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Diana da Veiga Mandelert
REPETÊNCIA EM ESCOLAS DE PRESTÍGIO:
quanto, quando e como
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para obtenção do título de Doutor em Educação. Orientador: Profª Zaia Brandão
Rio de Janeiro Junho de 2010
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Diana da Veiga Mandelert
REPETÊNCIA EM ESCOLAS DE PRESTÍGIO: quanto, quando e como
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profª Zaia Brandão Orientadora
Departamento de Educação - PUC-Rio
Profª Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis Departamento de Educação - PUC-Rio
Profª. Fatima Cristina de Mendonça Alves Departamento de Educação - PUC-Rio
Prof. Marcio da Costa
UFRJ
Profª. Maria Ligia de Oliveira Barbosa UFRJ
Prof. Paulo Fernando C. de Andrade Coordenador Setorial do Centro de
Teologia e Ciências Humanas
Rio de Janeiro, 21 de junho de 2010.
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.
Diana da Veiga Mandelert
Graduou-se em Direito pela UERJ em 1992 e em Pedagogia pela PUC-Rio em 2002. Mestre em Educação pela PUC-Rio em 2005. Atualmente é pesquisadora do SOCED – Grupo de Pesquisa em Sociologia da Educação da PUC-Rio, coordenado pela professora Zaia Brandão.
Ficha Catalográfica
CDD: 370
Mandelert, Diana da Veiga Repetência em escolas de prestígio: quanto, quando e como / Diana da Veiga Mandelert ; orientadora: Zaia Brandão. – 2010. 158 f. : il. ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação, 2010. Inclui bibliografia 1. Educação – Teses. 2. Pedagogia da repetência. 3. Reprovação. 4. Camadas médias e altas. 5. Escolas de prestígio. 6. Capital cultural. I. Brandão, Zaia. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.
Para minhas queridas: Gaby e Lilian.
Agradecimentos À Zaia Brandão, professora e amiga: sem o seu apoio eu de fato não teria chegado ao fim. Às escolas estudadas com seus excelentes profissionais, pela confiança em terem aberto a instituição para mim. Aos meus filhos Sofia e Théo, amores incondicionais. A José Maurício Arruti pela leitura amorosa e cuidadosa, além de ter aceitado discutir em todos os momentos de angústias e dúvidas. Aos meus avós Fabio e Lygia queridos para sempre. Aos meus pais, Anna Maria e Jean Pierre por terem sido leitores fiéis. A todos os professores da Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, especialmente Fátima Alves por ter participado do projeto desde o seu nascedouro com críticas e sugestões fundamentais e Isabel Lelis A todos os meus colegas da Pós-Graduação em Educação e do SOCED da PUC-Rio, em particular Jorge Cássio, Cristina Galvão, Glauco Aguiar e Hustana Vargas. À Marylink Kupferberg, Estevão Mandelert e Marcelo Versiani colaboradores fundamentais pela manutenção da minha sanidade mental. À Rosa Xavier Rodrigues, Débora Chagas e Joacir da Silva pelo apoio inestimável e funcionários do departamento de Educação sempre gentis e solícitos: Geneci, Janaína, Sandra, Nancy e Eduardo. À minha família Buziana: André Valverde, Rogério Fulgêncio, Mag Paletta, Luciana Ramos, Andrea Weinberg, Mario Salonikius, Vinícius, Mabel, Mila, Erik, Bruno e Rafael. Aos meus queridos de sempre: Clô e Flavio Franklin, Bernardo Mandelert e Valéria Celano, Fabiana Graça, Bel Osborne e Monica Urman. Ao CNPq, FAPERJ e à PUC-Rio, pela ajuda financeira recebida.
Resumo
Mandelert, Diana da Veiga; Brandão, Zaia. Repetência em escolas de prestígio: Quanto, quando e como acontecem. Rio de Janeiro, 2010. 158p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Esta pesquisa estudou o fenômeno da repetência em um contexto pouco
pesquisado– colégios de prestígio e camadas médias e altas. Apoiada em Revel
(1998), assumi como estratégia para o estudo o “jogo de escalas”. O trabalho se
divide em quatro partes que, em escalas diferentes, buscam analisar o fenômeno: na
sua magnitude e no processo concreto de reprovação. A primeira parte com os dados
do PISA de 2006 realizei uma comparação do risco de atraso escolar no Brasil com
outros três países: o México, a Argentina e a Colômbia, considerando o nível
socioeconômico e a dependência administrativa da escola, controlando os resultados
pelo desempenho dos estudantes em leitura. Vi que o risco de defasagem é muito
maior no Brasil do que nos outros países mesmo entre os alunos das camadas mais
altas. Na segunda parte construí um panorama do fluxo escolar em 15 escolas entre as
de maior pontuação pelo ranqueamento feito pelo Enem. Constatei que todas as
escolas reprovam seus alunos, mas que existem diferentes padrões de reprovação. Na
terceira parte do trabalho analisei a entrada e a saída dos alunos ao longo dos 11 anos
necessários para a formatura de uma geração em duas escolas de prestígio, fiz o que
chamei de ciclo de série. Observei que os níveis de reprovação têm dois pontos altos:
na 6ª e na 7ª série, e no 1º ano do ensino médio, praticamente inexiste a reprovação no
1º segmento do ensino fundamental. Para cada dez alunos que entram nessas escolas
apenas três se formam sem reprovações. A última parte do trabalho foi a observação
dos conselhos de classe de uma das escolas pesquisadas anteriormente. A enturmação
das turmas e a manutenção das médias em zona de corte favoreceram a possibilidade
de reprovar os alunos. No momento da avaliação final destaca-se a importância de um
tipo específico de envolvimento familiar e a melhor adequação dos alunos das
camadas médias no projeto de escolas de prestígio.
Palavras-chave: Pedagogia da repetência; reprovação; camadas médias e altas; escolas de prestígio; capital cultural.
Abstract
Mandelert, Diana da Veiga; Brandão, Zaia. (Advisor) Repetition in prestige’s schools: amount, when and how they happen? Rio de Janeiro, 2010. 158p. Thesis - Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This dissertation analyzed the phenomenon of school failure in the light of an
under-studied context: that of prestigious schools and middle to upper and classes.
Based upon Revel (1998), we adopted the "game of scales" as our analytical strategy.
The dissertation is divided into four parts which, in different measures, endeavor to
study this phenomenon both in its magnitude and in the concrete process of school
failure, by means of a microanalysis. Beginning with the PISA 2006 data, we compared
the risk of being held back on probation in school in Brazil with that of three other
countries: Mexico, Argentina and Colombia, considering their socioeconomic status
and the schools’ management dependencies, using the students’ reading performance as
a control measure. We found that the risk of probation holdup is much higher in Brazil
than in other countries, even among students from high income social classes. In the
second part of this study we charted the school attendance flux in 15 schools amongst
those of highest standing in the Enem ranking. We found that all schools fail their
students, but that there are different failure standards. In the third part of this study we
sought to understand the entry and exit of students throughout the 11 years required for
one generation to graduate by examining two prestigious schools, and establishing what
we named a ‘Cycle series’. We observed that school failure levels reach their three
critical moments in the 6th and 7th grades, and that for the junior (1st) year of high
school, they are practically nonexistent in the first segment of basic education. For
every ten students entering these schools, only three graduate without ever failing a
grade. The last part of this study was the observation of student evaluation board
meetings in the previously surveyed schools. Class composition and maintenance in
the cutoff section favored the possibility of failing students. Our final evaluation
highlights the importance of a specific sort of family involvement and how middle-
income students tend to fit in better with these prestigious schools’ projects.
Key-words:
Repetition; school failure; upper and middle classes; prestigious schools; cultural capital.
Sumário 1. Introdução .................................................................................... 13
1.1. Desenhando o problema ....................................................... 13
1.2. Estudos sobre os efeitos da repetência ................................ 19
1.3. Estudos no Brasil sobre o modelo alternativo à reprovação:
as escolas em ciclos ........................................................................
24
1.4. Estudos sobre a repetência nas camadas médias e altas e
em escolas de prestígio ...................................................................
26
1.5. Perguntas e métodos ............................................................ 32 2. A Defasagem escolar em camadas altas no Pisa 2006: Brasil,
Colômbia, México e Argentina .........................................................
36
2.1. Objetivos ................................................................................... 36
2.2. Métodos e Dados ...................................................................... 37
2.3. Análise exploratória ................................................................... 40
2.4. Modelo de risco para a repetência ............................................ 41 3. Panorama da repetência em escolas de prestígio do Rio de
Janeiro ..............................................................................................
46
3.1. Objetivos e o Censo Escolar ..................................................... 46
3.2. Observações Gerais ................................................................. 48
3.3. As Escolas ................................................................................. 49
3.4. Considerações parciais ............................................................. 62 4. Escolas de prestígio: da qualidade à distinção ............................ 63
4.1. Objetivos ................................................................................... 63
4.2. Dados e Tratamento ................................................................. 64
4.3. Ciclos de Séries ........................................................................ 65
4.3.1. Recrutamentos de alunos ...................................................... 65
4.3.2. Ciclos dos alunos ................................................................... 67
4.4. Coorte de turma ........................................................................ 74
4.5. Alunos bolsistas ........................................................................ 77
4.6. Considerações parciais ............................................................. 78
5. Apreciações e Mecanismo de Corte: conselhos consultivos ....... 80
5.1. Introdução ................................................................................. 80
5.2. Questões sobre a observação dos conselhos de classe .......... 81
5.3. Conselhos Consultivos e Conselhos Deliberativos ................... 84
5.3.1. Descrição geral das reuniões ................................................. 86
5.3.2. Diferenças entre os conselhos do 8º EF e do 1º EM ............. 87
5.4. Conselhos Consultivos .............................................................. 89
5.4.1. “Perfis das turmas” ................................................................. 89
5.4.2. Perfis dos alunos .................................................................... 93
5.4.3. Estratégias ............................................................................. 102
5.4.4. Zona de desconforto .............................................................. 107 6. Aprovações e Reprovações: conselhos deliberativos .................. 112
6.1. Descrição geral ......................................................................... 112
6.2. Uma escola menos “excludente” ............................................... 113
6.3. Matérias que reprovam e que não reprovam ............................ 115
6.3.1. Ensino Fundamental .............................................................. 116
6.3.2. Ensino Médio ......................................................................... 118
6.4. Conselhos pós-provas finais ..................................................... 121
6.4.1. Regras gerais ......................................................................... 121
6.4.2. Os resultados e as regras pontuais ....................................... 123
6.4.2.1. Ensino Fundamental ........................................................... 123
6.4.2.2. Ensino Médio ...................................................................... 127
6.5. Conselhos pós-recuperação ..................................................... 133
6.5.1. Ensino Fundamental .............................................................. 133
6.5.2. Ensino Médio ......................................................................... 134
6.6. Reprovações Benéficas ............................................................ 136
6.7. Transferências ........................................................................... 137
6.8. Considerações Parciais ............................................................ 138 7. Considerações Finais ................................................................. 142 8. Referências Bibliográficas ............................................................ 148 Anexos ............................................................................................. 156
Lista de Quadros, Tabelas e Gráficos
Quadro 1 – Distribuição das tarefas de leitura, considerando os
processos de compreensão textual .................................................
39
Tabela 1 – Valores médios de desempenho em leitura segundo os
cinco aspectos avaliados .................................................................
39
Tabela 2 – Valores médios das características dos alunos ............. 40
Tabela 3 – Valores médios das características dos alunos
defasados e não defasados .............................................................
41
Tabela 4 – Parâmetros estimados pelos modelos de risco de estar
defasado ..........................................................................................
44
Tabela 5 – Dados da escola A1 comparados com os dados do
Censo Escolar de 2003 a 2005 ........................................................
47
Tabela 6 – Dados da escola A2 comparados com os dados do
Censo Escolar de 2003 a 2005 ........................................................
47
Tabela 7 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da escola A1 ....... 69
Tabela 8 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da escola A2 ....... 69
Tabela 9 – Frequência absoluta e relativa dos alunos da 1ª série e
dos concluintes em cada coorte da escola A1 .................................
74
Tabela 10 – Frequência absoluta e relativa da zona de moradia
dos alunos da coorte de 1997 da escola A1 conforme moradia na
1ª série e os concluintes ..................................................................
76
Tabela 11 – Número de alunos que não passaram por nota em
cada disciplina do 8º EF nos anos de 2008 e 2009 ........................
