nenhum constrangimento por parte

do Apologista em apontar aos judeus natildeo como meros colaboradores mas sim como os

grandes culpados pela morte de Cristo

Na verdade Davi rei e profeta que disse isso natildeo sofreu nada disso mas Jesus Cristo

estendeu as suas matildeos quando foi crucificado pelos judeus que o contradiziam e

falavam que ele natildeo era o Messias Com efeito como disse o profeta levaram-no

arrastando e fazendo-o sentar-se numa cadeira de juiz disseram-lhe ldquojulga-nosrdquo242

237 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

238 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 26

239 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

240 Ver Mateus 2633-38 Marcos 1522-24 Lucas 2333-34 Joatildeo 1923-24

241 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

242 JUSTINO I Apologia XXXV 6

60

Mesmo jaacute tendo sido identificado por noacutes de forma preacutevia cabe-nos ainda citar de

maneira mais precisa as pertinentes consideraccedilotildees que Justino faz referente ao natildeo

reconhecimento da pessoa de Jesus Cristo como o Messias prometido ao povonaccedilatildeo de Israel

por parte dos judeus O Apologista escreve ldquoNatildeo entendendo isso os judeus que satildeo aqueles

que possuem os Livros dos profetas natildeo soacute natildeo reconheceram a Cristo jaacute vindo mas tambeacutem

odeiam a noacutes que dizemos que ele de fato veio e mostramos que como fora profetizado foi

por eles crucificadordquo243

Aleacutem dessa notificaccedilatildeo exortativa referente aquilo que poderiacuteamos definir como uma

leitura do cenaacuterio sociorreligioso judaico (que no presente momento e tambeacutem anteriormente a

ele interagiu conflituosamente com os cristatildeos) devemos tambeacutem reconhecer outro aspecto que

este ambiente social nos aponta por meio da ldquoobservaccedilatildeo de Justino segundo a qual Bar

Kochba244 ameaccedilou judeus messiacircnicos com pesados castigos caso natildeo negassem que Jesus eacute

o Cristordquo245 estabelecendo deste modo haacute opiniatildeo de que os cristatildeos realmente eram um povo

que sofria historicamente ldquohostilidade dos judeusrdquo246 principalmente porque os cristatildeos deram

o devido valor agrave revelaccedilatildeo de Deus247

Por uacuteltimo neste cenaacuterio de nossa anaacutelise concentrada na opiniatildeo de Justino frente ao

status sociorreligioso judaico devemos ainda olhar com bastante atenccedilatildeo para uma passagem

da Escritura Sagrada relacionada a Primeira Alianccedila que nos eacute apresentada enfaticamente por

Justino em sua obra apologeacutetica O texto do capiacutetulo 65 verso 2 do Livro do profeta Isaiacuteas eacute

citado por trecircs vezes na I Apologia248 caracterizando mediante este fato repetitivo uma

significativa elucubraccedilatildeo por parte de Justino a esta porccedilatildeo da Escritura Nosso autor se

distingui ao comentar o Texto Sagrado dizendo ldquoQuando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de

Cristo ele se expressa assim lsquoEu estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz

aos que andam por um caminho que natildeo eacute bomrsquordquo249

Partamos de um ponto conceitual Na esfera racional de Justino o caso das ldquomatildeos

estarem estendidas a um povo increacutedulo e contestadorrdquo era um fato indubitaacutevel apresentado

atraveacutes de um ar enfaacutetico que apontava agrave suposta culpa que os judeus teriam na rejeiccedilatildeo do

243 JUSTINO I Apologia XXXVI 3

244 JUSTINO I Apologia XXXI 6

245 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 266

246 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 32

247 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

248 JUSTINO I Apologia XXXV 3 XXXVIII 1 XVIX 3

249 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1

61

verdadeiro Ungido de Deus solidificando deste modo de maneira inevitaacutevel sua compreensatildeo

de que os judeus ao natildeo reconhecerem o Messias ldquoperderam o direito hereditaacuterio a promessa

que passou para os cristatildeosrdquo250 Este conceito251 acaba por ficar ainda mais saliente em sua

obra Diaacutelogo com Trifatildeo252 detalhe que natildeo apontaremos aqui devido a nossa opccedilatildeo de

delimitaccedilatildeo textual

Por fim necessitamos condicionar nossa pesquisa a um resultado Entatildeo ratificamos

que em nosso entendimento fica claro que na transmissatildeo da ideia de Justino os judeus foram

rejeitados como naccedilatildeopovoldquoraccedilardquo por sua incredulidade mesmo que estes tenham sido

anteriormente escolhidos como os herdeiros das promessas de Deus De fato Justino afirma

ldquoEntatildeo eles se arrependeratildeo quando de nada mais lhes valeraacuterdquo253 Logo para Justino os judeus

natildeo eram mais a ldquoraccedilardquo eleita porque natildeo eram cristatildeos

Passamos agora ao outro grupo compreendido como natildeo-cristatildeo pelo conceito

etnograacutefico dos seguidores do cristianismo na eacutepoca de Justino os Gentios

222 Os Gentios

De imediato devemos propor um referencial orientativo visando essa construccedilatildeo e

uma afirmaccedilatildeo parece definir de maneira satisfatoacuteria esta questatildeo Igualmente agrave anaacutelise anterior

(para com os judeus) partimos de referenciais de caraacuteter sociorreligioso baseados em nosso

autor central poreacutem com a diferenciaccedilatildeo de que agora falamos de um campo muito mais

abrangente a ser examinado pois os ldquogentiosrdquo254 (segundo o Apoacutestolo Paulo) ldquoos caldeus os

gregos e os egiacutepciosrdquo255 (segundo Aristides) e ldquoos romanosrdquo256 (segundo Tertuliano) formam

esse novo e amplo grupo que tambeacutem se caracteriza religiosamente em contraste tanto com

cristatildeos quanto com os judeus que haviam rejeitado o seu Messias

Todo esse enorme contingente religioso se distinguia por sua diversidade Nesta

multiplicidade surgia uma variedade imensa de divindades uma para cada gosto eou prazer

250 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

251 Segundo Insuelas as duas primeiras Apologias satildeo escritas ldquocontrardquo os pagatildeos jaacute o Diaacutelogo com Trifatildeo eacute

escrito ldquocontrardquo os judeus Neles Justino pretende provar que Jesus Cristo eacute o Messias e que a sua religiatildeo eacute a

verdadeira Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 54

252 Ver JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo CVIII 1-3

253 JUSTINO I Apologia LII 9

254 Ver 1 Coriacutentios 1032

255 ARISTIDES Apologia II XIV e XV

256 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

62

com as quais estes devotos procuravam cobrir suas necessidades e as exigecircncias de culto em

seus dias257 Esta praacutetica reconhecida como politeiacutesmo envolve a coletividade humana desde

seus primoacuterdios258 No entanto para Justino quem seriam as pessoas que adoravam essa

imensidatildeo de outros deuses

Inicialmente afirmamos que os participantesocupantes desse distinto grupo

indiscutivelmente se diferenciavam dos judeus natildeo apenas por sua religiatildeo mas tambeacutem por

questotildees que podem (e devem) ser descritas como eacutetnicas No caso anterior o judaiacutesmo (ou

podemos chamar de religiatildeo judaica) natildeo se desvinculava (nem atualmente se desvincula) da

etnia de origem semita (judeus) que ocupava massivamente a regiatildeo do moderno estado de

Israel Ateacute os dias de hoje os judeus ndash tambeacutem chamados de ldquoisraelitasrdquo (genericamente) ndash satildeo

definidos regularmente como ldquofieacuteisrdquo da religiatildeo judaica259 Em nosso caso de destaque os

agentes religiosos que formavam as fileiras das religiotildees politeiacutestas eram seres humanos

oriundos das mais variadas sociedades da eacutepoca de diversas culturas mas que assumiam o

chamado culto de origem mitoloacutegica difundido amplamente na cultura de origem greco-

romana260 na qual Justino tambeacutem havia vivido e sido criado261 e que havia se tornado em um

elemento poliacutetico que ldquoos romanos chamavam de pax deorumrdquo262

Estes adoradores de outros e variados deuses usualmente possuem outra designaccedilatildeo

tanto para Justino quanto no relato biacuteblico satildeo os gentios ndash termo geneacuterico que adotaremos a

partir de agora neste item para a identificaccedilatildeo desse grupo devido a sua abrangecircncia e

complexidade A pesquisa de Santos nos auxilia consideravelmente nesta definiccedilatildeo

O termo utilizado na Biacuteblia hebraica para gentio eacute gocircy (גוי) e tanto no texto grego do

Antigo Testamento (Septuaginta) quanto no Novo Testamento temos os termos

ethnos (εθνος) ou hellen (ελλην) Satildeo geralmente traduzidos como naccedilatildeo raccedila

gentes gentios Se estiver no singular podem se referir aos judeus (HARRIS 1998 p

251-252 DOUGLAS 1995 p 662 VINE 2002 p 673) De forma geral quando no

plural eles se referem aos outros povos que natildeo os judeus e no caso mais

especificamente cristatildeo denotam natildeo soacute os natildeo-judeus mas podem se referir agravequeles

gentios que se converteram ao cristianismo ldquoOs quais pela minha vida expuseram as

257 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010

258 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

259 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

260 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

261 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998

262 CORNELL MATTHEWS A Civilizaccedilatildeo Romana 2008 p 94

63

suas cabeccedilas o que natildeo soacute eu lhes agradeccedilo mas tambeacutem todas as igrejas dos gentiosrdquo

(Romanos 164)263

Justino natildeo apenas se utiliza dessa terminologia com desenvoltura mas tambeacutem se

serve de outros termos que designam este grupo de existecircncia gentiacutelica Encontramos citaccedilotildees

como ldquogente de todas as naccedilotildeesrdquo264 ldquogente de todas as raccedilasrdquo265 ldquohomens das naccedilotildeesrdquo266 ou

ldquoos povos das naccedilotildeesrdquo267 Ao analisarmos o contexto textual destas citaccedilotildees de Justino fica

evidente que o Apologista ao descrever estes trechos estaacute incondicionalmente se referindo ao

cumprimento das promessas messiacircnicas aos gentios Desta forma acaba por caracterizar (os

gentios) como os natildeo-judeus que estavam sem Cristo mas que iriam recebecirc-lo pela

proclamaccedilatildeo da mensagem evangeacutelica Drobner sugere que possivelmente Justino acreditava

que uma vez que os democircnios foram silenciados pela proclamaccedilatildeo da Verdade por meio da

mensagem da cruz ldquoos homens agora em todo o mundo se tornariam tementes a Deusrdquo268

Encontramos na I Apologia uma tendecircncia ndash pelo menos de maneira impliacutecita ndash de

apontar em menor nuacutemero elementos negativos eou pejorativos dos gentios e de suas praacuteticas

religiosas politeiacutestas Isso obviamente se comparados com agravequeles apresentados

volumosamente como prejuiacutezos trazidos eou deixados pelos judeus naquilo que se tratava da

revelaccedilatildeo de Deus em Jesus Cristo Tratando-se especificamente dessa questatildeo sociorreligiosa

que envolvia a religiatildeo judaica cabe-nos ressaltar com veemecircncia que em nossas afirmaccedilotildees

natildeo se estaacute buscando implicar de nenhuma maneira ou forma a Justino uma postura

antissemita269 pois sua polecircmica com os judeus ldquonada tem a ver com antissemitismo porque

natildeo se trata da raccedila mas da feacuterdquo270 Deste modo orientando-nos atraveacutes de dados da anaacutelise

historiograacutefica acreditamos que este fenocircmeno se baseou na tentativa de indicar com clareza

atribuiccedilotildees da histoacuteria da revelaccedilatildeo no fato de se contextualizar o relato salviacutefico de Deus para

263 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 147

264 JUSTINO I Apologia XXXII 3

265 JUSTINO I Apologia XXXII 4

266 JUSTINO I Apologia XXXI 7

267 JUSTINO I Apologia XLIX 1

268 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 84

269 Antissemita (anmiddottismiddotsemiddotmimiddotta) anti- + semita Adjetivo de dois gecircneros e substantivo de dois gecircneros Significa

Que ou quem se opotildee aos semitas e particularmente aos judeus Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa

Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgantissemitagt Acesso em 17 de jan de 2019

270 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

64

a humanidade pois o ldquoproacuteprio texto nos fornece um contexto Mas tambeacutem pelos enunciados

que evidenciam sua forccedila ilocucionaacuteriardquo271

Poreacutem entendemos ainda ser oportuno citar a Justino de forma direta mais uma vez

em nossa elaboraccedilatildeo sobre o conceito de definiccedilatildeo daqueles que natildeo satildeo cristatildeos para ele

Indiscutivelmente os gentios gozavam de uma pequena parcela de toleracircncia por parte de

Justino especialmente diante do testemunho das conversotildees ocorridas junto o mundo greco-

romano das quais ele mesmo era fruto Aleacutem disso em nossa construccedilatildeo conceitual outra vez

fica notoacuterio que nosso autor natildeo procura mascarar em nenhum momento sua dificuldade para

com a religiatildeo judaica272 O texto de Justino transparece isso com muita clareza

Ao contraacuterio (dos judeus) os gentios que nunca tinham ouvido falar dele ateacute que os

apoacutestolos tendo saiacutedo de Jerusaleacutem lhes contaram sua vida e lhes entregaram as

profecias cheios de alegria e de feacute renunciaram aos iacutedolos e se consagraram ao Deus

ingecircnito por meio de Cristo273

Contudo torna-se claro tambeacutem que na concepccedilatildeo de Justino o alcance dessa

conformidade do plano salviacutefico de Deus atraveacutes de Jesus Cristo para com os gentios seria

segundo o posicionamento de feacute desse grupo pois o teor e a objetividade para o

desenvolvimento da I Apologia provam o contraacuterio pois esta obra acabou sendo redigida

condicionalmente na tentativa de aplacar os acircnimos daqueles que perseguiam os cristatildeos de

forma injustificaacutevel sendo evidente no relato de ambas as Apologias de Justino que os

perseguidores eram majoritariamente formados de natildeo-cristatildeos de origem gentiacutelica Essa

evidecircncia conseguimos resgatar no proacuteprio relato do Apologista quando este comenta a

respeito da idolatria dos gentios enfatizando seu politeiacutesmo Nessa passagem sua penna eacute

categoacuterica e imperativa

E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o atribuiacutes a noacutes como

se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia como estamos livres

por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam nenhum dano ao

271 SANTOS amp GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

272 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

273 JUSTINO I Apologia XLIX 5 grifo nosso

65

contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda levantam falso

testemunho contra noacutes274

Finalizamos assim este item que visou especificar aquilo que se encontra aplicado na

explanaccedilatildeo do Apologista sobre o natildeo ser um cristatildeo Buscamos nesta explanaccedilatildeo uma espeacutecie

de caraacuteter identificativo aleacutem de termos procurado sinalizar para o oposto de cada caso

examinado distinguindo deste modo os grupos religiosos analisados atraveacutes de criteacuterios que

os contrastavam entre si e para com o objeto principal (cristianismo) pois notificamos que para

Justino como tambeacutem para a Igreja em sua eacutepoca judeus e gentios natildeo eram homens de outra

espeacutecie (em sentido bioloacutegico) mas natildeo sendo cristatildeos pertenciam necessariamente a outro

mundo um mundo natildeo-cristatildeo

A seguir trataremos de assuntos mais pontuais os quais podemos denominar de

ldquofactiacuteveisrdquo segundo a leitura de Justino para com a realidade que o cercava Esse conjunto de

fatos era polemizado de maneira constante (por meio de uma tentativa aguda de se diferenciar

proposiccedilotildees) pois possuiacutea uma importacircncia fundamental na definiccedilatildeo exigida para se

estabelecer a oposiccedilatildeo dos ldquomundosrdquo que apontamos

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM

E para que se torne evidente para voacutes vamos apresentar-vos a prova de que aquilo

que dizemos por tecirc-lo aprendido de Cristo e dos profetas que os precederam eacute a uacutenica

verdade e a mais antiga do que todos os escritores que existiram Natildeo pedimos que se

aceite a nossa doutrina por coincidir com eles mas porque dizemos a verdade275

A partir deste item apresentamos uma anaacutelise de meios e de casos os quais

entendemos serem absolutamente necessaacuterios para uma resposta realmente qualificada visando

uma conclusatildeo satisfatoacuteria desta pesquisa Neste processo que inicialmente abarcou de maneira

histoacuterica a estruturaccedilatildeo e funcionalidade de um ambiente confessional acabou por se

caracterizar cada vez mais atraveacutes de um distinto cenaacuterio sociorreligioso em seu tempo Nessa

verificaccedilatildeo de costumes do comportamento humano na esfera religiosa percebemos com certa

facilidade o profundo impacto ndash especialmente no acircmbito da eacuteticamoral ndash que o cristianismo

proporcionou ao apresentar-se ldquocomo a revoluccedilatildeo mais radical que a humanidade jaacute tinha

274 JUSTINO I Apologia XXVII 5

275 JUSTINO I Apologia XXIII 1 grifo nosso

66

realizadordquo276 Desta forma organizamos uma detalhada abordagem dessa conjuntura de caraacuteter

social na esfera religiosa a qual vamos descrever a seguir procurando direcionar de maneira

objetiva nossos apontamentos para dentro da soluccedilatildeo de nosso problema jaacute anteriormente

especificado e deste modo comeccedilarmos a indicar uma resposta plausiacutevel para o conceito do

que seria a Verdade redigida e sustentada por Justino

Importante para nossa sequecircncia de trabalho eacute procurarmos estabilizar desde cedo a

compreensatildeo de que esta elaboraccedilatildeo de caraacuteter eacutetico-moral natildeo visa ser pormenorizada tatildeo

pouco exaustiva pois acreditamos que isto nem mesmo seria possiacutevel diante da abrangecircncia a

qual o termo Verdade poderia alcanccedilar em um exame epistemoloacutegico mais aprofundado

Particularmente tratando-se de nosso caso em especial um agravante ainda se coloca isso

devido nossa palavra-chave nem mesmo ser aplicada como um simples substantivo por parte

do autor pois recebe por parte de Justino uma abrangecircncia axiomaacutetica muito singular somente

compreendida em seu contexto mais amplo (realidade sociorreligiosa)

Entretanto partimos da necessidade de nos orientarmos por meio de definiccedilotildees

provenientes das afirmaccedilotildees do proacuteprio Justino Diante da realidade sociorreligiosa ndash tambeacutem

pode-se classificaacute-la como cultural dependendo dos criteacuterios propostos ndash que cercava e

envolvia o Apologista (no periacuteodo de redaccedilatildeo da I Apologia) estava necessariamente instituiacuteda

uma forma de cerceamento agraves suas convicccedilotildees religiosas Sem restriccedilotildees podemos nos utilizar

de uma espeacutecie de pleonasmo ao dizermos que Justino ndash ldquose justificardquo ndash constantemente por

meio de um paralelo dialeacutetico que de maneira exata acaba por condicionar-se como loacutegico

pois o Apologista busca apresentar uma ldquoperfeita lealdade dos seus processosrdquo277 racionais em

toda a sua narrativa As contribuiccedilotildees oriundas da predominante linha filosoacutefica a qual Justino

aderiu em sua jornada na busca pela Verdade manifestam-se de forma niacutetida em sua construccedilatildeo

apofacircntica Esse meacutetodo se clarifica na abordagem de Chauiacute

A dialeacutetica platocircnica eacute um procedimento intelectual e linguiacutestico que parte de alguma

coisa que deve ser separada ou dividida em dois ou duas partes contraacuterias ou opostas

de modo que se conheccedila sua contradiccedilatildeo e se possa determinar qual dos contraacuterios eacute

verdadeiro e qual eacute falso278

276 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 44

277 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

278 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 181

67

Deste modo Justino explanou suas conclusotildees de maneira categoacuterica por meio da

aplicaccedilatildeo de um meacutetodo que visava eliminar contradiccedilotildees essenciais daquilo que estava sendo

examinado279 Aparentemente o Apologista acreditava que algo de caraacuteter indivisiacutevel no

sentido de ser inquestionaacutevel poderia ser alcanccedilado mediante suas confrontaccedilotildees mesmo que

Justino afirmasse ser imprescindiacutevel ter que haver feacute em Jesus Cristo para tais fins elemento

(feacute) que era reconhecidamente ausente em seus opositores algo que no final parece desiquilibrar

a loacutegica da teoria de Justino Neste espaccedilo ainda nos eacute necessaacuterio dizer que nosso autor se

baseava fortemente em indicaccedilotildees de cunho comparativo e histoacuterico (a niacutevel de suas convicccedilotildees

religiosas) para defender suas comparaccedilotildees280 Neste item jaacute detectamos fortemente o ser

ldquofiloacutesofordquo em Justino realidade que abordaremos mais detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo

Essa base filosoacutefica que acabamos de citar iraacute orientar o ministeacuterio de Justino no

decorrer de sua construccedilatildeo teoloacutegica e quanto a essa filosofia devemos sem constrangimento

atrelaacute-la agravequilo que acabou por se tornar o estilo literaacuterio preponderante em seus trabalhos

Estes se caracterizaram pela presenccedila de um forte teor (dispositivo) apologeacutetico possibilitando-

nos a partir da anaacutelise historiograacutefica281 afirmar que uma vez que os filoacutesofos (do periacuteodo de

Justino) receberam a feacute em Cristo estes podem defender a Verdade pois passam a possuir a

ldquoconsciecircncia da razatildeo filosoacutefica que nela estaacute contidardquo282

Desta forma seguindo uma postura assumidamente analiacutetica Justino passa a arquitetar

seu plano argumentativo utilizando-se de uma clara confrontaccedilatildeo de fatos em vista de alcanccedilar

o resultado desejado Mesmo sem ser um empirista ndash sistema filosoacutefico totalmente distante

cronologicamente de Justino ndash eacute impossiacutevel natildeo se detectar um apego por parte do Apologista

para com um meacutetodo de exame que venha a conferir com afinco a experiecircncia do uso dos

sentidos humanos como o meio para agrave origem e geraccedilatildeo do conhecimento Com isso mais um

detalhe pertinente segundo a nossa compreensatildeo vem a surgir nesta anaacutelise pois conseguimos

detectar com certa facilidade que Justino vincula os fatos registrados de sua feacute na rotina humana

presente efetivamente em seu contexto o que vem a somar para a caracterizaccedilatildeo de uma postura

que na praacutetica eacute empirista283

279 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

280 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

281 Ver SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 185-186

282 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

283 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

68

231 Um Princiacutepio Teologal

Seguindo o que acabamos de apontar apresentaremos uma posiccedilatildeo de ordem factiacutevel

da parte de Justino passando a citar elementos que em nosso entendimento estabelecem as

provas desenvolvidas pelo Apologista em seu relato de defesa dos cristatildeos Retrataremos dois

contextos em que Justino apresenta sua iniciativa de modo contundente na busca de seus

objetivos O primeiro cenaacuterio se desenvolve apoacutes o autor terminar uma ilustre analogia entre

ldquodoutrinas estoicas e cristatildesrdquo284

A primeira prova eacute que quando dizemos tais coisas aos gregos somos os uacutenicos a

serem odiados pelo nome de Cristo e nos tiram a vida sem termos cometido crime

algum como se focircssemos pecadores E tendes alguns aqui e outros ali que cultuam

aacutervores rios ratos gatos crocodilos e uma multidatildeo de animais irracionais O

interessante eacute que nem todos cultuam os mesmos mas uns satildeo honrados num lugar

outros em outro de modo que todos satildeo iacutempios entre si por natildeo ter a mesma religiatildeo

Esta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que

voacutes e natildeo oferecemos libaccedilotildees e gorduras aos mortos natildeo colocamos coroas nos

sepulcros nem celebramos sacrifiacutecios sobre eles No entanto sabeis perfeitamente

que os mesmos animais por alguns satildeo considerados deuses por outros feras e por

outras viacutetimas para sacrifiacutecios285

A partir desta descriccedilatildeo passamos definitivamente a exposiccedilatildeo dos fatos que satildeo

contrastantes entre a praacutetica da feacute cristatilde e a ordem dos acontecimentos estabelecida nas

ocorrecircncias do meio secular ao redor da Igreja de Cristo isto porque o centro da coletividade

cristatilde (Assembleia Santa) era o que melhor distinguia exteriormente essa separaccedilatildeo

existencial286 A ecircnfase de Justino aplicada agrave realidade sociorreligiosa de seu tempo nos impotildee

a necessidade de uma adaptaccedilatildeo por meio de um delineamento de ordem temaacutetica isso devido

agrave diversidade de assuntos aos quais poderiacuteamos enfocar nesse exame pois a ldquoformalidade da

religiatildeo (pagatilde) manifestava-se de maneira diversardquo287 nos variados ciacuterculos sociais do mundo

greco-romano

O texto de Justino que estaacute depositado em uma genuiacutena literatura de estilo apologeacutetico

acaba ateacute mesmo por ganhar ares enfaticamente polemistas mesmo que esta definiccedilatildeo literaacuteria

do meio Patriacutestico seraacute apenas regulada sobre um escritor apologista a partir da figura de

284 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 8

285 JUSTINO I Apologia XXIV 1-3

286 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

287 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 20 grifo nosso

69

Tertuliano288 Isso porque a objetividade empregada por Justino natildeo visava unicamente

solicitar toleracircncia em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde mas tambeacutem evidenciar de forma categoacuterica direta e

especiacutefica uma superioridade do culto cristatildeo sobre as religiotildees pagatildes289

Deste modo de forma essencial entendemos que para uma melhor compreensatildeo do

contexto sugerido se faz necessaacuterio fracionaacute-lo Poreacutem devido agraves vaacuterias possibilidades de

argumentaccedilatildeo que a porccedilatildeo apresentada nos oferece decidimos concentrar nosso exame em

trecircs toacutepicos orientativos atraveacutes dos quais acreditamos ser possiacutevel desenvolver o escopo que

desejamos estes se condicionam a falta de valores absolutos a praacutetica da idolatria (na

concepccedilatildeo cristatilde) e as variaccedilotildees dos atos cuacutelticos que envolviam tal praacutetica mesmo que ambos

os casos apontados venham a se mesclar no seguimento de nosso relato textual devido sua

estreita relaccedilatildeo ldquosimbioacuteticardquo Os trecircs pontos nos conduzem de forma natural a uma reflexatildeo

historiograacutefica em torno do periacuteodo dos Seacuteculos I e II dC visando deste modo uma maior

clarificaccedilatildeo dos fatos que procuramos distinguir

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista

Iniciamos a nossa estruturaccedilatildeo apresentando um registro que descreve esse cenaacuterio

cuacuteltico pagatildeo o qual estaacute disponibilizado no texto da Escritura Sagrada Aproximadamente

100 anos antes290 desse registro de Justino o Apoacutestolo Paulo jaacute censurava enfaticamente a

mesma praacutetica religiosa que natildeo estranhamente estava vigorando na cultura social ateacute os dias

de Justino Quando o Apologista acusa seus oponentes de adorarem uma variedade

(pluralidade) de seres criados (ou a natureza) abre-se um paralelismo com o texto biacuteblico que

diz ldquoInculcando-se por saacutebios tornaram-se loucos e mudaram a gloacuteria do Deus incorruptiacutevel

em semelhanccedila da imagem de homem corruptiacutevel bem como de aves quadruacutepedes e repteisrdquo

(Romanos 122-23)

Justino argumenta sobre este cenaacuterio afirmando que o status de honra a estas diversas

ldquodivindadesrdquo passava por variaccedilotildees ndash ou ateacute mesmo vacilaccedilotildees ndash natildeo possuindo nenhum teor

de algo que poderiacuteamos afirmar como ldquoabsolutordquo Justino fortemente tambeacutem salienta que o

simples fator geograacutefico eacute capaz de destituir este aspecto de adoraccedilatildeo realidades

(contingenciais) que acabam por confrontar-se com o credo cristatildeo que jaacute possui seu conceito

bem estabilizado nos dias Justino Nisto nos auxilia o texto da Didaqueacute (possivelmente

288 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

289 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

290 GREATHOUSE In A Epiacutestola aos Romanos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

70

redigido no final do Seacuteculo I291) o qual confessa que ldquoTu Senhor Todo-poderoso criaste todas

as coisas por causa do teu Nomerdquo292 solidificando desde muito cedo o princiacutepio que mais

tarde293 seria absolutamente consolidado no Credo Apostoacutelico que iraacute reproduzir conteuacutedo

idecircntico ao afirmar ldquoCreio em Deus Pai todo-poderoso Criador do ceacuteu e da terrardquo294

Deste modo a nova feacute em curso concebia desde seus primoacuterdios um uacutenico ser todo-

poderoso que natildeo pode nem mesmo estaacute sensiacutevel a sofrer as variantes temporais descritas por

Justino Aleacutem disso o Apologista nos apresenta uma variaccedilatildeo de grau que poderiacuteamos definir

como ldquocaoacuteticardquo para uma postura humana em sua relaccedilatildeo com estes ldquoobjetosrdquo de culto pois

cita como premissa que o mesmo ldquoobjetordquo tem determinada condiccedilatildeo de qualidade superior

para alguns mas torna-se trivial e comum para outros295 algo impossiacutevel de ser adaptado ao

elemento divino do culto cristatildeo

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria

O outro ponto que desejamos destacar se aplica sobre a afirmaccedilatildeo de Justino ao dizer

ldquoEsta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que voacutesrdquo296

A enfaacutetica argumentaccedilatildeo de Justino salienta a natildeo participaccedilatildeo dos cristatildeos nas atividades

religiosas dos ciacuterculos sociais aos quais pertenciam Estas atividades que eram implementadas

pelo mito popular297 e pelas classes poliacuteticas controladoras298 acabavam por definir-se como

os ritos religiosos ldquooficiaisrdquo ndash aceitos permitidos e em alguns casos tolerados pelas

autoridades ndash no Impeacuterio Romano299 O culto aos diversos deuses e ao imperador romano

caracterizam bem esta diversidade mitoloacutegica300 Assim passamos para um fato literaacuterio que

em nosso entendimento fomenta bem essa ideia estruturada na realidade humana que

desejamos retratar O escrito a seguir de autoria de Pliacutenio o Velho produzido possivelmente

291 STORNIOLO BALANCIN In Introduccedilatildeo DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as

comunidades de hoje 2010 p 3

292 DIDAQUEacute X 3

293 SCHAFF The creeds of Christendom with a history and critical notes 1966

294 CREDO APOSTOacuteLICO 1ordm artigo (da criaccedilatildeo)

295 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89-90

296 JUSTINO I Apologia XXIV 2

297 Ver KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983 p 91-97

298 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

299 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

300 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993

71

em torno do ano 77 da era cristatilde301 nos expotildee por meio de um registro de tipo naturalista a

seguinte observaccedilatildeo quanto algumas praacuteticas ritualiacutesticas comuns ao cenaacuterio sociorreligioso de

entatildeo Pliacutenio assim escreve

Sacrificar animais sem oraccedilotildees natildeo funciona aparentemente nem produz a correta

relaccedilatildeo ritual com os deuses As foacutermulas variam uma para conseguir um bom

agouro uma segunda para evitar o mau agouro e uma terceira para cultuar as

divindades [] Ao usarmos as preces costumeiras nesse ritual admitimos a eficaacutecia

dessas foacutermulas comprovadas pela experiecircncia de 830 anos302

Cabe-nos dizer que Pliacutenio estava simplesmente retratando de maneira descritiva os

processos de ordem religiosa no meio social que estava inserido poreacutem o contexto claramente

nos sugere que Pliacutenio tambeacutem buscava salientar a ldquoimportacircncia do respeito agraves formalidades na

religiatildeo do Estadordquo303 Natildeo podemos esquecer que Pliacutenio como oficial e administrador romano

esteve inserido em diversas regiotildees do Impeacuterio304 o que nos possibilita afirmar que o registro

estaacute baseado em um amplo e avultado conteuacutedo experiencial e que portanto seu relato estaacute

condicionado a ser classificado como um ldquocaso geneacutericordquo de praacuteticas cuacutelticas das regiotildees

influenciadas pela cultura greco-romana

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo

Uma praacutetica que era corrente nos tempos de Justino e jaacute antes dele era o de definir os

cristatildeos ldquocomo culpados do crime de ateiacutesmordquo305 A natildeo-aderecircncia dos cristatildeos a essas praacuteticas

religiosas pagatildes eram vistas e entendidas por alguns (elite social)306 como atos de

irracionalidade mas principalmente eram interpretadas pelos pagatildeos (de forma geral) como

301 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

302 PLIacuteNIO Histoacuteria Natural XXVIII 10-12 No original Sacrificar animales sin oraciones no funciona

aparentemente ni produce la correcta relacioacuten ritual con los dioses Las foacutermulas variacutean una para conseguir un

buen aguumlero una segunda para evitar el mal aguumlero y una tercera para cultuar a las divinidades [] Al usar las

oraciones acostumbradas en ese ritual admitimos la eficacia de esas foacutermulas comprobadas por la experiencia de

830 antildeos

303 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 17 grifo nosso

304 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

305 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004 p 100

306 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004

72

accedilotildees que manifestavam uma evidente incredulidade307 ndash ou seja uma atitude de profundo

desrespeito ndash por parte dos cristatildeos agravequilo que era considerado como divino De ordem jaacute muito

habitual eram as acusaccedilotildees deste tipo junto agrave cultura greco-romana pois jaacute na antiguidade

algumas figuras de destaque como Soacutecrates foram alvos desse tipo de defraudaccedilatildeo

considerado de ordem moral para o periacuteodo

Voltemos ao caso de Soacutecrates pois este foi julgado aproximadamente 550 anos

antes308 de Justino escrever sua I Apologia vindo a receber por parte da parte de seus algozes

acusaccedilotildees de mesma ordem as quais os cristatildeos agora similarmente sofriam tal como Soacutecrates

que ldquodescobriu o embuste dos democircnios e os convidou (demais seres humanos) a procurar o

verdadeiro Deus por isso ele teve de morrer como maacutertirrdquo309 Justino cita-nos o fato dizendo

Quando Soacutecrates com raciociacutenio verdadeiro e investigando as coisas tentou

esclarecer tudo isso e afastar os homens dos democircnios estes conseguiram por meio

de homens que se comprazem na maldade que ele tambeacutem fosse executado como

ateu e iacutempio alegando que ele estava introduzindo novos democircnios Tentam fazer o

mesmo contra noacutes310

Entendemos que ainda se faz importante somar a estrutura dessa pesquisa o relato

redigido por Platatildeo referente ao processo de defesa e julgamento de seu mestre Nesse registro

apologeacutetico encontramos o diaacutelogo entre Soacutecrates e Ecircutrifron311 que comprova o fato juriacutedico

ocorrido na Greacutecia Antiga do qual citamos atraveacutes de Justino

Ecircutrifron ndash O que eu gostaria Soacutecrates mas receio que aconteccedila o contraacuterio Pois me

parece que ele simplesmente comeccedila por prejudicar a cidade pela lareira312 ao

tencionar fazer mal a vocecirc Mas me diga ele diz que vocecirc corrompe os jovens fazendo

o quecirc

307 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 84-86

308 Ver MALTA In Introduccedilatildeo Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

309 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 85 grifo nosso

310 JUSTINO I Apologia V 3 grifo nosso

311 Natildeo temos outras informaccedilotildees sobre Ecircutifron ndash um adivinho prognosticador conforme subtiacutetulo da obra ndash

aleacutem das que encontramos em Platatildeo Mas seu nome tinha um significado claro para os gregos ldquoo de espiacuterito

direto ou ortodoxordquo Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates 2008 p 25

312 A lareira (ou Heacutestia) representava enquanto fogo sagrado da cidade e de cada casa o princiacutepio da estabilidade

Com essa fala Ecircutifron deixa clara sua admiraccedilatildeo por Soacutecrates Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates

2008 p 27

73

Soacutecrates ndash Coisas estranhas admiraacutevel homem para se ouvir assim Pois diz que sou

fazedor de deuses e que por isso mesmo ndash por fazer novos deuses e natildeo crer nos

antigos ndash me denunciou conforme diz313

Ainda referente ao assunto ndash cristatildeos definidos como ateus e iacutempios pelos pagatildeos ndash

vale-nos destacar o ponto de vista de um historiador Santos contribui muito em nosso exame

que visa apontar fatos contrastante por meio de fenocircmenos de intoleracircncia religiosa ocorridos

no passado Santos afirma que as acusaccedilotildees de ateiacutesmo por parte dos pagatildeos tiveram uma

importante contribuiccedilatildeo junto agrave construccedilatildeo de uma ldquoidentidaderdquo cristatilde durante o periacuteodo do

Seacuteculo II314 Tratando-se pontualmente do que acabamos de mencionar Santos novamente

contribui favoravelmente a nossa construccedilatildeo quando diz

Justino continua explicando que como acusaram Soacutecrates de ateiacutesmo assim satildeo

acusados os cristatildeos por natildeo adorarem os deuses de Roma Em seguida ele apresenta

uma pequena profissatildeo de feacute com o objetivo de esclarecer que os cristatildeos natildeo satildeo

ateus pois ldquocultuamos e adoramosrdquo o Deus verdadeiriacutessimo o seu Filho os seus

exeacutercitos de anjos e o Espiacuterito profeacutetico (JUSTINO I Apologia VI 1 2) Vaacuterios

exemplos desta estrutura do desenvolvimento podem ser observados no decorrer da I

Apologia315

A variaccedilatildeo entre o caso de Soacutecrates e a realidade de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos reforccedila

as atribuiccedilotildees de Justino quanto a postura que este buscava assumir e automaticamente

diferenciar Quando aponta de maneira clara para o estabelecimento de um distanciamento

ldquosegurordquo entre as partes que na concepccedilatildeo do Apologista apresentam uma clara distinccedilatildeo de

culto No entanto Justino natildeo deixa de assumir a significativa importacircncia que as ldquoestruturasrdquo

de feacute representam como objeto para a estabilidade humana no sentido de gerar nessa

coletividade uma espeacutecie de harmonia que pode ser definida com o um termo moderno como

ldquoseguranccedila socialrdquo mas claro isso somente se faz possiacutevel devido agrave Justino assumir ser um

crente ndash afastando assim todas as acusaccedilotildees de ateiacutesmo ndash mas natildeo um idoacutelatra exercendo deste

modo (novamente por meio de sua tradicional ferramenta apologeacutetica) um consideraacutevel

apontamento para as diferenccedilas entre estes dois (ou mais) estados de crenccedila e culto Walde

313 PLATAtildeO Ecircutrifon (Sobre a piedade) 2

314 Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 Item

12 A apropriaccedilatildeo do estilo grego nos escritos e pregaccedilotildees p 31-38

315 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 p 108

grifo nosso

74

salienta bem esse enfoque comparativo que acabou por constituir uma espeacutecie de meacutetodo que

foi aplicado por Justino em sua verificaccedilatildeo entre as diferenccedilas que encontrou Desta forma

Walde resume seu entendimento

Parte do problema era uma maacute interpretaccedilatildeo da crenccedila cristatilde Por natildeo renderem culto

aos deuses gregos e romanos os cristatildeos eram chamados ateus Justino perguntou

como eles podiam ser ateus jaacute que eles rendiam culto ldquoao Deus verdadeirordquo Os

cristatildeos rendem culto ao Pai Filho e Espiacuterito Santo ele disse e ldquolhes datildeo homenagens

com razatildeo e verdaderdquo Justino tambeacutem apontou a inconsistecircncia dos governantes

romanos Alguns de seus proacuteprios filoacutesofos ensinaram que natildeo havia nenhum deus

mas eles natildeo os perseguiram soacute por terem o nome de filoacutesofos316

Aleacutem desses destaques de caraacuteter mais historiograacuteficos adquirimos atraveacutes do texto

biacuteblico o relato Apostoacutelico que certamente abarca os fatores que compotildeem a posiccedilatildeo de Justino

Este testemunho Sagrado retrata com esmero o que o autor de Atos dos Apoacutestolos buscava

comunicar ao seu status quo pois o discurso de Paulo em Atenas torna-se esclarecedor para o

fim de testificar o estado e o tipo da feacute que os cristatildeos confessavam Vemos nisso proposta uma

relocaccedilatildeo do ser humano em direccedilatildeo a nova concepccedilatildeo de se ser a geraccedilatildeo de Deus ndash atraveacutes

da nova criaccedilatildeo ndash pois os procedimentos dos cultos pagatildeos contrariavam os princiacutepios

fundamentais deste Deus absoluto uacutenico e consequentemente a isso verdadeiro na visatildeo de

Justino sendo absolutamente ldquotolice pensar que a divindade ndash lsquoo divinorsquo ou lsquodivinalrsquo ndash seria

semelhante agraves imagens de ouro ou de prata feitas pelos homensrdquo317 O Texto Sagrado

indiscutivelmente apresenta o caminho e o fundamento pelo qual Justino alcanccedilou e sustentava

suas convicccedilotildees

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe sendo ele Senhor do ceacuteu e da terra

natildeo habita em santuaacuterios feitos por matildeos humanas Nem eacute servido por matildeos humanas

como se de alguma coisa precisasse pois ele mesmo eacute quem a todos daacute vida

respiraccedilatildeo e tudo mais [] Sendo pois geraccedilatildeo de Deus natildeo devemos pensar que

a divindade eacute semelhante ao ouro agrave prata ou agrave pedra trabalhados pela arte e

imaginaccedilatildeo do homem (Atos dos Apoacutestolos 17242529)

Apoacutes discorrermos sobre o meacuterito da questatildeo dos disciacutepulos de Jesus Cristo serem ou

natildeo ateus e tambeacutem de abordarmos com uma finalidade dissertativa algumas caracteriacutesticas de

316 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 3 grifo nosso

317 EARLE In Livro dos Atos dos Apoacutestolos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 343

75

ordem cultual do meio pagatildeo seguiremos explorando algumas citaccedilotildees de Justino que se

apresentam de forma diversificada em sua tentativa de enfatizar um latente antagonismo entre

os grupos religiosos de seu tempo

232 Um Princiacutepio Determinista

Os capiacutetulos XXV e XXVI da I Apologia nos apresentam inuacutemeras variaccedilotildees desses

haacutebitos religiosos todos sentenciados por nosso autor como nefastos porque Justino sempre

buscava afirmar como ponto inicial de sua argumentaccedilatildeo a premissa de que seu grupo (cristatildeos)

se diferencia dos demais por natildeo possuir as mesmas praacuteticas Essas praacuteticas pagatildes de culto no

entendimento de Justino fossem exercidas de maneira ordinaacuteria ou extraordinaacuteria por seus

seguidores no final incontestavelmente seriam condenadas pois se manifestariam como obras

demoniacuteacas Isso ocorria porque alguns ldquodemocircnios levaram certos homensrdquo318 a praticaacute-las

para prejuiacutezo dos cristatildeos sendo estes por fim injustamente acusados de praacuteticas danosas

Euseacutebio ao comentar sobre o ministeacuterio de Justino retrataraacute este contexto de forma

simposiasta

Isto eacute demonstrado por Justino que se distinguiu em nossa doutrina natildeo muito tempo

depois dos apoacutestolos e de quem exporemos oportunamente o que seja conveniente

Em sua primeira Apologia dirigida a Antonino em favor de nossa feacute escreve como

segue ldquoE depois da ascensatildeo do Senhor ao ceacuteu os democircnios levaram alguns homens

a dizer que eram deuses e estes natildeo somente natildeo foram perseguidos por voacutes mas ateacute

foram considerados dignos de honrasrdquo319

Nos capiacutetulos XXIV-XXVI Justino nos retrata de maneira sintetizada diversas

caracteriacutesticas da religiatildeo gentiacutelica de sua eacutepoca Ateacute aqui natildeo encontramos nada de novo ou

ateacute mesmo excepcional neste tipo de relato mas o que nos chama a atenccedilatildeo neste

enquadramento analiacutetico sobre o qual estamos ponderando eacute a proporccedilatildeo temaacutetica que o

assunto ganha referente agrave sua futura fundamentaccedilatildeo literaacuteria Cabe-nos aqui atestar que Justino

se utiliza de trecircs elementos indicativos naquilo que procura apresentar como casos evidentes da

perseguiccedilatildeo social para com aqueles que se denominavam cristatildeos Justino atraveacutes de uma

espeacutecie de ldquolista numeradardquo320 notoriamente sinaliza uma sequecircncia de fases as quais

318 JUSTINO I Apologia XXVI 1

319 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2-3

320 Justino se utiliza dos termos gregos Πρωτον (Em primeiro lugar) no cap XXIV Δεύτερον (Em segundo lugar)

no cap XXV Τρίτον (Em terceiro lugar) no cap XXVI Sendo os vocaacutebulos empregados pelo autor na segunda

76

Frangiotti chama de ldquoProvasrdquo321 utilizadas pelo Apologista sendo que estes fatos em

perspectiva geral se apresentavam de maneira tenebrosa na visatildeo de Justino pois em sua

anaacutelise sustentavam-se sobre argumentos fraacutegeis duvidosos e absolutamente injustos

principalmente pelo fato dessas acusaccedilotildees possuiacuterem um caraacuteter preconceituoso fazendo

somente dos cristatildeos por princiacutepio legal as viacutetimas dessas regras estabelecidas

Neste breve conjunto propositivo encontramos um cenaacuterio real que passa a se

caracterizar por meio de uma descriccedilatildeo de fatos pujantes que ascendem ao nosso olhar atraveacutes

de uma linguagem conceitual Justino amparado por analogias literais passa mediante sua

construccedilatildeo da defesa da moral cristatilde322 a utilizar-se de accedilotildees dialeacuteticas as quais levam as

praacuteticas dos cultos pagatildeos a serem apontadas por Justino (especialmente no capiacutetulo XXV) e

tambeacutem examinadas de uma maneira imperativa mesmo que visando uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria

para o entendimento de seus leitores Essa praacutetica literaacuteria eacute algo normalmente detectado junto

ao trabalho de um pensador com caracteriacutesticas platocircnicas pois estes ldquodisciacutepulosrdquo de Platatildeo

atraveacutes de uma confrontaccedilatildeo de imagens contraditoacuterias visavam chegar a ideias idecircnticas e

assim uniformizar o pensamento humano323

Entretanto esta conformidade natildeo era possiacutevel na anaacutelise de Justino pois os fatos

(praacuteticas pagatildes) natildeo possuiacuteam a ldquoidentidaderdquo necessaacuteria para o Apologista muito pelo

contraacuterio eram absolutamente antagocircnicos e inquestionavelmente se definiam como espuacuterios

aos olhos dos cristatildeos quando ponderados diante da doutrina cristatilde estabelecida pela

transmissatildeo e edificaccedilatildeo Apostoacutelica Deste modo a separaccedilatildeo essencial proposta pelo

Apologista torna-se ainda mais clara se confrontada com o comentaacuterio de Euseacutebio ao capiacutetulo

XXVI da I Apologia O Historiador constroacutei uma consideraacutevel argumentaccedilatildeo sobre uma figura

humana denominado Menandro o qual sendo participante de atos miacutesticos recebeu de Euseacutebio

o cognome de ldquoMagordquo

Tambeacutem Justino ao mencionar Simatildeo pela mesma razatildeo acrescenta uma relaccedilatildeo

sobre este outro dizendo ldquoSabemos tambeacutem que um certo Menandro tambeacutem

samaritano oriundo da aldeia chamada Caparatea depois de ser disciacutepulo de Simatildeo e

estando tambeacutem possuiacutedo por democircnios apareceu em Antioquia e com sua arte

maacutegica seduziu a muitos E convenceu seus seguidores de que natildeo morreriam Hoje

declinaccedilatildeo do acusativo permitem em sua traduccedilatildeo o emprego tanto da preposiccedilatildeo ldquoemrdquo quanto do substantivo

ldquolugarrdquo condicionando desta forma uma indicaccedilatildeo de relaccedilatildeo e loacutegica em sua estrutura organizacional Ver

PAUTIGNY In Notes Apologies XXVI 1 XXV 1 XXVI 1

321 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 21

322 JUSTINO I Apologia XXV 1-3

323 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

77

restam alguns de sua seita que continuam a professaacute-lordquo Era sem duacutevida obra da

influecircncia diaboacutelica lanccedilar matildeo de tais feiticeiros revestidos do nome de cristatildeos para

esforccedilar-se em caluniar o grande misteacuterio de piedade acusando de magia e destruir

por meio deles os dogmas da Igreja sobre a imortalidade da alma e a ressurreiccedilatildeo dos

mortos Mas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedila324

Neste comentaacuterio histoacuterico notamos com clareza a relaccedilatildeo de contribuiccedilatildeo que

Euseacutebio visa estender ao confronto apologeacutetico pelo qual Justino havia passado Desta maneira

acaba por nos manifestar seu condicionamento a um fato que em sua concepccedilatildeo parece-nos

claramente a expressatildeo de um princiacutepio pelo qual faz emergir um compromisso ndash algo que nos

soa como uma necessidade moral ndash que possui um caraacuteter imperioso Euseacutebio nos relata sem

restriccedilotildees que as accedilotildees maleacutevolas praticadas pelo meio sociorreligioso pagatildeo do periacuteodo de

Justino tinham claramente o objetivo de ldquocaluniar o grande misteacuterio de piedade [] e destruir

por meio deles os dogmas da Igrejardquo325 constituindo deste modo a noccedilatildeo histoacuterica de que os

valores da feacute cristatilde eram a expressatildeo perfeita da Verdade tanto para Justino quanto para a Igreja

(representada historicamente no relato de Euseacutebio) Tratando-se quanto agrave Igreja nesta questatildeo

pontualmente Justino entendia que em seu curso natural a Igreja vivenciava naturalmente essa

relaccedilatildeo dialeacutetica fazendo com que as difamaccedilotildees consequentes da falsa religiatildeo manifestassem

que a Igreja era (e estava) Santa mesmo que sob o ataque e a tentativa de manipulaccedilatildeo dos

seres demoniacuteacos326

Sem entrarmos diretamente no meacuterito teoloacutegico destas afirmaccedilotildees mas buscando nos

direcionarmos para aquilo que nos cabe como exame pretendido neste trabalho ressaltamos

que o comportamento daqueles que buscavam defender a feacute cristatilde nos parece visar de forma

clara o estabelecimento de um padratildeo entre causa e efeito em suas anaacutelises O efeito do

procedimento daqueles que assumiram esta postura hereacutetica em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde eacute assim

definido por Euseacutebio ldquoMas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedilardquo327 Aqui encontramos um destaque consideraacutevel para esta pesquisa pois

podemos sustentar que Euseacutebio baseia sua argumentaccedilatildeo de maneira evidente na

intelectualidade de Justino Logo devemos novamente afirmar de maneira expressiva que tanto

para Justino quanto para Euseacutebio havia uma definiccedilatildeo consistente do que seria a Verdade como

324 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 3-4

325 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4

326 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

327 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4 grifo nosso

78

tambeacutem onde ela necessariamente estava eou se encontrava Aqui tambeacutem se caracterizava

um processo de objeccedilatildeo a Verdade sendo os registros historiograacutefico um peso consideraacutevel na

comprovaccedilatildeo deste caso

233 Um Princiacutepio de Pureza

Seguindo no tratado de Justino jaacute nos dirigindo ao segundo cenaacuterio de nossa anaacutelise

para este item apresentamos mais um relato de alccedilada histoacuterica que eacute proposto por nosso autor

Como nos temas anteriores este tambeacutem envolve primordialmente questotildees de foro social

poreacutem agora apontando precisamente para outras realidades do ambiente sociorreligioso que

envolvia a realidade de Justino Sendo assim a partir deste ponto iremos considerar o capiacutetulo

XXVII da I Apologia onde encontramos uma postura determinante por parte do Apologista

quanto a questotildees de ordem para com agrave conduta sexual humana Neste caso especiacutefico podemos

ateacute mesmo falar de um padratildeo de comportamento a ser adotado em detrimento de outro328

Tambeacutem devemos afirmar sem constrangimento que para Justino fazer figurar esta

exposiccedilatildeo era algo vaacutelido e ateacute mesmo fundamental para suas intenccedilotildees apologeacuteticas pois tudo

nos indica que ele natildeo apenas queria sinalizar uma conduta mas tambeacutem solidificaacute-la por meio

de um ordenamento ldquoA pureza da vida cristatilderdquo329 Entendemos que para uma melhor

compreensatildeo dessa questatildeo em especiacutefico se faz necessaacuterio uma leitura completa do registro

apologeacutetico de Justino quanto ao assunto Deste modo segue na integra o capiacutetulo XXVII da I

Apologia

Noacutes por outro lado a fim de natildeo cometer pecado ou impiedade professamos a

doutrina de que expor os receacutem-nascidos eacute obra de perversos Primeiro porque vemos

que quase todos vatildeo acabar na dissoluccedilatildeo natildeo soacute as meninas mas tambeacutem os

meninos Do mesmo modo como se conta que os antigos mantinham rebanhos de bois

cabras ovelhas ou cavalos de pasto assim se reuacutenem agora rebanhos de crianccedilas com

a uacutenica finalidade de usar torpemente delas e toda uma multidatildeo tanto de mulheres

como de androacuteginos e pervertidos estaacute preparada em cada proviacutencia para semelhante

abominaccedilatildeo Para isso recolheis taxas contribuiccedilotildees e tributos ao passo que o vosso

dever seria o de arrancaacute-las pela raiz do vosso impeacuterio Quando se abusa de tais seres

aleacutem de tratar de uma uniatildeo proacutepria de pessoas sem Deus iacutempia e torpe natildeo faltaraacute

quem se una conforme a circunstacircncia com um filho um parente ou um irmatildeo Haacute

tambeacutem aqueles que prostituem seus proacuteprios filhos e mulheres outros mutilam-se

publicamente para a torpeza e referem esses misteacuterios agrave matildee dos deuses Finalmente

em todos aqueles que considerais como deuses a serpente se pinta como siacutembolo e

grande misteacuterio E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o

atribuiacutes a noacutes como se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia

328 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

329 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

79

como estamos livres por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam

nenhum dano ao contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda

levantam falso testemunho contra noacutes330

O conteuacutedo exposto no capiacutetulo XXVII nos retrata uma condiccedilatildeo muito conflituosa

para os cristatildeos Graccedilas agrave sua praxis fidei eles chegaram a ser considerados ldquoinimigos do estado

e ateusrdquo331 A Igreja em sua fase primitiva teve em seu ldquoexerciacutecio de feacuterdquo a acusaccedilatildeo de se

envolver amplamente com a imoralidade de seu meio cultural332 No entanto a situaccedilatildeo que

Justino enfrentava em seus dias natildeo era mais proveniente de uma solene admoestaccedilatildeo

Apostoacutelica Pelo contraacuterio agora os cristatildeos passaram a ser vitimados por efeitos de um estado

opressor No passado estes pecados haviam afligido a Igreja de Cristo a ponto de suas praacuteticas

lituacutergicas serem ldquoconfundidasrdquo com as muitas facetas do rito religioso natildeo-cristatildeo vigente em

sua eacutepoca algo que Justino se interpocircs de forma vertiginosa Sem termos a intenccedilatildeo de produzir

necessariamente um apanhado histoacuterico-cultural (entenda-se de se comentar detalhadamente o

capiacutetulo citado) procuraremos a partir deste ponto estabelecer agrave saliecircncia que entendemos

haver entre as praacuteticas descritas no capiacutetulo XXVII pois a descriccedilatildeo elementar de Justino nos

leva a uma singular oposiccedilatildeo de valores e preceitos considerados por ele como fundamentais

A cultura greco-romana alicerccedilada e solidificada nas entranhas do Impeacuterio nos

demonstra uma coletividade de fatos os quais eram considerados inoacutespitos ao ldquoideaacuteriordquo cristatildeo

que se encontrava estruturado no rigor das comunidades do Seacuteculo II333 Obviamente alguns

desvios de conduta por parte dos fieacuteis ocorriam em meio agraves ldquoassembleiasrdquo cristatildes ateacute mesmo

com certa normalidade especialmente nos grandes centros urbanos334 Entretanto a proteccedilatildeo

da disciplina eclesiaacutestica ndash principalmente mediante a accedilatildeo Episcopal e dos rigores penitenciais

ndash conseguia estabelecer um ldquocontrolerdquo por meio da manutenccedilatildeo da autecircntica doutrina de

Cristo335

Neste cenaacuterio as diversas praacuteticas religiosas pagatildes atreladas ao sistema social de entatildeo

ndash as quais envolviam de maneira ampla e robusta a vida cotidiana dos suacuteditos de Roma em

330 JUSTINO I Apologia XXVII 1-5

331 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

332 Ver 1 Coriacutentios 5

333 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

334 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

335 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

80

suas mais variadas atuaccedilotildees familiar civil militar etc336 ndash apontavam de forma depreciativa

para o puacuteblico cristatildeo O cristianismo nesse momento cada vez mais inserido na realidade

social do Impeacuterio trazia o ldquofermento de um ideal superiorrdquo337 elaborado tanto no niacutevel

intelectual de seus praticantes quanto tambeacutem no de seus defraudadores Isso fazia com que a

feacute cristatilde acabasse por se distinguir de forma evidente dos diversos haacutebitos e costumes

considerados ordinaacuterios do sistema religioso natildeo-cristatildeo que estava sendo analisado e

apologeticamente combatido por Justino

Os cristatildeos eram acusados falsamente de cometerem torpezas sexuais em seus

encontros cultuais sendo que os cristatildeos nem de perto praticavam fornicaccedilatildeo adulteacuterio

mutilaccedilatildeo entre outros atos repugnantes338 que eram comuns na ldquoliturgiardquo cuacuteltica pagatilde Neste

cenaacuterio para Justino a pior consequecircncia ainda era a de que o Impeacuterio tolerava tais atos sem

nenhuma forma ativa de puniccedilatildeo a estes pois caso um respectivo modo de culto viesse a trazer

benefiacutecios poliacuteticos ao Impeacuterio o mesmo era tolerado sem se levar em conta sua origem ou

meacutetodos de celebraccedilatildeo por mais esdruacutexulos que fossem 339

Seguindo ainda nesta temaacutetica a I Apologia nos permite afirmar que a celeuma de

origem pagatilde que procurava acusar os cristatildeos de realizarem orgias canibalismo pedofilia e

diversos outros atos de torpeza em suas celebraccedilotildees natildeo passava de um plano difamatoacuterio que

infelizmente conseguiu se estabelecer em meio a uma realidade sociorreligiosa com

caracteriacutesticas muito preconceituosas pois mesmo sendo sincretista em sua essecircncia340 tal

sociedade natildeo soube ou natildeo quis reconhecer esse tipo de crenccedila religiosa341 Poreacutem cabe-nos

336 CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

337 LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V II Dalla fine

dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) 1972 p 619 No original fermento drsquoun ideale superiore

338 Ver DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio

Magno Petroacutepolis Vozes 1966 p 105-109

339 Algumas formas rituais de culto eram tatildeo bizarras que solapam mais do que qualquer outra coisa o estereoacutetipo

moderno dos romanos como convencionais e serenos Exemplo disso na festa da Lupercaacutelia em fevereiro homens

jovens corriam nus pela cidade accediloitando qualquer mulher que encontrassem pela frente (trata-se da mesma festa

recriada na cena de abertura da peccedila Juacutelio Ceacutesar de Shakespeare) Ver BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma

Antiga 2017 p 104

340 AYMARD AUBOYER Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da Unidade Romana (Fim) A Aacutesia

Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II 1994 p 64-65 CORNELL Tim MATTHEWS John

Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio 2008 p 97

341 Neste aspecto em particular o meio teoloacutegico diverge de posiccedilatildeo possivelmente devido a inclinaccedilatildeo do

pesquisador em ponderar aspectos filosoacuteficos eou ideoloacutegicos tanto do passado quanto do presente para a eacutepoca

(Seacuteculo II) em anaacutelise Por exemplo Meeks entende que as caracteriacutesticas da moralidade estabelecida entre os

cristatildeos jaacute possuiacuteam forte ascendecircncia em meio a setores da sociedade Romana em contraposiccedilatildeo Daniel-Rops

atesta que a moralidade de origem cristatilde constituiacuteda atraveacutes dos Seacuteculos I ao IV natildeo encontra antecedentes agrave altura

que possam ser considerados como paralelos realmente orientativos haacute esta Ver MEEKS As Origens da

Moralidade Cristatilde 1997 p 9-24 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240-242

81

ressaltar que Justino em seus tratados apologeacuteticos procurou incansavelmente defender seu

grupo como ldquoseres transformadosrdquo que abandonaram as praacuteticas repugnantes e agora satildeo

portadores (possuidores) de uma alta qualificaccedilatildeo moral Quanto a esse aspecto Walde afirma

Justino tambeacutem deu ecircnfase agrave casta conduta dos cristatildeos em resposta a acusaccedilotildees de

conduta imoral durante o culto Para mostrar como isso natildeo era verdade ele contou a

histoacuteria de um homem que foi perguntado por um cirurgiatildeo que o queria fazecirc-lo de

eunuco para provar que os cristatildeos natildeo praticam promiscuidade O pedido foi negado

porque o homem escolheu ficar solteiro e seguir seus companheiros cristatildeos342

Apoacutes utilizarmos desse exemplo de teor absolutamente imperativo ndash por sua estrutura

excecircntrica ateacute mesmo junto a um nicho de caraacuteter sociorreligioso considerado peculiar em

suas caracteriacutesticas Entendemos que ainda se faz necessaacuterio apresentar junto a essa discussatildeo

uma abordagem que compreenda a realidade que procuramos descrever Encontramos esse

complemento junto ao trabalho de Walde Este por meio de uma entrada que nos indica agrave leitura

de alguns fatos apresenta-nos uma das teacutecnicas utilizadas por Justino em sua construccedilatildeo

literaacuteria Walde reconhece que o Apologista ao mencionar a situaccedilatildeo religiosa de seu cotidiano

aborda de forma contundente o desgaste entre os praticantes da nova feacute (cristatildeos) e os

adoradores do ldquopanteatildeordquo (natildeo-cristatildeos) Os exemplos descritos por Walde satildeo similares aos

usados por Justino e esta similaridade nos leva novamente a concentrarmos nosso foco agrave uma

accedilatildeo comparativa de estados opostos entre si ou seja dialeacuteticos Sendo assim torna-se notoacuterio

desde o iniacutecio do trabalho de Walde a aplicaccedilatildeo de uma metodologia comparativa e a

diferenciaccedilatildeo de casos tornando-se uma espeacutecie de ldquoconclusatildeordquo definitiva para esse processo

Uma das taacuteticas apologeacuteticas de Justino era contrastar o que os cristatildeos eram

falsamente acusados e castigados com que os romanos faziam com impunidade Por

exemplo os cristatildeos eram acusados de matar crianccedilas em seus cultos e comecirc-las

depois Justino lembrava que os adoradores de Saturno se entregavam a matar e beber

sangue e outros pagatildeos que jogavam sangue de homens e animais em seus iacutedolos Os

cristatildeos eram acusados de imoralidade sexual mas eram seus criacuteticos Justino dizia

quem imitavam ldquoJuacutepiter e os outros deuses na sodomia e relaccedilotildees pecadoras com

mulheres343

342 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

343 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

82

Ao analisarmos o texto de Walde percebemos que este utiliza-se do verbo ldquocontrastarrdquo

em sentido intransitivo para salientar com bastante preponderacircncia uma forma calculada de

oposiccedilatildeo e apresentar uma literal contrariedade de estados em essecircncia Logo conseguimos

notar a diferenccedila entre estes Eacute impressionante aos nossos olhos a relaccedilatildeo que Walde estabelece

em seu trabalho sobre o termo Verdade (mesmo que indiretamente) sendo este vocaacutebulo

utilizado como habilitador de uma caracteriacutestica de cunho existencial que passa a ser

manifestada pelos cristatildeos Novamente citamos este teoacutelogo em nossa busca de clarificar ainda

mais essa base indicativa que para noacutes eacute entendida como uma evidecircncia concreta nesta

construccedilatildeo conceitual Walde diz ldquoEm primeiro lugar disse Justino os cristatildeos demonstravam

sua honestidade por natildeo mentir quando em julgamento Por serem pessoas da verdade eles

confessariam sua feacute ateacute a morte Eles amavam a verdade mais que a vidardquo344

Portanto Walde tem razatildeo em afirmar que a atitude ldquode viver segundo a verdade era

um exemplo de mudanccedila provocado nas vidas das pessoas seguindo sua conversatildeordquo345 Desta

forma compreendemos por meio de uma avaliaccedilatildeo baseada em medidas factiacuteveis que haacute

possibilidade de se ser cristatildeo na concepccedilatildeo de Justino ndash como tambeacutem na de Tertuliano

Euseacutebio Walde e outros ndash passava por um proceder de vida que designava com eloquecircncia

atributos de diferenciaccedilatildeo no contexto social ativo da cultura a qual esta pessoa estava inserida

Esta separaccedilatildeo de maneira simples e evidente se condicionava no testemunho de vida dos fieacuteis

na esfera puacuteblica Cabe-nos ainda neste contexto colocarmos a frase de Falls citada por Walde

este diz ldquoesta mudanccedila chegou a ser conhecida como lsquoa triunfal canccedilatildeo dos apologistasrsquordquo346

Encerramos aqui nosso desenvolvimento deste ponto distintivo referente agravequilo que

poderiacuteamos denominar de ldquodialeacutetica de Justinordquo Para isso utilizamos de um texto da I

Apologia no qual Justino enfatiza esta mudanccedila essencial entre as vidas humanas que

caracterizamos como cristatildeos e natildeo-cristatildeos Em seguida classificamos agrave realidade cristatilde

como algo superior atraveacutes do meacutetodo de comparaccedilatildeo que tanto utilizamos nesta seccedilatildeo

confrontando os opostos em uma relaccedilatildeo que atesta suas diferenccedilas as quais satildeo consideradas

por Justino como irreconciliaacuteveis

Antes noacutes nos compraziacuteamos na dissoluccedilatildeo agora abraccedilamos apenas a temperanccedila

antes nos entregaacutevamos agraves artes maacutegicas agora nos consagramos ao Deus bom e

ingecircnito antes amaacutevamos acima de tudo o dinheiro e as rendas de nossos bens

344 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

345 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

346 FALLS The Fathers of the Church 1948 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

83

agora colocamos em comum o que possuiacutemos e disso damos uma parte para todo

aquele que estaacute necessitado antes noacutes nos odiaacutevamos e nos mataacutevamos mutuamente

e natildeo compartilhaacutevamos o lar com aqueles que natildeo pertenciam agrave nossa raccedila pela

diferenccedila de costumes agora depois da apariccedilatildeo de Cristo vivemos todos juntos

rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem

injustamente a fim de que vivendo conforme os belos conselhos de Cristo tenham

boas esperanccedilas de alcanccedilar conosco os mesmos bens que esperamos de Deus

soberano de todas as coisas347

O objetivo deste capiacutetulo foi apresentar de modo sinteacutetico o conceito acerca dos

cristatildeos no periacuteodo do Seacuteculo II dC Tambeacutem arguimos com clareza sobre a tentativa de

clarificarmos a situaccedilatildeo daqueles que natildeo eram pertencentes a este grupo os quais procuramos

mediante a aplicaccedilatildeo de uma distinccedilatildeo elementar defini-los com o termo de natildeo-cristatildeos

poreacutem acima de tudo buscamos apresentar por meio de sinais constitutivos e fatos

historiograacuteficos348 quais eram os predicativos que formulavam esta definiccedilatildeo ou melhor

dizendo quais eram os qualificadores que definiam aqueles que eram seguidores da Verdade

na concepccedilatildeo de Justino e outros349

No proacuteximo capiacutetulo buscaremos vislumbrar o filoacutesofo Justino Apresentaremos um

conciso relato de sua histoacuteria na filosofia procurando abordar de maneira satisfatoacuteria quais

foram suas principais influecircncias dentro desse segmento Trabalharemos de forma especial na

tentativa de apontar qual foi a sua definiccedilatildeo sobre o uso da razatildeo para os planos salviacuteficos de

Deus para a humanidade sendo este em nosso entendimento mais um dos fatores determinantes

para a complementaridade de nosso exame sobre a definiccedilatildeo da Verdade junto a I Apologia de

Justino o Maacutertir

347 JUSTINO I Apologia XIV 2-3

348 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966

349 Danieacutelou e Marrou definem agrave Euseacutebio e Lactacircncio como apologistas de Constantino dando a entender que

uma poliacutetica de reeducaccedilatildeo na esfera sociorreligiosa do Impeacuterio Romano se desenvolveu mediante uma nova

abordagem dos fatos do passado no caso em especifico (I Apologia de Justino e seu cenaacuterio social) os imperadores

do passado deixaram de ser ldquoendeusadosrdquo passando a serem reconhecidos como tiranos e deacutespotas aos quais o

processo de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos tornou-se em um de seus principais atos de ignomiacutenia Ver DANIEacuteLOU

MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p 106

84

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra350

Partindo do capiacutetulo XXVIII da obra base de Justino para este trabalho eacute que

desenvolvemos o capiacutetulo III desta pesquisa no qual apresentamos um cenaacuterio diferenciado

sobre a figura humana de nosso autor O cristatildeo Justino o qual podemos registrar de forma

variaacutevel mediante seu ldquomeacutetierrdquo amplo estaacute classificado entre os Pais Apologistas elencado

como um seleto articulador da importante cidade de Roma catalogado como um dos mais

significativos maacutertires do Seacuteculo II mas tambeacutem estaacute sem nenhuma sombra para duacutevidas

definido nos compecircndios histoacutericos como um expressivo filoacutesofo do meio cristatildeo

Este aspecto pontual referente a intelectualidade de Justino por jaacute ter sido

consideravelmente explorado natildeo eacute mais uma novidade no meio acadecircmico351 no entanto esta

questatildeo ainda pode ser desenvolvida e ateacute mesmo arquitetada para fins que visam estabelecer

pontos de conexatildeo entre temas diversos os quais incluem o tema e agrave objetividade central

propostos para esta pesquisa

Podemos constatar por meio da anaacutelise do desenvolvimento da expressatildeo intelectual

de um filoacutesofo ou de uma escolalinha filosoacutefica uma ampla polissemia locucional e ateacute mesmo

perceber casos opostos quando ocorrem no estabelecimento de algumas propriedades termos

diferentes que evoluiacuteram para uma mesma fonologia construindo desta maneira tambeacutem casos

de homoniacutemia dentro da manifestaccedilatildeo filosoacutefica352 Deste modo torna-se possiacutevel ndash e ateacute

mesmo necessaacuterio ndash direcionar o caraacuteter conceitual contido em algumas expressotildees filosoacuteficas

quando estas satildeo analisadas visando estabelecer uma direccedilatildeo que busque esclarecer

determinado contexto ou cenaacuterio Assim por este meio podemos salientar que assaz entre noacutes

350 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4a grifo nosso

351 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27-32

352 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

85

fortes indiacutecios que Justino desenvolveu uma postura robustamente teoloacutegica mediante ter

formado sua tese atraveacutes da ldquodiversidade filosoacuteficardquo da qual era apreciador353

No caso de nosso trabalho em especiacutefico notamos a necessidade da integraccedilatildeo de

indicadores que nos orientem agrave amplitude da filosofia de Justino em nossa busca da definiccedilatildeo

da que era agrave Verdade para este Apologista Esta amplitude natildeo visa se desviar de modelos

tradicionais nem propriamente somar a eles mas antes disso entendemos ser necessaacuterio

rejeitar a ideia de que trabalhamos com um conceito formado precariamente sem um

fundamento soacutelido o qual poderiacuteamos considerar como um mero estereoacutetipo sem originalidade

Ao contraacuterio este modelo encontrado em Justino natildeo se baseia em preconceitos mas sim num

corpo intelectual de ldquotalento respeitaacutevel ampla leitura e memoacuteria enormerdquo354 algo que eacute notoacuterio

na literatura de Justino e exposto ateacute entatildeo com uma consideraacutevel parcela de originalidade355

Neste exposto algumas interrogaccedilotildees nos surgem especialmente quando tentamos

descrever (definir) o filoacutesofo Justino e sua contribuiccedilatildeo Aqui esboccedilamos alguns destes

questionamentos Quem era Justino o filoacutesofo Quais foram as principais influecircncias que

Justino recebeu na filosofia Qual resultado se percebe na teologia do autor devido a esta

influecircncia Por fim existe um condicionante (entenda-se uma caracteriacutestica inata) no ser

humano que explique tal interesse de Justino em expressar seu conceito

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII

O capiacutetulo XXVIII da I Apologia eacute de grande importacircncia para esta pesquisa

inaugurando por assim dizer um significativo espaccedilo de reflexatildeo na busca de alcanccedilarmos o

desfecho que almejamos Num breve conjunto de argumentos os quais se concentram sobre

um rigor metodologicamente dedutivo o capiacutetulo XXVIII nos eacute apresentado pelo Apologista

de modo perspiacutecuo onde a clareza de suas proposiccedilotildees salientam seus objetivos os quais

formulam-se mediante as propriedades de caraacuteter racionalista que ele apresenta Aqui notamos

uma aguccedilada aplicaccedilatildeo por parte do autor agravequilo que podemos chamar de uma postura

construtiva para com a estrutura inteligiacutevel do ser criado agrave imagem e semelhanccedila de Deus

353 WALDE 2000

354 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

355 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

86

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Frangiotti podemos afirmar baseados nesse espaccedilo (cap XXVIII)

que Justino entendia que ldquoO homem eacute racional e livrerdquo356

Neste capiacutetulo (XXVIII) Justino desenvolve uma condensada e pragmaacutetica

abordagem envolvendo os quatro versiacuteculos que o compotildee Diante disso em momento algum

nossa argumentaccedilatildeo visa exaurir as diversas possibilidades contextuais ndash seja num campo

hermeneuticamente literal anaacutelogo ou metafoacuterico ndash do trabalho do Apologista mas apenas

organizaacute-lo de maneira ativa por meio de sua divisatildeo (versos) a um quadrante que possibilite

o interesse deste exame o qual se constroacutei na tentativa de aproximarmos as interpretaccedilotildees da

definiccedilatildeo de Verdade que detectamos em Justino de nosso interesse teoloacutegico

Neste item em especiacutefico (31) que visa uma abordagem introdutoacuteria desenvolvemos

em especial uma aproximaccedilatildeo entre os dois primeiros versiacuteculos do capiacutetulo onde priorizamos

apresentar sua estruturaccedilatildeo visando desta forma o aperfeiccediloamento destes pontos para

estabelecermos uma sentenccedila axiomaacutetica a qual eacute esboccedilada pelo autor no terceiro versiacuteculo do

relato Quanto ao primeiro versiacuteculo

Entre noacutes o priacutencipe dos maus democircnios se chama serpente satanaacutes diabo ou

caluniador como podeis ver caso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escrituras Ele e todo o seu exeacutercito juntamente com os homens que o seguem seraacute

enviado ao fogo para ser castigado pela eternidade sem fim coisa que foi de antematildeo

anunciada por Cristo357

A primeira impressatildeo para um leitor moderno dessa descriccedilatildeo eacute de surpresa ou ateacute

mesmo de espanto poreacutem o verso devidamente encaixado no relato que o antecede o explica

e ateacute mesmo o suaviza As palavras de Justino satildeo absolutamente biacuteblicas e estatildeo enquadradas

em um absoluto arcabouccedilo escrituriacutestico Honestamente devemos salientar que nada lhe falta

como meacutetodo para que possamos empregar o tiacutetulo de ldquoortodoxordquo em seu embasamento

teoloacutegico358 Pois seus termos empregados tais como o ldquopriacutenciperdquo359 a chamada ldquoserpenterdquo360

aleacutem das demais terminologias como ldquosatanaacutesrdquo361 ldquodiabordquo eou ldquocaluniadorrdquo362 apresentam-se

356 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

357 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

358 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

359 Ver Joatildeo 1231 1430

360 Ver Gecircnesis 31 2 Coriacutentios 113 Apocalipse 129

361 Ver Mateus 410 Atos dos Apoacutestolos 2618

362 Ver Mateus 411 Atos dos Apoacutestolos 1310

87

neste cenaacuterio apologeacutetico como evidecircncias elementares extraiacutedas da Escritura Sagrada e

aplicadas em uma construccedilatildeo dialeacutetica sendo estas ainda vinculadas por Justino como uma

sentenccedila arbitral agravequeles que estatildeo sendo expostos e julgados pelo Apologista ndash caracteriacutestica

literaacuteria que notamos ser amplamente utilizada por Justino na afirmaccedilatildeo de suas convicccedilotildees363

Aqui fomenta-se uma configuraccedilatildeo de ordem proacutepria a qual apresenta Justino como

um filoacutesofo que pode ser definido como pertencente a um grupo que adota uma postura mais

claacutessica de linha platocircnica ndash algo que seraacute mais bem desenvolvido a seguir ndash onde atributos

que caracterizem causa e efeito que partindo de um suposto ldquomundo sensiacutevelrdquo364 passam a

somar caracteriacutesticas evidentes em sua construccedilatildeo textual sendo o teacutermino do capiacutetulo XXVII

uma expliacutecita manifestaccedilatildeo de fatos que atestam essa correlaccedilatildeo tatildeo dura mas tambeacutem

necessaacuteria no processo de evidenciaccedilatildeo proposto por Justino

Mas eacute preponderante para natildeo se dizer essencial que a loacutegica do Apologista se baseia

em artifiacutecios nucleares pois quem diz ldquocaso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escriturasrdquo365 carrega consigo uma tonalidade de patentes e natildeo de meras suposiccedilotildees porque

a Verdade como elemento distinguiacutevel e diferencial eacute criteacuterio identificaacutevel na leitura de Justino

junto agravequilo que o mesmo salienta como sua (no caso do texto ldquonossardquo) ldquoEscriturardquo366 ou seja

sua preeminecircncia espiritual o que na descriccedilatildeo do Apologista deve ser entendida como uma

real vantagem distintiva sendo uma latente superioridade existencial para os homens que a

possuem Este ponto de prevalecircncia seraacute melhor abordado no uacuteltimo capiacutetulo desta pesquisa

Uma importante observaccedilatildeo ainda nos cabe fazer na parte final do primeiro verso

Antes mesmo de ocorrer os eventos conciliares de Niceacuteia eou Constantinopla a ecumenicidade

do Credo parece jaacute se caracterizar em uma forma de universalidade e um confessar da missatildeo

apostoacutelica jaacute anteriormente registrada no compecircndio biacuteblico se faz reverberar no ideaacuterio de

Justino Iniciamos nossa leitura do testemunho Apostoacutelico junto agrave estrutura biacuteblica O apoacutestolo

Judas escreveu ldquoele tem guardado sob trevas em algemas eternas para o juiacutezo do grande Dia

[] satildeo postas para exemplo do fogo eterno sofrendo puniccedilatildeordquo (Judas 6b7b) Nesta passagem

encontramos bases que se conformam ao relato de Justino que enfatiza que o proacuteprio Cristo as

havia anunciado367 Prosseguindo vemos que o Credo redigido anos depois iraacute afirmar o mesmo

363 DROBNER Manual de Patrologia 2008

364 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 84

365 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

366 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

367 Ver Joatildeo 1248

88

quando diz ldquoe viraacute novamente em gloacuteria a julgar os vivos e os mortosrdquo368 Natildeo nos resta duacutevidas

que a missatildeo apostoacutelica gerou a doutrina e consolidou o Credo369 mas passagens de ordem

Patriacutestica como esta salientam que o mesmo (Credo) tambeacutem balizou sua eficiecircncia atraveacutes da

ecircnfase da atuaccedilatildeo de homens que pela feacute natildeo sucumbiram agraves dificuldades370 pelo contraacuterio

salientaram com seu testemunho que estas propriedades de ordem atemporal miacutestica e

existencial foram e ainda eram a proacutepria forma da Verdade em meio aos homens

Quanto ao segundo verso eacute necessaacuterio algumas observaccedilotildees iniciais especialmente

em relaccedilatildeo ao ldquoteorrdquo teoloacutegico que Justino desenvolve nesta pequena porccedilatildeo a qual apresenta

dificuldades interpretativas consideraacuteveis junto ao acircmbito dogmaacutetico ndash independentemente da

estrutura confessional que a examine ndash sugerindo-nos desta forma apresentarmos uma sucinta

argumentaccedilatildeo antes de abordaacute-lo Entendemos que esse procedimento se faz necessaacuterio para

que natildeo aja em nossa construccedilatildeo conceitual-programaacutetica (caps XXIII-XXX) um ponto natildeo

devidamente abordado

Variados debates podem surgir a partir da ecircnfase destacada por Justino (verso 2 do

cap XXVIII) porque afirmaccedilotildees desta espeacutecie fomentam diversos tipos de interesses de ordem

miacutestica no caso em questatildeo (texto de Justino) podem inclusive alavancar questotildees

soterioloacutegicas por exemplo Algumas anaacutelises ldquomodernasrdquo371 se esforccedilam atualmente em

descrever a figura de Justino como ocupante empregador defensor ou ateacute mesmo praticante

de uma ou outra escola teoloacutegica do cenaacuterio cristatildeo atual Entretanto optamos por natildeo abranger

este e outros contextos nesta pesquisa por entendermos que estes assuntos e temas natildeo se

envolvem diretamente com o ponto central de nosso trabalho Aleacutem de reconhecermos outra

dificuldade que nos parece ser muito significativa neste tipo de situaccedilatildeo a de se incorrer no

grave risco de se cometer um anacronismo textual histoacuterico e teoloacutegico372 e desta forma

sugerir um teoacuterico dilema teoloacutegico que para Justino e seus contemporacircneos possivelmente

natildeo era nem sequer um problema doutrinal

Passando agora efetivamente ao texto este diz ldquoNa verdade a paciecircncia que Deus

mostra em natildeo fazecirc-lo imediatamente tem como causa o seu amor pelo gecircnero humano pois

ele prevecirc que alguns se salvaratildeo pela penitecircncia entre os quais alguns que talvez ainda natildeo

368 CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO 7ordm Artigo

369 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

370 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

371 Ver SANTOS Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano 2014 Disponivel em

httpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminiano

372 VIRKLER Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica 2001

89

tenham nascidordquo373 Iniciamos esta parte de um ponto elementar da teologia de Justino374 ao

qual abordaremos mais detalhadamente a frente contudo compreendemos que sua aplicaccedilatildeo

neste item natildeo eacute apenas orientativa mas tambeacutem qualitativa para o restante da argumentaccedilatildeo

Um fato muito criativo do pensamento filosoacutefico de Justino se apresenta quando o

Apologista passa a enfatizar a existecircncia do Logos como o Cristo revelado Isto para Justino eacute

uma asserccedilatildeo de valores pontuais em uma escala ascendente que com facilidade se encontram

e se envolvem em sistemas transcendentais Wachholz elucida a abrangecircncia do termo Logos

dizendo o seguinte

O termo Logos (grego) quer dizer ldquopalavrardquo e tambeacutem ldquorazatildeordquo Segundo os gregos

nossa mente consegue compreender por que participa de alguma maneira do Logos

ou razatildeo universal Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse

Logos que se fez carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento375

Torna-se necessaacuterio entendermos a notoriedade que Justino aplica agrave onipotecircncia

onisciecircncia e preexistecircncia de Cristo em sua atuaccedilatildeo salviacutefica a partir deste ponto questotildees

(atributos divinos) as quais devemos considerar como absolutamente factiacuteveis no entendimento

do Apologista pois satildeo atributos da Escritura Sagrada ou seja satildeo consideradas evidecircncias

inquestionaacuteveis da vontade Divina (ativa e passiva) na leitura de Justino Poreacutem o ponto de

repouso deste exame se concentra na primeira parte do texto onde novamente Justino enfatiza

sua clarificaccedilatildeo de um estado de conformidade entre ideias e objetos (Verdade)

Mesmo o pensamento de Justino estando alavancado a uma espeacutecie de meacuterito para a

salvaccedilatildeo eacute evidente que sua afirmaccedilatildeo a soberania de Deus ndash a quem adjetiva como

ldquopacienciosordquo ndash caracteriza que esta benesse estaacute intimamente unida ao contexto temaacutetico que

podemos definir como amor de Deus O relato Apostoacutelico a Igreja em Corinto jaacute registrava a

seguinte afirmaccedilatildeo ldquoPorque todas as coisas existem por amor de voacutesrdquo (2 Coriacutentios 415a)

Carver diraacute sobre essa passagem que ldquoA expressatildeo tudo isso eacute por amor de voacutes explica o

acreacutescimo de convosco no versiacuteculo anterior O sofrimento de Paulo eacute um chamado ou uma

daacutediva que ele compartilha com toda a igrejardquo376 Da mesma forma notamos que Justino sofria

373 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

374 DROBNER Manual de Patrologia 2008

375 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 60

376 CARVER In A Segunda Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 427

90

por este grupo chamado a viver a Verdade o qual neste quadro eacute pintado como a resistecircncia

que manifesta esse amor imerecido e incondicional

Na descriccedilatildeo o Apologista nos parece transparecer com certa naturalidade seu intuito

em tentar provar algo como tambeacutem busca possivelmente sanar um erro (o do porquecirc este

juiacutezo de Deus ainda natildeo se manifestou) No entanto esse cenaacuterio eacute aplicado como uma forma

de ldquotranscriccedilotildeesrdquo que satildeo provenientes das afirmaccedilotildees e revelaccedilotildees inquestionaacuteveis para a

percepccedilatildeo de Justino por estarem devidamente relacionadas aos misteacuterios do Evangelho ao

qual ele servia Inclusive Justino claramente submetia sua razatildeo aos enigmas que a feacute em Cristo

natildeo lhe elucidava satisfatoriamente mas tambeacutem natildeo abalava sua convicccedilatildeo nesta feacute que ldquonatildeo

soacute eacute boa e santa em si mesma mas acima de tudo eacute a uacutenica religiatildeo verdadeirardquo377 Por fim

apontamos neste contexto (verso 2) aquilo que com clareza descreve esta certeza teoloacutegica

ancorada no Apologista que de forma contumaz declara que ldquoNa verdaderdquo378 algo se revelava

e condensava-se nos coraccedilotildees daqueles que o recebiam

Apoacutes descrevermos de maneira introdutoacuteria parte de nossa periacutecope base passamos a

uma abordagem sinteacutetica de uma faceta importantiacutessima de nosso autor para a construccedilatildeo do

restante desta pesquisa Comeccedilamos de imediato a elaborar uma descriccedilatildeo do filoacutesofo Justino

apresentando um resumo de sua jornada no mundo da ldquosabedoriardquo helecircnica descrevendo quais

foram suas principais influecircncias neste meio e quais desiacutegnios esta ascendecircncia deixou em sua

teologia

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO

Os acontecimentos relacionados agrave vida de Justino nos direcionam ndash podemos ateacute

mesmo dizer que incontestavelmente nos norteiam ndash para um mesmo ponto de convergecircncia

independentemente da aacuterea ou fase que procuremos abordar sobre esta Desde cedo ateacute o fim

de sua jornada ministerial Justino nos apresentaraacute influecircncias significativas do meio intelectual

ao qual havia pertencido desde sua juventude e ao qual nunca abandonou pelo contraacuterio fez

deste seguimento o ponto principal de irradiaccedilatildeo de sua teologia379 tornando-o necessariamente

uma peccedila-chave para agrave compreensatildeo de suas obras

Este ponto de equiliacutebrio na vida de Justino se daacute principalmente no fato de este ser

um filoacutesofo ao qual podemos catalogar como claacutessico em sua formaccedilatildeo (de origem helecircnica)

377 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 47

378 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

379 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

91

natildeo necessariamente por enquadrar-se ldquono modo de pensar e exprimir os pensamentos que

surgiu especificamente com os gregosrdquo380 mas especialmente na virtude apresentada por sua

filosofia que desde cedo natildeo se pautou por um caraacuteter meramente especulativo sem um fim

praacutetico em si mesma mas sim notabiliza-se pela ldquobusca da sabedoria e da verdaderdquo381 como

estados beneacuteficos disponiacuteveis para serem procurados conhecidos e vivenciados por todos os

homens

O primeiro historiador da Igreja nos comprova tal fato assinalando o claacutessico teor

filosoacutefico existente no Apologista os termos de Euseacutebio muito nos dizem a respeito do

ministeacuterio de Justino

Tambeacutem por este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava

ainda ocupado em exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Mas sobretudo foi nesta

eacutepoca que floresceu Justino Com estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de

Deus e lutava pela feacute com seus escritos382

A doutrina cristatilde encontrada em Justino ndash sua compreensatildeo ativa sobre o que era o

cristianismo como agrave religiatildeo salviacutefica do verdadeiro e uacutenico Deus aos homens ndash foi recebida

e necessariamente desenvolvida por ele atraveacutes de um filtro ou podemos ateacute mesmo dizer por

uma forma de catalisador Este ensino constituiacutea-se de diversas mateacuterias filosoacuteficas nas quais

a diversidade conceitual e estiliacutestica das muitas escolas sapienciais da eacutepoca foram agregadas

ao experimento (de caraacuteter circunspecto) do Apologista383 Notamos deste modo em muitos

aspectos em particular que Justino foi exercitado a uma postura pragmaacutetica de seu tempo a

qual necessariamente o contingenciou a algumas demandas de sua ordem puacuteblica provenientes

de seu status sociorreligioso Neste aspecto a abordagem de Wachholz nos atualiza e ilumina

sobre este cenaacuterio ele diz

A cultura claacutessica pagatilde incluiacutea obra e pensamento de Platatildeo Aristoacuteteles e dos estoicos

que eram muito admirados Rejeitar tais pensamentos era assumir posiccedilatildeo de

ignoracircncia Para os cristatildeos por outro lado aceitar toda esta carga de cultura poderia

tambeacutem significar concessatildeo ao paganismo e comeccedilo de uma nova idolatria Diante

380 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 21

381 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

382 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 11 8

383 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

92

desta alternativa somente havia dois caminhos possiacuteveis oposiccedilatildeo radical entre feacute

cristatilde e cultura pagatilde ou postura natildeo tatildeo negativa em relaccedilatildeo agrave cultura pagatilde384

A histoacuteria nos testifica que Justino de maneira evidente foi um baluarte em sua postura

de proclamador e representante da feacute cristatilde mais ainda portou-se de maneira excepcional

(como testificam seus procedimentos) no exerciacutecio de sua crenccedila fosse isso relacionado ao seu

foro iacutentimo (Igreja) ou no puacuteblico (social)

Desta forma eacute interessante e necessaacuterio reconhecer que Justino se apresentaraacute como

uma espeacutecie de precursor entre aqueles que eram oriundos da filosofia e que ldquohabitavamrdquo

especialmente em meio agrave cultura helecircnica385 contudo natildeo era o uacutenico Assim estes (filoacutesofos

convertidos ao cristianismo) passando agora a praticar os novos haacutebitos e costumes (modus

vivendi) recebidos do cristianismo natildeo abandonaram de forma absoluta suas praacuteticas cotidianas

do passado ndash ou poderiacuteamos tambeacutem chamaacute-las de ordinaacuterias ndash as quais eram vivenciadas

dentro de um sistema pedagoacutegico da filosofia por assim dizer Isso ocorreu simplesmente

porque tais accedilotildees natildeo requeriam tal censura devido a sua natildeo contrariedade com a Doctrina

Sanctorum que orientava os cristatildeos386 Obviamente tais disposiccedilotildees eram amplamente revistas

e reformuladas com um vieacutes cristatildeo embora mantendo uma estrutura didaacutetica proacutepria e ateacute

mesmo peculiar387 pois na praacutetica estes novos mestres cristatildeos agora ensinavam ldquoexatamente

como os filoacutesofos mas em conformidade com Cristordquo388

Vale-nos ressaltar ainda que essa postura de adaptaccedilatildeo dos convertidos do paganismo

para o cristianismo se desencadeou em muitos segmentos da realidade social do periacuteodo389

especialmente naqueles que se identificavam com as ciecircncias da eacutepoca Indiscutivelmente

nisto Justino se destacou pois seus ldquoconhecimentos filosoacuteficos eram muito profundosrdquo390

Neste ponto novamente recorremos a um registro de Wachholz que nos descreve com clareza

este processo de identificaccedilatildeo na figura de Justino

384 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 58

385 Alguns pesquisadores apresentam Aristides de Atenas como o primeiro filoacutesofo (Grego) propriamente

convertido ao cristianismo a escrever uma obra apologeacutetica Entretanto faltam evidecircncias mais robustas para

sustentar tal afirmaccedilatildeo Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p

50-51

386 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

387 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

388 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

389 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

390 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

93

Por outro lado houve tambeacutem aqueles que defenderam uma postura ldquoconciliatoacuteriardquo

entre feacute cristatilde e cultura pagatilde Justino (110-165) foi um destes representantes que natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas passou a dedicar-se em fazer ldquofilosofia cristatilderdquo abrindo

caminho para que o cristianismo pudesse reclamar tambeacutem para si a cultura claacutessica

apesar de ser cultura pagatilde391

Sendo o registro histoacuterico uma peccedila fundamental na elaboraccedilatildeo e construccedilatildeo

conceitual desta pesquisa entendemos ser emblemaacutetico trazer-se agrave tona alguns registros de

pesquisadores que atestam entre si acometimentos similares isso se daacute quando mencionam

pontos que caracterizam a figura de Justino como um distinto representante da Filosofia

mediante sua penetraccedilatildeo investigaccedilatildeo e conclusatildeo dos fatos algo que era ndash como se viu

anteriormente ndash relevante na busca de respostas junto ao meio sociorreligioso ao qual estava

inserido

Deste modo dando seguimento ao nosso intento de esclarecer historicamente um

pouco mais a respeito deste personagem cristatildeo oriundo da filosofia grega392 eacute que registramos

o seu desenvolvimento a parti das palavras de Walde ldquoJustino continuou usando a capa que o

identificava como filoacutesofo e ensinou estudantes em Eacutefeso e depois em Romardquo393 O relato ainda

se estende sobre a pesquisa de Walde poreacutem agora registrando o pensamento de Schaff este

diz ldquoEle havia adquirido cultura claacutessica e filosoacutefica consideraacutevel antes de sua conversatildeo e

entatildeo a fez ficar subordinada a defesa da feacuterdquo394 Ainda sobre esta esteira agregamos outras duas

elaboraccedilotildees A primeira estaacute no trabalho de Xavier que se baseia no pensamento de Fluck E

somado a ela encaixamos a siacutentese de Wachholz sobre Justino Ambos convencionam ideias

similares quando retratam o Apologista e por consequecircncia acabam por se moverem

metodologicamente na mesma direccedilatildeo

Em sua caminhada cristatilde ensinou estudantes em Eacutefeso e chegou a Roma em 150 dC

onde fundou uma escola filosoacutefica debatendo com natildeo-cristatildeos tanto pagatildeos quanto

judeus ou hereges em defesa do cristianismo Para Justino o cristianismo era a

391 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

392 Eacute importante que se diga que a Filosofia (a qual no acircmbito do conceito moderno eacute entendida como uma ciecircncia

da aacuterea de estudos Humanos) permaneceu completamente associada a consciecircncia de Justino durante todo o

periacuteodo de sua atuaccedilatildeo teoloacutegica Partindo-se do fato de que a vida de Justino se encerrou no martiacuterio podemos

concluir que de sua conversatildeo ateacute sua morte nunca houve um ldquoJustinordquo que tambeacutem natildeo fosse um filoacutesofo Ver

HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29-30

393 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

394 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

94

ldquoverdadeira filosofiardquo sendo que os cristatildeos eram ldquoos autecircnticos herdeiros da

civilizaccedilatildeo greco-romanardquo395

Tornou-se cristatildeo aos 25 anos de idade apoacutes ter estudado filosofia o que o levou a

fazer uma siacutentese entre teologia e filosofia afirmando que a feacute cristatilde eacute a forma plena

de toda a filosofia Em sua escola em Roma ensinava entatildeo a ldquoverdadeira filosofiardquo

Boa parte de seu labor consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o

cristianismo e a sabedoria claacutessica396

Finalizando esta seacuterie de registros cabe-nos ainda citar algumas relevantes

argumentaccedilotildees A primeira condicionada por Gonzaacutelez nos traz uma definiccedilatildeo da histoacuteria de

Justino em questotildees junto a filosofia ele diz ldquoAo se converter ao cristianismo Justino natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas dedicou-se a fazer filosofia cristatilde e boa parte dessa filosofia

consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o cristianismo e a sabedoria claacutessicardquo397 A

segunda elaborada por Daniel-Rops diz ldquoFoi uma fase importante para a histoacuteria do

pensamento cristatildeo que com Justino passou a ser tomado a seacuteriordquo398 Esta ecircnfase somada ao

primeiro apontamento nos afirma uma importante contribuiccedilatildeo para o meio Patriacutestico pois

trabalha com paracircmetros qualitativos referentes agrave relevacircncia da figura de Justino como

articulador filosoacutefico e sucessivamente no meio teoloacutegico como um exegeta399 nos levando a

considerar deste modo que a formaccedilatildeo dogmaacutetica em seu sentido histoacuterico passa

necessariamente por afirmaccedilotildees como esta

Portanto eacute impossiacutevel caracterizar Justino como um pensador e teoacutelogo fora da

filosofia claacutessica pois o personagem que veio a fundar escolas filosoacuteficas cristatildes (primeiro em

Eacutefeso e depois em Roma)400 deve ser compreendido como um autecircntico ldquoamante da sabedoriardquo

Neste quesito distintivo no caso de Justino em especial um agravante modal deve aqui ser

aplicado sendo que esta caracteriacutestica de caraacuteter peculiar eacute o proacuteprio processo de conversaccedilatildeo

ao cristianismo que em seu entendimento ldquoo transformou em um verdadeiro filoacutesofordquo401 arauto

395 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15 grifo nosso

396 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59 grifo nosso

397 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 91

398 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

399 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31-32

400 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

401 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

95

da verdadeira sabedoria ndash peccedila final a qual Justino possivelmente exigiria como um

complemento fundamental na elaboraccedilatildeo dessa descriccedilatildeo

Dando seguimento agrave nossa construccedilatildeo ainda nos eacute necessaacuterio examinar duas questotildees

relevantes junto a postura filosoacutefica de nosso autor A primeira estaacute relacionada aos seus

pressupostos na Filosofia como aacuterea de estudo propriamente na qual o estoicismo e o

platonismo se destacam no cenaacuterio em seguida naquilo que possivelmente se tornou a principal

elaboraccedilatildeo teoloacutegica deixada como teoria por Justino a sua concepccedilatildeo do Logos Eterno

321 Estoicismo e Platonismo em Justino

Quando pesquisamos a respeito de quais seriam as principais influecircncias da filosofia

grega que poderiacuteamos encontrar em Justino logo nos saltam aos olhos duas linhas majoritaacuterias

do pensamento histoacuterico filosoacutefico e que tiveram fundamental importacircncia na formaccedilatildeo

intelectual deste Pai da Igreja Desta forma torna-se indispensaacutevel falar do estoicismo e do

meacutedio platonismo402 como elementos filosoacuteficos na vida de Justino pois a anaacutelise dessas

escolas sapienciais junto agrave construccedilatildeo de nosso objetivo de pesquisa apresenta-se como

fundamental para a compreensatildeo do cristianismo apresentado por Justino403

Nossa intenccedilatildeo nesta construccedilatildeo natildeo eacute haacute de se estabelecer um relato minucioso sobre

os aportes princiacutepios e valores filosoacuteficos de Zenon de Ciacutecio (fundador do estoicismo) nem

mesmo dos seguidores ideoloacutegicos do legado de Platatildeo os quais sustentavam no presente

periacuteodo a fase denominada de meacutedio platonismo Pelo contraacuterio visamos apenas retratar de

maneira sinteacutetica a influecircncia dessas escolas no pensamento apologeacutetico do Seacuteculo II tendo a

pessoa de Justino como alvo central e em alguns momentos ateacute mesmo exclusivo neste exame

O advento do Seacuteculo II trouxe consigo um contato mais amplo e consequentemente

tambeacutem mais vantajoso das correntes filosoacuteficas gregas para com o ocidente de uma maneira

em geral Influenciada especialmente pela administraccedilatildeo e organizaccedilatildeo do Impeacuterio Romano agrave

discussatildeo sobre a importacircncia e a manutenccedilatildeo dessas identidades intelectuais (escolas

filosoacuteficas) tornou-se muito ativa especialmente para o meio aristocraacutetico de entatildeo404 Sendo

402 O meacutedio platonismo teve seu iniacutecio no Seacuteculo I aC com Antioco de Ascalona e vai ateacute aproximadamente o

Seacuteculo II dC Entre os seus principais representantes encontram-se os nomes de Filo de Alexandria Apuleio e do

bioacutegrafo Plutarco Este recorte temporal eacute um dos pontos que justifica a nossa opccedilatildeo pelo uso do termo meacutedio

platonismo uma vez que coincide com o periacuteodo de Justino Ver EMILSSON Neo-Platonism 1999 p 358

AUDI The Cambridge Dictionary of Philosophy 1999 p 567 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 123

403 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

404 CARCOPINO Roma no Apogeu do Impeacuterio 1990

96

o cristianismo cada vez mais presente na estrutura sociorreligiosa do Impeacuterio natildeo demorou

para se considerar ldquotambeacutem os leitores natildeo-cristatildeosrdquo405 como parte do exame teoloacutegico dos

Pais No entanto os mestres e principais arautos dessas claacutessicas estruturas filosoacuteficas eram

pagatildeos em seu modo de vida espiritual o que ocasionou ndash quase automaticamente ndash uma

investidura por parte dos Pais (remodelaccedilatildeo cristatilde) das concepccedilotildees filosoacuteficas de alguns

autores claacutessicos do paganismo Como consequecircncia desse processo o periacuteodo dos Pais

Apologistas se confirma e se engrandece de maneira significativa na histoacuteria cristatilde devido ao

seu importante conteuacutedo teoloacutegico406 desenvolvido a partir dessa adaptaccedilatildeoremodelaccedilatildeo

Voltando precisamente para a pessoa de Justino vemos a partir da pesquisa de Walde

ndash o qual soma seu pensamento a Falls ndash o estabelecimento de uma expressiva comunicaccedilatildeo

entre Justino e as escolas filosoacuteficas apresentadas Walde escreve ldquoComo jovem adulto

mostrou interesse por filosofia e estudou primeiramente estoicismo e platonismo Justino

buscava a Deus que eacute a meta da filosofia de Platatildeo diziardquo407 Este retrato dos fatos nos

demonstra com clareza que o diaacutelogo do Apologista com as referidas escolas filosoacuteficas

norteou sua formaccedilatildeo intelectual de forma significativa

A primeira experiecircncia de fato com a filosofia grega e a qual podemos afirmar ter

deixado marcas consideraacuteveis na vida de Justino foi com a escola estoica Em sua busca da

autecircntica sabedoria Justino comeccedilou a frequentar as aulas de um mestre estoico408

provavelmente ainda em sua cidade natal Se tratando de sua experiecircncia com o estoicismo em

particular o Apologista nos oferece um relato autobiograacutefico no qual informa detalhes

interessantes referentes a sua jornada pela Verdade ldquoEu mesmo no iniacutecio desejando tambeacutem

reunir-me com algum deles (mestres filoacutesofos) coloquei-me nas matildeos de um estoico e passei

bastante tempo com elerdquo409

O interessante nessa narraccedilatildeo eacute que o expressivo contato de Justino com o estoicismo

natildeo surtiu nele o beneacutefico resultado que Justino parecia esperar Efetivamente Justino afirma

em seu Diaacutelogo com Trifatildeo ldquoTodavia percebi que nada me adiantava para o conhecimento de

Deus pois nem sequer ele sabia nada nem dizia que esse conhecimento era necessaacuterio Entatildeo

405 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 140

406 Ver DROBNER Manual de Patrologia 2008 p76-80

407 FALLS The Fathers of the Church 1948 p 151 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p

1

408 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

409 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3a grifo nosso

97

separei dele e dirigi-me a outrordquo410 Kelly inclusive salienta mediante a auto narraccedilatildeo de

Justino que parece ter havido um esforccedilo da parte deste em se apropriar ndash ou melhor se

aprofundar ndash das maacuteximas da doutrina estoica Isso devido especialmente ao seu ldquoelevado

padratildeo moral ainda que um tanto impessoalrdquo411 mas com um forte apelo agrave posturas e posiccedilotildees

que estabeleciam um padratildeo moralmente bom para seus praticantes preceitos que eram de

alguma maneira dogmatizados pela doutrina estoica na tentativa de se alcanccedilar ldquouma norma

para os humanos seguiremrdquo412 Dessa forma os praticantes de tal sistema chegavam aquilo que

poderiacuteamos (forccedilosamente) definir como o verdadeiro conhecimento do ldquoSerrdquo e da ldquoEsferardquo

divina pois a ldquovida moral eacute vista como assimilaccedilatildeo a Deus e como imitaccedilatildeo de Deusrdquo413

Contudo apoacutes um periacuteodo de deferecircncia a doutrina estoica ldquopareceu-lhe rudimentar e de uma

metafisica falazrdquo414 aleacutem do sistema natildeo conseguir ldquoesclarececirc-lo a respeito de Deusrdquo415 ou

seja o estoicismo natildeo pode oferecer as condiccedilotildees necessaacuterias para suprir os vaacutecuos e demandas

existecircncias de Justino

Entretanto o estoicismo como doutrina filosoacutefica teve uma significativa relevacircncia na

formaccedilatildeo de Justino como tambeacutem na construccedilatildeo teoloacutegica dos demais Pais Apologistas Na

anaacutelise desse cenaacuterio houve ateacute mesmo quem afirmasse que caso natildeo houvesse o encontro

entre o Poacutertico416 e a Igreja natildeo teria existido uma linguagem inteligiacutevel por parte da doutrina

cristatilde para alguns ambientes gentiacutelicos ou seja o ldquocristianismo seria incompreensiacutevelrdquo417 para

alguns segmentos que formavam o quadro sociorreligioso agrave eacutepoca Teses como essa levantam

questotildees pertinentes No caso em exame parece-nos que tal afirmaccedilatildeo havia se desenvolvido

como um marco referencial junto agrave Era Patriacutestica citada explicando tambeacutem deste modo o que

permitiu que esse conceito teoloacutegico-filosoacutefico viesse a se construir Neste processo as relaccedilotildees

de conformidade entre cristianismo e estoicismo foram absolutamente decisivas sendo o campo

410 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3b

411 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 13

412 ALGRA In Teologia estoacuteica Os Estoacuteicos 2006 p 189

413 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 132

414 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

415 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

416 Poacutertico Ornado (ou Pintado) grego Stoagrave Poikiacutele Local na cidade de Atenas onde o filoacutesofo grego Zenon

(fundador do estoicismo) ensinava a seus disciacutepulos Ver SEDLEY In A Escola de Zenon a Aacuterio Diacutedimo Os

Estoacuteicos 2006 p 7-13

417 POHLENZ La Stoa storia di un movimento spirituale 1967 p 397 apud PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia

Patriacutestica 1999 p 131

98

moral junto agrave formaccedilatildeo dogmaacutetica cristatilde ndash poderiacuteamos ateacute mesmo chamaacute-lo de eacutetico ndash decisivo

nessa correlaccedilatildeo (modelagem) de valores

Entre os fatos desse paralelismo ideoloacutegico vemos o otimismo religioso expressado

pelo estoicismo que encontrou de forma geral na consciecircncia dos Pais (ateacute o Seacuteculo III) uma

beneacutevola e favoraacutevel proximidade com a Divindade onipotente e onipresente a qual os

Apologistas reconheciam especialmente na figura de Deus Pai e em sua traduccedilatildeo do Ser

absoluto cenaacuterio que agora expressava-se inclusive na manifestaccedilatildeo Deste (Deus) em uma

relaccedilatildeo de perfeita imanecircncia com seus eleitos Minuacutecio Feacutelix (Apologista do final do Seacuteculo

II) retrata com clareza esse conceito gerado no meio Apologista fruto da relaccedilatildeo destes com os

ditames estoicos ldquonatildeo soacute estaacute perto de noacutes como tambeacutem dentro de noacutes [] natildeo soacute vivemos

sob seu olhar como tambeacutem em seu seiordquo418

Neste contexto ainda vale-nos identificar uma caracteriacutestica peculiar da relaccedilatildeo de

Justino com o estoicismo Trata-se das interpretaccedilotildees escrituriacutesticas desenvolvidas por meio de

meacutetodos alegoacutericos Essa metodologia jaacute estava em uso no meio cristatildeo e jaacute antes era

amplamente ldquodifundida tambeacutem entre os filoacutesofos gregos sobretudo os estoicos com o objetivo

de fazer enquadrarem-se as tradicionais faacutebulas mitoloacutegicas com as suas ideiasrdquo419 Justino se

torna ldquoceacutelebrerdquo no meio Patriacutestico tambeacutem por sua exegese atestando isso quando passa a

unificar textos referentes a economia da Antiga e Nova Alianccedilas fazendo uso em muitos

momentos da teacutecnica citada

Desta forma mormente veremos na construccedilatildeo teoloacutegica de Justino que se encontram

traccedilos desse sistema da filosofia grega que se fizeram notoacuterios em seu registro apologeacutetico

Santos ao citar Staniforth retrata com precisatildeo essa inspiraccedilatildeo e sua contribuiccedilatildeo junto ao

trabalho do Apologista Aleacutem disto consegue descrever com clareza e harmonia agrave postura de

Justino referente sua interpretaccedilatildeo das bases substanciais do estoicismo Santos assim registra

essa relaccedilatildeo

Segundo Staniforth os elementos que predominavam no cristianismo antes de seu

contato com o estoicismo eram os morais e espirituais jaacute os intelectuais eram

subordinados a estes Ele acrescenta poreacutem que ldquoquando a mensagem se espalhou

para aleacutem dos confins da Palestina e as suas implicaccedilotildees foram assimiladas pelos

pensadores de outras terras fez-se sentir a necessidade de concepccedilotildees mais exatas da

verdaderdquo (STANIFORTH 2002 p 20) [] Entre outras coisas citadas por Staniforth

estatildeo ainda a noccedilatildeo de unidade divina a ideia de que os homens satildeo filhos de Deus

e participam da sua natureza e procuram fazer sempre o bem (STANIFORTH 2002

418 MINUacuteCIO FEacuteLIX Otaacutevio 32-33

419 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1146

99

p 22) Justino traz uma argumentaccedilatildeo inversa Segundo ele os imitadores satildeo os

demais povos ldquonatildeo somos noacutes que professamos opiniotildees iguais aos outros e sim

todos por imitaccedilatildeo repetem as nossas doutrinas (JUSTINO I Apologia LX 10)rdquo420

Sendo jaacute anteriormente caracterizado por meio do relato da vida de Justino a elementar

decepccedilatildeo de Justino pelo estoicismo como doutrina a ser seguida levou-o a uma nova fase na

sua busca do ldquoideal da sabedoria perfeitardquo421 Assim seu intento redirecionou-se para outras

esferas da filosofia grega passando por algumas experiecircncias variadas por meio de suas

relaccedilotildees com outras escolas sistemas e mestres Neste cenaacuterio naquilo que possuiacutemos relatos

confiaacuteveis Justino chegou a conviver com ldquoum peripateacutetico e um pitagoacutericordquo422 sempre

buscando alcanccedilar seu intento maacuteximo como amante do saber

Por fim a escola platocircnica tornou-se sua uacuteltima instacircncia de apelo nessa busca intensa

pelo saber supremo que inclusive ele imagina ter alcanccedilado ldquona filosofia (meacutedio) platocircnicardquo423

fazendo desse caso em especiacutefico (platonismo) o encontro ldquomais positivordquo424 Neste ponto

compreendemos que o desenvolvimento do pensamento teoloacutegico que encontramos

futuramente estabelecido em Justino eacute o que o constituiu categoricamente como um filoacutesofo

cristatildeo e foi principalmente detalhado pela influecircncia desta corrente filosoacutefica (platonismo)

mais do que por sua experiecircncia com os demais sistemas O ponto de vista de Xavier colabora

com nossa anaacutelise transmitindo a mesma ideia

A procura incansaacutevel pela verdade levou Justino a se tornar um distinto filoacutesofo do

pensamento grego adotando principalmente a filosofia de Platatildeo que para ele tinha

muita semelhanccedila com os ensinamentos judaicos no que diz respeito agrave Palavra de

Deus (Logos Verbo)425

Eacute portanto necessaacuterio fazer ainda que rapidamente algumas consideraccedilotildees geneacutericas

referentes agrave influecircncia desse importante sistema filosoacutefico (platonismo) no contexto

sociorreligioso ao qual Justino estava inserido O chamado meacutedio platonismo teve singular

420 STANIFORTH In Introduccedilatildeo Meditaccedilotildees 2002 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119 122

421 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 25

422 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27

423 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

424 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

425 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 15

100

influecircncia junto ao meio teoloacutegico cristatildeo em meados do Seacuteculo II Sua importacircncia em

questotildees como a metafiacutesica por exemplo ldquodeterminou profundamente a compreensatildeo

teoloacutegicardquo426 dos Pais Apologistas Ainda neste cenaacuterio eacute necessaacuterio afirmar que na eacutepoca o

pensamento de Platatildeo estruturado pela manutenccedilatildeo de seus seguidores (meacutedio platonismo)

plasmou-se quase que na totalidade dos seguimentos ditos intelectuais do periacuteodo ocasionando

um expliacutecito e permanente ldquodesenvolvimento do saber filosoacutefico e portanto da cultura

ocidentalrdquo427 a qual teve sua formaccedilatildeo por meio da mecanicidade da Filosofia propriamente

reconhecida como cristatilde em sua formaccedilatildeo

Voltando especificamente para nosso autor retratamos com certa facilidade ndash por se

considerar a questatildeo como um ponto paciacutefico referente agrave figura de Justino ndash sua ampla e notoacuteria

relaccedilatildeo com os ensinamentos baseados na doutrina de Platatildeo Insuelas nos diz que Justino

possivelmente procurou o sistema platocircnico porque este ldquogozava naquele tempo de grande

reputaccedilatildeo e era seguido por homem de valorrdquo428 Fato eacute que Justino progrediu de maneira

consideravelmente raacutepida na doutrina pois ldquoesperava que na filosofia de Platatildeordquo429 veria

imediatamente a Deus questatildeo (enxergar agrave Divindade) que nos indica uma praacutetica

contemplativa que provavelmente levou o jovem filoacutesofo a peregrinar isoladamente ateacute a praia

onde em algum momento ocorreu sua conversatildeo ao cristianismo Utilizamos ainda a ecircnfase

dada por Daniel-Rops a este caso o qual salienta que nesse acesso para a doutrina platocircnica

Justino deu o ldquopasso decisivo levando-o a ver que o uacutenico fim verdadeiro da filosofia era o

conhecimento de Deusrdquo430

Outra descriccedilatildeo que se soma a esta tese nasce das palavras do proacuteprio Justino na sua

I Apologia Estas construccedilotildees do Apologista ganham eficaacutecia e nitidez quando retratadas por

Euseacutebio em seu relato histoacuterico Elas apresentam um Justino intreacutepido e resoluto movendo-se

na eficaacutecia daquilo que encontrou em sua jornada tornando-se desta maneira em um ldquosincero

amante da verdadeira filosofiardquo431 Quanto ao platonismo descrito pelo autor em sua

experiecircncia Euseacutebio escreve

426 SANTOS Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos Comuns 2003 p 335

427 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 81

428 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

429 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

430 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

431 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 grifo nosso

101

Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez

sem razatildeo mas com juiacutezo escreve o seguinte ldquoporque tambeacutem eu mesmo que me

comprazia nos ensinamentos de Platatildeo ao ouvir as caluacutenias contra os cristatildeos e vecirc-

los irem intreacutepidos para a morte e para tudo que eacute terriacutevel comecei a pensar que natildeo

era possiacutevel que aqueles homens vivessem na maldade e no amor aos prazeresrdquo432

Seguindo no mesmo contexto vemos que Justino no capiacutetulo II de seu Diaacutelogo com

Trifatildeo agrega agrave sua biografia um relato exponencial no qual nos descreve um encontro com um

filoacutesofo platocircnico na cidade de Flaacutevia Neaacutepolis Justino como vimos acima foi procurar este

mestre a fim de conferenciarem sobre temas de relevacircncia para o Apologista Assim havendo

ldquoaprendido bastante do platonismordquo433 Justino envolto de uma acentuada euforia ateacute mesmo

presumiu (erroneamente) haver obtido um distinto conhecimento de superior e incomparaacutevel

qualidade todavia por fim salientou uma conclusatildeo ambiacutegua e de aspecto desfalecente sobre

esta experiecircncia quando se referiu as coisas que em determinado momento lhe pareciam

absolutamente certas e vivazes Ele nos afirma foi ldquotornado saacutebio num aacutetimo e minha estupidez

fazia-me esperar que de um momento para outro contemplaria o proacuteprio Deusrdquo434

No entanto cabe-nos apontar que mesmo diante desta pessimista afirmaccedilatildeo por parte

de Justino o platonismo de sua eacutepoca ldquotinha grande forccedila teiacutestardquo435 aleacutem de apresentar um

ldquoalto tocircnus moralrdquo436 expressatildeo que posteriormente em seu desenvolvimento teoloacutegico passou

a comprovar o cristianismo como o conjunto doutrinal por excelecircncia Sendo essa conclusatildeo

obtida na consequecircncia do emprego de sua metodologia dialeacutetica como teoria do conhecimento

ndash fato (dialeacutetica platocircnica) que jaacute abordamos anteriormente

No que se refere ao raciociacutenio de Justino que encontramos especificamente baseado

no ideaacuterio platocircnico notamos com certa facilidade que este conjunto de ideias o levou a

desenvolver em seus tratados (I e II Apologias e Diaacutelogo com Trifatildeo) algumas referecircncias que

se atestam como elementos de comparaccedilatildeo entre a filosofia grega e a feacute cristatilde Neste periacuteodo

(Seacuteculo II) o meio filosoacutefico grego jaacute registrava haacute algum tempo a noccedilatildeo de um Ser ou Estado

supremo437 ldquoque estaacute acima de todos os seres e do qual todos derivam sua existecircnciardquo438

432 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 5

433 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

434 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6

435 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

436 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

437 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

438 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

102

Sabemos baseados em amplas evidecircncias textuais que a vida aleacutem da morte fiacutesica jaacute era

ensinada ou ateacute mesmo garantida por Soacutecrates439 No pensamento de Platatildeo esta teoria eacute

estruturada filosoficamente como uma realidade diferente mas igualmente atemporal a qual

existe aleacutem eou fora deste mundo440

Em Platatildeo detectamos um referencial que nos salienta sobre a expressividade agrave sua

ldquoexposiccedilatildeo da separaccedilatildeo e diferenccedila entre o mundo sensiacutevel (sentidos) e o mundo inteligiacutevel

(intelecto)rdquo441 fazendo com que a percepccedilatildeo humana seja uma espeacutecie de imagem da

realidade442 mas natildeo necessariamente a realidade em si Deste modo Platatildeo automaticamente

condicionava seus leitoresouvintes a compreender que aquilo que estava oculto (natildeo visiacutevel)

deveria pelo encontro com a pura razatildeo voltar ao seu estado inicial ou seja o Uno mesmo

que Platatildeo natildeo considerasse a ldquoForma do Bem ou o Um como Deus no sentido comum da

palavrardquo443 A tese do retorno ao Uno eacute uma performance originalmente desenvolvida na fase

denominada de meacutedio platonismo444

Justino nos demonstra com clareza sua relativa conformidade com essa ideia que de

uma maneira orientativa procurava dar coesatildeo e expressividade agrave realidade perceptiacutevel do

homem em encontrar o que era verdadeiro definido como o ldquonatildeo-escondidordquo445 para o espiacuterito

humano Poreacutem tambeacutem nos apresenta de forma incondicional uma clara distinccedilatildeo substancial

a este conceito segundo o qual ldquoo centro da esperanccedila cristatilde natildeo eacute a imortalidade da alma mas

a ressurreiccedilatildeo do corpordquo446 Corroborando a esta proposiccedilatildeo encontramos a posiccedilatildeo de

Wachholz que organiza o referido cenaacuterio em uma descriccedilatildeo cronoloacutegica embasada no

desenvolvimento do pensamento (dogma) cristatildeo do periacuteodo

Assim por exemplo percebia que tambeacutem Soacutecrates e Platatildeo afirmavam que existia

vida aleacutem da morte fiacutesica Platatildeo afirmava que este mundo natildeo esgota toda a realidade

mas que existe outro mundo de realidades eternas Neste sentido Justino concorda

439 A discussatildeo sobre a imortalidade da alma ndash a uacuteltima de que Soacutecrates participa no dia de sua morte ndash eacute narrada

na obra intitulada Feacutedon de Platatildeo Ver MALTA In Nota 103 Apologia de Soacutecrates 2008 p 97

440 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984

441 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 189 grifo nosso

442 Um exemplo claacutessico dessa ideia se encontra no Livro VII de sua obra intitulada A Repuacuteblica em uma alegoria

conhecida como o Mito da Caverna Ver PLATAtildeO A Repuacuteblica VII 514a-541b

443 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 12

444 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

445 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 197

446 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

103

pois afirma que o centro da esperanccedila cristatilde natildeo estaacute na imortalidade da alma mas na

ressurreiccedilatildeo do corpo447

Amparado nesse conceito filosoacutefico Justino passa a desdobrar sua concepccedilatildeo sobre a

ideia do estado de um ldquomundo inteligiacutevelrdquo que passa a ser compreendido como a uacutenica

condiccedilatildeo pela qual as coisas satildeo eternas imutaacuteveis e incorruptiacuteveis constituindo deste modo

sua posiccedilatildeo sobre o que seria o proacuteprio ldquomundo de Deusrdquo possiacutevel de ser alcanccedilado Na visatildeo

platocircnica este mundo ideal soacute pode ser alcanccedilado pelo intelecto humano quando este eacute elevado

a seu patamar maacuteximo sendo isso possiacutevel somente por meio do auxiacutelio da filosofia Para

Justino essa filosofia soacute pode ser o cristianismo pois este foi revelado como a uacutenica Verdade

oferecida aos homens

Desta forma para Justino soacute mediante o cristianismo a concepccedilatildeo platocircnica de

alcanccedilar o mundo real torna-se possiacutevel No final da apresentaccedilatildeo de sua jornada entre as

escolas filosoacuteficas Justino nos relata que aquilo que fez com que ele se decidisse pela escola

platocircnica ndash entendendo que esta seria a melhor alternativa para desenvolver sua mente (razatildeo)

na tentativa de receber a verdadeira sapiecircncia ndash fosse agrave profunda admiraccedilatildeo inicial que ele

encontrou em alguns pontos que distinguiam a doutrina das demais ldquoprincipalmente com a

consideraccedilatildeo do incorpoacutereordquo448 mas tambeacutem pela referente ldquocontemplaccedilatildeo das ideiasrdquo449 as

quais ele afirma ldquodava asas agrave minha inteligecircnciardquo450

Nesta jornada de conhecimento Justino salienta que compreendia e admirava o

objetivo desse ensino que se demonstrava estaacutevel e possuiacutea intenccedilotildees muito nobres para agrave

natureza humana a ponto de afirmar que ldquoCom efeito esta eacute a meta da filosofia de Platatildeordquo451

Jaacute como cristatildeo Justino esclarece para o judeu Trifatildeo que ldquoVemos e estamos convencidos de

que por meio do nome de Jesus Cristo crucificado as pessoas se afastam da idolatria e de toda

iniquidade para aproximar-se de Deusrdquo452 ou seja somente um caminho leva definitivamente

a verdadeira filosofia e este caminho natildeo eacute a filosofia de Platatildeo

Apoacutes este raacutepido mas importante embasamento sobre a formaccedilatildeo filosoacutefica de nosso

autor ainda eacute necessaacuteria uma descriccedilatildeo final sobre os elementos filosoacuteficos estruturantes

447 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59-60

448 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

449 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

450 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

451 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6b

452 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo XI 4

104

encontrados em Justino Entre estes insumos um se destaca consideravelmente como fruto da

ampla influecircncia deixada pelo predomiacutenio de suas bases filosoacuteficas (estoicismo e platonismo)

Desta forma o Logos em Justino seraacute o ponto central de anaacutelise a seguir

322 O Logos em Justino

Este ponto eacute fundamental para nossa descriccedilatildeo do pensamento de Justino como um Pai

Apologista Mesmo que nos falte uma sistematizaccedilatildeo sobre o tema Logos tanto em Justino

como tambeacutem nos demais representantes de sua Era Patriacutestica453 o Logos eacute um conteuacutedo

teoloacutegico fundamental para a histoacuteria do cristianismo e natildeo aparece com suficiente clareza em

nenhum outro escritor cristatildeo anterior a Justino que acaba por se evidenciar neste assunto de

forma muito significativa

Jaacute no Seacuteculo I a doutrina referente agrave PalavraVerbo divino era conhecida pelo

judaiacutesmo em sua forma posterior devido agrave grande influecircncia do filoacutesofo judeu Filo de

Alexandria O estoicismo como doutrina filosoacutefica tambeacutem foi muito atuante na elaboraccedilatildeo

do termo Logos como um conceito paralelo entre uma plena imanecircncia e uma total expressatildeo

do que eacute superior eou eterno454 O Evangelho de Joatildeo em seu proacutelogo (Joatildeo 11-5) nos oferece

o termo de forma sublime mesmo que o Logos em Joatildeo pareccedila ter sido influenciado por

Heraacuteclito455 Quanto agrave Patriacutestica em sua fase inicial (Pais Apostoacutelicos) Inaacutecio Bispo de

Antioquia parece ser a melhor opccedilatildeo de uma leitura consistente sobre a ideia de a Palavra

Divina preexistente ter sido anunciada antecipadamente aos homens das geraccedilotildees passadas

ldquoInspiraram-se (os profetas) em Sua graccedila a fim de que os increacutedulos se convencessem

plenamente que haacute um soacute Deus a manifestar-se por Jesus Cristo Seu Filho Sua palavra saiacuteda

do silecircncio que em tudo agradou Aquele que O enviourdquo456

Poreacutem vale-nos novamente frisar que aqui como em outras partes desta pesquisa natildeo

procuraremos ser exaustivos muito menos conclusivos especialmente tratando-se de uma

anaacutelise que possui uma conjuntura tatildeo extensa mas de maneira sucinta desenvolveremos uma

siacutentese que visa ser orientativa nesta definiccedilatildeo sobre o legado teoloacutegico do Apologista Justino

A relaccedilatildeo de Justino com esta temaacutetica filosoacutefica (Logos) foi ampla e profunda Eacute

possiacutevel condicionarmos jaacute a partir de Justino uma realidade conclusiva para o tema naquilo

453 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

454 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

455 TORRES A retoacuterica joanina do Logos 2016

456 INAacuteCIO Epiacutestola aos Magneacutesios VIII 2 grifo nosso

105

que ele se refere a revelaccedilatildeo cristatilde esta conclusatildeo estaacute na ldquoconcepccedilatildeo justiacutenica do Logos como

entidade divina intermediaacuteria entre Deus e o mundordquo457 Isso gerou uma nova perspectiva a

qual Justino com certa originalidade conceitual passa a definir o Logos como um agente que

jaacute orientava a humanidade antes mesmo de Sua encarnaccedilatildeo desejando por meio da ldquoIgreja com

a sua accedilatildeo missionaacuteriardquo458 tornar participantes todos os homens que por meio da feacute em Cristo

poderatildeo gozar da esperanccedila do cumprimento profeacutetico do segundo advento do Salvador

Em seu trabalho apologeacutetico Justino estabeleceu uma conjunccedilatildeo entre proposiccedilotildees

separadas mas que se demonstraram de uma mesma espeacutecie Esse ato invariaacutevel conectou de

maneira significativa o Logos459 da filosofia grega ndash aqui expresso em uma de suas definiccedilotildees

temporais do meio filosoacutefico sendo apresentado como o ldquoPrinciacutepio platocircnico mediador entre o

mundo sensiacutevel e o inteligiacutevelrdquo460 ndash com o Logos do Evangelho de Joatildeo ou poderiacuteamos dizer

da interpretaccedilatildeo feita pelo meio apologeacutetico cristatildeo do Seacuteculo II Tratando ainda um pouco mais

sobre o cenaacuterio histoacuterico envolvendo a realidade conceitual sobre o Logos Walde nos indica

este princiacutepio conectivo quando cita Schaff em um exame sobre esta teoria Vemos em sua

descriccedilatildeo que o historiador

Philip Schaff descreve o pensamento desta maneira O Logos eacute a razatildeo preacute-existente

absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo dele o Logos encarnado Qualquer coisa

racional eacute cristatilde e qualquer coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os

homens da razatildeo e liberdade que natildeo estavam perdidos desde a queda Ele espalhou

sementes da verdade antes de sua encarnaccedilatildeo natildeo soacute entre os judeus mas tambeacutem

entre os gregos e baacuterbaros sobretudo entre os filoacutesofos e poetas que satildeo os profetas

pagatildeos Os que viveram razoavelmente e virtuosamente em obediecircncia a esta luz

preparatoacuteria foram de fato cristatildeos ainda que natildeo no nome ao contraacuterio os que

viveram irracionalmente eram inimigos de Cristo Soacutecrates foi um cristatildeo assim como

Abraatildeo ainda que ele natildeo o conheceu461

457 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1147

458 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

459 O conceito de Logos derivado da filosofia contemporacircnea especialmente do estoicismo com sua doutrina da

razatildeo universal foi usado pelos Apologistas para explicar como Cristo se relacionava com Deus Pai Algo do

Logos diziam encontra-se em todos os homens Ver HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

460 Logos (grego loacutegograves) Substantivo masculino de dois nuacutemeros Significa 1 Palavra 2 Discurso 3 Linguagem

4 Estudo 5 Teoria Significado em aacutereas proacuteprias 1 Filosofia Razatildeo ou princiacutepio da inteligibilidade 2

Filosofia Princiacutepio platocircnico mediador entre o mundo sensiacutevel e o inteligiacutevel 3 Filosofia Forccedila divina ou

criadora que eacute organizadora do mundo 1 Teologia Cristo ou o Verbo de Deus segunda pessoa da Trindade Ver

Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa ltDisponiacutevel em httpsdicionariopriberamorglogosgt Acesso em

27 de fev 2019

461 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

106

Esta ideia por assim dizer protagonizou aquilo que possivelmente foi o primeiro

encontro consistente entre filosofia e teologia na Era atual (dC) O conjunto deste exerciacutecio

que vemos pouco tempo depois jaacute constituiacutedo na escola de Alexandria (aproximadamente 50

anos) sob a preeminecircncia de Clemente (Bispo de Alexandria)462 continuou a evoluir no

decorrer dos seacuteculos e encontrou seu aacutepice no movimento Escolaacutestico da Idade Meacutedia463

Contudo parece-nos que a funccedilatildeo do Logos propriamente empregado dentro da realidade

teoloacutegica cristatilde originalmente foi de alguma maneira semeada por Justino

Ainda sobre esta praacutetica hermenecircutica de se assemelhar a teorema dos filoacutesofos gregos

com a revelaccedilatildeo biacuteblica (ou Patriacutestica) notamos com facilidade a apresentaccedilatildeo de certas

evidecircncias que nos levam ao ldquoberccedilordquo da obra do Apologista Definitivamente Justino parece

agregar conceitos em seu relato que claramente evidenciam isto pois ldquoa principal contribuiccedilatildeo

dos apologistas (sendo Justino expoente no contexto) foi sua tentativa de correlacionar o

cristianismo com a erudiccedilatildeo grega tentativa que encontrou sua expressatildeo mais marcante na

teoria do Logos e sua aplicaccedilatildeo agrave cristologia (mateacuteria determinante em Justino)rdquo464

A teoria cristatilde sobre o Logos tem caraacuteter preceituador e exerceu impacto relevante na

histoacuteria dogmaacutetica cristatilde pois de maneira imperiosa tornou acessiacutevel a sua realidade intelectual

tanto intra quanto extra muros transmitindo a ideia de que ldquoeste Verbo este Logos que assim

iluminou progressivamente a mente humana eacute o proacuteprio Cristo tal como se revelou em Jesus

por meio do qual o pensamento e a vida encontraram o seu significadordquo465 Nesta mesma linha

Wachholz apresenta um paralelo forte desta soma de posiccedilotildees

Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse Logos que se fez

carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento Por outro lado Justino tambeacutem pode

afirmar que os pagatildeos tambeacutem puderam conhecer o Logos embora parcialmente

(inclusive Soacutecrates e Platatildeo) Os cristatildeos por sua vez conhecem o Logos tal qual ele

eacute por causa da encarnaccedilatildeo do mesmo em Cristo466

Devemos ainda agregar a influecircncia estoica ndash a qual neste ponto de forma mais direta

inspirou intelectualmente a Justino ndash agrave preponderacircncia junto a apresentaccedilatildeo do Logos como o

462 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

463 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

464 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 24 grifo nosso

465 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

466 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

107

princiacutepio elementar (material e imaterial) de todas as coisas existentes nos escritos de Justino

O estoicismo mais que o platonismo conseguia de modo mais teacutecnico467 e com maior rigor no

periacuteodo definir tanto a convicccedilatildeo teoloacutegica de Justino468 como de todo o segmento Apologista

cristatildeo Dreher consegue frisar tal relaccedilatildeo e consequecircncia desta realidade ldquoLogos eacute para os

estoicos a Razatildeo Universal que tudo penetra e tudo comanda que tudo ordena Tambeacutem Justino

viu no Logos a Razatildeo Universal mas que se teria revelado no cristianismo de maneira mais

perfeitardquo469

Outro importante apontamento que merece destaque estaacute na ideia de criaccedilatildeo e

manutenccedilatildeo operado pelos Logos Aqui enfatiza-se que tudo estava ordenado pela Palavra que

era e foi criadora sustentadora e orientativa mais ainda tudo provinha desta mesma Palavra

que possuiacutea e estava (mantinha-se) em uma realidade imanente e preexistente a tudo Simonetti

afirma que ldquofunda-se sobre a conspecccedilatildeo de Cristo como Logos divino e nessa condiccedilatildeo

princiacutepio de racionalidade universal cujas sementes (spermata) entram em toda a criaccedilatildeo e

habilitam o homem a conhecer Deus como criador organizador e regente do mundordquo470 Disso

tudo podemos afirmar que Justino e seus contemporacircneos de fides et toga entendiam que ldquotoda

a verdade estaacute no Logos [] Logo toda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo471

Cabe-nos nesse conjunto apontar que na exposiccedilatildeo intelectual de Justino referente ao

Logos este natildeo desenvolve com clareza aquilo que seria a presenccedila da Palavra nos outros

homens Em seus registros vemos em alguns momentos que essa relaccedilatildeo de habitaccedilatildeo do Logos

(entendido como incipiente) no ser humano eacute descrita como um processo de semeadura (o

Logos sendo semeado)472 jaacute em outras passagens a analogia se constroacutei atraveacutes de uma imagem

467 Os Apologista do Seacuteculo II empregavam textos do Antigo Testamento como o Salmo 336 (ldquoOs ceus por sua

palavra [isto eacute pela Palavra do Senhor] se fizeramrdquo) onde natildeo hesitavam em misturaacute-los com a distinccedilatildeo teacutecnica

que os estoacuteicos faziam entre ldquopalavra imanenterdquo (grego logos endiathetos) e a ldquopalavra pronunciada ou expressardquo

(grego logos prophorikos) Esta distinccedilatildeo empregada pelos Apologistas visava diferenciar o duplo fato da

unicidade preacute-temporal de Cristo Seu estado preexistente com o Pai Sua manifestaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo

Ver KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

468 Nessa construccedilatildeo teoacuterica que em determinados momentos parece procurar indiacutecios sustentaacuteveis sobre qual

seria o sistema filosoacutefico de maior influecircncia na formaccedilatildeo do conceito de Logos em Justino ganha destaque o

apontamento de Simone o qual utilizando-se de um caraacuteter sucinto e soacutebrio parece definir com normatividade

esta relaccedilatildeo e seu desenvolvimento ldquoseu conceito estaacute mais proacuteximo do meacutedio platonismo do que do estoicismo

isto eacute a terminologia eacute estoica mas o pensamento subjacente eacute platocircnicordquo Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo

e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 798

469 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

470 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

471 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27 grifo nosso

472 Ver JUSTINO I Apologia XXXII 8 JUSTINO II Apologia VIII 1

108

de ldquoocupaccedilatildeordquo (posse) tanto plena473 quanto parcial474 em sua abrangecircncia475 O proacuteprio Justino

em sua II Apologia nos conduz a uma afirmaccedilatildeo de caraacuteter muito pertinente na tentativa de

explicar o porquecirc da accedilatildeo e necessidade da Palavra se manifestar aos homens Nessa afirmaccedilatildeo

ele regula o cristianismo como algo superior aos demais ensinos que procuravam ensinar sobre

a realidade do Logos como sendo um elemento orientativo Justino escreve sobre isso e afirma

que ldquoPortanto a nossa religiatildeo mostra-se mais sublime do que todo o ensinamento humano

pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo inteiro que eacute Cristo manifestado por noacutes

tornando-se corpo razatildeo e almardquo476

Justino nessa abordagem acaba por gerar em seu contexto uma evidenciaccedilatildeo

cristoloacutegica de importacircncia iacutempar pois salienta que a ldquodiferenccedila entre Cristo e os Homens

comuns encontra-se natildeo em alguma disparidade essencial de constituiccedilatildeo mas no fato de que

enquanto o Logos opera neles de forma fragmentada (kata meros) ou como uma semente em

Cristo Ele opera como um todordquo477 ou seja no Verbo que encarnou temos a plenitude da

manifestaccedilatildeo do Logos divino sendo este aquele mesmo que os filoacutesofos gregos anteriormente

jaacute haviam esquematizado478 poreacutem de maneira imperfeita

Prosseguindo em nossa construccedilatildeo algo que fica evidente neste exame eacute que mais que

esboccedilar uma ldquoexplicaccedilatildeo intelectualmente satisfatoacuteriardquo479 para o Logos Justino procura ser

expressivo mas natildeo necessariamente um sistemaacutetico deixando-nos carecentes de uma loacutegica

argumentativa mais robusta nesta questatildeo

Nesse aspecto encontramos orientaccedilatildeo junto a obras como a de Santos que

especificamente em nosso objetivo de pesquisa aparece provavelmente como uma das mais

qualificadas definiccedilotildees sobre agrave visatildeo de Justino e sua ressignificaccedilatildeo sobre o assunto Logos de

que disponibilizamos Partindo de dados extraiacutedos da anaacutelise sociorreligiosa do Seacuteculo II e a

473 Ver JUSTINO I Apologia XLVI 3

474 Ver JUSTINO II Apologia X 2 XIII 3

475 Deve-se distinguir entre o ldquoVerbo inteirordquo ingecircnito inefaacutevel o proacuteprio Cristo e o ldquoVerbo seminalrdquo que habita

nos homens especialmente nos saacutebios Ver FRANGIOTTI In Nota c II Apologia 1995 p 74

476 JUSTINO II Apologia X 1

477 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 108

478 Para Simone Justino se ampara claramente em uma tese oriunda do meacutedio platonismo quando procura

estabilizar sua ideia sobre haacute preexistecircncia antiguidade e universalidade do Logos Nesta inferecircncia o Apologista

baseia-se na ideia do meacutedio platonismo de que a transformaccedilatildeo do demiurgo miacutetico de Platatildeo visto como uma

forma de mente transcendente (PLATAcircO Timeu-Criacutetias 28c) se associa plenamente haacute figura do Deus Pai e

Criador do Cosmos trazida pela revelaccedilatildeo (sublime) do cristianismo Sendo deste modo o Logos apresentado

como ldquonascidogeradocriadordquo a partir do proacuteprio Deus Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799 LOPES In Nota 67 Timeu-Criacutetias 2011 p 95

479 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

109

estes somando algumas porccedilotildees da II Apologia de Justino Santos estabelece uma soacutelida

conexatildeo entre o Logos e o cristianismo Nesse conjunto de dados Santos consegue incorporar

a sua descriccedilatildeo uma das evidecircncias fundamentais que apontavam diretamente na diferenciaccedilatildeo

do extrato social agrave eacutepoca denominado cristatildeo Essa conjectura aplica-se assim se por um lado

o Logos eacute eterno foi anunciado anteriormente pelos profetas esteve manifesto na mente

(brilhante) dos filoacutesofos Logo isso o define como cristatildeo Conclusatildeo o Logos eacute Cristo Nossa

deduccedilatildeo eacute fraacutegil (em sentido teacutecnico) nem visa ser emblemaacutetica No entanto define e salienta

o pensamento de Justino que como veremos abaixo Santos ratifica se utilizando de raciociacutenio

similar por entender que Justino demonstra com clareza a concepccedilatildeo cristatilde daquele periacuteodo

sobre o Logos

O Logos total eacute aquele que soacute os cristatildeos possuem Por isso o cristianismo eacute a religiatildeo

por excelecircncia acima de toda filosofia e de qualquer matriz de pensamento humano

Justino declara que o cristianismo ldquomostra-se mais sublime do que todo o ensinamento

humano pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo por inteiro que eacute Cristo

manifestado por noacutes tornando-se corpo razatildeo e almardquo (JUSTINO II Apologia X 1)

O Logos eacute o Deus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles que

manifestam o Logos divino pois o possuem de forma integral O que eles manifestam

do Logos eacute o seu amor pela humanidade que eacute a razatildeo maacutexima de sua encarnaccedilatildeo

Entatildeo os cristatildeos revelam ao mundo que ldquoEle se tornou homem para partilhar de

nossos sofrimentos e curaacute-losrdquo (JUSTINO II Apologia XIII 4) O Logos serve para

explicar a semelhanccedila do comportamento moral dos cristatildeos com os ensinamentos dos

filoacutesofos principalmente os platocircnicos e estoicos (JUSTINO II Apologia XIII 2) e

ao mesmo tempo classifica os cristatildeos como superiores a eles (JUSTINO II Apologia

X 1)480

Para concluir a exposiccedilatildeo acerca de Justino dentro da filosofia grega podemos afirmar

sem nenhuma duacutevida que o Apologista eacute um verdadeiro filoacutesofo que entre outras coisas

compreendeu e praticou a vivacidade da revelaccedilatildeo do Logos divino entre os homens sempre

salientando que ldquotoda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo481 Assim neste processo

conduzido por Justino podemos afirmar que revelou-se ldquoa grande ideia (Logos) marcada com

o selo do gecircnio (Justino) que vai fazer desembocar na verdade cristatilde o platonismo o filonismo

e toda a expectativa das geraccedilotildees humanasrdquo482

A partir disto prosseguiremos falando a respeito do capiacutetulo XXVIII de nossa obra

referencial Poreacutem a partir de agora abordaremos precisamente uma de suas principais

480 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

481 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 29

482 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

110

caracteriacutesticas Essa peculiaridade que possivelmente se mostra como a mais elaborada entre

as proposiccedilotildees por noacutes jaacute apresentadas realccedila e enobrece nossa busca pelos melhores

argumentos para a definiccedilatildeo do termo Verdade retratado na I Apologia Assim uma

interrogaccedilatildeo elementar em nossa construccedilatildeo comeccedila a ser diretamente respondida

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra Virtude e vicio seriam puros nomes e os homens considerariam as coisas

como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidade483

O uacuteltimo item deste capiacutetulo visa possibilitar uma clara visatildeo bem como garantir a

genuiacutena adesatildeo ndash questatildeo que entendemos natildeo apenas como necessaacuteria mas sim como

fundamental para a compreensatildeo deste conceito ndash agrave perspectiva de Justino quanto ao que ele

sentenciou como algo determinante em sua proposta apologeacutetica Este modelo de conduta

adotado por Justino natildeo apenas relacionado pontualmente neste caso (I Apologia) caracteriza

com vigor desde o iniacutecio sua orientaccedilatildeo intelectual Aleacutem disso Justino passou a afirmar com

esta evidenciaccedilatildeo de casos toda sua ordem teoloacutegica baseada em sua anaacutelise racional como

tambeacutem agrave explicava ou no miacutenimo agrave definia mediante a maneira que estas relaccedilotildees se

posicionavam

Walde ao analisar aquilo que poderiacuteamos chamar do ldquocampo de anaacutelise racionalrdquo de

Justino ndash ao qual este estabelecia e limitava a sua reflexatildeo ndash sustenta que o pensamento da

Apologista parte de um ponto fixo de uma base depositada profundamente num conceito de

sua racionalizaccedilatildeo Segundo Walde para Justino ldquoQualquer coisa racional eacute cristatilde e qualquer

coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os homens da razatildeo e liberdade que natildeo

estavam perdidos desde a quedardquo484

Apoacutes esta citaccedilatildeo faz-se novamente necessaacuterio afirmar que esta pesquisa natildeo almeja

diretamente um debate soterioloacutegico nem sequer visa agregar conceitos ndash de nenhuma espeacutecie

ndash ao termo ldquoLivre Arbiacutetriordquo que empregado indiretamente por Walde possa sugerir debates

483 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4 grifo nosso)

484 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

111

teoloacutegicos nessa esfera Contudo salientamos que a ideia transmitida por Justino no capiacutetulo

XXVIII pode ser empregada com determinada liberdade nesta discussatildeo soterioloacutegica pois a

tomada do Livre Arbiacutetrio como atributo caracteriza uma abrangecircncia muito significativa

especialmente quando Justino afirma que o homem racional eacute ldquocapaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus pois todos

foram criados racionais e capazes de contemplar a verdaderdquo485

Entretanto agregar este ldquoescolherrdquo para fins soterioloacutegicos na tentativa de se

apresentar alguma possibilidade (em forma ou modo) de participaccedilatildeo humana no ato salviacutefico

de Deus em Cristo buscando dar o sentido de que o convencimento salviacutefico natildeo eacute uma

exclusividade da accedilatildeo Divina parece-nos ser um literal descaso com o texto uma vez que se

agrega a Justino algo que ele simplesmente natildeo estava tentando comunicar

Dando seguimento ao nosso assunto mencionamos que o principal criteacuterio que

procuramos definir nesta exposiccedilatildeo estaacute relacionado a importacircncia delegada por Justino agrave razatildeo

humana Eacute imprescindiacutevel nesta construccedilatildeo salientarmos que este recurso humano

(razatildeoracionalidade) era compreendido por Justino (e tambeacutem dos demais Apologistas do

periacuteodo) como uma das principais (se natildeo haacute principal) daacutedivas de Deus ao ser humano486 e

natildeo apenas isso mas este ldquopresenterdquo (uma espeacutecie de ldquodomrdquo praacutetico) possuiacutea tambeacutem uma

accedilatildeo determinante na existecircncia humana para com as coisas celestiais tanto no presente

(cotidiano) como para o futuro (escatoloacutegico) do ser criado

Inicialmente detectamos em Justino a importacircncia por ele atribuiacuteda agrave racionalidade

no homem quando passa a afirmar que ldquoNo princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional

capaz de escolher a verdade e praticar o bemrdquo487 Desta forma na concepccedilatildeo do Apologista a

Verdade era comunicada ndash ou ateacute mesmo sentenciada ndash ao ser humano por meio de sua

condiccedilatildeo inata (existente e natildeo adquirida) ou seja seu estado racional Aqui cabe-nos ainda

ressaltar que para Justino o homem para receber a revelaccedilatildeo da feacute em Cristo e mediante isso

agregar a si as benesses eou becircnccedilatildeos desta relaccedilatildeo se fazia necessaacuterio uma transmissatildeo desse

conhecimento ao entendimento humano e isso se dava pelo uso da razatildeo

Walde novamente soma a nossa pesquisa ao conceituar que ldquoDeus simplesmente natildeo

era conhecido por meio da razatildeo abstratardquo488 Assim podemos afirmar que Justino compreendia

485 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

486 DROBNER Manual de Patrologia 2008

487 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

488 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

112

(fortemente influenciado por uma tendecircncia apologista) que a Verdade naturalmente emergia

ao intelecto humano pela razatildeo apoacutes a conversatildeo do homem a Cristo Isso se condicionava

porque era o proacuteprio fruto da accedilatildeo regeneradora do Evangelho no ser humano que agora era

capaz de compreender o processo de separaccedilatildeo entre o joio e o trigo caso contraacuterio os ldquohomens

considerariam as coisas como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior

impiedade e iniquidaderdquo489

Neste contexto vemos um contraste interessante se formar Pois o Apologista nos

conduz a um quadro extremo no qual apresenta a opiniatildeo humana versus a Verdade Neste

ponto importa mencionarmos Fluck que afirma que Justino ldquoConsiderava que os adversaacuterios

do cristianismo insultavam a razatildeo e a moralrdquo490 Pode ateacute mesmo ser loacutegico poreacutem para nossa

pesquisa eacute imperativo e necessaacuterio salientar que para Justino natildeo havia duacutevidas acerca da

superioridade da Verdade quando revelada (especialmente no Logos) em oposiccedilatildeo agrave razatildeo

humana (caracterizada principalmente pela razatildeo oriunda da filosofia grega) Neste aspecto

Walde eacute categoacuterico e nos apresenta alguns paracircmetros dessa distinccedilatildeo empregada por Justino

Devo notar aqui que esta ecircnfase na razatildeo natildeo deve nos fazer pensar que a feacute natildeo

significava nada para Justino Ele se refere muitas vezes agrave feacute em suas apologias Ele

fala de noacutes sendo transformados ldquopor feacute atraveacutes do sangue e da morte de Cristordquo Ele

inclusive se refere a Abraatildeo que ldquofoi justificado e abenccediloado por Deus devido a sua

feacute nelerdquo No entanto o assunto de conhecimento eacute central aqui porque Justino deu

mais peso em crer nos ensinos de Cristo que crer no proacuteprio Cristo491

Em vista disso natildeo haacute duacutevidas de que a capacidade para decidir para escolher para

tonificar juiacutezos para agregar ou natildeo inferecircncias ou ateacute mesmo para se possuir um meacutetodo de

postura loacutegica passava claramente pela apropriaccedilatildeo da Verdade por meio da razatildeo humana na

concepccedilatildeo de Justino Sendo possiacutevel a partir de entatildeo formar-se no homem (exclusivamente

na experiencia cristatilde ndash com o verdadeiro Logos) os acordos morais para constituiccedilatildeo dos

pensamentos ou das ideias necessaacuterias para a vida humana

Por conseguinte somente aqueles que agregavam a si esta ldquorazatildeordquo (o Logos) poderiam

usufruir de um verdadeiro discernimento e juiacutezo que era proveniente Daquele que se tornou

489 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

490 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

491 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

113

ldquocorpo razatildeo e almardquo492 Diante disso clarificasse a ideia e torna-se vigente o conceito de que

para Justino o Logos eacute o ldquoDeus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles

que manifestam o Logos divino pois O possuem de forma integralrdquo493 Neste ponto em questatildeo

Schaff nos ajuda na compreensatildeo desta distinccedilatildeo

O cristianismo conteacutem a racionalidade necessaacuteria para ser aceito e compreendido pela

filosofia grega Dessa maneira defendendo o cristianismo Justino defendeu a feacute

cristatilde referindo-se agrave feacute em Cristo como forma de justificaccedilatildeo e transformaccedilatildeo sendo

essa feacute totalmente racional494

Este comportamento da feacute compreendida eou assimilada pela razatildeo mostrou-se mais

como uma forma de pensamento do que de conduta naquele momento da histoacuteria495 Isso levou

a classe Apologista do periacuteodo de Justino (praticamente toda helenista em sua origem eou base

cultural) a considerar este procedimento justo e legiacutetimo em sua ordem o que tambeacutem de

maneira muito razoaacutevel possibilitou que este entendimento fosse aceito e vivido496 de forma

significativa em determinados nichos da referida realidade sociorreligiosa

Neste quesito em particular notamos com clareza que o procedimento adotado por

Justino para defender a feacute cristatilde se utilizou de admiraacuteveis recursos filosoacuteficos (racionais)

Justino ldquoSoube juntar admiravelmente os princiacutepios da razatildeo com os dogmas da feacuterdquo497 para

comunicar-se com uma classe distinta intelectualmente de modo especial com aqueles

(Imperadores Senadores outros) aos quais as obras foram dirigidas (a I e II Apologias e o

Diaacutelogo com Trifatildeo no caso de Justino especificamente) A legitimidade da proposta de Justino

(apresentar a feacute cristatilde como um fato racional a ser implantado e assimilado pelos ouvintes)

permite algumas consideraccedilotildees Walde argumenta nesta direccedilatildeo quando diz

Era importante mostrar a racionalidade da feacute e o Logos era o locus da razatildeo nas altas

escolas de filosofia grega [] Isso garantiu a racionalidade do cristianismo

492 JUSTINO II Apologia X 1

493 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

494 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

495 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

496 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

497 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

114

identificando a Jesus como o Logos indicando Sua antiguidade que era importante

para a mentalidade grega em estabelecer uma crenccedila498

A partir deste ponto fomentaremos a atribuiccedilatildeo enfaacutetica do capiacutetulo XXVIII da I

Apologia onde Justino afirma com veemecircncia e certo rigor que ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus

se preocupe com essas coisasrdquo499 este (ou estes) passa por um consideraacutevel descompasso de

ordem moral Esta afirmaccedilatildeo eacute muito relevante no conjunto em que estaacute aplicada pois denota

de maneira singular toda a estrutura da mensagem do Apologista

Referente a esse caso nos eacute possiacutevel afirmar balizados em toda a descriccedilatildeo

empreendida do sistema de loacutegica adotado por Justino ndash sob clara influecircncia da escola

platocircnica500 ndash que para o Apologista os natildeo-cristatildeos (praticantes ou natildeo dos valores atribuiacutedos

a razatildeo) natildeo conseguiam ponderar com a autecircntica ldquorazatildeo universalrdquo a mesma que era e estava

implantada no ser humano de maneira inata e agora se fazia conhecer porque manifestava-se

nas vidas (consciecircncias regeneradas) dos cristatildeos501

A concepccedilatildeo sobre uma ordenaccedilatildeo coacutesmica universal vista na filosofia estoica502

comeccedila no contexto teoloacutegico de Justino a ser denominada de Logos Spermatikoacutes503 Conceito

que de forma ampla e sistemaacutetica passa a ser usado pelo autor ndash e consequentemente pelo meio

cristatildeo ndash em sua II Apologia na qual Justino ldquoatribui a Cristo a expressatildeo lsquoLogos Spermatikoacutesrsquo

(verbo seminal ou semente da razatildeo) significando que dEle procedem todas as coisasrdquo504

Assim quando os homens natildeo aceitam a distinccedilatildeo que a Verdade oferece para tudo que a ela eacute

estranho prova-se que eles (homens) necessariamente agem sem estar em seu juiacutezo pleno

completo perfeito ou seja natildeo satildeo dirigidos nem governados pelo verdadeiro Logos Nisso se

498 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

499 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

500 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

501 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

502 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

503 Fluck explica que o que se entendia na filosofia como ldquorazatildeo universalrdquo imanente em todas as coisas foi

relacionado a ldquosemente racionalrdquo que estaacute presente em todo ser humano (Logos Spermatikoacutes ou semente do

Logos) Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 33 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em

Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 17 Jaacute Haumlgglund diz que a razatildeo como um embriatildeo encontra-se implantada dentro

deles (Loacutegos Spermatikoacutes) Mas os apologistas em contraste com os estoicos natildeo diziam ser ela uma espeacutecie de

razatildeo universal concebida panteisticamente Em vez disso identificavam o Logos com Cristo Ver HAumlGGLUND

Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

504 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 20

115

conclui que estes homens estatildeo corrompidos na ldquosua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidaderdquo505

Logo podemos deduzir um final especiacutefico ao pensamento de Justino nesta periacutecope

Entendemos que o paralelo entre feacute e razatildeo eacute um excelente instrumento indicativo orientador

e balizador na tentativa de afirmaccedilatildeo de sua doutrina e de refutaccedilatildeo do erro sendo que o

constituidor dessa anaacutelise deficiente da realidade (o erro de natildeo se utilizar corretamente da

razatildeo) se estabelecia em um conjunto temaacutetico muito amplo e complexo (crenccedilas instituiccedilotildees

poliacutetica etc) o qual decidimos chamar de realidade ou meio sociorreligioso

Sabemos que aplicar o relato de Justino a anaacutelises contemporacircneas pode causar um

aprisionamento indevido de um pensamento nobre e puro mas eacute inquestionaacutevel o uso de meios

e ferramentas que mostram com clareza ndash em uma orquestraccedilatildeo quase impecaacutevel ndash os incriacuteveis

subsiacutedios racionais que Justino possui para julgar o cenaacuterio de seus conflitos Dreher nesta

esteira enfatiza que para Justino em ldquoCristo toda a filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo Por isso os

cristatildeos satildeo os verdadeiros seres racionaisrdquo506

Portanto deduzimos a partir de tantas evidecircncias que na compreensatildeo de Justino a

Verdade tambeacutem se encontra no seu oposto pois sempre que o homem natildeo usar da razatildeo para

assumir viver e praticar a Verdade ldquoou teraacute que confessar com sofismas que natildeo existe (a

Verdade) ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como uma

pedrardquo507

Na abordagem deste capiacutetulo trabalhamos a construccedilatildeo da imagem de Justino Maacutertir

como um filoacutesofo inserido e atuante no mundo greco-romano do Seacuteculo II dC ou como citado

anteriormente da filosofia na vida do cristatildeo Justino Procuramos por meio deste exame fazer

uma clara e suficiente descriccedilatildeo do corpo base desta anaacutelise que partiu e se concentrou no

capiacutetulo XXVIII da I Apologia Em seguida passamos a um exame da vida do autor em meio

agrave filosofia de sua eacutepoca e descrevemos as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo do

Apologista Aleacutem disso abordamos o efeito desta construccedilatildeo que possivelmente se tornou um

dos maiores (se natildeo o principal) legados deixado pelo autor Por uacuteltimo buscamos estabelecer

um comentaacuterio soacutebrio sobre a tese de Justino a respeito da realidade da razatildeo regenerada como

o agente arbitral na vida humana como a ldquoforccedilardquo condutora para se conhecer agrave Verdade

505 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

506 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

507 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

116

No proacuteximo capiacutetulo trataremos do que em nossa opiniatildeo eacute o ponto epiteacutetico deste

relato apologeacutetico de Justino Mesmo diante de muitas circunstacircncias que em sua eacutepoca afligiam

consideravelmente a cristandade Justino nos apresenta uma ldquochave mestrardquo que no seu

entendimento nos prova que o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga e deste modo a uacutenica que

revela genuinamente a Verdade

117

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO

Poderiam nos objetar ldquoQue inconveniente haacute em que esse que noacutes chamamos Cristo

seja um homem que vem de outros homens e que por arte maacutegica fez os prodiacutegios

que dizemos e por isso pareceu ser filho de Deusrdquo Apresentaremos pois a

demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos mas crendo por

necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da forma que os vemos

cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos tal como foram

profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes mesmos a mais forte

e a mais verdadeira508

Iniciamos a seccedilatildeo final desta dissertaccedilatildeo partindo novamente da principal delimitaccedilatildeo

textual empregada a esta pesquisa Neste espaccedilo nossa anaacutelise se concentraraacute no capiacutetulo XXX

da I Apologia onde encontramos uma enfaacutetica afirmaccedilatildeo apresentada acerca da leitura das

profecias do Antigo Testamento e da interpretaccedilatildeo que Justino fez delas

Quando examinamos a trajetoacuteria de Justino na feacute cristatilde nos deparamos com

comentaacuterios situacionais que visam fixar conjuntos referenciais sobre as coisas consideradas

reais as quais nos possibilitem identificar com clareza as situaccedilotildees existentes no cenaacuterio

analisado Uma dessas afirmaccedilotildees seria a de que ldquoSeguindo sua inspiraccedilatildeo (de Justino) logo

houve outros cristatildeos que se dedicaram a construir pontes entre sua feacute e a cultura da

antiguidaderdquo509 Asserccedilotildees como esta mostram um caminho amplo e sistecircmico de um projeto

de construccedilatildeo que visa estabelecer novos paradigmas neste caso especiacutefico para a cristandade

da eacutepoca

Este processo natildeo eacute formado simplesmente por elementos de coesatildeo mas tambeacutem por

muitas medidas de desconexatildeo Em alguns momentos o projeto evangeliacutestico de Justino eacute

desenvolvido majoritariamente por meios apologeacuteticos e foi amplamente caracterizado por

visar um processo de desconstruccedilatildeo dos valores vigentes de seu meio sociorreligioso algo que

jaacute atestamos anteriormente relacionando o processo dialeacutetico de Justino a outros fatores

Seguindo esse processo este capiacutetulo nasce da necessidade de apresentarmos uma

resposta satisfatoacuteria para algo que surge na parte final da porccedilatildeo selecionada como base

(capiacutetulos XXIII a XXX da I Apologia) de nossa busca de soluccedilotildees para o objetivo central desta

pesquisa Neste contexto um ponto epiteacutetico surge e se move em meio agraves palavras de Justino

sendo enfaticamente referido ao cumprimento profeacutetico do Antigo Testamento Esse caso

508 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

509 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

118

interpretativo do Apologista natildeo ocorre apenas no capiacutetulo XXX mas tambeacutem em outras

passagens da I Apologia510 as quais condicionaratildeo o alvo final de nossa anaacutelise

Entretanto se haacute um epiacuteteto significa que haacute um cliacutemax neste conjunto que requer ser

exposto e acima de tudo abordado Deste modo surgem algumas indagaccedilotildees sobre este ponto

alto levantado e abordado por Justino Essa busca nos leva a perguntar como estava a

consciecircncia sobre a realidade messiacircnica no Seacuteculo II em meio aos cristatildeos O que eram e o

que significavam as profecias consideradas messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino

Elas se realizaram na visatildeo do autor O que ele visava comunicar para seus leitores atraveacutes

delas Havia nelas um ponto alto uma maacutexima a ser revelada Por uacuteltimo havia como a

Verdade ser revelada eou representada por meio do cumprimento dessas profecias

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO

O messianismo como movimento teoloacutegico tem uma longiacutenqua e variada histoacuteria em

sua estruturaccedilatildeo e desenvolvimento Diversos cenaacuterios humanos desde as antigas dinastias do

Impeacuterio Egiacutepcio passando por quase todo crescente feacutertil chegando ateacute a antiga realeza

Mesopotacircmica descreviam traccedilos de similaridade que apresentavam um ser protagonista em

seu ambiente poliacutetico e religioso (caso essa diferenciaccedilatildeo possa existir para a eacutepoca) o qual

passa a caber como uma entidade superior gerada manifestada sustentada e dirigida

Divinamente

A pesquisa moderna nos tem surpreendido de maneira constante ao apresentar

elementos encontrados nas civilizaccedilotildees antigas os quais se referem agrave ideia sobre a existecircncia

de uma figura messiacircnica de presenccedila soberana potencial salviacutefico e valor moral ilibado O

Egito como um grande Impeacuterio na antiguidade jaacute nos expotildee uma diversidade de personagens

exoacuteticos (que envolviam essencialmente a figura do ImperadorFaraoacute) que deveriam de

maneira fundamental exercer uma ordem religiosa poliacutetica e moral Cabe-nos ressaltar de iniacutecio

que ldquolonge de produzir qualquer coisa parecida com a figura de um lsquoMessiasrsquordquo511 como no

judaiacutesmo as crenccedilas religiosas no antigo Egito salientavam que esse agente mantenedor da

ordem coacutesmica ndash com accedilatildeo visiacutevel no tempo presente ndash faria por meio de sua sucessatildeo

(dinastia) a manutenccedilatildeo desses elementos cariacutessimos para o bem geral e deste modo

510 Ver JUSTINO I Apologia XXXIII 1 XXXVI 6 XLIV 3 XLVIII 1 LI 6 LII 1 4

511 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 52

119

possibilitaria a passagem para o mundo futuro de qualidade superior por ser santificado pela

ldquopassagem do deus-Sol pelo aleacutemrdquo512

Quanto agrave regiatildeo da Mesopotacircmia os povos de origem Sumeacuteria Babilocircnica e Assiacuteria

demonstram similar afinidade quando buscam exteriorizar o modelo de realeza ideal a ser

desempenhado pelo respectivo soberano em atividade Nestes povos nos chama a atenccedilatildeo que

a linhagem deste personagem era considerada uma inquestionaacutevel instituiccedilatildeo Divina sendo

ldquodesignado pelo pai (Rei predecessor) como o priacutencipe herdeirordquo513 Tal nomeaccedilatildeo era ldquofeita

com a aprovaccedilatildeo dos deusesrdquo514 algo que tambeacutem ocorre de forma similar na aprovaccedilatildeo de

Davi e sua linhagem como monarquia perpeacutetua515 Quanto aos Mesopotacircmicos ainda eacute

necessaacuterio mencionar a respeito de suas ldquoinscriccedilotildees reacutegiasrdquo516 que apresentavam a solene

tradiccedilatildeo ao povo tambeacutem traziam consigo a responsabilidade de descrever o ethos do Soberano

como algueacutem que fora designado e iluminado divinamente para o cargoposiccedilatildeo Essa

contestaccedilatildeo explica por que ldquoNesse sentido a antiga Mesopotacircmia era verdadeiramente

messiacircnicardquo517

No Antigo Testamento variadas e amplas satildeo as alternativas que se apresentam na

construccedilatildeo de uma possiacutevel linha de pesquisa sobre o tema Elas perpassam todo o texto biacuteblico

do Pentateuco aos Profetas Menores ganhando destaque junto aos Livros Histoacuterico que ldquonos

permitem conhecer todas as luzes e sombras da esperanccedila messiacircnicardquo518 aleacutem de tambeacutem

encontrar uma ecircnfase diretiva nos Profetas Maiores (Isaiacuteas e Ezequiel por exemplo) Contudo

eacute nos escritos Poeacuteticos e Sapienciais que encontra-se o repouso pleno dessa mensagem de

esperanccedila e o Livro dos Salmos ganha significativa relevacircncia junto ao cenaacuterio Hamilton nos

enfatiza que a ldquoliteratura de Salmos considera de modo todo especial o mashicircah como agente

512 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

513 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 grifo nosso No Original

Designato dal padre come principe ereditario

514 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 No original fatta con

lapprovazione degli dei

515 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

516 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

517 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

518 SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 103

120

de Deus ou seu vice regente (como em Sl 22)rdquo519 Esta perspectiva ndash recebida mediante os

escritos considerados profeacuteticos sobre a figura ldquosalviacuteficardquo para Israel ndash fica clara quando

salienta a trajetoacuteria do Ungido ao fazer seu percurso de caraacuteter libertador e restaurativo Este

anuacutencio salviacutefico conecta-se automaticamente de forma simples ao proacuteximo passo desta missatildeo

libertadora520 a qual consideraraacute as profecias como realizadas em definitivo

Ao examinarmos alguns dos conceitos fundamentais da hermenecircutica messiacircnica no

Novo Testamento vemos que a expectativa sobre o restabelecimento de um reino Daviacutedico

sobre a terra (amplamente difundido na concepccedilatildeo religiosa do judaiacutesmo tardio) faz com que a

Nova Alianccedila estabelecida na concepccedilatildeo dos cristatildeos atraveacutes do advento do Ungido ganhe

contornos bem definidos no sentido de enxergar na figura de Jesus Cristo o cumprimento

absoluto das promessas messiacircnicas

Dos Evangelhos ao Apocalipse de Joatildeo o messianismo que antes representava

majoritariamente um princiacutepio de restauraccedilatildeo poliacutetica e espiritual para diversos movimentos

judaicos passou a ganhar nova e emblemaacutetica posiccedilatildeo pois tudo ndash em maior ou menor

proporccedilatildeo dependendo do autor biacuteblico ndash foi constituiacutedo pela forte convicccedilatildeo do elemento

messiacircnico (como um ente) relacionado agrave ldquopresenccedila terrena passada de Jesus o Messias

(prometido a Israel)rdquo521 vinculando Este agrave realidade dos fatos presentes e dos eventos futuros