117
Tabela 12 – Número de alunos que não passaram por nota em
cada disciplina do 1º EM nos anos de 2008 e 2009 ........................
118
Tabela 13 – Resultados pós provas finais do 8º ano do ensino
fundamental de 2008 – diferença entre a nota alcançada e a nota
necessária ........................................................................................
124
Tabela 14 – Resultados pós provas finais do 8º ano do ensino
fundamental de 2009 – diferença entre a nota alcançada e a nota
necessária ........................................................................................
125
Tabela 15 – Resultados pós- provas finais do 1º ano do ensino
médio de 2008 – diferença entre a nota alcançada e a nota
necessária ........................................................................................
128
Tabela 16 – Resultados pós- provas finais do 1º ano do ensino
médio de 2009 – diferença entre a nota alcançada e a nota
necessária ........................................................................................
129
Tabela 17 – Resultados pós-recuperação do 1º ano do ensino
médio de 2008 - diferença entre a nota alcançada e a nota
necessária ........................................................................................
134
Tabela 18 – Resultados pós-recuperação do 1º ano do ensino
médio de 2009 - diferença entre a nota alcançada e a nota
necessária ........................................................................................
135
Tabela 19 – Motivos dos pedidos de transferência do 8º EF e do
1º EM de 2008 e 2009 ......................................................................
138
Gráfico 1 – Taxa de não aprovação da escola A1 de 2003 a 2005 . 50
Gráfico 2 – Taxa de não aprovação da escola A2 de 2003 a 2005 . 51
Gráfico 3 – Taxa de não aprovação da escola A3 de 2003 a 2005 . 52
Gráfico 4 – Taxa de não aprovação da escola A4 de 2003 a 2005 . 52
Gráfico 5 – Taxa de não aprovação da escola A5 de 2003 a 2005 . 53
Gráfico 6 – Taxa de não aprovação da escola A6 de 2003 a 2005 . 54
Gráfico 7 – Taxa de não aprovação da escola B1 de 2003 a 2005 . 55
Gráfico 8 – Taxa de não aprovação da escola B2 de 2003 a 2005 . 55
Gráfico 9 – Taxa de não aprovação da escola B3 de 2003 a 2005 . 56
Gráfico 10 – Taxa de não aprovação da escola C1 de 2003 a 2005 57
Gráfico 11 – Taxa de não aprovação da escola D1 de 2003 a 2005 58
Gráfico 12 – Taxa de não aprovação da escola E1 de 2003 a 2005 59
Gráfico 13 – Taxa de não aprovação da escola F1 de 2003 a 2005 60
Gráfico 14 – Taxa de não aprovação da escola G1 de 2003 a 2005 61
Gráfico 15 – Taxa de não aprovação da escola G2 de 2003 a 2005 61
Gráfico 16 – Número de alunos por série dos quatro ciclos de
série da escola A1 ............................................................................
66
Gráfico 17 – Número de alunos por série dos quatro ciclos de
série da escola A2 ............................................................................
67
Gráfico 18 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 com a
porcentagem na composição das séries ..........................................
68
Gráfico 19 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A2 com a
porcentagem na composição das séries ..........................................
68
Gráfico 20 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e A2 com a
proporção e o número absoluto de alunos: concluintes, reprovados,
reprovados e transferidos no mesmo ano e dos transferidos ..............
70
Gráfico 21 – Médias das reprovações e transferências nos quatro
ciclos de série da escola A1 .............................................................
71
Gráfico 22 – Médias das reprovações e transferências nos quatro
ciclos de série da escola A2 .............................................................
72
Gráfico 23 – Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e A2
com os alunos que foram reprovados e seus destinos ...................
73
Gráfico 24 – Coorte da turma de 1997 da escola A1 ....................... 75
1 Introdução 1.1 Desenhando o problema
O tema da repetência é sabidamente antigo e de grande importância social
e política no Brasil. Desde a década de 20, quando houve movimentos mais
efetivos de implantação de um sistema público de ensino, até o estado da arte feito
no início da década de 80 (Brandão, Baeta e Rocha, 1983), os altos índices de
repetência mantiveram-se praticamente constantes, apesar de várias políticas de
correção de fluxo adotadas (Barreto e Mitrulis, 1999)1.
A partir de 1985 o tema da repetência sofreu uma alteração radical na sua
abordagem, quando uma série de artigos (Fletcher, 1985; Fletcher e Castro, 1986;
Costa Ribeiro, 1991; Klein e Ribeiro, 1991) mostrou que sua dimensão era ainda
maior do que a considerada até aquele momento.
Desde a década de sessenta estudos internacionais2 indicavam que as
estatísticas governamentais da América Latina não apuravam corretamente os
dados de fluxo escolar. A partir dessas críticas, pesquisadores das áreas de
estatística e economia começaram a questionar os dados oficiais brasileiros.
Esses artigos mudaram os rumos da política educacional brasileira. Até
aquele momento considerava-se que seus problemas, para além da qualidade do
ensino, estavam na falta de acesso, na evasão e na repetência, principalmente as
que ocorriam na 1ª série do ensino fundamental.
Neles mostrava-se que a repetência não era bem apurada, que a evasão era
superdimensionada e que a maior causa da evasão escolar era a repetência. A
argumentação avançava ainda dizendo, ao contrário do que se imaginava até
então, o problema do acesso à escola no Brasil estava praticamente resolvido3.
1 Pernambuco e São Paulo em 1968, e Santa Catarina em 1970. 2 Davis, Russel (1966); Schiefelbein, Ernesto (1975); Schielfelbein, Ernesto e Grossi, M.C. (1982) – apud Costa Ribeiro (1991) 3 Para ver o histórico dos artigos consultar: Ferraro (1999), Bonamino e Franco (1999), Gatti (2004).
14
Essa mudança foi possível graças à utilização do modelo matemático
denominado de Profluxo. Este permitiu estimar vários índices sobre o fluxo
escolar utilizando dados demográficos das PNADs e dos Censo, em lugar dos
dados do Censo Escolar que eram menos precisos. Costa Ribeiro (1991)
demostrou que a evasão era mal calculada porque, dentre outras situações, o aluno
de 1ª série reprovado era considerado fora do sistema. No entanto, esse mesmo
aluno ou era matriculado como novo na própria escola ou matriculava-se em uma
nova escola. Em outras palavras, o aluno não abandonava a escola, ele continuava
inscrito na mesma série em outra escola, ou até na mesma com outra matrícula. Os
dados do Censo Escolar faziam com que houvesse mais alunos na primeira série
do que era possível, tendo em vista as coortes de idade à época. Segundo o estudo,
a evasão só ocorria após várias repetências, quando o aluno abandonava a escola
devido à precariedade das suas chances de concluir mais uma etapa do ensino,
fosse no nível fundamental, fosse no médio4.
De acordo com o modelo do Profluxo, observou-se que as taxas de evasão
eram muito baixas, que a cobertura de ensino da população em idade escolar era
de 93%, portanto maior do que a calculada na época e o problema no atraso do
início da escolarização não era tão grande quanto se imaginava.
Consequentemente, mais do que construir escolas, era necessário melhorar a
qualidade do ensino.
Costa Ribeiro adotou em outros artigos5 uma perspectiva histórico-cultural
e funcional para a discussão sobre a repetência no Brasil. Para o autor, as altas
taxas de repetência aconteciam porque existia um componente cultural na nossa
práxis pedagógica que se convertia em uma “pedagogia da repetência”. Esta,
portanto, não poderia ser atribuída às diferenças de “dons e aptidões” dos alunos
ou às suas “deficiências culturais”, interpretações que predominaram na educação
até a década de setenta. Segundo essa tese a reprovação estaria fortemente
integrada às práticas escolares.
4 Pesquisas internacionais também apontam para a repetência como um forte preditor de evasão escolar (Rumberger, 1995; Cairns, Cairns & Neckerman, 1989; Ensminger & Slusarick, 1992; Grissom & Shepard, 1989; Roderick, 1994, 1995, apud Jimerson, 2001). 5 Costa Ribeiro, 1993; 1994; Costa Ribeiro e Paiva, 1995.
15
Não quero dizer com isso que no Brasil os desempenhos escolares dos
alunos oriundos das classes favorecidas é equivalente ao das classes
desfavorecidas. É claro que existe uma diferença enorme da duração dos estudos e
o nível atingido é substancialmente correlacionado à origem social do aluno. O
que ressalto é que a reprovação pode ser observada em todos os estratos sociais.
Podemos entender com isso que as altas taxas de repetência não são fruto apenas
da extrema desigualdade que o país apresenta. Costa Ribeiro afirma que “a
repetência não é privilégio da escola dos pobres e muito menos da escola pública”
(1991, 16). Ainda que muito pouco estudada, a repetência também acontece nas
escolas particulares e com alunos de camadas mais altas, só que de forma
diferenciada. Como mostram Mello Souza e Valle Silva (1994) usando dados da
PNAD de 1999, nas escolas particulares, as taxas de repetência são mais altas no
segundo segmento do ensino fundamental; e, na escola pública, no primeiro
segmento do ensino fundamental.
Por isso alguns autores passaram a considerar que a questão da repetência
assume no Brasil um contorno específico, pois ela não é um fenômeno meramente
classista, ainda que tenha um forte componente social (Costa Ribeiro, 1993, Costa
Ribeiro e Paiva, 1993). Costa Ribeiro afirma que a repetência constitui um
importante traço da nossa cultura pedagógica, pois:
Mesmo nas populações mais privilegiadas as taxas de repetência são sempre muito altas, o que faz supor que, mesmo aumentando a qualidade da instrução, as escolas aumentam simultaneamente seus critérios de promoção de série de tal forma que a repetência se mantém aproximadamente constante (Costa Ribeiro, 1991, p. 16).
A explicação histórico-cultural de Costa Ribeiro (1994) começa na nossa
origem colonial. Portugal não teria sido influenciado pelas revoluções liberais do
século XVIII que tinham um ideário de cidadania marcado pela “pregação
inédita” de uma universalização da educação. Pelo contrário, nossa educação teria
começado com os jesuítas (marcados pelos valores da Contrarreforma) e com
nosso modelo extrativista e de plantation. Nenhum dos dois preconizava ou
necessitava de uma população escolarizada. Ele afirma que esse processo foi se
atualizando no decorrer da nossa história por não termos um projeto de nação, em
que a população tivesse na escola a possibilidade de aprender os conteúdos
básicos para poder exercer a sua cidadania de forma plena. A sociedade brasileira
16
caracteriza-se por ser patrimonialista6, e de status. Costa Ribeiro considera que tal
problema é provavelmente resultante de uma mentalidade “autoritária, imediatista
e individualista”, que se traduz na seleção feita pelo que ele chamou de
“pedagogia da repetência”.
A hipótese de que a repetência seja um traço cultural é corroborada por
Eisemon (1997). Este autor baseia sua hipótese nos estudos em que comparou as
taxas de repetência dos países africanos francófonos e anglófonos,
latinoamericanos e do sul da Ásia. De acordo com seus achados, a herança
educacional do período colonial ajuda a explicar as diferenças entre os países.
Assim, países africanos francófonos têm a tradição de equiparar seletividade com
altos padrões educacionais. Considera-se que um alto nível de reprovação
signifique rigor e altas expectativas de desempenho, ou seja, prova de qualidade.
Já nos países anglófonos, as altas taxas sugerem justamente o oposto: ineficiência,
maus professores, gestão e supervisão inadequadas.
Eisemon (ibid) entende que a repetência tem causas sistêmicas, isto é, altas
ou baixas taxas de repetência têm raízes culturais. Isto porque a repetência varia
enormemente de um país para outro em termos de incidência, causas e
consequências, ainda que exista a importância relativa da família ou da escola de
cada lugar (ibid, 33). Os países, inclusive, seguem padrões: naqueles em que as
taxas de repetência no nível primário são da ordem de 15%, no nível secundário
são acima de 10%; ao contrário, aqueles que apresentam baixas taxas no nível
primário, também têm baixas taxas no nível secundário. Mesmo no nível superior,
apesar de as taxas não serem sistematicamente colhidas nem divulgadas, o padrão
aparentemente se repete.