(escatoloacutegicos) aguardados pelos cristatildeos Importante tambeacutem citarmos que para a formaccedilatildeo

dogmaacutetica no Seacuteculo I os relatos histoacutericos do cristianismo (Atos dos Apoacutestolos) tiveram

fundamental importacircncia nesta construccedilatildeo teoloacutegica pois viriam ldquopara confirmar tanto a

historicidade do personagem quanto sua consideraccedilatildeo popular do Messiasrdquo522

Tratando-se do periacuteodo poacutes-apostoacutelico ateacute os dias de Justino ndash ponto que se torna o

delimitador desse item ndash vemos que uma pujante cristalizaccedilatildeo sobre o conceito messiacircnico se

estruturava sem maiores dificuldades O relato escrituriacutestico somado agrave forte conscientizaccedilatildeo

sobre a existecircncia de um futuro reinado messiacircnico sobre a terra ratificava de forma decisiva

519 HAMILTON In 1255c maumlshicircah Ungido aquele que eacute ungido Dicionaacuterio Internacional de Teologia do

Antigo Testamento 1998 p 885 grifo do autor

520 Cabe-nos registrar que o periacuteodo entre 340 aC a 30 dC eacute riquiacutessimo no que se trata de documentaccedilatildeo

envolvendo o tema messiacircnico em Israel Os escritos de Qumran satildeo proacutedigos em registros que tratam sobre a

expectativaesperanccedila messiacircnica para o periacuteodo que antecede e inaugura o Novo Testamento Ver BROOKE In

Realeza e messianismo nos manuscritos do Mar Morto Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 451-472 SICRE De Davi ao Messias textos

baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 334-351

521 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 510 grifo nosso

522 MIRALLES El Mesiacuteas en tiempos del NT 2006 p 40 No original a confirmar tanto la historicidad el

personaje como su consideracioacuten popular de Mesiacuteas

121

a mentalidade cristatilde no periacuteodo a ponto de podermos afirmar que ldquotornou-se caracteriacutestica da

escatologia cristatilde primitiva por exemplo Justino Dial 113 139 Tertuliano Adv Marcionem

3 24 Irineu Adv Haer 5 33 3-4rdquo523 entre outros Pais ateacute final do Seacuteculo II o estabelecimento

do entendimento de que o pleno cumprimento das profecias messiacircnicas estava em Jesus Cristo

tanto nos fatos jaacute realizados quanto nos ainda por se cumprirem524 Este caso em especiacutefico

tambeacutem nos atesta que os Pais Apologistas foram aqueles que produziram os ldquoprimeiros ensaios

de teologia cientiacutefica que apareceram na Igrejardquo525 mostrando deste modo quatildeo notaacutevel foi

sua influecircncia Esta tendecircncia hermenecircutica messiacircnica na Patriacutestica perdurou ateacute o advento da

escola alexandrina no iniacutecio do Seacuteculo III526

Deste modo de maneira incontestaacutevel podemos afirmar que o messianismo como

temaacutetica teoloacutegica tornou-se uma das contribuiccedilotildees mais importantes da histoacuteria da

religiosidade monoteiacutesta a niacutevel mundial tendo como seus baluartes intelectuais o cristianismo

(de forma maciccedila) e algumas correntes do judaiacutesmo Este ideaacuterio teoloacutegico ndash que se concentra

em um ou dois agentes527 de superaccedilatildeo da realidade sociorreligiosa ndash iniciou-se provavelmente

como algo inserido profundamente em ditames de teor poliacutetico passando posteriormente a ser

um princiacutepio orientativo para determinados seguimentos religiosos e acabou por se definir em

uma expectativaesperanccedila de caraacuteter excepcionalmente escatoloacutegico

Salientamos que a partir do desenvolvimento da ldquoideologiardquo messiacircnica houve uma

abrupta ruptura entre as suas duas principais correntes de aclamaccedilatildeo especialmente devido a

singularidade identitaacuteria do protagonista algo de imensa relevacircncia para ambos os lados Este

fato requerido e inegociaacutevel em sua espeacutecie tornou-se o ldquoatestadordquo do cumprimento profeacutetico

das exigecircncias teoloacutegicas que distinguiam especialmente a ldquoliteratura cristatilde primitivardquo528

Obviamente sabemos que estas ldquobalizasrdquo envolvem a pessoa de Jesus morador histoacuterico da

cidade de Nazareacute como sendo o autecircntico Ungido (MessiasCristo) prometido a Israel

Os passos a seguir nos conduziratildeo de maneira especiacutefica novamente ao pensamento

de Justino Sua compreensatildeo do escopo profeacutetico messiacircnico do Antigo Testamento torna-se a

523 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 493 grifo do autor

524 Aqui nos referimos a tese moderna do ldquojaacute e o ainda natildeordquo desenvolvida por Oscar Cullmann Ver

CULLMANN Salvation in History 1967

525 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 49

526 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

527 Ver SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 342-343

528 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 492

122

partir de agora nosso alvo e objeto de anaacutelise Esse conjunto de fatos que exteriorizou a

revelaccedilatildeo Divina antes do advento do cristianismo como religiatildeo acabou por condicionar-se

entre outras coisas em um dos casos mais pertinentes da doutrina cristatilde em toda a sua histoacuteria

O Logos Palavra Verbo que encarnou na concepccedilatildeo cristatilde foi entendimento claramente como

o Messias prometido a Israel o qual toda a tradiccedilatildeo religiosa judaica (por seacuteculos) ainda

esperava poreacutem Justino junto aos seus (cristatildeos) jaacute o havia reconhecido e recebido como

Deus

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO

Toda abordagem de Justino nesta temaacutetica possui um elevado grau de reconhecimento

especialmente devido agrave sua posiccedilatildeo Patriacutestica pois em Justino nos eacute possiacutevel afirmar que este

foi ldquoum dos primeiros autores cristatildeos a formular a exegese da presenccedila do Verbo-Messias na

Lei e nos profetasrdquo529 Esse reconhecimento se destaca por meio de um forte aparato

metodoloacutegico no qual a estruturaccedilatildeo escrituriacutestica do Apologista ganha ecircnfase Xavier salienta-

nos esta orientaccedilatildeo definindo-a como um proacutedigo ldquoponto cardealrdquo na temaacutetica do autor ldquosua

obra como um todo contribuiacute para explicar a feacute cristatilde baseada nas Escrituras como a fonte

suprema de autoridade cujas profecias podem ser compreendidas somente pela Graccedila de

Deusrdquo530

Ao analisarmos a I Apologia fica-nos evidente a relaccedilatildeo que Justino faz de forma

automaacutetica ou seja como uma consequecircncia procedimental do papel das Escrituras Sagradas

referente a manifestaccedilatildeo de Cristo como pessoa humana e como ministro das coisas celestiais

Aleacutem disso Justino contempla (reconhece) nas profecias toda a revelaccedilatildeo que Deus visou

apresentar aos Homens atraveacutes do Logos encarnado em Cristo Notamos que este

condicionamento oferecido por Justino acaba por se tornar desde cedo em sua anaacutelise profeacutetica

(do Antigo Testamento) algo absolutamente imperativo e imparcial para com o

desenvolvimento de sua perspectiva messiacircnica Na visatildeo do Apologista tudo o que eacute

legalmente oferecido e constituiacutedo em Cristo ldquorepousa nas profecias veterotestamentaacuterias e no

que ele chama de lsquomemoacuteriasrsquo dos apoacutestolos ou seja os evangelhos (JUSTINO I Apologia

LXVI 3)rdquo531

529 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

530 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

531 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

123

Neste contexto cabe-nos ressaltar esta importante fundamentaccedilatildeo do Texto Sagrado

como tambeacutem da Tradiccedilatildeo Apostoacutelica encontrada em Justino Estes alicerces da feacute cristatilde

significam e tem para Justino a funccedilatildeo de ldquobuacutessolardquo teoloacutegica a qual neste caso

especificamente sempre estaacute estabilizada na direccedilatildeo do ldquonorterdquo profeacutetico o qual sem exageros

podemos chamar de uma espeacutecie de ldquonorte messiacircnicordquo Isso porque sua interpretaccedilatildeo

(exegese) nasce de uma hermenecircutica claramente messiacircnica algo que notamos sempre de

forma niacutetida quando o Apologista aponta para a direccedilatildeo de tentar migrar agrave atenccedilatildeo ndash ou

poderiacuteamos dizer moldar o entendimento ndash de seus ouvintes para estes fatos (profecias

messiacircnicas) que possuiacuteam um teor incontestaacutevel na oacutetica do Apologista Indiscutivelmente

para Justino a ldquoprofecia eacute a prova maacuteximardquo532 eacute ldquoo ponto mais forte em relaccedilatildeo agrave veracidade

do cristianismordquo533

Algumas das passagens da I Apologia contribuem decisivamente para este conceito

Por exemplo quando Justino afirma ldquoDisso proveacutem nossa firmeza em aceitar seus

ensinamentos pois se manifesta realizado tudo quanto ele predisse que aconteceria Eis a obra

de Deus dizer as coisas antes que aconteccedilam e depois mostrar o acontecido tal qual ele foi

preditordquo534 Logo adiante no mesmo contexto o Apologista robustece ainda mais seu

raciociacutenio seguindo em uma de suas mais peculiares abordagens Justino claramente natildeo visa

um posicionamento maiecircutico535 nem busca uma manifestaccedilatildeo sofista para com o puacuteblico-alvo

de sua I Apologia Assim ele reafirma com zelo a determinaccedilatildeo de seu ideaacuterio de feacute

ldquoPoderiacuteamos terminar aqui o nosso discurso sem acrescentar mais nada considerando que

pedimos coisas justas e verdadeirasrdquo536

Neste trecho transparece-nos a ideia de que Justino reconhecia nas profecias algo de

elementar e misterioso que natildeo podia ser ocultado Para o Apologista estaacute expliacutecito que aquilo

que esta projeccedilatildeo Divina ndash de essecircncia clara devida e orientada segundo a obra do Espiacuterito

Santo ndash visava expressar ao conhecimento humano era o conteuacutedo filosoacutefico salviacutefico do Logos

que ldquoilumina toda alma de boa vontaderdquo537 fazendo com que as profecias da Antiga Alianccedila

532 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 23

533 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

534 JUSTINO I Apologia XII 10 grifo nosso

535 Maiecircutica (maimiddotecircumiddottimiddotca) grego maieutikeacute ciecircncia ou arte do parto Substantivo feminino Significa Uma das

formas pedagoacutegicas do processo socraacutetico a qual consiste em multiplicar as perguntas a fim de obter por induccedilatildeo

dos casos particulares e concretos um conceito geral do objeto em estudo Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua

Portuguesa Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgmaiecircuticagt Acesso em 12 de mar 2019

536 JUSTINO I Apologia XII 11 grifo nosso

537 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

124

evidentemente conseguissem comunicar seu caraacuteter e estado superior o qual por ter-se

concretizado na manifestaccedilatildeo do Evangelho de Cristo atestava o cumprimento das Boas Novas

do Logos que os profetas (e tambeacutem os filoacutesofos538) haviam recebido no passado como um

sinal visiacutevel de que agrave Palavra Incriada visitaria plenamente aos homens Neste aspecto

podemos celebrar juntamente com Justino sua tentativa ordenada ndash e consequentemente loacutegica

ndash de aprumar a religiatildeo cristatilde neste cenaacuterio profeacutetico Sobre esta praacutetica Santos comenta o

seguinte

Em seu texto Justino parece revelar-nos que as profecias foram o que mais o

convenceram quanto agrave ldquoverdaderdquo do evangelho Se sua busca era encontrar Deus

(JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6) no cristianismo ele o encontrou a partir da

veracidade das profecias Elas eram a confirmaccedilatildeo de que o cristianismo era a

verdade que ele tanto procurava539

Quando se lecirc a I Apologia percebe-se que o contato de Justino com o Antigo

Testamento foi muito significativo algo que possivelmente foi ocasionado e fomentado por sua

relaccedilatildeo de proximidade na infacircncia e juventude com o ambiente judeu na cidade de Flaacutevia

Neaacutepolis mesmo que sua obra natildeo nos indique um ldquoconhecimento aprofundado do

judaiacutesmordquo540 do periacuteodo por parte de Justino

Contudo uma ordenaccedilatildeo de caraacuteter sadia ndash no sentido interpretativo ndash nos parece ter

surgido desde cedo na relaccedilatildeo analiacutetica de Justino para com as profecias veterotestamentaacuterios

Pode-se afirmar que os profetas e suas profecias lhe despertaram muito a consciecircncia e

provocaram grande reflexatildeo em Justino Dois outros aspectos chamam bastante a atenccedilatildeo

porque descrevem com consistecircncia a posiccedilatildeo hermenecircutica de Justino O primeiro estaacute

relacionado a sua defesa da ideia de que o Antigo Testamento retrata tipologicamente a Nova

Alianccedila O segundo eacute o conjunto messiacircnico desenvolvido na I Apologia541 algo que veremos

mais detalhadamente a seguir Voltando ao primeiro ponto a pesquisa de Xavier nos auxilia

significativamente pois consegue sintetizaacute-lo de forma ampla e coerente

538 Ver JUSTINO I Apologia XLIV 1-13

539 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

grifo nosso

540 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

541 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

125

No tratado ldquoContra Maacutercionrdquo refuta os ensinos deste que instigavam a crer em outro

deus maior do que o criador proferindo blasfecircmias e negando que o criador do

universo seja o Pai de Cristo Embora Marciatildeo fosse considerado cristatildeo ensinava

que o Antigo Testamento natildeo devia ser seguido pelos cristatildeos por ser muito diferente

dos ensinos de Cristo Os judeus por sua vez tambeacutem diziam que os cristatildeos

interpretavam mal o Antigo Testamento vendo nele a preparaccedilatildeo para a vinda de

Jesus Essas discussotildees propiciaram Justino a escrever ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo onde

ele argumenta com o judeu Trifatildeo acerca da relaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e o Antigo

Testamento utilizando-se de tipologias visando demonstrar como se interpreta o

Antigo Testamento afirmando que ldquo[] o Antigo Testamento aponta para Jesus

principalmente de dois modos mediante suas palavras profeacuteticas e mediante atos e

accedilotildees que satildeo lsquofigurasrsquo ou lsquotiposrsquo que tambeacutem apontam para Jesusrdquo A interpretaccedilatildeo

tipoloacutegica de Justino baseia-se nos proacuteprios fatos histoacutericos em particular nos fatos

da vida de Jesus542

Nesta posiccedilatildeo do exame cabe-nos recordar e ressaltar o caraacuteter fortemente

empiacuterico543 que se apresenta novamente no relato de nosso autor Este se sustenta de maneira

consideraacutevel pois eacute utilizado como um criteacuterio comprobatoacuterio da metodologia apologeacutetica de

Justino Como jaacute vimos anteriormente Justino natildeo era um empirista segundo o rigor que o

termo exige a partir do Seacuteculo XVII Entretanto o Apologista parece conduzir a concepccedilatildeo do

real a uma inevitaacutevel relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica especialmente no caso do Logos profetizado

que se manifestou em Cristo Assim torna-se inevitaacutevel reconhecer que para Justino a Verdade

se manifestou no reconhecimento da experiecircncia do homem para com agrave profecia Divina

Algo que tambeacutem nos chama bastante atenccedilatildeo nesta cena eacute que este suposto meacutetodo

empirista que poderiacuteamos chamar de claacutessico544 parece ser mais atrelado agraves teorias aristoteacutelicas

do que platocircnicas545 devido agrave grande valorizaccedilatildeo do meacutetodo indutivo Desta forma vemos no

capiacutetulo XXX da I Apologista um conjunto que visa apontar elementos de teor comprobatoacuterio

Nesta porccedilatildeo encontramos a partir da visatildeo do Apologista a seguinte conceituaccedilatildeo

Apresentaremos pois a demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos

mas crendo por necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da

forma que os vemos cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos

tal como foram profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes

mesmos a mais forte e a mais verdadeira546

542 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 19

543 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

544 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

545 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

546 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

126

Algo de importacircncia singular em toda esta exposiccedilatildeo eacute o estabelecimento da ideia

como tambeacutem a percepccedilatildeo de um estado ativo de consciecircncia em Justino Para ele as profecias

veterotestamentaacuterias tecircm sua origem (entenda-se inspiraccedilatildeo) na terceira pessoa da Trindade547

O Espiacuterito Santo que Justino chama de ldquoEspiacuterito profeacuteticordquo548 aparece em seus registros como

Aquele que atua de forma proclamadora sendo o agente inspirador e formador no espiacuterito dos

profetas da Palavra a ser promulgada trazendo ao conhecimento de todos por meio desses

servos os eventos divinos que futuramente se revelariam Aqui vale-nos registrar que o

princiacutepio de pressaacutegio como algo que foi ajuizado para se revelar num tempo futuro possuiacutea

fundamental importacircncia nesta conceituaccedilatildeo Para Justino era imprescindiacutevel em sua

construccedilatildeo apologeacutetica salientar que as profecias foram registradas efetivamente antes de seu

cumprimento ou seja antes de terem se tornado fatos reais549

Neste contexto cabe-nos examinar duas passagens da I Apologia que promovem esta

ideia Sem desejarmos abordar de maneira direta qualquer outra ecircnfase teoloacutegica nestas

passagens ndash por exemplo aplicaccedilotildees escatoloacutegicas e outras ndash iremos apenas nos focar naquilo

que entendemos ser o grau de concordacircncia substancial oferecido e exigido por ambas as

porccedilotildees dentro de nossa temaacutetica A anaacutelise profeacutetica (interpretaccedilatildeo) do Apologista se

desenvolve desta forma

Entre os judeus houve profetas de Deus atraveacutes dos quais o Espiacuterito profeacutetico

anunciou antecipadamente os acontecimentos futuros e os reis que segundo os

tempos se sucederam entre os judeus apropriando-se de tais profecias guardaram-nas

cuidadosamente tal como foram ditas e tal como os proacuteprios profetas as consignaram

em seus livros escritos em sua proacutepria liacutengua hebraica [] E de novo o mesmo

profeta Isaiacuteas inspirado pelo Espiacuterito profeacutetico disse [hellip]rdquo550

De forma emblemaacutetica vemos na apresentaccedilatildeo de Justino relacionada ao proacuteprio

Cristo Logos Messias o ponto elementar e essencial para a interpretaccedilatildeo da revelaccedilatildeo profeacutetica

do Antigo Testamento uma vez que o conhecimento transcendental relacionado agrave pessoa de

547 Justino coordena com certa razoabilidade em seus escritos a descriccedilatildeo das Trecircs Pessoas Divinas utilizando-se

especialmente para isso de foacutermulas obtidas dos ritos de batismo e eucaristia Suas referecircncias ao Espiacuterito Santo

aparecem com normalidade em suas obras embora Justino natildeo seja absolutamente claro acerca da relaccedilatildeo entre as

funccedilotildees do Espiacuterito e as do Logos em algumas passagens Entretanto eacute niacutetido que o Apologista considerava que

estes (Pai Logos e Espiacuterito) eram realmente pessoas distintas Ver JUSTINO I Apologia LXI 3-12 KELLY

Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 75

548 JUSTINO I Apologia VI 2

549 JUSTINO I Apologia XII 9-10

550 JUSTINO I Apologia XXXI 1 XXXV 3a grifo nosso

127

Jesus manifestava a sua proacutepria natureza ministerial ou seja revelava o Messias prometido a

Israel Em um contexto que aborda sobre Moiseacutes e as profecias messiacircnicas Justino eacute

categoacuterico em afirmar ldquoateacute agrave apariccedilatildeo de Jesus Cristo nosso Mestre e interprete das profecias

desconhecidas tal como foi de antematildeo dito pelo Espiacuterito Santo profeacutetico por meio de Moiseacutes

que natildeo faltaria priacutencipe dos judeus ateacute aquele para o qual estaacute reservada a realezardquo551

Nesta mesma abordagem torna-se importante fazer uma observaccedilatildeo quanto agrave

excepcional erudiccedilatildeo apresentada por Justino O Apologista fomenta uma impecaacutevel exegese

de caracteriacutestica e ordenamento dogmaacutetico algo que explica as peculiaridades do autor e seu

meio intelectual (Patriacutestico)552 distinccedilatildeo que tambeacutem pode ser detectada em sua apresentaccedilatildeo

de caraacuteter expositivo dos textos biacuteblicos utilizados553 Santos contribui decisivamente na

construccedilatildeo deste realce

Mas ele mesmo se mostra um exiacutemio exegeta ao enumerar e manusear as profecias

tanto do Antigo Testamento quanto as do Novo Testamento Justino as interpreta as

explica as esclarece revela a que se referem com uma forte argumentaccedilatildeo Haacute

algumas incoerecircncias em suas interpretaccedilotildees poreacutem estas satildeo frutos das boas

intenccedilotildees em demonstrar o quanto as profecias comprovam a superioridade da feacute dos

cristatildeos554

Notamos portanto que Justino representa mais do que uma ideia destacadamente ele

representa a continuidade de uma fiel relaccedilatildeo entre a profecia aplicada no passado e a

orquestraccedilatildeo de seu estabelecimento no presente555 Este presente que agora estaacute sob o efeito

daacute ldquotransformaccedilatildeo completa do conceito da filosofiardquo556 passa a ser entendido como um estado

contiacutenuo que invade e preenche o futuro com sua proclamaccedilatildeo por ser fidedignamente um

retrato do dogma cristoloacutegico557 ecircnfase que acaba por cristalizar-se a ponto de ser possiacutevel se

afirmar que ldquoJustino foi o primeiro verdadeiro teoacutelogo a formular uma teologia da histoacuteria

551 JUSTINO I Apologia XXXII 2b

552 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

553 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

554 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114-

115

555 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

556 Para Boehner e Gilson agrave filosofia grega como ciecircncia entendida a eacutepoca passa para os cristatildeos o controle

histoacuterico de seus atos a partir da Era dos Pais Apologista sendo Justino o elemento decisivo para que ocorresse

esse fenocircmeno cultural Ver BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

557 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

128

cristocecircntricardquo558 Deste modo finalizamos este item com o pensamento de Walde Neste

vemos com clareza que no conceito de Justino a figura humana de Jesus Cristo era literalmente

a manifestaccedilatildeo do que poderia ser considerado ldquoprofecias cumpridasrdquo559

Adicionado a esta leitura apresentamos a partir de agora o exame de um dos elementos

teoloacutegicos mais caros ao cristianismo Este singelo criteacuterio nos conduziraacute ao cliacutemax daquilo que

Justino visava comunicar por meio do processo de revelaccedilatildeo contido nas profecias do Antigo

Testamento Deste modo iniciamos a parte final desta pesquisa O item seguinte iraacute

complementar o atual e finalizar este capiacutetulo com uma anaacutelise sobre o cumprimento profeacutetico

da Primeira Alianccedila sendo esse processo o grande resultado que para Justino equivale agrave

apropriaccedilatildeo da Verdade como uma definiccedilatildeo real sobre a vida e os acontecimentos humanos

pois para Justino isso prova de maneira definitiva que a Verdade estaacute com o cristianismo Essa

evidecircncia indubitaacutevel para o Apologista eacute a encarnaccedilatildeo de Cristo

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO

Iniciamos este item citando a Walde que eacute emblemaacutetico ao se utilizar do pensamento

de Schaff quando procura introduzir em sua pesquisa um conjunto de mediadas loacutegicas que

parecem visar o estabelecimento de uma proposta a teologia de Justino Walde buscando de

maneira clara estabelecer um rigor de orientaccedilatildeo para causas que ele considera balizares

apresenta-nos mediante um meacutetodo a priori560 seu entendimento de que para Justino haacute uma

consequecircncia ndash dando-nos a impressatildeo de que este evento eacute o grau maacuteximo possiacutevel para o

caso ndash causal para aquilo que a humanidade testificou sobre a accedilatildeo salviacutefica de Deus Deste

modo Walde conjectura sobre a ideia de Schaff e nos afirma que ldquolsquoo cristianismo eacute a alta

razatildeorsquo para Justino lsquoO Logos eacute a razatildeo preacute-existente absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo

dele o Logos encarnadorsquordquo561

Eacute oportuno aqui apresentarmos um resumo de alguns pontos essenciais jaacute

desenvolvidos em nossa pesquisa principalmente na questatildeo que envolve o conceito do Logos

em Justino poreacutem agora focado no dogma da encarnaccedilatildeo de Jesus Cristo

558 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

559 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

560 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

561 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5 grifo nosso

129

Desta maneira optamos por comeccedilar esta reapresentaccedilatildeo de uma forma mais geneacuterica

onde a explanaccedilatildeo de Dreher contribui de maneira significativa Ele escreve ldquoO cristianismo

segundo Justino natildeo soacute eacute a mais antiga como tambeacutem a religiatildeo mais natural e praacuteticardquo562

Trata-se de uma harmoniosa relaccedilatildeo entre estado e forma ou talvez entre causa e efeito O

cristianismo como corpo (uma coletividade organizada) passa a ser o efeito seleto de uma

substacircncia (Logos) que eacute perfeita e sublime na concepccedilatildeo de Justino563 O mesmo sentido

conseguimos captar em Dreher que apresenta a seguinte definiccedilatildeo a respeito do ideaacuterio

apologeacutetico do Seacuteculo II

Toda a histoacuteria em uacuteltima anaacutelise se desenrola em direccedilatildeo ao cristianismo Homens

como Heraacuteclito e Soacutecrates foram inspirados pelo Logos divino bem como os

precursores do cristianismo Abraatildeo Elias e outros profetas Judeus Em Cristo toda a

filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo564

Novamente algo bem condensado nos aparece junto aos comentaacuterios feitos a respeito

do Logos especialmente no que se refere aquilo ou aqueles que envolviam o ambiente

sociorreligioso de Justino ndash lugar de sua conceituaccedilatildeo por excelecircncia O cenaacuterio cultural

descrito conduz (de maneira linear) o tema a uma nova anaacutelise temporal devido ao forte teor

teoloacutegico que possuiacutea Esta mensagem reorientada (o Logos que tornou-se Homem) por Justino

afirmava que tudo o que um dia foi profetizado por um povo estrangeiro ndash considerado de

cultura ldquoestranha e inferiorrdquo a realidade do mundo greco-romano ndash a partir de agora os conduzia

a Verdade e isso de forma antroacutepica por meio de uma ideia um tanto quanto exoacutetica (absurda)

para esse meio cultural Esse novo conceito afirma que um ser excelso (divino) tinha se tornado

um ser humano ou seja que ele havia encarnado

Na mesma linha de Dreher Wachholz se pronuncia de forma muito similar ele

escreve ldquoPara Justino o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga pois foi preparada pelo Logos

como se evidecircncia nos profetas e no pensamento grego Em Cristo a filosofia chega agrave plenitude

Mais do que isso toda a histoacuteria se desenvolve na direccedilatildeo do cristianismordquo565 Desta maneira

a transmissatildeo dessa ideia acaba por ganhar um teor imperativo em sua implicaccedilatildeo pois nesse

ponto (encarnaccedilatildeo do Logos) a leitura que compreendemos ter havido por parte de Justino

562 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

563 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

564 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

565 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 61 grifo nosso

130

referente agrave Primeira Alianccedila comeccedila a apresentar de maneira elaborada seu ente e

consequentemente a este sua essecircncia Seu ente eacute Jesus Cristo (o Homem) sua essecircncia eacute

Logos566

Deste modo manifesta-se algo profundo na construccedilatildeo e postura de Justino quando

ele passa a atribuir (mesmo que de forma implicitamente) agrave encarnaccedilatildeo de Cristo toda a

eficiecircncia necessaacuteria para o pleno cumprimento das profecias do passado Notamos que na

opiniatildeo do Apologista as questotildees referentes a libertaccedilatildeo do homem de sua ignoracircncia e das

accedilotildees demoniacuteacas que o escravizam ndash assunto que eacute amplamente tratado na I Apologia567 ndash

acabam por exercer relevante importacircncia no cenaacuterio humano de forma geral porque estas

mazelas espirituais dominam e vituperam o ser humano aprisionando-o por meio de sofismas

e de falsos exames da verdadeira realidade histoacuterica Esse ponto eacute realmente relevante quando

tratamos sobre o pensamento de Justino pois ele entendia de maneira praacutetica568 que os

democircnios possuiacuteam uma missatildeo ordinaacuteria de ldquoreduzir os homens a escravos e assistentes

seusrdquo569

A ligaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e a filosofia grega natildeo se faz sem conflitos570 e natildeo eacute uma

questatildeo de menor impacto no periacuteodo do Seacuteculo II No que cabe a delimitaccedilatildeo deste estudo o

comentaacuterio de Gonzaacutelez a respeito do Tratado de Taciano571 retrata esse conflito de visotildees que

cercava o avanccedilo do Evangelho em meio a cultura helecircnica do periacuteodo Este registro traz

importante contribuiccedilatildeo ao nosso raciociacutenio Gonzaacutelez diz

Tudo o que a haacute de valioso entre os gregos ndash prossegue Taciano ndash eles o tomaram dos

baacuterbaros Assim por exemplo a astronomia aprenderam dos babilocircnios a geometria

dos egiacutepcios e a escrita dos feniacutecios E o mesmo pode se dizer acerca da filosofia e da

religiatildeo pois os escritos de Moiseacutes satildeo muito mais antigos que os de Platatildeo e ateacute mais

antigos que os de Homero Se Homero e Platatildeo realmente eram pessoas cultas

segundo os proacuteprios gregos dizem era de se supor que conhecessem os escritos de

Moiseacutes Portanto qualquer coincidecircncia entre a cultura supostamente grega e a

religiatildeo dos ldquobaacuterbarosrdquo hebreus e cristatildeos deve-se a que os gregos aprenderam sua

sabedoria dos baacuterbaros Mas em todo caso o certo eacute que os gregos ao lerem a

566 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

567 JUSTINO I Apologia V 1-4 IX 1 X 6

568 JUSTINO I Apologia XIV 1

569 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

570 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

571 O escrito chama-se de Discurso aos Gregos composto por Taciano o mais famoso entre os disciacutepulos de

Justino Esta obra reconhecidamente representa um ataque frontal contra tudo que os gregos consideravam

valioso em seu exerciacutecio da racionalidade especialmente naquilo que constituiacutea as bases de sua metafisica O

escrito de caraacuteter apologeacutetico tambeacutem se salienta pela defesa dos chamados ldquobaacuterbarosrdquo isto eacute dos cristatildeos Ver

GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

131

sabedoria dos ldquobaacuterbarosrdquo natildeo a entenderam e portanto adulteraram a verdade que os

hebreus conheciam Portanto a suposta sabedoria grega natildeo eacute senatildeo um paacutelido reflexo

e uma caricatura da verdade que Moiseacutes conheceu e que os cristatildeos agora pregam572

Um fator nesta conjuntura que apresenta caracteriacutesticas agudas estaacute na apropriaccedilatildeo de

que agrave ldquosabedoriardquo (como sendo o grande fundo de conhecimento) proveniente da filosofia e

toda ou qualquer outra forma de conhecimento humano considerado como elevado para a

concepccedilatildeo da eacutepoca usava de bases ontoloacutegicas em sua refutaccedilatildeo dos elementos vitais

apresentados pela feacute cristatilde que estava em pleno estabelecimento e curso de seu exerciacutecio

naquele ambiente gentiacutelico573

O ministeacuterio a morte e especialmente a ressurreiccedilatildeo de Cristo574 causavam natildeo apenas

estranheza mas tambeacutem incocircmodo a classe intelectual dominante O testemunho de Paulo nos

apresenta uma fraccedilatildeo dessa realidade cultural O Apoacutestolo desenvolve uma definiccedilatildeo

figurativa mas nada ilusoacuteria desta realidade e de sua reaccedilatildeo para com a nova mensagem que

surgia Ele escreve ldquoPorque tanto os judeus pedem sinais como os gregos buscam sabedoria

mas noacutes pregamos a Cristo crucificado escacircndalo para os judeus loucura para os gentiosrdquo (1

Co 122-23) Neste contexto Paulo afirma que os ldquogregos insistiam em explicaccedilotildees racionais e

buscavam sistemas especulativosrdquo575 Um procedimento de harmonizaccedilatildeo que facilmente

condicionava a si exigecircncias de que ldquoDeus se revelasse em harmonia com as suas ideias em

particularrdquo576

Portanto atraveacutes dos relatos registrados acima podemos afirmar que uma espeacutecie de

ldquomonopoacutelio do saberrdquo procurava se manter vigorosamente ativo Este cenaacuterio histoacuterico foi o

mesmo em que Justino teve que apresentar sua mensagem apologeacutetica afirmando que Aquele

ao qual representava simbolizava a plena afirmaccedilatildeo de uma loacutegica da ordenaccedilatildeo Divina entre

os homens Isso se concretiza em suas obras especialmente na I Apologia quando afirma ndash de

uma forma praticamente sistemaacutetica ndash que as profecias do Antigo Testamento se cumpriram na

encarnaccedilatildeo do Logos A obra de Gonzaacutelez nos auxilia na compreensatildeo desta loacutegica orientada e

proposta por Justino

572 TACIANO Discurso Contra os Gregos apud GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

573 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 88

574 Ver Atos dos Apoacutestolos 1718-32

575 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 253 grifo do

autor

576 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 254

132

Segundo os filoacutesofos gregos tudo o que nossa mente consegue compreender o faz

porquecirc de algum modo participa do ldquologosrdquo ou razatildeo universal Por exemplo se

podemos compreender que dois e dois satildeo quatro isso se deve ao fato de que tanto

em nossa mente como no universo existe um ldquologosrdquo uma razatildeo ou ordem segundo

o qual dois e dois satildeo quatro Ora o que os cristatildeos creem eacute que em Jesus Cristo esse

logos ndash e esta eacute a palavra que aparece no proacutelogo do Quarto Evangelho ndash se fez carne

O que Joatildeo 114 nos diz eacute que a razatildeo fundamental do universo o verbo ou palavra

(logos) de Deus se fez carne em Jesus Cristo577

Nesse ambiente tatildeo carregado de ordenamentos filosoacuteficos e por conseguinte tambeacutem

teoloacutegicos nasce uma interrogaccedilatildeo de acentuada relevacircncia ldquoMas por que esta interpretaccedilatildeo

sobre Jesus deve ser acreditadardquo578 Como premissa seria interessante (ou necessaacuterio)

providenciar uma soluccedilatildeo para esta demanda partindo do que podemos encontrar no proacuteprio

autor (Justino)

Assim o Apologista comeccedila a nos responder este ponto que poderia ser interpretada

como repetitiva eou ateacute mesmo ldquotrivialrdquo para com o contexto filosoacutefico e teoloacutegico moderno

Contudo esta questatildeo parece ter sido solucionada de forma amplamente criativa e inovadora

para com aquele contexto sociorreligioso Justino responde essa pergunta de caraacuteter entranhaacutevel

ndash figadal para alguns ouvintes espirituosa para outros ndash dizendo ldquoos homens poderiam

considerar incriacutevel e impossiacutevel de acontecer Deus o indicou antecipadamente por meio do

Espiacuterito profeacutetico para que quando acontecesse natildeo lhe fosse negada a feacute e sim justamente

por ter sido predito fosse acreditadordquo579

Entretanto cabe-nos realocar Walde nesta construccedilatildeo conceitual (a pergunta acima eacute

de sua autoria) Ele nos propotildee duas razoaacuteveis respostas na tentativa de concretizar sua ideia

tendo como base o que pode ser considerado um resultado ordenado na tentativa de tornar a

mensagem de Justino plausiacutevel A primeira baseia-se direta e integralmente em uma citaccedilatildeo da

I Apologia Walde vecirc com consideraacutevel eficiecircncia nas palavras de Justino580 uma opccedilatildeo

admissiacutevel para emoldurar essa questatildeo Importante tambeacutem eacute entendermos que no contexto

daquela eacutepoca (e igualmente na atualidade) em questotildees que envolviam a aplicaccedilatildeo de algumas

proposiccedilotildees natildeo bastava ser diretivo era necessaacuterio ser consequente Desta forma o autor

inicia a resposta agrave sua pergunta citando o Apologista581

577 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

578 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

579 JUSTINO I Apologia XXXIII 2

580 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

581 Ver JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

133

Nos livros dos profetas jaacute encontramos anunciado que Jesus nosso Cristo deveria vir

nascido de uma virgem que ele chegaria agrave idade adulta curaria toda doenccedila toda

fraqueza e ressuscitaria dos mortos que seria invejado desconhecido e crucificado

que morreria ressuscitaria e subiria aos ceacuteus que ele eacute e se chama Filho de Deus que

ele enviaria alguns para proclamar essas coisas a todo o gecircnero humano e seriam os

homens das naccedilotildees aqueles que mais creriam nelerdquo E essas profecias foram feitas

umas cinco outras trecircs outras dois mil e outras mil e oitocentos anos antes que ele

aparecesse no mundo Com efeito eacute sabido que os profetas se sucederam uns aos

outros de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo582

A segunda resposta de Walde se orienta atraveacutes de uma questatildeo cultural que tambeacutem

possui uma importante relevacircncia neste cenaacuterio ldquoNatildeo soacute foi o cumprimento da profecia notaacutevel

em si mesmo mas tambeacutem foi significante que tais profecias foram feitas muito antes dos

filoacutesofos gregos pois diferente de hoje a antiguidade era importante para a mentalidade grega

em estabelecer uma crenccedilardquo583 Cabe-nos registrar que nesse enlace a pesquisa biacuteblica teoloacutegica

poderia apontar datas posteriores (ao periacuteodo da Filosofia Claacutessica) para a promulgaccedilatildeo dessas

Palavras Profeacuteticas (Messiacircnicas) aleacutem de debater se os ldquotextos satildeo autecircnticosrdquo584 no entanto

lembramos que nosso alvo em anaacutelise estaacute centrado na pessoa de Justino o qual sem nenhuma

duacutevida eacute um dos pioneiros da interpretaccedilatildeo de caraacuteter expositivo e natildeo cientiacutefico meacutetodo (por

assim chamar) reconhecidamente usual no periacuteodo Patriacutestico ateacute o Seacuteculo V585 Deste modo

para Justino natildeo havia duacutevidas as profecias satildeo anteriores aos filoacutesofos

Na busca de um resultado mais qualificado para esta pesquisa entendemos que uma

anaacutelise mais pormenorizada da I Apologia ainda se faz necessaacuteria em pelo menos um quesito

O cenaacuterio no qual a I Apologia foi escrita expunha necessidades claras de se apresentar

evidecircncias fortes na tentativa de se estabelecer o status necessaacuterio as provas que visavam

atestar o cumprimento das profecias messiacircnicas na existecircncia futura (encarnaccedilatildeo) de Cristo

Nunca podemos esquecer que para Justino de forma primordial o cristianismo se estabelecia

em um esquema com propriedades ldquomorfoloacutegicasrdquo pois este era mais que um sistema ndash como

configurado em escolas filosoacuteficas ndash ele era essencialmente ldquouma pessoa o Verbo encarnado

e crucificado em Jesus que lhe revelou o misteacuterio de Deusrdquo586 Para Justino questotildees factiacuteveis

parecem ser importantes ou ateacute mesmo fundamentais no programa que ele visava representar

582 JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

583 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

584 ROumlSEL Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea 2009 p 95

585 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

586 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152 grifo nosso

134

de forma minuciosa Sendo assim vemos em sua construccedilatildeo apologeacutetica um claro objetivo de

desenvolvimento daquilo que ele desejava provar por meio de suas palavras

Eacute portanto necessaacuterio apresentar detalhadamente as citaccedilotildees que salientam a

encarnaccedilatildeo de Cristo na visatildeo de Justino O esquema abaixo baseia-se nas obras de Frangiotti587

e Santos588 os quais retratam em seus trabalhos esta conexatildeo exegeacutetica existente em Justino

Neste esquema conseguimos visualizar com significativa clareza (de maneira ateacute mesmo

didaacutetica) a notaacutevel relaccedilatildeo dos textos da I Apologia com os textos do Antigo Testamento que

para Justino antecipam a encarnaccedilatildeo de Cristo Segundo a obra do Apologista a realizaccedilatildeo das

Palavras preditas pelos profetas de Israel constitui a conexatildeo com o Logos tornado carne e

concretiza um dos pontos elementares da accedilatildeo de Deus em meio aos homens Partindo da I

Apologia em paralelo com a Primeira Alianccedila vemos

I Apologia Antigo Testamento

Moiseacutes que foi o primeiro dos profetas

disse literalmente ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe

de Judaacute nem chefe saiacutedo de seus

muacutesculos ateacute que venha aquele a quem

estaacute reservado Ele seraacute a esperanccedila das

naccedilotildees amarrando seu jumentinho agrave

vinha e lavando sua roupa no sangue da

uvardquo (JUSTINO I Apologia XXXII 1)

ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe de Judaacute nem mesmo um

chefe de suas entranhas ateacute que venha aquilo

que estaacute guardado para ele ele eacute a expectativa

dos povos Ele amarraraacute seu jumentinho agrave

vinha e o filhote do seu jumento ao ramo ele

lavaraacute sua veste em vinho e o seu manto no

sangue das uvasrdquo589 Gecircnesis 4910-11

E Isaiacuteas outro profeta diz a mesma coisa

com outras palavras ldquoLevantar-se-aacute uma

estrela de Jacoacute e uma flor subiraacute da raiz

de Isaiacute e as naccedilotildees esperaram sobre o seu

braccedilordquo (JUSTINO I Apologia XXXII

12a)

ldquoLevantar-se-aacute um broto da raiz de Jesseacute e um

renovo subiraacute desta raiz [] Naquele dia

haveraacute a raiz de Jesseacute que se levanta para

587 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 24-26

588 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 115-

117

589 No original ldquoοὐκ ἐκλείψει ἄρχων ἐξ Ιουδα καὶ ἡγούμενος ἐκ τῶν μηρῶν αὐτοῦ ἕως ἂν ἔλθῃ τὰ ἀποκείμενα αὐτῷ

καὶ αὐτὸς προσδοκία ἐθνῶν δεσμεύων πρὸς ἄμπελον τὸν πῶλον αὐτοῦ καὶ τῇ ἕλικι τὸν πῶλον τῆς ὄνου αὐτοῦ πλυνεῖ

ἐν οἴνῳ τὴν στολὴν αὐτοῦ καὶ ἐν αἵματι σταφυλῆς τὴν περιβολὴν αὐτοῦrdquo

135

governar as naccedilotildees nele esperaratildeo as naccedilotildees

e seu repouso seraacute gloriosordquo590 Isaiacuteas 11110

Escutai agora como foi literalmente

profetizado por Isaiacuteas que Cristo seria

concebido por uma virgem Ele diz o

seguinte ldquoEis que uma virgem conceberaacute

e daraacute agrave luz um filho e lhe poratildeo o nome

Deus conoscordquo (JUSTINO I Apologia

XXXIII 1)

ldquoPor causa disto o proacuteprio Senhor vos daraacute

um sinal eis que a virgem conceberaacute e daraacute agrave

luz um filho e tu lhe daraacutes o nome de

Emanuelrdquo591 Isaiacuteas 714

Escutai agora como Miqueacuteias outro

profeta predisse o lugar da terra em que

ele nasceria Assim diz ldquoE tu Beleacutem terra

de Judaacute de modo algum eacutes a menor entre

os priacutencipes de Judaacute pois de ti sairaacute o

chefe que apascentaraacute o meu povordquo

(JUSTINO I Apologia XXXIV 1)

ldquoE tu Beleacutem casa de Efrata eacutes insignificante

em tua existecircncia entre os milhares de Judaacute

poreacutem em teu meio se levantaraacute aquele que

seraacute governante em Israel Tambeacutem as

origens dele satildeo desde o princiacutepio desde os

tempos eternosrdquo592 Miqueacuteias 51

Tambeacutem foi predito que Cristo depois de

nascer viveria oculto aos outros homens

ateacute agrave idade adulta Escutai o que foi dito

antecipadamente a esse respeito Eacute o

seguinte ldquoUm menino nasceu um

pequenino nos foi dado cujo impeacuterio estaacute

sobre os ombrosrdquo ( JUSTINO I Apologia

XXXV 1-2a)

ldquoPorque um menino vos nasceu e um filho vos

foi dado o qual recebeu o governo sobre os

seus ombros E ele seraacute chamado de

Mensageiro do Magniacutefico Conselho pois eu

trarei paz sobre os priacutencipes e sauacutede para

elerdquo593 Isaiacuteas 95

590 No original ldquoκαὶ ἐξελεύσεται ῥάβδος ἐκ τῆς ῥίζης Ιεσσαι καὶ ἄνθος ἐκ τῆς ῥίζης ἀναβήσεται [] καὶ ἔσται ἐν

τῇ ἡμέρᾳ ἐκείνῃ ἡ ῥίζα τοῦ Ιεσσαι καὶ ὁ ἀνιστάμενος ἄρχειν ἐθνῶν ἐπrsquo αὐτῷ ἔθνη ἐλπιοῦσιν καὶ ἔσται ἡ ἀνάπαυσις

αὐτοῦ τιμήrdquo

591 No original ldquoδιὰ τοῦτο δώσει κύριος αὐτὸς ὑμῖν σημεῖον ἰδοὺ ἡ παρθένος ἐν γαστρὶ ἕξει καὶ τέξεται υἱόν καὶ

καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Εμμανουηλrdquo

592 No original ldquoκαὶ σύ Βηθλεεμ οἶκος τοῦ Εφραθα ὀλιγοστὸς εἶ τοῦ εἶναι ἐν χιλιάσιν Ιουδα ἐκ σοῦ μοι ἐξελεύσεται

τοῦ εἶναι εἰς ἄρχοντα ἐν τῷ Ισραηλ καὶ αἱ ἔξοδοι αὐτοῦ ἀπrsquo ἀρχῆς ἐξ ἡμερῶν αἰῶνοςrdquo

593 No original ldquoὅτι παιδίον ἐγεννήθη ἡμῖν υἱὸς καὶ ἐδόθη ἡμῖν οὗ ἡ ἀρχὴ ἐγενήθη ἐπὶ τοῦ ὤμου αὐτοῦ καὶ καλεῖται

τὸ ὄνομα αὐτοῦ μεγάλης βουλῆς ἄγγελος ἐγὼ γὰρ ἄξω εἰρήνην ἐπὶ τοὺς ἄρχοντας εἰρήνην καὶ ὑγίειαν αὐτῷrdquo

136

E outra vez por meio de outro profeta diz

com outras palavras ldquoEles transpassaram

meus peacutes e minhas matildeos e lanccedilaram sorte

sobre a minha roupardquo (JUSTINO I

Apologia XXXV 5)

ldquoPois muitos catildees me cercaram a assembleia

dos perversos me rodeia traspassaram as

minhas matildeos e os meus peacutes [] Repartiram

entre si as minhas vestes e sobre o meu traje

lanccedilaram sortesrdquo594 Salmos 211719

Citamos tambeacutem a profecia de outro

profeta Sofonias595 que literalmente

profetizou que ele montaria sobre um

jumentinho e desse modo entraria em

Jerusaleacutem Satildeo estas as suas palavras

ldquoAlegra-te muito filha de Siatildeo daacute gritos

filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a

ti manso montado sobre um jumento

sobre um jumentinho filho de um animal

de jugordquo (JUSTINO I Apologia XXXV

10-11)

ldquoRegozija-te muito Filha de Siatildeo proclama

Filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a ti

ele eacute justo e salvador Ele eacute humilde e estaacute

montado sobre um jumentinho um asno

novordquo596 Zacarias 99

Em suma podemos afirmar que em Justino encontra-se uma salutar e liacutempida

cristologia messiacircnica baseada consistentemente no Antigo Testamento597 De maneira

objetiva a descriccedilatildeo que conseguimos desenvolver a partir do texto de Justino nos aponta para

uma consistente elaboraccedilatildeo no qual alguns detalhes de caraacuteter terminante (irrevogaacuteveis)

quanto a funccedilatildeo de serem utilizados como conceitos primazes ndash na tentativa de estabelecer

princiacutepios e valores fundantes ndash se evidenciam por parte e a partir dos apontamentos de caraacuteter

particular que Justino faz agrave pessoa de Jesus Cristo (especialmente na I Apologia) Sem exageros

eacute possiacutevel agregarmos a esta organizaccedilatildeo textual a intenccedilatildeo de apresentar uma proposta de

constituiccedilatildeo messiacircnica segundo um modelo cristoloacutegico em desenvolvimento o qual seguia

594 No original ldquoὅτι ἐκύκλωσάν με κύνες πολλοί συναγωγὴ πονηρευομένων περιέσχον με ὤρυξαν χεῖράς μου καὶ

πόδας [] διεμερίσαντο τὰ ἱμάτιά μου ἑαυτοῖς καὶ ἐπὶ τὸν ἱματισμόν μου ἔβαλον κλῆρονrdquo

595 O Profeta aqui mencionado deveria ser Zacarias e natildeo Sofonias O equiacutevoco possivelmente natildeo eacute do tradutor

mas sim de Justino No texto grego temos σοφονιανSofonian

596 No original ldquoχαῖρε σφόδρα θύγατερ Σιων κήρυσσε θύγατερ Ιερουσαλημ ἰδοὺ ὁ βασιλεύς σου ἔρχεταί σοι δίκαιος

καὶ σῴζων αὐτός πραῢς καὶ ἐπιβεβηκὼς ἐπὶ ὑποζύγιον καὶ πῶλον νέονrdquo

597 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

137

de perto a ortodoxia da eacutepoca que jaacute estava sofrendo inuacutemeros ataques de acircmbito interno e

externo598

Natildeo haacute consenso de que Justino tenha inaugurado esse meacutetodo exegeacutetico599 mas sem

duacutevida eacute um dos que melhor conseguiu contribuir para o desenvolvimento desta temaacutetica na

histoacuteria da teologia dogmaacutetica600 Neste contexto em particular o Apologista passou a ser visto

como um claro orientador eou catalisador dos pressupostos existentes na filosofia grega Ele eacute

o primeiro a conceber o Logos como uma evidecircncia viaacutevel para uma siacutentese teoacuterica

possibilitando deste modo seu envolvimento no cristianismo Essa participaccedilatildeo intelectual

indiscutivelmente se destaca em sua autenticidade autoral a ponto de podermos dizer que

Justino foi o responsaacutevel por lanccedilar ldquoos fundamentos de um humanismo cristatildeordquo601

Este estudo evidenciou o apreccedilo e o temor de Justino pelas Sagradas Escrituras Sua

abordagem leitura e registro das profecias veterotestamentaacuterias constituem um quadro de

profunda responsabilidade e sobriedade por parte do Apologista especialmente naquilo que se

refere agrave descriccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de seu conceito sobre o que seria a Verdade sempre focando esse

fim como um resultado da revelaccedilatildeo escrituriacutestica Nesse ponto em especiacutefico a ponderaccedilatildeo de

Xavier nos oferece generosa lucidez ldquosua obra como um todo contribui para explicar a feacute cristatilde

baseada nas Escrituras como a fonte suprema de autoridade cujas profecias podem ser

compreendidas somente pela Graccedila de Deusrdquo602

Por uacuteltimo ainda devemos adotar uma postura clara e objetiva junto a este processo

que em si traz elementos fortemente interpretativos Assim salientamos que na concepccedilatildeo de

Justino era fundamental que o procedimento exegeacutetico de um cristatildeo sempre orientasse seus

leitoresouvintesmeditantes a conhecer e descobrir agrave Verdade O acontecimento que expressava

de forma incondicional que a revelaccedilatildeo Divina se realizou concretiza-se de maneira simples

nos elementos (profecias) que provam que o Logos encarnou603 Estes relatos profeacuteticos

apresentavam as condiccedilotildees ideais tornando-se assim em fatos irrefutaacuteveis para aqueles que

598 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

599 Para Daniel-Rops Justino utiliza-se do meacutetodo de interpretaccedilatildeo jaacute encontrado em Fiacutelon de Alexandria Nesse

processo partia-se do sentido concreto e histoacuterico do relato (biacuteblico) passando a seguir a busca de se obter

(alcanccedilardescobrir) uma explicaccedilatildeo de espeacutecie simboacutelica existente (implicitamente) nos Textos Sagrados Deste

modo essa ldquodescobertardquo de caraacuteter esoteacuterico tornava-se o objetivo uacuteltimo (principal) a ser alcanccedilado nesse meacutetodo

interpretativo Contudo faltam evidecircncias mais concretas sobre essa relaccedilatildeo e influecircncia autoral sobre Justino

Ver DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 280

600 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

601 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 30

602 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

603 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000

138

nisso criam fazendo com que cristatildeos de todas as classes e niacuteveis viessem a abraccedilar essa ideia

(como conceito) passando a compreender o cristianismo como um valor permanente do

ldquoespiacuterito humano a que a Encarnaccedilatildeo deu o seu verdadeiro sentido e o seu alcancerdquo604 Neste

contexto de impressionante singularidade a citaccedilatildeo de Santos nos permite encerrar com

excepcional qualidade esse item apresentado ldquoTodos os detalhes da histoacuteria de Jesus jaacute estavam

preditos nos profetas do Antigo Testamento Essa eacute a maior prova da superioridade da religiatildeo

cristatilde Por isso na concepccedilatildeo de Justino tudo o que eles (os cristatildeos) dizem eacute a verdaderdquo605

604 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279 grifo nosso

605 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 117

grifo nosso

139

CONCLUSAtildeO

A presente dissertaccedilatildeo procurou explanar a respeito de uma concepccedilatildeo que se destaca

por sua ordem moral e por seus paracircmetros dogmaacuteticos apresentando-se como uma chancela

na descriccedilatildeo apologeacutetica de Justino Maacutertir Este ponto de valor axiomaacutetico revelado pelo

Apologista torna-se de maneira evidente em uma espeacutecie de mediador de sua mensagem

permeando-se em toda a extensatildeo de um de seus mais conhecidos tratados literaacuterios Assim

reconhecemos que a I Apologia de Justino estaacute repleta de uma empolgante apresentaccedilatildeo do

termo Verdade sendo este substantivo normalmente utilizado pelo autor para uma distinccedilatildeo de

caraacuteter qualitativo sobre a representaccedilatildeo de um novo conjunto humano da realidade

sociorreligiosa do Seacuteculo II

Para Justino evidenciar a Verdade era tambeacutem ldquosetorizaacute-lardquo de alguma maneira dentro

da realidade humana Necessariamente essa postura adotada pelo Apologista acabou por se

definir por meio de sua leitura ativa sobre o estado e as praacuteticas de um grupo do qual ele mesmo

pertencia e do qual se estabeleciam as bases para sua dialeacutetica Logo falar sobre a Verdade

para Justino era falar dos recursos conceituais e praacuteticos vivenciados pelos cristatildeos de seu

tempo

Importa-nos nesta conclusatildeo ressaltar que Justino visava necessariamente qualificar o

ldquoobjetordquo junto a ldquoideiardquo que possuiacutea e defendia e como um bom filoacutesofo procurou obter

explicaccedilotildees satisfatoacuterias que salientassem sua posse daquilo que realmente era verdadeiro Na

esteira desta ideia o pensamento contemporacircneo balizado em argumentos considerados

ldquoortodoxosrdquo ndash mesmo tendo se passado quase vinte seacuteculos ndash ainda redunda com forccedila pois

consegue conceber que se estar na Verdade eacute para o espiacuterito humano possibilitar que as coisas

recebam agrave devida e real importacircncia que elas possuem na realidade

A partir disso na consciecircncia do Apologista tudo o que era produzido pela feacute cristatilde ndash

sendo ela assumida como um meio constitutivo de vida e praacutetica ndash possibilitava o

desenvolvimento de um senso de valor inesgotaacutevel sobre aquilo que se pode minimamente

relacionar como sendo o real o lugar onde a Verdade se ldquohospedardquo sendo que esta existecircncia

estaacute soberanamente ligada a uma realidade superiortranscendente ou seja esse real eacute Deus

Logo estar na Verdade seraacute sempre reconhecer a soberana realidade de Deus Esta

realidade percebida de forma geral pela noccedilatildeo de se possuir a Verdade eacute a realidade de Deus

manifestada pois aquilo que os cristatildeos vivem eacute a realidade de Deus entre noacutes Assim a

Verdade seraacute confessar a infinita majestade e santidade divinas por meio do legado de Deus

140

orquestrado pelos cristatildeos Nesta linha por meio dos princiacutepios metodoloacutegicos de Justino

consegue-se sintetizar com eficaacutecia e transparecircncia os resultados aos quais o Apologista

chegou como tambeacutem compreende-se melhor sua finalidade apologeacutetica que aponta com

clareza para uma identificaccedilatildeo que conforma a ideia (Verdade) ao objeto (Jesus Cristo) o dito

(novo Modus Vivendi) ao feito (Praxis Fidei) o anunciado (Profecias Messiacircnicas) ao ocorrido

(Encarnaccedilatildeo) em seu sentido absoluto

O problema que esta pesquisa levantou objetivamente foi qual o sentido do vocaacutebulo

ldquoVerdaderdquo empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica A

partir disto quatro capiacutetulos foram desenvolvidos na busca de se estabelecer um caminho

central e loacutegico para a soluccedilatildeo dessa questatildeo

O primeiro capiacutetulo fez uma breve apresentaccedilatildeo de Justino sua vida seu ministeacuterio

sua obra e seu contexto histoacuterico De maneira objetiva apresentamos um resumo biograacutefico da

pessoa de Justino em seu meio social e histoacuterico Procurou-se tambeacutem apresentar traccedilos

importantes para a compreensatildeo do cenaacuterio que elaborou nossa argumentaccedilatildeo central onde o

Pai Apologista Justino foi apresentado e a obra base desta pesquisa foi examinada de modo

literaacuterio dentro da necessidade requerida ndash relaccedilatildeo na qual ainda se agregou a perspectiva

cultural de Justino e por consequecircncia esta nos conduziu a uma abordagem sobre sua formaccedilatildeo

filosoacutefica

Mesmo natildeo sendo um dos pontos de sustentaacuteculo para a estrutura desta pesquisa em

nossa opiniatildeo o fator mais importante deste primeiro capiacutetulo certamente eacute o fenocircmeno do

martiacuterio entre os cristatildeos Fora do acircmbito teoloacutegico este traacutegico processo poderia ser

interpretado de forma estranha quando apresentado como um elemento determinante e ateacute

mesmo uacutetil enquanto via para que os natildeo-cristatildeos viessem a se converter e assim conhecerem a

Verdade Desta forma compreendemos que o processo de martiacuterio dos cristatildeos como um fato

histoacuterico foi influente na concepccedilatildeo e fundamental na constituiccedilatildeo do desenvolvimento do

ideaacuterio de Justino O Apologista por meio de sua obra nos oferece a niacutetida impressatildeo de ser um

habilidoso comentador da revelaccedilatildeo escrituriacutestica tambeacutem um autecircntico conhecedor da vida

espiritual mas acima de tudo demonstra ser um irredutiacutevel defensor da crenccedila que possuiacutea

selando sua obra ministeacuterio e vida com o proacuteprio sangue derramado O martiacuterio cristatildeo foi eacute e

continuaraacute sendo um dos casos mais misterioso e emblemaacutetico da histoacuteria da civilizaccedilatildeo

humana

O segundo capiacutetulo falou sobre o novo modus vivendi orquestrado pelos cristatildeos onde

se pode de maneira sinteacutetica observar as praacuteticas do contexto social de Justino apresentando e

clarificando o que eram os haacutebitos cristatildeos em contraste com o cotidiano da cultura greco-

141

romana Nesse processo estabeleceu-se uma descriccedilatildeo de cunho analiacutetico que procurou seguir

uma loacutegica encontrada em Justino o qual pocircs em praacutetica nossa leitura sobre o meacutetodo dialeacutetico

e empiacuterico do Apologista O capiacutetulo apresenta ldquoa nova identidaderdquo surgida junto ao cenaacuterio

sociorreligioso da eacutepoca o cristianismo Aleacutem disto definir aqueles que natildeo compunham esse

grupo de feacute ndash os Judeus e os Gentios ndash tornou-se tambeacutem uma tarefa necessaacuteria Por isso foi

indispensaacutevel apresentar os criteacuterios que para Justino demonstravam a ordem sistemaacutetica de um

grupo que se distinguia e separava dos demais Para Justino tratava-se da praxis fidei Adversus

Iniquitatem ldquoa praacutetica da feacute contra a iniquidaderdquo um realce com tonalidades absolutamente

opostas que apresentava um claro e inevitaacutevel ambiente de separaccedilatildeo entre os grupos

Deste modo esta segunda divisatildeo da pesquisa nos conduziu a uma inserccedilatildeo de postura

paradoxal para com alguns haacutebitos e assuntos humanos que no periacuteodo ocupavam tanto o

acircmbito privado quanto puacuteblico Assim algumas provas factiacuteveis passaram a ser descritas como

sentenccedilas de um novo modus vivendi ndash proposto por Justino ndash na conjuntura sociorreligiosa do

Seacuteculo II fato altamente desafiador o qual definimos em sentenccedilas classificadas como

teologais deterministas e puristas de acordo com suas consequecircncias praacuteticas Aqui salientou-

se o iniacutecio das distinccedilotildees que descreviam a certeza de haver um estado manifesto e claro do

que era a Verdade para Justino

O terceiro capiacutetulo retratou a filosofia em Justino tratando a respeito de sua influecircncia

e seu legado nesse seguimento O desenvolvimento desse capiacutetulo partiu de um formal apelo

desenvolvido pelo proacuteprio Apologista no capiacutetulo XXVIII da I Apologia para o uso da razatildeo

como um elemento determinante para o reconhecimento da Verdade oriunda da revelaccedilatildeo

Divina Um exame introdutoacuterio sobre o capiacutetulo XXVIII abriu o caminho para o entendimento

do que eacute filosofia para Justino A partir disto explicitou-se o filoacutesofo Justino evidenciando

suas principais influecircncias filosoacuteficas oriundas do estoicismo e do meacutedio platonismo aleacutem de

apresentar um sinteacutetico esboccedilo do autecircntico conceito de Logos encontrado em nosso autor

filoacutesofo-teoacutelogo

Todavia o aacutepice desta seccedilatildeo encontra-se em seu uacuteltimo item onde se justificou o que

Justino almejava com a citaccedilatildeo ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus se preocupe com essas coisas

(uso da razatildeo)rdquo606 O Apologista realccedila de uma forma quase ldquopalpaacutevelrdquo sua compreensatildeo de

como se concebia naturalmente a feacute em Jesus Cristo Partindo do fato de que a razatildeo eacute um

recurso exclusivamente humano Justino entendia que apenas nisso estavam condicionadas

todas as possibilidades reais do autecircntico Logos ser recebido e concebido pelos homens o que

606 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

142

os levava a verdadeira filosofia e os afastava decisivamente dos equiacutevocos e enganos praticados

pelos democircnios

O quarto e derradeiro capiacutetulo deste estudo salienta o que Justino considera o ponto

alto da revelaccedilatildeo por ele recebida o cumprimento das profecias messiacircnicas e as consequecircncias

para compreender o que Justino considera como sendo a Verdade

Iniciamos com uma sinteacutetica poreacutem objetiva descriccedilatildeo dos elementos socioculturais

de acircmbito religioso que desde a Antiguidade ateacute os dias de Justino formaram e identificaram a

figura de um Messias na cultura judaica Em seguida analisamos a revelaccedilatildeo das profecias

messiacircnicas do Antigo Testamento na visatildeo de Justino referentes a pessoa de Jesus Cristo

Finalizamos este capiacutetulo ratificando o conceito que definimos como principal para

Justino em sua descriccedilatildeo apologeacutetica o qual apresentava a Verdade ao mundo O modo e o

sentido que o Apologista procurava dar agrave concepccedilatildeo central de sua feacute passava necessariamente

pela identificaccedilatildeo entre o Logos dos filoacutesofos com o personagem messiacircnico preconizado pelos

profetas do Antigo Testamento Vimos que esse ser que havia sido reconhecido pelos filoacutesofos

como o Logos tambeacutem havia sido profetizado pelos servos de Deus A providecircncia Divina

levou a humanidade ao ponto alto desta histoacuteria quando o Logos profetizado se encarnado

Logo as profecias se cumpriram Assim concluiacutemos que este cenaacuterio e seus casos tornaram-se

para Justino um elemento real que evidenciava de maneira inquestionaacutevel o que era a Verdade

em sentido absoluto

Por fim eacute oportuno registrar a pertinente e categoacuterica postura do Apologista em aceitar

o cristianismo como ldquoa verdadeira razatildeordquo607 Justino compreendeu que a feacute cristatilde tinha em si

alguns pontos de caraacuteter deliberativo e proposital que consequentemente se estabeleciam nas

vidas que se estruturavam sobre esses preceitos utilizando-os de forma resolutiva Aqui cabe

ressaltar que para uma correta anaacutelise de Justino como autor eacute necessaacuterio se utilizar de medidas

efetivas que amparem o uso da razatildeo para os fins que o Apologista entendia serem ordenados

por Deus Nisso salienta-se a compreensatildeo jaacute atestada no ideaacuterio de Justino de natildeo haver

acepccedilatildeo do recurso da razatildeo a nenhum homem pois todos aqueles que foram criados agrave imagem

e semelhanccedila de Deus podiam ser instruiacutedos desse modo desde as mentes mais simples as mais

capacitadas

Importa-nos ainda registrar que outros aspectos de relevacircncia para esta pesquisa

poderiam ter sido tratados visando um maior aprofundamento desta temaacutetica e suas possiacuteveis

variaccedilotildees De forma praacutetica podemos citar as seguintes observaccedilotildees propor uma maior ecircnfase

607 JUSTINO I Apologia XLIII 6b

143

na questatildeo do martiacuterio cristatildeo como elemento habilitador na construccedilatildeo do conceito da Verdade

como princiacutepio moral e dogmaacutetico uma mais detalhada descriccedilatildeo do conceito Logos tanto para

a cultura helecircnica quanto para os cristatildeos do Seacuteculo II abordar sobre o conceito elaborado por

Justino de Jesus Cristo ser o mestre dos cristatildeos608 referindo-se ao Messias como o condutor

pleno de toda verdadeira revelaccedilatildeo Divina em detrimento aos mitos criados pelo helenismo

oferecer uma pormenorizada anaacutelise sobre a forccedila ilocucionaacuteria desses atos e discursos

apologeacuteticos Aleacutem disso outros pontos significativos poderiam ter sido abordados na tentativa

de se construir de forma mais completa esse importantiacutessimo cenaacuterio do cristianismo histoacuterico

Contudo essa ampliaccedilatildeo possivelmente ultrapassaria os limites propostos desta pesquisa

provavelmente poluindo sua intenccedilatildeo central

A abordagem desta dissertaccedilatildeo demonstrou que na I Apologia Justino revela e retrata

a sua concepccedilatildeo do que eacute ser cristatildeo e viver na Verdade O Apologista transparece de forma

intensa sua postura em transmitir essa maacutexima que natildeo era simplesmente verossiacutemil em seu

entendimento Eacute fato que essa demonstraccedilatildeo tambeacutem visava proteger e resgatar seu povo de

um cenaacuterio hostil salientando por meio de sua postura uma clara separaccedilatildeo de valores e

preceitos

Vimos que as vicissitudes do tempo natildeo seriam capazes de alterar o objeto e as coisas

que caracterizavam sua posiccedilatildeo que estava plenamente balizada e sustentada por meio de sua

dialeacutetica Isso nos impressiona porque para quem procura entender este testemunho sobre a

Verdade os livros de Justino nunca envelhecem aleacutem disso quase vinte seacuteculos depois os

textos desse notaacutevel cristatildeo ainda reverberam o som do eco causado por nossos vazios que

precisam ser preenchidos pelos conceitos princiacutepios e valores que natildeo pertence a este mundo

Por essa razatildeo ldquodialogarrdquo com Justino na atualidade eacute algo importantiacutessimo e ateacute mesmo

fundamental

Em resumo para Justino a uacutenica via para possuir a Verdade era ser cristatildeo o que

equivale a crer e professar sobre Aquele que prometido pelos antigos profetas de Israel e

percebido pelos antigos filoacutesofos gregos veio em carne para apresentar agrave razatildeo humana os

meios de como se proceder ldquoafirmando a Verdaderdquo609

608 Ver JUSTINO I Apologia XIII 3 XIX 6 XXI 1-6

609 JUSTINO I Apologia XLIII 2a grifo nosso

144

REFEREcircNCIAS

ALLERT Craig D Revelation Truth Canon and Interpretation Studies in Justin Martyr‟s

Dialogue with Trypho Leiden The Netherlands Brill 2002

ALTANER Berthold STUIBER Alfred Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da

Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1988

ARZANI Alessandro VENTURINI Renata Lopes Biazotto A Origem da Tradiccedilatildeo

Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir Disponiacutevel em lt

httpwwwppeuembrjeamanais2010pdf03pdfgt Acesso em 27 de set 2018

AUDI Robert (Ed) The Cambridge Dictionary of Philosophy New York Cambridge

University Press 1999

AUNE David Edward The Westminster Dictionary of New Testament and Early Nice

Christian Literature and Rhetoric Kentucky Westminster John Knox Press 2003

AYMARD Andreacute AUBOYER Jeannine Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da

Unidade Romana (Fim) A Aacutesia Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II Rio e

janeiro Bertrand Brasil 1994

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen II Salamanca Ediciones Sigueme 1998

BARRERA Julio Trebolle A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da

Biacuteblia Petroacutepolis Vozes 1995

BEARD Mary SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga Satildeo Paulo Planeta 2017

BERARDINO Di Angelo (Org) Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis

Vozes Paulus 2002

BIacuteBLIA Grego Novo Testamento Grego Textus Receptus (15501894) Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1550 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Grego Septuaginta (Sem Acentuaccedilatildeo) Antigo Testamento Grego Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1935 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Portuguecircs Novo Testamento Interlinear Grego-Portuguecircs Texto Grego The Greek

New Testament 4ed SBU 1994 Textos Portuguecircs Traduccedilatildeo Literal SBB 2004 Traduccedilatildeo

de Joatildeo Ferreira de Almeida 2ed SBB 1993 Nova Traduccedilatildeo da Linguagem de Hoje SBB

2000 Barueri Sociedade Biacuteblica do Brasil 2004

BIRLEY Anthony Marcus Aurelius A Biography New York Routledge 2001

BOEHNER Philotheus GILSON Etienne Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 5ed Petroacutepolis

Vozes 1991

BOGAZ Antocircnio S COUTO Maacutercio A HANSEN Joatildeo H Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 3ed Satildeo Paulo Paulus 2011

145

BUENO Daniel Ruiz (Ed) Actas de los Maacutertires Texto Bilinguumle Quinta Edicion Madri

Biblioteca de Autores Cristianos 1996

BUNSON Matthew Encyclopedia of the Roman Empire New York Facts on file Inc 2002

CAMPENHAUSEN Hans Von Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros

Teoacutelogos Cristatildeos Rio de Janeiro CPAD 2005

CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras

1990

CASEY Michael Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina Ligouri Mo Triumph

Books 1995

CAZELLES Henri Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento Roma Borla

1993

CHAUIacute Marilena Convite agrave Filosofia 2ed Satildeo Paulo Aacutetica 1995

______ Marilena Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I

Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos

Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal Disponiacutevel em

lthttpwwwvaticanvaroman_curiacongregationsccatheducdocumentsrc_con_ccatheduc_

doc_19891110_padri_ithtmlgt Acesso em 12 set 2018

CORNELL Tim MATTHEWS John Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio

2008

CREDO APOSTOacuteLICO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em

22 de jan de 2019

CREDO NICENO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em 14 de

fev 2019

CULLMANN Oscar Salvation in History New York Harper amp Row 1967

DAILLEacute Jean Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui

sont auiourdhui en la religion Geneve Pierre Aubert 1632

DANIEL-ROPS [Henri Petiot] A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires Satildeo Paulo Quadrante

1988

DANIEacuteLOU Jean O Escacircndalo da Verdade Petroacutepolis Vozes 1963

______ Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo

Gregoacuterio Magno Petroacutepolis Vozes 1966

DAY John (Org) et al Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees

do Seminaacuterio Veterotestamentaacuterio de Oxford Satildeo Paulo Paulinas 2005

146

DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as comunidades de hoje Traduccedilatildeo

Introduccedilatildeo e Notas de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 17ed Satildeo Paulo Paulus 2010

DONALDSON James A Critical History of Christian Literature and Doctrine From the

Death of the Apostles to the Nicene Council3 The apologists continued London MacMillan

1866

DOUGLAS J D (Org) et al O Novo Dicionaacuterio da Biacuteblia Satildeo Paulo Vida Nova 1995

DREHER Martin N A Igreja no Impeacuterio Romano Satildeo Leopoldo Sinodal 1993

DROBNER Hubertus R Manual de Patrologia 2ed Petroacutepolis Vozes 2008

EMILSSON Eyjoacutelfur K Neo-Platonism In FURLEY David (Ed) Routledge History of

Philosophy From Aristotle to Augustine London Routledge 1999

EUSEacuteBIO DE CESAREIA Histoacuteria Eclesiaacutestica Traduccedilatildeo de Wolfgang Fischer Satildeo Paulo

Novo Seacuteculo 2002

FALLS Thomas B The Fathers of the Church New York Christian Heritage 1948

FEacuteLIX Viviana Laura Las filosofiacuteas en la teologiacutea de Justino Maacutertir Teologiacutea y Vida

Santiago v 55 n 3 p 435-448 2014

FIGUEIREDO Fernando A Curso de Teologia Patriacutestica I A vida da Igreja primitiva

(Seacuteculos I e II) Petroacutepolis Vozes 1983

FLUCK Marlon Ronald Teologia dos Pais da Igreja Curitiba Cia de Escritores 2012

FOXE John O Livro dos Maacutertires Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2003

FROumlHLICH Roland Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulinas 1987

FUNARI Pedro P Abreu Roma vida puacuteblica e vida privada 10ed Satildeo Paulo Atual 1993

GONZAacuteLEZ Justo L A Era dos Maacutertires Satildeo Paulo Vida Nova 1995

GREATHOUSE William M CARVER Frank G METZ Donald S Comentaacuterio Biacuteblico

Beacon V 8 Rio de Janeiro CPAD 2006

HAumlGGLUND Bengt Histoacuteria da Teologia 6ed Porto Alegre Concoacuterdia 1999

HALL Chirstopher A Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja Satildeo Paulo Ultimato 2003

HAMMAN Adalbert Gautier Os Padres da Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1985

______ A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) Satildeo Paulo Paulus 1997

HARNACK Adolf Von The Mission and Expansion of Christianity in the First Three

Centuries Grand Rapids Christian Classics Ethereal Library 2005

HARRIS R Laird (Org) et al Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

Satildeo Paulo Vida Nova 1998

147

HATZENBERGER Dioniacutesio Histoacuteria da Igreja Disponiacutevel em lthttphist-

igrejablogspotcombrpcristianismo-nos-seculos-i-e-iihtmlgt Acesso em 15 de out 2018

HEGENBERG Leocircnidas Significado e Conhecimento Satildeo Paulo EPU EDUSP 1975

INAacuteCIO DE ANTIOQUIA Epiacutestola aos Magneacutesios Disponiacutevel em

lthttpwwwcristianismoorgbrinacio-3htmgt Acesso em 27 de fev 2019

INSUELAS Joatildeo B Lourenccedilo Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja

2ed Braga PAX 1948

INWOOD Brad (Org) et al Os Estoacuteicos Satildeo Paulo Odysseus 2006

IRVIN Dale T SUNQUIST Scott W Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I

Do cristianismo primitivo a 1453 Satildeo Paulo Paulus 2004

IYSTINOY Proacutete Apologiacutea Disponiacutevel em

lthttpwwwdocumentacatholicaomniaeu20vs103_migne_gm0100-

0160_Iustinus_Apologia_Prima_(MPG_006_0327_0440)_GMpdfampgtgt Acesso em 12 de

jan 2019

JUSTIN Apologies Texte Grec traduction franccedilaise introduction et index par Louis Pautigny

Paris EDITURS 1904

JUSTINO DE ROMA I Apologia Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti

Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo Paulus 1995

______ II Apologia Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo

Paulus 1995

______ Diaacutelogo com Trifatildeo Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo

Paulo Paulus 1995

KEE Howard Clark As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica Satildeo Paulo Paulinas

1983

KELLY John N D Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde

Satildeo Paulo Vida Nova 1994

KLEINMAN Paul Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 4ed Satildeo Paulo Gente

Editora 2014

LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V

II Dalla fine dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) Torino S A I E 1972

LESBAUPIN Ivo A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio

Romano Petroacutepolis Vozes 1975

MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio Disponiacutevel em

lthttpabdetcombrsitewp-contentuploads201411ComentC3A1rios-sobre-a-

primeira-dC3A9cada-de-Tito-LC3ADvio-Discorsicompressedpdfgt Acesso em 17

de out 2018

148

MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees Introduccedilatildeo de Maxwell Staniforth Traduccedilatildeo de Luiacutes A P

Varela Pinto Espinho Versatildeo Eletrocircnica 2002

______ Meditaccedilotildees Traduccedilatildeo de Agostinho da Silva Satildeo Paulo Abril Cultural 1985

MEEKS Wayne A As Origens da Moralidade Cristatilde Satildeo Paulo Paulus 1997

MINNS Denis PARVIS Paul Justin Philosopher and Martyr Apologies New York

Oxford University Press 2009

MINUacuteCIO FEacuteLIX Octaacutevio Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e comentaacuterio de Manuel A Naia da Silva

Lisboa Ediccedilatildeo Instituto Nacional de Investigaccedilatildeo Cientifica Centro de Estudos Claacutessicos da

Universidade de Lisboa 1990

MOL Hans J Identity and the Sacred a sketch for a new social-scientific theory of religion

New York The free Press Macmillan 1977

MONDONI Danilo Histoacuteria da Igreja na Antiguidade Satildeo Paulo Loyola 2001

MONTEIRO Eymard Lrsquo E A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1940

MORESCHINI Claacuteudio NORELLI Enrico Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e

Latina Satildeo Paulo Santuaacuterio 2005

MIRALLES Lorena El Mesiacuteas en tiempos del NT Verbo Divino Estella n 50 Verano

2006

NORRIS Junior The Apologists Cambridge University Press 2004

OTTO Johann Carl Theodor (E) S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur

omnia Volume 1 Part 1 Chicago Prostat apud Fride Mauke 1847

PADOVESE Luigi Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica Satildeo Paulo Loyola 1999

______ Luigi Lexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico Satildeo Paulo Loyola 2003

PADRES APOLOGISTAS Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti Traduccedilatildeo

de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin Satildeo Paulo Paulus 1995

PEREIRA Isidoro Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Tilgraacutefica 1998

PIERING Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Disponiacutevel em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt Acesso em 11 de set 2018

PIERINI Franco A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I Satildeo Paulo Paulus 1998

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Enrico Corvisieri Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

______ Apologia de Soacutecrates Introduccedilatildeo traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Editores 2008

149

______ Timeu-Criacutetias Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo notas e iacutendices de Rodolfo Lopes

Coimbra CECH 2011

PLIacuteNIO Caio Segundo Historia Natural Edicioacuten y traduccioacuten de Josefa Cantoacute Madrid

Caacutetedra 2002

POHLENZ Max La Stoa storia di un movimento spirituale Florenccedila La Nuova Italia

1967

POPE Kyle The Second Apology of Justin Martyr Kansas Ancient Road 2001

PRIBERAM INFORMAacuteTICA SA Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa 2008-2013

Disponiacutevel em lt httppriberamptdlpogt Acessos em 28 de set 2018

RIVAS Fernando San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo

Verbo Divino Estella n 98 2018II

ROumlSEL Martin Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea Satildeo

Leopoldo SinodalEST 2009

ROSSI Andrea L D O C BINATO Claacuteudia P As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo

parcial do Livro X correspondecircncia administrativa com o Imperador Trajano Histoacuteria

Unisinos Satildeo Leopoldo vol 21 nordm 1 p 149-156 janeiroabril de 2017

RUSCONI Carlo Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento Satildeo Paulo Paulus 2003

SANTOS Bento Silva Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos

Comuns Veritas Porto Alegre v 48 n 3 p315-491 set 2003

SANTOS Flaacutevyo Henrique Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano Disponivel em

lthttpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminianogt Acesso em 15 de

fev 2019

SANTOS Samuel Nunes dos Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 178 f Dissertaccedilatildeo (Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria) Faculdade de Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes Goiacircnia 2012

SANTOS Samuel N GONCcedilALVES Ana Teresa M A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo

Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I Apologia de Justino Maacutertir Disponiacutevel em

lthttpwwwsbpcnetorgbrlivro63raconpeexmestradotrabalhos-mestradomestrado-

samuel-nunespdfgt Acesso em 08 de jan 2019

SCHAFF Phillip Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the

Christian Church Grand Rapids Eerdmans 1910

______ Phillip The creeds of Christendom with a history and critical notes Grand Rapids

Baker Book House 1966

SCOTT Benjamin As Catacumbas de Roma 13ed Rio de Janeiro CPAD 1996

SEVERINO Emanuele A Filosofia Antiga Lisboa Ediccedilotildees 70 1984

150

SICRE Joseacute Luis De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica Petroacutepolis

Vozes 2000

SIMONE R J de JUSTINO filoacutesofo e maacutertir In BERARDINO Di Angelo (Org)

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis Vozes Paulus 2002 p 798-800

SIMONETTI Manlio (Org) et al Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica Satildeo Paulo Ave Maria

2010

STEGEMANN Ekkehard W STEGEMANN Wolfgang Histoacuteria Social do

Protocristianismo Satildeo Leopoldo Sinodal Satildeo Paulo Paulus 2004

STRONG James Dicionaacuterio Biacuteblico Strong Barueri SBB 2002

TACIANO Discurso Contra os Gregos Disponiacutevel em

lthttpwwwveritatiscombrpatristicaobrasdiscurso-contra-os-gregosgt Acesso em 25 de

mar 2019

TAacuteCITO Anais Prefaacutecio de Breno Silveira Traduccedilatildeo de Joseacute Liberato Freire de Carvalho

Rio de Janeiro W M Jackson 1957

TERTULIANO Apologia Disponiacutevel em

lthttpwwwibpancombrimagesstoriesDownloadsEstudos_BiblicosTertuliano20-

20Apologiapdfgt Acesso em 16 de out 2018

______ Agraves Naccedilotildees Disponiacutevel em lthttpwwwtertullianorglatinad_nationes_1htmgt

Acesso em 08 de jan 2019

______ Contra os Valentinianos Disponiacutevel em

lthttpwwwintratextcomIXTLAT0258_P2HTMgt Acesso em 27 de set 2018

THAYER Joseph Henry A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms

Wilkes clavis novi testamenti New York Cincinnati Chicago American Book Company

1889

TORRES Milton L A retoacuterica joanina do Logos Revista Caminhando Satildeo Paulo v 21 n 2

p 147-167 juldez 2016

VINE W E UNGER Merril F WHITE JR Willian Dicionaacuterio Vine O Significado

Exegeacutetico e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento Rio de Janeiro CPAD

2002

VIRKLER Henry Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica

Satildeo Paulo Vida 2001

WALDE Rick Justino Maacutertir Defensor da Igreja Disponiacutevel em

lthttplogoshp6tenetAPO25htmampgtgt Acesso em 11 set 2018

WACHHOLZ Wilhelm Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval Satildeo Paulo Know How 2010

XAVIER Erico Tadeu Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde Uacuteltimo Andar

(ISSN 1980-8305) Satildeo Paulo n 24 dez 2014

151

OBRAS CONSULTADAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ABRAtildeO Bernadete Siqueira A Histoacuteria da Filosofia Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

ANTONIAZZI Alberto MATOS Henrique C J Cristianismo 2000 anos de caminhada

3ed Satildeo Paulo Paulinas 1996

ARRUDA Elton Como fazer a Metodologia em um Projeto Disponiacutevel em

lthttpwwwbiblioteconomiadigitalcombr201007como-fazer-metodologia-em-um-

projetohtmlampgtgt Acesso em 18 dez 2018

BALTHAZAR Hans Urs von O Cristatildeo na Hora Decisiva Caxias do Sul Paulinas 1969

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen I Salamanca Ediciones Sigueme 1996

BIacuteBLIA Portuguecircs Ave Maria Traduccedilatildeo dos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica)

8ed Digital Satildeo Paulo Ave Maria 2014

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo de Genebra Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo MacArthur Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs A Biacuteblia de Jerusaleacutem Satildeo Paulo Paulinas 1980