Considero, no entanto, que atribuir o fenômeno das altas taxas de
repetência a nossa origem colonial parece algo muito remoto. Não digo que não
haja influência, mas atribuir o que acontece hoje inteiramente a isso, enfraquece a
6 De acordo com Schwartzman (2006): “O uso do termo “patrimonialismo” nas ciências sociais tem sua origem nos trabalhos de Max Weber, e foi utilizado para caracterizar uma forma específica de dominação política tradicional, em que a administração pública é exercida como patrimônio privado do chefe político. Mas ela remonta à diferença estabelecida por Maquiavel entre duas formas fundamentais de organização da política, uma mais descentralizada, do “Príncipe e seus barões”, e outra mais centralizada, do “Príncipe e seus súditos”. No seu uso mais recente, o termo “patrimonialismo” costuma vir associado a outros como “clientelismo” e “populismo”, por oposição ao que seriam formas mais modernas, democráticas e racionais da gestão pública, também analisadas por Weber em termos do que ele denominou de “dominação racional-legal”, típica das democracias ocidentais.”
17
meu ver esta interpretação. Até porque considerar a mentalidade autoritária
responsável pelos altos índices de reprovação inclusive das camadas médias e
altas parece ser pouco convincente.
Na perspectiva funcional, Costa Ribeiro e Paiva (1995) consideram que a
repetência serve também para transferir para o aluno a responsabilidade de uma
tarefa que é de todos: pais, professores e alunos. Isso porque, no Brasil, os
professores não se sentem integralmente responsáveis pelo aprendizado de todos
alunos. É o que constatou Earp (2006) no estudo de caso realizado em duas
escolas públicas do Rio de Janeiro. Baseada na perspectiva de Costa Ribeiro, a
pesquisadora procurou entender como a escola reproduz esse modelo de
repetência, ou seja, quais seriam as estruturas e os mecanismos escolares
responsáveis pela produção da repetência. A autora concluiu que, para além da
reprodução descrita por Bourdieu, os alunos são reprovados pelos professores
porque há uma lógica que os faz reprovar, e não porque os professores não saibam
ensinar. Observou que alguns alunos eram escolhidos para serem ensinados e
outros eram deixados à sua própria sorte. Por isso classificou os primeiros de
alunos do “centro” e os segundos, de “periferia”. Seus dados não lhe permitiram
estabelecer uma relação entre as condições sociais dos alunos e sua situação como
“centro” ou “periferia”. Existiam alunos nas duas categorias com condições
sociais mais elevadas e mais baixas.
Podemos dizer que a conclusão de Earp se aproxima da interpretação dada
por Costa Ribeiro para a existência de uma mentalidade na escola em que
considera que “não adianta ensinar aos alunos, pois eles não vão aprender” (1994,
19). Earp cita frases dos professores, nas quais eles dizem textualmente sobre os
alunos: “não sabem nada”, “não se interessam”, “não querem nada” e “não têm
jeito” (2006, 315).
Com relação às famílias, Costa Ribeiro e Paiva (1995) interpretam sua
atitude de aceitação desta forma:
Por outro lado, a violência simbólica da repetência em meios afeitos à violência física, na ausência de mecanismos de mediação (como a discussão com os pais sobre os efeitos da repetência e a dependência de sua concordância com o conceito a ser dado), reforça a cultura familiar da submissão e do conformismo. Talvez por isso, ela não é suficiente para afastar o aluno da escola; mas o é para a aceitação da vitimização. (1995,643)
18
Com isso a explicação que seria culturalista por ser válida para toda a
sociedade nacional, revela-se, porém, novamente, classista. Pois seriam as
camadas populares que, por não se considerarem capazes de ajudar seus filhos,
aceitam o veredicto escolar por conformismo e submissão. A “cultura colonial”
que explica a opção pela reprovação se realizaria na forma de uma diferenciação
de segmentos de status, repondo a explicação que Bourdieu produziu a partir do
contexto francês, aclimatada ao Brasil.
A razão pela qual as camadas médias e altas aceitam a repetência de seus
filhos, ajudando a perpetuar esse sistema continua, portanto, sem uma explicação
aceitável. Existem poucos estudos no Brasil que analisam a repetência na escola
particular ou nas camadas mais altas da população. O que existe é um razoável
acervo de estudos e reflexões sobre a escolarização das camadas populares e sobre
as práticas pedagógicas nas escolas públicas. Costa Ribeiro (1991, 9), por
exemplo, assinala que “as teses e pesquisas realizadas nesta área raramente
mencionam a ordem de grandeza deste percentual nem o fato de ser alta, mesmo
nas camadas mais privilegiadas da população, seja por falta do dado ou por não o
considerarem relevante.” (grifo meu).
De fato, o conjunto de trabalhos sobre os processos de escolarização de
jovens de meios favorecidos é ainda bastante reduzido, tanto no Brasil quanto no
exterior, como já apontaram Nogueira (2004) e Cattani e Kieling (2007). Até
porque essa mudança do olhar da “desvantagem social para o privilégio” (Sirota,
2000) é razoavelmente nova na Sociologia da Educação.
Um esforço nessa direção tem sido feito pelo conjunto de trabalhos
desenvolvidos pelo SOCED7. Também digno de nota é o livro A escolarização
das elites (Almeida e Nogueira), publicado em 2002. Talvez a falta de interesse se
deva à crença consolidada de que a origem social é um fator de proteção do
fracasso escolar, isto é, de que jovens de camadas médias e altas estatisticamente
teriam menos probabilidades de ter problemas de desempenho escolar. De
qualquer forma, essa pauta mantém a teoria restrita ao corte de classe, quando na
verdade, a generalidade do fenômeno nos leva a pensar a uma explicação que seja
independente dessas variáveis.
7 SOCED - Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação, da PUC-Rio coordenado por Zaia Brandão.
19
As notícias na mídia mostram a penetração desse consenso, tornado senso
comum e um raciocínio naturalizado quando versam quase exclusivamente sobre
as deficiências do ensino público e a superioridade do ensino privado8. Assim, a
escola particular, talvez por essa ausência de estudos sobre a questão, é para
muitos um lugar onde não há problemas, existindo, aqui no Brasil, a crença na
superioridade da escola particular em relação à pública (Brandão,1985).
Entretanto, como já apontamos anteriormente na escola privada, assim
como na escola pública o fenômeno da repetência também está presente. Como
podemos ver na reportagem da Folha de S.Paulo:
Um país que ostenta uma das maiores taxas de reprovação do mundo não poderia produzir outro resultado que não o revelado pela Datafolha: mais da metade (54%) dos jovens brasileiros já repetiu o ano na escola. Esse percentual é maior entre homens, nordestinos e mais pobres. O problema, porém, não é restrito a esses grupos. Quase metade (44%) dos jovens das classes A ou B, por exemplo, já repetiu. (Grifo meu. Folha de S.Paulo, Especial, 27/08/2008).
1.2 Estudos sobre os efeitos pedagógicos da repetência
Levando a expressão de Costa Ribeiro da “pedagogia da repetência” ao
limite, realizei uma revisão de literatura sobre a reprovação como uma medida
pedagógica. Considerei que a compreensão mais profunda do tema seria uma
importante colaboração para examinar a questão.
Seria a repetência escolar de fato uma boa solução para alunos com
desempenhos piores? Ainda que seja uma prática pedagógica bastante utilizada, a
discussão sobre a repetência escolar parece estar mais no centro de uma polêmica
do que discutida nas faculdades de Educação. Qual seria uma boa reprovação, ou,
como ouvi posteriormente na escola que foi objeto desta investigação, uma
“reprovação benéfica”? Seria a solução para um aluno que demonstrasse
8 PEREIRA, Gilson R. de M. e ANDRADE, Mª da Conceição, no trabalho intitulado Socioanálise de pré-noções no discurso jornalístico sobre educação, mostram a oposição entre o público e o privado, revelando a hierarquia de valores nas expressões utilizadas na matéria da revista Isto É (1633, 17/10/2001, p. 44-45): Privado: novidade, boa escolha, desafio, proposta lúdica, muito sucesso, programação nova e interessante, desenvolver o raciocínio. Público: salas lotadas, a chamada “recuperação”, ineficiente, repetência, imposição, não valoriza o aprendizado, sistema de reforço. (Trabalho publicado no CD-Rom da 26ª reunião anual da Anped – Novo Governo. Novas Políticas: o papel histórico da ANPEd na produção de políticas nacionais. Poços de Caldas, 2003).
20
desconhecer o conteúdo de uma matéria? Seria uma boa opção quando fosse
percebida uma imaturidade do aluno? Com a reprovação o aluno repetente
realmente teria mais oportunidades de aprender do que o aluno promovido mesmo
com carências de aprendizagens?
Os estudos sobre os efeitos pedagógicos da repetência sobre o desempenho
escolar do aluno começaram a ser realizados no início do século XX. Na revisão
de literatura feita por Crahay (1996, 2006), foi feito o histórico das pesquisas com
alunos do ensino fundamental (excluindo o ensino médio). Os primeiros estudos
feitos nos Estados Unidos foram feitos realizando-se medições sobre o estado dos
conhecimentos e performances de um grupo de alunos com dificuldades escolares
antes e depois do ano repetido, inseridos em uma amostra maior de alunos. É o
que Crahay chamou de esquema “antes-pós” ou “pré-teste-pós-teste”. Apesar de
serem observados ganhos no desempenho, não era possível afirmar que os ganhos
haviam sido produzidos pela repetência e não pela maturidade dos alunos,
mudanças pedagógicas e/ou psicológicas, ou outros fatores. Esses estudos
apontaram para uma evolução desses alunos, mas sem que ficasse claro a qual
variável ou variáveis essa evolução seria devida.
Tendo em vista os limites no desenho desses estudos, os pesquisadores
passaram a adotar a metodologia “quase-experimental”, de acordo com a qual são
comparados dois grupos equivalentes: um sofre o “tratamento”, no caso a
repetência, e o outro, chamado grupo de controle, é promovido para a série
seguinte. Limitando-se aos estudos que obtiveram diferenças nos planos
estatísticos, Crahay, observou que das 27 pesquisas apenas duas concluíram a
favor da repetência no testes de conhecimento. No critério sobre escalas de
ajustamento social, das 104 análises 67 foram favoráveis aos alunos promovidos.
Posteriormente, utilizando a técnica da “meta-análise”, desenvolvida por
Glass (1977), de acordo com a qual é possível agregar os resultados de várias
pesquisas sobre um tema específico, Crahay descreveu o estudo feito por Holmes
e Mattews (1984) e o que se seguiu feito apenas por Holmes (1990). Eles
revisaram 650 pesquisas sobre repetência. Dessas apenas 44 foram consideradas
como dotadas do rigor metodológico necessário para a investigação,
principalmente no que tange à equivalência inicial do grupo experimental e do
grupo de controle em dimensões como testes de desempenho, nível
socioeconômico, gênero, série e outras. A conclusão a que chegaram, no estudo de
21
1984, é de que os ganhos de conhecimento com a repetência são negativos e esses
resultados são muito consistentes.
Na meta-análise de 1990, com estudos longitudinais, Holmes fez dois tipos
de comparação:
• A primeira com alunos de mesma idade. Comparam os alunos que
foram reprovados com aqueles que foram promovidos, a despeito
de terem ambos os grupos um desempenho mais fraco.
• A segunda é a comparação entre alunos com o mesmo grau escolar.
No final do ano, comparam-se os alunos reprovados e que,
portanto, foram expostos duas vezes ao mesmo conteúdo e os
alunos que estão passando pela série pela primeira vez.
É importante perceber que, nos dois casos, os alunos repetentes têm
vantagens. Na primeira situação, porque os repetentes realizam testes de menor
dificuldade, pois os repetentes estariam fazendo o teste, digamos, da 1ª série, e os
promovidos estariam fazendo o teste da 2ª série, portanto mais difícil. Na
segunda, porque os alunos repetentes já foram expostos duas vezes ao conteúdo e
os outros apenas uma, e contariam com o benefício de um ano a mais de
maturidade.
Holmes concluiu que os resultados são equivalentes em quaisquer das
situações, não apresentando nenhuma vantagem a mais refazer a série. Assim,
conclui Crahay, a ideia de que a reprovação faz com que os alunos recomecem
com uma base melhor para a sua trajetória escolar não se sustenta empiricamente.
Crahay ainda traz os estudos sobre os efeitos da retenção nos primeiros anos de
escolaridade e mostra que os resultados empíricos apontam para os efeitos
prejudiciais da retenção, principalmente no início e no fim da escolaridade de
base, isto é, o fim do ensino fundamental. Do mesmo modo, a prática de atrasar
em um ano a entrada do aluno na escola básica também não é eficaz para a
melhora do desempenho do aluno.