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo Palavra-Chave Hebraico e Grego Traduccedilatildeo de Joatildeo

Ferreira de Almeida 2ed Rio de Janeiro CPAD 2011

______ Portuguecircs Biacuteblia Shedd Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo Paulo Vida

Nova 1997

CAIRNS Earle O Cristianismo Atraveacutes dos Seacuteculos Uma Histoacuteria da Igreja Cristatilde Satildeo

Paulo Vida Nova 1995

CHAPPIN Marcel Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Loyola 1999

COCHRANE Charles Norris Cristianismo e Cultura Claacutessica Rio de Janeiro Topbooks

2012

CONYBEARE Frederick Cornwallis STOCK St George Gramaacutetica do Grego da

Septuaginta Satildeo Paulo Loyola 2011

DELCOR Mathias MARTINEZ Florentino Garcia Introduccion a la Literatura Esenia de

Qumran Madrid Ediciones Cristiandad 1982

DURKHEIM Eacutemile As formas Elementares da Vida Religiosa Satildeo Paulo Paulinas 1989

152

GOMES Cirilo Folch Antologia dos Santos Padres paacuteginas seletas dos antigos escritos

eclesiaacutesticos 3ed Satildeo Paulo Paulinas 1979

GUIMARAtildeES Marcelo Rezende Conversando com os Pais e Matildees da Igreja Petroacutepolis

Vozes 1994

HASTENTEUFEL Zeno Infacircncia e Adolescecircncia da Igreja Porto Alegre EDIPUCRS

1995

JAEGER Werner Cristianismo Primitivo e Paideia Grega Lisboa Ediccedilotildees 70 1961

JUSTIN Apologie pour les chreacutetiens introduction texte critique traduction et notes par

Charles Munier Paris Cerf 2006

JUSTINUS Des Philosophen und Maumlrtyrers Rechtfertigung des Christentums (Apologie I u

II) Angeleitet Verdeutscht und Erlaumlutert von Heidenheim T Veil Strassburg Heitz amp

Muumlndel 1894

LLORCA Bernardino Nueva visioacuten de la Historia del Cristianismo Tomo Primero

Barcelona Labor 1956

MARTIacuteRIO DE POLICARPO DE ESMIRNA Disponiacutevel em lt

httpwwwcentroestudosanglicanoscombrbancodetextoshistoriadaigrejamartirio_de_polic

arpo_de_esmirnapdfgt Acesso em 17 de out 2018

PIERRARD Pierre Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulus 1982

ROBERTS Alexander DONALDSON James (Edited) Ante-Nicene Fathers Volume 1 The

Apostolic Fathers Justin Martyr Irenaeus Chronologically arranged with brief notes and

prefaces by Arthur Cleveland Coxe Peabody Hendrickson Publishers 1994

TAYLOR Justin As Origens do Cristianismo Satildeo Paulo Paulinas 2010

VIVES Joseacute Los Padres de la Iglesia Textos doctrinales del cristianismo desde los oriacutegenes

basta san Atanasio Barcelona Herder 1988

153

Page 5: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE

AGRADECIMENTOS

A minha amada Esposa uma luz constante em

minha vida Nela tudo sempre se renova sem

ela pouco restaria

Aos meus queridos filhos Pedro e Maria os

maiores presentes que Deus me deu Cristo

formado em voacutes eacute a maior heranccedila que pretendo

deixar

A minha amada Matildee que foi fundamental para

a realizaccedilatildeo desse sonho Seu amor foi constate

em todo tempo sua coragem sempre me

inspirou e seu legado me enche de orgulho

A meu Tio Ademir que eacute um exemplo vivo do

caraacuteter de Cristo sendo presente nessa

caminhada como um pai que acompanha seu

filho Essa conquista tambeacutem pertence a vocecirc

Ao Prof Caacutessio mestre por vocaccedilatildeo modelo de

excelecircncia para a docecircncia Sua orientaccedilatildeo foi

excepcional sua honestidade intelectual eacute

admiraacutevel Sua postura se tornou um exemplo a

ser seguido por esse teoacutelogo

Aos meus colegas Alexandre Dorcelina

Fernando Filipe Rodrigo e Samuel por tudo o

que compartilhamos e vivemos nesse tempo

jamais os esquecerei

Ao Pai ao Filho ao Espiacuterito Santo de quem eacute

o reino o poder e a gloacuteria de geraccedilatildeo em

geraccedilatildeo pelos seacuteculos dos seacuteculos Ameacutem

ldquoEu lhes tenho dado a tua palavra e o mundo

os odiou porque eles natildeo satildeo do mundo como

tambeacutem eu natildeo sou Natildeo peccedilo que os tires do

mundo e sim que os guardes do mal Eles natildeo

satildeo do mundo como tambeacutem eu natildeo sou

Santifica-os na verdade a tua palavra eacute a

verdaderdquo

Joatildeo 1714-17

RESUMO

Esta dissertaccedilatildeo apresenta uma pesquisa bibliograacutefica direcionada a estabelecer a

identificaccedilatildeo moral e dogmaacutetica do termo Verdade exposto de forma predicativa na obra

intitulada I Apologia de Justino Maacutertir Acredita-se que na formaccedilatildeo e constituiccedilatildeo histoacuterica

do cristianismo alguns autores como Justino de Roma ajudaram a criar e fomentar os

paracircmetros necessaacuterios para se estabelecer uma ldquoidentidade cristatilderdquo durante os dois primeiros

seacuteculos da era atual A partir de novos valores e preceitos ordenou-se de maneira pragmaacutetica

uma tentativa de reconhecer e distinguir o fato de ser cristatildeo em meio ao contexto

sociorreligioso do mundo greco-romano De maneira expliacutecita e impliacutecita ndash e agraves vezes de forma

paradoxal ndash Justino categoricamente identifica o que era ser um seguidor de Cristo em sua I

Apologia aleacutem de apresentar o que poderia ser considerado como a Verdade de forma

categoacuterica e ateacute mesmo tangiacutevel nesse processo A partir desse ideaacuterio de feacute a dissertaccedilatildeo

discute questotildees pertinentes sobre o autor a obra base e outras caracteriacutesticas de seu contexto

histoacuterico Foram investigadas as relaccedilotildees entre a cultura helecircnica e o novo modus vivendi

naquele ambiente e nele a identidade filosoacutefica de Justino Por fim apresentou-se um quadro

clarificador sobre os elementos que satildeo considerados evidecircncias inquestionaacuteveis para Justino

do que eacute a Verdade revelada em meio aos homens Desenvolveu-se deste modo uma provaacutevel

definiccedilatildeo da Verdade segundo a concepccedilatildeo de Justino Maacutertir a partir de sua I Apologia

Palavras-chave Justino Maacutertir I Apologia Verdade

ABSTRACT

This dissertation presents a bibliographical research directed to establish the moral and

dogmatic identification of the term Truth exposed in a predicative way in the work entitled I

Apology of Justin Martyr It is believed that in the formation and historical constitution of

Christianity some authors like Justin of Rome helped to create and foster the parameters

necessary to establish a Christian identity during the first two centuries of the present era

From new values and precepts an attempt to recognize and distinguish the fact of being

Christian amidst the socioreligious context of the Greco-Roman world was pragmatically

ordered Explicitly and implicitly - and sometimes in a paradoxical way - Justin categorically

identifies what it was like to be a follower of Christ in his Apology in addition to presenting

what could be categorically and even tangibly Truth in that process From this idea of faith the

dissertation discusses pertinent questions about the author the base work and other

characteristics of its historical context The relations between the Hellenic culture and the new

modus vivendi in that environment were investigated and in it the philosophical identity of

Justin Finally a clarifying picture was presented on the elements that are considered

unquestionable evidences for Justino of what is the Truth revealed among men In this way a

probable definition of the Truth according to the conception of Justin Martyr from his I

Apologia was developed

Keywords Justin Martyr I Apologia Truth

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1 Pe ndash Primeira Epiacutestola de Pedro

1 Pet ndash The First Epistle of Peter

aC ndash Antes de Cristo

Adv Haer ndash Adversus Haereses

Adv Marcionem ndash Adversus Marcionem

Cap ndash Capiacutetulo

Caps ndash Capiacutetulos

dC ndash Depois de Cristo

Dial ndash Diaacutelogo com Trifatildeo

Gn ndash Livro de Gecircnesis

ICAR ndash Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana

Jo ndash Evangelho de Joatildeo

Js ndash Livro de Josueacute

Sl ndash Livro dos Salmos

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 11

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

17

11 JUSTINO DE ROMA 17

12 PAIS DA IGREJA 23

121 Pais Apologistas 26

122 O Apologista Justino 29

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO 32

131 Dataccedilatildeo 32

132 Divisatildeo Textual 34

133 Gecircnero Literaacuterio 35

134 Manuscritos 38

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS 39

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo 40

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia 43

2 O NOVO MODUS VIVENDI 50

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE 51

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO 56

221 Os Judeus 58

222 Os Gentios 61

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM 65

231 Um Princiacutepio Teologal 68

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista 69

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria 70

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo 71

232 Um Princiacutepio Determinista 75

233 Um Princiacutepio de Pureza 78

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR 84

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII 85

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO 90

321 Estoicismo e Platonismo em Justino 95

322 O Logos em Justino 104

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS 110

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO 117

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO 118

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO 122

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO 128

CONCLUSAtildeO 139

REFEREcircNCIAS 144

OBRAS CONSULTADAS 151

11

INTRODUCcedilAtildeO

O assunto desta pesquisa dissertativa vem a ser um exame sobre uma proposta

desenvolvida a partir da obra intitulada I Apologia de Justino Maacutertir tambeacutem conhecido junto

ao meio eclesiaacutestico e acadecircmico como Justino de Roma Reconhecido de forma unacircnime como

um dos ldquomais ceacutelebres apologistas do seacuteculo IIrdquo1 Justino pertence agrave segunda era Patriacutestica

conhecida tradicionalmente pela definiccedilatildeo Pais Apologistas Nessa abordagem visamos

caracterizar a ideia de Justino a partir de sua definiccedilatildeo da palavra Verdade apresentada de

forma axiomaacutetica por diversas vezes em seu primeiro tratado apologeacutetico

Acredita-se que no processo de formaccedilatildeo desenvolvimento e consolidaccedilatildeo do

cristianismo como religiatildeo alguns valores de sentido absoluto (poderiacuteamos dizer dogmaacuteticos)

foram provedores e promovedores de um esquema de reconhecimento2 por meio de fortes

ascendentes (voltados para sua origem) de caracterizaccedilatildeo Esses valores amparados por sinais

e siacutembolos ndash alguns que receberam literal evidecircncia informativa ndash projetaram uma eficiente

identificaccedilatildeo cristatilde conseguindo externar a partir de preceitos e praacuteticas ordenadas um real

estado de enobrecimento3 e assim distinguiram o ser cristatildeo dos demais4

Aleacutem disso em toda a histoacuteria conhecida o homem sempre buscou descobrir quais

eram os reais elementos que promovem e garantem a certeza do bem (conquista felicidade

realizaccedilatildeo etc)5 e da verdade junto aos seres e as coisas com quem convive e se relaciona6

Nesse processo de desenvolvimento passando por todo percurso da histoacuteria humana nos

deparamos com as sequelas de um estado de consciecircncia que estaacute eacutetica eou moralmente

corrompido enfatizado em nosso em caso em especiacutefico pelo incocircmodo que o ser humano

passa quando exposto as consequecircncias e dilemas apresentados pelas ldquofacesrdquo da Verdade

Nesta mesma perspectiva reconhecemos que as ldquotestemunhas da verdade sempre

irritaram os ceacuteticos e os espertosrdquo7 Nessa missatildeo de testificar a Verdade os Apologistas

cristatildeos do Seacuteculo II acabaram por se distinguir mediante contribuiccedilotildees pertinentes para esse

1 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 51

2 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

3 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

4 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

5 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

6 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

7 DANIEacuteLOU O Escacircndalo da Verdade1963 p 11

12

processo construtivo tornando-se diferenciais em seu tempo e espaccedilo de atuaccedilatildeo8 Justino

nesse mesmo seguimento acaba ganhando destaque atraveacutes de seus tratados que descrevem a

vida cotidiana dos cristatildeos do periacuteodo sendo-nos possiacutevel afirmar que no que se refere ao

conceito de Verdade (como predicativo) Justino parece estar ldquomais proacuteximo de noacutes do que

muitos pensadores modernosrdquo9

Uma especificidade que devemos apontar como elemento introdutoacuterio neste processo

refere-se ao entendimento de Justino para com o vocaacutebulo Verdade Neste quesito um

imperativo surge pois de forma inquestionaacutevel mediante o registro do Apologista conseguimos

considerar o que ele compreendia sobre o termo verdade em sua dimensatildeo epistemoloacutegica O

vocaacutebulo grego αλήθεια10 que comumente se traduz por verdade em portuguecircs eacute amplamente

utilizado por Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo (absoluta) para

aquilo que o Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que

dependia de ser apontado como agrave realidade presente e necessaacuteria para os Homens

Este conceito gramatical que Justino carrega sobre o termo Verdade jaacute estaacute presente

nos filoacutesofos11 e seu significado incorpora algo que define bem sua temaacutetica apologeacutetica

Justino compreendia que a realidade necessitava ser deslumbrada pois a verdade estaacute

subentendida a um ldquoestado preacutevio que viemos a descobrir a colocar de manifesto

estabelecendo o que a coisa eacuterdquo12 Deste modo Justino mediante sua metodologia dialeacutetica e

empiacuterica procurava salientar sua posse da Verdade por meio de um ldquosentido de certezardquo que

envolvia e incorporava a comprovaccedilatildeo de seus resultados Estes efeitos eram obtidos no

afastamento de dados distorcidos e encobertos sobre a realidade isso porque uma vez aplicado

tal desvelamento percebia-se como as coisas eram13 fazendo com que a Verdade fosse

colocada diante de seus expectadores

8 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

9 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152

10 Rusconi ao apresentar este vocaacutebulo aborda inicialmente sobre sua composiccedilatildeo composta onde salienta que a

existecircncia da letra ldquoαrdquo no iniacutecio da palavra eacute uma partiacutecula negativa que estaacute somada ao termo ldquoλαθλήθrdquo que

significa ldquoestar escondidordquo Assim no caso em especiacutefico quase sempre a composiccedilatildeo visa expressar uma

realidade que estaacute ldquoescondida obscura eou esquecidardquo Deste modo a construccedilatildeo gramatical do termo propotildee

que a consequecircncia da autenticidade (verdade) dos fatos eacute o efeito causado pelo desvelamento destes casos Sendo

assim passa-se a conhecer a verdade a partir do momento que se remove as coisas que a ocultam Rusconi ainda

indica que o termo procurava apresentar a realidade como sendo a condiccedilatildeo objetiva das coisas visiacuteveis e

recordaacuteveis ao Homem o que atestava esse desvelamento do que estava oculto Ver RUSCONI Dicionaacuterio do

Grego do Novo Testamento 2003 p 32

11 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

12 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 12

13 HEGENBERG Significado e Conhecimento 1975 p 15

13

A base dessa compreensatildeo sobre o vocaacutebulo verdade eacute utilizada amplamente por

Justino em sua I Apologia sempre visando dar sentido e precisatildeo absoluta para aquilo que o

Apologista procurava identificar como algo literalmente manifesto mas que dependia de ser

apontado como a realidade presente e necessaacuteria para os homens

Neste compasso eacute que esta dissertaccedilatildeo procura examinar como Justino interpretava

um de seus mais usados e emblemaacuteticos termos Este exerciacutecio nos conduz agrave questatildeo principal

que visamos responder nesta pesquisa sendo possiacutevel deste modo argumentarmos sobre este

ponto fundamental atraveacutes da seguinte interrogaccedilatildeo qual o sentido do vocaacutebulo ldquoVerdaderdquo

empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica

Sendo assim a realizaccedilatildeo desta pesquisa se deu atraveacutes de um exame bibliograacutefico

com literatura do tipo teoloacutegica filosoacutefica histoacuterica entre outras aacutereas relacionadas ao seu tema

base Cabe-nos salientar que esta dissertaccedilatildeo procura se apresentar como um agregado

intelectual em liacutengua portuguesa14 para sua aacuterea teoloacutegica especiacutefica

(PatriacutesticaPatrologiaHistoacuteria do Dogma) como tambeacutem para as demais aacutereas Humanas que

da mesma forma possam colher frutos num acircmbito interdisciplinar O estudo aqui proposto

baseia-se nos capiacutetulos XXIII-XXX da I Apologia de Justino Maacutertir tornando-se este nosso

principal ponto de delimitaccedilatildeo textual na busca de se compreender o conceito de Verdade para

Justino

Tratando-se dos termos Pai(s) ou Padre(s) ndash convencionalmente utilizados de forma

padratildeo e geneacuterica na titulaccedilatildeo das figuras de destaque na aacuterea Patriacutestica ndash optamos pelo

vocaacutebulo Pai como elemento descritivo a ser utilizado nesta pesquisa Isso devido a duas

questotildees orientativas A primeira busca priorizar a originalidade da liacutengua vernacular desta

dissertaccedilatildeo (portuguecircs) Jaacute a segunda procura seguir uma postura de acircmbito ecumecircnico visto

que o termo Pai se adapta melhor agrave compreensatildeo confessional cristatilde fora da realidade teoloacutegica

da Igreja Catoacutelica Apostoacutelica Romana natildeo trazendo nenhum prejuiacutezo cognitivo aos leitores

desta uacuteltima Instituiccedilatildeo

As citaccedilotildees da I Apologia de Justino foram extraiacutedas de versotildees em liacutengua portuguesa

e grega Em portuguecircs a I Apologia eacute traduzida e editada por Ivo Storniolo e Euclides M

Balancin e comentada por Roque Frangiotti para a coleccedilatildeo Patriacutestica da editora Paulus Jaacute o

texto em seu idioma original estaacute presente em duas publicaccedilotildees a primeira estaacute na coletacircnea

Patrologiae Cursus Completus Series Graeca Volume 6 editado por Jacques Paul Migne e a

14 A falta de trabalhos sobre o pensamento de Justino Maacutertir em liacutengua portuguesa no cenaacuterio nacional (Brasil) eacute

uma evidente deficiecircncia acadecircmica ateacute o momento Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 12

14

segunda estaacute na coletacircnea Apologies (contendo a I e a II Apologias) traduzida e comentada por

Louis Pautigny A traduccedilatildeo e transliteraccedilatildeo do original grego quando se fez necessaacuterio satildeo de

nossa autoria15

Duas satildeo as traduccedilotildees da Biacuteblia Sagrada em liacutengua portuguesa utilizadas nesta

dissertaccedilatildeo A primeira que eacute aplicada de forma padratildeo em todo corpo textual desta pesquisa

eacute a traduzida em portuguecircs por Joatildeo Ferreira de Almeida 2ordf ediccedilatildeo Revista e Atualizada no

Brasil da Sociedade Biacuteblica do Brasil de 1993 A segunda traduccedilatildeo que eacute utilizada

exclusivamente no quadro comparativo entre os textos da I Apologia de Justino e os textos

escrituriacutesticos do Antigo Testamento localizado no IV capiacutetulo eacute de nossa inteira autoria16

Quanto ao texto grego utiliza-se o Novo Testamento Grego tradicionalmente conhecido por

Textus Receptus 15501894 (que significa texto recebido) de domiacutenio puacuteblico poreacutem editado

e produzido eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007 Quanto ao Antigo

Testamento emprega-se a versatildeo grega conhecida como Septuaginta de 190317 de domiacutenio

puacuteblico editada e produzida eletronicamente pela Sociedade Biacuteblica do Brasil em 2007

Esta pesquisa se desenvolve textualmente em quatro capiacutetulos O primeiro capiacutetulo

discute quatro pontos principais O primeiro eacute uma sucinta abordagem biograacutefica da figura

humana de Justino diante dos fatos existentes em seu contexto O segundo apresenta o perfil

histoacuterico e intelectual especialmente na classe Patriacutestica em que estaacute inserido O terceiro ponto

faz uma anaacutelise literaacuteria da I Apologia sua dataccedilatildeo sua divisatildeo textual seu gecircnero literaacuterio e

os manuscritos que se dispotildeem da obra Por uacuteltimo se aborda por meio de uma breve exposiccedilatildeo

histoacuterica o ponto-chave que em meados do Seacuteculo II motivou Justino a redigir esta obra o

fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo eacute analisado como sendo a forccedila motriz que conduziu a pena de

Justino neste tratado

O segundo capiacutetulo estaacute dividido em trecircs pontos O primeiro descreve quem eram os

cristatildeos como grupo apresentando algumas de suas particularidades mas visa especialmente

construir algo que se pode explicar como uma definiccedilatildeo ldquoidentitaacuteriardquo destes homens e mulheres

que se haviam tornado mais um segmento do contexto sociorreligioso do Seacuteculo II O segundo

15 As obras de referecircncia utilizadas para tal exerciacutecio de traduccedilatildeo foram Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-

Grego de Isidoro Pereira Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento de Carlo Rusconi Dicionaacuterio Biacuteblico Strong

de James Strong e A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti

de Joseph Thayer

16 Esta opccedilatildeo se daacute devido ao fato de natildeo existir em liacutengua portuguesa uma traduccedilatildeo que represente ou se

assemelhe de maneira teacutecnica ao original grego da Septuaginta

17 Os editores empregam correlatamente o termo ldquosem acentuaccedilatildeordquo junto a titulaccedilatildeo desta versatildeo O emprego

ocorre devido ao texto grego natildeo apresentar acentos

15

que daacute seguimento ao ponto anterior visa apresentar um melhor desenvolvimento dos objetivos

deste trabalho deste modo eacute imprescindiacutevel se apresenta um esboccedilo do que para Justino se

caracteriza como os setores da sociedade opostos ao cristianismo nesta relaccedilatildeo duas ldquoclassesrdquo

surgem judeus e gentios Por fim o terceiro ponto aborda o exame principal desta etapa Aqui

se descreve uma potencial relaccedilatildeo entre fatores que por regra se diferenciam essencialmente

sendo esta diferenciaccedilatildeo estabelecida necessariamente por uma nova postura espiritual eou

religiosa Novas variantes surgem de forma definitiva no cenaacuterio sociorreligioso da eacutepoca

confrontando seu status quo o que leva Justino a reagir criando automaticamente uma accedilatildeo

dialeacutetica que envolve conceitos teologais providenciais eacuteticos e morais aleacutem de gerar outras

variaccedilotildees que estabelecem o passo futuro a ser dado por Justino visando um desdobramento

que estabeleccedila sua confissatildeo de feacute Neste cenaacuterio eacute possiacutevel propor uma definiccedilatildeo do que seja

a Verdade para Justino

Tambeacutem o terceiro capiacutetulo tem sua estrutura dividida em trecircs pontos bases O

primeiro aborda o capiacutetulo XXVIII da I Apologia o qual seraacute analisado de forma introdutoacuteria

levando desta maneira ao desenvolvimento do restante da proposta aleacutem de dar fundamento agrave

construccedilatildeo do argumento central que estaacute ancorado no pensamento do Apologista O segundo

ponto do capiacutetulo concentra-se na descriccedilatildeo da filosofia como a principal ldquociecircnciardquo e a base

intelectual na formaccedilatildeo de Justino Neste espaccedilo se vecirc de forma sumarizada o filoacutesofo Justino

aqui tambeacutem se mencionam as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo deste Pai da Igreja

onde o estoicismo e o platonismo satildeo salientados Aleacutem disso eacute discutida tambeacutem o conceito

de Logos questatildeo filosoacutefica-teoloacutegica que acabou por se tornar em uma de suas principais

contribuiccedilotildees para a histoacuteria do dogma cristatildeo18 Finalmente o terceiro ponto concentra

esforccedilos no desenvolvimento de uma peculiar abordagem de Justino quanto ao uso e o fim que

a racionalidade humana exerce no seu conjunto de relaccedilotildees Este ambiente formado de coisas

temporais e atemporais caracteriza de maneira clara e oacutebvia para Justino uma postura sistecircmica

como modelo para as atitudes humanas que concentram em si a resposta que define a Verdade

para este Apologista

O quarto e derradeiro capiacutetulo se compotildeem de trecircs pontos elementares Inicia-se por

uma abordagem que procura desenvolver uma raacutepida relaccedilatildeo histoacuterica do conceito messiacircnico

em algumas culturas direcionando seu foco final para a eacutepoca de Justino O segundo item

descreve com certo grau de peculiaridade a definiccedilatildeo do que eram e consequentemente o que

representavam as profecias messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino aleacutem de visar

18 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

16

comunicaacute-las de maneira correta acima de tudo a quem ele as apresentou como tipo alvo e

revelaccedilatildeo maacutexima19 Por fim o terceiro ponto expotildee por meio do auxiacutelio de fontes que para

Justino havia um evidente qualificador em sua definiccedilatildeo do cumprimento profeacutetico da Antiga

Alianccedila Este fator se concentra em um axioma que se tornou visiacutevel sendo bem definido pelo

autor do Quarto Evangelho ldquoo Verbo se fez carne e habitou entre noacutes cheio de graccedila e de

verdade e vimos a sua gloacuteria gloacuteria como do unigecircnito do Pairdquo (Joatildeo 114)

Em resumo o primeiro capiacutetulo estaacute centrado no contexto da figura histoacuterica de

Justino O segundo em aspectos significativos sobre a contraposiccedilatildeo de ideias e haacutebitos O

terceiro na obtenccedilatildeo da inteligibilidade do Apologista em resistecircncia a uma previsatildeo

meramente sensiacutevel do agregado vivencial ou funcional de sua realidade O quarto na

afirmaccedilatildeo de um apogeu que sustentado em evidecircncias irrefutaacuteveis para Justino se estabelece

como uma sentenccedila irrevogaacutevel

Este apanhado nos convida a uma reflexatildeo para conhecer e a uma busca para

comprovar o que seria a Verdade na visatildeo de Justino de Roma Daniel-Rops foi mais um dos

tantos que foram conquistados pelas nuances do legado apologeacutetico de Justino e como

consequecircncia deste encontro encoraja seus leitores a aceitarem este desafio

Como os seus problemas satildeo semelhantes aos nossos Como bate seu coraccedilatildeo num

ritmo que conhecemos tatildeo bem Neste filoacutesofo de dezoito seacuteculos ressoa aos nossos

ouvidos uma espeacutecie de Pascal neste dialeacutetico emeacuterito encontra-se uma vontade de

acolhimento e uma abertura de alma que os cristatildeos de hoje podem tomar por

modelo20

19 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

20 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 277

17

1 JUSTINO MAacuteRTIR VIDA E OBRA NO CONTEXTO HISTOacuteRICO DO SEacuteCULO II

Ao imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo

filoacutesofo e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do

saber ao sacro Senado e a todo o povo romano Em prol dos homens de qualquer raccedila

que satildeo injustamente odiados e caluniados eu Justino um deles filho de Prisco que

o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestina compus este discurso e

esta suacuteplica21

Para conhecermos melhor a Justino o cognominado Maacutertir da ainda jovem Igreja de

Cristo ndash como tambeacutem ilustre residente da comunidade romana do Seacuteculo II ndash devemos nos

aproximar de suas obras Especialmente nas conhecidas I Apologia e Diaacutelogo com Trifatildeo nos

deparamos com um pequeno poreacutem significativo acesso a informaccedilotildees que fundamenta um

consideraacutevel entendimento histoacuterico desta figura tatildeo destacada daquele periacuteodo22

A partir desta anaacutelise histoacuterica buscaremos desenvolver uma construccedilatildeo por meio de

fatores que entendemos serem essenciais para o progresso do restante desta pesquisa no qual

assuntos de teor elementar procuraratildeo ser respondidos Entre estes podemos identificar alguns

como Quem foi esse homem chamado Justino o qual o testemunho cristatildeo antigo afirma ter

sido morador da cidade de Roma e martirizado por sua feacute A qual classe da sociedade romana

de sua eacutepoca ele pertenceu A qual grupo da ldquointelectualidaderdquo cristatilde ele somou Como e

quando escreveu suas obras em especial a I Apologia Como este escrito encomiaacutestico de

defesa nasce Quem eou o quecirc (fatores diversosplurais) o incentivaram a escrevecirc-la de forma

proposital

11 JUSTINO DE ROMA

Torna-se necessaacuterio desde o iniacutecio salientar que se possui atualmente informaccedilotildees bem

detalhadas de quem teria sido Justino ndash o qual foi cunhado por Tertuliano como ldquofiloacutesofo e

maacutertirrdquo23 ndash morador da capital do Impeacuterio Romano isso tudo devido especialmente agraves claras

ldquoreferecircncias autobiograacuteficas de suas proacuteprias obras a um relato sobre seu martiacuterio e a notiacutecias

encontradas na Histoacuteria eclesiaacutestica de Euseacutebio e em Epifacircniordquo24 Uma gama consideraacutevel de

21 JUSTINO I Apologia I 1

22 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

23 TERTULIANO Contra os Valentinianos V 1

24 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 82-83

18

estudiosos concorda que Justino tenha nascido por volta do ano 100 da era cristatilde25 isso devido

agrave referecircncia textual apresentada pelo proacuteprio Apologista ldquoeu Justino um deles filho de Prisco

que o foi de Baacutequio natural de Flaacutevia Neaacutepolis na Siacuteria Palestinardquo26 Neste contexto contribui

o trabalho de Xavier que afirma acreditar ldquoque ele (Justino) nasceu depois do ano 100 dC em

Flavia Neaacutepolis (atual Naplusa) na Siacuteria-Palestina ou Samaria a Siqueacutem dos tempos biacuteblicos

(Palestina)rdquo27 Nota-se atraveacutes do auto relato de Justino que este nasceu em pleno ldquocoraccedilatildeo da

Galileiardquo28 em uma cidade remodelada (modernizada) para sua eacutepoca agrave cultura romana ou seja

pagatilde Logo sua famiacutelia provavelmente tambeacutem era pagatilde possivelmente seus pais ldquoeram

colonos abastadosrdquo29 e de origem latina ou grega sendo a primeira opccedilatildeo de preferecircncia por

Hamman que afirma serem de caracteriacutestica latina a qualidade de caraacuteter o gosto por dados

histoacutericos e a natildeo apreciaccedilatildeo de argumentaccedilotildees pomposas e prolixas encontradas em Justino30

Vale tambeacutem citar que a etimologia dos nomes do seu pai (Prisco) e do seu avocirc (Baacutequio)

colabora para uma origem natildeo judaicaisraelita mesmo tendo nascido na regiatildeo da Samaria

local no qual possivelmente tenha crescido e sido educado31

Os proacuteximos relatos biograacuteficos apresentados por nosso autor jaacute se estabeleceram no

decorrer de sua jornada em direccedilatildeo ao alvo que buscava atingir eacute quando em seu escrito

intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo Justino se apresentaraacute como um apaixonado apreciador da

filosofia e do absoluto que a razatildeo deveria perscrutar Em um escrito estiliacutestico e repleto de

artifiacutecios literaacuterios Justino cita seu passado em meio aos estoicos peripateacuteticos pitagoacutericos e

platocircnicos32 observando desde cedo que o objetivo de seu caminho nestes grupos que

ldquocultuavamrdquo o bem-estar do viver humano era o de descobrir a verdade como um estado livre

de contingecircncias Hamman endossa esse processo de peregrinaccedilatildeo filosoacutefica na vida do autor

25 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 81

26 JUSTINO I Apologia I 1

27 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo nosso

28 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

29 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

30 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

31 Flaacutevia Neaacutepolis foi fundada em 72 de nossa era por Vespasiano sobre a antiga Siqueacutem A cidade existe hoje

sob o nome de Naplusa Natildeo se deve esquecer a importacircncia deste siacutetio geograacutefico para a histoacuteria religiosa de

judeus e cristatildeos Foi em Siqueacutem que Deus apareceu a Abraatildeo e este lhe dedicou um altar (cf Gn 126-7) Ali se

conservava a memoacuteria de um ldquopoccedilo de Jacoacuterdquo junto ao qual Jesus dialogou com a samaritana (cf Jo 45-6) Foi em

Siqueacutem que Josueacute reuniu a grande assembleia das tribos para ratificar a alianccedila entre Deus e seu povo (cf Js 24)

Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 5

32 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3-6

19

O proacuteprio Justino conta-nos no Diaacutelogo com Trifatildeo o longo itineraacuterio de sua busca

[] Sucessivamente em Naplusa frequentou as aulas de um estoico depois de um

disciacutepulo de Aristoacuteteles que logo abandonou trocando-o por um platocircnico Com

candura esperava que a filosofia de Platatildeo lhe permitisse ldquover imediatamente a

Deusrdquo33

Entretanto Justino diante de diversas circunstacircncias e ainda acometido de inuacutemeras

inquietaccedilotildees decorridas das mesmas perguntas que o afligiam em sua busca pela verdade passa

a relatar seu impressionante encontro com o Evangelho de Cristo em seu Diaacutelogo com um judeu

chamado Trifatildeo34 Justino que aparentemente parece ter sido encorajado apoacutes ser ensinado por

um mestre da escola platocircnica passa a viver por meio de haacutebitos mais austeros e se retira a um

lugar isolado onde segundo ele mesmo procuraria encontrar ldquoo proacuteprio Deusrdquo35 Poreacutem em

meio a esta experiecircncia de isolamento ndash possivelmente ocorrida na regiatildeo da Aacutesia Menor36 ndash

Justino se depara com um anciatildeo que seraacute o arauto da mais significativa filosofia que conheceu

Hamman daacute ecircnfase a esse evento ldquoRetirando-se agrave solidatildeo Justino passeava pela areia a beira-

mar para meditar sobre a visatildeo de Deus sem conseguir apaziguar sua inquietaccedilatildeo quando

encontrou um anciatildeo misterioso que dissipou suas ilusotildeesrdquo37

Nesse Diaacutelogo nos deparamos com uma seacuterie de interrogaccedilotildees vindas da parte do

Anciatildeo judeu dirigidas a pessoa de Justino assuntos sobre Deus (divindade) sobre o saber

humano (filosofia) sobre a felicidade e a disposiccedilatildeo da alma (psique) satildeo algumas das questotildees

apresentadas ao ldquointelectordquo do filoacutesofo Justino No que tudo indica parecer um processo

baseado na maiecircutica socraacutetica o Anciatildeo leva nosso autor a inuacutemeras duacutevidas e consegue

estabelecer contradiccedilotildees naquela que parecia ser a melhor via (meacutedio platonismo) para o

entendimento da verdade conhecida por Justino ateacute entatildeo38 Diante das argumentaccedilotildees

apresentadas pelo Anciatildeo e sentindo-se vencido por elas Justino reconhece a sua limitaccedilatildeo e

pergunta ldquoEntatildeo a quem vamos tomar como mestre ou de quem poderemos tirar algum

proveito se nem mesmo nestes (filoacutesofos) se encontra a verdaderdquo39

33 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

34 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo III 1-VIII 2

35 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6-III 1

36 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

37 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

38 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

39 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1 grifo nosso

20

O decorrer do caso nos eacute apresentado com entusiasmo pelo autor o Anciatildeo eacute retratado

como algueacutem que natildeo hesita em afirmar ao sedento Justino que os profetas da antiga alianccedila

foram aqueles que manifestaramproclamaram a Verdade antes de todos os outros homens40

pois a resposta ao apelo do espiacuterito de Justino jaacute encontrava razatildeo e sentido na revelaccedilatildeo

anteriormente profetizada (Antigo Testamento) Estes fatos (profecias) tinham total relevacircncia

pois eram ldquomais antigos do que todos estes considerados filoacutesofos homens bem-aventurados

justos e amigos de Deusrdquo41 Neste ponto soma-se de forma significativa a descriccedilatildeo de Walde

desenvolvida junto ao texto de Justino sobre a sua conversatildeo

Justino foi introduzido na feacute diretamente por um velho homem que o envolveu numa

discussatildeo sobre problemas filosoacuteficos e entatildeo lhe falou sobre Jesus Ele falou a Justino

sobre os profetas que vieram antes dos filoacutesofos ele disse e que falou ldquocomo

confiaacutevel testemunha da verdaderdquo Eles profetizaram a vinda de Cristo e suas

profecias se cumpriram em Jesus Justino disse depois que ldquomeu espiacuterito foi

imediatamente posto no fogo e uma afeiccedilatildeo pelos profetas e para aqueles que satildeo

amigos de Cristo tomaram conta de mim enquanto ponderava nestas palavras

descobri que a sua era a uacutenica filosofia segura e uacutetil [] eacute meu desejo que todos

tivessem os mesmos sentimentos que eu e nunca desprezassem as palavras do

Salvadorrdquo42

Apoacutes este evento notabilizador na histoacuteria de Justino um evento que atesta a

conversaccedilatildeo do filoacutesofo a nova religiatildeo que se apresentava a cada dia com maior forccedila em meio

ao mundo heleniacutestico nasce um ministeacuterio que iraacute se caracterizar por uma profunda e inegaacutevel

entrega a causa que o conquistou Chegando agrave cidade de Eacutefeso Justino se deparou com irmatildeos

que se diziam disciacutepulos do apoacutestolo Joatildeo os quais por meio de uma intensa relaccedilatildeo lhe

mostraram o novo e relevante aspecto da nova filosofia que agora havia decidido seguir

passando a entender que o cristianismo deve ser ldquoum cristianismo de atos e natildeo soacute de

palavrasrdquo43

Poreacutem o maior entendimento que o Apologista obteve foi o de encontrar a Verdade a

qual buscava incessantemente unindo este axioma (Verdade) com o Logos revelado pelas

Escrituras contexto que definiu como a uacutenica ldquofilosofia segura e proveitosardquo44 para a vida a

40 DROHNER Manual de Patrologia 2008

41 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VII 1

42 WALDE Defensor da Igreja 2000 p 1

43 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

44 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

21

qual eacute a fonte do saber primordial que manteve-se inalterada poreacutem tendo assumido ldquonovas

formas e expressotildees diferentesrdquo atraveacutes dos seacuteculos45 Este esteio da intelectualidade de Justino

foi tatildeo decisivo para a histoacuteria do cristianismo que segundo Hamman passou a apresentar

(temporariamente) uma satisfatoacuteria ldquoconclusatildeo para todas as verdades parciais [] Instante

inesqueciacutevel que assinala uma data na histoacuteria cristatilde em que se encontram a alma platocircnica e

a alma cristatilde A Igreja acolhia Justino e Platatildeordquo46

Aleacutem disto Justino guardou caracteriacutesticas daquilo que reconhecia ser saudaacutevel de seu

passado como amigo da sabedoria vestindo-se com ldquomanto de filoacutesofo como sinal do pregador

cristatildeo itineranterdquo47 Desta forma Justino procurou caracterizar-se entre os seus

contemporacircneos como algueacutem que representava a Verdade que havia encontrado Ateacute onde se

tem notiacutecias jamais foi ordenado assim como a maioria dos Pais de sua classe Patriacutestica

(Apologistas)48 No entanto ele iniciou em Roma possivelmente a pedido do Bispo Higino49

ldquoagrave maneira das escolas de filosofia uma escola de iniciaccedilatildeo agrave religiatildeo cristatilderdquo50 na qual formou

disciacutepulos recebendo tambeacutem por esta iniciativa a possiacutevel desaprovaccedilatildeo da ldquoclasserdquo

intelectual de sua eacutepoca pois tudo indica que natildeo cobrava nenhuma compensaccedilatildeo ndash entenda-se

salaacuteriopagamento ndash de seus alunos51 Este periacuteodo ministerial de Justino na ldquocapital do mundordquo

teve tamanha repercussatildeo na histoacuteria da Igreja a ponto de Euseacutebio fazer questatildeo de reproduzir

algumas particularidades desse filoacutesofo cristatildeo deixando-nos assim uma robusta base

historiograacutefica de Justino o primeiro historiador da Igreja afirma que ldquofloresceu Justino Com

estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de Deus e lutava pela feacute com seus escritosrdquo52

Decorrido um periacuteodo de confrontaccedilotildees filosoacuteficas e teoloacutegicas ndash especialmente no

acircmbito da eacuteticamoral ndash e de crescentes atritos com as esferas aristocraacuteticas da sociedade

romana Justino foi acusado de ser cristatildeo53 Tudo indica que a denuacutencia partiu de um filoacutesofo

45 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

46 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

47 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 83

48 RIVAS San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo 2018

49 Acredita-se que devido ao crescimento de alguns movimentos gnoacutesticos (Marcionismo Valentianismo etc)

junto a capital do Impeacuterio o Bispo Higino (Nono Papa) solicitou a presenccedila de Justino na tentativa de se introduzir

uma formaccedilatildeo filosoacutefico-cultural cristatilde em Roma no empenho de se responder adequadamente mediante a

verdadeira doutrina de Cristo a estes representantes heterodoxos Ver FEacuteLIX Las filosofiacuteas en la teologiacutea de

Justino Maacutertir 2014 p 438

50 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

51 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

52 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 10 8

53 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

22

ciacutenico54 de caraacuteter duvidoso chamado Crescente O proacuteprio Justino registra em sua segunda

Apologia o pressentimento de que entregaria sua vida em prol da causa do Evangelho que o

libertou da ignoracircncia e o salvou da morte eterna Ele escreve ldquoEu mesmo espero ser viacutetima

das ciladas de algum desses democircnios aludidos e ser cravado no cepo ou pelo menos das ciladas

de Crescente esse amigo da desordem e da ostentaccedilatildeordquo55 Deste modo Justino e provavelmente

seis de seus disciacutepulos foram conduzidos diante do Prefeito de Roma chamado Juacutenio Ruacutestico56

Apoacutes ser julgado e condenado agrave morte ldquoSua sentenccedila foi a decapitaccedilatildeo que ocorreu por volta

do ano 165 dCrdquo57 Hamman ainda enobrece a posiccedilatildeo de Justino salientando que o Apologista

tinha a compreensatildeo de que diante de seus algozes natildeo se tratava ldquomais de convencer senatildeo de

confessarrdquo58 Assim mesmo nesse cenaacuterio de violecircncia a identidade e histoacuteria do filoacutesofo que

quando jovem peregrinava atraacutes das respostas do absoluto acaba por transformar-se por meio

de um ato de feacute o entatildeo filoacutesofo cristatildeo chamado Justino e morador da cidade de Roma passa

agora a ser tambeacutem o Maacutertir da Igreja de Cristo

Finalizamos este item com a descriccedilatildeo de Euseacutebio que com realce e temor retrata os

fatos finais da histoacuteria da vida de Justino

Por este mesmo tempo Justino mencionado haacute pouco depois de dedicar aos

supracitados imperadores seu segundo livro em defesa de nossas doutrinas foi

adornado com o sagrado martiacuterio O responsaacutevel pela conspiraccedilatildeo foi o filoacutesofo

Crescente - homem que se esforccedilava em levar uma vida e uma conduta bem adequadas

ao cognome de ciacutenico - pois Justino o havia repreendido muitas vezes em presenccedila

de seus ouvintes Justino com seu martiacuterio acabou cingindo o precircmio da vitoacuteria da

verdade da qual era embaixador59

54 O cinismo origina-se nas escolas filosoacuteficas da Greacutecia antiga que reivindicam uma linhagem socraacutetica Chamar

os ciacutenicos de ldquoescolardquo no entanto imediatamente levanta uma dificuldade para um grupo natildeo convencional e anti-

teoacuterico Seus principais interesses satildeo eacuteticos mas eles concebem a eacutetica mais como um modo de viver do que

como uma doutrina que precisa de explicaccedilatildeo Como tal askēsis ndash uma palavra grega que significa um tipo de

treinamento do eu ou da praacutetica ndash eacute fundamental Os ciacutenicos assim como os estoacuteicos que os seguiram caracterizam

o modo de vida ciacutenico como um ldquoatalho para a virtuderdquo (ver Dioacutegenes Laeacutercio Vidas de Filoacutesofos Eminentes)

Livro 6 Capiacutetulo 104 e Livro 7 Capiacutetulo 122) Embora muitas vezes sugiram que descobriram o caminho mais

raacutepido e talvez o mais certo para a vida virtuosa eles reconhecem a dificuldade desse caminho Ver PIERING

Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Texto completo em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt

55 JUSTINO II Apologia VIII 9 1

56 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010

57 CAMPENHAUSEN Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros Teoacutelogos Cristatildeos 2005 p 22 apud

SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 67

58 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 32

59 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 16 1

23

Apoacutes este introdutoacuterio exame biograacutefico comeccedilaremos a apresentar o cristatildeo e filoacutesofo

Justino em seu grupo de definiccedilatildeo Patriacutestica ou poderiacuteamos dizer no condicionamento

ministerial de seu exerciacutecio da manutenccedilatildeo e defesa da feacute cristatilde

12 PAIS DA IGREJA

Justino eacute um personagem histoacuterico do cristianismo mundial e possui seu assento no

espaccedilo definido pela teologia Patriacutestica como um PaiPadre da Igreja60 Em sua pesquisa de

ordenamento histoacuterico Santos salienta que ldquoele se insere num momento e num ciacuterculo muito

importante da histoacuteria do cristianismo primitivo naquilo que se convencionou chamar de

Padres da Igrejardquo61 Neste espaccedilo analiacutetico em que surgem terminologias de caraacuteter mais

temaacutetico desenvolvem-se alguns viacutenculos que visam obter uma melhor orientaccedilatildeo teoloacutegica

As ciecircncias intituladas Patriacutestica e Patrologia (denominaccedilatildeo predominante no acircmbito teoloacutegico

Catoacutelico Romano) detecircm as estruturas funcionalidades e linguagens que buscam o

aperfeiccediloamento deste ramo de pesquisa histoacuterica em meio a teologia Nesse espaccedilo torna-se

importante apresentar a sinteacutetica definiccedilatildeo oriunda da Congregaccedilatildeo para a Educaccedilatildeo Catoacutelica

em sua Instruccedilatildeo sobre o Estudo dos Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal esta diz ldquoa

Patriacutestica ocupa-se do pensamento teoloacutegico dos Padres [] a Patrologia tem por objeto a vida

e os escritos dos mesmosrdquo62 Notamos que nesse ambiente se caracteriza uma espeacutecie de

sinoniacutemia entre os termos sendo isso o resultado de diversas siacutenteses oriundas do confronto de

algumas posiccedilotildees divergentes ao longo da histoacuteria da elaboraccedilatildeo teoloacutegica ocidental63 poreacutem

a definiccedilatildeo terminoloacutegica conhecida por Histoacuteria da Literatura Cristatilde Antiga utilizada por

Lazzati e Simonetti ndash mesmo que extensa e ainda pouco usada ndash devido a sua qualificaccedilatildeo

linguiacutestica acabou por se estabelecer Padovese resume bem essa proposta de ldquosimbioserdquo ao

60 Em vaacuterias liacutenguas eacute a mesma palavra para o significado de Padre e Pai pater em latim padre em italiano e em

espanhol pegravere em francecircs father em inglecircs Em portuguecircs haacute hoje distinccedilatildeo niacutetida entre Padre e Pai mas o sentido

original da palavra eacute o de Pai (ateacute natildeo muitos anos atraacutes diziacuteamos [na liturgia da ICAR] ldquoPadre nosso que estais

no ceacuteurdquo) Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 17 grifo nosso

61 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68

62 CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos Padres da Igreja na

Formaccedilatildeo Sacerdotal 1989 art 49

63 A Patriacutestica no mundo protestante tornou-se ldquoHistoacuteria dos Dogmasrdquo e tanto no acircmbito catoacutelico como

protestante alguns identificaram a Patrologia com a histoacuteria da literatura cristatilde (Harnack) ou com a ldquohistoacuteria da

literatura eclesiaacutesticardquo (Bardenhewer) ou ainda com a ldquohistoacuteria da literatura cristatilde antigardquo (Lazzati Simonetti)

Ver PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 22

24

sugerir que ldquoambas (Patriacutestica e Patrologia) juntamente com a histoacuteria da literatura cristatilde

antiga trabalham com as mesmas obrasrdquo64

Desta maneira a aacuterea de estudo dos Pais da Igreja tem sido objeto e alvo de diversas

pesquisas na atualidade aleacutem de ter sido um feacutertil campo para inuacutemeras e variadas abordagens

no decorrer dos seacuteculos havendo significativos trabalhos jaacute no Seacuteculo XVII65 Mais

recentemente (Seacuteculo XX)66 houve um reconhecimento do grande valor estrutural desse

segmento para o meio teoloacutegico de forma transconfessional onde acabou por acarretar

expressiva contribuiccedilatildeo em questotildees especialmente dogmaacuteticas Hall baseando-se no

pensamento de Casey desenvolve sua ideia atraveacutes de afirmaccedilotildees relevantes sob a importacircncia

do estudo da PatriacutesticaPatrologia para o ensino ordinaacuterio da teologia (academia) e da Igreja

(catequese)

Primeiro os pais satildeo os ldquomais proacuteximos beneficiaacuterios da tradiccedilatildeo apostoacutelicardquo Em

minhas proacuteprias palavras eles viveram e trabalharam em aproximaccedilatildeo hermenecircutica

com os escritores biacuteblicos especialmente os do novo testamento Segundo os pais

ldquoajudam-nos a entender nossas proacuteprias raiacutezesrdquo na feacute Terceiro muitos pais

escreveram e viveram como pastores Eles escreveram para ajudar as pessoas a

agarrar-se ao ensino de Cristo67

De maneira ampla podemos dizer que haacute algumas variaccedilotildees no meacutetodo e no estilo de

estudar o cenaacuterio patriacutestico em sua estrutura conjuntural Devemos iniciar salientando que o

periacuteodo patriacutestico simplesmente ldquonatildeo eacute definido como um marco cronoloacutegico mas como um

periacuteodo de passagemrdquo68 Deste modo uma delimitaccedilatildeo se constroacutei atraveacutes de uma conclusatildeo de

periacuteodos (estrutura temporal) ndash onde atributos culturais e eclesiaacutesticos se mesclam para gerar

uma definiccedilatildeo conceitual Nessa espeacutecie de ldquorestriccedilatildeo conceitualrdquo tambeacutem se encaixa o

conjunto de criteacuterios adotados no processo de seleccedilatildeo daqueles que podem receber tal tiacutetulo

honoriacutefico de Pai da Igreja mesmo que estes elementos de classificaccedilatildeo (ortodoxia

64 PADOVESE Leacutexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico 2003 p 576 apud SANTOS Identidade Cristatilde

no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 68 grifo nosso

65 DAILLEacute Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui sont auiourdhui en la

religion 1632

66 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

67 CASEY Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina 1995 p 105 apud HALL Lendo as Escrituras

com os Pais da Igreja 2003 p 56

68 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

25

santificaccedilatildeo reconhecimento eclesiaacutestico antiguidade)69 tenham possuiacutedo variaacuteveis (de meacuterito

e de forma)70 em sua aplicaccedilatildeo durante toda a histoacuteria Ainda nesse processo de formaccedilatildeo

tambeacutem cabe registrar a profunda influecircncia de indicaccedilatildeo geograacutefica ocorrida em todo esse

desenvolvimento onde uma linha divisoacuteria de significativa relevacircncia se apresenta quando faz

a separaccedilatildeo do ldquotemperamento teoloacutegico entre o Oriente e Ocidenterdquo71

Contudo cabe-nos assumir uma forma de classificaccedilatildeo e organizaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo

desta pesquisa desta forma por utilizar-se de uma linguagem acessiacutevel e por apresentar maior

incidecircncia literaacuteria em meios natildeo teoloacutegicos utilizaremos das seguintes divisotildees baseadas no

trabalho de Hall descritas como

I Pais Apostoacutelicos (final do Seacuteculo I ateacute meados do II)

II Pais Apologistas ou Ante-Nicenos (Seacuteculo II)

III Pais Polemistas ou Nicenos (final do Seacuteculo II e Seacuteculo III)

IV Pais Cientiacuteficos ou Poacutes-Nicenos (Seacuteculo III ao V)72

O primeiro modo de classificaccedilatildeo iraacute se designar por uma abordagem de caraacuteter mais

funcional no que diz respeito a seus integrantes todos estatildeo relacionados ao periacuteodo

denominado de cristianismo antigoprimitivo recebendo assim o nome de Pais Apostoacutelicos

Foram os herdeiros diretos do chamado ldquodepoacutesito da Feacuterdquo o qual foi estabelecido atraveacutes da

missatildeo dos apoacutestolos de Cristo que detinham a autoridade e a grande responsabilidade de

perpetuar a doutrina apostoacutelica (entenda-se afirmar a continuidade da mensagem una santa e

catoacutelica do cristianismo por meio da manutenccedilatildeo daacute mensagem original) Jaacute os denominados

Pais Apologistas (grupo agrave qual Justino pertence) notabilizaram-se ndash principalmente devido agrave

notaacutevel qualidade de seus escritos ndash por defender a Feacute cristatilde de inuacutemeras accedilotildees repressivas agrave

doutrina e agraves comunidades fenocircmeno que se caracterizou especialmente no decurso do Seacuteculo

II Os Pais Polemistas salientam-se por sua ampla argumentaccedilatildeo no que confere a asseveraccedilatildeo

dos principais ensinos (doutrinasdogmas) do cristianismo protegendo-os das mais variadas

heresias tambeacutem afirmando suas peculiaridades mas acima de tudo pontuando estas instruccedilotildees

como questotildees indispensaacuteveis para a existecircncia da verdadeira Feacute em Cristo Por uacuteltimo os Pais

chamados ldquocientiacuteficosrdquo distinguiram-se por sua ecircnfase na densa aplicaccedilatildeo da Teologia em aacutereas

69 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 11

70 Bogaz Couto e Hansen indicam ainda um quinto criteacuterio na classificaccedilatildeo dos elementos para se ser credenciado

como um integrante do mundo patriacutestico eles o chamam de COLEGIALIDADE E DIAacuteLOGO Este visa analisar

a abrangecircncia do patrimocircnio teoloacutegico deixado pelo autor Ver BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica

caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 28 grifo do autor

71 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

72 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003 Ver capiacutetulos III-V

26

filosoacuteficas e do conhecimento ldquonaturalrdquo (antropologia sociologia psicologia etc) de seu

tempo Cabe-nos ainda frisar por uma questatildeo teacutecnica que o periacuteodo Patriacutestico normalmente eacute

descrito ateacute figuras do Seacuteculo VIII73 poreacutem nossa abordagem natildeo esmiuccedilara tal fato pelo

mesmo exceder o tema proposto nesta pesquisa

Para terminar nossa lacocircnia abordagem de uma aacuterea tatildeo ampla e rica de conteuacutedo

devemos sustentar a premissa de que uma consistente estrutura para anaacutelise Patriacutestica se daacute

atraveacutes da apropriaccedilatildeo de seu legado intelectual e isso se constroacutei atraveacutes de um genuiacuteno exame

de suas obras Aqui se apresenta a Patrologia como a ciecircncia a ser seguida e exercitada em

sentido literal isso devido a essa ser a organizadora deste sistema Santos em sua pesquisa

contribui neste enfoque

Haacute ainda outra forma muito comum de se estudar os padres da Igreja que eacute a partir de

suas obras e ainda o estudo deles todos sem qualquer divisatildeo atendo-se agraves vezes agrave

cronologia tanto de suas obras quanto de sua existecircncia na linha do tempo agraves vezes

de forma alfabeacutetica Em ambos os casos satildeo estruturados de forma enciclopeacutedica ou

dispostos como um dicionaacuterio de pensadores cristatildeos Assim os padres da Igreja

fazem parte de um campo de estudo maior inserido no que pode ser chamado de

Histoacuteria das ideias ou do pensamento cristatildeo74

Seguindo em uma ordem organograacutefica examinaremos a partir de agora o grupo

Patriacutestico no qual Justino se enquadrou em seu exerciacutecio ministerial devido a suas

caracteriacutesticas filosoacuteficas e teoloacutegicas

121 Pais Apologistas

Verificamos que no decorrer do Seacuteculo II surgiu nas comunidades cristatildes uma iminente

necessidade de combater determinadas acusaccedilotildees aleacutem de procurar dissuadir visotildees distorcidas

sobre o cristianismo75 especialmente as relacionadas a questotildees que adotavam posturas parciais

que simplesmente acusavam a religiatildeo cristatilde de ser um legado para pessoas ldquoignorantes e

fanaacuteticasrdquo76 Tal incitaccedilatildeo jaacute estava ativa em grande parte do Impeacuterio Romano Desta forma a

73 Os estudiosos patriacutesticos definem o fechamento deste periacuteodo no ocidente com Gregoacuterio Magno (ou Isidoro de

Sevilha) no Seacuteculo VII e no Oriente com Joatildeo Damasceno no Seacuteculo VIII Ver BOGAZ COUTO HANSEN

Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 25

74 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 69

75 Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 29-31

76 SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 181

27

Igreja ancorada em um ldquonuacutemero notaacutevel de gentios dotados de soacutelida formaccedilatildeo intelectualrdquo77

sendo sua maioria formada por ldquofiloacutesofosrdquo que haviam se convertido ao cristianismo acabaram

postando-se como baluartes desta nova religiatildeo tendo seus escritos (chamados de ldquotradiccedilatildeo

apologeacutetica cristatilderdquo78) como sua principal ldquoarmardquo de defesa estes (escritores e suas obras)

visavam ldquorefutar as calunias e [] expor o absurdo e a incoerecircncia dos ritos e dos mitos

pagatildeosrdquo79 aleacutem de apresentarem suas vidas como testemunhos da transformaccedilatildeo almejada por

esta feacute que defendiam Diante dos recursos aos quais protegiam e frente a busca de

ldquolegitimaccedilatildeordquo do cristianismo como religiatildeo no Impeacuterio estes cristatildeos questionavam de

maneira enfaacutetica as infundadas agressotildees propostas por aqueles que decidiam ldquofechar os seus

olhosrdquo as virtuosas obras geradas pelos seguidores desta Boa Nova Fluck contribui com ecircnfase

na tentativa de legitimaccedilatildeo que estes escritores apologistas procuraram dar a sua pregaccedilatildeo na

busca de toleracircncia para sua mensagem

Os apologistas queriam manifestar diante da opiniatildeo puacuteblica a verdadeira natureza do

Cristianismo Eles tinham a preocupaccedilatildeo de demonstrar a conformidade do

Cristianismo com o ideal helecircnico Proclamavam ndash na maioria dos casos ndash a alianccedila

do Cristianismo e da Filosofia Queriam mais do que somente toleracircncia Mostravam

que os cristatildeos eram os melhores cidadatildeos do Impeacuterio e que o Cristianismo favorecia

a grandeza do Impeacuterio80

Esta postura adotada por homens de elevada cultura acabou por robustecer e superar

uma necessidade existencial que havia surgido na relaccedilatildeo do cristianismo para com mundo

greco-romano isso devido agrave expansatildeo e estabilizaccedilatildeo em sociedades predominantemente

heleniacutesticas Os Pais Apologistas (em sua ampla maioria) inauguraram o que podemos chamar

de informaccedilatildeo ldquoad extrardquo81 ou seja estabelecer uma relaccedilatildeo de comunicaccedilatildeo para fora dos

ldquomurosrdquo da Igreja O que antes era conhecida como a dimensatildeo (alcance e destino para

mensagem) literaacuteria ndash definida como ldquoad intrardquo82 ndash no periacuteodo dos Pais Apostoacutelico agora era

acompanhada de um novo estilo linguiacutestico que abria espaccedilo e trazia em sua armaccedilatildeo tambeacutem

77 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 69

78 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 2

79 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

80 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 31

81 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011

82 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 97

28

o ldquoconhecimento das ciecircncias das letras e da filosofiardquo83 Torna-se valiosa nessa abordagem as

consideraccedilotildees gerais de Haumlgglund sobre a importacircncia da accedilatildeo literaacuteria dos Apologistas

Os apologistas ocupam lugar de destaque na histoacuteria do dogma natildeo soacute devido a sua

descriccedilatildeo do cristianismo como a verdadeira filosofia como tambeacutem por sua tentativa

de elucidar ensinamentos teoloacutegicos com o auxiacutelio de terminologia filosoacutefica

contemporacircnea (por exemplo na assim chamada laquocristologia do Logosraquo) O que neles

encontramos por conseguinte eacute a primeira tentativa de definir de maneira loacutegica o

conteuacutedo da feacute cristatilde bem como a primeira conexatildeo entre teologia e ciecircncia entre

cristianismo e filosofia grega84

Acredita-se que o periacuteodo apologeacutetico teve seu iniacutecio no seio da Igreja com a literatura

de um disciacutepulo chamado Quadrato que possivelmente em 124125 dC apresentou ldquodianterdquo

do Imperador Adriano na cidade de Atenas (Greacutecia) uma espeacutecie de tratado que visava enfatizar

que Cristo em seu ministeacuterio terreno havia realizado diversas curas e milagres afirmando que

a ressurreiccedilatildeo de mortos foi algo emblemaacutetico entre esses feitos prodigiosos85 Aristides eacute outro

personagem que merece destaque como precursor desta classe Patriacutestica Euseacutebio se refere a

ele deste modo ldquoMas tambeacutem Aristides homem de feacute entregue a nossa religiatildeo deixou assim

como Codratos uma Apologia em favor da feacute que havia dirigido a Adriano Tambeacutem a obra

deste escritor se conservou ateacute nossos dias em muitos lugaresrdquo86 Nesse escrito o historiador da

Igreja iraacute apresentar uma das proposiccedilotildees recorrentes entre os escritos apologeacuteticos do periacuteodo

o de que somente os cristatildeos satildeo verdadeiramente eacuteticos isso devido principalmente aos seus

haacutebitos de elevada postura moral87 o que buscava demonstrar que eram os uacutenicos que

verdadeiramente conheciam a DeusDivindade88 e deste modo acabavam por serem os

ldquomelhores cidadatildeos do Impeacuteriordquo89 Desta forma seguindo quase que um modelo padratildeo de

abordagem esses Apologistas apelaram aacute razoabilidade dos governantes romanos de sua eacutepoca

exigindo destes natildeo apenas toleracircncia mas acima de tudo justiccedila

83 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

84 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21

85 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

86 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 3 3

87 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

88 MORESCHINI NORELLI Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e Latina 2005

89 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 28

29

Ainda citamos o trabalho de Xavier que aborda de forma sinteacutetica outras figuras desse

periacuteodo apologeacutetico destacando sua alta produccedilatildeo textual que acabou por ter significativa

relevacircncia na estruturaccedilatildeo e funcionalidade de diversos segmentos do processo de formaccedilatildeo

dogmaacutetico na Igreja O relato agrega teor agrave nossa construccedilatildeo

Taciano disciacutepulo de Justino que compocircs ldquoDiscurso aos gregosrdquo Atenaacutegoras que

escreveu ldquoDefesa dos cristatildeosrdquo e um tratado ldquoSobre a ressurreiccedilatildeo dos mortosrdquo Por

volta do ano 180 o bispo de Antioquia Teoacutefilo escreveu ldquoTrecircs livros a Autoacutelicordquo

tratando da doutrina cristatilde de Deus a interpretaccedilatildeo das Escrituras e a vida cristatilde

refutando as objeccedilotildees dos pagatildeos sobre essas questotildees No seacuteculo terceiro Oriacutegenes

de Alexandria escreveu uma refutaccedilatildeo ldquoContra Celsordquo Todas essas obras foram

escritas em grego sendo que na liacutengua latina destacam-se dois escritos apologeacuteticos

a ldquoApologiardquo de Tertuliano e o ldquoOtaacuteviordquo de Minuacutecio Feacutelix90

Portanto fica registrado na histoacuteria da identidade cristatilde mais que um gecircnero literaacuterio

antes uma postura corajosa de homens de estimado caraacuteter que ldquotocados pelo testemunho dos

cristatildeos e pelo querigma apostoacutelicordquo91 comunicaram uma genuiacutena e autecircntica mensagem de

vida e esperanccedila Tambeacutem devemos afirmar que a ldquotarefa de defender a feacute diante desta classe

de ataques produziu algumas das mais notaacuteveis obras teoloacutegicas do seacuteculo segundordquo92

Provavelmente muitos poderosos abastados intelectuais e outros detentores das benesses que

compunham a aristocracia romana do periacuteodo foram confrontados e alcanccedilados pelo

testemunho destes disciacutepulos que enfatizaram o apelo agrave razatildeo na tentativa de evitar a loucura

humana Nesse ponto Xavier consegue expressar com clareza a provaacutevel motivaccedilatildeo destes

homens ldquoSuas principais intenccedilotildees eram fazer com que o cristianismo fosse visto como um

ideal de vida que podia ser aceito e vivido em conformidade com a cultura greco-romana sem

necessidade de serem os cristatildeos perseguidos mortos ou marginalizadosrdquo93

122 O Apologista Justino

Eacute importantiacutessimo iniciarmos este item com as palavras de Dreher Frangiotti

Haumlgglund e Hamman O primeiro diz ldquoEntre os apologetas cristatildeos que procuraram estabelecer

90 XAXIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14 grifo do autor

91 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 73

92 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 86

93 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 14

30

um diaacutelogo com os filoacutesofos Justino (110-165) foi o mais importanterdquo94 O segundo

similarmente afirma ldquoJustino eacute certamente o melhor apologista do seacuteculo IIrdquo95 O terceiro daacute

mesma forma garante no uso de um superlativo a importacircncia do Apologista ldquoO mais notaacutevel

dos apologistas foi Justino cognominado laquoo maacutertirraquo cujas duas laquoapologiasraquo datam de meados

do segundo seacuteculordquo96 O quarto usando de adjetivaccedilatildeo similar agrave do anterior enobrece com

insigne descriccedilatildeo a figura do Apologista ldquoDe todos os filoacutesofos cristatildeos do seacuteculo II Justino eacute

o mais ceacutelebre e o maiorrdquo97

Neste espaccedilo faremos uma descriccedilatildeo sinteacutetica apresentando a figura de Justino dentro

de sua classe Patriacutestica tendo como centro de nossa atenccedilatildeo sua produccedilatildeo textual

especialmente de suas duas apologias que satildeo as nossas principais ferramentas de ponderaccedilatildeo

sobre sua atuaccedilatildeo ministerial Nessa composiccedilatildeo podemos dizer que entre os ldquoApologistas

Maioresrdquo98 nenhum ldquoestava mais bem preparado para esse confronto do que Justinordquo99 isso

devido a sua variada formaccedilatildeo filosoacutefica Aproximadamente entre os ldquoanos de 150 e 165

dCrdquo100 Justino se apresentou no cenaacuterio apologeacutetico cristatildeo de forma avultosa mesmo natildeo

sendo um literato de destaque ganhou espaccedilo seja por seu caraacuteter iacutentegro como tambeacutem por

sua postura de retidatildeo haacute doutrina a ponto de seus escritos mostrarem ldquoo calor nunca

desmentido das suas convicccedilotildeesrdquo101 Hamman define bem essa peculiaridade na literatura de

Justino ao dizer que a ldquooriginalidade de Justino natildeo estaacute na sua qualidade literaacuteria mas na

novidade de seu esforccedilo teoloacutegicordquo102

Deste modo Justino conseguiu expressar muito bem aquilo que se tornaria o estandarte

apologeacutetico deste periacuteodo afirmando que o cristianismo ldquoeacute a filosofia segura e proveitosardquo103

levando-nos a conclusatildeo de que em ldquoCristo deu-se portanto a restauraccedilatildeo da filosofiardquo104

Nota-se que Justino estava absolutamente convencido de que havia encontrado o verdadeiro

94 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

95 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 6 grifo nosso

96 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 21 grifo nosso

97 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27 grifo nosso

98 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 80

99 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 28

100 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

101 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

102 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

103 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo VIII 1

104 BARRERA A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da Biacuteblia 1995 p 663 apud FLUCK

Teologia dos Pais da Igreja 2012 p 32

31

caminho ldquoe passou a defendecirc-lo de diversas maneiras por meio de seus ensinos em seus

escritos e em sua vida e morte como maacutertirrdquo105 Assim como resultado de sua produccedilatildeo

literaacuteria Justino acabou destacando-se a ponto de se tornar ldquoo principal dos apologistas gregos

do seacuteculo IIrdquo106 como jaacute referido acima vale ainda mencionar o seleto testemunho de Euseacutebio

nessa constituiccedilatildeo este nos sugere que o legado apologeacutetico de Justino eacute consequecircncia de um

elaborado processo do conhecimento ao qual este passou a possuir ele escreve ldquoTambeacutem por

este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava ainda ocupado em

exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da

filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez sem razatildeo mas com juiacutezordquo107

Contudo ainda nos cabe um raacutepido registro histoacuterico relativo agrave produccedilatildeo literaacuteria de

Justino referente a questatildeo de se apontar qual seria sua habilitaccedilatildeo como um autecircntico

Apologista do Seacuteculo II Obviamente esta capacidade teacutecnica proveacutem daquilo que eacute a parte

material de sua arte no caso de Justino suas obras108 A pesquisa historiograacutefica apresenta ldquo8

obrasrdquo109 creditadas a Justino por Euseacutebio110 fazendo com que nosso autor seja reconhecido

como um escritor de ldquofecundardquo111 atividade literaacuteria no passado entretanto como autecircnticas

chegaram ateacute noacutes apenas trecircs destas diversas obras satildeo elas a I e II Apologia e um relato

argumentativo com um provaacutevel rabino judeu intitulado de Diaacutelogo com Trifatildeo112 Entre as

Apologias a primeira eacute direcionada agrave classe imperial Romana (Antonino Pio e seus filhos

Marco Aureacutelio e Luacutecio Vero) como tambeacutem ao senado Jaacute a segunda eacute motivo de um amplo

debate na esfera da criacutetica textual por natildeo apresentar um relato introdutoacuterio nem um

destinataacuterio de forma objetiva Muitos acreditam ser esta obra um apecircndice da I Apologia Nesta

cena eacute relevante a pesquisa de Santos que cita as bases de Euseacutebio aleacutem de outros trecircs autores

que nos auxiliam de forma eficaz na elucidaccedilatildeo desta questatildeo mesmo que natildeo possam pocircr um

fim a discussatildeo ele diz

105 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13 grifo nosso

106 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 13

107 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 5

108 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

109 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 p 76

110 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 18 1-6

111 FIGUEIREDO Curso de Teologia Patriacutestica I 1983 p 115

112 BOGAZ COUTO HANSEN Patriacutestica caminhos da tradiccedilatildeo Cristatilde 2011 p 83 SIMONETTI In Justino

Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1145

32

Destas obras cabem-nos as seguintes consideraccedilotildees quanto agraves duas primeiras a

primeira apologia citada em Euseacutebio corresponde a I Apologia que chegou ateacute noacutes A

segunda apologia natildeo corresponde a II Apologia que temos Primeiro porque natildeo

possui uma introduccedilatildeo e nem um destinataacuterio enquanto que a citada por Euseacutebio

possui um destinataacuterio O segundo ponto que corrobora este ponto de vista eacute a citaccedilatildeo

que Euseacutebio faz da primeira apologia Diz ele ldquoo mesmo autor (Justino) em sua

primeira Apologiardquo e conta uma histoacuteria que consta em nossa II Apologia II 1-20

(EUSEacuteBIO DE CESAREacuteIA Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 17) Eacute mais provaacutevel que a dita

II Apologia que chegou ateacute noacutes seja um apecircndice da I Apologia (FRANGIOTTI 1995

MORESCHINI amp NORELLI 2005 p 110)113

Diante de tatildeo curioso e desafiante cenaacuterio eacute valioso buscar compreender o propoacutesito

dos tratados de Justino pois por ldquotraacutes deste esforccedilo descobrimos o testemunho de um homem

de uma conversatildeo de uma opccedilatildeo definitivardquo114 opccedilatildeo que nos oferece a possibilidade de

conhecer o verdadeiro e uacutenico Deus e se necessaacuterio for viver e morrer na defesa deste

Evangelho que nos leva ao verdadeiro conhecimento115

Apoacutes abordar a figura de Justino em sua classe Patriacutestica e salientar resumidamente

seu instrutivo serviccedilo para com o cristianismo seraacute analisada de maneira diminuta mas com

dedicado alinho a dataccedilatildeo e a estrutura literaacuteria da primeira obra apologeacutetica que serve de esteio

para esta pesquisa

13 ANAacuteLISE LITERAacuteRIA DA I APOLOGIA DE JUSTINO

A constituiccedilatildeo textual da primeira obra de Justino apresenta caracteriacutesticas histoacuterico-

literaacuterias muito interessantes como tambeacutem evidecircncia aspectos relevantes na assimilaccedilatildeo do

desenvolvimento do cristianismo dos dois primeiros seacuteculos Desta forma reconhecemos a

necessidade de uma abordagem cientiacutefica ndash mesmo que aqui apresentada de maneira lacocircnica

ndash de algumas aacutereas da anaacutelise criacutetica textual para uma melhor assimilaccedilatildeo de nosso escrito

alicerccedilante Assim um enfoque calculado na dataccedilatildeo na divisatildeo no gecircnero literaacuterio e nas

principais peccedilas quirograacuteficas da I Apologia de Justino nos possibilitaratildeo uma melhor

compreensatildeo dos conteuacutedos e elementos que a mesma visa comunicar A partir de agora nosso

objetivo seraacute examinar estas quatro aacutereas

131 Dataccedilatildeo

113 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 70

114 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

115 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

33

Apresenta-se praticamente como ponto paciacutefico na pesquisa histoacuterica-teoloacutegica que a

obra tenha sido escrita em meados do Seacuteculo II de nossa Era sendo reconhecida como a data

mais aceita para esta afirmaccedilatildeo o periacuteodo entre os anos de 150 e 160 dC116 Essa tese encontra

forccedila significativa atraveacutes de quatro argumentos todos de cunho e alccedilada existencial

comunicados na proacutepria obra Inicialmente os destinataacuterios para quem esse escrito apologeacutetico

de Justino se dirigiu garantem um aporte histoacuterico consideraacutevel neste exame o mesmo escreve

ldquoAo imperador Tito Eacutelio Adriano Antonino Pio Ceacutesar Augusto ao seu filho Veriacutessimo filoacutesofo

e a Luacutecio filho natural do Ceacutesar filoacutesofo e filho adotivo de Pio amante do saber ao sacro

Senado e a todo o povo romanordquo117 Por meio desse dado Frangiotti eacute categoacuterico ao afirmar que

eacute ldquofato que estes imperadores reinaram do ano 147 ao ano 161 A Apologia deve ter sido escrita

ao longo destes 15 anosrdquo118

Em segundo outro fator se apresenta determinante na tentativa de se apontar

satisfatoriamente a data desse escrito o ponto em questatildeo se apresenta no capiacutetulo XLVI da

obra novamente o comentaacuterio de Frangiotti eacute valioso por apresentar evidecircncias importantes

Justino menciona que uma das objeccedilotildees contra a doutrina cristatilde era a de ldquodizermos

que Cristo nasceu somente haacute cento e cinquenta anos sob Quirino e ensinou sua

doutrina mais tarde no tempo de Pocircncio Pilatosrdquo Embora se deva tomar o ano cento

e cinquenta como um arredondamento pode-se pensar que a redaccedilatildeo da I Apologia

natildeo se deu antes desta data119

O terceiro elemento a se tornar pontual no texto de Justino eacute sua menccedilatildeo a respeito da

terceira revolta judaica liderada por Simatildeo Bar Koacutekeba em meados do Seacuteculo II A respeito

disto Justino relata com ecircnfase apologeacutetica que ldquoCom efeito na guerra dos judeus agora

terminada Bar Koacutekeba o cabeccedila da rebeliatildeordquo120 estaria aplicando meacutetodos de tortura nos

cristatildeos ao seu redor Santos mostra em sua pesquisa que esta exposiccedilatildeo de Justino pode ser

considerada como um ponto norteador para uma medida qualificada de dataccedilatildeo de sua obra o

116 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

117 JUSTINO I Apologia I 1

118 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

119 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

120 JUSTINO I Apologia XXXI 6

34

historiador diz ldquoEssa rebeliatildeo ocorreu entre os anos de 132 e 135 dC A expressatildeo lsquoagora

terminadarsquo nos remete a uma data posterior ao final da revoltardquo121

O quarto e uacuteltimo argumento baseia-se no relato de Justino encontrado no capiacutetulo

XXIX nos versos 2 e 3 da I Apologia Neste espaccedilo o Apologista retrata um caso juriacutedico

envolvendo o prefeito de Alexandria denominado Feacutelix que havia indeferido um pedido

exoacutetico proposto por um jovem cristatildeo que desejava castrar-se por motivos asceacuteticos Bases

histoacutericas confiaacuteveis ldquoidentificam o prefeito Feacutelix como Minuacutecio Feacutelix o qual reinou em

Alexandria do ano 148 a 154rdquo122 podendo-se deste modo catalogar outro importante elemento

que corrobora para a dataccedilatildeo da I Apologia

Por fim mesmo que natildeo sejamos especialistas na anaacutelise historiograacutefica nem mesmo

nos seja possiacutevel definir uma data precisa para o escrito examinado ainda assim em vista dos

termos aqui apresentados reconhecemos com a ampla maioria de pesquisadores da aacuterea que

os elementos apresentados trazem recursos suficientes para que atestemos que a I Apologia de

Justino tenha realmente sido escrita por volta da deacutecada de 50 do Seacuteculo II da era cristatilde

132 Divisatildeo Textual

O escrito natildeo segue um padratildeo riacutegido de construccedilatildeo textual pelo contraacuterio digressotildees

satildeo comuns em todas as obras de Justino mesmo que suas apologias sofram menos com

divagaccedilotildees abruptas ou mudanccedilas draacutesticas de rumo nas intenccedilotildees e consideraccedilotildees centrais que

o autor propotildee em suas conjunccedilotildees temaacuteticas Essas variaccedilotildees possivelmente ocorrem devido a

Justino preferir seguir uma proposta de caraacuteter mais catequeacutetico em vez de sua proacutepria

elaboraccedilatildeo conceitual123

Baliza-se de maneira majoritaacuteria na anaacutelise criacutetica a concordacircncia de que a obra se

divide em duas partes principais124 Contudo apresentam-se variaccedilotildees nessa forma de

separaccedilatildeo Nossa opccedilatildeo seraacute por apresentar a estrutura oferecia por Drohner por ser a mais

utilizada por outros autores aleacutem de parecer a que melhor reporta o teor do pensamento

proposto por Justino em sua construccedilatildeo apologeacutetica-doutrinal

121 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 72

122 FRANGIOTTI Introduccedilatildeo In I Apologia 1995 p 7

123 DROHNER Manual de Patrologia 2008

124 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988 DROHNER Manual

de Patrologia 2008

35

Na primeira parte os capiacutetulos I ao XXIX estabelecem uma forte e riacutegida postura de

defesa contra algumas acusaccedilotildees lanccediladas sobre os cristatildeos como a praacutetica do ateiacutesmo por

exemplo Salienta-se neste espaccedilo sua afirmaccedilatildeo de que Jesus Cristo eacute ldquoo Logos e Filho de

Deusrdquo125 que revelou os planos demoniacuteacos que aprisionam a humanidade atraveacutes de praacuteticas

pecaminosas afastando-os do plano de salvaccedilatildeo No entanto boas novas se anunciam a partir

de agora pela revelaccedilatildeo do Logos por meio dos cristatildeos pelo qual todos (homens) poderatildeo

tornar-se tementes a Deus A segunda parte se desenvolve entre os capiacutetulos XXX ao LXVIII

nesta seccedilatildeo questotildees dogmaacuteticas (Encarnaccedilatildeo Divindade Profecias etc) questotildees filosoacuteficas

(revelaccedilatildeo do Logos faacutebulas humanas Platonismo etc) e questotildees sacramentaiseclesiaacutesticas

(Batismo Santa Ceia Liturgia) se aglutinam na formataccedilatildeo de uma ideia para defesa da

identidade e do bem-estar de um ldquopovordquo (conceito que abordaremos mais detalhadamente no II

capiacutetulo deste trabalho)

A partir desse item trataremos do gecircnero literaacuterio da obra algo muito importante na

elaboraccedilatildeo desta pesquisa

133 Gecircnero Literaacuterio

O estilo natildeo eacute novo nem recente e foi muito utilizado na antiguidade126 Podemos

afirmar com seguranccedila que as primeiras referecircncias a esse tipo de literatura de que dispomos

datam do periacuteodo da Filosofia Claacutessica e podem ser encontradas a partir do Seacuteculo IV aC

Provavelmente uma das obras mais conhecidas e renomadas deste tipo eacute a Apologia de Soacutecrates

escrita por seu aluno Platatildeo Nela aquele que possivelmente foi o mais dedicado dentre seus

disciacutepulos procura defender o legado e a imagem de seu mestre por meio da preservaccedilatildeo do seu

pensamento Eacute importante frisar neste contexto a abordagem de forma direta e completa (em

um estilo dialogal-filosoacutefico) do processo (meacutetodo) de julgamento de Soacutecrates oferecida por

Platatildeo a tocircnica do relato parece ganhar a direccedilatildeo de querer conscientizar seus ouvintes da

necessidade de se fazer justiccedila independentemente do caso e das circunstacircncias que estatildeo em

debate Esse estilo acaba por influenciar sua eacutepoca e torna-se o modelo apologeacutetico a ser

seguido nos seacuteculos seguintes127

Contribui ainda para uma melhor assimilaccedilatildeo das intenccedilotildees subjacentes a esse estilo

de linguagem e escrita o pensamento de Malta que ao comentar os diaacutelogos que tratam do

125 DROHNER Manual de Patrologia 2008 p 84

126 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008

127 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

36

processo contra Soacutecrates (os quais satildeo quatro Ecircutifon Apologia de Soacutecrates Criacuteton e Feacutedon)

acaba por colaborar de maneira expressiva na elaboraccedilatildeo do caraacuteter que estas obras (apologias)

procuravam transmitir aos seus receptores ldquoEntre eles haacute uma clara sequencia dramaacutetica desde

a discussatildeo sobre o ponto central da acusaccedilatildeo (o que eacute piedade) passando pela defesa no

tribunal e a estada na prisatildeo ateacute o momento em que a pena de morte eacute cumpridardquo128

A palavra apologia (grego απολογια) que no portuguecircs eacute definido como um

substantivo feminino129 eacute formada por dois vocaacutebulos gregos O primeiro eacute απο uma partiacutecula

primaacuteria uma preposiccedilatildeo cujo significado baacutesico eacute a ideia ldquode separaccedilatildeo eou de origem do

lugar de onde algo estaacute vem acontece eacute tomadordquo130 O segundo eacute o vocaacutebulo λογος de

significado vasto ndash desenvolvendo inclusive uma estrutura particular junto ao cristianismo131

ndash mas colocado em paralelo com o nosso exame pode ser definido como ldquopalavra proferida

a viva voz que expressa uma concepccedilatildeo ou ideia o que eacute declarado pensamento declaraccedilatildeo

aforismo dito significativo sentenccedila maacuteximardquo132 ldquoproclamaccedilatildeo ensinamento [] doutrina

parte de uma doutrinardquo133 Entretanto deve-se sempre se levar em conta que junto ao ambiente

filosoacutefico-teoloacutegico de Justino ldquoum duplo uso do termo deve ser distinguido um que diz

respeito ao falar e outro que se relaciona com o pensamentordquo134 Neste cenaacuterio ainda se

robustece a ideia de que o termo composto (απολογια) era condutor de um conceito de

soberania instaurado pela ldquosabedoria pessoal e poder em uniatildeo com Deusrdquo135 Ainda focando

128 MALTA Introduccedilatildeo In Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

129 Apologia (amiddotpomiddotlomiddotgimiddota) Substantivo feminino Significa 1 Discurso encomiaacutestico 2 [Figurado] Elogio 3

Defesa laudatoacuteria Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa Disponiacutevel em

lthttpsdicionariopriberamorgapologiagt Acesso em 28 de set 2018

130 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1317

131 Ritt sugere-nos que a partir dos registros neotestamentaacuterios houve uma guinada na concepccedilatildeo do Logos como

elemento estrutural e funcional para a realidade histoacuterica do termo junto as culturas e os ambientes intelectuais

que o utilizavam Utilizando-se de um sistema de progressatildeo biacuteblica Ritt chega ao proacutelogo do Evangelho de Joatildeo

onde salienta que ldquoEstas declaraccedilotildees que estatildeo concentradas na encarnaccedilatildeo permitem reconhecer uma origem

cristatilde do hino (proacutelogo do Evangelho de Joatildeo)rdquo onde a autenticidade do sujeito (Logos) como um recurso estaacutevel

e completo para a humanidade se daacute a conhecer nesse evento apoteoacutetico (encarnaccedilatildeo de Cristo) Ver RITT In

λόγος ου ό Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento Volumen II 1998 p 78 grifo nosso No original Estos

enunciados que se concentran en la encarnacioacuten permiten reconocer un origen cristiano del himno

132 STRONG Dicionaacuterio Biacuteblico Strong 2002 p 1622

133 RUSCONI Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento 2003 p 288 grifo nosso

134 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 880 No original a twofold use of the term is to be distinguished one which relates to speaking and one which

relates to thinking

135 THAYER A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms Wilkes clavis novi testamenti 1889

p 882 No original personal wisdom and power in union with god

37

este segundo vocaacutebulo para uma maior amplitude do assunto sobre este termo grego tatildeo

ilustrativo vale-nos citar a definiccedilatildeo de Pereira

Palavra dito revelaccedilatildeo divina resposta dum oraacuteculo maacutexima sentenccedila exemplo

decisatildeo resoluccedilatildeo condiccedilatildeo promessas pretexto argumento ordem menccedilatildeo

notiacutecia que corre conversaccedilatildeo relato mateacuteria de estudo ou de conversaccedilatildeo razatildeo

inteligecircncia senso comum a razatildeo de uma coisa motivo juiacutezo opiniatildeo estima valor

que se daacute a uma coisa justificaccedilatildeo explicaccedilatildeo a razatildeo divina136

Rapidamente atentando aos escritos apologeacuteticos cristatildeos do Seacuteculo II notamos um

ldquoesforccedilo de aproximaccedilatildeordquo137 dos Pais Apologistas (em sua ampla maioria) para a utilizaccedilatildeo da

consagrada forma do diaacutelogo-filosoacutefico (como citado acima) isso devido especialmente ao fato

de essas obras serem direcionadas agrave aristocracia poliacuteticaintelectual de sua eacutepoca incluindo

nesse cenaacuterio opulente os proacuteprios Imperadores de Roma138 Uma importante referecircncia a ser

associada a este contexto estaacute relacionada agrave utilizaccedilatildeo e significado da palavra ldquoapologiardquo

utilizada por Euseacutebio na identificaccedilatildeo da obra de Justino Euseacutebio ndash possivelmente o primeiro

a empregar o termo (apologia) para definir um conjunto de escritos do meio cristatildeo139 ndash utiliza

das seguintes descriccedilotildees para se referir ao nosso autor ldquoEm sua primeira Apologiardquo140 ou ldquoao

escrever sua Apologia dirigida a Antoninordquo141 e ainda ldquoem sua Apologiardquo142 Eacute importante

frisar que Justino em nenhum momento se utiliza do termo ldquoapologiardquo em sua obra143 mas a

define como ldquodiscurso e suacuteplicardquo144 todavia para Euseacutebio (e para a Sagrada Tradiccedilatildeo na qual

este se amparava) Justino indiscutivelmente havia sido um fiel defensor da verdade revelada

de Deus Aleacutem disso neste quadro cabe-nos ainda ressaltar o comentaacuterio de Arzani e Venturini

ao trabalho de Euseacutebio pois ambos buscam definir uma ideia qualitativa e funcional na

utilizaccedilatildeo do termo pelo historiador

136 PEREIRA Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego 1998 p 350

137 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 188

138 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

139 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 Para um maior

aprofundamento do tema ver 2 Euseacutebio de Cesareia as apologias e os apologistas p 2-7

140 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2 VI 17 1

141 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3

142 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 11 11

143 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

144 JUSTINO I Apologia I 1

38

Uma anaacutelise mais ampla sobre a constituiccedilatildeo (ou natildeo) dos gecircneros apologeacuteticos

cristatildeos deve ficar para uma outra oportunidade entretanto considerando que eacute

Euseacutebio quem primeiro apresenta uma ideia mesmo que hipoteacutetica do

reconhecimento das formas dos textos de defesa dos cristatildeos ou de suas crenccedilas eacute

preciso considerar como ele emprega o termo apologia Aleacutem de empregar o termo

apologia para se referir aos sete textos anteriormente citados ele tambeacutem o usa no seu

sentido claacutessico como simples ldquodiscurso de defesardquo145

Desta forma podemos concluir que os escritos apologeacuteticos buscavam efeitos

similares tanto no cenaacuterio cristatildeo quanto no pagatildeo Poreacutem no que cabe agrave Igreja vale ressaltar

que o estilo apologeacutetico procurou desconstruir equiacutevocos salientar o cristianismo como religiatildeo

ordeira e beneacutefica ndash entenda-se (baseado em alguns relatos Patriacutesticos) como superior agraves

demais crenccedilas ndash mas acima de tudo sanar as injusticcedilas cometidas contra os cristatildeos Nesse

uacuteltimo ponto a penna dos Apologistas procurava pesar contra a consciecircncia dos governantes

de seu tempo a reflexatildeo de Richard Norris considera bem essa questatildeo ldquoo objetivo de tais

escritos eram em geral persuadir as autoridades de que as frequentes perseguiccedilotildees locais eram

injustas desnecessaacuterias e indignas de governantes esclarecidosrdquo146

A partir deste item visando a qualificaccedilatildeo deste trabalho damos segmento a nosso

exame estrutural agregando a seu corpo um destacado incremento teacutecnico falemos agora dos

manuscritos da I Apologia

134 Manuscritos

A criacutetica textual somada a inuacutemeras e significativas descobertas arqueoloacutegicas tecircm

possibilitado haacute teologia avanccedilos consideraacuteveis em suas pesquisas acerca dos documentos

antigos do cristianismo No que se refere as obras de Justino isso natildeo eacute diferente pois desde o

Seacuteculo XIX a criacutetica textual jaacute possibilitava exames bem estruturados ao meio acadecircmico

Exemplo disto eacute Johann Otto que ao analisar o Codex Claromontanus LXXXII ratificou que

este de maneira inicial ldquonos fornece alguns dos escritos de Justinordquo147 Nesta questatildeo cabe

ressaltar que das obras preservadas de Justino possuiacutemos apenas trecircs manuscritos mesmo que

apenas um seja considerado absolutamente confiaacutevel pela criacutetica suscitando desta forma certa

controveacutersia entre os analistas Quanto a esta pendecircncia citamos parte consideraacutevel da pesquisa

145 ARZANI VENTURINI A Origem da Tradiccedilatildeo Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir 2010 p 3-4

146 NORRIS The Apologists 2004 p 36 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

147 OTTO Prolegocircmenos XXI In S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur omnia Volume 1 Part 1

1847

39

de Santos que baseada em autores renomados da aacuterea daacute o destaque necessaacuterio a essa anaacutelise

quirograacutefica O autor nos agrega relevante contribuiccedilatildeo neste item teacutecnico

Haacute trecircs manuscritos para as obras de Justino o Codex Parisinus Graecus 45055 o

Codex Claromontanus LXXXII e o Codex Ottobonianus Graecus 274 (MINNS amp

PARVIS 2009 p 3) Alguns comentadores preferem atribuir um manuscrito (AUNE

2003 p 257 ALLERT 2002 p 32 POPE 2001 p 7) ou dois manuscritos

(DONALDSON 1866 p 144) Os que defendem a existecircncia de somente um

manuscrito levam em conta que o Codex Parisinus Graecus 450 eacute o uacutenico vaacutelido uma

vez que o Codex Claromontanus LXXXII eacute apenas uma coacutepia deste e o Codex

Ottobonianus Graecus 274 possui apenas trecircs capiacutetulos da I Apologia Aqueles que

consideram como dois manuscritos referem-se aos dois primeiros Por questatildeo de

coerecircncia (pois apesar do Claromontaus ser coacutepia natildeo deixa de ser um manuscrito e

o Ottobonianus mesmo tendo apenas trecircs capiacutetulos tambeacutem natildeo) concordamos com

a afirmaccedilatildeo de Minns e Parvis de que existem trecircs manuscritos148

No entanto eacute fato que o Codex Parisinus Graecus 450 se condiciona como o ldquomelhorrdquo

destes manuscritos existentes Este manuscrito data de 11 de setembro de 1363-1364 possui

467 paacuteginas duplas (ou foacutelios que medem 285 x 215 cm) e atualmente permanece arquivado

na Bibliothegraveque Nationale em Paris149 Infelizmente natildeo haacute informaccedilotildees sobre quem teria sido

o copista apenas sabe-se graccedilas a um registro oficial que ele pertenceu a Guillaume Pellicier

um notaacutevel Bispo Catoacutelico Romano do Seacuteculo XVI que provavelmente o adquiriu em uma de

suas atividades diplomaacuteticas possivelmente entre os anos de 1539 a 1542150

Enfim apoacutes explorarmos ndash mesmo que de maneira sucinta ndash a estrutura textual da obra

central desta dissertaccedilatildeo podemos afirmar que estes documentos histoacutericos nos ldquocomunicamrdquo

e ldquotraduzemrdquo um melhor conhecimento do passado edificando a Igreja e tambeacutem certificando

o meio acadecircmico de forma eficaz (cientificamente) de que homens como Justino lutaram

corajosamente para defender a feacute de seus irmatildeos especialmente das perseguiccedilotildees oficiais

assunto que trataremos a seguir

14 A PERSEGUICcedilAtildeO AOS CRISTAtildeOS

Compreendemos ser ainda importante na construccedilatildeo desta pesquisa enfocarmos

mesmo que de maneira sucinta e setorizada um dos fatores que constituiu uma das

caracteriacutesticas mais vibrantes e significativas da histoacuteria do cristianismo em sua gecircnese como

148 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 74

149 PAUTIGNY In Introduction Justin Apologies 1904 p 10

150 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

40

movimento humano-religioso fato que mobilizou o cenaacuterio social da eacutepoca comprovando a

ldquoexistecircncia de um esquemardquo151 de perseguiccedilatildeo e cerceamento da liberdade de crenccedila e culto dos

cristatildeos isso tanto atraveacutes do agir do poder estatal quanto de setores organizados (especialmente

do meio religioso) da sociedade de entatildeo em sua formaccedilatildeo soacutecia-politica-religiosa de caraacuteter

cultural greco-romana Esta caracteriacutestica coativa acabou por se comprovar tambeacutem atraveacutes do

desenvolvimento de material textual como o que norteia nosso trabalho (I Apologia) acento

que sancionou uma regra funcional dos dias de nosso autor a de acionar a razatildeo humana para

tentar evitar uma insensata postura detrativa entre os homens autodeclarados de civilizados

Desta forma como parte derradeira deste capiacutetulo introdutoacuterio apresentamos duas

divisotildees uma temaacutetica e outra analiacutetica trazendo ambas carateriacutesticas funcionais especiacuteficas

desse sistema de repressatildeo A primeira retrata uma siacutentese deste processo na organizaccedilatildeo

estrutural do Impeacuterio Romano A segunda se orienta por um periacuteodo cronoloacutegico que se

desenvolveu durante o Seacuteculo II especialmente concentrando-se no dececircnio em que se acredita

que Justino tenha escrito sua primeira obra apologeacutetica

141 O Impeacuterio Romano e a Perseguiccedilatildeo ao Cristianismo

Desde o Seacuteculo I a ldquopesquisa histoacutericardquo152 jaacute nos retrata com eficiecircncia fatos que

tiveram influecircncia decisiva do poder humano controlador do mundo de entatildeo (Impeacuterio Romano)

para com a Igreja de Cristo sobre a terra Dessa grande estrutura poliacutetica da antiguidade emergiu

tanto a perseguiccedilatildeo quanto o resultado mais elementar e simboacutelico deste processo que tinha o

cristianismo como alvo o martiacuterio de seus seguidores Poderiacuteamos chamaacute-lo sem o apelo a

nenhum eufemismo de ldquoassassinatordquo de centenas de pessoas

Contudo nesta seacuterie de sucessivos acontecimentos anormais vem a nascer a mais

significativa contribuiccedilatildeo deste intolerante processo governamental a saber a expansatildeo do

cristianismo Hatzenberger desenvolve uma soacutelida ideia a esse respeito quando conjectura sobre

o caraacuteter poliacutetico vigente junto ao Impeacuterio Tendo analisado seus preconceitos limitaccedilotildees e

maliacutecias Hatzenberger tenta explicar a capacidade desse sistema atraveacutes de sua multiplicidade

de gecircnios dando a entender que nesta ampla diversidade o cristianismo encontrou sua

possibilidade de crescer Hatzenberger afirma que podemos ldquodizer que o Impeacuterio Romano era

um tambor de gasolina agrave espera da faiacutesca da feacute cristatilderdquo153

151 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

152 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

153 HATZENBERGER Histoacuteria da Igreja 2012 p 1

41

Entretanto as perseguiccedilotildees estatais ao cristianismo satildeo um caso histoacuterico delicado e

nada romacircntico pois tornou-se uma dura realidade para muitas comunidades cristatildes na

antiguidade isso devido ao grande desenvolvimento do cristianismo que no decorrer dos seus

primeiros 100 anos suscitou uma consideraacutevel preocupaccedilatildeo ao Impeacuterio Catalogada desde cedo

como uma religiatildeo antagonista e excludente154 pela sua recusa em seguir praacuteticas comuns do

meio social vigente das grandes cidades onde jaacute se encontrava consolidada ndash devido

especialmente as suas posiccedilotildees quanto as questotildees de ordem cuacuteltica (ldquofestas oficiaisrdquo155) como

a adoraccedilatildeo aos ldquodeuses pagatildeos em particular o Imperador a quem negavam o caraacuteter divinordquo156

ndash fazia com que os seguidores desse movimento que inicialmente foi interpretado como uma

seita judaica157 fossem em muitos casos expressivamente acusados de colocarem em risco a

ldquopax deorumrdquo158 devido ao entendimento comum e geral de que o Imperador era o supremo

mantenedor desse estado de satisfaccedilatildeo e gloacuteria conquistados por Roma Outras questotildees

depreciativas eram atribuiacutedas aos cristatildeos antissociabilidade ateiacutesmo canibalismo fanatismo

orgias sexuais entre outras desvirtudes que eram amplamente apresentadas como acusaccedilotildees de

ordem formal e agraves vezes informal (atraveacutes de buchichos fofocas e relatos puacuteblicos natildeo oficiais)

as quais despertavam ldquoreaccedilotildees populares descontroladas de medo de intoleracircncia e de

violecircnciardquo159 contra estes que se colocavam como disciacutepulos de Cristo

Desta forma entre falsas ideias e verdadeiras demandas ndash a recusa ao ldquojuramento e os

ritos implicados no serviccedilo militarrdquo160 eacute outro exemplo da suposta ldquorebeliatildeordquo cristatilde ao Impeacuterio

ndash criou-se um ldquoestadordquo de perigo que mediante uma forte campanha de difamaccedilatildeo passou a

ser considerado como uma ameaccedila a cultura e a forma do governo Romano Certamente

servindo de combustiacutevel para as perseguiccedilotildees pontuais eou sistematizadas161 especialmente

nos Seacuteculos I e II Aleacutem disto junto com a expansatildeo da nova doutrina e feacute cristatildes um novo

entendimento comeccedilou a se estabelecer que o cristianismo se diferenciava do judaiacutesmo162

154 TAacuteCITO Anais XV 44

155 FROumlHLICH Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja 1987 p 23

156 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 15

157 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

158 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 969

159 TESTA In Igreja e Impeacuterio Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 976

160 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 84

161 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

162 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

42

Com o fim do ldquoequiacutevoco judaicordquo163 houve a reelaboraccedilatildeo de um esquema que gerou um

reposicionamento de Roma para essa nova perspectiva Aqui a siacutentese de Xavier retrata bem o

que desejamos comunicar sobre esse reposicionamento

O Impeacuterio Romano percebeu que a nova religiatildeo possuiacutea diferenccedilas acentuadas em

relaccedilatildeo ao judaiacutesmo Embora os judeus resistissem agrave cultura e religiatildeo greco-romana

o cristianismo passou a se organizar como religiatildeo crescendo em nuacutemero e em

organizaccedilatildeo sendo formadas igrejas em vaacuterios lugares O evangelho chegou aos

grandes centros da eacutepoca e ateacute os confins da terra devido a pregaccedilatildeo de cristatildeos que

viajavam a negoacutecios missatildeo ou levados pela perseguiccedilatildeo que dispersava os cristatildeos

fazendo com que a feacute se expandisse164

Quanto a questotildees que envolvem esse amplo periacuteodo conflituoso ainda eacute necessaacuterio

apresentarmos dois raacutepidos e sucintos registros O primeiro envolve um conjunto de fatos

constituiacutedos em mais de 250 anos onde podemos registrar periacuteodos que devem ser classificados

como ldquoperseguiccedilatildeo perseguiccedilatildeo geral perseguiccedilatildeo maior e toleracircnciardquo165 para com os cristatildeos

Satildeo muitas e variadas as circunstacircncias e as caracteriacutesticas que formam cada uma destas fases

e fazem com que elementos singulares a cada uma delas (como periacuteodo e regionalidade)

tornem-se fatores decisivos nesta diferenciaccedilatildeo Entretanto natildeo as abordaremos

especificamente por entendermos que o assunto foge de nosso exame central Segundo

compreendemos ser imprescindiacutevel junto a esta abordagem citar a tese amplamente sustentada

pelo meio histoacuterico-teoloacutegico da ldquoexistecircncia de um esquema de dez grandes perseguiccedilotildeesrdquo166

tendo seu primeiro caso ocorrido entre 64-68 dC sob o Imperador Nero desde seu uacuteltimo ato

no periacuteodo dos governos de Diocleciano e Maximiano entre 285-305 dC167 Tertuliano168 e

Euseacutebio fornecem-nos consideraacutevel conteuacutedo sobre aquela que possivelmente tenha sido a

primeira grande onda de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos promovida pelo Impeacuterio Citamos Euseacutebio

163 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 82

164 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 10

165 A ordem dos fatores apresentados natildeo eacute cronoloacutegica e sim alfabeacutetica Ver LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila

da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 11-12

166 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 356

167 As intituladas ldquoDez Perseguiccedilotildeesrdquo ao cristianismo por parte do Impeacuterio Romano satildeo protagonizadas por Nero

(54-68 dC) Domiciano (95-96 dC) Trajano (108 dC) Marco Aureacutelio (162 dC) Cocircmodo (192 dC)

Maximino (235 dC) Deacutecio (250-251 dC) Valeriano (257-260 dC) Aureliano (274 dC) Diocleciano (303-

313 dC) Ver FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 16-32

168 TERTULIANO Apologia V

43

que ao falar sobre o reinado de Nero (54-68 dC) fomenta uma simbiose de dados histoacutericos

mencionando o proacuteprio Tertuliano

Firmado Nero no poder deu-se a praacuteticas iacutempias e tomou as armas contra a proacutepria

religiatildeo do Deus do universo [] Mas deve-se saber que a tudo o que foi dito sobre

ele faltava acrescentar que foi o primeiro imperador que se mostrou inimigo da

piedade para com Deus Disto faz menccedilatildeo tambeacutem o latino Tertuliano quando diz

ldquoLeiam vossas memoacuterias Nelas encontrareis que Nero foi o primeiro a perseguir esta

doutrina principalmente quando depois de submeter todo o Oriente em Roma era

cruel para com todosrdquo169

Portanto buscando apresentar uma ideia conclusiva a nossa concisa elaboraccedilatildeo sobre

esse tema tatildeo vasto da histoacuteria da Igreja podemos dizer que natildeo restam duacutevidas mediante

inuacutemeros argumentos histoacutericos apresentados por diversas e variadas fontes ser plausiacutevel e ateacute

mesmo luacutecido afirmar que o Impeacuterio Romano foi em diversos momentos um literal

perseguidor acusador juiz e algoz do cristianismo durante um periacuteodo de praticamente dois

seacuteculos e meio Scott por meio de bases historiograacuteficas retrata bem esse processo ajudando-o

a sancionaacute-lo

Repetidas vezes foram publicados editos para exterminar da terra os cristatildeos

Levantaram ateacute monumentos para celebrar e perpetuar os supostos ecircxitos das

perseguiccedilotildees Aqui estatildeo duas preservadas inscriccedilotildees desses monumentos em escritos

da eacutepoca DIOCLECIANO CEacuteSAR AUGUSTO TENDO ADOTADO GALEacuteRIO

NO ORIENTE A SUPERSTICcedilAtildeO DOS CRISTAtildeOS FOI DESTRUIacuteDA EM TODA

A PARTE E PROPAGADA A ADORACcedilAtildeO DOS DEUSES170

A partir de agora examinaremos um conjunto mais restrito desse longo periacuteodo

imperial (54-313 dC)171 de tensotildees entre a Igreja e seus perseguidores pagatildeos especificamente

abordaremos o periacuteodo endossado pelos registros de Justino atraveacutes de seu ministeacuterio

testemunho e vivecircncia na feacute cristatilde

142 A Perseguiccedilatildeo no Periacuteodo da I Apologia

169 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 25 1 3 4

170 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996 p 84 grifo do autor

171 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975

44

Durante o Seacuteculo II podemos dizer que um periacuteodo determinado pela irregularidade

ou seja pela ausecircncia de um padratildeo caracterizou o ambiente social da eacutepoca atraveacutes de uma

ldquoperseguiccedilatildeo difusa ora aqui ora ali hoje perseguiccedilatildeo amanhatilde toleracircnciardquo172 Este momento

tambeacutem pode ser realccedilado por outras questotildees pontuais mas sua principal distinccedilatildeo realmente

se define pela esporadicidade dos periacuteodos de repressatildeo estatal o que ocasionou momentos de

consideraacutevel toleracircncia ao cristianismo balizados e sustentados ldquojuridicamenterdquo pela resposta

do Imperador Trajano agrave consulta de Pliacutenio173 (Cocircnsul da Bitiacutenia) por volta do ano 111 dC

Santos sintetiza bem esses dececircnios da relaccedilatildeo entre o Impeacuterio e a Igreja ldquoA poliacutetica romana agrave

eacutepoca era de tanto quanto possiacutevel natildeo condenar os cristatildeos agrave morte De modo geral desde o

final do Seacuteculo I ateacute o final do II da era cristatilde houve vaacuterios Imperadores com poliacuteticas mais

paciacuteficas em relaccedilatildeo aos cristatildeosrdquo174 Vale tambeacutem ressaltarmos como um elemento

consideraacutevel a tese proposta que no momento ao qual Justino escreveu sua I Apologia Roma

era governada pela dinastia denominada de Nerva-Antonina a qual foi conhecida pela alcunha

dos ldquocinco bons imperadoresrdquo175 definiccedilatildeo que foi proposta por Maquiavel em uma anaacutelise

poliacutetica do ano de 1503 Maquiavel escreveu

Do estudo desta histoacuteria podemos tambeacutem aprender como um bom governo deve ser

fundado pois enquanto todos os imperadores que acederam ao trono por nascimento

exceto Tito foram ruins todos foram bons que acederam por adoccedilatildeo como foi o caso

dos cinco de Nerva ateacute Marco Mas tatildeo logo o impeacuterio caiu novamente nas matildeos dos

herdeiros por nascimento sua ruiacutena recomeccedilou176

Entretanto falaremos especificamente apenas de duas figuras deste periacuteodo chamado

de dinastia Nerva-Antonina (96 a 180 dC) mais precisamente de seus dois uacuteltimos

172 LESBAUPIN A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio Romano 1975 p 20

173 ROSSI BINATO As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo parcial do Livro X correspondecircncia administrativa

com o Imperador Trajano 2017

174 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

175 Relaccedilatildeo dos Imperadores da dinastia Nerva-antonina Nerva (96-98 dC) Trajano (98-117 dC) Adriano (117-

138 dC) Antonino Pio (138-161 dC) Marco Aureacutelio (161-180 dC) Ver SANTOS Identidade Cristatilde no

Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 90

176 MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio I 10

45

representantes a saber Antonino Pio177 (que sucedeu a Adriano) e seu filho adotivo Marco

Aureacutelio178 que o sucedeu

O Imperador Antonino Pio governou Roma por mais de vinte anos (138 a 161) Ele eacute

o destinataacuterio formal eou principal da I Apologia de Justino Neste aspecto vale muito para

esta pesquisa a anaacutelise referencial deixada por Foxe ldquoAdriano ao morrer no ano 138 dC foi

sucedido por Antonino Pio um dos mais gentis monarcas que jamais reinou e que deteve as

perseguiccedilotildees contra os cristatildeosrdquo179 Santos tambeacutem nos auxilia quando expotildeem o pensamento

de Bunson sobre a administraccedilatildeo de Antonino Pio ldquoQuanto agraves questotildees de poliacutetica externa

procurava sempre resolvecirc-las primeiramente de forma paciacutefica depois administrativamente e

por uacuteltimo com taacuteticas militaresrdquo180 Eacute fato praticamente livre de contestaccedilotildees que em seu

governo natildeo houve perseguiccedilotildees de maior envergadura sendo que as que ocorreram foram

pontuais e sem maiores impactos referendando deste modo a imagem do Imperador como a de

um monarca paciacutefico (para a eacutepoca) pois ateacute mesmo em seu periacuteodo como divus romanus foi

cognominado pelo povo de ldquoPIEDOSO pelo amor que dedicava aos pobresrdquo181

Quanto a Marco Aureacutelio seu sucessor os relatos sobre a sua postura para com o

cristianismo devem no miacutenimo ser apresentados com o adjetivo de obscurus Foxe retrata bem

esta dificuldade ldquoMarco Aureacutelio sucedeu no trono no ano 161 de nosso Senhor era um homem

de natureza mais riacutegida e severa e embora elogiaacutevel no estudo da filosofia e em sua atividade

de governo foi duro e feroz contra os cristatildeos e desencadeou a quarta (grande) perseguiccedilatildeordquo182

Extremamente vaacutelido eacute analisarmos os registros do proacuteprio Imperador os quais nos

demonstram de forma muita clara a incompatibilidade de sua filosofia com a doutrina de Cristo

como se vecirc em uma de suas citaccedilotildees

177 Titus Aurelius Fulvus Boionius Antoninus nasceu em 86 dC em Nimes na Gaacutelia Narbonense no sul da atual

Franccedila Devido agrave sua fidelidade Adriano o adotou em fevereiro de 138 dC para ser o seu sucessor no Impeacuterio o

que ocorreu logo depois no mecircs de julho com a morte de Adriano Ver BUNSON Encyclopedia of the Roman

Empire 2002 p 23-24 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino

Maacutertir 2012 p 95

178 Marcus Aurelius Antoninus nasceu em 121 dC na cidade de Roma Filho de Annius Verus e Domitia Lucilla

Tornou-se Imperador em 161 dC e a seu pedido Lucio Vero (Lucius Aerelius Verus) governou Roma juntamente

com ele Ver BIRLEY Marcus Aurelius A Biography 2001 p 116 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica IV 14

10

179 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18

180 BUNSON Encyclopedia of the Roman Empire 2002 p 24 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 96

181 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 81 grifo do

autor

182 FOXE O Livro dos Maacutertires 2003 p 18 grifo nosso

46

[] alma preparada para uma imediata separaccedilatildeo do corpo seja para extinguir seja

para se dispersar ou sobreviver [] Que essa preparaccedilatildeo poreacutem provenha de um juiacutezo

proacuteprio e natildeo dum simples sectarismo como o dos cristatildeos [] uma preparaccedilatildeo

raciocinada grave e para ser convincente nada teatral183

Alguns detalhes nos chamam muito a atenccedilatildeo no periacuteodo em que Marco Aureacutelio

governou especialmente se nosso estudo partir do ponto de vista de alguns historiadores que

fazem questatildeo de ratificar que esse periacuteodo foi como ldquoum lsquomarcorsquo negro fincado na histoacuteria

eclesiaacutestica assinalando com as sombras de sua tirania a eacutepoca triste de seu governo

nefastordquo184 Euseacutebio nos auxilia nesta anaacutelise de maneira importante pois segue a mesma

concepccedilatildeo de que os atos de Marco Aureacutelio foram excessivamente malignos para com o

cristianismo Buscando ser amplo e detalhista Euseacutebio promove sentimentos profundos em seu

relato quando nos retrata o martiacuterio de Policarpo Bispo de Esmirna ocorrido no reinado de

Marco Aureacutelio

E o prococircnsul disse ldquoTenho feras A elas te lanccedilarei se natildeo mudas tua posiccedilatildeordquo Mas

ele respondeu ldquoChama-as porque para noacutes natildeo eacute possiacutevel mudar de posiccedilatildeo se eacute do

melhor para o pior O bom eacute mudar do mau para o justordquo Insistiu o prococircnsul ldquoComo

natildeo te arrependes farei com que o fogo te dome se desprezas as ferasrdquo Policarpo

disse ldquoAmeaccedilas com um fogo que arde algum tempo mas depois de um pouco se

apaga E ignoras o fogo do juiacutezo futuro e do castigo eterno reservado aos iacutempios

Mas por que tardas Traga o que quiseresrdquo Enquanto dizia isto e muitas outras coisas

mais enchia-se de valor e de alegria e seu rosto transbordava de graccedila ao ponto de

que natildeo somente natildeo caiu em confusatildeo pelas coisas que lhe diziam mas pelo

contraacuterio foi o prococircnsul que ficou fora de si e chamou o arauto para que no meio do

estaacutedio apregoasse trecircs vezes Policarpo confessou que eacute cristatildeo185

Nesse cenaacuterio imperial ainda nos conveacutem apresentar a proacutepria experiecircncia de Justino

como um cristatildeo perseguido No ano de 165 dC o filoacutesofo Justino possivelmente

acompanhado de seis de seus disciacutepulos (todos cristatildeos como ele) eacute apresentado com estes a

um tribunal civil Romano sob a acusaccedilatildeo de serem cristatildeos Este relato estaacute amplamente

amparado por uma fonte secular pagatilde186 que goza de altiacutessima credibilidade Apoacutes ser

183 MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees XI 3 grifo nosso

184 MONTEIRO A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 90

185 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 15 23-25

186 As Atas dos Maacutertires eacute a transcriccedilatildeo dos processos verbais escritos pelas autoridades romanas e mantidos nos

arquivos oficiais do Impeacuterio Estes registros coletaram estenograficamente muitos dos atos relacionados aos

processos forenses aos quais os cristatildeos foram submetidos pelos magistrados principalmente nos interrogatoacuterios

puacuteblicos Posteriormente estes registros foram traduzidos para a escrita vulgar e assim as peccedilas foram passadas

para os arquivos judiciais Muitos dos atos foram destruiacutedos (queimados em praccedila puacuteblica) pelo Imperador

47

denunciado pelo ciacutenico Crescente Justino se apresenta diante de Ruacutestico (Prefeito de Roma)

onde o relato do processo forense se estabelece e desenrola

Venha ao tribunal o prefeito Ruacutestico disse a Justino ndash Primeiro acredite nos deuses

e obedeccedila aos imperadores Justino respondeu ndash O irrepreensiacutevel e que natildeo admite

condenaccedilatildeo eacute obedecer aos mandamentos de nosso Salvador Jesus Cristo O prefeito

Ruacutestico disse ndash Que doutrina vocecirc professa Justino respondeu ndash Tentei ouvir sobre

qualquer linhagem de doutrinas mas apenas aderi agraves doutrinas dos cristatildeos que satildeo

as verdadeiras mesmo que natildeo sejam agradaacuteveis para quem segue opiniotildees falsas187

Nessa projeccedilatildeo vemos que o Apologista apresenta natildeo somente sua feacute mas tambeacutem

sua consciecircncia de que os preceitos recebidos por ele mediante o cristianismo solidificavam

sua posiccedilatildeo Mesmo diante de um sistema que os poderia prejudicar e sendo incentivados a

recuar de suas convicccedilotildees por meio de uma aguccedilada ameaccedila de que poderiam ser

ldquoimpiedosamente punidosrdquo188 Justino e seus disciacutepulos passam a concentrar seus esforccedilos

naquilo que esta pesquisa define como um importante argumento para a Verdade que Justino

sustentava Aqui o fenocircmeno do martiacuterio cristatildeo conduzido e explorado pelo Impeacuterio Romano

ganha uma inopinada abrangecircncia pois o supliacutecio desses homens e mulheres registrados como

peccedilas do protocolo governamental acabariam por se tornar nos fatos que solidificaram e

encorajaram a militacircncia desses obreiros da feacute cristatilde Sem duacutevida Justino e seus disciacutepulos

parecem ter caminhado de forma soacutebria para ldquoonde foram decapitados e consumaram o martiacuterio

proclamando a feacute no Salvadorrdquo189 Deste modo diante de apresentaccedilotildees que se alternam entre

descriccedilotildees de caraacuteter romacircntico e fatalista vemos que os Imperadores e seus sistemas de

controle marcaram a histoacuteria natildeo apenas com sangue mas tambeacutem com o relato fidedigno da

convicccedilatildeo que suas viacutetimas sustentavam

Diocleciano (284-305 dC) pois havia notado que esses contos heroicos inflamavam a alma dos cristatildeos dando

testemunho favoraacutevel para que outros tambeacutem viessem a sofrer a pena capital sem constrangimento para com as

suas vidas Ver PRIMEROS CRISTIANOS 2016 Disponiacutevel em

lthttpswwwprimeroscristianoscomarticulosactas-de-los-martiresgt Acesso em 16 de set 2019

187 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 311 grifo nosso No original Venidos ante el tribunal el prefecto Ruacutestico

dijo a Justino mdash En primer lugar cree en los dioses y obedece a los emperadores Justino respondioacute mdash Lo

irreprochable y que no admite condenacioacuten es obedecer a los mandatos de nuestro Salvador Jesucristo El prefecto

Ruacutestico dijo mdash iquestQueacute doctrina profesas Justino respondioacute mdash He procurado tener noticia de todo linaje de

doctrinas pero soacutelo me he adherido a las doctrinas de los cristianos que son las verdaderas por maacutes que no sean

gratas a quienes siguen falsas opiniones

188 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original sereacuteis inexorablemente castigados

189 ACTAS DE LOS MAacuteRTIRES I p 316 No original salieron al lugar acostumbrado y cortaacutendoles alliacute las

cabezas consumaron su martirio en la confesioacuten de nuestro Salvador

48

Marco Aureacutelio tinha aproximadamente 34 anos quando Justino escreveu sua I

Apologia e cerca de 44 quando Justino sofreu o martiacuterio Mesmo diante de relatos assombrosos

de seu periacuteodo como governante ldquoe apesar de sua visatildeo negativa em relaccedilatildeo aos cristatildeos e dos

cristatildeos para com ele novamente natildeo haacute evidecircncias de qualquer (novo) decreto de perseguiccedilatildeo

aos cristatildeos por parte do Imperadorrdquo190 mesmo que se garanta uma expressiva deflagraccedilatildeo deste

expediente sombrio em seu reinado191 Devemos ainda colocar que um atento pesquisador

necessariamente se impressionaraacute com a latente crueza e dureza deste periacuteodo que esteve sob

o comando dos chamados Imperadores ldquofiloacutesofosrdquo Danieacutelou e Marrou chegam a ser aacutesperos

em sua abordagem entretanto nos parece absolutamente plausiacutevel sua definiccedilatildeo desse periacuteodo

ldquoEacute que a civilizaccedilatildeo greco-romana como tal muito embora sob um verniz humanista guardava

um fundo de crueldade Desconhecem-nos os historiadores racionalistas que pretendem reduzir

as perseguiccedilotildees a problemas socioloacutegicosrdquo192

Contudo as perseguiccedilotildees que marcaram o cristianismo e por consequecircncia geraram o

principal fruto (os martiacuterios) deste violento periacuteodo indiscutivelmente ainda satildeo sementes que

testificam e geram vida em meio a Igreja A realidade da cristandade dos primeiros seacuteculos foi

difiacutecil e desafiadora para sua feacute mas sua Esperanccedila e Amor em Jesus Cristo fez os cristatildeos

superarem ateacute a mais dolorosa realidade fosse no calor de uma fogueira nos dentes de uma

fera ou no supliacutecio de uma cruz Xavier em nosso ponto de vista consegue caracterizar bem o

fervor e feacute destes vencedores ldquoA doenccedila dificuldades e martiacuterio fizeram parte da vida dos

cristatildeos nos primeiros seacuteculos e ao longo da histoacuteria poreacutem a virtude do Evangelho natildeo deixou

de ser pregada de uma forma ou de outra pelo exemplo pela palavra falada ou escritardquo193

Apoacutes esta exposiccedilatildeo nos eacute possiacutevel reconhecer indicadores confiaacuteveis de quem foi

este filoacutesofo cristatildeo do Seacuteculo II chamado Justino de como a histoacuteria eclesiaacutestica o reconhece

e de como a histoacuteria teoloacutegica o depreende Mais ainda eacute possiacutevel compreender por meio de

dados teacutecnicos um de seus escritos mais importantes (I Apologia) Estas paacuteginas lanccedilaram luz

de maneira praacutetica (visando quando onde e por quecirc) sobre o cenaacuterio histoacuterico que envolveu

as perseguiccedilotildees e os martiacuterios dos cristatildeos especialmente no periacuteodo da atuaccedilatildeo apologeacutetica de

190 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 97 grifo

nosso

191 Para uma melhor compreensatildeo deste cenaacuterio hostil no reinado de Marco Aureacutelio ver MONTEIRO A Feacute e os

Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees da Igreja 1940 p 89-108

192 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p

109

193 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 11-12

49

Justino Para efeito de conclusatildeo desta seccedilatildeo conveacutem transcrever o registro de Hamman em

formato de siacutentese que fomenta virtuosamente a descriccedilatildeo capitular desenvolvida

Neste homem que viveu haacute dezoito seacuteculos percebemos o eco de nossos anseios de

nossas objeccedilotildees de nossas certezas Descobrimos nele uma abertura de alma uma

possibilidade de acolhimento uma vontade de diaacutelogo que desarmam e seduzem Se

muitas de suas obras estatildeo hoje perdidas as que nos restam fornecem-nos o diaacuterio

iacutentimo desse cristatildeo e satildeo suficientes para nos revelar sua vida desde o seu

nascimento e a sua formaccedilatildeo ateacute o seu martiacuterio194

O proacuteximo capiacutetulo faz uma anaacutelise na qual procuramos mostrar elementos factiacuteveis

de uma nova praacutetica social vigente ndash descrita por Justino ndash em meio ao status quo da sociedade

romana de entatildeo Desta maneira tambeacutem nos cabe frisar que a partir deste ponto se salientaraacute

o iniacutecio da descriccedilatildeo daquilo que para nosso autor era uma das provas estaacuteveis do novo modus

vivendi no qual a Verdade se manifestava de forma irrefutaacutevel

194 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27

50

2 O NOVO MODUS VIVENDI

Este capiacutetulo faraacute uma anaacutelise realiacutestica a partir da observaccedilatildeo de praacuteticas do contexto

social de Justino maacutertir Com ele iniciamos a perspectiva central proposta para esta pesquisa

aleacutem de apresentarmos de forma introdutoacuteria seu ponto nuclear Algumas marcas de cunho

histoacuterico nos permitem medir aquilo que aproximava ou afastava uma pessoa que confessava

a feacute cristatilde de seu meio sociocultural de suas atividades ordinaacuterias de seus afazeres do dia-a-

dia195 Assim neste espaccedilo apresentamos um teoacuterico conjunto de expressotildees que apontam os

conceitos que afloram do pensamento de Justino quanto agrave ldquomorfogeniardquo de sua feacute e porque natildeo

se dizer de seu grupo o qual eacute definido pelo autor como aqueles ldquoque se chamam irmatildeosrdquo196

A contemporaneidade retrata uma condiccedilatildeo ambiacutegua em comparaccedilatildeo com o Seacuteculo II

naquilo que se trata da transmissatildeo da religiosidade cristatilde ndash especialmente no que se reporta as

estruturas confessionais histoacutericas nos paiacuteses europeus e latino-americanos ndash tendo o processo

atual significativa ambivalecircncia com o padratildeo antigo o qual ainda natildeo havendo passado pelo

processo de enculturaccedilatildeo definia-se fortemente pela conversatildeo de pessoas adultas dado

amparado de forma eficiente por Tertuliano em sua Apologia ldquoos homens se tornam natildeo

nascem cristatildeosrdquo197

Deste modo notamos que a leitura histoacuterica praticamente natildeo abre concessotildees agrave

conversatildeo ao cristianismo na eacutepoca de Justino constituiacutea uma verdadeira transformaccedilatildeo na vida

do convertido implicando em uma real mudanccedila de vida ou seja de haacutebitos que

necessariamente provocava uma ldquoruptura com a cidade e isolava o cristatildeo de seu meio e de sua

famiacutelia se ela permanecesse pagatilderdquo198 Baseados em afirmaccedilotildees como esta eacute que delinearemos

um horizonte que possa definir de forma consideraacutevel a realidade do que seria estar vivendo a

Verdade para Justino mediante uma contraposiccedilatildeo de haacutebitos detectada por meio dessa

transformaccedilatildeo

Diante de tal teor surgem interrogaccedilotildees que nos trazem demandas pontuais

principalmente de caraacuteter especulativo orientadas a responder questotildees que despertam o

imaginaacuterio de nosso contexto atual Por estarem devidamente inseridas no cenaacuterio histoacuterico da

I Apologia estes assuntos caracterizam-se por suas pendecircncias mesmo que uma determinaccedilatildeo

em comum saliente todos os espaccedilos em branco tendo esta demarcaccedilatildeo em si um caraacuteter de

195 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

196 JUSTINO I Apologia LXV 1

197 TERTULIANO Apologia XVIII 4

198 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 187

51

diferenciaccedilatildeo que evoca uma clara distinccedilatildeo de estados Desta forma seguem alguns modelos

nos quais visamos indagar esta distinccedilatildeo que detectamos em Justino como definia-se um cristatildeo

em meados do Seacuteculo II Quais pessoas natildeo pertenciam a este grupo religioso e quais eram as

limitaccedilotildees que as impediam de tal prerrogativa Que nova praacutetica de feacute eacute esta que descarta as

antigas tradiccedilotildees religiosas De qual maneira isso se tornou um criteacuterio a ponto de estabelecer

diferenciaccedilotildees a niacutevel existencial

21 CRISTIANISMO A NOVA IDENTIDADE

Este espaccedilo tende a abertura de um caminho ao qual entendemos ser fundamental para

o desenvolvimento desta pesquisa isso devido agrave necessidade de apontarmos bases soacutelidas na

construccedilatildeo de nosso conceito mater Desta maneira iniciamos este capiacutetulo essencial em nossa

estruturaccedilatildeo utilizando-nos de uma afirmaccedilatildeo desenvolvida junto agrave pesquisa de Santos e

Gonccedilalves a qual soma valiosamente a nossa tese por contemplar a seguinte definiccedilatildeo ldquoAo

analisarmos a I Apologia podemos verificar que ele pretende revelar quem satildeo os cristatildeos Isto

parece fazer bastante sentido Ao buscar defender o cristianismo parece natural desenvolver um

texto que visa mostrar a identidade do grupordquo199

O cristianismo como religiatildeo vem a se desenvolver (universalmente) a partir de uma

comunidade autoacutectone de seu ldquofundadorrdquo emergindo atraveacutes de um pequeno grupo de

seguidores (Atos dos Apoacutestolos capiacutetulo 2) altamente condicionados agrave sua cultura e tradiccedilatildeo

religiosa200 poreacutem passados aproximadamente 110 anos o movimento cristatildeo chega ateacute os

dias de Justino com uma proporccedilatildeo numeacuterica muito significativa para um periacuteodo de tempo natildeo

tatildeo extenso201 Nesse processo estruturante tambeacutem de modo irrefragaacutevel202 houve um

desenvolvimento de um novo processo conceitual de um novo status de conhecimento ndash ou se

poderia chamar de um autoconhecimento ndash da proacutepria identidade (natildeo eacutetnica) cristatilde Processo

ao qual os chamados seguidores de Cristo apresentavam preceitos de paridade em uma espeacutecie

de similaridade existencial fato que leva o historiador Santos ao afirmar que ldquoa concepccedilatildeo de

meros disciacutepulos passou posteriormente a adquirir a ideia de povordquo203 Santos na verdade

199 SANTOS GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

200 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

201 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

202 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

203 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 135

52

reproduz simplesmente um pensamento jaacute consolidado no meio teoloacutegico Harnack no capiacutetulo

sete de sua obra A Missatildeo e Expansatildeo do Cristianismo nos Primeiros Trecircs Seacuteculos204 jaacute

solidifica tal ideia O teoacutelogo alematildeo caracteriza seu pensamento socioteoloacutegico da seguinte

forma

Convencido de que Jesus o mestre e o profeta era tambeacutem o Messias que voltaria em

breve para terminar o seu trabalho as pessoas passaram da consciecircncia de serem seus

disciacutepulos para o seu povo o povo de Deus ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον

ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pe II 9 ldquoVoacutes sois uma raccedila escolhida

um sacerdoacutecio real uma naccedilatildeo santa um povo para possessatildeordquo) e na medida em

que se sentiam um povo os cristatildeos sabiam que eles eram o verdadeiro Israel pessoas

que ao mesmo tempo representavam o novo e o velho205

Cabe-nos tambeacutem frisar neste aspecto levantado por Harnack que na questatildeo referente

agrave formaccedilatildeo de uma nova identidade social de caraacuteter religiosa este foi um fenocircmeno tanto

perceptiacutevel para eacutepoca de Justino como tambeacutem o ainda eacute em alguns segmentos humanos na

contemporaneidade Esta accedilatildeo associativa organizou-se (e ainda se organiza) de forma

majoritariamente comunitaacuteria a partir de experiecircncias pessoais de seus participantes sendo isto

ocasionado quase que na totalidade dos casos por meio do fenocircmeno conversiacutevel ocorrido no

acircmbito individual Este processo normalmente excludente e sectaacuterio de um determinado extrato

social ndash absolutamente imperativo no periacuteodo histoacuterico analisado poreacutem na atualidade natildeo

mais apresentando necessariamente uma ambiguidade ao estado de crenccedila anterior do

confessando (agente humano) ndash acaba por ser adesivo a outro o que ocasionava o

comprometimento com uma nova forma de comunhatildeo a qual amparada em novas certezas

rechaccedilava com ousadia as referecircncias da antiga crenccedila Em relaccedilatildeo ao cristianismo esse

fenocircmeno foi mais saliente entre as comunidades gentiacutelicas que abandonaram o paganismo206

Mencionamos ainda a definiccedilatildeo de Mol utilizada por Kee por entendermos que ele consegue

esclarecer de maneira objetiva aquilo que nos interessa expressar neste item sendo uma

consequecircncia natural do processo de conversatildeo ao cristianismo em meados de Seacuteculo II Mol

204 No original The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries

205 HARNACK The Mission and Expansion of Christianity in the First Three Centuries 2005 p 152 No original

Convinced that Jesus the teacher and the prophet was also the Messiah who was to return ere long to finish off

his work people passed from the consciousness of being his disciples into that of being his people the people of

God ὑμεῖς γένος ἐκλεκτόν βασίλειον ἱεράτευμα ἔθνος ἅγιον λαὸς εἰς περιποίησιν (1 Pet ii 9 ldquoYe are a chosen

race a royal priesthood a holy nation a people for possessionrdquo) and in so far as they felt themselves to be a

people Christians knew they were the true Israel at once the new people and the old

206 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004

53

escreve que o primeiro estaacutegio de um novo convertido neste periacuteodo se caracterizava por aquilo

que ele define como um ldquodistanciamento de anteriores padrotildees de identidaderdquo207

Deste modo seguindo a proposta acima encontramos algumas afirmaccedilotildees que nos

parecem descrever com exatidatildeo a tese (por hipoacutetese cristatilde) que definia a sociedade de entatildeo

como que constituiacuteda por um suposto terceiro grupo de pessoas (holisticamente falando) Aleacutem

dos denominados gentios e judeus (no relato biacuteblico) haveria tambeacutem os cristatildeos Cabe-nos

ressaltar que esse indicador quantitativo variou dentro da construccedilatildeo desta proposiccedilatildeo

indicativa das supostas variaccedilotildees de ldquoraccedilasrdquo pois jaacute nos escritos dos Pais Apologistas esse

nuacutemero chegou a ser descrito em mais de trecircs segmentos (caldeus egiacutepcios gregos judeus e

cristatildeos)208 Assunto que voltaremos a tratar com mais exatidatildeo a seguir Vale-nos tambeacutem citar

que o conceito de estraneidade abordado especialmente em anaacutelises eclesioloacutegicas e

missioloacutegicas do meio Patriacutestico209 diferencia-se em alguns aspectos de nosso assunto

diferenciaccedilatildeo que natildeo seraacute abordada por entendermos que foge de nossa temaacutetica atual

Iniciamos nossa argumentaccedilatildeo apontando que este conceito identitaacuterio de caraacuteter

etnograacutefico jaacute se apresenta com clareza no relato da Escritura Sagrada Vemos o apoacutestolo Paulo

fazendo distinccedilatildeo similar quando opta por desenvolver uma anaacutelise contrastante do cenaacuterio

humano (eacutetnico religioso etc) de seu tempo apresentando-nos uma leitura com trecircs diferentes

grupos humanos ldquoNatildeo vos torneis causa de tropeccedilo nem para judeus nem para gentios nem

tampouco para a igreja de Deusrdquo (1 Coriacutentios 1032) Neste ponto posiccedilotildees exegeacuteticas variadas

podem corroborar para a compreensatildeo e tambeacutem assimilaccedilatildeo da passagem citada referente ao

suposto conceito de iacutendole eacutetnica apontado210 mas o proacuteprio cenaacuterio nos aponta determinados

viacutenculos que nos conduzem a ideia de que ser cristatildeo no suposto periacuteodo oferecia aos fieacuteis a

opiniatildeo de pertencer a um povo diferente211

Neste conjunto eacute necessaacuterio citar o Apologista Aristides que de maneira

inquestionaacutevel se apresenta no cenaacuterio cristatildeo como aquele que daraacute um salto intelectual na

direccedilatildeo do desenvolvimento daquilo que poderiacuteamos definir como a primeira concepccedilatildeo de um

ethnos propriamente cristatildeo212 Aristides ldquofiloacutesofo de Atenas e um dos primeiros defensores do

207 MOL Identity and the Sacred 1977 p 52-53 apud KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica

1983 p 65-66 grifo nosso

208 Ver ARISTIDES Apologia II XIV e XV

209 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

210 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

211 GONZAacuteLEZ 1995

212 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

54

cristianismordquo213 permitiraacute a transmissatildeo conceitual deste tema apontado nos escritos paulinos

aproximadamente oitenta anos depois de Paulo escrever aos cristatildeos de Corinto Em sua obra

Apologia Aristides concentra esforccedilos em uma elaboraccedilatildeo pragmaacutetica que visa uma

apresentaccedilatildeo de diferentes aspectos teoloacutegicos e morais todos provenientes de haacutebitos e

costumes de outros padrotildees religiosos de entre as etniaspovosnaccedilotildees de sua eacutepoca

Neste exerciacutecio Aristides ldquodescreve os cristatildeos como um povo ou naccedilatildeordquo214 que iraacute

progressivamente e cada vez mais contrastar seus conhecimentos e seu comportamento com os

outros povos com que convivia a saber os babilocircnios os gregos os egiacutepcios e os judeus

Possivelmente Aristides desejava ldquoexprimir a autocompreensatildeo cristatilderdquo215 de seus dias no

entanto provavelmente tambeacutem expressava um conceito jaacute bem estruturado em seu meio

religioso utilizando-se de um escrito apologeacutetico muito diretivo desenvolvido em ldquoforma de

uma etnografia comparativardquo216 Importante eacute o fato de que um entendimento novo de forma

absolutamente objetiva retratava a nova maneira de viver e esta maneira era aplicada

adjetivamente como cristatilde

Este fenocircmeno ocorria devido a este novo conceito ter se estruturado sobre ldquouma

organizaccedilatildeo humana cada vez mais precisa e soacutelida uma sociedade cujos alicerces satildeo

inteiramente novos e um tipo de homem diferente de todos aqueles que o mundo conhecerardquo217

Desta forma acabou por se gerar um entendimento novo sobre uma nova realidade histoacuterica

diferente de todas as demais jaacute existentes algo que na compreensatildeo de seus participantes soacute

poderia ser condicionado por um novo organismo ou seja uma nova ldquoraccedilardquopovonaccedilatildeo

Contudo este fato pode ser tambeacutem comprovado atraveacutes de outros seguimentos uma vez que

os proacuteprios natildeo-cristatildeos parecem fomentar esta ideia de separaccedilatildeo eacutetnica Isso pode ser visto

com realce atraveacutes do relato de outra figura Patriacutestica de destaque o qual torna-se o personagem

central de nosso exame a partir deste ponto

A partir do Seacuteculo II haveraacute inuacutemeras contribuiccedilotildees para a histoacuteria da teologia Em

primeiro lugar na figura de Tertuliano por ser considerado o ldquofundador da tradiccedilatildeo teoloacutegica

ocidentalrdquo218 Entretanto referente ao tema em destaque Tertuliano em sua obra Agraves Naccedilotildees (Ad

nationes) ndash tambeacutem traduzida por Aos Pagatildeos ndash apresenta no capiacutetulo VIII do I livro uma

213 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

214 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 16

215 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998 p 73

216 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997 p 17

217 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240

218 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 42

55

relevante informaccedilatildeo a respeito de nosso assunto pois atraveacutes de uma genuiacutena accedilatildeo apologeacutetica

passa a informar algo que estava sendo apregoado sobre os cristatildeos Ele menciona que alguns

ldquoCertamente dizem que somos a terceira raccedila dos homensrdquo219 Jaacute de iniacutecio torna-se simples

devido ao desenvolvimento do texto conceituar a definiccedilatildeo (ldquoterceira raccedilardquo) citada por

Tertuliano pois de maneira peculiar sua ironia consegue descrever com exatidatildeo sua intenccedilatildeo

e o que ele escreve a seguir acaba por orientar seu entendimento e interesse argumentativo Ele

diz ldquoDe que maneira Uma raccedila com cara de cachorro Ou uma que possui apenas um enorme

peacute Ou algum Antiacutepoda subterracircneordquo220

Obviamente Tertuliano natildeo tinha em mente elaborar uma refutaccedilatildeo que viesse a

discutir questotildees bioloacutegicas ou antropoloacutegicas referentes agraves pessoas que estavam sendo

atingidas por essa pecha de ordem etnorracial Seu estilo quase sarcaacutestico demonstra que na

verdade sua indignaccedilatildeo frente agraves agressotildees lanccediladas aos irmatildeos da feacute que eram protagonizadas

pelas perseguiccedilotildees oferecidas pelos descrentes e das quais ele era uma literal testemunha o

compeliam a reagir em sua defesa ldquoTenham cautela no entanto pois aqueles a quem vocecircs

chamam de terceira raccedila devem obter o primeiro lugar uma vez que natildeo haacute certamente naccedilatildeo

que natildeo seja cristatilderdquo221

Tertuliano ainda em sua fase Apologista222 procura nos apresentar uma descriccedilatildeo

pejorativa (ldquoterceira raccedilardquo) dos pagatildeos como absolutamente preconceituosa e totalmente

intolerante pois esta visa tatildeo somente implementar ldquoacusaccedilotildees contra os cristatildeosrdquo223 buscando

unicamente denigrir sua religiatildeo natildeo possuindo nenhuma ligaccedilatildeo especiacutefica com as relaccedilotildees

eacutetnicas eou nacionais destas pessoas Sobre este prisma o proacuteprio Tertuliano afirma ldquoMas eacute

no sentido de religiatildeo e natildeo de naccedilatildeo que somos tidos como a terceira raccedila Pela ordem os

romanos os judeus e por uacuteltimo os cristatildeosrdquo224 No decorrer do texto225 fica-nos ainda mais

evidente que esta tentativa de uma diferenciaccedilatildeo humana natildeo corresponde a dados bioloacutegicos e

antropoloacutegicos pois visa promover unicamente uma desqualificaccedilatildeo da crenccedila do grupo ao qual

ataca (cristatildeos) independentemente de suas origens eacutetnicas

219 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

220 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

221 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9

222 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

223 LEAL In Tertuliano Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1577

224 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1 grifo nosso

225 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 9-11

56

Deste modo assimilando os variados dados relacionados nesta construccedilatildeo

fenomenoloacutegica vemos que independentemente do meio (eclesiaacutestico ou secular) e da

temporalidade (periacuteodo biacuteblico ou patriacutestico) o sentido uniforme do conceito de ser cristatildeo

estava incondicionalmente ldquovinculado a um grupo com relaccedilotildees sociais distintas dos

demaisrdquo226 Aqui a reflexatildeo de Santos nos auxilia de forma significativa especialmente visando

o desenvolvimento restante deste capiacutetulo

Relaccedilotildees sociais estas que privilegiam os aspectos espirituais e morais Neste sentido

os cristatildeos podem ser entendidos como um povo particular com uma promessa

profeacutetica especificamente direcionada a eles Povo este que como vimos

anteriormente possui seu conjunto de crenccedilas um estilo de vida proacuteprio seus

siacutembolos sua interpretaccedilatildeo de mundo Tudo isto se traduz pela expressatildeo ldquonova vida

e os nossos ensinamentosrdquo utilizada por Justino (JUSTINO I Apologia III 3)227

Ao finalizarmos este item salientamos nossa intenccedilatildeo na proposta de agregar a esta

pesquisa a ideia de que para o cristianismo inicial como tambeacutem para seu meio social ndash onde

Justino necessariamente se enquadra ndash havia um conceito de identidade definido do que era ser

cristatildeo Cabe-nos agora complementaacute-lo Para isto propomos uma descriccedilatildeo de seu perfil

oposto ateacute mesmo antagocircnico para o periacuteodo ou seja descrevendo aquilo (ou aqueles) que na

visatildeo dos cristatildeos natildeo eram cristatildeos

22 O MUNDO NAtildeO-CRISTAtildeO

Em nossa proposta de pesquisa se faz indispensaacutevel conhecermos a visatildeo do meio

cristatildeo (eclesioloacutegica) a respeito daqueles que eram ao seu entendimento ndash pelo menos de

maneira preliminar ndash antagocircnicos agrave sua realidade existencial Obviamente este trabalho busca

ancorar-se ao pensamento de seu autor central Assim sendo Justino passa a nos ceder as bases

desse processo de incompatibilidade de grupos228 onde podemos sem exageros a partir de

Justino arquitetar um cenaacuterio que nos mostra eficientemente que este conceito evidenciado no

Apologista eacute oriundo da mensagem Apostoacutelica (Paulo) e Patriacutestica (Aristides) anteriores a ele

as quais parecem terem sido bem recebidas e definidas quanto a essa importante questatildeo

226 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 143

227 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

grifo nosso

228 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

57

etnograacutefica Percebemos isso com certa clareza quando ele diz que ldquoDeve-se saber que o

restante de todas as raccedilas humanas satildeo chamadas de naccedilotildees pelo Espiacuterito profeacutetico a casta dos

judeus e samaritanos poreacutem chama-se Israel e Casa de Jacoacuterdquo229

Nesta introduccedilatildeo ainda nos eacute possiacutevel descrever um conceito metafiacutesico a partir do

entendimento de Justino que era um filoacutesofo Utilizando-nos da objetivaccedilatildeo da identidade

(ethnos) cristatilde um modelo passa a se estabelecer nesta descriccedilatildeo e este modelo eacute que ldquotorna

uma entidade reconheciacutevelrdquo230 Assim este estado que passa a ser evidentemente concreto e

que estaacute constituiacutedo em uma forma de identificaccedilatildeo passa tambeacutem a possuir o seu oposto

definindo-se por meio de diversos exames tendo a partir disso haacute possibilidade de ser aceito

ou rejeitado por aquilo que lhe eacute diferente

Prosseguindo no desenvolvimento de nosso raciociacutenio comeccedilaremos a descrever

sinteticamente o ponto central a ser analisado nesta pesquisa Entendemos que a reflexatildeo que

recebemos a partir da oacutetica de Justino poder ser definida por meio de sua compreensatildeo do que

eacute a Verdade revelada para a humanidade Deste modo inicialmente nos cabe salientar que o

periacuteodo de tempo logo apoacutes o advento do cristianismo e sua consolidaccedilatildeo (informal para a

eacutepoca) como uma religiatildeo estabelecida em meio ao Impeacuterio Romano trouxe algumas

evidecircncias que caracterizavam e apontavam para a identificaccedilatildeo daqueles que eram seguidores

deste credo e ipso facto passava a distingui-los quase que de forma automaacutetica dos demais

seguidores de outras praacuteticas religiosas tais como o judaiacutesmo e os cultos politeiacutestas os quais

tambeacutem podem ser definidos no cenaacuterio imperial como ldquocultos estataisrdquo231 eou religiatildeo dos

povos gentios

Ainda neste espaccedilo nos eacute necessaacuterio salientar que a atribuiccedilatildeo religiosa como ponto

primaz na questatildeo orientativa dos que natildeo confessavam a feacute cristatilde eacute importante ou ateacute mesmo

necessaacuteria porque no referido periacuteodo natildeo se concebia a ideia de que as massas humanas ndash em

qualquer lugar independentemente de sua etnia ou nacionalidade ndash natildeo aderissem a uma forma

de crenccedila232 O pensamento de Santos qualifica esta ideia de contraste entre crenccedilas

Os cristatildeos precisavam ser diferentes dos judeus e dos demais povos para construiacuterem

uma identidade proacutepria ainda que algo dos dois fizesse parte de sua identidade E

mesmo esse algo teria uma leitura particular dentro do cristianismo Os siacutembolos

229 JUSTINO I Apologia LIII 4

230 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014 p 110

231 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 51

232 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

58

ainda que preservados natildeo teriam exatamente os mesmos significados Justino por

vezes ao apontar aquilo que os cristatildeos eram utiliza a comparaccedilatildeo Tal comparaccedilatildeo eacute

feita com base natildeo soacute naquilo que eacute semelhante nos grupos que ele considera natildeo-

cristatildeos mas principalmente nas suas diferenccedilas o que nos revela que no outro haacute

tanto pontos congruentes quanto incongruentes233

Desta forma a partir deste ponto falaremos a respeito dos dois respectivos grupos

humanos (em sentido eacutetnico e nacional) nos quais se estabeleciam a distinccedilatildeo e a divisatildeo

proposta por Justino em sua construccedilatildeo teoloacutegica

221 Os Judeus

Passando objetivamente a leitura da obra de Justino (I Apologia) constatamos com

razoaacutevel clareza a importacircncia dada pelo autor aquilo que corresponde diretamente ao povo

judeu este aspecto acaba por se tornar importantiacutessimo na elaboraccedilatildeo de nosso conceito pois

traz equiliacutebrio agrave orientaccedilatildeo que Justino propotildeem desenvolver como contrastante ao seu estado

de feacute e crenccedila Para Justino o povo eleito por Deus para receber as promessas diretrizes e

preceitos da Primeira Alianccedila acabou por se tornar uma espeacutecie de agente condutor e ateacute

mesmo catalisador de uma forma funcional do cumprimento das profecias descritas como

messiacircnicas234 Justino ao mencionar o Profeta Isaiacuteas e o Livro dos Salmos235 apresenta-nos esta

indicaccedilatildeo dizendo

Quando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de Cristo ele se expressa assim ldquoEu

estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz aos que andam por um

caminho que natildeo eacute bomrdquo E novamente ldquoEntreguei minhas costas aos accediloites e

minhas faces agraves bofetadas e natildeo afastei o meu rosto da vergonha das cuspidas E o

Senhor se tornou o meu auxiacutelio por isso eu natildeo fui confundido mas transformei o

meu rosto em rocha dura e soube que natildeo seria confundido pois estaacute perto aquele

que me justificardquo E o mesmo quando diz ldquoEles lanccedilaram sorte sobre as minhas

roupas e transpassaram as minhas matildeos e os meus peacutes mas eu adormeci e me

entreguei ao sono e ressuscitei porque o Senhor me protegeurdquo E outra vez quando

diz ldquoCochichavam com os seus laacutebios e balanccedilaram a cabeccedila dizendo Salve-se a si

mesmo Podeis comprovar que tudo isso cumpriu-se atraveacutes dos judeus em Cristordquo236

233 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 144

234 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

235 Acredita-se que os textos biacuteblicos usados por Justino segundo a versatildeo da Biacuteblia Grega (Septuaginta) satildeo Is

652 Is 506-8 Sl 2119 Sl 36 Sl 218-9 Ver FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 27

236 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1-7

59

Nesta passagem da I Apologia onde jaacute nos deparamos com o exegeta Justino237 fica-

nos claro que na opiniatildeo deste os reconhecidos como natildeo-cristatildeos ndash particularmente tratando-

se do povo judeu e de sua religiatildeo ndash natildeo compreenderam o tempo de sua visitaccedilatildeo menos ainda

foram capazes de interpretar com eficiecircncia tudo aquilo que as profecias anunciavam a respeito

de seu Messias Esse processo ganha ainda mais ecircnfase quando o teor aplicado por Justino passa

a ser mediado atraveacutes do contexto entre os capiacutetulos XXXVI a XXXVIII onde o relato parece

sugerir um compecircndio baacutesico com ldquoregras de interpretaccedilatildeordquo238 do Apologista sobre as profecias

messiacircnicas Neste cenaacuterio eacute possiacutevel penetrar mais profundamente na realidade sugerida por

Justino os judeus natildeo obstante sua falta de discernimento tornaram-se por seu endurecimento

os proacuteprios algozes Daquele que veio libertaacute-los

Torna-se necessaacuterio dizer que a exegese aplicada por Justino natildeo se faz sem equiacutevocos

Alguns erros satildeo ateacute mesmo inocentes quando analisados agrave luz de elementos da ciecircncia biacuteblica

atual239 como por exemplo quando cita o texto do Salmo 2119 (segundo a Septuaginta) o

qual eacute amplamente interpretado pelos Evangelhos240 como uma accedilatildeo dos soldados romanos

junto ao relato da crucifixatildeo de Cristo e natildeo como um ato diretamente empregado pelo povo

judeu Entretanto Justino entende que os judeus natildeo apenas assumiram agrave culpa desse ato por

meio de seu embrutecimento mas principalmente por seu endurecimento o qual foi causado

originalmente por sua incredulidade (natildeo-assimilaccedilatildeo) para com a pessoa de Jesus Cristo na

opiniatildeo de Justino241 Deste modo parece natildeo permanecer nenhum constrangimento por parte

do Apologista em apontar aos judeus natildeo como meros colaboradores mas sim como os

grandes culpados pela morte de Cristo

Na verdade Davi rei e profeta que disse isso natildeo sofreu nada disso mas Jesus Cristo

estendeu as suas matildeos quando foi crucificado pelos judeus que o contradiziam e

falavam que ele natildeo era o Messias Com efeito como disse o profeta levaram-no

arrastando e fazendo-o sentar-se numa cadeira de juiz disseram-lhe ldquojulga-nosrdquo242

237 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

238 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 26

239 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

240 Ver Mateus 2633-38 Marcos 1522-24 Lucas 2333-34 Joatildeo 1923-24

241 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

242 JUSTINO I Apologia XXXV 6

60

Mesmo jaacute tendo sido identificado por noacutes de forma preacutevia cabe-nos ainda citar de

maneira mais precisa as pertinentes consideraccedilotildees que Justino faz referente ao natildeo

reconhecimento da pessoa de Jesus Cristo como o Messias prometido ao povonaccedilatildeo de Israel

por parte dos judeus O Apologista escreve ldquoNatildeo entendendo isso os judeus que satildeo aqueles

que possuem os Livros dos profetas natildeo soacute natildeo reconheceram a Cristo jaacute vindo mas tambeacutem

odeiam a noacutes que dizemos que ele de fato veio e mostramos que como fora profetizado foi

por eles crucificadordquo243

Aleacutem dessa notificaccedilatildeo exortativa referente aquilo que poderiacuteamos definir como uma

leitura do cenaacuterio sociorreligioso judaico (que no presente momento e tambeacutem anteriormente a

ele interagiu conflituosamente com os cristatildeos) devemos tambeacutem reconhecer outro aspecto que

este ambiente social nos aponta por meio da ldquoobservaccedilatildeo de Justino segundo a qual Bar

Kochba244 ameaccedilou judeus messiacircnicos com pesados castigos caso natildeo negassem que Jesus eacute

o Cristordquo245 estabelecendo deste modo haacute opiniatildeo de que os cristatildeos realmente eram um povo

que sofria historicamente ldquohostilidade dos judeusrdquo246 principalmente porque os cristatildeos deram

o devido valor agrave revelaccedilatildeo de Deus247

Por uacuteltimo neste cenaacuterio de nossa anaacutelise concentrada na opiniatildeo de Justino frente ao

status sociorreligioso judaico devemos ainda olhar com bastante atenccedilatildeo para uma passagem

da Escritura Sagrada relacionada a Primeira Alianccedila que nos eacute apresentada enfaticamente por

Justino em sua obra apologeacutetica O texto do capiacutetulo 65 verso 2 do Livro do profeta Isaiacuteas eacute

citado por trecircs vezes na I Apologia248 caracterizando mediante este fato repetitivo uma

significativa elucubraccedilatildeo por parte de Justino a esta porccedilatildeo da Escritura Nosso autor se

distingui ao comentar o Texto Sagrado dizendo ldquoQuando o Espiacuterito profeacutetico fala na pessoa de

Cristo ele se expressa assim lsquoEu estendi as minhas matildeos a um povo que natildeo crecirc e contradiz

aos que andam por um caminho que natildeo eacute bomrsquordquo249

Partamos de um ponto conceitual Na esfera racional de Justino o caso das ldquomatildeos

estarem estendidas a um povo increacutedulo e contestadorrdquo era um fato indubitaacutevel apresentado

atraveacutes de um ar enfaacutetico que apontava agrave suposta culpa que os judeus teriam na rejeiccedilatildeo do

243 JUSTINO I Apologia XXXVI 3

244 JUSTINO I Apologia XXXI 6

245 STEGEMANN E STEGEMANN W Histoacuteria Social do Protocristianismo 2004 p 266

246 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 32

247 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

248 JUSTINO I Apologia XXXV 3 XXXVIII 1 XVIX 3

249 JUSTINO I Apologia XXXVIII 1

61

verdadeiro Ungido de Deus solidificando deste modo de maneira inevitaacutevel sua compreensatildeo

de que os judeus ao natildeo reconhecerem o Messias ldquoperderam o direito hereditaacuterio a promessa

que passou para os cristatildeosrdquo250 Este conceito251 acaba por ficar ainda mais saliente em sua

obra Diaacutelogo com Trifatildeo252 detalhe que natildeo apontaremos aqui devido a nossa opccedilatildeo de

delimitaccedilatildeo textual

Por fim necessitamos condicionar nossa pesquisa a um resultado Entatildeo ratificamos

que em nosso entendimento fica claro que na transmissatildeo da ideia de Justino os judeus foram

rejeitados como naccedilatildeopovoldquoraccedilardquo por sua incredulidade mesmo que estes tenham sido

anteriormente escolhidos como os herdeiros das promessas de Deus De fato Justino afirma

ldquoEntatildeo eles se arrependeratildeo quando de nada mais lhes valeraacuterdquo253 Logo para Justino os judeus

natildeo eram mais a ldquoraccedilardquo eleita porque natildeo eram cristatildeos

Passamos agora ao outro grupo compreendido como natildeo-cristatildeo pelo conceito

etnograacutefico dos seguidores do cristianismo na eacutepoca de Justino os Gentios

222 Os Gentios

De imediato devemos propor um referencial orientativo visando essa construccedilatildeo e

uma afirmaccedilatildeo parece definir de maneira satisfatoacuteria esta questatildeo Igualmente agrave anaacutelise anterior

(para com os judeus) partimos de referenciais de caraacuteter sociorreligioso baseados em nosso

autor central poreacutem com a diferenciaccedilatildeo de que agora falamos de um campo muito mais

abrangente a ser examinado pois os ldquogentiosrdquo254 (segundo o Apoacutestolo Paulo) ldquoos caldeus os

gregos e os egiacutepciosrdquo255 (segundo Aristides) e ldquoos romanosrdquo256 (segundo Tertuliano) formam

esse novo e amplo grupo que tambeacutem se caracteriza religiosamente em contraste tanto com

cristatildeos quanto com os judeus que haviam rejeitado o seu Messias

Todo esse enorme contingente religioso se distinguia por sua diversidade Nesta

multiplicidade surgia uma variedade imensa de divindades uma para cada gosto eou prazer

250 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

251 Segundo Insuelas as duas primeiras Apologias satildeo escritas ldquocontrardquo os pagatildeos jaacute o Diaacutelogo com Trifatildeo eacute

escrito ldquocontrardquo os judeus Neles Justino pretende provar que Jesus Cristo eacute o Messias e que a sua religiatildeo eacute a

verdadeira Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 54

252 Ver JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo CVIII 1-3

253 JUSTINO I Apologia LII 9

254 Ver 1 Coriacutentios 1032

255 ARISTIDES Apologia II XIV e XV

256 TERTULIANO Agraves Naccedilotildees I 8 1

62

com as quais estes devotos procuravam cobrir suas necessidades e as exigecircncias de culto em

seus dias257 Esta praacutetica reconhecida como politeiacutesmo envolve a coletividade humana desde

seus primoacuterdios258 No entanto para Justino quem seriam as pessoas que adoravam essa

imensidatildeo de outros deuses

Inicialmente afirmamos que os participantesocupantes desse distinto grupo

indiscutivelmente se diferenciavam dos judeus natildeo apenas por sua religiatildeo mas tambeacutem por

questotildees que podem (e devem) ser descritas como eacutetnicas No caso anterior o judaiacutesmo (ou

podemos chamar de religiatildeo judaica) natildeo se desvinculava (nem atualmente se desvincula) da

etnia de origem semita (judeus) que ocupava massivamente a regiatildeo do moderno estado de

Israel Ateacute os dias de hoje os judeus ndash tambeacutem chamados de ldquoisraelitasrdquo (genericamente) ndash satildeo

definidos regularmente como ldquofieacuteisrdquo da religiatildeo judaica259 Em nosso caso de destaque os

agentes religiosos que formavam as fileiras das religiotildees politeiacutestas eram seres humanos

oriundos das mais variadas sociedades da eacutepoca de diversas culturas mas que assumiam o

chamado culto de origem mitoloacutegica difundido amplamente na cultura de origem greco-

romana260 na qual Justino tambeacutem havia vivido e sido criado261 e que havia se tornado em um

elemento poliacutetico que ldquoos romanos chamavam de pax deorumrdquo262

Estes adoradores de outros e variados deuses usualmente possuem outra designaccedilatildeo

tanto para Justino quanto no relato biacuteblico satildeo os gentios ndash termo geneacuterico que adotaremos a

partir de agora neste item para a identificaccedilatildeo desse grupo devido a sua abrangecircncia e

complexidade A pesquisa de Santos nos auxilia consideravelmente nesta definiccedilatildeo

O termo utilizado na Biacuteblia hebraica para gentio eacute gocircy (גוי) e tanto no texto grego do

Antigo Testamento (Septuaginta) quanto no Novo Testamento temos os termos

ethnos (εθνος) ou hellen (ελλην) Satildeo geralmente traduzidos como naccedilatildeo raccedila

gentes gentios Se estiver no singular podem se referir aos judeus (HARRIS 1998 p

251-252 DOUGLAS 1995 p 662 VINE 2002 p 673) De forma geral quando no

plural eles se referem aos outros povos que natildeo os judeus e no caso mais

especificamente cristatildeo denotam natildeo soacute os natildeo-judeus mas podem se referir agravequeles

gentios que se converteram ao cristianismo ldquoOs quais pela minha vida expuseram as

257 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010

258 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

259 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014

260 SCOTT As Catacumbas de Roma 1996

261 PIERINI A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I 1998

262 CORNELL MATTHEWS A Civilizaccedilatildeo Romana 2008 p 94

63

suas cabeccedilas o que natildeo soacute eu lhes agradeccedilo mas tambeacutem todas as igrejas dos gentiosrdquo

(Romanos 164)263

Justino natildeo apenas se utiliza dessa terminologia com desenvoltura mas tambeacutem se

serve de outros termos que designam este grupo de existecircncia gentiacutelica Encontramos citaccedilotildees

como ldquogente de todas as naccedilotildeesrdquo264 ldquogente de todas as raccedilasrdquo265 ldquohomens das naccedilotildeesrdquo266 ou

ldquoos povos das naccedilotildeesrdquo267 Ao analisarmos o contexto textual destas citaccedilotildees de Justino fica

evidente que o Apologista ao descrever estes trechos estaacute incondicionalmente se referindo ao

cumprimento das promessas messiacircnicas aos gentios Desta forma acaba por caracterizar (os

gentios) como os natildeo-judeus que estavam sem Cristo mas que iriam recebecirc-lo pela

proclamaccedilatildeo da mensagem evangeacutelica Drobner sugere que possivelmente Justino acreditava

que uma vez que os democircnios foram silenciados pela proclamaccedilatildeo da Verdade por meio da

mensagem da cruz ldquoos homens agora em todo o mundo se tornariam tementes a Deusrdquo268

Encontramos na I Apologia uma tendecircncia ndash pelo menos de maneira impliacutecita ndash de

apontar em menor nuacutemero elementos negativos eou pejorativos dos gentios e de suas praacuteticas

religiosas politeiacutestas Isso obviamente se comparados com agravequeles apresentados

volumosamente como prejuiacutezos trazidos eou deixados pelos judeus naquilo que se tratava da

revelaccedilatildeo de Deus em Jesus Cristo Tratando-se especificamente dessa questatildeo sociorreligiosa

que envolvia a religiatildeo judaica cabe-nos ressaltar com veemecircncia que em nossas afirmaccedilotildees

natildeo se estaacute buscando implicar de nenhuma maneira ou forma a Justino uma postura

antissemita269 pois sua polecircmica com os judeus ldquonada tem a ver com antissemitismo porque

natildeo se trata da raccedila mas da feacuterdquo270 Deste modo orientando-nos atraveacutes de dados da anaacutelise

historiograacutefica acreditamos que este fenocircmeno se baseou na tentativa de indicar com clareza

atribuiccedilotildees da histoacuteria da revelaccedilatildeo no fato de se contextualizar o relato salviacutefico de Deus para

263 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 147

264 JUSTINO I Apologia XXXII 3

265 JUSTINO I Apologia XXXII 4

266 JUSTINO I Apologia XXXI 7

267 JUSTINO I Apologia XLIX 1

268 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 84

269 Antissemita (anmiddottismiddotsemiddotmimiddotta) anti- + semita Adjetivo de dois gecircneros e substantivo de dois gecircneros Significa

Que ou quem se opotildee aos semitas e particularmente aos judeus Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa

Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgantissemitagt Acesso em 17 de jan de 2019

270 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 76

64

a humanidade pois o ldquoproacuteprio texto nos fornece um contexto Mas tambeacutem pelos enunciados

que evidenciam sua forccedila ilocucionaacuteriardquo271

Poreacutem entendemos ainda ser oportuno citar a Justino de forma direta mais uma vez

em nossa elaboraccedilatildeo sobre o conceito de definiccedilatildeo daqueles que natildeo satildeo cristatildeos para ele

Indiscutivelmente os gentios gozavam de uma pequena parcela de toleracircncia por parte de

Justino especialmente diante do testemunho das conversotildees ocorridas junto o mundo greco-

romano das quais ele mesmo era fruto Aleacutem disso em nossa construccedilatildeo conceitual outra vez

fica notoacuterio que nosso autor natildeo procura mascarar em nenhum momento sua dificuldade para

com a religiatildeo judaica272 O texto de Justino transparece isso com muita clareza

Ao contraacuterio (dos judeus) os gentios que nunca tinham ouvido falar dele ateacute que os

apoacutestolos tendo saiacutedo de Jerusaleacutem lhes contaram sua vida e lhes entregaram as

profecias cheios de alegria e de feacute renunciaram aos iacutedolos e se consagraram ao Deus

ingecircnito por meio de Cristo273

Contudo torna-se claro tambeacutem que na concepccedilatildeo de Justino o alcance dessa

conformidade do plano salviacutefico de Deus atraveacutes de Jesus Cristo para com os gentios seria

segundo o posicionamento de feacute desse grupo pois o teor e a objetividade para o

desenvolvimento da I Apologia provam o contraacuterio pois esta obra acabou sendo redigida

condicionalmente na tentativa de aplacar os acircnimos daqueles que perseguiam os cristatildeos de

forma injustificaacutevel sendo evidente no relato de ambas as Apologias de Justino que os

perseguidores eram majoritariamente formados de natildeo-cristatildeos de origem gentiacutelica Essa

evidecircncia conseguimos resgatar no proacuteprio relato do Apologista quando este comenta a

respeito da idolatria dos gentios enfatizando seu politeiacutesmo Nessa passagem sua penna eacute

categoacuterica e imperativa

E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o atribuiacutes a noacutes como

se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia como estamos livres

por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam nenhum dano ao

271 SANTOS amp GONCcedilALVES A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I

Apologia de Justino Maacutertir 2011 p 3

272 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

273 JUSTINO I Apologia XLIX 5 grifo nosso

65

contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda levantam falso

testemunho contra noacutes274

Finalizamos assim este item que visou especificar aquilo que se encontra aplicado na

explanaccedilatildeo do Apologista sobre o natildeo ser um cristatildeo Buscamos nesta explanaccedilatildeo uma espeacutecie

de caraacuteter identificativo aleacutem de termos procurado sinalizar para o oposto de cada caso

examinado distinguindo deste modo os grupos religiosos analisados atraveacutes de criteacuterios que

os contrastavam entre si e para com o objeto principal (cristianismo) pois notificamos que para

Justino como tambeacutem para a Igreja em sua eacutepoca judeus e gentios natildeo eram homens de outra

espeacutecie (em sentido bioloacutegico) mas natildeo sendo cristatildeos pertenciam necessariamente a outro

mundo um mundo natildeo-cristatildeo

A seguir trataremos de assuntos mais pontuais os quais podemos denominar de

ldquofactiacuteveisrdquo segundo a leitura de Justino para com a realidade que o cercava Esse conjunto de

fatos era polemizado de maneira constante (por meio de uma tentativa aguda de se diferenciar

proposiccedilotildees) pois possuiacutea uma importacircncia fundamental na definiccedilatildeo exigida para se

estabelecer a oposiccedilatildeo dos ldquomundosrdquo que apontamos

23 PRAXIS FIDEI ADVERSUS INIQUITATEM

E para que se torne evidente para voacutes vamos apresentar-vos a prova de que aquilo

que dizemos por tecirc-lo aprendido de Cristo e dos profetas que os precederam eacute a uacutenica

verdade e a mais antiga do que todos os escritores que existiram Natildeo pedimos que se

aceite a nossa doutrina por coincidir com eles mas porque dizemos a verdade275

A partir deste item apresentamos uma anaacutelise de meios e de casos os quais

entendemos serem absolutamente necessaacuterios para uma resposta realmente qualificada visando

uma conclusatildeo satisfatoacuteria desta pesquisa Neste processo que inicialmente abarcou de maneira

histoacuterica a estruturaccedilatildeo e funcionalidade de um ambiente confessional acabou por se

caracterizar cada vez mais atraveacutes de um distinto cenaacuterio sociorreligioso em seu tempo Nessa

verificaccedilatildeo de costumes do comportamento humano na esfera religiosa percebemos com certa

facilidade o profundo impacto ndash especialmente no acircmbito da eacuteticamoral ndash que o cristianismo

proporcionou ao apresentar-se ldquocomo a revoluccedilatildeo mais radical que a humanidade jaacute tinha