Jimerson (2001) fez nova revisão de literatura e meta-análise sobre efeitos
da repetência com as pesquisas publicadas entre 1990 e 1999. A seleção dos
trabalhos obedeceu a critérios rigorosos, como ter sido publicada, em forma de
artigo ou livro, por exemplo, e ter um grupo de controle com alunos promovidos.
Foram selecionados 20 estudos, e as variáveis para a escolha do grupo de controle
foram: QI, desempenho acadêmico, nível socioeconômico, gênero e atitudes em
22
relação à escola. Os resultados são muito similares aos dos últimos 90 anos, de
acordo com os estudos de Jackson, 1975, Holmes & Matthews, 1984 e Holmes
1990.
Há, portanto, uma convergência nessas revisões de pesquisa com relação à
demonstração de que a repetência não beneficia os alunos, seja academicamente,
seja para aqueles com dificuldades de comportamento. Jimerson chega a sugerir
que, em vez de serem realizadas mais pesquisas sobre o tema, o que deveria ser
feito é um esforço para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre outros tipos
de intervenção para a melhoria dos alunos.
Brophy (2006) também fez uma síntese baseada em evidências empíricas
das pesquisas sobre repetência e chegou aos mesmos resultados, isto é, que a
repetência não só é ineficaz como é contraproducente. As ideias de que o
desempenho mais fraco resulta de uma falta de empenho e de que a ameaça da
repetência estimularia o estudo são verdadeiras apenas para uma minoria. Pelo
contrário, os alunos retidos ao longo da trajetória escolar vão ficando cada vez
mais para trás, mesmo em relação aos colegas que tinham um perfil de
desempenho próximo ao deles no ano da reprovação. Para o aluno, a repetência é
estressante e está associada a uma baixa de autoestima, além de prejudicar sua
relação com os colegas e com a escola. A maioria dos alunos repetentes precisa
trabalhar arduamente para realizar o progresso que alcançam.
M.L.Smith (apud Crahay) tentou explicar a razão para a persistência da
crença dos professores nos benefícios da repetência. Os professores não possuem
grupo de controle, isto é, para aquilatar a validade da prática eles só têm a sua
experiência com os alunos retidos. A comparação dos alunos repetentes com os
alunos do mesmo nível de competências que foram promovidos não pode ser feita
por eles. Isto porque como os alunos reprovados geralmente permanecem no ano
seguinte com os mesmos professores por terem ficado na mesma série, estes
percebem vantagens temporárias nos alunos que sustentam essa crença. Isto
porque o aluno, ao ser defrontado com o mesmo conteúdo, costuma ter um
desempenho melhor do que no ano da retenção. Além de ser possível que o aluno
se sinta mais competente na comparação com os seus condiscípulos. Depois,
quando os alunos repetentes são promovidos para a série seguinte, e o professor já
não é o mesmo, as vantagens iniciais percebidas se desfazem, porque os alunos se
23
deparam com um novo material de estudo e voltam a ter dificuldades semelhantes,
um ano atrasados.
Precisa ser dito ainda que muitos países com excelentes resultados em
avaliações internacionais são os mesmos que aboliram a possibilidade de
repetência. São exemplos disso Dinamarca, Noruega, Suécia, Reino Unido, Coréia
do Sul, Malásia, Japão, entre outros. Podemos incluir a Finlândia, que teve o
melhor desempenho no Pisa de 2000. Naquele país, não há repetência, porque esta
não é praticada, embora não haja uma proibição formal para isso.
O estudo exploratório feito por Soares (2007) é mais um indício de que a
repetência não colabora para que se obtenham melhores desempenhos dos alunos.
O autor fez uma investigação para tentar apreender qual é o impacto das políticas
de combate à repetência sobre o desempenho dos estudantes em testes
padronizados internacionais dos quais o Brasil não participa. Apesar de a amostra
ser pequena, o que ele verificou foi que existe um impacto positivo de políticas de
progressão continuada sobre os resultados dos exames.
No Brasil, os estudos sobre o efeito da repetência no desempenho são
poucos. Na primeira etapa de um estado da arte9 sobre o fracasso escolar realizado
por Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004), nem mesmo são citados estudos
sobre a validade pedagógica da repetência. De acordo com as autoras, o que se vê
são estudos em que o fracasso é visto como um problema psíquico - havendo
nesse discurso uma culpabilização das crianças; como um problema técnico - com
a culpabilização do professor; como uma questão institucional - que é devida à
lógica excludente da educação escolar; e finalmente, o fracasso visto como uma
questão política - gestado na cultura escolar e nas relações de poder. Nessa última
categoria estão as pesquisas em que o foco são as relações de poder estabelecidas
dentro das instituições escolares, centrando as análises “na violência praticada
pela escola ao estruturar-se com base na cultura dominante”(ibid, 63), quando
desconhece e desvaloriza a cultura popular.
Na área de economia, encontrei um único estudo que focaliza
especificamente o tema, realizado por Luz (2008). Utilizando uma amostra
retirada da pesquisa Fatores Associados ao Desempenho Escolar (INEP/MEC), a
9 As autoras desenvolveram uma análise das teses e dissertações defendidas entre 1991 e 2002, na Faculdade de Educação e no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, pois consideraram que as duas instituições ocupam um papel de destaque na produção sobre o tema.
24
pesquisadora observou os efeitos da repetência no desempenho dos alunos. Seus
achados vão na mesma direção dos dados empíricos internacionais assinalados
anteriormente: os alunos repetentes, apesar de terem uma melhora entre os dois
anos considerados, têm ganho menor do que seus colegas que foram promovidos.
Outra resultado interessante é que os alunos retidos têm um resultado semelhante
aos alunos novatos, o que não sustenta a suposição da repetência como
metodologia válida para a melhoria do desempenho. Por fim, a autora observou
que a repetência se mostra ainda menos vantajosa quanto mais precárias as
condições do sistema escolar.
O desenho de pesquisa de Paes de Barros e Mendonça (1996) não foi
exatamente o estudo do efeito da repetência no desempenho, mas seus achados
demonstram que o aluno repetente tem uma probabilidade maior de repetir mais
uma vez se comparado aos alunos promovidos. Na pesquisa, foram usados os
dados da PNAD de 1985.
Importante ressaltar que esses estudos não comprovam que a promoção
dos alunos potencialmente sujeitos à reprovação por si só aumente seu
desempenho. Não se trata disso. O que se procura demonstrar com essas pesquisas
é que a repetência não é um recurso que melhore a qualidade do ensino ou que
promova um aumento no desempenho dos alunos, pois os ganhos são menores do
que para aqueles que foram promovidos.
1.3 Estudos no Brasil sobre o modelo alternativo à reprovação: as escolas em ciclos
As pesquisas no Brasil que analisaram a diferença de desempenho entre as
escolas seriadas ou em ciclos são outras referências que ajudam a problematizar
os efeitos da repetência. Em algumas pesquisas, apesar de as escolas seriadas
apresentarem um desempenho melhor, a diferença a favor delas não é
estatisticamente significativa.
Ferrão, Beltrão e Santos (2002) utilizaram dados do SAEB de 1999. Os
resultados não apontaram diferenças significativas na proficiência dos alunos de
25
4ª série do ensino fundamental em matemática e leitura com organização escolar
ciclada ou não.
Menezes-Filho e outros(2008) fizeram uma avaliação do impacto da
progressão continuada nas taxas de rendimento e desempenho escolar. Foi
observada uma menor taxa de abandono nas escolas que implantaram o sistema.
Em relação ao desempenho, na progressão continuada, houve uma redução na
proficiência dos estudantes da 8ª série do ensino fundamental, enquanto que, na 4ª
série, os resultados não foram significativos.
Alves (2008) analisou a associação entre as políticas públicas adotadas nas
redes de ensino das capitais brasileiras e o desempenho dos alunos, utilizando
dados do SAEB de 1999, 2001 e 2003. Com relação à organização em ciclos, o
resultado não foi significativo, apesar de o desempenho médio das redes em ciclos
ter sido um pouco abaixo das redes organizadas em séries.
Almeida (2009) traz um resultado diferente. A pesquisadora mediu a
eficiência das escolas públicas cicladas e não cicladas do ensino fundamental,
centrando-se nos municípios de Campinas, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, com
a base de dados do Projeto Geres10. Suas conclusões são que não é possível
afirmar que as escolas cicladas ensinem mais do que as escolas não cicladas. É
possível, no entanto, afirmar com os dados disponíveis que as proficiências
médias das escolas cicladas são significativamente maiores do que as não
cicladas.
Podemos, portanto, observar que a questão no Brasil ainda deve ser mais
pesquisada. Com o aprimoramento dos dados do censo escolar, aliado a
possibilidade fazer estudos comparativos das avaliações governamentais, talvez
possamos incrementar essa área que carece de um aprofundamento maior.
O balanço feito por Gomes (2005) das pesquisas sobre desseriação escolar
no ensino fundamental do Brasil apresenta outras questões sobre a comparação
entre as escolas cicladas ou não. Conforme seu estudo, as experiências de
desseriação brasileiras se ressentiram de problemas na sua implantação, além de
terem enfrentado a resistência tanto dos professores, como das famílias e dos
alunos. O que se vê é que com a desseriação há uma quebra do que Crahay (apud
10 Geres - projeto de pesquisa longitudinal (2005 a 2008) que focalizou a aprendizagem nas primeiras fases do ensino fundamental para estudar os fatores escolares e sócio-familiares que incidem sobre o desempenho escolar.
26
Gomes, 2005) denominou de “contrato social” escolar, em que a ameaça da
reprovação é um dos esteios principais. A promoção automática, para alcançar
efeitos positivos, necessita de ser acompanhada de intervenções complementares
que auxiliem os alunos com dificuldades durante todo o ano letivo, assim como
pressupõe o envolvimento de professores, famílias e alunos. Como na maioria das
experiências de ciclos, as intervenções não foram feitas, nem houve um
envolvimento maior dos interessados, a política ficou prejudicada.
As diferenças nos desempenhos médios das escolas organizadas em ciclos
ou seriadas reforçam a tese culturalista da “pedagogia da repetência”.
Demonstram, inclusive, que a pedagogia da repetência não é uma cultura
exclusiva dos professores. Toda a comunidade escolar trabalha com essa lógica.
Como diz Fernandes a possibilidade de não reprovação provoca uma
“desestabilização nos habitus dos agentes escolares envolvidos no processo
educativo” (3,2003).
1.4 Estudos sobre a repetência nas camadas médias e altas e em escolas de prestígio
Pelos estudos anteriores vemos que para estudar o fenômeno em toda a sua
extensão seria importante lançar mão da análise da reprovação em camadas
médias e altas e nas escolas que não estão sujeitas aos problemas de infraestrutura
correntemente associados à rede pública.
Na revisão de literatura específica sobre a repetência nas camadas médias
e altas, encontrei variadas abordagens e modalidades explicativas. Focalizados
nos alunos de camadas médias e altas e/ou em suas famílias, temos os trabalhos na
França de Fourastié (1972) e Ballion (1977), e os brasileiros de Rodriguez (2004)
e Salomon (2001).
Fourastié realizou, entre 1964 até 1968, sete enquetes sobre a escolaridade
dos filhos de politécnicos, professores e egressos da École Normale Supérieure,
industriais, artistas, altos funcionários e juízes. O objetivo geral da pesquisa era
conhecer os resultados escolares e universitários daqueles que por definição não
teriam os obstáculos clássicos de ordem econômica e social. As taxas de
27
escolarização encontradas por ele foram bem mais altas do que as que eram
reveladas pelo censo sobre a média da população. No entanto, muitos não tinham
alcançado o ensino superior (30%, em média), ou tinham alcançado escolaridade
menor do que a dos pais. Na análise, as variáveis sexo, nível escolar dos pais e
lugar na fratria11 tiveram correlação estreita com a trajetória escolar. Meninas
obtinham pior resultado do que os meninos12, a maior escolaridade dos pais
resultava em melhor resultado escolar, além disso, os primogênitos tinham
vantagens em relação aos irmãos.
As diferenças de mentalidades e, portanto, a menor importância conferida à
escolaridade dos filhos por industriais e artistas também se configurou como um
fator que contribuiu para a menor escolaridade. Apesar disso, Fourastié concluiu
que, na medida em que o contexto cultural tomado no seu sentido mais amplo é
favorável, são as capacidades psico-biológicas do sujeito que têm um papel
preponderante na explicação do sucesso escolar. Mesmo sem focalizar a
repetência propriamente dita, o estudo desperta interesse por levantar hipóteses
sobre variáveis que levam a um menor rendimento escolar por parte das camadas
médias e altas.
Ballion publicou em 1977 o livro L’argent et l’école, sobre o fracasso escolar
nos meios economicamente favorecidos. Sua pesquisa foi feita com duas amostras
diferentes, em dois períodos. A primeira amostra foi com 170 alunos em ano de
formatura escolar, e a segunda, com 500 alunos dos denominados établissements
de rattrapage, o que poderia ser traduzido como estabelecimentos de recuperação,
isto é, escolas especializadas em proteger os filhos dos meios favorecidos da
seleção feita pela escola pública, criando um ambiente de estudo mais adequado
para eles13.
11 Posição na fratria significa qual lugar que o aluno ocupa em relação aos irmãos (ex: primogênito ou caçula) 12 Nos últimos 30 anos, a situação das meninas mudou bastante, conforme os estudos de BAUDELOT, e ESTABLET, Allez les filles (1992) sobre a ascensão escolar das meninas na França e no mundo. No Brasil, as mulheres tendem a ter um desempenho educacional superior ao dos homens, conforme Alves, 2007; Paes de Barros e outros, 2001. 13 Segundo Ballion (1977) existem diferentes tipos de estabelecimento de rattrapage, uns são mais permissivos, outros mais autoritários, assim como para diferentes tipos de aluno: com problemas específicos, como dislexia etc., ou por idade. Como essas escolas não estão submetidas por contrato com a Educação nacional, eles são inteiramente responsáveis por sua organização pedagógica. Assim podem oferecer condições pedagógicas melhores do que aquelas do ensino público francês, oferecendo aulas de apoio.
28
O autor demonstrou que o número de insucessos era bem maior do que se
esperava nessas camadas sociais14. Além disso, descobriu que “l’argent efface
l’échec”, ou seja, o capital econômico consegue “apagar” as trajetórias irregulares
desses alunos. As famílias conseguem, por meio de estratégias variadas, corrigir
os efeitos possivelmente perversos do fracasso escolar.
Uma das estratégias que nesse sentido é a opção por essas escolas de
rattrapage, que funcionam como uma ponte para esses alunos, pois podem
facilitar sua ascensão escolar. A hipótese explicativa dada por Ballion para a
trajetória acidentada desses estudantes é individualizada e de base psicológica. Os
alunos de um estabelecimento de rattrapage dos quais o autor foi professor na sua
experiência docente eram perfeitamente normais no que tange à inteligência, por
vezes eram até acima da média. Por isso a razão do insucesso era para ele e para
os outros professores, colegas seus, um mistério.
Ao analisar a questão na pesquisa, atribuiu ao temperamento do aluno, em
francês caracteriel, um traço da personalidade que diante do fracasso e de
experiências negativas escolares faz com que faça um desinvestimento na escola,
piorando cada vez mais a situação.
No Brasil, alguns trabalhos apontam as trajetórias irregulares nas camadas
médias e altas, mas não estudam o tema especificamente15. Recorrendo ao banco
de dados da CAPES16, encontrei a dissertação de mestrado de Rodrigues (2004)
sobre a repetência nas camadas médias, com foco nas famílias.
Inicialmente, Rodrigues tentou entrevistar alunos de escolas particulares,
mas não obteve êxito. Primeiramente, as coordenadoras contatadas disseram que a
reprovação era muito baixa, pois era feito um acompanhamento pedagógico
intenso ao longo do ano escolar, depois afirmaram que a maioria dos alunos
reprovados troca de estabelecimento. A pesquisadora tentou realizar a
aproximação com as famílias das escolas particulares de outras formas, mas não
teve êxito. Optou por realizar sua pesquisa em escolas públicas com clientela
reconhecidamente de camadas médias. Conseguiu entrevistar 20 famílias que se
encaixavam no perfil adotado. Verificou que tanto as escolas como as famílias
14 Os dados do autor são de 1962, à época quase a metade dos alunos dos meios favorecidos não conseguia obter o baccalauréat (equivalente ao vestibular brasileiro). 15 Paes de Carvalho (2004), Brandão e Lelis (2003) 16 http://www.capes.gov.br/servicos/bancoteses.html - último acesso em 14/07/2009
29
explicavam a repetência como resultado de problemas biológicos, médicos ou
psicológicos, isto é, centrados no indivíduo. Portanto, tal qual Ballion (1977)
seriam aspectos do aluno que explicam a reprovação.
A autora detectou “acordos” entre as escolas e as famílias para que o aluno
não fosse reprovado, fazendo inclusive uma diferenciação entre “reprovação” e
“repetência”. Com a primeira, haveria o registro no histórico escolar; na segunda,
a criança é aprovada na escola e é matriculada em outro estabelecimento na
mesma série no ano seguinte. A autora considera que esses “acordos” podem
colocar em dúvida as estatísticas oficias nas escolas particulares. A reprovação
escolar enquanto experiência familiar pode ter diferentes significados para as
famílias pesquisadas: “dinheiro ou tempo perdido”, “aprendizado” e “sofrimento”,
são alguns dos mais citados.
Entre as principais conclusões do trabalho figuram a verificação de que a
reprovação escolar repercute sobre o cotidiano das famílias mesmo antes de
acontecer de fato e a percepção de que isto se deve, entre outras coisas, à
centralidade que a escolaridade dos filhos tem de fato para essas famílias de
camadas médias. Outro dado importante é que todas as famílias consideram que a
reprovação é um evento que deixa uma marca muito difícil de apagar, tanto para a
família quanto para o aluno.
A segunda pesquisa foi encontrada na bibliografia de Rodrigues (2004),
foi a tese de doutorado de Salomon (2001). É um estudo de caso de dez jovens de
classe média em situação de fracasso escolar ou de vida escolar fragmentada. A
pesquisadora tentou estabelecer uma amostra em que os alunos não apresentassem
nenhuma das variáveis comuns que interferem na aprendizagem. Assim, os alunos
selecionados não apresentavam nenhum distúrbio específico, também não eram
oriundos de famílias de pais separados na primeira infância. Este segundo critério
também foi adotado porque a relação dos pais com a vida escolar dos alunos era
uma dimensão importante do estudo.
Como na pesquisa anteriormente citada, a autora também teve dificuldades
de acesso aos alunos por meio das escolas privadas. Muitas disseram não viver a
situação de fracasso escolar, pois ofereciam um atendimento individualizado às
necessidades dos alunos, realizando um trabalho conjunto escola-família. Outras
alegaram problemas éticos para não indicar nomes de alunos nessa situação. Duas
escolas foram claras no seu receio em participar da pesquisa por problemas de
30
imagem. Mesmo nas escolas “pagar-passar”17, ela não obteve uma resposta
rápida. Após uma longa espera, ela conseguiu compor sua amostra com famílias
de alunos que a procuraram por indicação de algumas das coordenadoras
previamente contatadas, e por uma escola que atualmente é reconhecida como
uma instituição do tipo “pagar-passar”.
Tendo por base o estudo de Lahire, seu objetivo era compreender as
formas como a família pode condicionar a situação de fracasso escolar e como os
alunos e suas famílias percebem as formas de participação da escola nesse
processo de exclusão ou de "construção" de uma situação considerada como
fracasso escolar, isto é, buscava um modelo de configurações familiares que
levasse ao fracasso.
A autora concluiu que estas famílias possuem uma postura caracterizada
pela valorização do consumo e do lazer, em detrimento da produção, do trabalho e
do estudo, ou seja de valores ligados à cultura escolar. Os alunos, por sua vez,
apresentaram uma relação sócio-afetiva essencialmente negativa com a
aprendizagem. Os estudantes questionam os professores e até mesmo os
responsabilizam pelos seus resultados. A autora ainda salienta que os alunos
demonstraram uma alienação da escola, o desinteresse pela aula, a falta de
autoridade do professor, o desrespeito, o autoritarismo, a intransigência, além de
processos de seleção e discriminação por parte da escola. Com o recorte da
pesquisa não é possível compreender se os alunos têm essa postura por terem sido
reprovados, ou se esse comportamento já era anterior ao evento. De acordo com
Ballion (1977), podemos pensar que as atitudes descritas também são uma
consequência da reprovação e não apenas a geradora do evento.
O estudo de Nogueira (2004) apesar de não ter o foco em trajetórias
escolares irregulares nos meios favorecidos apresenta interesse nesta revisão de
literatura. A autora pesquisou em Minas Gerais 25 famílias de grandes
empresários. Teve que incluir na amostra, por dificuldades de acesso, médios
empresários também. O objetivo era conhecer as trajetórias escolares dos jovens e
as estratégias educativas postas em prática pelos pais desses jovens ao longo de
suas trajetórias. Ela verificou que mais da metade dos jovens pesquisados tinham
sofrido alguma reprovação ao longo de sua escolarização. Nas conclusões, a
17 Nomenclatura usada pela autora, no Rio de Janeiro conhecida como “pagou-passou”.
31
autora considera que esses itinerários irregulares devem ser fruto do tipo de
relação que essas famílias estabelecem com a escola de investimento moderado18.
Coloca, portanto, a explicação da reprovação mais uma vez dentro do corte de
classe. Como esses alunos “não precisam” da escola, pois já têm nas empresas da
família uma perspectiva de futuro, não há razão para investir nos estudos. Como
foco da autora é nas famílias e não na escola, não há um estranhamento no
número de reprovações.
Tendo por foco a reprovação e retenção de alunos de instituições de
prestígio, encontrei apenas uma dissertação de mestrado. Galvão (2003) analisou
com base nos estudos de Bourdieu a experiência de democratização do acesso ao
Colégio Pedro II, quando este passou a ser por sorteio para a Classe de
Alfabetização e não por uma prova de conhecimentos – como ocorre no 6º e no 1º
ano do ensino médio.
Para realizar essa tarefa, a autora realizou a análise de meios, modos e
condições em que os alunos foram excluídos. Assim, estudou as jubilações que
ocorreram ao longo de 18 anos de existência de uma das unidades do Colégio
Pedro II, o percurso escolar de 178 crianças que ingressaram no colégio por
sorteio e, finalmente, tentou estabelecer uma correlação entre a origem social dos
alunos e seu desempenho escolar.
Desse grupo apenas 48 alunos (27%) conseguiram completar sua trajetória
escolar sem nenhuma reprovação, sendo que 58 alunos saíram da escola por
pedidos de transferência ou jubilações. Ela constatou que os alunos que
concluíram o 3º ano do ensino médio eram oriundos na sua maior parte das
classes favorecidas, ao contrário dos que entraram na classe de alfabetização que
eram de classes desfavorecidas. Concluiu que, apesar de o acesso para as classes
de alfabetização ser por sorteio, a origem social continuou tendo uma forte
associação com o desempenho escolar no período pesquisado (1990/2002).
18 Para os jovens a percepção geral é de que a escola era “pouco” em sentido múltiplo. Era uma pequena porção do seu cotidiano, não constava entre suas preferências pessoais e afetivas e por fim, porque a escola representa um papel secundário em sua preparação profissional. Já em relação às estratégias familiares, a autora considerou que estas famílias não “apostam todas as suas fichas na escola”.
32
É possível verificar que nas pesquisas de Rodrigues (2004) e Salomon
(2001) o objetivo não é explicar as causas escolares da reprovação ou seus efeitos
e sim investigar o fenômeno como um evento familiar. A pesquisa de Nogueira
(2004), apesar não estudar o fenômeno em si, também o estuda na esfera familiar.
A pesquisa de Galvão está inserida nas pesquisas que analisam a escola sob uma
perspectiva reprodutivista, em outras palavras, como a escola traduziria, por meio
de mecanismos internos, as hierarquias sociais.
1.5 Perguntas e Métodos
Apesar de já ter sido amplamente estudado que a repetência não é uma
intervenção que trate de forma eficaz os problemas de aprendizagem dos alunos,
ela continua a ser praticada. Sua incidência, as causas e as consequências desse
fenômeno não são comuns a todos os países. Essa constatação reforçou a
importância de estudar a repetência dentro de uma perspectiva sociológica.