274 JUSTINO I Apologia XXVII 5

275 JUSTINO I Apologia XXIII 1 grifo nosso

66

realizadordquo276 Desta forma organizamos uma detalhada abordagem dessa conjuntura de caraacuteter

social na esfera religiosa a qual vamos descrever a seguir procurando direcionar de maneira

objetiva nossos apontamentos para dentro da soluccedilatildeo de nosso problema jaacute anteriormente

especificado e deste modo comeccedilarmos a indicar uma resposta plausiacutevel para o conceito do

que seria a Verdade redigida e sustentada por Justino

Importante para nossa sequecircncia de trabalho eacute procurarmos estabilizar desde cedo a

compreensatildeo de que esta elaboraccedilatildeo de caraacuteter eacutetico-moral natildeo visa ser pormenorizada tatildeo

pouco exaustiva pois acreditamos que isto nem mesmo seria possiacutevel diante da abrangecircncia a

qual o termo Verdade poderia alcanccedilar em um exame epistemoloacutegico mais aprofundado

Particularmente tratando-se de nosso caso em especial um agravante ainda se coloca isso

devido nossa palavra-chave nem mesmo ser aplicada como um simples substantivo por parte

do autor pois recebe por parte de Justino uma abrangecircncia axiomaacutetica muito singular somente

compreendida em seu contexto mais amplo (realidade sociorreligiosa)

Entretanto partimos da necessidade de nos orientarmos por meio de definiccedilotildees

provenientes das afirmaccedilotildees do proacuteprio Justino Diante da realidade sociorreligiosa ndash tambeacutem

pode-se classificaacute-la como cultural dependendo dos criteacuterios propostos ndash que cercava e

envolvia o Apologista (no periacuteodo de redaccedilatildeo da I Apologia) estava necessariamente instituiacuteda

uma forma de cerceamento agraves suas convicccedilotildees religiosas Sem restriccedilotildees podemos nos utilizar

de uma espeacutecie de pleonasmo ao dizermos que Justino ndash ldquose justificardquo ndash constantemente por

meio de um paralelo dialeacutetico que de maneira exata acaba por condicionar-se como loacutegico

pois o Apologista busca apresentar uma ldquoperfeita lealdade dos seus processosrdquo277 racionais em

toda a sua narrativa As contribuiccedilotildees oriundas da predominante linha filosoacutefica a qual Justino

aderiu em sua jornada na busca pela Verdade manifestam-se de forma niacutetida em sua construccedilatildeo

apofacircntica Esse meacutetodo se clarifica na abordagem de Chauiacute

A dialeacutetica platocircnica eacute um procedimento intelectual e linguiacutestico que parte de alguma

coisa que deve ser separada ou dividida em dois ou duas partes contraacuterias ou opostas

de modo que se conheccedila sua contradiccedilatildeo e se possa determinar qual dos contraacuterios eacute

verdadeiro e qual eacute falso278

276 MONDONI Histoacuteria da Igreja na Antiguidade 2001 p 44

277 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 56

278 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 181

67

Deste modo Justino explanou suas conclusotildees de maneira categoacuterica por meio da

aplicaccedilatildeo de um meacutetodo que visava eliminar contradiccedilotildees essenciais daquilo que estava sendo

examinado279 Aparentemente o Apologista acreditava que algo de caraacuteter indivisiacutevel no

sentido de ser inquestionaacutevel poderia ser alcanccedilado mediante suas confrontaccedilotildees mesmo que

Justino afirmasse ser imprescindiacutevel ter que haver feacute em Jesus Cristo para tais fins elemento

(feacute) que era reconhecidamente ausente em seus opositores algo que no final parece desiquilibrar

a loacutegica da teoria de Justino Neste espaccedilo ainda nos eacute necessaacuterio dizer que nosso autor se

baseava fortemente em indicaccedilotildees de cunho comparativo e histoacuterico (a niacutevel de suas convicccedilotildees

religiosas) para defender suas comparaccedilotildees280 Neste item jaacute detectamos fortemente o ser

ldquofiloacutesofordquo em Justino realidade que abordaremos mais detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo

Essa base filosoacutefica que acabamos de citar iraacute orientar o ministeacuterio de Justino no

decorrer de sua construccedilatildeo teoloacutegica e quanto a essa filosofia devemos sem constrangimento

atrelaacute-la agravequilo que acabou por se tornar o estilo literaacuterio preponderante em seus trabalhos

Estes se caracterizaram pela presenccedila de um forte teor (dispositivo) apologeacutetico possibilitando-

nos a partir da anaacutelise historiograacutefica281 afirmar que uma vez que os filoacutesofos (do periacuteodo de

Justino) receberam a feacute em Cristo estes podem defender a Verdade pois passam a possuir a

ldquoconsciecircncia da razatildeo filosoacutefica que nela estaacute contidardquo282

Desta forma seguindo uma postura assumidamente analiacutetica Justino passa a arquitetar

seu plano argumentativo utilizando-se de uma clara confrontaccedilatildeo de fatos em vista de alcanccedilar

o resultado desejado Mesmo sem ser um empirista ndash sistema filosoacutefico totalmente distante

cronologicamente de Justino ndash eacute impossiacutevel natildeo se detectar um apego por parte do Apologista

para com um meacutetodo de exame que venha a conferir com afinco a experiecircncia do uso dos

sentidos humanos como o meio para agrave origem e geraccedilatildeo do conhecimento Com isso mais um

detalhe pertinente segundo a nossa compreensatildeo vem a surgir nesta anaacutelise pois conseguimos

detectar com certa facilidade que Justino vincula os fatos registrados de sua feacute na rotina humana

presente efetivamente em seu contexto o que vem a somar para a caracterizaccedilatildeo de uma postura

que na praacutetica eacute empirista283

279 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

280 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

281 Ver SIMONETTI In Apologeacutetica Literatura Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 185-186

282 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

283 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

68

231 Um Princiacutepio Teologal

Seguindo o que acabamos de apontar apresentaremos uma posiccedilatildeo de ordem factiacutevel

da parte de Justino passando a citar elementos que em nosso entendimento estabelecem as

provas desenvolvidas pelo Apologista em seu relato de defesa dos cristatildeos Retrataremos dois

contextos em que Justino apresenta sua iniciativa de modo contundente na busca de seus

objetivos O primeiro cenaacuterio se desenvolve apoacutes o autor terminar uma ilustre analogia entre

ldquodoutrinas estoicas e cristatildesrdquo284

A primeira prova eacute que quando dizemos tais coisas aos gregos somos os uacutenicos a

serem odiados pelo nome de Cristo e nos tiram a vida sem termos cometido crime

algum como se focircssemos pecadores E tendes alguns aqui e outros ali que cultuam

aacutervores rios ratos gatos crocodilos e uma multidatildeo de animais irracionais O

interessante eacute que nem todos cultuam os mesmos mas uns satildeo honrados num lugar

outros em outro de modo que todos satildeo iacutempios entre si por natildeo ter a mesma religiatildeo

Esta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que

voacutes e natildeo oferecemos libaccedilotildees e gorduras aos mortos natildeo colocamos coroas nos

sepulcros nem celebramos sacrifiacutecios sobre eles No entanto sabeis perfeitamente

que os mesmos animais por alguns satildeo considerados deuses por outros feras e por

outras viacutetimas para sacrifiacutecios285

A partir desta descriccedilatildeo passamos definitivamente a exposiccedilatildeo dos fatos que satildeo

contrastantes entre a praacutetica da feacute cristatilde e a ordem dos acontecimentos estabelecida nas

ocorrecircncias do meio secular ao redor da Igreja de Cristo isto porque o centro da coletividade

cristatilde (Assembleia Santa) era o que melhor distinguia exteriormente essa separaccedilatildeo

existencial286 A ecircnfase de Justino aplicada agrave realidade sociorreligiosa de seu tempo nos impotildee

a necessidade de uma adaptaccedilatildeo por meio de um delineamento de ordem temaacutetica isso devido

agrave diversidade de assuntos aos quais poderiacuteamos enfocar nesse exame pois a ldquoformalidade da

religiatildeo (pagatilde) manifestava-se de maneira diversardquo287 nos variados ciacuterculos sociais do mundo

greco-romano

O texto de Justino que estaacute depositado em uma genuiacutena literatura de estilo apologeacutetico

acaba ateacute mesmo por ganhar ares enfaticamente polemistas mesmo que esta definiccedilatildeo literaacuteria

do meio Patriacutestico seraacute apenas regulada sobre um escritor apologista a partir da figura de

284 FRANGIOTTI In Introduccedilatildeo I Apologia 1995 p 8

285 JUSTINO I Apologia XXIV 1-3

286 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

287 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 20 grifo nosso

69

Tertuliano288 Isso porque a objetividade empregada por Justino natildeo visava unicamente

solicitar toleracircncia em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde mas tambeacutem evidenciar de forma categoacuterica direta e

especiacutefica uma superioridade do culto cristatildeo sobre as religiotildees pagatildes289

Deste modo de forma essencial entendemos que para uma melhor compreensatildeo do

contexto sugerido se faz necessaacuterio fracionaacute-lo Poreacutem devido agraves vaacuterias possibilidades de

argumentaccedilatildeo que a porccedilatildeo apresentada nos oferece decidimos concentrar nosso exame em

trecircs toacutepicos orientativos atraveacutes dos quais acreditamos ser possiacutevel desenvolver o escopo que

desejamos estes se condicionam a falta de valores absolutos a praacutetica da idolatria (na

concepccedilatildeo cristatilde) e as variaccedilotildees dos atos cuacutelticos que envolviam tal praacutetica mesmo que ambos

os casos apontados venham a se mesclar no seguimento de nosso relato textual devido sua

estreita relaccedilatildeo ldquosimbioacuteticardquo Os trecircs pontos nos conduzem de forma natural a uma reflexatildeo

historiograacutefica em torno do periacuteodo dos Seacuteculos I e II dC visando deste modo uma maior

clarificaccedilatildeo dos fatos que procuramos distinguir

2311 Praacutetica da Feacute Contra o Politeiacutesmo Relativista

Iniciamos a nossa estruturaccedilatildeo apresentando um registro que descreve esse cenaacuterio

cuacuteltico pagatildeo o qual estaacute disponibilizado no texto da Escritura Sagrada Aproximadamente

100 anos antes290 desse registro de Justino o Apoacutestolo Paulo jaacute censurava enfaticamente a

mesma praacutetica religiosa que natildeo estranhamente estava vigorando na cultura social ateacute os dias

de Justino Quando o Apologista acusa seus oponentes de adorarem uma variedade

(pluralidade) de seres criados (ou a natureza) abre-se um paralelismo com o texto biacuteblico que

diz ldquoInculcando-se por saacutebios tornaram-se loucos e mudaram a gloacuteria do Deus incorruptiacutevel

em semelhanccedila da imagem de homem corruptiacutevel bem como de aves quadruacutepedes e repteisrdquo

(Romanos 122-23)

Justino argumenta sobre este cenaacuterio afirmando que o status de honra a estas diversas

ldquodivindadesrdquo passava por variaccedilotildees ndash ou ateacute mesmo vacilaccedilotildees ndash natildeo possuindo nenhum teor

de algo que poderiacuteamos afirmar como ldquoabsolutordquo Justino fortemente tambeacutem salienta que o

simples fator geograacutefico eacute capaz de destituir este aspecto de adoraccedilatildeo realidades

(contingenciais) que acabam por confrontar-se com o credo cristatildeo que jaacute possui seu conceito

bem estabilizado nos dias Justino Nisto nos auxilia o texto da Didaqueacute (possivelmente

288 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

289 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

290 GREATHOUSE In A Epiacutestola aos Romanos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006

70

redigido no final do Seacuteculo I291) o qual confessa que ldquoTu Senhor Todo-poderoso criaste todas

as coisas por causa do teu Nomerdquo292 solidificando desde muito cedo o princiacutepio que mais

tarde293 seria absolutamente consolidado no Credo Apostoacutelico que iraacute reproduzir conteuacutedo

idecircntico ao afirmar ldquoCreio em Deus Pai todo-poderoso Criador do ceacuteu e da terrardquo294

Deste modo a nova feacute em curso concebia desde seus primoacuterdios um uacutenico ser todo-

poderoso que natildeo pode nem mesmo estaacute sensiacutevel a sofrer as variantes temporais descritas por

Justino Aleacutem disso o Apologista nos apresenta uma variaccedilatildeo de grau que poderiacuteamos definir

como ldquocaoacuteticardquo para uma postura humana em sua relaccedilatildeo com estes ldquoobjetosrdquo de culto pois

cita como premissa que o mesmo ldquoobjetordquo tem determinada condiccedilatildeo de qualidade superior

para alguns mas torna-se trivial e comum para outros295 algo impossiacutevel de ser adaptado ao

elemento divino do culto cristatildeo

2312 Praacutetica da Feacute Contra a Idolatria

O outro ponto que desejamos destacar se aplica sobre a afirmaccedilatildeo de Justino ao dizer

ldquoEsta eacute a uacutenica coisa que podeis nos recriminar natildeo veneramos os mesmos deuses que voacutesrdquo296

A enfaacutetica argumentaccedilatildeo de Justino salienta a natildeo participaccedilatildeo dos cristatildeos nas atividades

religiosas dos ciacuterculos sociais aos quais pertenciam Estas atividades que eram implementadas

pelo mito popular297 e pelas classes poliacuteticas controladoras298 acabavam por definir-se como

os ritos religiosos ldquooficiaisrdquo ndash aceitos permitidos e em alguns casos tolerados pelas

autoridades ndash no Impeacuterio Romano299 O culto aos diversos deuses e ao imperador romano

caracterizam bem esta diversidade mitoloacutegica300 Assim passamos para um fato literaacuterio que

em nosso entendimento fomenta bem essa ideia estruturada na realidade humana que

desejamos retratar O escrito a seguir de autoria de Pliacutenio o Velho produzido possivelmente

291 STORNIOLO BALANCIN In Introduccedilatildeo DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as

comunidades de hoje 2010 p 3

292 DIDAQUEacute X 3

293 SCHAFF The creeds of Christendom with a history and critical notes 1966

294 CREDO APOSTOacuteLICO 1ordm artigo (da criaccedilatildeo)

295 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89-90

296 JUSTINO I Apologia XXIV 2

297 Ver KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983 p 91-97

298 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

299 ALTANER STUIBER Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da Igreja 1988

300 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993

71

em torno do ano 77 da era cristatilde301 nos expotildee por meio de um registro de tipo naturalista a

seguinte observaccedilatildeo quanto algumas praacuteticas ritualiacutesticas comuns ao cenaacuterio sociorreligioso de

entatildeo Pliacutenio assim escreve

Sacrificar animais sem oraccedilotildees natildeo funciona aparentemente nem produz a correta

relaccedilatildeo ritual com os deuses As foacutermulas variam uma para conseguir um bom

agouro uma segunda para evitar o mau agouro e uma terceira para cultuar as

divindades [] Ao usarmos as preces costumeiras nesse ritual admitimos a eficaacutecia

dessas foacutermulas comprovadas pela experiecircncia de 830 anos302

Cabe-nos dizer que Pliacutenio estava simplesmente retratando de maneira descritiva os

processos de ordem religiosa no meio social que estava inserido poreacutem o contexto claramente

nos sugere que Pliacutenio tambeacutem buscava salientar a ldquoimportacircncia do respeito agraves formalidades na

religiatildeo do Estadordquo303 Natildeo podemos esquecer que Pliacutenio como oficial e administrador romano

esteve inserido em diversas regiotildees do Impeacuterio304 o que nos possibilita afirmar que o registro

estaacute baseado em um amplo e avultado conteuacutedo experiencial e que portanto seu relato estaacute

condicionado a ser classificado como um ldquocaso geneacutericordquo de praacuteticas cuacutelticas das regiotildees

influenciadas pela cultura greco-romana

2313 Praacutetica da Feacute Contra o Ateiacutesmo

Uma praacutetica que era corrente nos tempos de Justino e jaacute antes dele era o de definir os

cristatildeos ldquocomo culpados do crime de ateiacutesmordquo305 A natildeo-aderecircncia dos cristatildeos a essas praacuteticas

religiosas pagatildes eram vistas e entendidas por alguns (elite social)306 como atos de

irracionalidade mas principalmente eram interpretadas pelos pagatildeos (de forma geral) como

301 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

302 PLIacuteNIO Histoacuteria Natural XXVIII 10-12 No original Sacrificar animales sin oraciones no funciona

aparentemente ni produce la correcta relacioacuten ritual con los dioses Las foacutermulas variacutean una para conseguir un

buen aguumlero una segunda para evitar el mal aguumlero y una tercera para cultuar a las divinidades [] Al usar las

oraciones acostumbradas en ese ritual admitimos la eficacia de esas foacutermulas comprobadas por la experiencia de

830 antildeos

303 FUNARI Roma vida puacuteblica e vida privada 1993 p 17 grifo nosso

304 BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga 2017

305 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004 p 100

306 IRVIN SUNQUIST Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I Do cristianismo primitivo a 1453

2004

72

accedilotildees que manifestavam uma evidente incredulidade307 ndash ou seja uma atitude de profundo

desrespeito ndash por parte dos cristatildeos agravequilo que era considerado como divino De ordem jaacute muito

habitual eram as acusaccedilotildees deste tipo junto agrave cultura greco-romana pois jaacute na antiguidade

algumas figuras de destaque como Soacutecrates foram alvos desse tipo de defraudaccedilatildeo

considerado de ordem moral para o periacuteodo

Voltemos ao caso de Soacutecrates pois este foi julgado aproximadamente 550 anos

antes308 de Justino escrever sua I Apologia vindo a receber por parte da parte de seus algozes

acusaccedilotildees de mesma ordem as quais os cristatildeos agora similarmente sofriam tal como Soacutecrates

que ldquodescobriu o embuste dos democircnios e os convidou (demais seres humanos) a procurar o

verdadeiro Deus por isso ele teve de morrer como maacutertirrdquo309 Justino cita-nos o fato dizendo

Quando Soacutecrates com raciociacutenio verdadeiro e investigando as coisas tentou

esclarecer tudo isso e afastar os homens dos democircnios estes conseguiram por meio

de homens que se comprazem na maldade que ele tambeacutem fosse executado como

ateu e iacutempio alegando que ele estava introduzindo novos democircnios Tentam fazer o

mesmo contra noacutes310

Entendemos que ainda se faz importante somar a estrutura dessa pesquisa o relato

redigido por Platatildeo referente ao processo de defesa e julgamento de seu mestre Nesse registro

apologeacutetico encontramos o diaacutelogo entre Soacutecrates e Ecircutrifron311 que comprova o fato juriacutedico

ocorrido na Greacutecia Antiga do qual citamos atraveacutes de Justino

Ecircutrifron ndash O que eu gostaria Soacutecrates mas receio que aconteccedila o contraacuterio Pois me

parece que ele simplesmente comeccedila por prejudicar a cidade pela lareira312 ao

tencionar fazer mal a vocecirc Mas me diga ele diz que vocecirc corrompe os jovens fazendo

o quecirc

307 Ver GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 84-86

308 Ver MALTA In Introduccedilatildeo Apologia de Soacutecrates 2008 p 11

309 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 85 grifo nosso

310 JUSTINO I Apologia V 3 grifo nosso

311 Natildeo temos outras informaccedilotildees sobre Ecircutifron ndash um adivinho prognosticador conforme subtiacutetulo da obra ndash

aleacutem das que encontramos em Platatildeo Mas seu nome tinha um significado claro para os gregos ldquoo de espiacuterito

direto ou ortodoxordquo Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates 2008 p 25

312 A lareira (ou Heacutestia) representava enquanto fogo sagrado da cidade e de cada casa o princiacutepio da estabilidade

Com essa fala Ecircutifron deixa clara sua admiraccedilatildeo por Soacutecrates Ver MALTA In Notas Apologia de Soacutecrates

2008 p 27

73

Soacutecrates ndash Coisas estranhas admiraacutevel homem para se ouvir assim Pois diz que sou

fazedor de deuses e que por isso mesmo ndash por fazer novos deuses e natildeo crer nos

antigos ndash me denunciou conforme diz313

Ainda referente ao assunto ndash cristatildeos definidos como ateus e iacutempios pelos pagatildeos ndash

vale-nos destacar o ponto de vista de um historiador Santos contribui muito em nosso exame

que visa apontar fatos contrastante por meio de fenocircmenos de intoleracircncia religiosa ocorridos

no passado Santos afirma que as acusaccedilotildees de ateiacutesmo por parte dos pagatildeos tiveram uma

importante contribuiccedilatildeo junto agrave construccedilatildeo de uma ldquoidentidaderdquo cristatilde durante o periacuteodo do

Seacuteculo II314 Tratando-se pontualmente do que acabamos de mencionar Santos novamente

contribui favoravelmente a nossa construccedilatildeo quando diz

Justino continua explicando que como acusaram Soacutecrates de ateiacutesmo assim satildeo

acusados os cristatildeos por natildeo adorarem os deuses de Roma Em seguida ele apresenta

uma pequena profissatildeo de feacute com o objetivo de esclarecer que os cristatildeos natildeo satildeo

ateus pois ldquocultuamos e adoramosrdquo o Deus verdadeiriacutessimo o seu Filho os seus

exeacutercitos de anjos e o Espiacuterito profeacutetico (JUSTINO I Apologia VI 1 2) Vaacuterios

exemplos desta estrutura do desenvolvimento podem ser observados no decorrer da I

Apologia315

A variaccedilatildeo entre o caso de Soacutecrates e a realidade de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos reforccedila

as atribuiccedilotildees de Justino quanto a postura que este buscava assumir e automaticamente

diferenciar Quando aponta de maneira clara para o estabelecimento de um distanciamento

ldquosegurordquo entre as partes que na concepccedilatildeo do Apologista apresentam uma clara distinccedilatildeo de

culto No entanto Justino natildeo deixa de assumir a significativa importacircncia que as ldquoestruturasrdquo

de feacute representam como objeto para a estabilidade humana no sentido de gerar nessa

coletividade uma espeacutecie de harmonia que pode ser definida com o um termo moderno como

ldquoseguranccedila socialrdquo mas claro isso somente se faz possiacutevel devido agrave Justino assumir ser um

crente ndash afastando assim todas as acusaccedilotildees de ateiacutesmo ndash mas natildeo um idoacutelatra exercendo deste

modo (novamente por meio de sua tradicional ferramenta apologeacutetica) um consideraacutevel

apontamento para as diferenccedilas entre estes dois (ou mais) estados de crenccedila e culto Walde

313 PLATAtildeO Ecircutrifon (Sobre a piedade) 2

314 Ver SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 Item

12 A apropriaccedilatildeo do estilo grego nos escritos e pregaccedilotildees p 31-38

315 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2010 p 108

grifo nosso

74

salienta bem esse enfoque comparativo que acabou por constituir uma espeacutecie de meacutetodo que

foi aplicado por Justino em sua verificaccedilatildeo entre as diferenccedilas que encontrou Desta forma

Walde resume seu entendimento

Parte do problema era uma maacute interpretaccedilatildeo da crenccedila cristatilde Por natildeo renderem culto

aos deuses gregos e romanos os cristatildeos eram chamados ateus Justino perguntou

como eles podiam ser ateus jaacute que eles rendiam culto ldquoao Deus verdadeirordquo Os

cristatildeos rendem culto ao Pai Filho e Espiacuterito Santo ele disse e ldquolhes datildeo homenagens

com razatildeo e verdaderdquo Justino tambeacutem apontou a inconsistecircncia dos governantes

romanos Alguns de seus proacuteprios filoacutesofos ensinaram que natildeo havia nenhum deus

mas eles natildeo os perseguiram soacute por terem o nome de filoacutesofos316

Aleacutem desses destaques de caraacuteter mais historiograacuteficos adquirimos atraveacutes do texto

biacuteblico o relato Apostoacutelico que certamente abarca os fatores que compotildeem a posiccedilatildeo de Justino

Este testemunho Sagrado retrata com esmero o que o autor de Atos dos Apoacutestolos buscava

comunicar ao seu status quo pois o discurso de Paulo em Atenas torna-se esclarecedor para o

fim de testificar o estado e o tipo da feacute que os cristatildeos confessavam Vemos nisso proposta uma

relocaccedilatildeo do ser humano em direccedilatildeo a nova concepccedilatildeo de se ser a geraccedilatildeo de Deus ndash atraveacutes

da nova criaccedilatildeo ndash pois os procedimentos dos cultos pagatildeos contrariavam os princiacutepios

fundamentais deste Deus absoluto uacutenico e consequentemente a isso verdadeiro na visatildeo de

Justino sendo absolutamente ldquotolice pensar que a divindade ndash lsquoo divinorsquo ou lsquodivinalrsquo ndash seria

semelhante agraves imagens de ouro ou de prata feitas pelos homensrdquo317 O Texto Sagrado

indiscutivelmente apresenta o caminho e o fundamento pelo qual Justino alcanccedilou e sustentava

suas convicccedilotildees

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe sendo ele Senhor do ceacuteu e da terra

natildeo habita em santuaacuterios feitos por matildeos humanas Nem eacute servido por matildeos humanas

como se de alguma coisa precisasse pois ele mesmo eacute quem a todos daacute vida

respiraccedilatildeo e tudo mais [] Sendo pois geraccedilatildeo de Deus natildeo devemos pensar que

a divindade eacute semelhante ao ouro agrave prata ou agrave pedra trabalhados pela arte e

imaginaccedilatildeo do homem (Atos dos Apoacutestolos 17242529)

Apoacutes discorrermos sobre o meacuterito da questatildeo dos disciacutepulos de Jesus Cristo serem ou

natildeo ateus e tambeacutem de abordarmos com uma finalidade dissertativa algumas caracteriacutesticas de

316 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 3 grifo nosso

317 EARLE In Livro dos Atos dos Apoacutestolos Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 343

75

ordem cultual do meio pagatildeo seguiremos explorando algumas citaccedilotildees de Justino que se

apresentam de forma diversificada em sua tentativa de enfatizar um latente antagonismo entre

os grupos religiosos de seu tempo

232 Um Princiacutepio Determinista

Os capiacutetulos XXV e XXVI da I Apologia nos apresentam inuacutemeras variaccedilotildees desses

haacutebitos religiosos todos sentenciados por nosso autor como nefastos porque Justino sempre

buscava afirmar como ponto inicial de sua argumentaccedilatildeo a premissa de que seu grupo (cristatildeos)

se diferencia dos demais por natildeo possuir as mesmas praacuteticas Essas praacuteticas pagatildes de culto no

entendimento de Justino fossem exercidas de maneira ordinaacuteria ou extraordinaacuteria por seus

seguidores no final incontestavelmente seriam condenadas pois se manifestariam como obras

demoniacuteacas Isso ocorria porque alguns ldquodemocircnios levaram certos homensrdquo318 a praticaacute-las

para prejuiacutezo dos cristatildeos sendo estes por fim injustamente acusados de praacuteticas danosas

Euseacutebio ao comentar sobre o ministeacuterio de Justino retrataraacute este contexto de forma

simposiasta

Isto eacute demonstrado por Justino que se distinguiu em nossa doutrina natildeo muito tempo

depois dos apoacutestolos e de quem exporemos oportunamente o que seja conveniente

Em sua primeira Apologia dirigida a Antonino em favor de nossa feacute escreve como

segue ldquoE depois da ascensatildeo do Senhor ao ceacuteu os democircnios levaram alguns homens

a dizer que eram deuses e estes natildeo somente natildeo foram perseguidos por voacutes mas ateacute

foram considerados dignos de honrasrdquo319

Nos capiacutetulos XXIV-XXVI Justino nos retrata de maneira sintetizada diversas

caracteriacutesticas da religiatildeo gentiacutelica de sua eacutepoca Ateacute aqui natildeo encontramos nada de novo ou

ateacute mesmo excepcional neste tipo de relato mas o que nos chama a atenccedilatildeo neste

enquadramento analiacutetico sobre o qual estamos ponderando eacute a proporccedilatildeo temaacutetica que o

assunto ganha referente agrave sua futura fundamentaccedilatildeo literaacuteria Cabe-nos aqui atestar que Justino

se utiliza de trecircs elementos indicativos naquilo que procura apresentar como casos evidentes da

perseguiccedilatildeo social para com aqueles que se denominavam cristatildeos Justino atraveacutes de uma

espeacutecie de ldquolista numeradardquo320 notoriamente sinaliza uma sequecircncia de fases as quais

318 JUSTINO I Apologia XXVI 1

319 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica II 13 2-3

320 Justino se utiliza dos termos gregos Πρωτον (Em primeiro lugar) no cap XXIV Δεύτερον (Em segundo lugar)

no cap XXV Τρίτον (Em terceiro lugar) no cap XXVI Sendo os vocaacutebulos empregados pelo autor na segunda

76

Frangiotti chama de ldquoProvasrdquo321 utilizadas pelo Apologista sendo que estes fatos em

perspectiva geral se apresentavam de maneira tenebrosa na visatildeo de Justino pois em sua

anaacutelise sustentavam-se sobre argumentos fraacutegeis duvidosos e absolutamente injustos

principalmente pelo fato dessas acusaccedilotildees possuiacuterem um caraacuteter preconceituoso fazendo

somente dos cristatildeos por princiacutepio legal as viacutetimas dessas regras estabelecidas

Neste breve conjunto propositivo encontramos um cenaacuterio real que passa a se

caracterizar por meio de uma descriccedilatildeo de fatos pujantes que ascendem ao nosso olhar atraveacutes

de uma linguagem conceitual Justino amparado por analogias literais passa mediante sua

construccedilatildeo da defesa da moral cristatilde322 a utilizar-se de accedilotildees dialeacuteticas as quais levam as

praacuteticas dos cultos pagatildeos a serem apontadas por Justino (especialmente no capiacutetulo XXV) e

tambeacutem examinadas de uma maneira imperativa mesmo que visando uma definiccedilatildeo satisfatoacuteria

para o entendimento de seus leitores Essa praacutetica literaacuteria eacute algo normalmente detectado junto

ao trabalho de um pensador com caracteriacutesticas platocircnicas pois estes ldquodisciacutepulosrdquo de Platatildeo

atraveacutes de uma confrontaccedilatildeo de imagens contraditoacuterias visavam chegar a ideias idecircnticas e

assim uniformizar o pensamento humano323

Entretanto esta conformidade natildeo era possiacutevel na anaacutelise de Justino pois os fatos

(praacuteticas pagatildes) natildeo possuiacuteam a ldquoidentidaderdquo necessaacuteria para o Apologista muito pelo

contraacuterio eram absolutamente antagocircnicos e inquestionavelmente se definiam como espuacuterios

aos olhos dos cristatildeos quando ponderados diante da doutrina cristatilde estabelecida pela

transmissatildeo e edificaccedilatildeo Apostoacutelica Deste modo a separaccedilatildeo essencial proposta pelo

Apologista torna-se ainda mais clara se confrontada com o comentaacuterio de Euseacutebio ao capiacutetulo

XXVI da I Apologia O Historiador constroacutei uma consideraacutevel argumentaccedilatildeo sobre uma figura

humana denominado Menandro o qual sendo participante de atos miacutesticos recebeu de Euseacutebio

o cognome de ldquoMagordquo

Tambeacutem Justino ao mencionar Simatildeo pela mesma razatildeo acrescenta uma relaccedilatildeo

sobre este outro dizendo ldquoSabemos tambeacutem que um certo Menandro tambeacutem

samaritano oriundo da aldeia chamada Caparatea depois de ser disciacutepulo de Simatildeo e

estando tambeacutem possuiacutedo por democircnios apareceu em Antioquia e com sua arte

maacutegica seduziu a muitos E convenceu seus seguidores de que natildeo morreriam Hoje

declinaccedilatildeo do acusativo permitem em sua traduccedilatildeo o emprego tanto da preposiccedilatildeo ldquoemrdquo quanto do substantivo

ldquolugarrdquo condicionando desta forma uma indicaccedilatildeo de relaccedilatildeo e loacutegica em sua estrutura organizacional Ver

PAUTIGNY In Notes Apologies XXVI 1 XXV 1 XXVI 1

321 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 21

322 JUSTINO I Apologia XXV 1-3

323 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

77

restam alguns de sua seita que continuam a professaacute-lordquo Era sem duacutevida obra da

influecircncia diaboacutelica lanccedilar matildeo de tais feiticeiros revestidos do nome de cristatildeos para

esforccedilar-se em caluniar o grande misteacuterio de piedade acusando de magia e destruir

por meio deles os dogmas da Igreja sobre a imortalidade da alma e a ressurreiccedilatildeo dos

mortos Mas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedila324

Neste comentaacuterio histoacuterico notamos com clareza a relaccedilatildeo de contribuiccedilatildeo que

Euseacutebio visa estender ao confronto apologeacutetico pelo qual Justino havia passado Desta maneira

acaba por nos manifestar seu condicionamento a um fato que em sua concepccedilatildeo parece-nos

claramente a expressatildeo de um princiacutepio pelo qual faz emergir um compromisso ndash algo que nos

soa como uma necessidade moral ndash que possui um caraacuteter imperioso Euseacutebio nos relata sem

restriccedilotildees que as accedilotildees maleacutevolas praticadas pelo meio sociorreligioso pagatildeo do periacuteodo de

Justino tinham claramente o objetivo de ldquocaluniar o grande misteacuterio de piedade [] e destruir

por meio deles os dogmas da Igrejardquo325 constituindo deste modo a noccedilatildeo histoacuterica de que os

valores da feacute cristatilde eram a expressatildeo perfeita da Verdade tanto para Justino quanto para a Igreja

(representada historicamente no relato de Euseacutebio) Tratando-se quanto agrave Igreja nesta questatildeo

pontualmente Justino entendia que em seu curso natural a Igreja vivenciava naturalmente essa

relaccedilatildeo dialeacutetica fazendo com que as difamaccedilotildees consequentes da falsa religiatildeo manifestassem

que a Igreja era (e estava) Santa mesmo que sob o ataque e a tentativa de manipulaccedilatildeo dos

seres demoniacuteacos326

Sem entrarmos diretamente no meacuterito teoloacutegico destas afirmaccedilotildees mas buscando nos

direcionarmos para aquilo que nos cabe como exame pretendido neste trabalho ressaltamos

que o comportamento daqueles que buscavam defender a feacute cristatilde nos parece visar de forma

clara o estabelecimento de um padratildeo entre causa e efeito em suas anaacutelises O efeito do

procedimento daqueles que assumiram esta postura hereacutetica em relaccedilatildeo agrave feacute cristatilde eacute assim

definido por Euseacutebio ldquoMas aqueles que os reconhecem como salvadores chegaram abaixo da

verdadeira esperanccedilardquo327 Aqui encontramos um destaque consideraacutevel para esta pesquisa pois

podemos sustentar que Euseacutebio baseia sua argumentaccedilatildeo de maneira evidente na

intelectualidade de Justino Logo devemos novamente afirmar de maneira expressiva que tanto

para Justino quanto para Euseacutebio havia uma definiccedilatildeo consistente do que seria a Verdade como

324 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 3-4

325 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4

326 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

327 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica III 26 4 grifo nosso

78

tambeacutem onde ela necessariamente estava eou se encontrava Aqui tambeacutem se caracterizava

um processo de objeccedilatildeo a Verdade sendo os registros historiograacutefico um peso consideraacutevel na

comprovaccedilatildeo deste caso

233 Um Princiacutepio de Pureza

Seguindo no tratado de Justino jaacute nos dirigindo ao segundo cenaacuterio de nossa anaacutelise

para este item apresentamos mais um relato de alccedilada histoacuterica que eacute proposto por nosso autor

Como nos temas anteriores este tambeacutem envolve primordialmente questotildees de foro social

poreacutem agora apontando precisamente para outras realidades do ambiente sociorreligioso que

envolvia a realidade de Justino Sendo assim a partir deste ponto iremos considerar o capiacutetulo

XXVII da I Apologia onde encontramos uma postura determinante por parte do Apologista

quanto a questotildees de ordem para com agrave conduta sexual humana Neste caso especiacutefico podemos

ateacute mesmo falar de um padratildeo de comportamento a ser adotado em detrimento de outro328

Tambeacutem devemos afirmar sem constrangimento que para Justino fazer figurar esta

exposiccedilatildeo era algo vaacutelido e ateacute mesmo fundamental para suas intenccedilotildees apologeacuteticas pois tudo

nos indica que ele natildeo apenas queria sinalizar uma conduta mas tambeacutem solidificaacute-la por meio

de um ordenamento ldquoA pureza da vida cristatilderdquo329 Entendemos que para uma melhor

compreensatildeo dessa questatildeo em especiacutefico se faz necessaacuterio uma leitura completa do registro

apologeacutetico de Justino quanto ao assunto Deste modo segue na integra o capiacutetulo XXVII da I

Apologia

Noacutes por outro lado a fim de natildeo cometer pecado ou impiedade professamos a

doutrina de que expor os receacutem-nascidos eacute obra de perversos Primeiro porque vemos

que quase todos vatildeo acabar na dissoluccedilatildeo natildeo soacute as meninas mas tambeacutem os

meninos Do mesmo modo como se conta que os antigos mantinham rebanhos de bois

cabras ovelhas ou cavalos de pasto assim se reuacutenem agora rebanhos de crianccedilas com

a uacutenica finalidade de usar torpemente delas e toda uma multidatildeo tanto de mulheres

como de androacuteginos e pervertidos estaacute preparada em cada proviacutencia para semelhante

abominaccedilatildeo Para isso recolheis taxas contribuiccedilotildees e tributos ao passo que o vosso

dever seria o de arrancaacute-las pela raiz do vosso impeacuterio Quando se abusa de tais seres

aleacutem de tratar de uma uniatildeo proacutepria de pessoas sem Deus iacutempia e torpe natildeo faltaraacute

quem se una conforme a circunstacircncia com um filho um parente ou um irmatildeo Haacute

tambeacutem aqueles que prostituem seus proacuteprios filhos e mulheres outros mutilam-se

publicamente para a torpeza e referem esses misteacuterios agrave matildee dos deuses Finalmente

em todos aqueles que considerais como deuses a serpente se pinta como siacutembolo e

grande misteacuterio E aquilo mesmo que voacutes praticais e honrais publicamente voacutes o

atribuiacutes a noacutes como se tiveacutessemos decaiacutedo e a luz divina natildeo nos assistisse Todavia

328 MEEKS As Origens da Moralidade Cristatilde 1997

329 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

79

como estamos livres por natildeo praticar nada disso vossas caluacutenias natildeo nos causam

nenhum dano ao contraacuterio danificam aqueles que cometem essas torpezas e ainda

levantam falso testemunho contra noacutes330

O conteuacutedo exposto no capiacutetulo XXVII nos retrata uma condiccedilatildeo muito conflituosa

para os cristatildeos Graccedilas agrave sua praxis fidei eles chegaram a ser considerados ldquoinimigos do estado

e ateusrdquo331 A Igreja em sua fase primitiva teve em seu ldquoexerciacutecio de feacuterdquo a acusaccedilatildeo de se

envolver amplamente com a imoralidade de seu meio cultural332 No entanto a situaccedilatildeo que

Justino enfrentava em seus dias natildeo era mais proveniente de uma solene admoestaccedilatildeo

Apostoacutelica Pelo contraacuterio agora os cristatildeos passaram a ser vitimados por efeitos de um estado

opressor No passado estes pecados haviam afligido a Igreja de Cristo a ponto de suas praacuteticas

lituacutergicas serem ldquoconfundidasrdquo com as muitas facetas do rito religioso natildeo-cristatildeo vigente em

sua eacutepoca algo que Justino se interpocircs de forma vertiginosa Sem termos a intenccedilatildeo de produzir

necessariamente um apanhado histoacuterico-cultural (entenda-se de se comentar detalhadamente o

capiacutetulo citado) procuraremos a partir deste ponto estabelecer agrave saliecircncia que entendemos

haver entre as praacuteticas descritas no capiacutetulo XXVII pois a descriccedilatildeo elementar de Justino nos

leva a uma singular oposiccedilatildeo de valores e preceitos considerados por ele como fundamentais

A cultura greco-romana alicerccedilada e solidificada nas entranhas do Impeacuterio nos

demonstra uma coletividade de fatos os quais eram considerados inoacutespitos ao ldquoideaacuteriordquo cristatildeo

que se encontrava estruturado no rigor das comunidades do Seacuteculo II333 Obviamente alguns

desvios de conduta por parte dos fieacuteis ocorriam em meio agraves ldquoassembleiasrdquo cristatildes ateacute mesmo

com certa normalidade especialmente nos grandes centros urbanos334 Entretanto a proteccedilatildeo

da disciplina eclesiaacutestica ndash principalmente mediante a accedilatildeo Episcopal e dos rigores penitenciais

ndash conseguia estabelecer um ldquocontrolerdquo por meio da manutenccedilatildeo da autecircntica doutrina de

Cristo335

Neste cenaacuterio as diversas praacuteticas religiosas pagatildes atreladas ao sistema social de entatildeo

ndash as quais envolviam de maneira ampla e robusta a vida cotidiana dos suacuteditos de Roma em

330 JUSTINO I Apologia XXVII 1-5

331 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

332 Ver 1 Coriacutentios 5

333 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

334 KEE As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica 1983

335 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

80

suas mais variadas atuaccedilotildees familiar civil militar etc336 ndash apontavam de forma depreciativa

para o puacuteblico cristatildeo O cristianismo nesse momento cada vez mais inserido na realidade

social do Impeacuterio trazia o ldquofermento de um ideal superiorrdquo337 elaborado tanto no niacutevel

intelectual de seus praticantes quanto tambeacutem no de seus defraudadores Isso fazia com que a

feacute cristatilde acabasse por se distinguir de forma evidente dos diversos haacutebitos e costumes

considerados ordinaacuterios do sistema religioso natildeo-cristatildeo que estava sendo analisado e

apologeticamente combatido por Justino

Os cristatildeos eram acusados falsamente de cometerem torpezas sexuais em seus

encontros cultuais sendo que os cristatildeos nem de perto praticavam fornicaccedilatildeo adulteacuterio

mutilaccedilatildeo entre outros atos repugnantes338 que eram comuns na ldquoliturgiardquo cuacuteltica pagatilde Neste

cenaacuterio para Justino a pior consequecircncia ainda era a de que o Impeacuterio tolerava tais atos sem

nenhuma forma ativa de puniccedilatildeo a estes pois caso um respectivo modo de culto viesse a trazer

benefiacutecios poliacuteticos ao Impeacuterio o mesmo era tolerado sem se levar em conta sua origem ou

meacutetodos de celebraccedilatildeo por mais esdruacutexulos que fossem 339

Seguindo ainda nesta temaacutetica a I Apologia nos permite afirmar que a celeuma de

origem pagatilde que procurava acusar os cristatildeos de realizarem orgias canibalismo pedofilia e

diversos outros atos de torpeza em suas celebraccedilotildees natildeo passava de um plano difamatoacuterio que

infelizmente conseguiu se estabelecer em meio a uma realidade sociorreligiosa com

caracteriacutesticas muito preconceituosas pois mesmo sendo sincretista em sua essecircncia340 tal

sociedade natildeo soube ou natildeo quis reconhecer esse tipo de crenccedila religiosa341 Poreacutem cabe-nos

336 CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras 1990

337 LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V II Dalla fine

dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) 1972 p 619 No original fermento drsquoun ideale superiore

338 Ver DANIEacuteLOU Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio

Magno Petroacutepolis Vozes 1966 p 105-109

339 Algumas formas rituais de culto eram tatildeo bizarras que solapam mais do que qualquer outra coisa o estereoacutetipo

moderno dos romanos como convencionais e serenos Exemplo disso na festa da Lupercaacutelia em fevereiro homens

jovens corriam nus pela cidade accediloitando qualquer mulher que encontrassem pela frente (trata-se da mesma festa

recriada na cena de abertura da peccedila Juacutelio Ceacutesar de Shakespeare) Ver BEARD SPQR uma histoacuteria da Roma

Antiga 2017 p 104

340 AYMARD AUBOYER Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da Unidade Romana (Fim) A Aacutesia

Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II 1994 p 64-65 CORNELL Tim MATTHEWS John

Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio 2008 p 97

341 Neste aspecto em particular o meio teoloacutegico diverge de posiccedilatildeo possivelmente devido a inclinaccedilatildeo do

pesquisador em ponderar aspectos filosoacuteficos eou ideoloacutegicos tanto do passado quanto do presente para a eacutepoca

(Seacuteculo II) em anaacutelise Por exemplo Meeks entende que as caracteriacutesticas da moralidade estabelecida entre os

cristatildeos jaacute possuiacuteam forte ascendecircncia em meio a setores da sociedade Romana em contraposiccedilatildeo Daniel-Rops

atesta que a moralidade de origem cristatilde constituiacuteda atraveacutes dos Seacuteculos I ao IV natildeo encontra antecedentes agrave altura

que possam ser considerados como paralelos realmente orientativos haacute esta Ver MEEKS As Origens da

Moralidade Cristatilde 1997 p 9-24 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 240-242

81

ressaltar que Justino em seus tratados apologeacuteticos procurou incansavelmente defender seu

grupo como ldquoseres transformadosrdquo que abandonaram as praacuteticas repugnantes e agora satildeo

portadores (possuidores) de uma alta qualificaccedilatildeo moral Quanto a esse aspecto Walde afirma

Justino tambeacutem deu ecircnfase agrave casta conduta dos cristatildeos em resposta a acusaccedilotildees de

conduta imoral durante o culto Para mostrar como isso natildeo era verdade ele contou a

histoacuteria de um homem que foi perguntado por um cirurgiatildeo que o queria fazecirc-lo de

eunuco para provar que os cristatildeos natildeo praticam promiscuidade O pedido foi negado

porque o homem escolheu ficar solteiro e seguir seus companheiros cristatildeos342

Apoacutes utilizarmos desse exemplo de teor absolutamente imperativo ndash por sua estrutura

excecircntrica ateacute mesmo junto a um nicho de caraacuteter sociorreligioso considerado peculiar em

suas caracteriacutesticas Entendemos que ainda se faz necessaacuterio apresentar junto a essa discussatildeo

uma abordagem que compreenda a realidade que procuramos descrever Encontramos esse

complemento junto ao trabalho de Walde Este por meio de uma entrada que nos indica agrave leitura

de alguns fatos apresenta-nos uma das teacutecnicas utilizadas por Justino em sua construccedilatildeo

literaacuteria Walde reconhece que o Apologista ao mencionar a situaccedilatildeo religiosa de seu cotidiano

aborda de forma contundente o desgaste entre os praticantes da nova feacute (cristatildeos) e os

adoradores do ldquopanteatildeordquo (natildeo-cristatildeos) Os exemplos descritos por Walde satildeo similares aos

usados por Justino e esta similaridade nos leva novamente a concentrarmos nosso foco agrave uma

accedilatildeo comparativa de estados opostos entre si ou seja dialeacuteticos Sendo assim torna-se notoacuterio

desde o iniacutecio do trabalho de Walde a aplicaccedilatildeo de uma metodologia comparativa e a

diferenciaccedilatildeo de casos tornando-se uma espeacutecie de ldquoconclusatildeordquo definitiva para esse processo

Uma das taacuteticas apologeacuteticas de Justino era contrastar o que os cristatildeos eram

falsamente acusados e castigados com que os romanos faziam com impunidade Por

exemplo os cristatildeos eram acusados de matar crianccedilas em seus cultos e comecirc-las

depois Justino lembrava que os adoradores de Saturno se entregavam a matar e beber

sangue e outros pagatildeos que jogavam sangue de homens e animais em seus iacutedolos Os

cristatildeos eram acusados de imoralidade sexual mas eram seus criacuteticos Justino dizia

quem imitavam ldquoJuacutepiter e os outros deuses na sodomia e relaccedilotildees pecadoras com

mulheres343

342 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

343 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

82

Ao analisarmos o texto de Walde percebemos que este utiliza-se do verbo ldquocontrastarrdquo

em sentido intransitivo para salientar com bastante preponderacircncia uma forma calculada de

oposiccedilatildeo e apresentar uma literal contrariedade de estados em essecircncia Logo conseguimos

notar a diferenccedila entre estes Eacute impressionante aos nossos olhos a relaccedilatildeo que Walde estabelece

em seu trabalho sobre o termo Verdade (mesmo que indiretamente) sendo este vocaacutebulo

utilizado como habilitador de uma caracteriacutestica de cunho existencial que passa a ser

manifestada pelos cristatildeos Novamente citamos este teoacutelogo em nossa busca de clarificar ainda

mais essa base indicativa que para noacutes eacute entendida como uma evidecircncia concreta nesta

construccedilatildeo conceitual Walde diz ldquoEm primeiro lugar disse Justino os cristatildeos demonstravam

sua honestidade por natildeo mentir quando em julgamento Por serem pessoas da verdade eles

confessariam sua feacute ateacute a morte Eles amavam a verdade mais que a vidardquo344

Portanto Walde tem razatildeo em afirmar que a atitude ldquode viver segundo a verdade era

um exemplo de mudanccedila provocado nas vidas das pessoas seguindo sua conversatildeordquo345 Desta

forma compreendemos por meio de uma avaliaccedilatildeo baseada em medidas factiacuteveis que haacute

possibilidade de se ser cristatildeo na concepccedilatildeo de Justino ndash como tambeacutem na de Tertuliano

Euseacutebio Walde e outros ndash passava por um proceder de vida que designava com eloquecircncia

atributos de diferenciaccedilatildeo no contexto social ativo da cultura a qual esta pessoa estava inserida

Esta separaccedilatildeo de maneira simples e evidente se condicionava no testemunho de vida dos fieacuteis

na esfera puacuteblica Cabe-nos ainda neste contexto colocarmos a frase de Falls citada por Walde

este diz ldquoesta mudanccedila chegou a ser conhecida como lsquoa triunfal canccedilatildeo dos apologistasrsquordquo346

Encerramos aqui nosso desenvolvimento deste ponto distintivo referente agravequilo que

poderiacuteamos denominar de ldquodialeacutetica de Justinordquo Para isso utilizamos de um texto da I

Apologia no qual Justino enfatiza esta mudanccedila essencial entre as vidas humanas que

caracterizamos como cristatildeos e natildeo-cristatildeos Em seguida classificamos agrave realidade cristatilde

como algo superior atraveacutes do meacutetodo de comparaccedilatildeo que tanto utilizamos nesta seccedilatildeo

confrontando os opostos em uma relaccedilatildeo que atesta suas diferenccedilas as quais satildeo consideradas

por Justino como irreconciliaacuteveis

Antes noacutes nos compraziacuteamos na dissoluccedilatildeo agora abraccedilamos apenas a temperanccedila

antes nos entregaacutevamos agraves artes maacutegicas agora nos consagramos ao Deus bom e

ingecircnito antes amaacutevamos acima de tudo o dinheiro e as rendas de nossos bens

344 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

345 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4 grifo nosso

346 FALLS The Fathers of the Church 1948 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 4

83

agora colocamos em comum o que possuiacutemos e disso damos uma parte para todo

aquele que estaacute necessitado antes noacutes nos odiaacutevamos e nos mataacutevamos mutuamente

e natildeo compartilhaacutevamos o lar com aqueles que natildeo pertenciam agrave nossa raccedila pela

diferenccedila de costumes agora depois da apariccedilatildeo de Cristo vivemos todos juntos

rezamos por nossos inimigos e tratamos de persuadir os que nos aborrecem

injustamente a fim de que vivendo conforme os belos conselhos de Cristo tenham

boas esperanccedilas de alcanccedilar conosco os mesmos bens que esperamos de Deus

soberano de todas as coisas347

O objetivo deste capiacutetulo foi apresentar de modo sinteacutetico o conceito acerca dos

cristatildeos no periacuteodo do Seacuteculo II dC Tambeacutem arguimos com clareza sobre a tentativa de

clarificarmos a situaccedilatildeo daqueles que natildeo eram pertencentes a este grupo os quais procuramos

mediante a aplicaccedilatildeo de uma distinccedilatildeo elementar defini-los com o termo de natildeo-cristatildeos

poreacutem acima de tudo buscamos apresentar por meio de sinais constitutivos e fatos

historiograacuteficos348 quais eram os predicativos que formulavam esta definiccedilatildeo ou melhor

dizendo quais eram os qualificadores que definiam aqueles que eram seguidores da Verdade

na concepccedilatildeo de Justino e outros349

No proacuteximo capiacutetulo buscaremos vislumbrar o filoacutesofo Justino Apresentaremos um

conciso relato de sua histoacuteria na filosofia procurando abordar de maneira satisfatoacuteria quais

foram suas principais influecircncias dentro desse segmento Trabalharemos de forma especial na

tentativa de apontar qual foi a sua definiccedilatildeo sobre o uso da razatildeo para os planos salviacuteficos de

Deus para a humanidade sendo este em nosso entendimento mais um dos fatores determinantes

para a complementaridade de nosso exame sobre a definiccedilatildeo da Verdade junto a I Apologia de

Justino o Maacutertir

347 JUSTINO I Apologia XIV 2-3

348 DANIEacuteLOU MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966

349 Danieacutelou e Marrou definem agrave Euseacutebio e Lactacircncio como apologistas de Constantino dando a entender que

uma poliacutetica de reeducaccedilatildeo na esfera sociorreligiosa do Impeacuterio Romano se desenvolveu mediante uma nova

abordagem dos fatos do passado no caso em especifico (I Apologia de Justino e seu cenaacuterio social) os imperadores

do passado deixaram de ser ldquoendeusadosrdquo passando a serem reconhecidos como tiranos e deacutespotas aos quais o

processo de perseguiccedilatildeo aos cristatildeos tornou-se em um de seus principais atos de ignomiacutenia Ver DANIEacuteLOU

MARROU Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo Gregoacuterio Magno 1966 p 106

84

3 A VERDADE REVELADA Agrave RAZAtildeO A FILOSOFIA E SEU CONTEXTO NA

PERSPECTIVA DE JUSTINO MAacuteRTIR

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra350

Partindo do capiacutetulo XXVIII da obra base de Justino para este trabalho eacute que

desenvolvemos o capiacutetulo III desta pesquisa no qual apresentamos um cenaacuterio diferenciado

sobre a figura humana de nosso autor O cristatildeo Justino o qual podemos registrar de forma

variaacutevel mediante seu ldquomeacutetierrdquo amplo estaacute classificado entre os Pais Apologistas elencado

como um seleto articulador da importante cidade de Roma catalogado como um dos mais

significativos maacutertires do Seacuteculo II mas tambeacutem estaacute sem nenhuma sombra para duacutevidas

definido nos compecircndios histoacutericos como um expressivo filoacutesofo do meio cristatildeo

Este aspecto pontual referente a intelectualidade de Justino por jaacute ter sido

consideravelmente explorado natildeo eacute mais uma novidade no meio acadecircmico351 no entanto esta

questatildeo ainda pode ser desenvolvida e ateacute mesmo arquitetada para fins que visam estabelecer

pontos de conexatildeo entre temas diversos os quais incluem o tema e agrave objetividade central

propostos para esta pesquisa

Podemos constatar por meio da anaacutelise do desenvolvimento da expressatildeo intelectual

de um filoacutesofo ou de uma escolalinha filosoacutefica uma ampla polissemia locucional e ateacute mesmo

perceber casos opostos quando ocorrem no estabelecimento de algumas propriedades termos

diferentes que evoluiacuteram para uma mesma fonologia construindo desta maneira tambeacutem casos

de homoniacutemia dentro da manifestaccedilatildeo filosoacutefica352 Deste modo torna-se possiacutevel ndash e ateacute

mesmo necessaacuterio ndash direcionar o caraacuteter conceitual contido em algumas expressotildees filosoacuteficas

quando estas satildeo analisadas visando estabelecer uma direccedilatildeo que busque esclarecer

determinado contexto ou cenaacuterio Assim por este meio podemos salientar que assaz entre noacutes

350 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4a grifo nosso

351 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 27-32

352 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

85

fortes indiacutecios que Justino desenvolveu uma postura robustamente teoloacutegica mediante ter

formado sua tese atraveacutes da ldquodiversidade filosoacuteficardquo da qual era apreciador353

No caso de nosso trabalho em especiacutefico notamos a necessidade da integraccedilatildeo de

indicadores que nos orientem agrave amplitude da filosofia de Justino em nossa busca da definiccedilatildeo

da que era agrave Verdade para este Apologista Esta amplitude natildeo visa se desviar de modelos

tradicionais nem propriamente somar a eles mas antes disso entendemos ser necessaacuterio

rejeitar a ideia de que trabalhamos com um conceito formado precariamente sem um

fundamento soacutelido o qual poderiacuteamos considerar como um mero estereoacutetipo sem originalidade

Ao contraacuterio este modelo encontrado em Justino natildeo se baseia em preconceitos mas sim num

corpo intelectual de ldquotalento respeitaacutevel ampla leitura e memoacuteria enormerdquo354 algo que eacute notoacuterio

na literatura de Justino e exposto ateacute entatildeo com uma consideraacutevel parcela de originalidade355

Neste exposto algumas interrogaccedilotildees nos surgem especialmente quando tentamos

descrever (definir) o filoacutesofo Justino e sua contribuiccedilatildeo Aqui esboccedilamos alguns destes

questionamentos Quem era Justino o filoacutesofo Quais foram as principais influecircncias que

Justino recebeu na filosofia Qual resultado se percebe na teologia do autor devido a esta

influecircncia Por fim existe um condicionante (entenda-se uma caracteriacutestica inata) no ser

humano que explique tal interesse de Justino em expressar seu conceito

31 INTRODUCcedilAtildeO AO CAPIacuteTULO XXVIII

O capiacutetulo XXVIII da I Apologia eacute de grande importacircncia para esta pesquisa

inaugurando por assim dizer um significativo espaccedilo de reflexatildeo na busca de alcanccedilarmos o

desfecho que almejamos Num breve conjunto de argumentos os quais se concentram sobre

um rigor metodologicamente dedutivo o capiacutetulo XXVIII nos eacute apresentado pelo Apologista

de modo perspiacutecuo onde a clareza de suas proposiccedilotildees salientam seus objetivos os quais

formulam-se mediante as propriedades de caraacuteter racionalista que ele apresenta Aqui notamos

uma aguccedilada aplicaccedilatildeo por parte do autor agravequilo que podemos chamar de uma postura

construtiva para com a estrutura inteligiacutevel do ser criado agrave imagem e semelhanccedila de Deus

353 WALDE 2000

354 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

355 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

86

Seguindo a argumentaccedilatildeo de Frangiotti podemos afirmar baseados nesse espaccedilo (cap XXVIII)

que Justino entendia que ldquoO homem eacute racional e livrerdquo356

Neste capiacutetulo (XXVIII) Justino desenvolve uma condensada e pragmaacutetica

abordagem envolvendo os quatro versiacuteculos que o compotildee Diante disso em momento algum

nossa argumentaccedilatildeo visa exaurir as diversas possibilidades contextuais ndash seja num campo

hermeneuticamente literal anaacutelogo ou metafoacuterico ndash do trabalho do Apologista mas apenas

organizaacute-lo de maneira ativa por meio de sua divisatildeo (versos) a um quadrante que possibilite

o interesse deste exame o qual se constroacutei na tentativa de aproximarmos as interpretaccedilotildees da

definiccedilatildeo de Verdade que detectamos em Justino de nosso interesse teoloacutegico

Neste item em especiacutefico (31) que visa uma abordagem introdutoacuteria desenvolvemos

em especial uma aproximaccedilatildeo entre os dois primeiros versiacuteculos do capiacutetulo onde priorizamos

apresentar sua estruturaccedilatildeo visando desta forma o aperfeiccediloamento destes pontos para

estabelecermos uma sentenccedila axiomaacutetica a qual eacute esboccedilada pelo autor no terceiro versiacuteculo do

relato Quanto ao primeiro versiacuteculo

Entre noacutes o priacutencipe dos maus democircnios se chama serpente satanaacutes diabo ou

caluniador como podeis ver caso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escrituras Ele e todo o seu exeacutercito juntamente com os homens que o seguem seraacute

enviado ao fogo para ser castigado pela eternidade sem fim coisa que foi de antematildeo

anunciada por Cristo357

A primeira impressatildeo para um leitor moderno dessa descriccedilatildeo eacute de surpresa ou ateacute

mesmo de espanto poreacutem o verso devidamente encaixado no relato que o antecede o explica

e ateacute mesmo o suaviza As palavras de Justino satildeo absolutamente biacuteblicas e estatildeo enquadradas

em um absoluto arcabouccedilo escrituriacutestico Honestamente devemos salientar que nada lhe falta

como meacutetodo para que possamos empregar o tiacutetulo de ldquoortodoxordquo em seu embasamento

teoloacutegico358 Pois seus termos empregados tais como o ldquopriacutenciperdquo359 a chamada ldquoserpenterdquo360

aleacutem das demais terminologias como ldquosatanaacutesrdquo361 ldquodiabordquo eou ldquocaluniadorrdquo362 apresentam-se

356 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 22

357 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

358 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948

359 Ver Joatildeo 1231 1430

360 Ver Gecircnesis 31 2 Coriacutentios 113 Apocalipse 129

361 Ver Mateus 410 Atos dos Apoacutestolos 2618

362 Ver Mateus 411 Atos dos Apoacutestolos 1310

87

neste cenaacuterio apologeacutetico como evidecircncias elementares extraiacutedas da Escritura Sagrada e

aplicadas em uma construccedilatildeo dialeacutetica sendo estas ainda vinculadas por Justino como uma

sentenccedila arbitral agravequeles que estatildeo sendo expostos e julgados pelo Apologista ndash caracteriacutestica

literaacuteria que notamos ser amplamente utilizada por Justino na afirmaccedilatildeo de suas convicccedilotildees363

Aqui fomenta-se uma configuraccedilatildeo de ordem proacutepria a qual apresenta Justino como

um filoacutesofo que pode ser definido como pertencente a um grupo que adota uma postura mais

claacutessica de linha platocircnica ndash algo que seraacute mais bem desenvolvido a seguir ndash onde atributos

que caracterizem causa e efeito que partindo de um suposto ldquomundo sensiacutevelrdquo364 passam a

somar caracteriacutesticas evidentes em sua construccedilatildeo textual sendo o teacutermino do capiacutetulo XXVII

uma expliacutecita manifestaccedilatildeo de fatos que atestam essa correlaccedilatildeo tatildeo dura mas tambeacutem

necessaacuteria no processo de evidenciaccedilatildeo proposto por Justino

Mas eacute preponderante para natildeo se dizer essencial que a loacutegica do Apologista se baseia

em artifiacutecios nucleares pois quem diz ldquocaso desejardes averiguar isso atraveacutes de nossas

Escriturasrdquo365 carrega consigo uma tonalidade de patentes e natildeo de meras suposiccedilotildees porque

a Verdade como elemento distinguiacutevel e diferencial eacute criteacuterio identificaacutevel na leitura de Justino

junto agravequilo que o mesmo salienta como sua (no caso do texto ldquonossardquo) ldquoEscriturardquo366 ou seja

sua preeminecircncia espiritual o que na descriccedilatildeo do Apologista deve ser entendida como uma

real vantagem distintiva sendo uma latente superioridade existencial para os homens que a

possuem Este ponto de prevalecircncia seraacute melhor abordado no uacuteltimo capiacutetulo desta pesquisa

Uma importante observaccedilatildeo ainda nos cabe fazer na parte final do primeiro verso

Antes mesmo de ocorrer os eventos conciliares de Niceacuteia eou Constantinopla a ecumenicidade

do Credo parece jaacute se caracterizar em uma forma de universalidade e um confessar da missatildeo

apostoacutelica jaacute anteriormente registrada no compecircndio biacuteblico se faz reverberar no ideaacuterio de

Justino Iniciamos nossa leitura do testemunho Apostoacutelico junto agrave estrutura biacuteblica O apoacutestolo

Judas escreveu ldquoele tem guardado sob trevas em algemas eternas para o juiacutezo do grande Dia

[] satildeo postas para exemplo do fogo eterno sofrendo puniccedilatildeordquo (Judas 6b7b) Nesta passagem

encontramos bases que se conformam ao relato de Justino que enfatiza que o proacuteprio Cristo as

havia anunciado367 Prosseguindo vemos que o Credo redigido anos depois iraacute afirmar o mesmo

363 DROBNER Manual de Patrologia 2008

364 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 84

365 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

366 JUSTINO I Apologia XXVIII 1

367 Ver Joatildeo 1248

88

quando diz ldquoe viraacute novamente em gloacuteria a julgar os vivos e os mortosrdquo368 Natildeo nos resta duacutevidas

que a missatildeo apostoacutelica gerou a doutrina e consolidou o Credo369 mas passagens de ordem

Patriacutestica como esta salientam que o mesmo (Credo) tambeacutem balizou sua eficiecircncia atraveacutes da

ecircnfase da atuaccedilatildeo de homens que pela feacute natildeo sucumbiram agraves dificuldades370 pelo contraacuterio

salientaram com seu testemunho que estas propriedades de ordem atemporal miacutestica e

existencial foram e ainda eram a proacutepria forma da Verdade em meio aos homens

Quanto ao segundo verso eacute necessaacuterio algumas observaccedilotildees iniciais especialmente

em relaccedilatildeo ao ldquoteorrdquo teoloacutegico que Justino desenvolve nesta pequena porccedilatildeo a qual apresenta

dificuldades interpretativas consideraacuteveis junto ao acircmbito dogmaacutetico ndash independentemente da

estrutura confessional que a examine ndash sugerindo-nos desta forma apresentarmos uma sucinta

argumentaccedilatildeo antes de abordaacute-lo Entendemos que esse procedimento se faz necessaacuterio para

que natildeo aja em nossa construccedilatildeo conceitual-programaacutetica (caps XXIII-XXX) um ponto natildeo

devidamente abordado

Variados debates podem surgir a partir da ecircnfase destacada por Justino (verso 2 do

cap XXVIII) porque afirmaccedilotildees desta espeacutecie fomentam diversos tipos de interesses de ordem

miacutestica no caso em questatildeo (texto de Justino) podem inclusive alavancar questotildees

soterioloacutegicas por exemplo Algumas anaacutelises ldquomodernasrdquo371 se esforccedilam atualmente em

descrever a figura de Justino como ocupante empregador defensor ou ateacute mesmo praticante

de uma ou outra escola teoloacutegica do cenaacuterio cristatildeo atual Entretanto optamos por natildeo abranger

este e outros contextos nesta pesquisa por entendermos que estes assuntos e temas natildeo se

envolvem diretamente com o ponto central de nosso trabalho Aleacutem de reconhecermos outra

dificuldade que nos parece ser muito significativa neste tipo de situaccedilatildeo a de se incorrer no

grave risco de se cometer um anacronismo textual histoacuterico e teoloacutegico372 e desta forma

sugerir um teoacuterico dilema teoloacutegico que para Justino e seus contemporacircneos possivelmente

natildeo era nem sequer um problema doutrinal

Passando agora efetivamente ao texto este diz ldquoNa verdade a paciecircncia que Deus

mostra em natildeo fazecirc-lo imediatamente tem como causa o seu amor pelo gecircnero humano pois

ele prevecirc que alguns se salvaratildeo pela penitecircncia entre os quais alguns que talvez ainda natildeo

368 CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO 7ordm Artigo

369 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

370 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

371 Ver SANTOS Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano 2014 Disponivel em

httpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminiano

372 VIRKLER Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica 2001

89

tenham nascidordquo373 Iniciamos esta parte de um ponto elementar da teologia de Justino374 ao

qual abordaremos mais detalhadamente a frente contudo compreendemos que sua aplicaccedilatildeo

neste item natildeo eacute apenas orientativa mas tambeacutem qualitativa para o restante da argumentaccedilatildeo

Um fato muito criativo do pensamento filosoacutefico de Justino se apresenta quando o

Apologista passa a enfatizar a existecircncia do Logos como o Cristo revelado Isto para Justino eacute

uma asserccedilatildeo de valores pontuais em uma escala ascendente que com facilidade se encontram

e se envolvem em sistemas transcendentais Wachholz elucida a abrangecircncia do termo Logos

dizendo o seguinte

O termo Logos (grego) quer dizer ldquopalavrardquo e tambeacutem ldquorazatildeordquo Segundo os gregos

nossa mente consegue compreender por que participa de alguma maneira do Logos

ou razatildeo universal Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse

Logos que se fez carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento375

Torna-se necessaacuterio entendermos a notoriedade que Justino aplica agrave onipotecircncia

onisciecircncia e preexistecircncia de Cristo em sua atuaccedilatildeo salviacutefica a partir deste ponto questotildees

(atributos divinos) as quais devemos considerar como absolutamente factiacuteveis no entendimento

do Apologista pois satildeo atributos da Escritura Sagrada ou seja satildeo consideradas evidecircncias

inquestionaacuteveis da vontade Divina (ativa e passiva) na leitura de Justino Poreacutem o ponto de

repouso deste exame se concentra na primeira parte do texto onde novamente Justino enfatiza

sua clarificaccedilatildeo de um estado de conformidade entre ideias e objetos (Verdade)

Mesmo o pensamento de Justino estando alavancado a uma espeacutecie de meacuterito para a

salvaccedilatildeo eacute evidente que sua afirmaccedilatildeo a soberania de Deus ndash a quem adjetiva como

ldquopacienciosordquo ndash caracteriza que esta benesse estaacute intimamente unida ao contexto temaacutetico que

podemos definir como amor de Deus O relato Apostoacutelico a Igreja em Corinto jaacute registrava a

seguinte afirmaccedilatildeo ldquoPorque todas as coisas existem por amor de voacutesrdquo (2 Coriacutentios 415a)

Carver diraacute sobre essa passagem que ldquoA expressatildeo tudo isso eacute por amor de voacutes explica o

acreacutescimo de convosco no versiacuteculo anterior O sofrimento de Paulo eacute um chamado ou uma

daacutediva que ele compartilha com toda a igrejardquo376 Da mesma forma notamos que Justino sofria

373 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

374 DROBNER Manual de Patrologia 2008

375 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 60

376 CARVER In A Segunda Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 427

90

por este grupo chamado a viver a Verdade o qual neste quadro eacute pintado como a resistecircncia

que manifesta esse amor imerecido e incondicional

Na descriccedilatildeo o Apologista nos parece transparecer com certa naturalidade seu intuito

em tentar provar algo como tambeacutem busca possivelmente sanar um erro (o do porquecirc este

juiacutezo de Deus ainda natildeo se manifestou) No entanto esse cenaacuterio eacute aplicado como uma forma

de ldquotranscriccedilotildeesrdquo que satildeo provenientes das afirmaccedilotildees e revelaccedilotildees inquestionaacuteveis para a

percepccedilatildeo de Justino por estarem devidamente relacionadas aos misteacuterios do Evangelho ao

qual ele servia Inclusive Justino claramente submetia sua razatildeo aos enigmas que a feacute em Cristo

natildeo lhe elucidava satisfatoriamente mas tambeacutem natildeo abalava sua convicccedilatildeo nesta feacute que ldquonatildeo

soacute eacute boa e santa em si mesma mas acima de tudo eacute a uacutenica religiatildeo verdadeirardquo377 Por fim

apontamos neste contexto (verso 2) aquilo que com clareza descreve esta certeza teoloacutegica

ancorada no Apologista que de forma contumaz declara que ldquoNa verdaderdquo378 algo se revelava

e condensava-se nos coraccedilotildees daqueles que o recebiam

Apoacutes descrevermos de maneira introdutoacuteria parte de nossa periacutecope base passamos a

uma abordagem sinteacutetica de uma faceta importantiacutessima de nosso autor para a construccedilatildeo do

restante desta pesquisa Comeccedilamos de imediato a elaborar uma descriccedilatildeo do filoacutesofo Justino

apresentando um resumo de sua jornada no mundo da ldquosabedoriardquo helecircnica descrevendo quais

foram suas principais influecircncias neste meio e quais desiacutegnios esta ascendecircncia deixou em sua

teologia

32 O FILOacuteSOFO JUSTINO

Os acontecimentos relacionados agrave vida de Justino nos direcionam ndash podemos ateacute

mesmo dizer que incontestavelmente nos norteiam ndash para um mesmo ponto de convergecircncia

independentemente da aacuterea ou fase que procuremos abordar sobre esta Desde cedo ateacute o fim

de sua jornada ministerial Justino nos apresentaraacute influecircncias significativas do meio intelectual

ao qual havia pertencido desde sua juventude e ao qual nunca abandonou pelo contraacuterio fez

deste seguimento o ponto principal de irradiaccedilatildeo de sua teologia379 tornando-o necessariamente

uma peccedila-chave para agrave compreensatildeo de suas obras

Este ponto de equiliacutebrio na vida de Justino se daacute principalmente no fato de este ser

um filoacutesofo ao qual podemos catalogar como claacutessico em sua formaccedilatildeo (de origem helecircnica)

377 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 47

378 JUSTINO I Apologia XXVIII 2 grifo nosso

379 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

91

natildeo necessariamente por enquadrar-se ldquono modo de pensar e exprimir os pensamentos que

surgiu especificamente com os gregosrdquo380 mas especialmente na virtude apresentada por sua

filosofia que desde cedo natildeo se pautou por um caraacuteter meramente especulativo sem um fim

praacutetico em si mesma mas sim notabiliza-se pela ldquobusca da sabedoria e da verdaderdquo381 como

estados beneacuteficos disponiacuteveis para serem procurados conhecidos e vivenciados por todos os

homens

O primeiro historiador da Igreja nos comprova tal fato assinalando o claacutessico teor

filosoacutefico existente no Apologista os termos de Euseacutebio muito nos dizem a respeito do

ministeacuterio de Justino

Tambeacutem por este tempo Justino sincero amante da verdadeira filosofia continuava

ainda ocupado em exercitar-se nas doutrinas dos gregos [] Mas sobretudo foi nesta

eacutepoca que floresceu Justino Com estofo de filoacutesofo era embaixador da palavra de

Deus e lutava pela feacute com seus escritos382

A doutrina cristatilde encontrada em Justino ndash sua compreensatildeo ativa sobre o que era o

cristianismo como agrave religiatildeo salviacutefica do verdadeiro e uacutenico Deus aos homens ndash foi recebida

e necessariamente desenvolvida por ele atraveacutes de um filtro ou podemos ateacute mesmo dizer por

uma forma de catalisador Este ensino constituiacutea-se de diversas mateacuterias filosoacuteficas nas quais

a diversidade conceitual e estiliacutestica das muitas escolas sapienciais da eacutepoca foram agregadas

ao experimento (de caraacuteter circunspecto) do Apologista383 Notamos deste modo em muitos

aspectos em particular que Justino foi exercitado a uma postura pragmaacutetica de seu tempo a

qual necessariamente o contingenciou a algumas demandas de sua ordem puacuteblica provenientes

de seu status sociorreligioso Neste aspecto a abordagem de Wachholz nos atualiza e ilumina

sobre este cenaacuterio ele diz

A cultura claacutessica pagatilde incluiacutea obra e pensamento de Platatildeo Aristoacuteteles e dos estoicos

que eram muito admirados Rejeitar tais pensamentos era assumir posiccedilatildeo de

ignoracircncia Para os cristatildeos por outro lado aceitar toda esta carga de cultura poderia

tambeacutem significar concessatildeo ao paganismo e comeccedilo de uma nova idolatria Diante

380 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995 p 21

381 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

382 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 11 8

383 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

92

desta alternativa somente havia dois caminhos possiacuteveis oposiccedilatildeo radical entre feacute

cristatilde e cultura pagatilde ou postura natildeo tatildeo negativa em relaccedilatildeo agrave cultura pagatilde384

A histoacuteria nos testifica que Justino de maneira evidente foi um baluarte em sua postura

de proclamador e representante da feacute cristatilde mais ainda portou-se de maneira excepcional

(como testificam seus procedimentos) no exerciacutecio de sua crenccedila fosse isso relacionado ao seu

foro iacutentimo (Igreja) ou no puacuteblico (social)

Desta forma eacute interessante e necessaacuterio reconhecer que Justino se apresentaraacute como

uma espeacutecie de precursor entre aqueles que eram oriundos da filosofia e que ldquohabitavamrdquo

especialmente em meio agrave cultura helecircnica385 contudo natildeo era o uacutenico Assim estes (filoacutesofos

convertidos ao cristianismo) passando agora a praticar os novos haacutebitos e costumes (modus

vivendi) recebidos do cristianismo natildeo abandonaram de forma absoluta suas praacuteticas cotidianas

do passado ndash ou poderiacuteamos tambeacutem chamaacute-las de ordinaacuterias ndash as quais eram vivenciadas

dentro de um sistema pedagoacutegico da filosofia por assim dizer Isso ocorreu simplesmente

porque tais accedilotildees natildeo requeriam tal censura devido a sua natildeo contrariedade com a Doctrina

Sanctorum que orientava os cristatildeos386 Obviamente tais disposiccedilotildees eram amplamente revistas

e reformuladas com um vieacutes cristatildeo embora mantendo uma estrutura didaacutetica proacutepria e ateacute

mesmo peculiar387 pois na praacutetica estes novos mestres cristatildeos agora ensinavam ldquoexatamente

como os filoacutesofos mas em conformidade com Cristordquo388

Vale-nos ressaltar ainda que essa postura de adaptaccedilatildeo dos convertidos do paganismo

para o cristianismo se desencadeou em muitos segmentos da realidade social do periacuteodo389

especialmente naqueles que se identificavam com as ciecircncias da eacutepoca Indiscutivelmente

nisto Justino se destacou pois seus ldquoconhecimentos filosoacuteficos eram muito profundosrdquo390

Neste ponto novamente recorremos a um registro de Wachholz que nos descreve com clareza

este processo de identificaccedilatildeo na figura de Justino

384 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 58

385 Alguns pesquisadores apresentam Aristides de Atenas como o primeiro filoacutesofo (Grego) propriamente

convertido ao cristianismo a escrever uma obra apologeacutetica Entretanto faltam evidecircncias mais robustas para

sustentar tal afirmaccedilatildeo Ver INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p

50-51

386 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

387 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

388 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

389 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997

390 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

93

Por outro lado houve tambeacutem aqueles que defenderam uma postura ldquoconciliatoacuteriardquo

entre feacute cristatilde e cultura pagatilde Justino (110-165) foi um destes representantes que natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas passou a dedicar-se em fazer ldquofilosofia cristatilderdquo abrindo

caminho para que o cristianismo pudesse reclamar tambeacutem para si a cultura claacutessica

apesar de ser cultura pagatilde391

Sendo o registro histoacuterico uma peccedila fundamental na elaboraccedilatildeo e construccedilatildeo

conceitual desta pesquisa entendemos ser emblemaacutetico trazer-se agrave tona alguns registros de

pesquisadores que atestam entre si acometimentos similares isso se daacute quando mencionam

pontos que caracterizam a figura de Justino como um distinto representante da Filosofia

mediante sua penetraccedilatildeo investigaccedilatildeo e conclusatildeo dos fatos algo que era ndash como se viu

anteriormente ndash relevante na busca de respostas junto ao meio sociorreligioso ao qual estava

inserido

Deste modo dando seguimento ao nosso intento de esclarecer historicamente um

pouco mais a respeito deste personagem cristatildeo oriundo da filosofia grega392 eacute que registramos

o seu desenvolvimento a parti das palavras de Walde ldquoJustino continuou usando a capa que o

identificava como filoacutesofo e ensinou estudantes em Eacutefeso e depois em Romardquo393 O relato ainda

se estende sobre a pesquisa de Walde poreacutem agora registrando o pensamento de Schaff este

diz ldquoEle havia adquirido cultura claacutessica e filosoacutefica consideraacutevel antes de sua conversatildeo e

entatildeo a fez ficar subordinada a defesa da feacuterdquo394 Ainda sobre esta esteira agregamos outras duas

elaboraccedilotildees A primeira estaacute no trabalho de Xavier que se baseia no pensamento de Fluck E

somado a ela encaixamos a siacutentese de Wachholz sobre Justino Ambos convencionam ideias

similares quando retratam o Apologista e por consequecircncia acabam por se moverem

metodologicamente na mesma direccedilatildeo

Em sua caminhada cristatilde ensinou estudantes em Eacutefeso e chegou a Roma em 150 dC

onde fundou uma escola filosoacutefica debatendo com natildeo-cristatildeos tanto pagatildeos quanto

judeus ou hereges em defesa do cristianismo Para Justino o cristianismo era a

391 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

392 Eacute importante que se diga que a Filosofia (a qual no acircmbito do conceito moderno eacute entendida como uma ciecircncia

da aacuterea de estudos Humanos) permaneceu completamente associada a consciecircncia de Justino durante todo o

periacuteodo de sua atuaccedilatildeo teoloacutegica Partindo-se do fato de que a vida de Justino se encerrou no martiacuterio podemos

concluir que de sua conversatildeo ateacute sua morte nunca houve um ldquoJustinordquo que tambeacutem natildeo fosse um filoacutesofo Ver

HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29-30

393 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

394 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 715

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 1

94

ldquoverdadeira filosofiardquo sendo que os cristatildeos eram ldquoos autecircnticos herdeiros da

civilizaccedilatildeo greco-romanardquo395

Tornou-se cristatildeo aos 25 anos de idade apoacutes ter estudado filosofia o que o levou a

fazer uma siacutentese entre teologia e filosofia afirmando que a feacute cristatilde eacute a forma plena

de toda a filosofia Em sua escola em Roma ensinava entatildeo a ldquoverdadeira filosofiardquo

Boa parte de seu labor consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o

cristianismo e a sabedoria claacutessica396

Finalizando esta seacuterie de registros cabe-nos ainda citar algumas relevantes

argumentaccedilotildees A primeira condicionada por Gonzaacutelez nos traz uma definiccedilatildeo da histoacuteria de

Justino em questotildees junto a filosofia ele diz ldquoAo se converter ao cristianismo Justino natildeo

deixou de ser filoacutesofo mas dedicou-se a fazer filosofia cristatilde e boa parte dessa filosofia

consistia em descobrir e explicar as relaccedilotildees entre o cristianismo e a sabedoria claacutessicardquo397 A

segunda elaborada por Daniel-Rops diz ldquoFoi uma fase importante para a histoacuteria do

pensamento cristatildeo que com Justino passou a ser tomado a seacuteriordquo398 Esta ecircnfase somada ao

primeiro apontamento nos afirma uma importante contribuiccedilatildeo para o meio Patriacutestico pois

trabalha com paracircmetros qualitativos referentes agrave relevacircncia da figura de Justino como

articulador filosoacutefico e sucessivamente no meio teoloacutegico como um exegeta399 nos levando a

considerar deste modo que a formaccedilatildeo dogmaacutetica em seu sentido histoacuterico passa

necessariamente por afirmaccedilotildees como esta

Portanto eacute impossiacutevel caracterizar Justino como um pensador e teoacutelogo fora da

filosofia claacutessica pois o personagem que veio a fundar escolas filosoacuteficas cristatildes (primeiro em

Eacutefeso e depois em Roma)400 deve ser compreendido como um autecircntico ldquoamante da sabedoriardquo

Neste quesito distintivo no caso de Justino em especial um agravante modal deve aqui ser

aplicado sendo que esta caracteriacutestica de caraacuteter peculiar eacute o proacuteprio processo de conversaccedilatildeo

ao cristianismo que em seu entendimento ldquoo transformou em um verdadeiro filoacutesofordquo401 arauto

395 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15 grifo nosso

396 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59 grifo nosso

397 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 91

398 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

399 Ver HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31-32

400 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

401 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

95

da verdadeira sabedoria ndash peccedila final a qual Justino possivelmente exigiria como um

complemento fundamental na elaboraccedilatildeo dessa descriccedilatildeo

Dando seguimento agrave nossa construccedilatildeo ainda nos eacute necessaacuterio examinar duas questotildees

relevantes junto a postura filosoacutefica de nosso autor A primeira estaacute relacionada aos seus

pressupostos na Filosofia como aacuterea de estudo propriamente na qual o estoicismo e o

platonismo se destacam no cenaacuterio em seguida naquilo que possivelmente se tornou a principal

elaboraccedilatildeo teoloacutegica deixada como teoria por Justino a sua concepccedilatildeo do Logos Eterno

321 Estoicismo e Platonismo em Justino

Quando pesquisamos a respeito de quais seriam as principais influecircncias da filosofia

grega que poderiacuteamos encontrar em Justino logo nos saltam aos olhos duas linhas majoritaacuterias

do pensamento histoacuterico filosoacutefico e que tiveram fundamental importacircncia na formaccedilatildeo

intelectual deste Pai da Igreja Desta forma torna-se indispensaacutevel falar do estoicismo e do

meacutedio platonismo402 como elementos filosoacuteficos na vida de Justino pois a anaacutelise dessas

escolas sapienciais junto agrave construccedilatildeo de nosso objetivo de pesquisa apresenta-se como

fundamental para a compreensatildeo do cristianismo apresentado por Justino403

Nossa intenccedilatildeo nesta construccedilatildeo natildeo eacute haacute de se estabelecer um relato minucioso sobre

os aportes princiacutepios e valores filosoacuteficos de Zenon de Ciacutecio (fundador do estoicismo) nem

mesmo dos seguidores ideoloacutegicos do legado de Platatildeo os quais sustentavam no presente

periacuteodo a fase denominada de meacutedio platonismo Pelo contraacuterio visamos apenas retratar de

maneira sinteacutetica a influecircncia dessas escolas no pensamento apologeacutetico do Seacuteculo II tendo a

pessoa de Justino como alvo central e em alguns momentos ateacute mesmo exclusivo neste exame

O advento do Seacuteculo II trouxe consigo um contato mais amplo e consequentemente

tambeacutem mais vantajoso das correntes filosoacuteficas gregas para com o ocidente de uma maneira

em geral Influenciada especialmente pela administraccedilatildeo e organizaccedilatildeo do Impeacuterio Romano agrave

discussatildeo sobre a importacircncia e a manutenccedilatildeo dessas identidades intelectuais (escolas

filosoacuteficas) tornou-se muito ativa especialmente para o meio aristocraacutetico de entatildeo404 Sendo

402 O meacutedio platonismo teve seu iniacutecio no Seacuteculo I aC com Antioco de Ascalona e vai ateacute aproximadamente o

Seacuteculo II dC Entre os seus principais representantes encontram-se os nomes de Filo de Alexandria Apuleio e do

bioacutegrafo Plutarco Este recorte temporal eacute um dos pontos que justifica a nossa opccedilatildeo pelo uso do termo meacutedio

platonismo uma vez que coincide com o periacuteodo de Justino Ver EMILSSON Neo-Platonism 1999 p 358

AUDI The Cambridge Dictionary of Philosophy 1999 p 567 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II

dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 123

403 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

404 CARCOPINO Roma no Apogeu do Impeacuterio 1990

96

o cristianismo cada vez mais presente na estrutura sociorreligiosa do Impeacuterio natildeo demorou

para se considerar ldquotambeacutem os leitores natildeo-cristatildeosrdquo405 como parte do exame teoloacutegico dos

Pais No entanto os mestres e principais arautos dessas claacutessicas estruturas filosoacuteficas eram

pagatildeos em seu modo de vida espiritual o que ocasionou ndash quase automaticamente ndash uma

investidura por parte dos Pais (remodelaccedilatildeo cristatilde) das concepccedilotildees filosoacuteficas de alguns

autores claacutessicos do paganismo Como consequecircncia desse processo o periacuteodo dos Pais

Apologistas se confirma e se engrandece de maneira significativa na histoacuteria cristatilde devido ao

seu importante conteuacutedo teoloacutegico406 desenvolvido a partir dessa adaptaccedilatildeoremodelaccedilatildeo

Voltando precisamente para a pessoa de Justino vemos a partir da pesquisa de Walde

ndash o qual soma seu pensamento a Falls ndash o estabelecimento de uma expressiva comunicaccedilatildeo

entre Justino e as escolas filosoacuteficas apresentadas Walde escreve ldquoComo jovem adulto

mostrou interesse por filosofia e estudou primeiramente estoicismo e platonismo Justino

buscava a Deus que eacute a meta da filosofia de Platatildeo diziardquo407 Este retrato dos fatos nos

demonstra com clareza que o diaacutelogo do Apologista com as referidas escolas filosoacuteficas

norteou sua formaccedilatildeo intelectual de forma significativa

A primeira experiecircncia de fato com a filosofia grega e a qual podemos afirmar ter

deixado marcas consideraacuteveis na vida de Justino foi com a escola estoica Em sua busca da

autecircntica sabedoria Justino comeccedilou a frequentar as aulas de um mestre estoico408

provavelmente ainda em sua cidade natal Se tratando de sua experiecircncia com o estoicismo em

particular o Apologista nos oferece um relato autobiograacutefico no qual informa detalhes

interessantes referentes a sua jornada pela Verdade ldquoEu mesmo no iniacutecio desejando tambeacutem

reunir-me com algum deles (mestres filoacutesofos) coloquei-me nas matildeos de um estoico e passei

bastante tempo com elerdquo409

O interessante nessa narraccedilatildeo eacute que o expressivo contato de Justino com o estoicismo

natildeo surtiu nele o beneacutefico resultado que Justino parecia esperar Efetivamente Justino afirma

em seu Diaacutelogo com Trifatildeo ldquoTodavia percebi que nada me adiantava para o conhecimento de

Deus pois nem sequer ele sabia nada nem dizia que esse conhecimento era necessaacuterio Entatildeo

405 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 140

406 Ver DROBNER Manual de Patrologia 2008 p76-80

407 FALLS The Fathers of the Church 1948 p 151 apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p

1

408 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

409 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3a grifo nosso

97

separei dele e dirigi-me a outrordquo410 Kelly inclusive salienta mediante a auto narraccedilatildeo de

Justino que parece ter havido um esforccedilo da parte deste em se apropriar ndash ou melhor se

aprofundar ndash das maacuteximas da doutrina estoica Isso devido especialmente ao seu ldquoelevado

padratildeo moral ainda que um tanto impessoalrdquo411 mas com um forte apelo agrave posturas e posiccedilotildees

que estabeleciam um padratildeo moralmente bom para seus praticantes preceitos que eram de

alguma maneira dogmatizados pela doutrina estoica na tentativa de se alcanccedilar ldquouma norma

para os humanos seguiremrdquo412 Dessa forma os praticantes de tal sistema chegavam aquilo que

poderiacuteamos (forccedilosamente) definir como o verdadeiro conhecimento do ldquoSerrdquo e da ldquoEsferardquo

divina pois a ldquovida moral eacute vista como assimilaccedilatildeo a Deus e como imitaccedilatildeo de Deusrdquo413

Contudo apoacutes um periacuteodo de deferecircncia a doutrina estoica ldquopareceu-lhe rudimentar e de uma

metafisica falazrdquo414 aleacutem do sistema natildeo conseguir ldquoesclarececirc-lo a respeito de Deusrdquo415 ou

seja o estoicismo natildeo pode oferecer as condiccedilotildees necessaacuterias para suprir os vaacutecuos e demandas

existecircncias de Justino

Entretanto o estoicismo como doutrina filosoacutefica teve uma significativa relevacircncia na

formaccedilatildeo de Justino como tambeacutem na construccedilatildeo teoloacutegica dos demais Pais Apologistas Na

anaacutelise desse cenaacuterio houve ateacute mesmo quem afirmasse que caso natildeo houvesse o encontro

entre o Poacutertico416 e a Igreja natildeo teria existido uma linguagem inteligiacutevel por parte da doutrina

cristatilde para alguns ambientes gentiacutelicos ou seja o ldquocristianismo seria incompreensiacutevelrdquo417 para

alguns segmentos que formavam o quadro sociorreligioso agrave eacutepoca Teses como essa levantam

questotildees pertinentes No caso em exame parece-nos que tal afirmaccedilatildeo havia se desenvolvido

como um marco referencial junto agrave Era Patriacutestica citada explicando tambeacutem deste modo o que

permitiu que esse conceito teoloacutegico-filosoacutefico viesse a se construir Neste processo as relaccedilotildees

de conformidade entre cristianismo e estoicismo foram absolutamente decisivas sendo o campo

410 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 3b

411 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 13

412 ALGRA In Teologia estoacuteica Os Estoacuteicos 2006 p 189

413 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999 p 132

414 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

415 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

416 Poacutertico Ornado (ou Pintado) grego Stoagrave Poikiacutele Local na cidade de Atenas onde o filoacutesofo grego Zenon

(fundador do estoicismo) ensinava a seus disciacutepulos Ver SEDLEY In A Escola de Zenon a Aacuterio Diacutedimo Os

Estoacuteicos 2006 p 7-13

417 POHLENZ La Stoa storia di un movimento spirituale 1967 p 397 apud PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia

Patriacutestica 1999 p 131

98

moral junto agrave formaccedilatildeo dogmaacutetica cristatilde ndash poderiacuteamos ateacute mesmo chamaacute-lo de eacutetico ndash decisivo

nessa correlaccedilatildeo (modelagem) de valores

Entre os fatos desse paralelismo ideoloacutegico vemos o otimismo religioso expressado

pelo estoicismo que encontrou de forma geral na consciecircncia dos Pais (ateacute o Seacuteculo III) uma

beneacutevola e favoraacutevel proximidade com a Divindade onipotente e onipresente a qual os

Apologistas reconheciam especialmente na figura de Deus Pai e em sua traduccedilatildeo do Ser

absoluto cenaacuterio que agora expressava-se inclusive na manifestaccedilatildeo Deste (Deus) em uma

relaccedilatildeo de perfeita imanecircncia com seus eleitos Minuacutecio Feacutelix (Apologista do final do Seacuteculo

II) retrata com clareza esse conceito gerado no meio Apologista fruto da relaccedilatildeo destes com os

ditames estoicos ldquonatildeo soacute estaacute perto de noacutes como tambeacutem dentro de noacutes [] natildeo soacute vivemos

sob seu olhar como tambeacutem em seu seiordquo418

Neste contexto ainda vale-nos identificar uma caracteriacutestica peculiar da relaccedilatildeo de

Justino com o estoicismo Trata-se das interpretaccedilotildees escrituriacutesticas desenvolvidas por meio de

meacutetodos alegoacutericos Essa metodologia jaacute estava em uso no meio cristatildeo e jaacute antes era

amplamente ldquodifundida tambeacutem entre os filoacutesofos gregos sobretudo os estoicos com o objetivo

de fazer enquadrarem-se as tradicionais faacutebulas mitoloacutegicas com as suas ideiasrdquo419 Justino se

torna ldquoceacutelebrerdquo no meio Patriacutestico tambeacutem por sua exegese atestando isso quando passa a

unificar textos referentes a economia da Antiga e Nova Alianccedilas fazendo uso em muitos

momentos da teacutecnica citada

Desta forma mormente veremos na construccedilatildeo teoloacutegica de Justino que se encontram

traccedilos desse sistema da filosofia grega que se fizeram notoacuterios em seu registro apologeacutetico

Santos ao citar Staniforth retrata com precisatildeo essa inspiraccedilatildeo e sua contribuiccedilatildeo junto ao

trabalho do Apologista Aleacutem disto consegue descrever com clareza e harmonia agrave postura de

Justino referente sua interpretaccedilatildeo das bases substanciais do estoicismo Santos assim registra

essa relaccedilatildeo

Segundo Staniforth os elementos que predominavam no cristianismo antes de seu

contato com o estoicismo eram os morais e espirituais jaacute os intelectuais eram

subordinados a estes Ele acrescenta poreacutem que ldquoquando a mensagem se espalhou

para aleacutem dos confins da Palestina e as suas implicaccedilotildees foram assimiladas pelos

pensadores de outras terras fez-se sentir a necessidade de concepccedilotildees mais exatas da

verdaderdquo (STANIFORTH 2002 p 20) [] Entre outras coisas citadas por Staniforth

estatildeo ainda a noccedilatildeo de unidade divina a ideia de que os homens satildeo filhos de Deus

e participam da sua natureza e procuram fazer sempre o bem (STANIFORTH 2002

418 MINUacuteCIO FEacuteLIX Otaacutevio 32-33

419 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1146

99

p 22) Justino traz uma argumentaccedilatildeo inversa Segundo ele os imitadores satildeo os

demais povos ldquonatildeo somos noacutes que professamos opiniotildees iguais aos outros e sim

todos por imitaccedilatildeo repetem as nossas doutrinas (JUSTINO I Apologia LX 10)rdquo420

Sendo jaacute anteriormente caracterizado por meio do relato da vida de Justino a elementar

decepccedilatildeo de Justino pelo estoicismo como doutrina a ser seguida levou-o a uma nova fase na

sua busca do ldquoideal da sabedoria perfeitardquo421 Assim seu intento redirecionou-se para outras

esferas da filosofia grega passando por algumas experiecircncias variadas por meio de suas

relaccedilotildees com outras escolas sistemas e mestres Neste cenaacuterio naquilo que possuiacutemos relatos

confiaacuteveis Justino chegou a conviver com ldquoum peripateacutetico e um pitagoacutericordquo422 sempre

buscando alcanccedilar seu intento maacuteximo como amante do saber

Por fim a escola platocircnica tornou-se sua uacuteltima instacircncia de apelo nessa busca intensa

pelo saber supremo que inclusive ele imagina ter alcanccedilado ldquona filosofia (meacutedio) platocircnicardquo423

fazendo desse caso em especiacutefico (platonismo) o encontro ldquomais positivordquo424 Neste ponto

compreendemos que o desenvolvimento do pensamento teoloacutegico que encontramos

futuramente estabelecido em Justino eacute o que o constituiu categoricamente como um filoacutesofo

cristatildeo e foi principalmente detalhado pela influecircncia desta corrente filosoacutefica (platonismo)

mais do que por sua experiecircncia com os demais sistemas O ponto de vista de Xavier colabora

com nossa anaacutelise transmitindo a mesma ideia

A procura incansaacutevel pela verdade levou Justino a se tornar um distinto filoacutesofo do

pensamento grego adotando principalmente a filosofia de Platatildeo que para ele tinha

muita semelhanccedila com os ensinamentos judaicos no que diz respeito agrave Palavra de

Deus (Logos Verbo)425

Eacute portanto necessaacuterio fazer ainda que rapidamente algumas consideraccedilotildees geneacutericas

referentes agrave influecircncia desse importante sistema filosoacutefico (platonismo) no contexto

sociorreligioso ao qual Justino estava inserido O chamado meacutedio platonismo teve singular

420 STANIFORTH In Introduccedilatildeo Meditaccedilotildees 2002 apud SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma

Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119 122

421 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 25

422 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27

423 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

424 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

425 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 15

100

influecircncia junto ao meio teoloacutegico cristatildeo em meados do Seacuteculo II Sua importacircncia em

questotildees como a metafiacutesica por exemplo ldquodeterminou profundamente a compreensatildeo

teoloacutegicardquo426 dos Pais Apologistas Ainda neste cenaacuterio eacute necessaacuterio afirmar que na eacutepoca o

pensamento de Platatildeo estruturado pela manutenccedilatildeo de seus seguidores (meacutedio platonismo)

plasmou-se quase que na totalidade dos seguimentos ditos intelectuais do periacuteodo ocasionando

um expliacutecito e permanente ldquodesenvolvimento do saber filosoacutefico e portanto da cultura

ocidentalrdquo427 a qual teve sua formaccedilatildeo por meio da mecanicidade da Filosofia propriamente

reconhecida como cristatilde em sua formaccedilatildeo

Voltando especificamente para nosso autor retratamos com certa facilidade ndash por se

considerar a questatildeo como um ponto paciacutefico referente agrave figura de Justino ndash sua ampla e notoacuteria

relaccedilatildeo com os ensinamentos baseados na doutrina de Platatildeo Insuelas nos diz que Justino

possivelmente procurou o sistema platocircnico porque este ldquogozava naquele tempo de grande

reputaccedilatildeo e era seguido por homem de valorrdquo428 Fato eacute que Justino progrediu de maneira

consideravelmente raacutepida na doutrina pois ldquoesperava que na filosofia de Platatildeordquo429 veria

imediatamente a Deus questatildeo (enxergar agrave Divindade) que nos indica uma praacutetica

contemplativa que provavelmente levou o jovem filoacutesofo a peregrinar isoladamente ateacute a praia

onde em algum momento ocorreu sua conversatildeo ao cristianismo Utilizamos ainda a ecircnfase

dada por Daniel-Rops a este caso o qual salienta que nesse acesso para a doutrina platocircnica

Justino deu o ldquopasso decisivo levando-o a ver que o uacutenico fim verdadeiro da filosofia era o

conhecimento de Deusrdquo430

Outra descriccedilatildeo que se soma a esta tese nasce das palavras do proacuteprio Justino na sua

I Apologia Estas construccedilotildees do Apologista ganham eficaacutecia e nitidez quando retratadas por

Euseacutebio em seu relato histoacuterico Elas apresentam um Justino intreacutepido e resoluto movendo-se

na eficaacutecia daquilo que encontrou em sua jornada tornando-se desta maneira em um ldquosincero

amante da verdadeira filosofiardquo431 Quanto ao platonismo descrito pelo autor em sua

experiecircncia Euseacutebio escreve

426 SANTOS Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos Comuns 2003 p 335

427 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984 p 81

428 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

429 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 29

430 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 278

431 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 3 grifo nosso

101

Na mesma obra demonstra que sua conversatildeo da filosofia grega agrave religiatildeo natildeo se fez

sem razatildeo mas com juiacutezo escreve o seguinte ldquoporque tambeacutem eu mesmo que me

comprazia nos ensinamentos de Platatildeo ao ouvir as caluacutenias contra os cristatildeos e vecirc-

los irem intreacutepidos para a morte e para tudo que eacute terriacutevel comecei a pensar que natildeo

era possiacutevel que aqueles homens vivessem na maldade e no amor aos prazeresrdquo432

Seguindo no mesmo contexto vemos que Justino no capiacutetulo II de seu Diaacutelogo com

Trifatildeo agrega agrave sua biografia um relato exponencial no qual nos descreve um encontro com um

filoacutesofo platocircnico na cidade de Flaacutevia Neaacutepolis Justino como vimos acima foi procurar este

mestre a fim de conferenciarem sobre temas de relevacircncia para o Apologista Assim havendo

ldquoaprendido bastante do platonismordquo433 Justino envolto de uma acentuada euforia ateacute mesmo

presumiu (erroneamente) haver obtido um distinto conhecimento de superior e incomparaacutevel

qualidade todavia por fim salientou uma conclusatildeo ambiacutegua e de aspecto desfalecente sobre

esta experiecircncia quando se referiu as coisas que em determinado momento lhe pareciam

absolutamente certas e vivazes Ele nos afirma foi ldquotornado saacutebio num aacutetimo e minha estupidez

fazia-me esperar que de um momento para outro contemplaria o proacuteprio Deusrdquo434

No entanto cabe-nos apontar que mesmo diante desta pessimista afirmaccedilatildeo por parte

de Justino o platonismo de sua eacutepoca ldquotinha grande forccedila teiacutestardquo435 aleacutem de apresentar um

ldquoalto tocircnus moralrdquo436 expressatildeo que posteriormente em seu desenvolvimento teoloacutegico passou

a comprovar o cristianismo como o conjunto doutrinal por excelecircncia Sendo essa conclusatildeo

obtida na consequecircncia do emprego de sua metodologia dialeacutetica como teoria do conhecimento

ndash fato (dialeacutetica platocircnica) que jaacute abordamos anteriormente

No que se refere ao raciociacutenio de Justino que encontramos especificamente baseado

no ideaacuterio platocircnico notamos com certa facilidade que este conjunto de ideias o levou a

desenvolver em seus tratados (I e II Apologias e Diaacutelogo com Trifatildeo) algumas referecircncias que

se atestam como elementos de comparaccedilatildeo entre a filosofia grega e a feacute cristatilde Neste periacuteodo

(Seacuteculo II) o meio filosoacutefico grego jaacute registrava haacute algum tempo a noccedilatildeo de um Ser ou Estado

supremo437 ldquoque estaacute acima de todos os seres e do qual todos derivam sua existecircnciardquo438

432 EUSEacuteBIO Histoacuteria Eclesiaacutestica VI 8 5

433 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 119

434 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6

435 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

436 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

437 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

438 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

102

Sabemos baseados em amplas evidecircncias textuais que a vida aleacutem da morte fiacutesica jaacute era

ensinada ou ateacute mesmo garantida por Soacutecrates439 No pensamento de Platatildeo esta teoria eacute

estruturada filosoficamente como uma realidade diferente mas igualmente atemporal a qual

existe aleacutem eou fora deste mundo440

Em Platatildeo detectamos um referencial que nos salienta sobre a expressividade agrave sua

ldquoexposiccedilatildeo da separaccedilatildeo e diferenccedila entre o mundo sensiacutevel (sentidos) e o mundo inteligiacutevel

(intelecto)rdquo441 fazendo com que a percepccedilatildeo humana seja uma espeacutecie de imagem da

realidade442 mas natildeo necessariamente a realidade em si Deste modo Platatildeo automaticamente

condicionava seus leitoresouvintes a compreender que aquilo que estava oculto (natildeo visiacutevel)

deveria pelo encontro com a pura razatildeo voltar ao seu estado inicial ou seja o Uno mesmo

que Platatildeo natildeo considerasse a ldquoForma do Bem ou o Um como Deus no sentido comum da

palavrardquo443 A tese do retorno ao Uno eacute uma performance originalmente desenvolvida na fase

denominada de meacutedio platonismo444

Justino nos demonstra com clareza sua relativa conformidade com essa ideia que de

uma maneira orientativa procurava dar coesatildeo e expressividade agrave realidade perceptiacutevel do

homem em encontrar o que era verdadeiro definido como o ldquonatildeo-escondidordquo445 para o espiacuterito

humano Poreacutem tambeacutem nos apresenta de forma incondicional uma clara distinccedilatildeo substancial

a este conceito segundo o qual ldquoo centro da esperanccedila cristatilde natildeo eacute a imortalidade da alma mas

a ressurreiccedilatildeo do corpordquo446 Corroborando a esta proposiccedilatildeo encontramos a posiccedilatildeo de

Wachholz que organiza o referido cenaacuterio em uma descriccedilatildeo cronoloacutegica embasada no

desenvolvimento do pensamento (dogma) cristatildeo do periacuteodo

Assim por exemplo percebia que tambeacutem Soacutecrates e Platatildeo afirmavam que existia

vida aleacutem da morte fiacutesica Platatildeo afirmava que este mundo natildeo esgota toda a realidade

mas que existe outro mundo de realidades eternas Neste sentido Justino concorda

439 A discussatildeo sobre a imortalidade da alma ndash a uacuteltima de que Soacutecrates participa no dia de sua morte ndash eacute narrada

na obra intitulada Feacutedon de Platatildeo Ver MALTA In Nota 103 Apologia de Soacutecrates 2008 p 97

440 SEVERINO A Filosofia Antiga 1984

441 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 189 grifo nosso

442 Um exemplo claacutessico dessa ideia se encontra no Livro VII de sua obra intitulada A Repuacuteblica em uma alegoria

conhecida como o Mito da Caverna Ver PLATAtildeO A Repuacuteblica VII 514a-541b

443 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 12

444 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

445 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994 p 197

446 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 16

103

pois afirma que o centro da esperanccedila cristatilde natildeo estaacute na imortalidade da alma mas na

ressurreiccedilatildeo do corpo447

Amparado nesse conceito filosoacutefico Justino passa a desdobrar sua concepccedilatildeo sobre a

ideia do estado de um ldquomundo inteligiacutevelrdquo que passa a ser compreendido como a uacutenica

condiccedilatildeo pela qual as coisas satildeo eternas imutaacuteveis e incorruptiacuteveis constituindo deste modo

sua posiccedilatildeo sobre o que seria o proacuteprio ldquomundo de Deusrdquo possiacutevel de ser alcanccedilado Na visatildeo

platocircnica este mundo ideal soacute pode ser alcanccedilado pelo intelecto humano quando este eacute elevado

a seu patamar maacuteximo sendo isso possiacutevel somente por meio do auxiacutelio da filosofia Para

Justino essa filosofia soacute pode ser o cristianismo pois este foi revelado como a uacutenica Verdade

oferecida aos homens

Desta forma para Justino soacute mediante o cristianismo a concepccedilatildeo platocircnica de

alcanccedilar o mundo real torna-se possiacutevel No final da apresentaccedilatildeo de sua jornada entre as

escolas filosoacuteficas Justino nos relata que aquilo que fez com que ele se decidisse pela escola

platocircnica ndash entendendo que esta seria a melhor alternativa para desenvolver sua mente (razatildeo)

na tentativa de receber a verdadeira sapiecircncia ndash fosse agrave profunda admiraccedilatildeo inicial que ele

encontrou em alguns pontos que distinguiam a doutrina das demais ldquoprincipalmente com a

consideraccedilatildeo do incorpoacutereordquo448 mas tambeacutem pela referente ldquocontemplaccedilatildeo das ideiasrdquo449 as

quais ele afirma ldquodava asas agrave minha inteligecircnciardquo450

Nesta jornada de conhecimento Justino salienta que compreendia e admirava o

objetivo desse ensino que se demonstrava estaacutevel e possuiacutea intenccedilotildees muito nobres para agrave

natureza humana a ponto de afirmar que ldquoCom efeito esta eacute a meta da filosofia de Platatildeordquo451

Jaacute como cristatildeo Justino esclarece para o judeu Trifatildeo que ldquoVemos e estamos convencidos de

que por meio do nome de Jesus Cristo crucificado as pessoas se afastam da idolatria e de toda

iniquidade para aproximar-se de Deusrdquo452 ou seja somente um caminho leva definitivamente

a verdadeira filosofia e este caminho natildeo eacute a filosofia de Platatildeo

Apoacutes este raacutepido mas importante embasamento sobre a formaccedilatildeo filosoacutefica de nosso

autor ainda eacute necessaacuteria uma descriccedilatildeo final sobre os elementos filosoacuteficos estruturantes

447 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59-60

448 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

449 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

450 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6a

451 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6b

452 JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo XI 4

104

encontrados em Justino Entre estes insumos um se destaca consideravelmente como fruto da

ampla influecircncia deixada pelo predomiacutenio de suas bases filosoacuteficas (estoicismo e platonismo)

Desta forma o Logos em Justino seraacute o ponto central de anaacutelise a seguir

322 O Logos em Justino

Este ponto eacute fundamental para nossa descriccedilatildeo do pensamento de Justino como um Pai

Apologista Mesmo que nos falte uma sistematizaccedilatildeo sobre o tema Logos tanto em Justino

como tambeacutem nos demais representantes de sua Era Patriacutestica453 o Logos eacute um conteuacutedo

teoloacutegico fundamental para a histoacuteria do cristianismo e natildeo aparece com suficiente clareza em

nenhum outro escritor cristatildeo anterior a Justino que acaba por se evidenciar neste assunto de

forma muito significativa

Jaacute no Seacuteculo I a doutrina referente agrave PalavraVerbo divino era conhecida pelo

judaiacutesmo em sua forma posterior devido agrave grande influecircncia do filoacutesofo judeu Filo de

Alexandria O estoicismo como doutrina filosoacutefica tambeacutem foi muito atuante na elaboraccedilatildeo

do termo Logos como um conceito paralelo entre uma plena imanecircncia e uma total expressatildeo

do que eacute superior eou eterno454 O Evangelho de Joatildeo em seu proacutelogo (Joatildeo 11-5) nos oferece

o termo de forma sublime mesmo que o Logos em Joatildeo pareccedila ter sido influenciado por

Heraacuteclito455 Quanto agrave Patriacutestica em sua fase inicial (Pais Apostoacutelicos) Inaacutecio Bispo de

Antioquia parece ser a melhor opccedilatildeo de uma leitura consistente sobre a ideia de a Palavra

Divina preexistente ter sido anunciada antecipadamente aos homens das geraccedilotildees passadas

ldquoInspiraram-se (os profetas) em Sua graccedila a fim de que os increacutedulos se convencessem

plenamente que haacute um soacute Deus a manifestar-se por Jesus Cristo Seu Filho Sua palavra saiacuteda

do silecircncio que em tudo agradou Aquele que O enviourdquo456

Poreacutem vale-nos novamente frisar que aqui como em outras partes desta pesquisa natildeo

procuraremos ser exaustivos muito menos conclusivos especialmente tratando-se de uma

anaacutelise que possui uma conjuntura tatildeo extensa mas de maneira sucinta desenvolveremos uma

siacutentese que visa ser orientativa nesta definiccedilatildeo sobre o legado teoloacutegico do Apologista Justino

A relaccedilatildeo de Justino com esta temaacutetica filosoacutefica (Logos) foi ampla e profunda Eacute

possiacutevel condicionarmos jaacute a partir de Justino uma realidade conclusiva para o tema naquilo

453 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

454 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

455 TORRES A retoacuterica joanina do Logos 2016

456 INAacuteCIO Epiacutestola aos Magneacutesios VIII 2 grifo nosso

105

que ele se refere a revelaccedilatildeo cristatilde esta conclusatildeo estaacute na ldquoconcepccedilatildeo justiacutenica do Logos como

entidade divina intermediaacuteria entre Deus e o mundordquo457 Isso gerou uma nova perspectiva a

qual Justino com certa originalidade conceitual passa a definir o Logos como um agente que

jaacute orientava a humanidade antes mesmo de Sua encarnaccedilatildeo desejando por meio da ldquoIgreja com

a sua accedilatildeo missionaacuteriardquo458 tornar participantes todos os homens que por meio da feacute em Cristo

poderatildeo gozar da esperanccedila do cumprimento profeacutetico do segundo advento do Salvador

Em seu trabalho apologeacutetico Justino estabeleceu uma conjunccedilatildeo entre proposiccedilotildees

separadas mas que se demonstraram de uma mesma espeacutecie Esse ato invariaacutevel conectou de

maneira significativa o Logos459 da filosofia grega ndash aqui expresso em uma de suas definiccedilotildees

temporais do meio filosoacutefico sendo apresentado como o ldquoPrinciacutepio platocircnico mediador entre o

mundo sensiacutevel e o inteligiacutevelrdquo460 ndash com o Logos do Evangelho de Joatildeo ou poderiacuteamos dizer

da interpretaccedilatildeo feita pelo meio apologeacutetico cristatildeo do Seacuteculo II Tratando ainda um pouco mais

sobre o cenaacuterio histoacuterico envolvendo a realidade conceitual sobre o Logos Walde nos indica

este princiacutepio conectivo quando cita Schaff em um exame sobre esta teoria Vemos em sua

descriccedilatildeo que o historiador

Philip Schaff descreve o pensamento desta maneira O Logos eacute a razatildeo preacute-existente

absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo dele o Logos encarnado Qualquer coisa

racional eacute cristatilde e qualquer coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os

homens da razatildeo e liberdade que natildeo estavam perdidos desde a queda Ele espalhou

sementes da verdade antes de sua encarnaccedilatildeo natildeo soacute entre os judeus mas tambeacutem

entre os gregos e baacuterbaros sobretudo entre os filoacutesofos e poetas que satildeo os profetas

pagatildeos Os que viveram razoavelmente e virtuosamente em obediecircncia a esta luz

preparatoacuteria foram de fato cristatildeos ainda que natildeo no nome ao contraacuterio os que

viveram irracionalmente eram inimigos de Cristo Soacutecrates foi um cristatildeo assim como

Abraatildeo ainda que ele natildeo o conheceu461

457 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1147

458 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

459 O conceito de Logos derivado da filosofia contemporacircnea especialmente do estoicismo com sua doutrina da

razatildeo universal foi usado pelos Apologistas para explicar como Cristo se relacionava com Deus Pai Algo do

Logos diziam encontra-se em todos os homens Ver HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

460 Logos (grego loacutegograves) Substantivo masculino de dois nuacutemeros Significa 1 Palavra 2 Discurso 3 Linguagem

4 Estudo 5 Teoria Significado em aacutereas proacuteprias 1 Filosofia Razatildeo ou princiacutepio da inteligibilidade 2

Filosofia Princiacutepio platocircnico mediador entre o mundo sensiacutevel e o inteligiacutevel 3 Filosofia Forccedila divina ou

criadora que eacute organizadora do mundo 1 Teologia Cristo ou o Verbo de Deus segunda pessoa da Trindade Ver

Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa ltDisponiacutevel em httpsdicionariopriberamorglogosgt Acesso em

27 de fev 2019

461 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

106

Esta ideia por assim dizer protagonizou aquilo que possivelmente foi o primeiro

encontro consistente entre filosofia e teologia na Era atual (dC) O conjunto deste exerciacutecio

que vemos pouco tempo depois jaacute constituiacutedo na escola de Alexandria (aproximadamente 50

anos) sob a preeminecircncia de Clemente (Bispo de Alexandria)462 continuou a evoluir no

decorrer dos seacuteculos e encontrou seu aacutepice no movimento Escolaacutestico da Idade Meacutedia463

Contudo parece-nos que a funccedilatildeo do Logos propriamente empregado dentro da realidade

teoloacutegica cristatilde originalmente foi de alguma maneira semeada por Justino

Ainda sobre esta praacutetica hermenecircutica de se assemelhar a teorema dos filoacutesofos gregos

com a revelaccedilatildeo biacuteblica (ou Patriacutestica) notamos com facilidade a apresentaccedilatildeo de certas

evidecircncias que nos levam ao ldquoberccedilordquo da obra do Apologista Definitivamente Justino parece

agregar conceitos em seu relato que claramente evidenciam isto pois ldquoa principal contribuiccedilatildeo

dos apologistas (sendo Justino expoente no contexto) foi sua tentativa de correlacionar o

cristianismo com a erudiccedilatildeo grega tentativa que encontrou sua expressatildeo mais marcante na

teoria do Logos e sua aplicaccedilatildeo agrave cristologia (mateacuteria determinante em Justino)rdquo464

A teoria cristatilde sobre o Logos tem caraacuteter preceituador e exerceu impacto relevante na

histoacuteria dogmaacutetica cristatilde pois de maneira imperiosa tornou acessiacutevel a sua realidade intelectual

tanto intra quanto extra muros transmitindo a ideia de que ldquoeste Verbo este Logos que assim

iluminou progressivamente a mente humana eacute o proacuteprio Cristo tal como se revelou em Jesus

por meio do qual o pensamento e a vida encontraram o seu significadordquo465 Nesta mesma linha

Wachholz apresenta um paralelo forte desta soma de posiccedilotildees

Justino assume este discurso afirmando que em Jesus Cristo esse Logos que se fez

carne Jesus eacute fonte de todo o conhecimento Por outro lado Justino tambeacutem pode

afirmar que os pagatildeos tambeacutem puderam conhecer o Logos embora parcialmente

(inclusive Soacutecrates e Platatildeo) Os cristatildeos por sua vez conhecem o Logos tal qual ele

eacute por causa da encarnaccedilatildeo do mesmo em Cristo466

Devemos ainda agregar a influecircncia estoica ndash a qual neste ponto de forma mais direta

inspirou intelectualmente a Justino ndash agrave preponderacircncia junto a apresentaccedilatildeo do Logos como o

462 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

463 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995

464 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999 p 24 grifo nosso

465 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

466 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 59

107

princiacutepio elementar (material e imaterial) de todas as coisas existentes nos escritos de Justino

O estoicismo mais que o platonismo conseguia de modo mais teacutecnico467 e com maior rigor no

periacuteodo definir tanto a convicccedilatildeo teoloacutegica de Justino468 como de todo o segmento Apologista

cristatildeo Dreher consegue frisar tal relaccedilatildeo e consequecircncia desta realidade ldquoLogos eacute para os

estoicos a Razatildeo Universal que tudo penetra e tudo comanda que tudo ordena Tambeacutem Justino

viu no Logos a Razatildeo Universal mas que se teria revelado no cristianismo de maneira mais

perfeitardquo469

Outro importante apontamento que merece destaque estaacute na ideia de criaccedilatildeo e

manutenccedilatildeo operado pelos Logos Aqui enfatiza-se que tudo estava ordenado pela Palavra que

era e foi criadora sustentadora e orientativa mais ainda tudo provinha desta mesma Palavra

que possuiacutea e estava (mantinha-se) em uma realidade imanente e preexistente a tudo Simonetti

afirma que ldquofunda-se sobre a conspecccedilatildeo de Cristo como Logos divino e nessa condiccedilatildeo

princiacutepio de racionalidade universal cujas sementes (spermata) entram em toda a criaccedilatildeo e

habilitam o homem a conhecer Deus como criador organizador e regente do mundordquo470 Disso

tudo podemos afirmar que Justino e seus contemporacircneos de fides et toga entendiam que ldquotoda

a verdade estaacute no Logos [] Logo toda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo471

Cabe-nos nesse conjunto apontar que na exposiccedilatildeo intelectual de Justino referente ao

Logos este natildeo desenvolve com clareza aquilo que seria a presenccedila da Palavra nos outros

homens Em seus registros vemos em alguns momentos que essa relaccedilatildeo de habitaccedilatildeo do Logos

(entendido como incipiente) no ser humano eacute descrita como um processo de semeadura (o

Logos sendo semeado)472 jaacute em outras passagens a analogia se constroacutei atraveacutes de uma imagem

467 Os Apologista do Seacuteculo II empregavam textos do Antigo Testamento como o Salmo 336 (ldquoOs ceus por sua

palavra [isto eacute pela Palavra do Senhor] se fizeramrdquo) onde natildeo hesitavam em misturaacute-los com a distinccedilatildeo teacutecnica

que os estoacuteicos faziam entre ldquopalavra imanenterdquo (grego logos endiathetos) e a ldquopalavra pronunciada ou expressardquo

(grego logos prophorikos) Esta distinccedilatildeo empregada pelos Apologistas visava diferenciar o duplo fato da

unicidade preacute-temporal de Cristo Seu estado preexistente com o Pai Sua manifestaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo

Ver KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

468 Nessa construccedilatildeo teoacuterica que em determinados momentos parece procurar indiacutecios sustentaacuteveis sobre qual

seria o sistema filosoacutefico de maior influecircncia na formaccedilatildeo do conceito de Logos em Justino ganha destaque o

apontamento de Simone o qual utilizando-se de um caraacuteter sucinto e soacutebrio parece definir com normatividade

esta relaccedilatildeo e seu desenvolvimento ldquoseu conceito estaacute mais proacuteximo do meacutedio platonismo do que do estoicismo

isto eacute a terminologia eacute estoica mas o pensamento subjacente eacute platocircnicordquo Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo

e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 798

469 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

470 SIMONETTI In Justino Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica 2010 p 1148

471 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 27 grifo nosso

472 Ver JUSTINO I Apologia XXXII 8 JUSTINO II Apologia VIII 1

108

de ldquoocupaccedilatildeordquo (posse) tanto plena473 quanto parcial474 em sua abrangecircncia475 O proacuteprio Justino

em sua II Apologia nos conduz a uma afirmaccedilatildeo de caraacuteter muito pertinente na tentativa de

explicar o porquecirc da accedilatildeo e necessidade da Palavra se manifestar aos homens Nessa afirmaccedilatildeo

ele regula o cristianismo como algo superior aos demais ensinos que procuravam ensinar sobre

a realidade do Logos como sendo um elemento orientativo Justino escreve sobre isso e afirma

que ldquoPortanto a nossa religiatildeo mostra-se mais sublime do que todo o ensinamento humano

pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo inteiro que eacute Cristo manifestado por noacutes

tornando-se corpo razatildeo e almardquo476

Justino nessa abordagem acaba por gerar em seu contexto uma evidenciaccedilatildeo

cristoloacutegica de importacircncia iacutempar pois salienta que a ldquodiferenccedila entre Cristo e os Homens

comuns encontra-se natildeo em alguma disparidade essencial de constituiccedilatildeo mas no fato de que

enquanto o Logos opera neles de forma fragmentada (kata meros) ou como uma semente em

Cristo Ele opera como um todordquo477 ou seja no Verbo que encarnou temos a plenitude da

manifestaccedilatildeo do Logos divino sendo este aquele mesmo que os filoacutesofos gregos anteriormente

jaacute haviam esquematizado478 poreacutem de maneira imperfeita

Prosseguindo em nossa construccedilatildeo algo que fica evidente neste exame eacute que mais que

esboccedilar uma ldquoexplicaccedilatildeo intelectualmente satisfatoacuteriardquo479 para o Logos Justino procura ser

expressivo mas natildeo necessariamente um sistemaacutetico deixando-nos carecentes de uma loacutegica

argumentativa mais robusta nesta questatildeo

Nesse aspecto encontramos orientaccedilatildeo junto a obras como a de Santos que

especificamente em nosso objetivo de pesquisa aparece provavelmente como uma das mais

qualificadas definiccedilotildees sobre agrave visatildeo de Justino e sua ressignificaccedilatildeo sobre o assunto Logos de

que disponibilizamos Partindo de dados extraiacutedos da anaacutelise sociorreligiosa do Seacuteculo II e a

473 Ver JUSTINO I Apologia XLVI 3

474 Ver JUSTINO II Apologia X 2 XIII 3

475 Deve-se distinguir entre o ldquoVerbo inteirordquo ingecircnito inefaacutevel o proacuteprio Cristo e o ldquoVerbo seminalrdquo que habita

nos homens especialmente nos saacutebios Ver FRANGIOTTI In Nota c II Apologia 1995 p 74

476 JUSTINO II Apologia X 1

477 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 108

478 Para Simone Justino se ampara claramente em uma tese oriunda do meacutedio platonismo quando procura

estabilizar sua ideia sobre haacute preexistecircncia antiguidade e universalidade do Logos Nesta inferecircncia o Apologista

baseia-se na ideia do meacutedio platonismo de que a transformaccedilatildeo do demiurgo miacutetico de Platatildeo visto como uma

forma de mente transcendente (PLATAcircO Timeu-Criacutetias 28c) se associa plenamente haacute figura do Deus Pai e

Criador do Cosmos trazida pela revelaccedilatildeo (sublime) do cristianismo Sendo deste modo o Logos apresentado

como ldquonascidogeradocriadordquo a partir do proacuteprio Deus Ver SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799 LOPES In Nota 67 Timeu-Criacutetias 2011 p 95

479 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 71

109

estes somando algumas porccedilotildees da II Apologia de Justino Santos estabelece uma soacutelida

conexatildeo entre o Logos e o cristianismo Nesse conjunto de dados Santos consegue incorporar

a sua descriccedilatildeo uma das evidecircncias fundamentais que apontavam diretamente na diferenciaccedilatildeo

do extrato social agrave eacutepoca denominado cristatildeo Essa conjectura aplica-se assim se por um lado

o Logos eacute eterno foi anunciado anteriormente pelos profetas esteve manifesto na mente

(brilhante) dos filoacutesofos Logo isso o define como cristatildeo Conclusatildeo o Logos eacute Cristo Nossa

deduccedilatildeo eacute fraacutegil (em sentido teacutecnico) nem visa ser emblemaacutetica No entanto define e salienta

o pensamento de Justino que como veremos abaixo Santos ratifica se utilizando de raciociacutenio

similar por entender que Justino demonstra com clareza a concepccedilatildeo cristatilde daquele periacuteodo

sobre o Logos

O Logos total eacute aquele que soacute os cristatildeos possuem Por isso o cristianismo eacute a religiatildeo

por excelecircncia acima de toda filosofia e de qualquer matriz de pensamento humano

Justino declara que o cristianismo ldquomostra-se mais sublime do que todo o ensinamento

humano pela simples razatildeo de que possuiacutemos o Verbo por inteiro que eacute Cristo

manifestado por noacutes tornando-se corpo razatildeo e almardquo (JUSTINO II Apologia X 1)

O Logos eacute o Deus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles que

manifestam o Logos divino pois o possuem de forma integral O que eles manifestam

do Logos eacute o seu amor pela humanidade que eacute a razatildeo maacutexima de sua encarnaccedilatildeo

Entatildeo os cristatildeos revelam ao mundo que ldquoEle se tornou homem para partilhar de

nossos sofrimentos e curaacute-losrdquo (JUSTINO II Apologia XIII 4) O Logos serve para

explicar a semelhanccedila do comportamento moral dos cristatildeos com os ensinamentos dos

filoacutesofos principalmente os platocircnicos e estoicos (JUSTINO II Apologia XIII 2) e

ao mesmo tempo classifica os cristatildeos como superiores a eles (JUSTINO II Apologia

X 1)480

Para concluir a exposiccedilatildeo acerca de Justino dentro da filosofia grega podemos afirmar

sem nenhuma duacutevida que o Apologista eacute um verdadeiro filoacutesofo que entre outras coisas

compreendeu e praticou a vivacidade da revelaccedilatildeo do Logos divino entre os homens sempre

salientando que ldquotoda a verdade deve ser relacionada ao Logosrdquo481 Assim neste processo

conduzido por Justino podemos afirmar que revelou-se ldquoa grande ideia (Logos) marcada com

o selo do gecircnio (Justino) que vai fazer desembocar na verdade cristatilde o platonismo o filonismo

e toda a expectativa das geraccedilotildees humanasrdquo482

A partir disto prosseguiremos falando a respeito do capiacutetulo XXVIII de nossa obra

referencial Poreacutem a partir de agora abordaremos precisamente uma de suas principais

480 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

481 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 29

482 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279

110

caracteriacutesticas Essa peculiaridade que possivelmente se mostra como a mais elaborada entre

as proposiccedilotildees por noacutes jaacute apresentadas realccedila e enobrece nossa busca pelos melhores

argumentos para a definiccedilatildeo do termo Verdade retratado na I Apologia Assim uma

interrogaccedilatildeo elementar em nossa construccedilatildeo comeccedila a ser diretamente respondida

33 RAZAtildeO DEUS SE PREOCUPA COM ESSAS COISAS

No princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional capaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus

pois todos foram criados racionais e capazes de contemplar a verdade Se algueacutem natildeo

crecirc que Deus se preocupe com essas coisas ou teraacute que confessar com sofismas que

natildeo existe ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como

uma pedra Virtude e vicio seriam puros nomes e os homens considerariam as coisas

como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidade483

O uacuteltimo item deste capiacutetulo visa possibilitar uma clara visatildeo bem como garantir a

genuiacutena adesatildeo ndash questatildeo que entendemos natildeo apenas como necessaacuteria mas sim como

fundamental para a compreensatildeo deste conceito ndash agrave perspectiva de Justino quanto ao que ele

sentenciou como algo determinante em sua proposta apologeacutetica Este modelo de conduta

adotado por Justino natildeo apenas relacionado pontualmente neste caso (I Apologia) caracteriza

com vigor desde o iniacutecio sua orientaccedilatildeo intelectual Aleacutem disso Justino passou a afirmar com

esta evidenciaccedilatildeo de casos toda sua ordem teoloacutegica baseada em sua anaacutelise racional como

tambeacutem agrave explicava ou no miacutenimo agrave definia mediante a maneira que estas relaccedilotildees se

posicionavam

Walde ao analisar aquilo que poderiacuteamos chamar do ldquocampo de anaacutelise racionalrdquo de

Justino ndash ao qual este estabelecia e limitava a sua reflexatildeo ndash sustenta que o pensamento da

Apologista parte de um ponto fixo de uma base depositada profundamente num conceito de

sua racionalizaccedilatildeo Segundo Walde para Justino ldquoQualquer coisa racional eacute cristatilde e qualquer

coisa cristatilde eacute racional Os Logos dotaram a todos os homens da razatildeo e liberdade que natildeo

estavam perdidos desde a quedardquo484

Apoacutes esta citaccedilatildeo faz-se novamente necessaacuterio afirmar que esta pesquisa natildeo almeja

diretamente um debate soterioloacutegico nem sequer visa agregar conceitos ndash de nenhuma espeacutecie

ndash ao termo ldquoLivre Arbiacutetriordquo que empregado indiretamente por Walde possa sugerir debates

483 JUSTINO I Apologia XXVIII 3-4 grifo nosso)

484 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

111

teoloacutegicos nessa esfera Contudo salientamos que a ideia transmitida por Justino no capiacutetulo

XXVIII pode ser empregada com determinada liberdade nesta discussatildeo soterioloacutegica pois a

tomada do Livre Arbiacutetrio como atributo caracteriza uma abrangecircncia muito significativa

especialmente quando Justino afirma que o homem racional eacute ldquocapaz de escolher a verdade e

praticar o bem de modo que natildeo existe homem que tenha desculpa diante de Deus pois todos

foram criados racionais e capazes de contemplar a verdaderdquo485

Entretanto agregar este ldquoescolherrdquo para fins soterioloacutegicos na tentativa de se

apresentar alguma possibilidade (em forma ou modo) de participaccedilatildeo humana no ato salviacutefico

de Deus em Cristo buscando dar o sentido de que o convencimento salviacutefico natildeo eacute uma

exclusividade da accedilatildeo Divina parece-nos ser um literal descaso com o texto uma vez que se

agrega a Justino algo que ele simplesmente natildeo estava tentando comunicar

Dando seguimento ao nosso assunto mencionamos que o principal criteacuterio que

procuramos definir nesta exposiccedilatildeo estaacute relacionado a importacircncia delegada por Justino agrave razatildeo

humana Eacute imprescindiacutevel nesta construccedilatildeo salientarmos que este recurso humano

(razatildeoracionalidade) era compreendido por Justino (e tambeacutem dos demais Apologistas do

periacuteodo) como uma das principais (se natildeo haacute principal) daacutedivas de Deus ao ser humano486 e

natildeo apenas isso mas este ldquopresenterdquo (uma espeacutecie de ldquodomrdquo praacutetico) possuiacutea tambeacutem uma

accedilatildeo determinante na existecircncia humana para com as coisas celestiais tanto no presente

(cotidiano) como para o futuro (escatoloacutegico) do ser criado

Inicialmente detectamos em Justino a importacircncia por ele atribuiacuteda agrave racionalidade

no homem quando passa a afirmar que ldquoNo princiacutepio ele criou o gecircnero humano racional

capaz de escolher a verdade e praticar o bemrdquo487 Desta forma na concepccedilatildeo do Apologista a

Verdade era comunicada ndash ou ateacute mesmo sentenciada ndash ao ser humano por meio de sua

condiccedilatildeo inata (existente e natildeo adquirida) ou seja seu estado racional Aqui cabe-nos ainda

ressaltar que para Justino o homem para receber a revelaccedilatildeo da feacute em Cristo e mediante isso

agregar a si as benesses eou becircnccedilatildeos desta relaccedilatildeo se fazia necessaacuterio uma transmissatildeo desse

conhecimento ao entendimento humano e isso se dava pelo uso da razatildeo

Walde novamente soma a nossa pesquisa ao conceituar que ldquoDeus simplesmente natildeo

era conhecido por meio da razatildeo abstratardquo488 Assim podemos afirmar que Justino compreendia

485 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

486 DROBNER Manual de Patrologia 2008

487 JUSTINO I Apologia XXVIII 3 grifo nosso

488 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 2

112

(fortemente influenciado por uma tendecircncia apologista) que a Verdade naturalmente emergia

ao intelecto humano pela razatildeo apoacutes a conversatildeo do homem a Cristo Isso se condicionava

porque era o proacuteprio fruto da accedilatildeo regeneradora do Evangelho no ser humano que agora era

capaz de compreender o processo de separaccedilatildeo entre o joio e o trigo caso contraacuterio os ldquohomens

considerariam as coisas como boas ou maacutes unicamente por sua opiniatildeo o que eacute a maior

impiedade e iniquidaderdquo489

Neste contexto vemos um contraste interessante se formar Pois o Apologista nos

conduz a um quadro extremo no qual apresenta a opiniatildeo humana versus a Verdade Neste

ponto importa mencionarmos Fluck que afirma que Justino ldquoConsiderava que os adversaacuterios

do cristianismo insultavam a razatildeo e a moralrdquo490 Pode ateacute mesmo ser loacutegico poreacutem para nossa

pesquisa eacute imperativo e necessaacuterio salientar que para Justino natildeo havia duacutevidas acerca da

superioridade da Verdade quando revelada (especialmente no Logos) em oposiccedilatildeo agrave razatildeo

humana (caracterizada principalmente pela razatildeo oriunda da filosofia grega) Neste aspecto

Walde eacute categoacuterico e nos apresenta alguns paracircmetros dessa distinccedilatildeo empregada por Justino

Devo notar aqui que esta ecircnfase na razatildeo natildeo deve nos fazer pensar que a feacute natildeo

significava nada para Justino Ele se refere muitas vezes agrave feacute em suas apologias Ele

fala de noacutes sendo transformados ldquopor feacute atraveacutes do sangue e da morte de Cristordquo Ele

inclusive se refere a Abraatildeo que ldquofoi justificado e abenccediloado por Deus devido a sua

feacute nelerdquo No entanto o assunto de conhecimento eacute central aqui porque Justino deu

mais peso em crer nos ensinos de Cristo que crer no proacuteprio Cristo491

Em vista disso natildeo haacute duacutevidas de que a capacidade para decidir para escolher para

tonificar juiacutezos para agregar ou natildeo inferecircncias ou ateacute mesmo para se possuir um meacutetodo de

postura loacutegica passava claramente pela apropriaccedilatildeo da Verdade por meio da razatildeo humana na

concepccedilatildeo de Justino Sendo possiacutevel a partir de entatildeo formar-se no homem (exclusivamente

na experiencia cristatilde ndash com o verdadeiro Logos) os acordos morais para constituiccedilatildeo dos

pensamentos ou das ideias necessaacuterias para a vida humana

Por conseguinte somente aqueles que agregavam a si esta ldquorazatildeordquo (o Logos) poderiam

usufruir de um verdadeiro discernimento e juiacutezo que era proveniente Daquele que se tornou

489 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

490 FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 32 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da

Feacute Cristatilde 2014 p 15

491 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

113

ldquocorpo razatildeo e almardquo492 Diante disso clarificasse a ideia e torna-se vigente o conceito de que

para Justino o Logos eacute o ldquoDeus visiacutevel que manifesta o Deus invisiacutevel Os cristatildeos satildeo aqueles

que manifestam o Logos divino pois O possuem de forma integralrdquo493 Neste ponto em questatildeo

Schaff nos ajuda na compreensatildeo desta distinccedilatildeo

O cristianismo conteacutem a racionalidade necessaacuteria para ser aceito e compreendido pela

filosofia grega Dessa maneira defendendo o cristianismo Justino defendeu a feacute

cristatilde referindo-se agrave feacute em Cristo como forma de justificaccedilatildeo e transformaccedilatildeo sendo

essa feacute totalmente racional494

Este comportamento da feacute compreendida eou assimilada pela razatildeo mostrou-se mais

como uma forma de pensamento do que de conduta naquele momento da histoacuteria495 Isso levou

a classe Apologista do periacuteodo de Justino (praticamente toda helenista em sua origem eou base

cultural) a considerar este procedimento justo e legiacutetimo em sua ordem o que tambeacutem de

maneira muito razoaacutevel possibilitou que este entendimento fosse aceito e vivido496 de forma

significativa em determinados nichos da referida realidade sociorreligiosa

Neste quesito em particular notamos com clareza que o procedimento adotado por

Justino para defender a feacute cristatilde se utilizou de admiraacuteveis recursos filosoacuteficos (racionais)

Justino ldquoSoube juntar admiravelmente os princiacutepios da razatildeo com os dogmas da feacuterdquo497 para

comunicar-se com uma classe distinta intelectualmente de modo especial com aqueles

(Imperadores Senadores outros) aos quais as obras foram dirigidas (a I e II Apologias e o

Diaacutelogo com Trifatildeo no caso de Justino especificamente) A legitimidade da proposta de Justino

(apresentar a feacute cristatilde como um fato racional a ser implantado e assimilado pelos ouvintes)

permite algumas consideraccedilotildees Walde argumenta nesta direccedilatildeo quando diz

Era importante mostrar a racionalidade da feacute e o Logos era o locus da razatildeo nas altas

escolas de filosofia grega [] Isso garantiu a racionalidade do cristianismo

492 JUSTINO II Apologia X 1

493 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 47

494 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

495 HAumlGGLUND Histoacuteria da Teologia 1999

496 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988

497 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 52

114

identificando a Jesus como o Logos indicando Sua antiguidade que era importante

para a mentalidade grega em estabelecer uma crenccedila498

A partir deste ponto fomentaremos a atribuiccedilatildeo enfaacutetica do capiacutetulo XXVIII da I

Apologia onde Justino afirma com veemecircncia e certo rigor que ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus

se preocupe com essas coisasrdquo499 este (ou estes) passa por um consideraacutevel descompasso de

ordem moral Esta afirmaccedilatildeo eacute muito relevante no conjunto em que estaacute aplicada pois denota

de maneira singular toda a estrutura da mensagem do Apologista

Referente a esse caso nos eacute possiacutevel afirmar balizados em toda a descriccedilatildeo

empreendida do sistema de loacutegica adotado por Justino ndash sob clara influecircncia da escola

platocircnica500 ndash que para o Apologista os natildeo-cristatildeos (praticantes ou natildeo dos valores atribuiacutedos

a razatildeo) natildeo conseguiam ponderar com a autecircntica ldquorazatildeo universalrdquo a mesma que era e estava

implantada no ser humano de maneira inata e agora se fazia conhecer porque manifestava-se

nas vidas (consciecircncias regeneradas) dos cristatildeos501

A concepccedilatildeo sobre uma ordenaccedilatildeo coacutesmica universal vista na filosofia estoica502

comeccedila no contexto teoloacutegico de Justino a ser denominada de Logos Spermatikoacutes503 Conceito

que de forma ampla e sistemaacutetica passa a ser usado pelo autor ndash e consequentemente pelo meio

cristatildeo ndash em sua II Apologia na qual Justino ldquoatribui a Cristo a expressatildeo lsquoLogos Spermatikoacutesrsquo

(verbo seminal ou semente da razatildeo) significando que dEle procedem todas as coisasrdquo504

Assim quando os homens natildeo aceitam a distinccedilatildeo que a Verdade oferece para tudo que a ela eacute

estranho prova-se que eles (homens) necessariamente agem sem estar em seu juiacutezo pleno

completo perfeito ou seja natildeo satildeo dirigidos nem governados pelo verdadeiro Logos Nisso se

498 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

499 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

500 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

501 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

502 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

503 Fluck explica que o que se entendia na filosofia como ldquorazatildeo universalrdquo imanente em todas as coisas foi

relacionado a ldquosemente racionalrdquo que estaacute presente em todo ser humano (Logos Spermatikoacutes ou semente do

Logos) Ver FLUCK Teologia dos Pais da Igreja 2009 p 33 apud XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em

Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 17 Jaacute Haumlgglund diz que a razatildeo como um embriatildeo encontra-se implantada dentro

deles (Loacutegos Spermatikoacutes) Mas os apologistas em contraste com os estoicos natildeo diziam ser ela uma espeacutecie de

razatildeo universal concebida panteisticamente Em vez disso identificavam o Logos com Cristo Ver HAumlGGLUND

Histoacuteria da Teologia 1999 p 23

504 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 20

115

conclui que estes homens estatildeo corrompidos na ldquosua opiniatildeo o que eacute a maior impiedade e

iniquidaderdquo505

Logo podemos deduzir um final especiacutefico ao pensamento de Justino nesta periacutecope

Entendemos que o paralelo entre feacute e razatildeo eacute um excelente instrumento indicativo orientador

e balizador na tentativa de afirmaccedilatildeo de sua doutrina e de refutaccedilatildeo do erro sendo que o

constituidor dessa anaacutelise deficiente da realidade (o erro de natildeo se utilizar corretamente da

razatildeo) se estabelecia em um conjunto temaacutetico muito amplo e complexo (crenccedilas instituiccedilotildees

poliacutetica etc) o qual decidimos chamar de realidade ou meio sociorreligioso

Sabemos que aplicar o relato de Justino a anaacutelises contemporacircneas pode causar um

aprisionamento indevido de um pensamento nobre e puro mas eacute inquestionaacutevel o uso de meios

e ferramentas que mostram com clareza ndash em uma orquestraccedilatildeo quase impecaacutevel ndash os incriacuteveis

subsiacutedios racionais que Justino possui para julgar o cenaacuterio de seus conflitos Dreher nesta

esteira enfatiza que para Justino em ldquoCristo toda a filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo Por isso os

cristatildeos satildeo os verdadeiros seres racionaisrdquo506

Portanto deduzimos a partir de tantas evidecircncias que na compreensatildeo de Justino a

Verdade tambeacutem se encontra no seu oposto pois sempre que o homem natildeo usar da razatildeo para

assumir viver e praticar a Verdade ldquoou teraacute que confessar com sofismas que natildeo existe (a

Verdade) ou existindo se compraza com a maldade ou permaneccedila insensiacutevel como uma

pedrardquo507

Na abordagem deste capiacutetulo trabalhamos a construccedilatildeo da imagem de Justino Maacutertir

como um filoacutesofo inserido e atuante no mundo greco-romano do Seacuteculo II dC ou como citado

anteriormente da filosofia na vida do cristatildeo Justino Procuramos por meio deste exame fazer

uma clara e suficiente descriccedilatildeo do corpo base desta anaacutelise que partiu e se concentrou no

capiacutetulo XXVIII da I Apologia Em seguida passamos a um exame da vida do autor em meio

agrave filosofia de sua eacutepoca e descrevemos as principais influecircncias filosoacuteficas na formaccedilatildeo do

Apologista Aleacutem disso abordamos o efeito desta construccedilatildeo que possivelmente se tornou um

dos maiores (se natildeo o principal) legados deixado pelo autor Por uacuteltimo buscamos estabelecer

um comentaacuterio soacutebrio sobre a tese de Justino a respeito da realidade da razatildeo regenerada como

o agente arbitral na vida humana como a ldquoforccedilardquo condutora para se conhecer agrave Verdade

505 JUSTINO I Apologia XXVIII 4

506 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

507 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

116

No proacuteximo capiacutetulo trataremos do que em nossa opiniatildeo eacute o ponto epiteacutetico deste

relato apologeacutetico de Justino Mesmo diante de muitas circunstacircncias que em sua eacutepoca afligiam

consideravelmente a cristandade Justino nos apresenta uma ldquochave mestrardquo que no seu

entendimento nos prova que o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga e deste modo a uacutenica que

revela genuinamente a Verdade

117

4 A VERDADE REVELADA POR FATOS PROFEacuteTICOS SEGUNDO JUSTINO

Poderiam nos objetar ldquoQue inconveniente haacute em que esse que noacutes chamamos Cristo

seja um homem que vem de outros homens e que por arte maacutegica fez os prodiacutegios

que dizemos e por isso pareceu ser filho de Deusrdquo Apresentaremos pois a

demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos mas crendo por

necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da forma que os vemos

cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos tal como foram

profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes mesmos a mais forte

e a mais verdadeira508

Iniciamos a seccedilatildeo final desta dissertaccedilatildeo partindo novamente da principal delimitaccedilatildeo

textual empregada a esta pesquisa Neste espaccedilo nossa anaacutelise se concentraraacute no capiacutetulo XXX

da I Apologia onde encontramos uma enfaacutetica afirmaccedilatildeo apresentada acerca da leitura das

profecias do Antigo Testamento e da interpretaccedilatildeo que Justino fez delas

Quando examinamos a trajetoacuteria de Justino na feacute cristatilde nos deparamos com

comentaacuterios situacionais que visam fixar conjuntos referenciais sobre as coisas consideradas

reais as quais nos possibilitem identificar com clareza as situaccedilotildees existentes no cenaacuterio

analisado Uma dessas afirmaccedilotildees seria a de que ldquoSeguindo sua inspiraccedilatildeo (de Justino) logo

houve outros cristatildeos que se dedicaram a construir pontes entre sua feacute e a cultura da

antiguidaderdquo509 Asserccedilotildees como esta mostram um caminho amplo e sistecircmico de um projeto

de construccedilatildeo que visa estabelecer novos paradigmas neste caso especiacutefico para a cristandade

da eacutepoca

Este processo natildeo eacute formado simplesmente por elementos de coesatildeo mas tambeacutem por

muitas medidas de desconexatildeo Em alguns momentos o projeto evangeliacutestico de Justino eacute

desenvolvido majoritariamente por meios apologeacuteticos e foi amplamente caracterizado por

visar um processo de desconstruccedilatildeo dos valores vigentes de seu meio sociorreligioso algo que

jaacute atestamos anteriormente relacionando o processo dialeacutetico de Justino a outros fatores

Seguindo esse processo este capiacutetulo nasce da necessidade de apresentarmos uma

resposta satisfatoacuteria para algo que surge na parte final da porccedilatildeo selecionada como base

(capiacutetulos XXIII a XXX da I Apologia) de nossa busca de soluccedilotildees para o objetivo central desta

pesquisa Neste contexto um ponto epiteacutetico surge e se move em meio agraves palavras de Justino

sendo enfaticamente referido ao cumprimento profeacutetico do Antigo Testamento Esse caso

508 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

509 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

118

interpretativo do Apologista natildeo ocorre apenas no capiacutetulo XXX mas tambeacutem em outras

passagens da I Apologia510 as quais condicionaratildeo o alvo final de nossa anaacutelise

Entretanto se haacute um epiacuteteto significa que haacute um cliacutemax neste conjunto que requer ser

exposto e acima de tudo abordado Deste modo surgem algumas indagaccedilotildees sobre este ponto

alto levantado e abordado por Justino Essa busca nos leva a perguntar como estava a

consciecircncia sobre a realidade messiacircnica no Seacuteculo II em meio aos cristatildeos O que eram e o

que significavam as profecias consideradas messiacircnicas do Antigo Testamento para Justino

Elas se realizaram na visatildeo do autor O que ele visava comunicar para seus leitores atraveacutes

delas Havia nelas um ponto alto uma maacutexima a ser revelada Por uacuteltimo havia como a

Verdade ser revelada eou representada por meio do cumprimento dessas profecias

41 O MESSIANISMO ATEacute OS DIAS DE JUSTINO

O messianismo como movimento teoloacutegico tem uma longiacutenqua e variada histoacuteria em

sua estruturaccedilatildeo e desenvolvimento Diversos cenaacuterios humanos desde as antigas dinastias do

Impeacuterio Egiacutepcio passando por quase todo crescente feacutertil chegando ateacute a antiga realeza

Mesopotacircmica descreviam traccedilos de similaridade que apresentavam um ser protagonista em

seu ambiente poliacutetico e religioso (caso essa diferenciaccedilatildeo possa existir para a eacutepoca) o qual

passa a caber como uma entidade superior gerada manifestada sustentada e dirigida

Divinamente

A pesquisa moderna nos tem surpreendido de maneira constante ao apresentar

elementos encontrados nas civilizaccedilotildees antigas os quais se referem agrave ideia sobre a existecircncia

de uma figura messiacircnica de presenccedila soberana potencial salviacutefico e valor moral ilibado O

Egito como um grande Impeacuterio na antiguidade jaacute nos expotildee uma diversidade de personagens

exoacuteticos (que envolviam essencialmente a figura do ImperadorFaraoacute) que deveriam de

maneira fundamental exercer uma ordem religiosa poliacutetica e moral Cabe-nos ressaltar de iniacutecio

que ldquolonge de produzir qualquer coisa parecida com a figura de um lsquoMessiasrsquordquo511 como no

judaiacutesmo as crenccedilas religiosas no antigo Egito salientavam que esse agente mantenedor da

ordem coacutesmica ndash com accedilatildeo visiacutevel no tempo presente ndash faria por meio de sua sucessatildeo

(dinastia) a manutenccedilatildeo desses elementos cariacutessimos para o bem geral e deste modo

510 Ver JUSTINO I Apologia XXXIII 1 XXXVI 6 XLIV 3 XLVIII 1 LI 6 LII 1 4

511 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 52

119

possibilitaria a passagem para o mundo futuro de qualidade superior por ser santificado pela

ldquopassagem do deus-Sol pelo aleacutemrdquo512

Quanto agrave regiatildeo da Mesopotacircmia os povos de origem Sumeacuteria Babilocircnica e Assiacuteria

demonstram similar afinidade quando buscam exteriorizar o modelo de realeza ideal a ser

desempenhado pelo respectivo soberano em atividade Nestes povos nos chama a atenccedilatildeo que

a linhagem deste personagem era considerada uma inquestionaacutevel instituiccedilatildeo Divina sendo

ldquodesignado pelo pai (Rei predecessor) como o priacutencipe herdeirordquo513 Tal nomeaccedilatildeo era ldquofeita

com a aprovaccedilatildeo dos deusesrdquo514 algo que tambeacutem ocorre de forma similar na aprovaccedilatildeo de

Davi e sua linhagem como monarquia perpeacutetua515 Quanto aos Mesopotacircmicos ainda eacute

necessaacuterio mencionar a respeito de suas ldquoinscriccedilotildees reacutegiasrdquo516 que apresentavam a solene

tradiccedilatildeo ao povo tambeacutem traziam consigo a responsabilidade de descrever o ethos do Soberano

como algueacutem que fora designado e iluminado divinamente para o cargoposiccedilatildeo Essa

contestaccedilatildeo explica por que ldquoNesse sentido a antiga Mesopotacircmia era verdadeiramente

messiacircnicardquo517

No Antigo Testamento variadas e amplas satildeo as alternativas que se apresentam na

construccedilatildeo de uma possiacutevel linha de pesquisa sobre o tema Elas perpassam todo o texto biacuteblico

do Pentateuco aos Profetas Menores ganhando destaque junto aos Livros Histoacuterico que ldquonos

permitem conhecer todas as luzes e sombras da esperanccedila messiacircnicardquo518 aleacutem de tambeacutem

encontrar uma ecircnfase diretiva nos Profetas Maiores (Isaiacuteas e Ezequiel por exemplo) Contudo

eacute nos escritos Poeacuteticos e Sapienciais que encontra-se o repouso pleno dessa mensagem de

esperanccedila e o Livro dos Salmos ganha significativa relevacircncia junto ao cenaacuterio Hamilton nos

enfatiza que a ldquoliteratura de Salmos considera de modo todo especial o mashicircah como agente

512 BAINES In A realeza egiacutepcia antiga formas oficiais retoacuterica contexto Rei e Messias em Israel e no Antigo

Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

513 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 grifo nosso No Original

Designato dal padre come principe ereditario

514 CAZELLES Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento 1993 p 43 No original fatta con

lapprovazione degli dei

515 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 53

516 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

517 LAMBERT In A realeza na antiga Mesopotacircmia Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 73

518 SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 103

120

de Deus ou seu vice regente (como em Sl 22)rdquo519 Esta perspectiva ndash recebida mediante os

escritos considerados profeacuteticos sobre a figura ldquosalviacuteficardquo para Israel ndash fica clara quando

salienta a trajetoacuteria do Ungido ao fazer seu percurso de caraacuteter libertador e restaurativo Este

anuacutencio salviacutefico conecta-se automaticamente de forma simples ao proacuteximo passo desta missatildeo

libertadora520 a qual consideraraacute as profecias como realizadas em definitivo

Ao examinarmos alguns dos conceitos fundamentais da hermenecircutica messiacircnica no

Novo Testamento vemos que a expectativa sobre o restabelecimento de um reino Daviacutedico

sobre a terra (amplamente difundido na concepccedilatildeo religiosa do judaiacutesmo tardio) faz com que a

Nova Alianccedila estabelecida na concepccedilatildeo dos cristatildeos atraveacutes do advento do Ungido ganhe

contornos bem definidos no sentido de enxergar na figura de Jesus Cristo o cumprimento

absoluto das promessas messiacircnicas

Dos Evangelhos ao Apocalipse de Joatildeo o messianismo que antes representava

majoritariamente um princiacutepio de restauraccedilatildeo poliacutetica e espiritual para diversos movimentos

judaicos passou a ganhar nova e emblemaacutetica posiccedilatildeo pois tudo ndash em maior ou menor

proporccedilatildeo dependendo do autor biacuteblico ndash foi constituiacutedo pela forte convicccedilatildeo do elemento

messiacircnico (como um ente) relacionado agrave ldquopresenccedila terrena passada de Jesus o Messias

(prometido a Israel)rdquo521 vinculando Este agrave realidade dos fatos presentes e dos eventos futuros

(escatoloacutegicos) aguardados pelos cristatildeos Importante tambeacutem citarmos que para a formaccedilatildeo

dogmaacutetica no Seacuteculo I os relatos histoacutericos do cristianismo (Atos dos Apoacutestolos) tiveram

fundamental importacircncia nesta construccedilatildeo teoloacutegica pois viriam ldquopara confirmar tanto a

historicidade do personagem quanto sua consideraccedilatildeo popular do Messiasrdquo522

Tratando-se do periacuteodo poacutes-apostoacutelico ateacute os dias de Justino ndash ponto que se torna o

delimitador desse item ndash vemos que uma pujante cristalizaccedilatildeo sobre o conceito messiacircnico se

estruturava sem maiores dificuldades O relato escrituriacutestico somado agrave forte conscientizaccedilatildeo

sobre a existecircncia de um futuro reinado messiacircnico sobre a terra ratificava de forma decisiva

519 HAMILTON In 1255c maumlshicircah Ungido aquele que eacute ungido Dicionaacuterio Internacional de Teologia do

Antigo Testamento 1998 p 885 grifo do autor

520 Cabe-nos registrar que o periacuteodo entre 340 aC a 30 dC eacute riquiacutessimo no que se trata de documentaccedilatildeo

envolvendo o tema messiacircnico em Israel Os escritos de Qumran satildeo proacutedigos em registros que tratam sobre a

expectativaesperanccedila messiacircnica para o periacuteodo que antecede e inaugura o Novo Testamento Ver BROOKE In

Realeza e messianismo nos manuscritos do Mar Morto Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 451-472 SICRE De Davi ao Messias textos

baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 334-351

521 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 510 grifo nosso

522 MIRALLES El Mesiacuteas en tiempos del NT 2006 p 40 No original a confirmar tanto la historicidad el

personaje como su consideracioacuten popular de Mesiacuteas

121

a mentalidade cristatilde no periacuteodo a ponto de podermos afirmar que ldquotornou-se caracteriacutestica da

escatologia cristatilde primitiva por exemplo Justino Dial 113 139 Tertuliano Adv Marcionem

3 24 Irineu Adv Haer 5 33 3-4rdquo523 entre outros Pais ateacute final do Seacuteculo II o estabelecimento

do entendimento de que o pleno cumprimento das profecias messiacircnicas estava em Jesus Cristo

tanto nos fatos jaacute realizados quanto nos ainda por se cumprirem524 Este caso em especiacutefico

tambeacutem nos atesta que os Pais Apologistas foram aqueles que produziram os ldquoprimeiros ensaios

de teologia cientiacutefica que apareceram na Igrejardquo525 mostrando deste modo quatildeo notaacutevel foi

sua influecircncia Esta tendecircncia hermenecircutica messiacircnica na Patriacutestica perdurou ateacute o advento da

escola alexandrina no iniacutecio do Seacuteculo III526

Deste modo de maneira incontestaacutevel podemos afirmar que o messianismo como

temaacutetica teoloacutegica tornou-se uma das contribuiccedilotildees mais importantes da histoacuteria da

religiosidade monoteiacutesta a niacutevel mundial tendo como seus baluartes intelectuais o cristianismo

(de forma maciccedila) e algumas correntes do judaiacutesmo Este ideaacuterio teoloacutegico ndash que se concentra

em um ou dois agentes527 de superaccedilatildeo da realidade sociorreligiosa ndash iniciou-se provavelmente

como algo inserido profundamente em ditames de teor poliacutetico passando posteriormente a ser

um princiacutepio orientativo para determinados seguimentos religiosos e acabou por se definir em

uma expectativaesperanccedila de caraacuteter excepcionalmente escatoloacutegico

Salientamos que a partir do desenvolvimento da ldquoideologiardquo messiacircnica houve uma

abrupta ruptura entre as suas duas principais correntes de aclamaccedilatildeo especialmente devido a

singularidade identitaacuteria do protagonista algo de imensa relevacircncia para ambos os lados Este

fato requerido e inegociaacutevel em sua espeacutecie tornou-se o ldquoatestadordquo do cumprimento profeacutetico

das exigecircncias teoloacutegicas que distinguiam especialmente a ldquoliteratura cristatilde primitivardquo528

Obviamente sabemos que estas ldquobalizasrdquo envolvem a pessoa de Jesus morador histoacuterico da

cidade de Nazareacute como sendo o autecircntico Ungido (MessiasCristo) prometido a Israel

Os passos a seguir nos conduziratildeo de maneira especiacutefica novamente ao pensamento

de Justino Sua compreensatildeo do escopo profeacutetico messiacircnico do Antigo Testamento torna-se a

523 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 493 grifo do autor

524 Aqui nos referimos a tese moderna do ldquojaacute e o ainda natildeordquo desenvolvida por Oscar Cullmann Ver

CULLMANN Salvation in History 1967

525 INSUELAS Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja 1948 p 49

526 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

527 Ver SICRE De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica 2000 p 342-343

528 ROWLAND In Cristo no Novo Testamento Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo

dissertaccedilotildees do seminaacuterio veterotestamentaacuterio de Oxford 2005 p 492

122

partir de agora nosso alvo e objeto de anaacutelise Esse conjunto de fatos que exteriorizou a

revelaccedilatildeo Divina antes do advento do cristianismo como religiatildeo acabou por condicionar-se

entre outras coisas em um dos casos mais pertinentes da doutrina cristatilde em toda a sua histoacuteria

O Logos Palavra Verbo que encarnou na concepccedilatildeo cristatilde foi entendimento claramente como

o Messias prometido a Israel o qual toda a tradiccedilatildeo religiosa judaica (por seacuteculos) ainda

esperava poreacutem Justino junto aos seus (cristatildeos) jaacute o havia reconhecido e recebido como

Deus

42 AS PROFECIAS MESSIAcircNICAS NA VISAtildeO DE JUSTINO

Toda abordagem de Justino nesta temaacutetica possui um elevado grau de reconhecimento

especialmente devido agrave sua posiccedilatildeo Patriacutestica pois em Justino nos eacute possiacutevel afirmar que este

foi ldquoum dos primeiros autores cristatildeos a formular a exegese da presenccedila do Verbo-Messias na

Lei e nos profetasrdquo529 Esse reconhecimento se destaca por meio de um forte aparato

metodoloacutegico no qual a estruturaccedilatildeo escrituriacutestica do Apologista ganha ecircnfase Xavier salienta-

nos esta orientaccedilatildeo definindo-a como um proacutedigo ldquoponto cardealrdquo na temaacutetica do autor ldquosua

obra como um todo contribuiacute para explicar a feacute cristatilde baseada nas Escrituras como a fonte

suprema de autoridade cujas profecias podem ser compreendidas somente pela Graccedila de

Deusrdquo530

Ao analisarmos a I Apologia fica-nos evidente a relaccedilatildeo que Justino faz de forma

automaacutetica ou seja como uma consequecircncia procedimental do papel das Escrituras Sagradas

referente a manifestaccedilatildeo de Cristo como pessoa humana e como ministro das coisas celestiais

Aleacutem disso Justino contempla (reconhece) nas profecias toda a revelaccedilatildeo que Deus visou

apresentar aos Homens atraveacutes do Logos encarnado em Cristo Notamos que este

condicionamento oferecido por Justino acaba por se tornar desde cedo em sua anaacutelise profeacutetica

(do Antigo Testamento) algo absolutamente imperativo e imparcial para com o

desenvolvimento de sua perspectiva messiacircnica Na visatildeo do Apologista tudo o que eacute

legalmente oferecido e constituiacutedo em Cristo ldquorepousa nas profecias veterotestamentaacuterias e no

que ele chama de lsquomemoacuteriasrsquo dos apoacutestolos ou seja os evangelhos (JUSTINO I Apologia

LXVI 3)rdquo531

529 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

530 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

531 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

123

Neste contexto cabe-nos ressaltar esta importante fundamentaccedilatildeo do Texto Sagrado

como tambeacutem da Tradiccedilatildeo Apostoacutelica encontrada em Justino Estes alicerces da feacute cristatilde

significam e tem para Justino a funccedilatildeo de ldquobuacutessolardquo teoloacutegica a qual neste caso

especificamente sempre estaacute estabilizada na direccedilatildeo do ldquonorterdquo profeacutetico o qual sem exageros

podemos chamar de uma espeacutecie de ldquonorte messiacircnicordquo Isso porque sua interpretaccedilatildeo

(exegese) nasce de uma hermenecircutica claramente messiacircnica algo que notamos sempre de

forma niacutetida quando o Apologista aponta para a direccedilatildeo de tentar migrar agrave atenccedilatildeo ndash ou

poderiacuteamos dizer moldar o entendimento ndash de seus ouvintes para estes fatos (profecias

messiacircnicas) que possuiacuteam um teor incontestaacutevel na oacutetica do Apologista Indiscutivelmente

para Justino a ldquoprofecia eacute a prova maacuteximardquo532 eacute ldquoo ponto mais forte em relaccedilatildeo agrave veracidade

do cristianismordquo533

Algumas das passagens da I Apologia contribuem decisivamente para este conceito

Por exemplo quando Justino afirma ldquoDisso proveacutem nossa firmeza em aceitar seus

ensinamentos pois se manifesta realizado tudo quanto ele predisse que aconteceria Eis a obra

de Deus dizer as coisas antes que aconteccedilam e depois mostrar o acontecido tal qual ele foi

preditordquo534 Logo adiante no mesmo contexto o Apologista robustece ainda mais seu

raciociacutenio seguindo em uma de suas mais peculiares abordagens Justino claramente natildeo visa

um posicionamento maiecircutico535 nem busca uma manifestaccedilatildeo sofista para com o puacuteblico-alvo

de sua I Apologia Assim ele reafirma com zelo a determinaccedilatildeo de seu ideaacuterio de feacute

ldquoPoderiacuteamos terminar aqui o nosso discurso sem acrescentar mais nada considerando que

pedimos coisas justas e verdadeirasrdquo536

Neste trecho transparece-nos a ideia de que Justino reconhecia nas profecias algo de

elementar e misterioso que natildeo podia ser ocultado Para o Apologista estaacute expliacutecito que aquilo

que esta projeccedilatildeo Divina ndash de essecircncia clara devida e orientada segundo a obra do Espiacuterito

Santo ndash visava expressar ao conhecimento humano era o conteuacutedo filosoacutefico salviacutefico do Logos

que ldquoilumina toda alma de boa vontaderdquo537 fazendo com que as profecias da Antiga Alianccedila

532 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 23

533 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

534 JUSTINO I Apologia XII 10 grifo nosso

535 Maiecircutica (maimiddotecircumiddottimiddotca) grego maieutikeacute ciecircncia ou arte do parto Substantivo feminino Significa Uma das

formas pedagoacutegicas do processo socraacutetico a qual consiste em multiplicar as perguntas a fim de obter por induccedilatildeo

dos casos particulares e concretos um conceito geral do objeto em estudo Ver Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua

Portuguesa Disponiacutevel em lthttpsdicionariopriberamorgmaiecircuticagt Acesso em 12 de mar 2019

536 JUSTINO I Apologia XII 11 grifo nosso

537 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985 p 31

124

evidentemente conseguissem comunicar seu caraacuteter e estado superior o qual por ter-se

concretizado na manifestaccedilatildeo do Evangelho de Cristo atestava o cumprimento das Boas Novas

do Logos que os profetas (e tambeacutem os filoacutesofos538) haviam recebido no passado como um

sinal visiacutevel de que agrave Palavra Incriada visitaria plenamente aos homens Neste aspecto

podemos celebrar juntamente com Justino sua tentativa ordenada ndash e consequentemente loacutegica

ndash de aprumar a religiatildeo cristatilde neste cenaacuterio profeacutetico Sobre esta praacutetica Santos comenta o

seguinte

Em seu texto Justino parece revelar-nos que as profecias foram o que mais o

convenceram quanto agrave ldquoverdaderdquo do evangelho Se sua busca era encontrar Deus

(JUSTINO Diaacutelogo com Trifatildeo II 6) no cristianismo ele o encontrou a partir da

veracidade das profecias Elas eram a confirmaccedilatildeo de que o cristianismo era a

verdade que ele tanto procurava539

Quando se lecirc a I Apologia percebe-se que o contato de Justino com o Antigo

Testamento foi muito significativo algo que possivelmente foi ocasionado e fomentado por sua

relaccedilatildeo de proximidade na infacircncia e juventude com o ambiente judeu na cidade de Flaacutevia

Neaacutepolis mesmo que sua obra natildeo nos indique um ldquoconhecimento aprofundado do

judaiacutesmordquo540 do periacuteodo por parte de Justino

Contudo uma ordenaccedilatildeo de caraacuteter sadia ndash no sentido interpretativo ndash nos parece ter

surgido desde cedo na relaccedilatildeo analiacutetica de Justino para com as profecias veterotestamentaacuterios