Conforme vimos com Costa Ribeiro (1991), os níveis de reprovação no
Brasil são muito altos e estão presentes em todas as classes sociais. As
explicações correntes são todas produzidas no contexto das escolas públicas e nas
camadas populares. Seria, portanto, interessante buscar entender como essa
repetência é produzida na escola, principalmente naquelas escolas que são
consideradas e avaliadas como as melhores do país. Onde alunos e professores
encontram uma estrutura pedagógico-administrativa que funciona a seu favor.
O foco deste estudo é, portanto, o fenômeno da repetência estudado em um
contexto pouco pesquisado entre nós (colégios de prestígio) para testar as
explicações correntes. Existiria de fato esse alto índice de repetência? Quais
seriam os mecanismos e as lógicas que os profissionais de escolas de prestígio
acionam para manter a cultura da repetência (Costa Ribeiro, 1991)? Quais são os
processos escolares que definem a repetência de um aluno em escolas de
prestígio? Como escolas que têm um excelente desempenho médio nas avaliações
oficiais decidem reprovar seus alunos? Haveria uma característica comum a esses
alunos que socialmente fadados ao “sucesso escolar”, passam por revezes nas suas
trajetórias escolares?
33
O desenho desta pesquisa assumiu como uma estratégia importante para o
estudo o “jogo de escalas”. Apoiada em Revel (1998), considerei que a mudança
de escala não seria uma troca de lentes que me daria uma visão de binóculo ou
microscópio. Considerei que veria aspectos diferentes, assim como não vemos
uma cidade melhor pelo seu mapa ou pelas fotografias. Sendo a repetência um
fenômeno complexo, as abordagens macro e a micro permitiram construir um
corpus empírico que possibilitou mudar o que estava sendo analisado, mantendo o
foco sobre o objeto de interesse. Essa variação foi fundamental porque não
havendo literatura disponível sobre o tema, e a produção desse compósito de
informações permitiu uma tentativa de compreensão um pouco mais abrangente
sobre o fenômeno.
Assim, meu trabalho se divide em duas partes que, em escalas diferentes,
buscam analisar o fenômeno da repetência em dois âmbitos: na magnitude do
fenômeno neste contexto pouco estudado e no processo de construção da
reprovação realizando uma microanálise.
A primeira parte apresenta um desenho quantitativo tomando por foco a
questão da repetência no Brasil e na América Latina. Foi realizado um
levantamento estatístico sobre a repetência nas camadas mais altas com o objetivo
de observar se o Brasil reprova mais do que os outros países, mesmo em se
tratando dos alunos de nível socioeconômico mais alto. Com os dados do PISA de
2006 realizei uma comparação do risco de atraso escolar no Brasil em relação a
três países latinoamericanos, o México, a Argentina e a Colômbia, considerando o
nível socioeconômico e a dependência administrativa da escola e controlando os
resultados pelo desempenho dos estudantes em leitura.
Continuando a análise quantitativa, tentei entender como se dava a questão
no município do Rio de Janeiro. Em lugar de observar os alunos de nível
socioeconômico mais alto, busquei os dados das escolas de prestígio. Para a
escolha das instituições, relacionei as 30 escolas da cidade que tiveram os
melhores resultados no Enem de 2005 e 2006. Como a intenção era observar o
fluxo escolar e seria importante considerar a trajetória completa de onze anos,
desconsiderei as escolas técnicas e as que não oferecem a escolaridade desde o
ensino fundamental. Posteriormente, com os dados do censo escolar de 2003 a
2005, foi criada uma taxa de não aprovação nessas escolas. Esse indicador foi
feito como uma tentativa de abranger os casos de transferência no meio do curso
34
para outras escolas com vistas a escapar de uma possível repetência, como já foi
salientado por Salomon (2001), Rodrigues (2004) e Lelis (2005). Isso permitiu
conhecer quantos alunos não foram aprovados desde a 1ª série do ensino
fundamental até o 3º ano do ensino médio em cada um dos três anos levantados
pelo censo. Construí um panorama do fluxo em 15 escolas, mostrando que
existem diferentes padrões de reprovação.
Valendo-me do mapeamento feito do fluxo escolar nos estabelecimentos
de melhor pontuação no Enem, mudei mais uma vez a escala para desenvolver a
última parte do meu trabalho com uma abordagem macro. Apesar do panorama
construído, sabe-se que os dados do censo escolar não oferecem a acuidade
necessária, pois como no Censo a unidade de análise é a escola, e não os alunos,
as estimativas de repetência e de evasão escolar não são exatas. Como o objetivo
da pesquisa era entender a entrada e a saída dos alunos ao longo dos 11 anos
necessários para a formatura de uma geração, fiz o que chamei de ciclo de série.
No caso, quatro ciclos de série, pois fiz o mesmo trabalho para os anos de 1995,
1996, 1997 e 1998 até a provável formatura em 2005, 2006, 2007 e 2008,
respectivamente. Além disso, desenvolvi uma estratégia que viabilizasse a análise
da coorte da turma de 1997 de uma das escolas: verifiquei os nomes dos alunos
que entraram na primeira série de 1997, série de entrada nas escolas, até os que
conseguiram se formar no ensino médio em 2007.
A segunda parte teve uma abordagem qualitativa focada no processo de
decisão da reprovação. Ciente de que os dados anteriores traduzem experiências
sociais bastante diversas, adotei como estratégia a observação dos conselhos de
classe de uma das escolas, em que fiz o mapeamento do ciclo de série, para tentar
captar como são os mecanismos de decisão da reprovação. Pretendi com essa
abordagem registrar as interações que ocorrem nessas instâncias para ter a
possibilidade de compreender as motivações e os movimentos dos agentes
educativos que constroem a decisão da reprovação dos alunos. Optei por observar
os conselhos de classe do atual 8º ano do ensino fundamental e do 1º ano do
ensino médio, pois são esses os anos escolares em que os níveis de repetência são
maiores.
Observei os conselhos finais de 2008 e todos os que ocorreram em 2009
no 8º ano do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio. Os conselhos de
classe não foram todos deliberativos. Apenas nos conselhos de dezembro foram
35
feitas avaliações pelo colegiado que decidiram a aprovação ou reprovação dos
alunos. Diferente do que observou Mattos (2006)19 em duas escolas públicas do
Rio de Janeiro onde todos os conselhos foram deliberativos. Na escola observada,
os conselhos de junho e outubro a questão mais importante foi o gerenciamento
das turmas, feito pela troca das impressões dos professores sobre o perfil dos
alunos e das turmas. Por isso, para discriminar, decidi denominar os conselhos de
junho e outubro de consultivos20 e os de dezembro de deliberativos.
Com esse trabalho foi possível delinear como se constroem as opiniões a
respeito dos alunos, que tipos de avaliações são feitas pelos professores, e quais
são os fatores levados em conta para tomar a decisão de fazer um aluno repetir o
ano. Estas observações também possibilitaram identificar o que foi dito sobre cada
aluno e, ao final do ano letivo, comparar quais foram os alunos que repetiram,
quais os que se retiraram no meio do ano, e quais os que, apesar de todas as
críticas, conseguiram passar de ano.
Não considero que esse recorte fez com que se tivesse uma visão completa
e abrangente do problema. Considero apenas que a possibilidade de desenvolver
estratégias de pesquisas alternativas foi a mais adequada à complexidade do
fenômeno, pois cada uma das escalas permitiu uma perspectiva diferente.
19 Neste estudo, todos os conselhos foram deliberativos, pois mesmo nos conselhos de abril e julho foi tomada a decisão pelo colegiado sobre quais alunos receberiam o conceito “I” de insuficiente. Os outros alunos que tinham recebido um conceito acima de “R” (regular), isto é, bom (B), muito bom (MB) e ótimo (O), a decisão foi tomada fora do conselho. 20 Verbete no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa para consultivo: “diz-se das corporações que emitem parecer sem voto deliberativo”.
2 A Defasagem escolar em camadas altas no Pisa 2006: Brasil, Colômbia, México e Argentina
2.1 Objetivos
Numa tentativa de buscar as possíveis especificidades da repetência na
realidade brasileira, utilizei dados internacionais como referências para uma
percepção mais ampla e comparativa. Assim, usei os dados do Pisa (Programme
for International Student Assessment) de 2006 para explorar o risco de ocorrência
da defasagem do estudante brasileiro em comparação com outros países da
América Latina, com sistemas educacionais de dimensões análogas.
Como método de pesquisa, cotejei os efeitos de alguns dos fatores que são
considerados pela literatura como condicionantes da escolarização do aluno.
Nessa perspectiva, foi pesquisado em que medida o nível socioeconômico do
estudante estaria associado aos riscos de defasagem no Brasil em comparação com
outros países. Como os alunos de estratos sociais mais privilegiados são, em
média, menos sujeitos à possibilidade de defasagem do que os alunos dos estratos
mais baixos, para que a tese de Costa Ribeiro relativa à "Pedagogia da
Repetência" fosse confirmada, seria necessário que, entre nós, o efeito da origem
social fosse menos importante. Em outras palavras, se existe de fato um
componente cultural que faça da repetência uma práxis pedagógica este fenômeno
deveria ultrapassar os marcadores das diferenças socioeconômicas e se generalizar
por todos os estratos, ao menos em comparação com os outros países da amostra
do Pisa.
Também foram observados os efeitos da dependência administrativa da
escola, pois a frequência às escolas privadas estaria associada, pelo menos no
Brasil, à redução dos riscos de defasagem, pelo fato de as escolas privadas
reprovarem menos do que as escolas públicas.
37
2.2 Método e Dados
A análise baseou-se num exame exploratório das relações bivariadas entre
o percentual de alunos defasados em função do país, do nível socioeconômico e
da dependência administrativa da escola. Em seguida, utilizei um modelo
logístico, que estima riscos de um aluno estar defasado em função do país, do
nível socioeconômico e da rede de ensino, utilizando seu desempenho escolar
como variável de controle.
O Pisa é um programa internacional de avaliação de estudantes
desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2006, participaram, além dos trinta
países membros da OCDE21, mais 27 países convidados22. A finalidade principal é
produzir dados que ajudem a gerar informações sobre a efetividade dos sistemas
educacionais dos países participantes, avaliando o desempenho de alunos na faixa
dos 15 anos. Entre estes, foram considerados elegíveis apenas aqueles que tinham
pelo menos sete anos de escolarização. Essa idade foi escolhida por ser, na
maioria dos países, o ano de término da escolaridade básica.
Como pelo recorte feito pelo Pisa não foram considerados os estudantes
com mais de dois anos de atraso escolar, é importante salientar que o número de
alunos defasados é, na realidade, maior do que o considerado, pois o nível de
escolaridade média da população de 15 anos ou mais no Brasil é de apenas 6,7
anos (Sampaio e Nespoli, 2004). O que em fez com que a cobertura do Pisa fosse
de apenas 70%, pois a população de 15 anos era de 3.390.471, mas os alunos
elegíveis eram apenas 2.374.044.
A amostra do Pisa no Brasil foi construída com base no Censo Escolar,
tendo como estratos principais as unidades da federação e, posteriormente, a
dependência administrativa, o Índice de Desenvolvimento Humano do município
e a localização da escola, se rural ou urbana, se da capital ou do interior.
21 Membros da OCDE: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Tcheca, Suécia, Suíça e Turquia. 22 Argentina, Azerbaijão, Brasil, Bulgária, Chile, Colômbia, Croácia, Eslovênia, Estônia, Federação Russa, Hong Kong, Indonésia, Israel, Jordânia, Quirguistão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Macao, Montenegro, Qatar, România, Sérvia, Tailândia, Taiwan, Tunísia e Uruguai.
38
A análise baseia-se na comparação dos dados do Brasil com os de três
outros países participantes da avaliação que, de certa forma, possuem realidades
escolares mais próximas, como a Colômbia, a Argentina e o México, pois, como
afirma Nélio Bizzo23, são países com grandes contingentes de alunos e com
desempenho muito baixo. Como no questionário da avaliação não há o quesito
referente à identificação de repetência prévia na trajetória escolar do estudante, mas
apenas a informação do ano de escolaridade em que ele se encontrava, utilizei a
defasagem do aluno como variável a ser observada. Defini que aqueles que haviam
assinalado estar no 7º ou 8º ano de escolaridade corresponderiam a essa condição.