Pode-se afirmar que os profetas e suas profecias lhe despertaram muito a consciecircncia e

provocaram grande reflexatildeo em Justino Dois outros aspectos chamam bastante a atenccedilatildeo

porque descrevem com consistecircncia a posiccedilatildeo hermenecircutica de Justino O primeiro estaacute

relacionado a sua defesa da ideia de que o Antigo Testamento retrata tipologicamente a Nova

Alianccedila O segundo eacute o conjunto messiacircnico desenvolvido na I Apologia541 algo que veremos

mais detalhadamente a seguir Voltando ao primeiro ponto a pesquisa de Xavier nos auxilia

significativamente pois consegue sintetizaacute-lo de forma ampla e coerente

538 Ver JUSTINO I Apologia XLIV 1-13

539 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114

grifo nosso

540 DROBNER Manual de Patrologia 2008 p 83

541 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012

125

No tratado ldquoContra Maacutercionrdquo refuta os ensinos deste que instigavam a crer em outro

deus maior do que o criador proferindo blasfecircmias e negando que o criador do

universo seja o Pai de Cristo Embora Marciatildeo fosse considerado cristatildeo ensinava

que o Antigo Testamento natildeo devia ser seguido pelos cristatildeos por ser muito diferente

dos ensinos de Cristo Os judeus por sua vez tambeacutem diziam que os cristatildeos

interpretavam mal o Antigo Testamento vendo nele a preparaccedilatildeo para a vinda de

Jesus Essas discussotildees propiciaram Justino a escrever ldquoDiaacutelogo com Trifatildeordquo onde

ele argumenta com o judeu Trifatildeo acerca da relaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e o Antigo

Testamento utilizando-se de tipologias visando demonstrar como se interpreta o

Antigo Testamento afirmando que ldquo[] o Antigo Testamento aponta para Jesus

principalmente de dois modos mediante suas palavras profeacuteticas e mediante atos e

accedilotildees que satildeo lsquofigurasrsquo ou lsquotiposrsquo que tambeacutem apontam para Jesusrdquo A interpretaccedilatildeo

tipoloacutegica de Justino baseia-se nos proacuteprios fatos histoacutericos em particular nos fatos

da vida de Jesus542

Nesta posiccedilatildeo do exame cabe-nos recordar e ressaltar o caraacuteter fortemente

empiacuterico543 que se apresenta novamente no relato de nosso autor Este se sustenta de maneira

consideraacutevel pois eacute utilizado como um criteacuterio comprobatoacuterio da metodologia apologeacutetica de

Justino Como jaacute vimos anteriormente Justino natildeo era um empirista segundo o rigor que o

termo exige a partir do Seacuteculo XVII Entretanto o Apologista parece conduzir a concepccedilatildeo do

real a uma inevitaacutevel relaccedilatildeo entre teoria e praacutetica especialmente no caso do Logos profetizado

que se manifestou em Cristo Assim torna-se inevitaacutevel reconhecer que para Justino a Verdade

se manifestou no reconhecimento da experiecircncia do homem para com agrave profecia Divina

Algo que tambeacutem nos chama bastante atenccedilatildeo nesta cena eacute que este suposto meacutetodo

empirista que poderiacuteamos chamar de claacutessico544 parece ser mais atrelado agraves teorias aristoteacutelicas

do que platocircnicas545 devido agrave grande valorizaccedilatildeo do meacutetodo indutivo Desta forma vemos no

capiacutetulo XXX da I Apologista um conjunto que visa apontar elementos de teor comprobatoacuterio

Nesta porccedilatildeo encontramos a partir da visatildeo do Apologista a seguinte conceituaccedilatildeo

Apresentaremos pois a demonstraccedilatildeo natildeo dando feacute agravequeles que nos contam os fatos

mas crendo por necessidade naqueles que os profetizaram antes de acontecer da

forma que os vemos cumpridos ou que estatildeo se cumprindo diante dos nossos olhos

tal como foram profetizados demonstraccedilatildeo que acreditamos que pareceraacute a voacutes

mesmos a mais forte e a mais verdadeira546

542 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 19

543 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

544 CHAUIacute Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I 1994

545 CHAUIacute Convite agrave Filosofia 1995

546 JUSTINO I Apologia XXX 1 grifo nosso

126

Algo de importacircncia singular em toda esta exposiccedilatildeo eacute o estabelecimento da ideia

como tambeacutem a percepccedilatildeo de um estado ativo de consciecircncia em Justino Para ele as profecias

veterotestamentaacuterias tecircm sua origem (entenda-se inspiraccedilatildeo) na terceira pessoa da Trindade547

O Espiacuterito Santo que Justino chama de ldquoEspiacuterito profeacuteticordquo548 aparece em seus registros como

Aquele que atua de forma proclamadora sendo o agente inspirador e formador no espiacuterito dos

profetas da Palavra a ser promulgada trazendo ao conhecimento de todos por meio desses

servos os eventos divinos que futuramente se revelariam Aqui vale-nos registrar que o

princiacutepio de pressaacutegio como algo que foi ajuizado para se revelar num tempo futuro possuiacutea

fundamental importacircncia nesta conceituaccedilatildeo Para Justino era imprescindiacutevel em sua

construccedilatildeo apologeacutetica salientar que as profecias foram registradas efetivamente antes de seu

cumprimento ou seja antes de terem se tornado fatos reais549

Neste contexto cabe-nos examinar duas passagens da I Apologia que promovem esta

ideia Sem desejarmos abordar de maneira direta qualquer outra ecircnfase teoloacutegica nestas

passagens ndash por exemplo aplicaccedilotildees escatoloacutegicas e outras ndash iremos apenas nos focar naquilo

que entendemos ser o grau de concordacircncia substancial oferecido e exigido por ambas as

porccedilotildees dentro de nossa temaacutetica A anaacutelise profeacutetica (interpretaccedilatildeo) do Apologista se

desenvolve desta forma

Entre os judeus houve profetas de Deus atraveacutes dos quais o Espiacuterito profeacutetico

anunciou antecipadamente os acontecimentos futuros e os reis que segundo os

tempos se sucederam entre os judeus apropriando-se de tais profecias guardaram-nas

cuidadosamente tal como foram ditas e tal como os proacuteprios profetas as consignaram

em seus livros escritos em sua proacutepria liacutengua hebraica [] E de novo o mesmo

profeta Isaiacuteas inspirado pelo Espiacuterito profeacutetico disse [hellip]rdquo550

De forma emblemaacutetica vemos na apresentaccedilatildeo de Justino relacionada ao proacuteprio

Cristo Logos Messias o ponto elementar e essencial para a interpretaccedilatildeo da revelaccedilatildeo profeacutetica

do Antigo Testamento uma vez que o conhecimento transcendental relacionado agrave pessoa de

547 Justino coordena com certa razoabilidade em seus escritos a descriccedilatildeo das Trecircs Pessoas Divinas utilizando-se

especialmente para isso de foacutermulas obtidas dos ritos de batismo e eucaristia Suas referecircncias ao Espiacuterito Santo

aparecem com normalidade em suas obras embora Justino natildeo seja absolutamente claro acerca da relaccedilatildeo entre as

funccedilotildees do Espiacuterito e as do Logos em algumas passagens Entretanto eacute niacutetido que o Apologista considerava que

estes (Pai Logos e Espiacuterito) eram realmente pessoas distintas Ver JUSTINO I Apologia LXI 3-12 KELLY

Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994 p 75

548 JUSTINO I Apologia VI 2

549 JUSTINO I Apologia XII 9-10

550 JUSTINO I Apologia XXXI 1 XXXV 3a grifo nosso

127

Jesus manifestava a sua proacutepria natureza ministerial ou seja revelava o Messias prometido a

Israel Em um contexto que aborda sobre Moiseacutes e as profecias messiacircnicas Justino eacute

categoacuterico em afirmar ldquoateacute agrave apariccedilatildeo de Jesus Cristo nosso Mestre e interprete das profecias

desconhecidas tal como foi de antematildeo dito pelo Espiacuterito Santo profeacutetico por meio de Moiseacutes

que natildeo faltaria priacutencipe dos judeus ateacute aquele para o qual estaacute reservada a realezardquo551

Nesta mesma abordagem torna-se importante fazer uma observaccedilatildeo quanto agrave

excepcional erudiccedilatildeo apresentada por Justino O Apologista fomenta uma impecaacutevel exegese

de caracteriacutestica e ordenamento dogmaacutetico algo que explica as peculiaridades do autor e seu

meio intelectual (Patriacutestico)552 distinccedilatildeo que tambeacutem pode ser detectada em sua apresentaccedilatildeo

de caraacuteter expositivo dos textos biacuteblicos utilizados553 Santos contribui decisivamente na

construccedilatildeo deste realce

Mas ele mesmo se mostra um exiacutemio exegeta ao enumerar e manusear as profecias

tanto do Antigo Testamento quanto as do Novo Testamento Justino as interpreta as

explica as esclarece revela a que se referem com uma forte argumentaccedilatildeo Haacute

algumas incoerecircncias em suas interpretaccedilotildees poreacutem estas satildeo frutos das boas

intenccedilotildees em demonstrar o quanto as profecias comprovam a superioridade da feacute dos

cristatildeos554

Notamos portanto que Justino representa mais do que uma ideia destacadamente ele

representa a continuidade de uma fiel relaccedilatildeo entre a profecia aplicada no passado e a

orquestraccedilatildeo de seu estabelecimento no presente555 Este presente que agora estaacute sob o efeito

daacute ldquotransformaccedilatildeo completa do conceito da filosofiardquo556 passa a ser entendido como um estado

contiacutenuo que invade e preenche o futuro com sua proclamaccedilatildeo por ser fidedignamente um

retrato do dogma cristoloacutegico557 ecircnfase que acaba por cristalizar-se a ponto de ser possiacutevel se

afirmar que ldquoJustino foi o primeiro verdadeiro teoacutelogo a formular uma teologia da histoacuteria

551 JUSTINO I Apologia XXXII 2b

552 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

553 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

554 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 114-

115

555 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

556 Para Boehner e Gilson agrave filosofia grega como ciecircncia entendida a eacutepoca passa para os cristatildeos o controle

histoacuterico de seus atos a partir da Era dos Pais Apologista sendo Justino o elemento decisivo para que ocorresse

esse fenocircmeno cultural Ver BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 28

557 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

128

cristocecircntricardquo558 Deste modo finalizamos este item com o pensamento de Walde Neste

vemos com clareza que no conceito de Justino a figura humana de Jesus Cristo era literalmente

a manifestaccedilatildeo do que poderia ser considerado ldquoprofecias cumpridasrdquo559

Adicionado a esta leitura apresentamos a partir de agora o exame de um dos elementos

teoloacutegicos mais caros ao cristianismo Este singelo criteacuterio nos conduziraacute ao cliacutemax daquilo que

Justino visava comunicar por meio do processo de revelaccedilatildeo contido nas profecias do Antigo

Testamento Deste modo iniciamos a parte final desta pesquisa O item seguinte iraacute

complementar o atual e finalizar este capiacutetulo com uma anaacutelise sobre o cumprimento profeacutetico

da Primeira Alianccedila sendo esse processo o grande resultado que para Justino equivale agrave

apropriaccedilatildeo da Verdade como uma definiccedilatildeo real sobre a vida e os acontecimentos humanos

pois para Justino isso prova de maneira definitiva que a Verdade estaacute com o cristianismo Essa

evidecircncia indubitaacutevel para o Apologista eacute a encarnaccedilatildeo de Cristo

43 A ENCARNACcedilAtildeO DO LOGOS APOGEU DA REVELACcedilAtildeO

Iniciamos este item citando a Walde que eacute emblemaacutetico ao se utilizar do pensamento

de Schaff quando procura introduzir em sua pesquisa um conjunto de mediadas loacutegicas que

parecem visar o estabelecimento de uma proposta a teologia de Justino Walde buscando de

maneira clara estabelecer um rigor de orientaccedilatildeo para causas que ele considera balizares

apresenta-nos mediante um meacutetodo a priori560 seu entendimento de que para Justino haacute uma

consequecircncia ndash dando-nos a impressatildeo de que este evento eacute o grau maacuteximo possiacutevel para o

caso ndash causal para aquilo que a humanidade testificou sobre a accedilatildeo salviacutefica de Deus Deste

modo Walde conjectura sobre a ideia de Schaff e nos afirma que ldquolsquoo cristianismo eacute a alta

razatildeorsquo para Justino lsquoO Logos eacute a razatildeo preacute-existente absoluta pessoal e Cristo eacute a encarnaccedilatildeo

dele o Logos encarnadorsquordquo561

Eacute oportuno aqui apresentarmos um resumo de alguns pontos essenciais jaacute

desenvolvidos em nossa pesquisa principalmente na questatildeo que envolve o conceito do Logos

em Justino poreacutem agora focado no dogma da encarnaccedilatildeo de Jesus Cristo

558 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

559 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

560 KLEINMAN Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 2014

561 SCHAFF Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the Christian Church 1910 p 723

apud WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5 grifo nosso

129

Desta maneira optamos por comeccedilar esta reapresentaccedilatildeo de uma forma mais geneacuterica

onde a explanaccedilatildeo de Dreher contribui de maneira significativa Ele escreve ldquoO cristianismo

segundo Justino natildeo soacute eacute a mais antiga como tambeacutem a religiatildeo mais natural e praacuteticardquo562

Trata-se de uma harmoniosa relaccedilatildeo entre estado e forma ou talvez entre causa e efeito O

cristianismo como corpo (uma coletividade organizada) passa a ser o efeito seleto de uma

substacircncia (Logos) que eacute perfeita e sublime na concepccedilatildeo de Justino563 O mesmo sentido

conseguimos captar em Dreher que apresenta a seguinte definiccedilatildeo a respeito do ideaacuterio

apologeacutetico do Seacuteculo II

Toda a histoacuteria em uacuteltima anaacutelise se desenrola em direccedilatildeo ao cristianismo Homens

como Heraacuteclito e Soacutecrates foram inspirados pelo Logos divino bem como os

precursores do cristianismo Abraatildeo Elias e outros profetas Judeus Em Cristo toda a

filosofia chega agrave perfeiccedilatildeo564

Novamente algo bem condensado nos aparece junto aos comentaacuterios feitos a respeito

do Logos especialmente no que se refere aquilo ou aqueles que envolviam o ambiente

sociorreligioso de Justino ndash lugar de sua conceituaccedilatildeo por excelecircncia O cenaacuterio cultural

descrito conduz (de maneira linear) o tema a uma nova anaacutelise temporal devido ao forte teor

teoloacutegico que possuiacutea Esta mensagem reorientada (o Logos que tornou-se Homem) por Justino

afirmava que tudo o que um dia foi profetizado por um povo estrangeiro ndash considerado de

cultura ldquoestranha e inferiorrdquo a realidade do mundo greco-romano ndash a partir de agora os conduzia

a Verdade e isso de forma antroacutepica por meio de uma ideia um tanto quanto exoacutetica (absurda)

para esse meio cultural Esse novo conceito afirma que um ser excelso (divino) tinha se tornado

um ser humano ou seja que ele havia encarnado

Na mesma linha de Dreher Wachholz se pronuncia de forma muito similar ele

escreve ldquoPara Justino o cristianismo eacute a religiatildeo mais antiga pois foi preparada pelo Logos

como se evidecircncia nos profetas e no pensamento grego Em Cristo a filosofia chega agrave plenitude

Mais do que isso toda a histoacuteria se desenvolve na direccedilatildeo do cristianismordquo565 Desta maneira

a transmissatildeo dessa ideia acaba por ganhar um teor imperativo em sua implicaccedilatildeo pois nesse

ponto (encarnaccedilatildeo do Logos) a leitura que compreendemos ter havido por parte de Justino

562 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47

563 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

564 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993 p 47 grifo nosso

565 WACHHOLZ Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval 2010 p 61 grifo nosso

130

referente agrave Primeira Alianccedila comeccedila a apresentar de maneira elaborada seu ente e

consequentemente a este sua essecircncia Seu ente eacute Jesus Cristo (o Homem) sua essecircncia eacute

Logos566

Deste modo manifesta-se algo profundo na construccedilatildeo e postura de Justino quando

ele passa a atribuir (mesmo que de forma implicitamente) agrave encarnaccedilatildeo de Cristo toda a

eficiecircncia necessaacuteria para o pleno cumprimento das profecias do passado Notamos que na

opiniatildeo do Apologista as questotildees referentes a libertaccedilatildeo do homem de sua ignoracircncia e das

accedilotildees demoniacuteacas que o escravizam ndash assunto que eacute amplamente tratado na I Apologia567 ndash

acabam por exercer relevante importacircncia no cenaacuterio humano de forma geral porque estas

mazelas espirituais dominam e vituperam o ser humano aprisionando-o por meio de sofismas

e de falsos exames da verdadeira realidade histoacuterica Esse ponto eacute realmente relevante quando

tratamos sobre o pensamento de Justino pois ele entendia de maneira praacutetica568 que os

democircnios possuiacuteam uma missatildeo ordinaacuteria de ldquoreduzir os homens a escravos e assistentes

seusrdquo569

A ligaccedilatildeo entre a feacute cristatilde e a filosofia grega natildeo se faz sem conflitos570 e natildeo eacute uma

questatildeo de menor impacto no periacuteodo do Seacuteculo II No que cabe a delimitaccedilatildeo deste estudo o

comentaacuterio de Gonzaacutelez a respeito do Tratado de Taciano571 retrata esse conflito de visotildees que

cercava o avanccedilo do Evangelho em meio a cultura helecircnica do periacuteodo Este registro traz

importante contribuiccedilatildeo ao nosso raciociacutenio Gonzaacutelez diz

Tudo o que a haacute de valioso entre os gregos ndash prossegue Taciano ndash eles o tomaram dos

baacuterbaros Assim por exemplo a astronomia aprenderam dos babilocircnios a geometria

dos egiacutepcios e a escrita dos feniacutecios E o mesmo pode se dizer acerca da filosofia e da

religiatildeo pois os escritos de Moiseacutes satildeo muito mais antigos que os de Platatildeo e ateacute mais

antigos que os de Homero Se Homero e Platatildeo realmente eram pessoas cultas

segundo os proacuteprios gregos dizem era de se supor que conhecessem os escritos de

Moiseacutes Portanto qualquer coincidecircncia entre a cultura supostamente grega e a

religiatildeo dos ldquobaacuterbarosrdquo hebreus e cristatildeos deve-se a que os gregos aprenderam sua

sabedoria dos baacuterbaros Mas em todo caso o certo eacute que os gregos ao lerem a

566 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991

567 JUSTINO I Apologia V 1-4 IX 1 X 6

568 JUSTINO I Apologia XIV 1

569 SIMONE In JUSTINO filoacutesofo e maacutertir Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes 2002 p 799

570 PADOVESE Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica 1999

571 O escrito chama-se de Discurso aos Gregos composto por Taciano o mais famoso entre os disciacutepulos de

Justino Esta obra reconhecidamente representa um ataque frontal contra tudo que os gregos consideravam

valioso em seu exerciacutecio da racionalidade especialmente naquilo que constituiacutea as bases de sua metafisica O

escrito de caraacuteter apologeacutetico tambeacutem se salienta pela defesa dos chamados ldquobaacuterbarosrdquo isto eacute dos cristatildeos Ver

GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

131

sabedoria dos ldquobaacuterbarosrdquo natildeo a entenderam e portanto adulteraram a verdade que os

hebreus conheciam Portanto a suposta sabedoria grega natildeo eacute senatildeo um paacutelido reflexo

e uma caricatura da verdade que Moiseacutes conheceu e que os cristatildeos agora pregam572

Um fator nesta conjuntura que apresenta caracteriacutesticas agudas estaacute na apropriaccedilatildeo de

que agrave ldquosabedoriardquo (como sendo o grande fundo de conhecimento) proveniente da filosofia e

toda ou qualquer outra forma de conhecimento humano considerado como elevado para a

concepccedilatildeo da eacutepoca usava de bases ontoloacutegicas em sua refutaccedilatildeo dos elementos vitais

apresentados pela feacute cristatilde que estava em pleno estabelecimento e curso de seu exerciacutecio

naquele ambiente gentiacutelico573

O ministeacuterio a morte e especialmente a ressurreiccedilatildeo de Cristo574 causavam natildeo apenas

estranheza mas tambeacutem incocircmodo a classe intelectual dominante O testemunho de Paulo nos

apresenta uma fraccedilatildeo dessa realidade cultural O Apoacutestolo desenvolve uma definiccedilatildeo

figurativa mas nada ilusoacuteria desta realidade e de sua reaccedilatildeo para com a nova mensagem que

surgia Ele escreve ldquoPorque tanto os judeus pedem sinais como os gregos buscam sabedoria

mas noacutes pregamos a Cristo crucificado escacircndalo para os judeus loucura para os gentiosrdquo (1

Co 122-23) Neste contexto Paulo afirma que os ldquogregos insistiam em explicaccedilotildees racionais e

buscavam sistemas especulativosrdquo575 Um procedimento de harmonizaccedilatildeo que facilmente

condicionava a si exigecircncias de que ldquoDeus se revelasse em harmonia com as suas ideias em

particularrdquo576

Portanto atraveacutes dos relatos registrados acima podemos afirmar que uma espeacutecie de

ldquomonopoacutelio do saberrdquo procurava se manter vigorosamente ativo Este cenaacuterio histoacuterico foi o

mesmo em que Justino teve que apresentar sua mensagem apologeacutetica afirmando que Aquele

ao qual representava simbolizava a plena afirmaccedilatildeo de uma loacutegica da ordenaccedilatildeo Divina entre

os homens Isso se concretiza em suas obras especialmente na I Apologia quando afirma ndash de

uma forma praticamente sistemaacutetica ndash que as profecias do Antigo Testamento se cumpriram na

encarnaccedilatildeo do Logos A obra de Gonzaacutelez nos auxilia na compreensatildeo desta loacutegica orientada e

proposta por Justino

572 TACIANO Discurso Contra os Gregos apud GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 89

573 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 88

574 Ver Atos dos Apoacutestolos 1718-32

575 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 253 grifo do

autor

576 METZ In A Primeira Epiacutestola de Paulo aos Coriacutentios Comentaacuterio Biacuteblico Beacon 2006 p 254

132

Segundo os filoacutesofos gregos tudo o que nossa mente consegue compreender o faz

porquecirc de algum modo participa do ldquologosrdquo ou razatildeo universal Por exemplo se

podemos compreender que dois e dois satildeo quatro isso se deve ao fato de que tanto

em nossa mente como no universo existe um ldquologosrdquo uma razatildeo ou ordem segundo

o qual dois e dois satildeo quatro Ora o que os cristatildeos creem eacute que em Jesus Cristo esse

logos ndash e esta eacute a palavra que aparece no proacutelogo do Quarto Evangelho ndash se fez carne

O que Joatildeo 114 nos diz eacute que a razatildeo fundamental do universo o verbo ou palavra

(logos) de Deus se fez carne em Jesus Cristo577

Nesse ambiente tatildeo carregado de ordenamentos filosoacuteficos e por conseguinte tambeacutem

teoloacutegicos nasce uma interrogaccedilatildeo de acentuada relevacircncia ldquoMas por que esta interpretaccedilatildeo

sobre Jesus deve ser acreditadardquo578 Como premissa seria interessante (ou necessaacuterio)

providenciar uma soluccedilatildeo para esta demanda partindo do que podemos encontrar no proacuteprio

autor (Justino)

Assim o Apologista comeccedila a nos responder este ponto que poderia ser interpretada

como repetitiva eou ateacute mesmo ldquotrivialrdquo para com o contexto filosoacutefico e teoloacutegico moderno

Contudo esta questatildeo parece ter sido solucionada de forma amplamente criativa e inovadora

para com aquele contexto sociorreligioso Justino responde essa pergunta de caraacuteter entranhaacutevel

ndash figadal para alguns ouvintes espirituosa para outros ndash dizendo ldquoos homens poderiam

considerar incriacutevel e impossiacutevel de acontecer Deus o indicou antecipadamente por meio do

Espiacuterito profeacutetico para que quando acontecesse natildeo lhe fosse negada a feacute e sim justamente

por ter sido predito fosse acreditadordquo579

Entretanto cabe-nos realocar Walde nesta construccedilatildeo conceitual (a pergunta acima eacute

de sua autoria) Ele nos propotildee duas razoaacuteveis respostas na tentativa de concretizar sua ideia

tendo como base o que pode ser considerado um resultado ordenado na tentativa de tornar a

mensagem de Justino plausiacutevel A primeira baseia-se direta e integralmente em uma citaccedilatildeo da

I Apologia Walde vecirc com consideraacutevel eficiecircncia nas palavras de Justino580 uma opccedilatildeo

admissiacutevel para emoldurar essa questatildeo Importante tambeacutem eacute entendermos que no contexto

daquela eacutepoca (e igualmente na atualidade) em questotildees que envolviam a aplicaccedilatildeo de algumas

proposiccedilotildees natildeo bastava ser diretivo era necessaacuterio ser consequente Desta forma o autor

inicia a resposta agrave sua pergunta citando o Apologista581

577 GONZAacuteLEZ A Era dos Maacutertires 1995 p 92 grifo nosso

578 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

579 JUSTINO I Apologia XXXIII 2

580 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

581 Ver JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

133

Nos livros dos profetas jaacute encontramos anunciado que Jesus nosso Cristo deveria vir

nascido de uma virgem que ele chegaria agrave idade adulta curaria toda doenccedila toda

fraqueza e ressuscitaria dos mortos que seria invejado desconhecido e crucificado

que morreria ressuscitaria e subiria aos ceacuteus que ele eacute e se chama Filho de Deus que

ele enviaria alguns para proclamar essas coisas a todo o gecircnero humano e seriam os

homens das naccedilotildees aqueles que mais creriam nelerdquo E essas profecias foram feitas

umas cinco outras trecircs outras dois mil e outras mil e oitocentos anos antes que ele

aparecesse no mundo Com efeito eacute sabido que os profetas se sucederam uns aos

outros de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo582

A segunda resposta de Walde se orienta atraveacutes de uma questatildeo cultural que tambeacutem

possui uma importante relevacircncia neste cenaacuterio ldquoNatildeo soacute foi o cumprimento da profecia notaacutevel

em si mesmo mas tambeacutem foi significante que tais profecias foram feitas muito antes dos

filoacutesofos gregos pois diferente de hoje a antiguidade era importante para a mentalidade grega

em estabelecer uma crenccedilardquo583 Cabe-nos registrar que nesse enlace a pesquisa biacuteblica teoloacutegica

poderia apontar datas posteriores (ao periacuteodo da Filosofia Claacutessica) para a promulgaccedilatildeo dessas

Palavras Profeacuteticas (Messiacircnicas) aleacutem de debater se os ldquotextos satildeo autecircnticosrdquo584 no entanto

lembramos que nosso alvo em anaacutelise estaacute centrado na pessoa de Justino o qual sem nenhuma

duacutevida eacute um dos pioneiros da interpretaccedilatildeo de caraacuteter expositivo e natildeo cientiacutefico meacutetodo (por

assim chamar) reconhecidamente usual no periacuteodo Patriacutestico ateacute o Seacuteculo V585 Deste modo

para Justino natildeo havia duacutevidas as profecias satildeo anteriores aos filoacutesofos

Na busca de um resultado mais qualificado para esta pesquisa entendemos que uma

anaacutelise mais pormenorizada da I Apologia ainda se faz necessaacuteria em pelo menos um quesito

O cenaacuterio no qual a I Apologia foi escrita expunha necessidades claras de se apresentar

evidecircncias fortes na tentativa de se estabelecer o status necessaacuterio as provas que visavam

atestar o cumprimento das profecias messiacircnicas na existecircncia futura (encarnaccedilatildeo) de Cristo

Nunca podemos esquecer que para Justino de forma primordial o cristianismo se estabelecia

em um esquema com propriedades ldquomorfoloacutegicasrdquo pois este era mais que um sistema ndash como

configurado em escolas filosoacuteficas ndash ele era essencialmente ldquouma pessoa o Verbo encarnado

e crucificado em Jesus que lhe revelou o misteacuterio de Deusrdquo586 Para Justino questotildees factiacuteveis

parecem ser importantes ou ateacute mesmo fundamentais no programa que ele visava representar

582 JUSTINO I Apologia XXXI 7-8

583 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000 p 5

584 ROumlSEL Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea 2009 p 95

585 HALL Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja 2003

586 HAMMAN A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) 1997 p 152 grifo nosso

134

de forma minuciosa Sendo assim vemos em sua construccedilatildeo apologeacutetica um claro objetivo de

desenvolvimento daquilo que ele desejava provar por meio de suas palavras

Eacute portanto necessaacuterio apresentar detalhadamente as citaccedilotildees que salientam a

encarnaccedilatildeo de Cristo na visatildeo de Justino O esquema abaixo baseia-se nas obras de Frangiotti587

e Santos588 os quais retratam em seus trabalhos esta conexatildeo exegeacutetica existente em Justino

Neste esquema conseguimos visualizar com significativa clareza (de maneira ateacute mesmo

didaacutetica) a notaacutevel relaccedilatildeo dos textos da I Apologia com os textos do Antigo Testamento que

para Justino antecipam a encarnaccedilatildeo de Cristo Segundo a obra do Apologista a realizaccedilatildeo das

Palavras preditas pelos profetas de Israel constitui a conexatildeo com o Logos tornado carne e

concretiza um dos pontos elementares da accedilatildeo de Deus em meio aos homens Partindo da I

Apologia em paralelo com a Primeira Alianccedila vemos

I Apologia Antigo Testamento

Moiseacutes que foi o primeiro dos profetas

disse literalmente ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe

de Judaacute nem chefe saiacutedo de seus

muacutesculos ateacute que venha aquele a quem

estaacute reservado Ele seraacute a esperanccedila das

naccedilotildees amarrando seu jumentinho agrave

vinha e lavando sua roupa no sangue da

uvardquo (JUSTINO I Apologia XXXII 1)

ldquoNatildeo faltaraacute priacutencipe de Judaacute nem mesmo um

chefe de suas entranhas ateacute que venha aquilo

que estaacute guardado para ele ele eacute a expectativa

dos povos Ele amarraraacute seu jumentinho agrave

vinha e o filhote do seu jumento ao ramo ele

lavaraacute sua veste em vinho e o seu manto no

sangue das uvasrdquo589 Gecircnesis 4910-11

E Isaiacuteas outro profeta diz a mesma coisa

com outras palavras ldquoLevantar-se-aacute uma

estrela de Jacoacute e uma flor subiraacute da raiz

de Isaiacute e as naccedilotildees esperaram sobre o seu

braccedilordquo (JUSTINO I Apologia XXXII

12a)

ldquoLevantar-se-aacute um broto da raiz de Jesseacute e um

renovo subiraacute desta raiz [] Naquele dia

haveraacute a raiz de Jesseacute que se levanta para

587 FRANGIOTTI In Subtiacutetulo I Apologia 1995 p 24-26

588 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 115-

117

589 No original ldquoοὐκ ἐκλείψει ἄρχων ἐξ Ιουδα καὶ ἡγούμενος ἐκ τῶν μηρῶν αὐτοῦ ἕως ἂν ἔλθῃ τὰ ἀποκείμενα αὐτῷ

καὶ αὐτὸς προσδοκία ἐθνῶν δεσμεύων πρὸς ἄμπελον τὸν πῶλον αὐτοῦ καὶ τῇ ἕλικι τὸν πῶλον τῆς ὄνου αὐτοῦ πλυνεῖ

ἐν οἴνῳ τὴν στολὴν αὐτοῦ καὶ ἐν αἵματι σταφυλῆς τὴν περιβολὴν αὐτοῦrdquo

135

governar as naccedilotildees nele esperaratildeo as naccedilotildees

e seu repouso seraacute gloriosordquo590 Isaiacuteas 11110

Escutai agora como foi literalmente

profetizado por Isaiacuteas que Cristo seria

concebido por uma virgem Ele diz o

seguinte ldquoEis que uma virgem conceberaacute

e daraacute agrave luz um filho e lhe poratildeo o nome

Deus conoscordquo (JUSTINO I Apologia

XXXIII 1)

ldquoPor causa disto o proacuteprio Senhor vos daraacute

um sinal eis que a virgem conceberaacute e daraacute agrave

luz um filho e tu lhe daraacutes o nome de

Emanuelrdquo591 Isaiacuteas 714

Escutai agora como Miqueacuteias outro

profeta predisse o lugar da terra em que

ele nasceria Assim diz ldquoE tu Beleacutem terra

de Judaacute de modo algum eacutes a menor entre

os priacutencipes de Judaacute pois de ti sairaacute o

chefe que apascentaraacute o meu povordquo

(JUSTINO I Apologia XXXIV 1)

ldquoE tu Beleacutem casa de Efrata eacutes insignificante

em tua existecircncia entre os milhares de Judaacute

poreacutem em teu meio se levantaraacute aquele que

seraacute governante em Israel Tambeacutem as

origens dele satildeo desde o princiacutepio desde os

tempos eternosrdquo592 Miqueacuteias 51

Tambeacutem foi predito que Cristo depois de

nascer viveria oculto aos outros homens

ateacute agrave idade adulta Escutai o que foi dito

antecipadamente a esse respeito Eacute o

seguinte ldquoUm menino nasceu um

pequenino nos foi dado cujo impeacuterio estaacute

sobre os ombrosrdquo ( JUSTINO I Apologia

XXXV 1-2a)

ldquoPorque um menino vos nasceu e um filho vos

foi dado o qual recebeu o governo sobre os

seus ombros E ele seraacute chamado de

Mensageiro do Magniacutefico Conselho pois eu

trarei paz sobre os priacutencipes e sauacutede para

elerdquo593 Isaiacuteas 95

590 No original ldquoκαὶ ἐξελεύσεται ῥάβδος ἐκ τῆς ῥίζης Ιεσσαι καὶ ἄνθος ἐκ τῆς ῥίζης ἀναβήσεται [] καὶ ἔσται ἐν

τῇ ἡμέρᾳ ἐκείνῃ ἡ ῥίζα τοῦ Ιεσσαι καὶ ὁ ἀνιστάμενος ἄρχειν ἐθνῶν ἐπrsquo αὐτῷ ἔθνη ἐλπιοῦσιν καὶ ἔσται ἡ ἀνάπαυσις

αὐτοῦ τιμήrdquo

591 No original ldquoδιὰ τοῦτο δώσει κύριος αὐτὸς ὑμῖν σημεῖον ἰδοὺ ἡ παρθένος ἐν γαστρὶ ἕξει καὶ τέξεται υἱόν καὶ

καλέσεις τὸ ὄνομα αὐτοῦ Εμμανουηλrdquo

592 No original ldquoκαὶ σύ Βηθλεεμ οἶκος τοῦ Εφραθα ὀλιγοστὸς εἶ τοῦ εἶναι ἐν χιλιάσιν Ιουδα ἐκ σοῦ μοι ἐξελεύσεται

τοῦ εἶναι εἰς ἄρχοντα ἐν τῷ Ισραηλ καὶ αἱ ἔξοδοι αὐτοῦ ἀπrsquo ἀρχῆς ἐξ ἡμερῶν αἰῶνοςrdquo

593 No original ldquoὅτι παιδίον ἐγεννήθη ἡμῖν υἱὸς καὶ ἐδόθη ἡμῖν οὗ ἡ ἀρχὴ ἐγενήθη ἐπὶ τοῦ ὤμου αὐτοῦ καὶ καλεῖται

τὸ ὄνομα αὐτοῦ μεγάλης βουλῆς ἄγγελος ἐγὼ γὰρ ἄξω εἰρήνην ἐπὶ τοὺς ἄρχοντας εἰρήνην καὶ ὑγίειαν αὐτῷrdquo

136

E outra vez por meio de outro profeta diz

com outras palavras ldquoEles transpassaram

meus peacutes e minhas matildeos e lanccedilaram sorte

sobre a minha roupardquo (JUSTINO I

Apologia XXXV 5)

ldquoPois muitos catildees me cercaram a assembleia

dos perversos me rodeia traspassaram as

minhas matildeos e os meus peacutes [] Repartiram

entre si as minhas vestes e sobre o meu traje

lanccedilaram sortesrdquo594 Salmos 211719

Citamos tambeacutem a profecia de outro

profeta Sofonias595 que literalmente

profetizou que ele montaria sobre um

jumentinho e desse modo entraria em

Jerusaleacutem Satildeo estas as suas palavras

ldquoAlegra-te muito filha de Siatildeo daacute gritos

filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a

ti manso montado sobre um jumento

sobre um jumentinho filho de um animal

de jugordquo (JUSTINO I Apologia XXXV

10-11)

ldquoRegozija-te muito Filha de Siatildeo proclama

Filha de Jerusaleacutem Eis que o teu rei vem a ti

ele eacute justo e salvador Ele eacute humilde e estaacute

montado sobre um jumentinho um asno

novordquo596 Zacarias 99

Em suma podemos afirmar que em Justino encontra-se uma salutar e liacutempida

cristologia messiacircnica baseada consistentemente no Antigo Testamento597 De maneira

objetiva a descriccedilatildeo que conseguimos desenvolver a partir do texto de Justino nos aponta para

uma consistente elaboraccedilatildeo no qual alguns detalhes de caraacuteter terminante (irrevogaacuteveis)

quanto a funccedilatildeo de serem utilizados como conceitos primazes ndash na tentativa de estabelecer

princiacutepios e valores fundantes ndash se evidenciam por parte e a partir dos apontamentos de caraacuteter

particular que Justino faz agrave pessoa de Jesus Cristo (especialmente na I Apologia) Sem exageros

eacute possiacutevel agregarmos a esta organizaccedilatildeo textual a intenccedilatildeo de apresentar uma proposta de

constituiccedilatildeo messiacircnica segundo um modelo cristoloacutegico em desenvolvimento o qual seguia

594 No original ldquoὅτι ἐκύκλωσάν με κύνες πολλοί συναγωγὴ πονηρευομένων περιέσχον με ὤρυξαν χεῖράς μου καὶ

πόδας [] διεμερίσαντο τὰ ἱμάτιά μου ἑαυτοῖς καὶ ἐπὶ τὸν ἱματισμόν μου ἔβαλον κλῆρονrdquo

595 O Profeta aqui mencionado deveria ser Zacarias e natildeo Sofonias O equiacutevoco possivelmente natildeo eacute do tradutor

mas sim de Justino No texto grego temos σοφονιανSofonian

596 No original ldquoχαῖρε σφόδρα θύγατερ Σιων κήρυσσε θύγατερ Ιερουσαλημ ἰδοὺ ὁ βασιλεύς σου ἔρχεταί σοι δίκαιος

καὶ σῴζων αὐτός πραῢς καὶ ἐπιβεβηκὼς ἐπὶ ὑποζύγιον καὶ πῶλον νέονrdquo

597 HAMMAN Os Padres da Igreja 1985

137

de perto a ortodoxia da eacutepoca que jaacute estava sofrendo inuacutemeros ataques de acircmbito interno e

externo598

Natildeo haacute consenso de que Justino tenha inaugurado esse meacutetodo exegeacutetico599 mas sem

duacutevida eacute um dos que melhor conseguiu contribuir para o desenvolvimento desta temaacutetica na

histoacuteria da teologia dogmaacutetica600 Neste contexto em particular o Apologista passou a ser visto

como um claro orientador eou catalisador dos pressupostos existentes na filosofia grega Ele eacute

o primeiro a conceber o Logos como uma evidecircncia viaacutevel para uma siacutentese teoacuterica

possibilitando deste modo seu envolvimento no cristianismo Essa participaccedilatildeo intelectual

indiscutivelmente se destaca em sua autenticidade autoral a ponto de podermos dizer que

Justino foi o responsaacutevel por lanccedilar ldquoos fundamentos de um humanismo cristatildeordquo601

Este estudo evidenciou o apreccedilo e o temor de Justino pelas Sagradas Escrituras Sua

abordagem leitura e registro das profecias veterotestamentaacuterias constituem um quadro de

profunda responsabilidade e sobriedade por parte do Apologista especialmente naquilo que se

refere agrave descriccedilatildeo e aplicaccedilatildeo de seu conceito sobre o que seria a Verdade sempre focando esse

fim como um resultado da revelaccedilatildeo escrituriacutestica Nesse ponto em especiacutefico a ponderaccedilatildeo de

Xavier nos oferece generosa lucidez ldquosua obra como um todo contribui para explicar a feacute cristatilde

baseada nas Escrituras como a fonte suprema de autoridade cujas profecias podem ser

compreendidas somente pela Graccedila de Deusrdquo602

Por uacuteltimo ainda devemos adotar uma postura clara e objetiva junto a este processo

que em si traz elementos fortemente interpretativos Assim salientamos que na concepccedilatildeo de

Justino era fundamental que o procedimento exegeacutetico de um cristatildeo sempre orientasse seus

leitoresouvintesmeditantes a conhecer e descobrir agrave Verdade O acontecimento que expressava

de forma incondicional que a revelaccedilatildeo Divina se realizou concretiza-se de maneira simples

nos elementos (profecias) que provam que o Logos encarnou603 Estes relatos profeacuteticos

apresentavam as condiccedilotildees ideais tornando-se assim em fatos irrefutaacuteveis para aqueles que

598 DREHER A Igreja no Impeacuterio Romano 1993

599 Para Daniel-Rops Justino utiliza-se do meacutetodo de interpretaccedilatildeo jaacute encontrado em Fiacutelon de Alexandria Nesse

processo partia-se do sentido concreto e histoacuterico do relato (biacuteblico) passando a seguir a busca de se obter

(alcanccedilardescobrir) uma explicaccedilatildeo de espeacutecie simboacutelica existente (implicitamente) nos Textos Sagrados Deste

modo essa ldquodescobertardquo de caraacuteter esoteacuterico tornava-se o objetivo uacuteltimo (principal) a ser alcanccedilado nesse meacutetodo

interpretativo Contudo faltam evidecircncias mais concretas sobre essa relaccedilatildeo e influecircncia autoral sobre Justino

Ver DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 280

600 KELLY Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde 1994

601 BOEHNER GILSON Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 1991 p 30

602 XAVIER Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde 2014 p 21

603 WALDE Justino Maacutertir Defensor da Igreja 2000

138

nisso criam fazendo com que cristatildeos de todas as classes e niacuteveis viessem a abraccedilar essa ideia

(como conceito) passando a compreender o cristianismo como um valor permanente do

ldquoespiacuterito humano a que a Encarnaccedilatildeo deu o seu verdadeiro sentido e o seu alcancerdquo604 Neste

contexto de impressionante singularidade a citaccedilatildeo de Santos nos permite encerrar com

excepcional qualidade esse item apresentado ldquoTodos os detalhes da histoacuteria de Jesus jaacute estavam

preditos nos profetas do Antigo Testamento Essa eacute a maior prova da superioridade da religiatildeo

cristatilde Por isso na concepccedilatildeo de Justino tudo o que eles (os cristatildeos) dizem eacute a verdaderdquo605

604 DANIEL-ROPS A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires 1988 p 279 grifo nosso

605 SANTOS Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I Apologia de Justino Maacutertir 2012 p 117

grifo nosso

139

CONCLUSAtildeO

A presente dissertaccedilatildeo procurou explanar a respeito de uma concepccedilatildeo que se destaca

por sua ordem moral e por seus paracircmetros dogmaacuteticos apresentando-se como uma chancela

na descriccedilatildeo apologeacutetica de Justino Maacutertir Este ponto de valor axiomaacutetico revelado pelo

Apologista torna-se de maneira evidente em uma espeacutecie de mediador de sua mensagem

permeando-se em toda a extensatildeo de um de seus mais conhecidos tratados literaacuterios Assim

reconhecemos que a I Apologia de Justino estaacute repleta de uma empolgante apresentaccedilatildeo do

termo Verdade sendo este substantivo normalmente utilizado pelo autor para uma distinccedilatildeo de

caraacuteter qualitativo sobre a representaccedilatildeo de um novo conjunto humano da realidade

sociorreligiosa do Seacuteculo II

Para Justino evidenciar a Verdade era tambeacutem ldquosetorizaacute-lardquo de alguma maneira dentro

da realidade humana Necessariamente essa postura adotada pelo Apologista acabou por se

definir por meio de sua leitura ativa sobre o estado e as praacuteticas de um grupo do qual ele mesmo

pertencia e do qual se estabeleciam as bases para sua dialeacutetica Logo falar sobre a Verdade

para Justino era falar dos recursos conceituais e praacuteticos vivenciados pelos cristatildeos de seu

tempo

Importa-nos nesta conclusatildeo ressaltar que Justino visava necessariamente qualificar o

ldquoobjetordquo junto a ldquoideiardquo que possuiacutea e defendia e como um bom filoacutesofo procurou obter

explicaccedilotildees satisfatoacuterias que salientassem sua posse daquilo que realmente era verdadeiro Na

esteira desta ideia o pensamento contemporacircneo balizado em argumentos considerados

ldquoortodoxosrdquo ndash mesmo tendo se passado quase vinte seacuteculos ndash ainda redunda com forccedila pois

consegue conceber que se estar na Verdade eacute para o espiacuterito humano possibilitar que as coisas

recebam agrave devida e real importacircncia que elas possuem na realidade

A partir disso na consciecircncia do Apologista tudo o que era produzido pela feacute cristatilde ndash

sendo ela assumida como um meio constitutivo de vida e praacutetica ndash possibilitava o

desenvolvimento de um senso de valor inesgotaacutevel sobre aquilo que se pode minimamente

relacionar como sendo o real o lugar onde a Verdade se ldquohospedardquo sendo que esta existecircncia

estaacute soberanamente ligada a uma realidade superiortranscendente ou seja esse real eacute Deus

Logo estar na Verdade seraacute sempre reconhecer a soberana realidade de Deus Esta

realidade percebida de forma geral pela noccedilatildeo de se possuir a Verdade eacute a realidade de Deus

manifestada pois aquilo que os cristatildeos vivem eacute a realidade de Deus entre noacutes Assim a

Verdade seraacute confessar a infinita majestade e santidade divinas por meio do legado de Deus

140

orquestrado pelos cristatildeos Nesta linha por meio dos princiacutepios metodoloacutegicos de Justino

consegue-se sintetizar com eficaacutecia e transparecircncia os resultados aos quais o Apologista

chegou como tambeacutem compreende-se melhor sua finalidade apologeacutetica que aponta com

clareza para uma identificaccedilatildeo que conforma a ideia (Verdade) ao objeto (Jesus Cristo) o dito

(novo Modus Vivendi) ao feito (Praxis Fidei) o anunciado (Profecias Messiacircnicas) ao ocorrido

(Encarnaccedilatildeo) em seu sentido absoluto

O problema que esta pesquisa levantou objetivamente foi qual o sentido do vocaacutebulo

ldquoVerdaderdquo empreendido de forma maximal por Justino na sua primeira obra apologeacutetica A

partir disto quatro capiacutetulos foram desenvolvidos na busca de se estabelecer um caminho

central e loacutegico para a soluccedilatildeo dessa questatildeo

O primeiro capiacutetulo fez uma breve apresentaccedilatildeo de Justino sua vida seu ministeacuterio

sua obra e seu contexto histoacuterico De maneira objetiva apresentamos um resumo biograacutefico da

pessoa de Justino em seu meio social e histoacuterico Procurou-se tambeacutem apresentar traccedilos

importantes para a compreensatildeo do cenaacuterio que elaborou nossa argumentaccedilatildeo central onde o

Pai Apologista Justino foi apresentado e a obra base desta pesquisa foi examinada de modo

literaacuterio dentro da necessidade requerida ndash relaccedilatildeo na qual ainda se agregou a perspectiva

cultural de Justino e por consequecircncia esta nos conduziu a uma abordagem sobre sua formaccedilatildeo

filosoacutefica

Mesmo natildeo sendo um dos pontos de sustentaacuteculo para a estrutura desta pesquisa em

nossa opiniatildeo o fator mais importante deste primeiro capiacutetulo certamente eacute o fenocircmeno do

martiacuterio entre os cristatildeos Fora do acircmbito teoloacutegico este traacutegico processo poderia ser

interpretado de forma estranha quando apresentado como um elemento determinante e ateacute

mesmo uacutetil enquanto via para que os natildeo-cristatildeos viessem a se converter e assim conhecerem a

Verdade Desta forma compreendemos que o processo de martiacuterio dos cristatildeos como um fato

histoacuterico foi influente na concepccedilatildeo e fundamental na constituiccedilatildeo do desenvolvimento do

ideaacuterio de Justino O Apologista por meio de sua obra nos oferece a niacutetida impressatildeo de ser um

habilidoso comentador da revelaccedilatildeo escrituriacutestica tambeacutem um autecircntico conhecedor da vida

espiritual mas acima de tudo demonstra ser um irredutiacutevel defensor da crenccedila que possuiacutea

selando sua obra ministeacuterio e vida com o proacuteprio sangue derramado O martiacuterio cristatildeo foi eacute e

continuaraacute sendo um dos casos mais misterioso e emblemaacutetico da histoacuteria da civilizaccedilatildeo

humana

O segundo capiacutetulo falou sobre o novo modus vivendi orquestrado pelos cristatildeos onde

se pode de maneira sinteacutetica observar as praacuteticas do contexto social de Justino apresentando e

clarificando o que eram os haacutebitos cristatildeos em contraste com o cotidiano da cultura greco-

141

romana Nesse processo estabeleceu-se uma descriccedilatildeo de cunho analiacutetico que procurou seguir

uma loacutegica encontrada em Justino o qual pocircs em praacutetica nossa leitura sobre o meacutetodo dialeacutetico

e empiacuterico do Apologista O capiacutetulo apresenta ldquoa nova identidaderdquo surgida junto ao cenaacuterio

sociorreligioso da eacutepoca o cristianismo Aleacutem disto definir aqueles que natildeo compunham esse

grupo de feacute ndash os Judeus e os Gentios ndash tornou-se tambeacutem uma tarefa necessaacuteria Por isso foi

indispensaacutevel apresentar os criteacuterios que para Justino demonstravam a ordem sistemaacutetica de um

grupo que se distinguia e separava dos demais Para Justino tratava-se da praxis fidei Adversus

Iniquitatem ldquoa praacutetica da feacute contra a iniquidaderdquo um realce com tonalidades absolutamente

opostas que apresentava um claro e inevitaacutevel ambiente de separaccedilatildeo entre os grupos

Deste modo esta segunda divisatildeo da pesquisa nos conduziu a uma inserccedilatildeo de postura

paradoxal para com alguns haacutebitos e assuntos humanos que no periacuteodo ocupavam tanto o

acircmbito privado quanto puacuteblico Assim algumas provas factiacuteveis passaram a ser descritas como

sentenccedilas de um novo modus vivendi ndash proposto por Justino ndash na conjuntura sociorreligiosa do

Seacuteculo II fato altamente desafiador o qual definimos em sentenccedilas classificadas como

teologais deterministas e puristas de acordo com suas consequecircncias praacuteticas Aqui salientou-

se o iniacutecio das distinccedilotildees que descreviam a certeza de haver um estado manifesto e claro do

que era a Verdade para Justino

O terceiro capiacutetulo retratou a filosofia em Justino tratando a respeito de sua influecircncia

e seu legado nesse seguimento O desenvolvimento desse capiacutetulo partiu de um formal apelo

desenvolvido pelo proacuteprio Apologista no capiacutetulo XXVIII da I Apologia para o uso da razatildeo

como um elemento determinante para o reconhecimento da Verdade oriunda da revelaccedilatildeo

Divina Um exame introdutoacuterio sobre o capiacutetulo XXVIII abriu o caminho para o entendimento

do que eacute filosofia para Justino A partir disto explicitou-se o filoacutesofo Justino evidenciando

suas principais influecircncias filosoacuteficas oriundas do estoicismo e do meacutedio platonismo aleacutem de

apresentar um sinteacutetico esboccedilo do autecircntico conceito de Logos encontrado em nosso autor

filoacutesofo-teoacutelogo

Todavia o aacutepice desta seccedilatildeo encontra-se em seu uacuteltimo item onde se justificou o que

Justino almejava com a citaccedilatildeo ldquoSe algueacutem natildeo crecirc que Deus se preocupe com essas coisas

(uso da razatildeo)rdquo606 O Apologista realccedila de uma forma quase ldquopalpaacutevelrdquo sua compreensatildeo de

como se concebia naturalmente a feacute em Jesus Cristo Partindo do fato de que a razatildeo eacute um

recurso exclusivamente humano Justino entendia que apenas nisso estavam condicionadas

todas as possibilidades reais do autecircntico Logos ser recebido e concebido pelos homens o que

606 JUSTINO I Apologia XXVIII 4 grifo nosso

142

os levava a verdadeira filosofia e os afastava decisivamente dos equiacutevocos e enganos praticados

pelos democircnios

O quarto e derradeiro capiacutetulo deste estudo salienta o que Justino considera o ponto

alto da revelaccedilatildeo por ele recebida o cumprimento das profecias messiacircnicas e as consequecircncias

para compreender o que Justino considera como sendo a Verdade

Iniciamos com uma sinteacutetica poreacutem objetiva descriccedilatildeo dos elementos socioculturais

de acircmbito religioso que desde a Antiguidade ateacute os dias de Justino formaram e identificaram a

figura de um Messias na cultura judaica Em seguida analisamos a revelaccedilatildeo das profecias

messiacircnicas do Antigo Testamento na visatildeo de Justino referentes a pessoa de Jesus Cristo

Finalizamos este capiacutetulo ratificando o conceito que definimos como principal para

Justino em sua descriccedilatildeo apologeacutetica o qual apresentava a Verdade ao mundo O modo e o

sentido que o Apologista procurava dar agrave concepccedilatildeo central de sua feacute passava necessariamente

pela identificaccedilatildeo entre o Logos dos filoacutesofos com o personagem messiacircnico preconizado pelos

profetas do Antigo Testamento Vimos que esse ser que havia sido reconhecido pelos filoacutesofos

como o Logos tambeacutem havia sido profetizado pelos servos de Deus A providecircncia Divina

levou a humanidade ao ponto alto desta histoacuteria quando o Logos profetizado se encarnado

Logo as profecias se cumpriram Assim concluiacutemos que este cenaacuterio e seus casos tornaram-se

para Justino um elemento real que evidenciava de maneira inquestionaacutevel o que era a Verdade

em sentido absoluto

Por fim eacute oportuno registrar a pertinente e categoacuterica postura do Apologista em aceitar

o cristianismo como ldquoa verdadeira razatildeordquo607 Justino compreendeu que a feacute cristatilde tinha em si

alguns pontos de caraacuteter deliberativo e proposital que consequentemente se estabeleciam nas

vidas que se estruturavam sobre esses preceitos utilizando-os de forma resolutiva Aqui cabe

ressaltar que para uma correta anaacutelise de Justino como autor eacute necessaacuterio se utilizar de medidas

efetivas que amparem o uso da razatildeo para os fins que o Apologista entendia serem ordenados

por Deus Nisso salienta-se a compreensatildeo jaacute atestada no ideaacuterio de Justino de natildeo haver

acepccedilatildeo do recurso da razatildeo a nenhum homem pois todos aqueles que foram criados agrave imagem

e semelhanccedila de Deus podiam ser instruiacutedos desse modo desde as mentes mais simples as mais

capacitadas

Importa-nos ainda registrar que outros aspectos de relevacircncia para esta pesquisa

poderiam ter sido tratados visando um maior aprofundamento desta temaacutetica e suas possiacuteveis

variaccedilotildees De forma praacutetica podemos citar as seguintes observaccedilotildees propor uma maior ecircnfase

607 JUSTINO I Apologia XLIII 6b

143

na questatildeo do martiacuterio cristatildeo como elemento habilitador na construccedilatildeo do conceito da Verdade

como princiacutepio moral e dogmaacutetico uma mais detalhada descriccedilatildeo do conceito Logos tanto para

a cultura helecircnica quanto para os cristatildeos do Seacuteculo II abordar sobre o conceito elaborado por

Justino de Jesus Cristo ser o mestre dos cristatildeos608 referindo-se ao Messias como o condutor

pleno de toda verdadeira revelaccedilatildeo Divina em detrimento aos mitos criados pelo helenismo

oferecer uma pormenorizada anaacutelise sobre a forccedila ilocucionaacuteria desses atos e discursos

apologeacuteticos Aleacutem disso outros pontos significativos poderiam ter sido abordados na tentativa

de se construir de forma mais completa esse importantiacutessimo cenaacuterio do cristianismo histoacuterico

Contudo essa ampliaccedilatildeo possivelmente ultrapassaria os limites propostos desta pesquisa

provavelmente poluindo sua intenccedilatildeo central

A abordagem desta dissertaccedilatildeo demonstrou que na I Apologia Justino revela e retrata

a sua concepccedilatildeo do que eacute ser cristatildeo e viver na Verdade O Apologista transparece de forma

intensa sua postura em transmitir essa maacutexima que natildeo era simplesmente verossiacutemil em seu

entendimento Eacute fato que essa demonstraccedilatildeo tambeacutem visava proteger e resgatar seu povo de

um cenaacuterio hostil salientando por meio de sua postura uma clara separaccedilatildeo de valores e

preceitos

Vimos que as vicissitudes do tempo natildeo seriam capazes de alterar o objeto e as coisas

que caracterizavam sua posiccedilatildeo que estava plenamente balizada e sustentada por meio de sua

dialeacutetica Isso nos impressiona porque para quem procura entender este testemunho sobre a

Verdade os livros de Justino nunca envelhecem aleacutem disso quase vinte seacuteculos depois os

textos desse notaacutevel cristatildeo ainda reverberam o som do eco causado por nossos vazios que

precisam ser preenchidos pelos conceitos princiacutepios e valores que natildeo pertence a este mundo

Por essa razatildeo ldquodialogarrdquo com Justino na atualidade eacute algo importantiacutessimo e ateacute mesmo

fundamental

Em resumo para Justino a uacutenica via para possuir a Verdade era ser cristatildeo o que

equivale a crer e professar sobre Aquele que prometido pelos antigos profetas de Israel e

percebido pelos antigos filoacutesofos gregos veio em carne para apresentar agrave razatildeo humana os

meios de como se proceder ldquoafirmando a Verdaderdquo609

608 Ver JUSTINO I Apologia XIII 3 XIX 6 XXI 1-6

609 JUSTINO I Apologia XLIII 2a grifo nosso

144

REFEREcircNCIAS

ALLERT Craig D Revelation Truth Canon and Interpretation Studies in Justin Martyr‟s

Dialogue with Trypho Leiden The Netherlands Brill 2002

ALTANER Berthold STUIBER Alfred Patrologia Vida Obras e Doutrina dos Padres da

Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1988

ARZANI Alessandro VENTURINI Renata Lopes Biazotto A Origem da Tradiccedilatildeo

Apologeacutetica Cristatilde e Justino Maacutertir Disponiacutevel em lt

httpwwwppeuembrjeamanais2010pdf03pdfgt Acesso em 27 de set 2018

AUDI Robert (Ed) The Cambridge Dictionary of Philosophy New York Cambridge

University Press 1999

AUNE David Edward The Westminster Dictionary of New Testament and Early Nice

Christian Literature and Rhetoric Kentucky Westminster John Knox Press 2003

AYMARD Andreacute AUBOYER Jeannine Roma e Seu Impeacuterio Volume V As Civilizaccedilotildees da

Unidade Romana (Fim) A Aacutesia Oriental do Iniacutecio da Era Cristatilde ao Final do Seacuteculo II Rio e

janeiro Bertrand Brasil 1994

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen II Salamanca Ediciones Sigueme 1998

BARRERA Julio Trebolle A Biacuteblia Judaica e a Biacuteblia Cristatilde introduccedilatildeo a histoacuteria da

Biacuteblia Petroacutepolis Vozes 1995

BEARD Mary SPQR uma histoacuteria da Roma Antiga Satildeo Paulo Planeta 2017

BERARDINO Di Angelo (Org) Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis

Vozes Paulus 2002

BIacuteBLIA Grego Novo Testamento Grego Textus Receptus (15501894) Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1550 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Grego Septuaginta (Sem Acentuaccedilatildeo) Antigo Testamento Grego Barueri Sociedade

Biacuteblica do Brasil 1935 2007 Versatildeo Eletrocircnica

______ Portuguecircs Novo Testamento Interlinear Grego-Portuguecircs Texto Grego The Greek

New Testament 4ed SBU 1994 Textos Portuguecircs Traduccedilatildeo Literal SBB 2004 Traduccedilatildeo

de Joatildeo Ferreira de Almeida 2ed SBB 1993 Nova Traduccedilatildeo da Linguagem de Hoje SBB

2000 Barueri Sociedade Biacuteblica do Brasil 2004

BIRLEY Anthony Marcus Aurelius A Biography New York Routledge 2001

BOEHNER Philotheus GILSON Etienne Histoacuteria da Filosofia Cristatilde 5ed Petroacutepolis

Vozes 1991

BOGAZ Antocircnio S COUTO Maacutercio A HANSEN Joatildeo H Patriacutestica caminhos da

tradiccedilatildeo Cristatilde 3ed Satildeo Paulo Paulus 2011

145

BUENO Daniel Ruiz (Ed) Actas de los Maacutertires Texto Bilinguumle Quinta Edicion Madri

Biblioteca de Autores Cristianos 1996

BUNSON Matthew Encyclopedia of the Roman Empire New York Facts on file Inc 2002

CAMPENHAUSEN Hans Von Os Pais da Igreja A Vida e a Doutrina dos Primeiros

Teoacutelogos Cristatildeos Rio de Janeiro CPAD 2005

CARCOPINO Jeacuterocircme Roma no Apogeu do Impeacuterio Satildeo Paulo Companhia das Letras

1990

CASEY Michael Sacred Reading The Ancient Art of Lectio Divina Ligouri Mo Triumph

Books 1995

CAZELLES Henri Il Messia della Bibbia Cristologia dellrsquoAntico Testamento Roma Borla

1993

CHAUIacute Marilena Convite agrave Filosofia 2ed Satildeo Paulo Aacutetica 1995

______ Marilena Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Filosofia Dos Preacute-Socraacuteticos a Aristoacuteteles V I

Satildeo Paulo Brasiliense 1994

CONGREGACcedilAtildeO PARA A EDUCACcedilAtildeO CATOacuteLICA Instruccedilatildeo sobre o estudo dos

Padres da Igreja na Formaccedilatildeo Sacerdotal Disponiacutevel em

lthttpwwwvaticanvaroman_curiacongregationsccatheducdocumentsrc_con_ccatheduc_

doc_19891110_padri_ithtmlgt Acesso em 12 set 2018

CORNELL Tim MATTHEWS John Frederick A Civilizaccedilatildeo Romana Barcelona Folio

2008

CREDO APOSTOacuteLICO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em

22 de jan de 2019

CREDO NICENO Disponiacutevel em lthttpwwwielborgbra-ielbid=30gt Acesso em 14 de

fev 2019

CULLMANN Oscar Salvation in History New York Harper amp Row 1967

DAILLEacute Jean Traicte de lemploy des Saincts Peres pour le iugement des differends qui

sont auiourdhui en la religion Geneve Pierre Aubert 1632

DANIEL-ROPS [Henri Petiot] A Igreja do Apoacutestolos e dos Maacutertires Satildeo Paulo Quadrante

1988

DANIEacuteLOU Jean O Escacircndalo da Verdade Petroacutepolis Vozes 1963

______ Jean MARROU Henri Nova histoacuteria da Igreja V I Dos Primoacuterdios a Santo

Gregoacuterio Magno Petroacutepolis Vozes 1966

DAY John (Org) et al Rei e Messias em Israel e no Antigo Oriente Proacuteximo dissertaccedilotildees

do Seminaacuterio Veterotestamentaacuterio de Oxford Satildeo Paulo Paulinas 2005

146

DIDAQUEacute O catecismo dos primeiros cristatildeos para as comunidades de hoje Traduccedilatildeo

Introduccedilatildeo e Notas de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 17ed Satildeo Paulo Paulus 2010

DONALDSON James A Critical History of Christian Literature and Doctrine From the

Death of the Apostles to the Nicene Council3 The apologists continued London MacMillan

1866

DOUGLAS J D (Org) et al O Novo Dicionaacuterio da Biacuteblia Satildeo Paulo Vida Nova 1995

DREHER Martin N A Igreja no Impeacuterio Romano Satildeo Leopoldo Sinodal 1993

DROBNER Hubertus R Manual de Patrologia 2ed Petroacutepolis Vozes 2008

EMILSSON Eyjoacutelfur K Neo-Platonism In FURLEY David (Ed) Routledge History of

Philosophy From Aristotle to Augustine London Routledge 1999

EUSEacuteBIO DE CESAREIA Histoacuteria Eclesiaacutestica Traduccedilatildeo de Wolfgang Fischer Satildeo Paulo

Novo Seacuteculo 2002

FALLS Thomas B The Fathers of the Church New York Christian Heritage 1948

FEacuteLIX Viviana Laura Las filosofiacuteas en la teologiacutea de Justino Maacutertir Teologiacutea y Vida

Santiago v 55 n 3 p 435-448 2014

FIGUEIREDO Fernando A Curso de Teologia Patriacutestica I A vida da Igreja primitiva

(Seacuteculos I e II) Petroacutepolis Vozes 1983

FLUCK Marlon Ronald Teologia dos Pais da Igreja Curitiba Cia de Escritores 2012

FOXE John O Livro dos Maacutertires Satildeo Paulo Mundo Cristatildeo 2003

FROumlHLICH Roland Curso Baacutesico de Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulinas 1987

FUNARI Pedro P Abreu Roma vida puacuteblica e vida privada 10ed Satildeo Paulo Atual 1993

GONZAacuteLEZ Justo L A Era dos Maacutertires Satildeo Paulo Vida Nova 1995

GREATHOUSE William M CARVER Frank G METZ Donald S Comentaacuterio Biacuteblico

Beacon V 8 Rio de Janeiro CPAD 2006

HAumlGGLUND Bengt Histoacuteria da Teologia 6ed Porto Alegre Concoacuterdia 1999

HALL Chirstopher A Lendo as Escrituras com os Pais da Igreja Satildeo Paulo Ultimato 2003

HAMMAN Adalbert Gautier Os Padres da Igreja 2ed Satildeo Paulo Paulinas 1985

______ A Vida Cotidiana dos Primeiros Cristatildeos (95-197) Satildeo Paulo Paulus 1997

HARNACK Adolf Von The Mission and Expansion of Christianity in the First Three

Centuries Grand Rapids Christian Classics Ethereal Library 2005

HARRIS R Laird (Org) et al Dicionaacuterio Internacional de Teologia do Antigo Testamento

Satildeo Paulo Vida Nova 1998

147

HATZENBERGER Dioniacutesio Histoacuteria da Igreja Disponiacutevel em lthttphist-

igrejablogspotcombrpcristianismo-nos-seculos-i-e-iihtmlgt Acesso em 15 de out 2018

HEGENBERG Leocircnidas Significado e Conhecimento Satildeo Paulo EPU EDUSP 1975

INAacuteCIO DE ANTIOQUIA Epiacutestola aos Magneacutesios Disponiacutevel em

lthttpwwwcristianismoorgbrinacio-3htmgt Acesso em 27 de fev 2019

INSUELAS Joatildeo B Lourenccedilo Curso de Patrologia histoacuteria da literatura antiga da Igreja

2ed Braga PAX 1948

INWOOD Brad (Org) et al Os Estoacuteicos Satildeo Paulo Odysseus 2006

IRVIN Dale T SUNQUIST Scott W Histoacuteria do Movimento Cristatildeo Mundial Volume I

Do cristianismo primitivo a 1453 Satildeo Paulo Paulus 2004

IYSTINOY Proacutete Apologiacutea Disponiacutevel em

lthttpwwwdocumentacatholicaomniaeu20vs103_migne_gm0100-

0160_Iustinus_Apologia_Prima_(MPG_006_0327_0440)_GMpdfampgtgt Acesso em 12 de

jan 2019

JUSTIN Apologies Texte Grec traduction franccedilaise introduction et index par Louis Pautigny

Paris EDITURS 1904

JUSTINO DE ROMA I Apologia Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti

Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo Paulus 1995

______ II Apologia Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo Paulo

Paulus 1995

______ Diaacutelogo com Trifatildeo Traduccedilatildeo de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin 2ed Satildeo

Paulo Paulus 1995

KEE Howard Clark As Origens Cristatildes em Perspectiva Socioloacutegica Satildeo Paulo Paulinas

1983

KELLY John N D Patriacutestica origem e desenvolvimento das doutrinas centrais da feacute cristatilde

Satildeo Paulo Vida Nova 1994

KLEINMAN Paul Tudo o que vocecirc Precisa Saber Sobre Filosofia 4ed Satildeo Paulo Gente

Editora 2014

LEBRETON Jules ZEILLER Jacques Storia della Chiesa della origini ai nostri giorni V

II Dalla fine dell II Secolo alla pace Costantiniana (313) Torino S A I E 1972

LESBAUPIN Ivo A Bem-Aventuranccedila da Perseguiccedilatildeo ndash A vida dos cristatildeos no Impeacuterio

Romano Petroacutepolis Vozes 1975

MAQUIAVEL Discurso sobre a Primeira Deacutecada de Tito Liacutevio Disponiacutevel em

lthttpabdetcombrsitewp-contentuploads201411ComentC3A1rios-sobre-a-

primeira-dC3A9cada-de-Tito-LC3ADvio-Discorsicompressedpdfgt Acesso em 17

de out 2018

148

MARCO AUREacuteLIO Meditaccedilotildees Introduccedilatildeo de Maxwell Staniforth Traduccedilatildeo de Luiacutes A P

Varela Pinto Espinho Versatildeo Eletrocircnica 2002

______ Meditaccedilotildees Traduccedilatildeo de Agostinho da Silva Satildeo Paulo Abril Cultural 1985

MEEKS Wayne A As Origens da Moralidade Cristatilde Satildeo Paulo Paulus 1997

MINNS Denis PARVIS Paul Justin Philosopher and Martyr Apologies New York

Oxford University Press 2009

MINUacuteCIO FEacuteLIX Octaacutevio Introduccedilatildeo traduccedilatildeo e comentaacuterio de Manuel A Naia da Silva

Lisboa Ediccedilatildeo Instituto Nacional de Investigaccedilatildeo Cientifica Centro de Estudos Claacutessicos da

Universidade de Lisboa 1990

MOL Hans J Identity and the Sacred a sketch for a new social-scientific theory of religion

New York The free Press Macmillan 1977

MONDONI Danilo Histoacuteria da Igreja na Antiguidade Satildeo Paulo Loyola 2001

MONTEIRO Eymard Lrsquo E A Feacute e os Maacutertires breves apontamentos sobre as perseguiccedilotildees

da Igreja Petroacutepolis Vozes 1940

MORESCHINI Claacuteudio NORELLI Enrico Manual de Literatura Cristatilde Antiga Grega e

Latina Satildeo Paulo Santuaacuterio 2005

MIRALLES Lorena El Mesiacuteas en tiempos del NT Verbo Divino Estella n 50 Verano

2006

NORRIS Junior The Apologists Cambridge University Press 2004

OTTO Johann Carl Theodor (E) S Iustini philosophi et martyris opera quae feruntur

omnia Volume 1 Part 1 Chicago Prostat apud Fride Mauke 1847

PADOVESE Luigi Introduccedilatildeo agrave Teologia Patriacutestica Satildeo Paulo Loyola 1999

______ Luigi Lexicon ndash Dicionaacuterio Teoloacutegico Enciclopeacutedico Satildeo Paulo Loyola 2003

PADRES APOLOGISTAS Introduccedilatildeo e Notas Explicativas de Roque Frangiotti Traduccedilatildeo

de Ivo Storniolo e Euclides M Balancin Satildeo Paulo Paulus 1995

PEREIRA Isidoro Dicionaacuterio Grego-Portuguecircs e Portuguecircs-Grego Braga Tilgraacutefica 1998

PIERING Julie In Cynics Internet Encyclopedia of Philosophy Disponiacutevel em

lthttpswwwieputmeducynicsSSH3aigt Acesso em 11 de set 2018

PIERINI Franco A Idade Antiga Curso de histoacuteria da igreja ndash I Satildeo Paulo Paulus 1998

PLATAtildeO A Repuacuteblica Traduccedilatildeo de Enrico Corvisieri Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

______ Apologia de Soacutecrates Introduccedilatildeo traduccedilatildeo do grego e notas de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Editores 2008

149

______ Timeu-Criacutetias Traduccedilatildeo do grego introduccedilatildeo notas e iacutendices de Rodolfo Lopes

Coimbra CECH 2011

PLIacuteNIO Caio Segundo Historia Natural Edicioacuten y traduccioacuten de Josefa Cantoacute Madrid

Caacutetedra 2002

POHLENZ Max La Stoa storia di un movimento spirituale Florenccedila La Nuova Italia

1967

POPE Kyle The Second Apology of Justin Martyr Kansas Ancient Road 2001

PRIBERAM INFORMAacuteTICA SA Dicionaacuterio Priberam da Liacutengua Portuguesa 2008-2013

Disponiacutevel em lt httppriberamptdlpogt Acessos em 28 de set 2018

RIVAS Fernando San Justino en el proceso de separaciacuteon entre Judaiacutesmo y Cristianismo

Verbo Divino Estella n 98 2018II

ROumlSEL Martin Panorama do Antigo Testamento histoacuteria contexto e teologiacutea Satildeo

Leopoldo SinodalEST 2009

ROSSI Andrea L D O C BINATO Claacuteudia P As Cartas de Pliacutenio o Jovem traduccedilatildeo

parcial do Livro X correspondecircncia administrativa com o Imperador Trajano Histoacuteria

Unisinos Satildeo Leopoldo vol 21 nordm 1 p 149-156 janeiroabril de 2017

RUSCONI Carlo Dicionaacuterio do Grego do Novo Testamento Satildeo Paulo Paulus 2003

SANTOS Bento Silva Platonismo e cristianismo Irreconciabilidade Radical ou Elementos

Comuns Veritas Porto Alegre v 48 n 3 p315-491 set 2003

SANTOS Flaacutevyo Henrique Justino o Maacutertir ndash Calvinista ou Arminiano Disponivel em

lthttpswwwgospelprimecombrjustino-martir-calvinista-arminianogt Acesso em 15 de

fev 2019

SANTOS Samuel Nunes dos Identidade Cristatilde no Seacuteculo II dC Uma Anaacutelise da I

Apologia de Justino Maacutertir 2012 178 f Dissertaccedilatildeo (Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria) Faculdade de Histoacuteria Universidade Federal de Goiaacutes Goiacircnia 2012

SANTOS Samuel N GONCcedilALVES Ana Teresa M A Aplicaccedilatildeo do ldquoContextualismo

Linguiacutesticordquo e a busca da compreensatildeo da I Apologia de Justino Maacutertir Disponiacutevel em

lthttpwwwsbpcnetorgbrlivro63raconpeexmestradotrabalhos-mestradomestrado-

samuel-nunespdfgt Acesso em 08 de jan 2019

SCHAFF Phillip Ante-Nicene Christianity AD 100-325 v II In History of the

Christian Church Grand Rapids Eerdmans 1910

______ Phillip The creeds of Christendom with a history and critical notes Grand Rapids

Baker Book House 1966

SCOTT Benjamin As Catacumbas de Roma 13ed Rio de Janeiro CPAD 1996

SEVERINO Emanuele A Filosofia Antiga Lisboa Ediccedilotildees 70 1984

150

SICRE Joseacute Luis De Davi ao Messias textos baacutesicos da esperanccedila messiacircnica Petroacutepolis

Vozes 2000

SIMONE R J de JUSTINO filoacutesofo e maacutertir In BERARDINO Di Angelo (Org)

Dicionaacuterio Patriacutestico e de Antiguidades Cristatildes Petroacutepolis Vozes Paulus 2002 p 798-800

SIMONETTI Manlio (Org) et al Dicionaacuterio de Literatura Patriacutestica Satildeo Paulo Ave Maria

2010

STEGEMANN Ekkehard W STEGEMANN Wolfgang Histoacuteria Social do

Protocristianismo Satildeo Leopoldo Sinodal Satildeo Paulo Paulus 2004

STRONG James Dicionaacuterio Biacuteblico Strong Barueri SBB 2002

TACIANO Discurso Contra os Gregos Disponiacutevel em

lthttpwwwveritatiscombrpatristicaobrasdiscurso-contra-os-gregosgt Acesso em 25 de

mar 2019

TAacuteCITO Anais Prefaacutecio de Breno Silveira Traduccedilatildeo de Joseacute Liberato Freire de Carvalho

Rio de Janeiro W M Jackson 1957

TERTULIANO Apologia Disponiacutevel em

lthttpwwwibpancombrimagesstoriesDownloadsEstudos_BiblicosTertuliano20-

20Apologiapdfgt Acesso em 16 de out 2018

______ Agraves Naccedilotildees Disponiacutevel em lthttpwwwtertullianorglatinad_nationes_1htmgt

Acesso em 08 de jan 2019

______ Contra os Valentinianos Disponiacutevel em

lthttpwwwintratextcomIXTLAT0258_P2HTMgt Acesso em 27 de set 2018

THAYER Joseph Henry A Greek-English lexicon of the New Testament being Grimms

Wilkes clavis novi testamenti New York Cincinnati Chicago American Book Company

1889

TORRES Milton L A retoacuterica joanina do Logos Revista Caminhando Satildeo Paulo v 21 n 2

p 147-167 juldez 2016

VINE W E UNGER Merril F WHITE JR Willian Dicionaacuterio Vine O Significado

Exegeacutetico e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento Rio de Janeiro CPAD

2002

VIRKLER Henry Hermenecircutica Avanccedilada Princiacutepios e Processos de Interpretaccedilatildeo Biacuteblica

Satildeo Paulo Vida 2001

WALDE Rick Justino Maacutertir Defensor da Igreja Disponiacutevel em

lthttplogoshp6tenetAPO25htmampgtgt Acesso em 11 set 2018

WACHHOLZ Wilhelm Histoacuteria da Igreja Antiga e Medieval Satildeo Paulo Know How 2010

XAVIER Erico Tadeu Justino Maacutertir Um Filoacutesofo em Defesa da Feacute Cristatilde Uacuteltimo Andar

(ISSN 1980-8305) Satildeo Paulo n 24 dez 2014

151

OBRAS CONSULTADAS

ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Satildeo Paulo Martins Fontes 2003

ABRAtildeO Bernadete Siqueira A Histoacuteria da Filosofia Satildeo Paulo Nova Cultural 2004

ANTONIAZZI Alberto MATOS Henrique C J Cristianismo 2000 anos de caminhada

3ed Satildeo Paulo Paulinas 1996

ARRUDA Elton Como fazer a Metodologia em um Projeto Disponiacutevel em

lthttpwwwbiblioteconomiadigitalcombr201007como-fazer-metodologia-em-um-

projetohtmlampgtgt Acesso em 18 dez 2018

BALTHAZAR Hans Urs von O Cristatildeo na Hora Decisiva Caxias do Sul Paulinas 1969

BALZ Horst SCHNEIDER Gerhard (Eds) Diccionario Exegetico del Nuevo Testamento

Volumen I Salamanca Ediciones Sigueme 1996

BIacuteBLIA Portuguecircs Ave Maria Traduccedilatildeo dos Monges Beneditinos de Maredsous (Beacutelgica)

8ed Digital Satildeo Paulo Ave Maria 2014

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo de Genebra Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo MacArthur Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo

Paulo Cultura Cristatilde 1999

______ Portuguecircs A Biacuteblia de Jerusaleacutem Satildeo Paulo Paulinas 1980

______ Portuguecircs Biacuteblia de Estudo Palavra-Chave Hebraico e Grego Traduccedilatildeo de Joatildeo

Ferreira de Almeida 2ed Rio de Janeiro CPAD 2011

______ Portuguecircs Biacuteblia Shedd Traduccedilatildeo de Joatildeo Ferreira de Almeida Satildeo Paulo Vida

Nova 1997

CAIRNS Earle O Cristianismo Atraveacutes dos Seacuteculos Uma Histoacuteria da Igreja Cristatilde Satildeo

Paulo Vida Nova 1995

CHAPPIN Marcel Introduccedilatildeo agrave Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Loyola 1999

COCHRANE Charles Norris Cristianismo e Cultura Claacutessica Rio de Janeiro Topbooks

2012

CONYBEARE Frederick Cornwallis STOCK St George Gramaacutetica do Grego da

Septuaginta Satildeo Paulo Loyola 2011

DELCOR Mathias MARTINEZ Florentino Garcia Introduccion a la Literatura Esenia de

Qumran Madrid Ediciones Cristiandad 1982

DURKHEIM Eacutemile As formas Elementares da Vida Religiosa Satildeo Paulo Paulinas 1989

152

GOMES Cirilo Folch Antologia dos Santos Padres paacuteginas seletas dos antigos escritos

eclesiaacutesticos 3ed Satildeo Paulo Paulinas 1979

GUIMARAtildeES Marcelo Rezende Conversando com os Pais e Matildees da Igreja Petroacutepolis

Vozes 1994

HASTENTEUFEL Zeno Infacircncia e Adolescecircncia da Igreja Porto Alegre EDIPUCRS

1995

JAEGER Werner Cristianismo Primitivo e Paideia Grega Lisboa Ediccedilotildees 70 1961

JUSTIN Apologie pour les chreacutetiens introduction texte critique traduction et notes par

Charles Munier Paris Cerf 2006

JUSTINUS Des Philosophen und Maumlrtyrers Rechtfertigung des Christentums (Apologie I u

II) Angeleitet Verdeutscht und Erlaumlutert von Heidenheim T Veil Strassburg Heitz amp

Muumlndel 1894

LLORCA Bernardino Nueva visioacuten de la Historia del Cristianismo Tomo Primero

Barcelona Labor 1956

MARTIacuteRIO DE POLICARPO DE ESMIRNA Disponiacutevel em lt

httpwwwcentroestudosanglicanoscombrbancodetextoshistoriadaigrejamartirio_de_polic

arpo_de_esmirnapdfgt Acesso em 17 de out 2018

PIERRARD Pierre Histoacuteria da Igreja Satildeo Paulo Paulus 1982

ROBERTS Alexander DONALDSON James (Edited) Ante-Nicene Fathers Volume 1 The

Apostolic Fathers Justin Martyr Irenaeus Chronologically arranged with brief notes and

prefaces by Arthur Cleveland Coxe Peabody Hendrickson Publishers 1994

TAYLOR Justin As Origens do Cristianismo Satildeo Paulo Paulinas 2010

VIVES Joseacute Los Padres de la Iglesia Textos doctrinales del cristianismo desde los oriacutegenes

basta san Atanasio Barcelona Herder 1988

153

Page 6: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 7: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 8: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 9: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 10: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 11: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 12: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 13: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 14: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 15: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 16: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 17: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 18: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 19: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 20: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 21: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 22: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 23: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 24: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 25: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 26: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 27: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 28: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 29: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 30: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 31: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 32: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 33: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 34: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 35: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 36: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 37: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 38: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 39: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 40: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 41: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 42: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 43: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 44: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 45: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 46: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 47: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 48: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 49: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 50: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 51: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 52: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 53: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 54: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 55: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 56: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 57: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 58: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 59: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 60: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 61: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 62: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 63: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 64: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 65: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 66: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 67: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 68: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 69: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 70: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 71: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 72: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 73: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 74: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 75: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 76: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 77: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 78: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 79: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 80: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 81: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 82: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 83: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 84: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 85: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 86: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 87: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 88: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 89: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 90: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 91: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 92: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 93: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 94: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 95: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 96: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 97: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 98: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 99: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 100: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 101: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 102: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 103: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 104: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 105: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 106: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 107: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 108: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 109: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 110: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 111: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 112: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 113: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 114: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 115: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 116: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 117: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 118: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 119: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 120: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 121: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 122: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 123: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 124: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 125: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 126: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 127: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 128: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 129: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 130: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 131: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 132: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 133: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 134: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 135: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 136: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 137: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 138: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 139: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 140: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 141: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 142: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 143: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 144: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 145: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 146: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 147: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 148: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 149: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 150: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 151: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 152: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 153: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE
Page 154: repositorio.pucrs.brrepositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/16351/1... · DIEGO DOS SANTOS WINGERT CONFORMIDADE ENTRE IDEIA E OBJETO: REFLEXÃO SOBRE A VERDADE NA I APOLOGIA DE