O nível socioeconômico (SES), no Pisa, é medido por uma variável índice
calculada para todos os países da OCDE. Nela estão incluídos os dados sobre o
prestígio ocupacional e o nível educacional dos pais, a renda familiar e a posse de
bens culturais. A partir dessa variável contínua, foram calculados os quintos de
nível socioeconômico e criada uma variável ordinal, que indica os estudantes dos
cinco quintis, sendo o primeiro quintil o que reúne os alunos de menor nível
socioeconômico; e o quinto quintil, onde estariam aqueles de nível socioeconômico
mais alto. A partir da variável ordinal, foi construída uma variável dicotômica,
indicando os alunos do quintil superior e os dos outros quintis.
Codifiquei, para fins de análise, como categoria de referência, o sexo
feminino na variável sexo, assim como as escolas privadas, na variável sobre a
dependência administrativa. Em relação à dependência administrativa da escola, a
variável presente no Pisa era composta por três categorias: escola privadas
independentes, privadas subvencionadas pelo governo e as públicas. Na Argentina
e na Colômbia, a proporção das escolas privadas subvencionadas pelo governo
que participaram do Pisa foi de 24,8% e 5,1% respectivamente, já no Brasil e no
México esse tipo de instituição não se apresentou.
A medida de desempenho em leitura do Pisa 2006 considera cinco
diferentes processos associados ao domínio textual, levando em conta situações
autênticas de leitura de tal forma que os estudantes devem demonstrar sua
proficiência em: (1) recuperação da informação, (2) formação de um entendimento
amplo e geral, (3) desenvolvimento de uma interpretação, (4) reflexão e avaliação
do conteúdo de um texto e (5) reflexão e avaliação da forma de um texto. A
23 Informação obtida por meio do site http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2007/12/04/327447994.asp, acessado em 04/12/08.
39
metodologia de avaliação considera que esses processos, em conjunto, envolvem a
plena compreensão de um texto, seja este contínuo ou descontínuo.
O Quadro 1 mostra a distribuição das tarefas propostas na avaliação,
considerando três subescalas formadas pelos cinco aspectos citados. É possível
verificar que o aspecto 1 possui, individualmente, o maior número de tarefas
associadas.
Quadro 1 Distribuição das tarefas de leitura, considerando os processos de compreensão textual
Processo de compreensão textual Porcentagem de tarefas
Recuperação da informação (1) 29
Interpretação de textos (2), (3) 50
Reflexão e avaliação (4), (5) 21
Total 100 Fonte: The Pisa 2006 – Assessment Framework
A Tabela 1 mostra que as médias das medidas de desempenho dos cinco
aspectos que avaliam a proficiência em leitura são bastante homogêneas entre os
países analisados. Além disso, os resultados das análises realizadas tendo como
base cada um dos aspectos não se alteraram substancialmente24. Assim, utilizei
como medidas do desempenho em leitura, para esta pesquisa, o primeiro aspecto
avaliado: a recuperação da informação.
Tabela 1 Valores médios de desempenho em leitura segundo os cinco aspectos avaliados
País Valores plausíveis do desempenho em leitura
Recuperação da informação
Formação de um entendimento amplo e geral
Desenvolvimento de uma
interpretação
Reflexão e avaliação do
conteúdo
Reflexão e avaliação da
forma
Argentina 374,6 373,7 373,2 372,5 374,6 Brasil 393,1 393,1 393,4 391,6 393,3 Colômbia 385,2 385,6 386,3 385,5 383,9 México 410,2 410,2 411,1 410,7 410,2 Total 394,7 394,6 395,0 393,9 394,6 Fonte: Pisa 2006, elaboração minha.
24 Essas análises não são aqui apresentadas.
40
2.3 Análise exploratória
A Tabela 2 apresenta os valores médios das variáveis que contextualizam a
situação em cada país. Podemos observar que a defasagem no Brasil é muito
maior do que nos outros países. O Brasil tem três vezes mais alunos defasados do
que o México e mais que o dobro da Argentina. Até mesmo comparado à
Colômbia, onde os índices são altos, o Brasil tem uma proporção maior.
Tabela 2 Valores Médios das Características dos Alunos
País Argentina Brasil Colômbia México
N 4339 9295 4478 30971*
Alunos defasados 0,135 0,336 0,187 0,105
SES 0,292 -0,089 0,002 0,012
Gênero feminino 0,5291 0,5380 0,5386 0,5314
Escolas privadas 0,33 0,076 0,17 0,13
Desempenho em leitura 374,60 393,13 385,21 394,67 Fonte: Pisa 2006, elaboração minha. * A amostra do México foi ampliada por decisão do país.
Entre os países analisados, o SES médio é menor no Brasil, seguido de
Colômbia, México e Argentina. A proporção de estudantes do sexo feminino é
semelhante em todos os países. Em relação às escolas privadas, vemos realidades
distintas: o Brasil tem menos escolas privadas do que os outros países (7,6%). A
Argentina possui cerca de 30% de escolas privadas, pois, como vimos
anteriormente, ali muitas escolas privadas são subvencionadas pelo governo. O
desempenho em leitura no Brasil foi inferior ao do México, mas superior tanto ao
da Colômbia quanto ao da Argentina.
A Tabela 3 apresenta os valores médios das características dos estudantes
defasados e não defasados. Podemos observar que, na Argentina e no México, o
número de alunos defasados do quintil superior é proporcionalmente quatro vezes
menor que o de alunos dos outros níveis. Já na Colômbia e no Brasil, a proporção
é apenas o dobro, isto é, o número de alunos dos quintis inferiores defasados é
duas vezes maior que o do quintil superior. Isso mostra que, pelo menos
percentualmente, o Brasil tem mais alunos de alto nível socioeconômico e de
41
escolas privadas que estão defasados do que a Argentina e o México. Na
Colômbia, a situação é parecida com a brasileira.
Tabela 3 Valores médios das características dos alunos defasados e não defasados
País Argentina Brasil Colômbia México
Variável Não defasado Defasado Não
defasado Defasado Não defasado Defasado Não
defasado Defasado
Quintil superior 0,220 0,056 0,241 0,112 0,223 0,098 0,218 0,042
Gênero feminino 0,551 0,423 0,576 0,462 0,559 0,450 0,536 0,378
Escolas privadas 0,370 0,082 0,110 0,016 0,180 0,130 0,110 0,017
Desempenho em leitura 397,6 245,2 427,0 326,2 404,5 301,4 421,3 315,0
Fonte: Pisa 2006, elaboração minha.
Em relação ao gênero, é possível verificar que, em todos os países, os
estudantes do sexo feminino são representados em menores proporções no grupo
de alunos defasados do que os estudantes do sexo masculino. O mesmo ocorre nas
escolas privadas. A maior proporção de alunos defasados nessa dependência
administrativa está na Colômbia. O Brasil é o segundo país com maior proporção
de estudantes defasados nas escolas privadas. Finalmente, como esperado, o
desempenho em leitura dos alunos defasados é sensivelmente menor que o dos
estudantes não defasados, em todos os países.
2.4 Modelo de risco para a repetência
Para analisar os dados, fiz a regressão logística para cada um dos países
utilizando modelos idênticos, de tal forma que a análise foi feita por comparação
do risco de defasagem para cada uma das variáveis independentes. Antes de
continuar na demonstração do modelo, faz-se necessária a explicação de que as
regressões são ferramentas estatísticas que conseguem relacionar uma
determinada variável, chamada de independente ou explicativa, com um conjunto
de outras variáveis, chamadas de dependentes ou de desfechos. Isto é,
42
conseguimos observar se a variável independente ajuda ou não a explicar as
variáveis dependentes, podendo inclusive ser feita uma estimativa do efeito da
variável independente sobre as dependentes com os coeficientes calculados.
Dependendo do tipo de variável que se tem, podem-se realizar vários tipos
de regressão. No caso do meu trabalho, a variável era dicotômica, pois o aluno era
defasado ou não era defasado; para esse tipo de variável a regressão mais
adequada é a logística. No modelo de regressão logística, é possível estimar a
probabilidade de ocorrência de um evento, no caso a defasagem do aluno, a partir
de uma combinação particular dos efeitos de um conjunto de fatores,
representados pelas medidas dos valores das variáveis presentes no modelo,
segundo uma equação do tipo
)10(
1
1)(
ixip
ie
ypββ
=Σ+−
+
= .
Os efeitos de cada um dos fatores são determinados pelos valores
assumidos por parâmetros iβ , pi ..., 2, 1, 0,= , associados às variáveis
independentes ix . Estes parâmetros são calculados de forma a garantir o melhor
ajuste entre as probabilidades previstas pelo modelo e as ocorrências de cada caso
individual, sendo p o número de variáveis incluídas no modelo.
A interpretação dos parâmetros iβ é feita em função dos valores
assumidos por p(y) na equação do modelo de regressão. Quando uma determinada
variável não apresenta efeitos para a determinação da probabilidade de ocorrência
de um evento, o valor iβ é igual a zero. Valores de iβ maiores que zero indicam
um aumento da probabilidade, e valores menores que zero, sua redução.
Outra possibilidade de interpretação dos parâmetros da equação de
regressão, que utilizaremos para a análise das probabilidades de defasagem, se dá
por meio da utilização do conceito de razão de chance(odds). A razão de chance
de ocorrência de um evento é definida como a razão entre a probabilidade de
ocorrência de um evento e a probabilidade de sua não ocorrência, para cada uma
das variáveis incluídas no modelo. O valor ie β , denominado razão das razões de
43
chance (odds ratio), corresponde à variação nas razões de chances de ocorrência
do evento na presença da variável. Caso a odds ratio assuma o valor 1, a razão de
chance não sofre alterações em sua presença; caso assuma valores maiores que a
unidade, a razão de chance sofre um aumento; e se o valor assumido é menor que
1, a razão de chance sofre uma redução.
A variável de desfecho (dependente) é a defasagem dos estudantes (codificada
como defasado = 1, não defasado = 0). Devemos, desta forma, ler que se odds ratio é
maior do que 1, estaremos estimando o fator de risco e não de proteção. A principal
variável independente é o pertencimento ao quinto superior da escala de nível
socioeconômico, que está relacionada com a segunda questão da pesquisa levantada.
Caracterização do desfecho do modelo de análise do risco de defasagem
Incluí ainda como variáveis de controle: uma característica individual do
estudante, seu gênero, codificada para indicar os estudantes do sexo feminino
(feminino = 1, masculino = 0); uma variável relacionada à escola, sua dependência
administrativa, também dicotômica, codificada para indicar as escolas privadas
(escolas privadas = 1, públicas = 0); uma medida da habilidade do estudante, o seu
desempenho em leitura, medido de acordo com a escala do Pisa.
A Tabela 4 apresenta os resultados para cada um dos países. Os valores do
intercepto, representado pelas constantes dos modelos, confirmam o resultado da
análise exploratória, a qual indica que os riscos de repetência brasileiros são muito
mais elevados do que nos outros países. Além disso, vemos que estudantes do
sexo feminino estão mais protegidos do risco de defasagem em todos os países.
Entretanto, existem diferenças entre cada um deles. No México e na Colômbia, a
proteção é maior, sendo que na Argentina quase não há diferença no risco de
defasagem entre os gêneros.
44
O desempenho em leitura é fator de proteção para a defasagem de forma
quase uniforme em todos os países. A frequência à escola particular também se
apresenta, conforme esperado, como um fator de proteção. No entanto, os graus
de proteção são muito diferentes, sendo na Colômbia muito menor do que nos
outros países.
Tabela 4
Parâmetros estimados pelos modelos de risco de estar defasado – Exp(B)
ARGENTINA BRASIL COLÔMBIA MÉXICO
Quintil superior 0,654 0,979 0,664 0,340
Gênero feminino 0,945 0,840 0,731 0,702
Escolas privadas 0,340 0,316 0,881 0,329
Desempenho em leitura 0,990 0,988 0,991 0,989
Constante 5,192 55,720 7,052 9,839
Obs: Todos os resultados são significativos, com p-valor < 0,001.
A análise dos resultados referentes ao nível socioeconômico confirma a
hipótese de que no Brasil a probabilidade de defasagem é maior, a despeito do
quintil de pertencimento. Embora os alunos do quintil superior estejam protegidos
da defasagem em relação aos alunos dos outros quintis, como já demonstrado
largamente pela literatura sobre o tema, essa proteção é sensivelmente menor do
que nos outros países. No Brasil, os alunos do quintil superior estão 2,1% mais
protegidos do que os dos outros quintis. Trata-se de um resultado muito distinto
dos demais países. Na Colômbia, essa proteção é de 34%, na Argentina, 35%, e
no México, 66%.
Foi possível observar que o risco de defasagem é muito maior no Brasil do
que nos outros países, risco esse que provavelmente está subestimado, tendo em
vista que a amostra utilizada não incluiu estudantes com mais de dois anos de
defasagem. É importante destacar que esse risco é maior mesmo para estudantes
que têm o mesmo desempenho em leitura, o que parece reforçar a tese de a
repetência ser um componente cultural de nossa práxis pedagógica.
45
Outro forte indicador de que existiria no Brasil uma “pedagogia da
repetência” foram os achados em relação à defasagem e o nível socioeconômico
do estudante. No Brasil, estudantes do quintil superior de nível socioeconômico
estão muito menos protegidos da defasagem do que nos outros países. Tendo em
vista que os alunos de estratos sociais mais altos normalmente estudam em escolas
de qualidade superior e têm mais recursos familiares – possuindo, portanto,
melhores condições de escolarização – seria de se esperar que tais fatores
permitissem que a defasagem escolar não acontecesse em taxas tão equiparáveis
às dos alunos de estratos sociais menos favorecidos. Poderíamos dizer, se
desconsiderarmos o absurdo da afirmação, que, diferente dos outros países, no
Brasil, temos a “equidade” da defasagem, isto é, os estudantes sofrem maior risco
de defasagem em relação aos estudantes de outros países, independentemente de
sua situação socioeconômica e de seu desempenho.
Não podemos considerar, portanto, esse fenômeno apenas como a tradução
de um sistema educacional de pior qualidade, ou mal aparelhado. Mais do que
isso, a defasagem nos parece ser resultado de uma cultura escolar própria, que faz
com que nossos resultados sejam sempre piores do que os esperados, o que
reforça o interesse de ver como essas reprovações acontecem nas escolas que são
consideradas as melhores do Rio de Janeiro.
3 Panorama da repetência em escolas de prestígio do Rio de Janeiro
3.1 Objetivos e o Censo Escolar
Após o estudo sobre a defasagem escolar na América Latina, passei para
uma escala menor, o Rio de Janeiro, e em lugar de focalizar a análise nos alunos,
passei a analisar as instituições. Assim, neste capítulo observaremos o fenômeno
da repetência por outro ângulo: como ele ocorre nas escolas que têm o melhor
desempenho no Enem no Rio de Janeiro. Relacionei as 30 escolas que tiveram os
melhores resultados no Enem de 2005 e 2006. Só considerei, no entanto, as 15
escolas que oferecem do ensino do fundamental até o ensino médio, pois me
interessava justamente ver essas transições escolares numa mesma instituição.
O censo escolar oferece para analisar a Educação Básica três taxas de
rendimento que são as taxas de aprovação, reprovação e abandono. Todas
referentes à proporção de alunos da matrícula total na série k, no ano t, que são
aprovados, reprovados ou que abandonaram a escola. Como o meu interesse era
saber a proporção de alunos que não era promovida na escola para a série
posterior, seja por transferência, seja por reprovação, criei uma taxa de não
aprovação, subtraindo a taxa de aprovação por cem25. Consegui desta forma
fundir as taxas de reprovação e abandono. Utilizei os dados do censo escolar de
2003 a 2005 que foram os disponibilizados pelo Inep em 2008.
Os dados são aproximativos e servem apenas para ter uma visão geral da
questão dada sua imprecisão. Esse fato já é conhecido tendo em vista que os
censos escolares utilizados tinham como unidade de análise a escola e não o
aluno, pois apenas no Censo Escolar de 2007 foi introduzida a identificação do
aluno e de professor na coleta de dados.
Esta imprecisão fica ainda mais reforçada com a comparação com os dados
das escolas do capítulo 4. Fiz o cálculo da taxa de reprovação que é “a proporção de
25 É preciso dizer que nestas escolas as taxas de abandono foram tendentes a zero. As taxas de não aprovação refletem, portanto, na sua maior parte a taxa de reprovação.
47
alunos da matrícula total na série k, no ano t, que são reprovados”26 e apurei na escola
A1 disparidades muito grandes: as taxas do censo escolar estão muito menores do que
de fato são. Os dados da escola A2, com exceção do 1º ano do ensino médio de 2003
e 2005, os dados são parecidos, como podemos ver na tabela a seguir.
Tabela 5 - Dados da escola A1 comparados com os dados do Censo
Escolar de 2003 até 2005.
taxa de Reprovação
Escola A1 Total Alunos Reprovados Escola
Censo Escolar
2003 1EM 103 21 20,4% 7,3% 2003 8EF 98 3 3,1% 1,1% 2003 7EF 109 6 5,5% 4% 2003 6EF 166 2 1,2% 1,3% 2004 2EM 78 16 20,5% 3,3% 2004 1EM 107 15 14,0% 4,3% 2004 8EF 98 1 1,0% 0% 2004 7EF 162 11 6,8% 4% 2005 3EM 60 3 5,0% 5,1% 2005 2EM 91 9 9,9% 2,7% 2005 1EM 99 19 19,2% 9,5% 2005 8EF 145 4 2,8% 2,2%
Tabela 6 - Dados da escola A2 comparados com os dados do Censo Escolar de 2003 até 2005.
taxa de Reprovação
Escola A2 Total Alunos Reprovados Escola
Censo Escolar
2003 1EM 139 18 12,9% 2,2% 2003 8EF 132 8 6,1% 6,2% 2003 7EF 141 8 5,7% 5,8% 2003 6EF 126 8 6,3% 6,4% 2004 2EM 120 13 10,8% 10,3% 2004 1EM 124 9 7,3% 7,3% 2004 8EF 142 11 7,7% 7,8% 2004 7EF 130 8 6,2% 5,4% 2005 3EM 99 4 4,0% 4,1% 2005 2EM 125 6 4,8% 5,8% 2005 1EM 105 24 22,9% 17,8% 2005 8EF 142 4 2,8% 3,5%
26 O censo escolar possui ainda a taxa de repetência que é uma taxa de transição, de fluxo escolar, que é a “proporção de alunos da matrícula total na série K, no t, que se matricula na série K, no ano t + 1.” (Glossário – edudata, site: inep.org. BR)
48
3.2 Observações Gerais
A leitura dos próximos gráficos mostra que todas as escolas recorrem à
repetência. Isso provavelmente pode ser explicado por Crahay (apud Gomes,
2005): para que a ameaça de repetência seja de fato um estímulo para o trabalho
dos alunos, é necessário que ela ocorra de forma constante com um determinado
grupo de alunos. As não aprovações, no entanto, não ocorrem de maneira
indistinta, de certa forma, tendem a ter padrões.
No primeiro segmento, há poucas não aprovações. Essa tendência talvez
seja explicada pelo que foi apontado no trabalho de Negreiros (2005), sobre séries
no ensino privado e ciclos no ensino público de Belo Horizonte. As escolas
particulares adotam uma “solução de compromisso”, na qual existe uma
incorporação das características dos ciclos sem a utilização da nomenclatura nem
de uma regulamentação própria, mas adotam a seriação para atender as exigências
da comunidade escolar, principalmente das famílias27. Negreiros explica que uma
das razões para a não adoção dos ciclos de maneira formal seria a representação
polarizada que existe na sociedade sobre o regime de ciclos e a seriação. O
primeiro surge como sinônimo de ensino de qualidade duvidosa e o segundo,
como um ensino exigente, de qualidade.
Muitas escolas têm uma queda acentuada da taxa de não aprovação na 8ª
série. Uma interpretação é que as escolas preferem não repetir seus alunos na 8ª
série, atual 9º ano, porque normalmente nesse período é feita a formatura de
conclusão do ensino fundamental e, dado o caráter simbólico do fato, é complicado
reter o estudante nesse momento. Outra explicação possível é que nas transições
escolares, isto é, da 4ª série do ensino fundamental para a 5ª, da 8ª série para o 1º
ano do ensino médio, muitos alunos cogitam transferir-se das escolas por mudanças
de interesse. Por exemplo, da 8ª série para o 1º ano, muitos alunos preferem estudar
em “cursinhos” preparatórios de vestibular. Como a reprovação é em geral um forte
motivo para a mudança de escola, talvez a baixa taxa de reprovação seja uma
estratégia que as escolas adotem para não estimular a saída dos alunos.
27 Conforme foi noticiado no jornal O Globo em 23/05/2010, o próprio Conselho Nacional de Educação vai recomendar às escolas públicas e às privadas que não reprovem os alunos nos primeiros três anos do ensino fundamental.
49
Algumas escolas mostram ter maiores índices de não aprovação no
segundo segmento, decrescendo no ano final do ensino fundamental, voltando a
crescer nos primeiros anos do ensino médio; outras têm suas taxas de não
aprovação crescentes atingindo o ápice nos dois primeiros anos do ensino médio.
Para as duas situações, podemos levantar como possível explicação que esse tipo
de reprovação tenha um caráter seletivo: frente à iminência do vestibular, as
escolas escolhem os melhores alunos para assegurar a boa imagem da escola. Tal
imagem é a que “garante” a manutenção do fluxo de entrada dos alunos.
As taxas de não aprovação encontradas em algumas escolas são muito
altas. Taxas em torno de 20% podem ser o equivalente a quase uma turma inteira
da escola, o que significa que, no fim de um ano, 1/5 dos alunos da série tiveram
suas trajetórias escolares descontinuadas, seja por terem sido transferidos para
outros estabelecimentos, seja por terem ficado repetentes na própria escola. As
altas taxas e a manutenção de um determinado padrão indicam possivelmente o
caráter altamente seletivo de algumas dessas escolas.
3.3 As Escolas
Os dados do censo foram fornecidos para fins de análise e não foi
permitida, pelo Inep, a divulgação dos nomes das instituições. Para caracterizá-
las, utilizarei as taxonomias construídas por Ballion (apud Nogueira, 1998, p. 53),
a partir da rede de estabelecimentos particulares da região parisiense, e a de Paes
de Carvalho (2004), elaborada a partir dos percursos escolares dos graduandos de
Engenharia Elétrica e Direito da PUC-Rio no ano de 2000. Para outras que não se
enquadram nas categorias, fiz uma pequena descrição. Faço essa opção, porque
ela oferece os elementos necessários para a compreensão do tipo de escola, sem
possibilitar a sua identificação por meio das características que eu possa oferecer.
Assim, apresentarei as categorias, as escolas de cada categoria e os gráficos
correspondentes.
A. Seis escolas confessionais
Estes estabelecimentos poderiam ser incluídos nas seguintes categorias:
50
Ballion - Estabelecimentos de excelência:
são estabelecimentos tradicionais, reputados pela qualidade do ensino fornecido e pelo rigor da disciplina. Seu alto nível de exigência acadêmica aparece associado a uma forte seleção na entrada, como por exemplo a recusa de candidatos com histórico escolar insuficiente. Sua clientela é recrutada entre os favorecidos cultural e economicamente. ( p. 53)
Paes e Carvalho - Empreendimentos institucionais:
correspondem fundamentalmente ao conjunto das escolas confessionais tradicionais, nas quais podemos identificar duas características particulares: todas possuem uma Congregação Religiosa como mantenedora e, a definição da missão institucional propõe uma formação integral baseada em valores humanistas e religiosos, sem perder de vista a necessidade de uma integração socialmente responsável dos alunos à sociedade. (Paes de Carvalho, 2004, 113)
Gráfico 1 – taxa de não aprovação da escola A1 de 2003 a 2005
O gráfico da escola A1 apresenta linhas que quase se sobrepõem. Vemos,
portanto, que o fluxo da escola é muito parecido todos os anos, com maiores
reprovações na 6ª e 7ª série, um forte declínio na 8ª para ter um crescimento
abrupto no 1º ano do ensino médio. Vale lembrar que de acordo com os dados
apurados na escola as taxas de não aprovação do 1º e do 2º do ensino médio são
muito maiores, pois são todas pelo menos duas vezes mais altas do que as
indicadas pelo censo. No 3º ano do ensino médio, houve a maior variação nos
anos de 2003 e 2004, quando foram todos aprovados, mas, em 2005, a escola teve
5% de não aprovações.
51
Gráfico 2 – Taxa de não aprovação da escola A2 de 2003 a 2005
No primeiro segmento do fundamental, assim como na escola A1,
observamos uma grande aprovação na escola A2. Esta manteve uma curva
acentuada no segundo segmento do ensino fundamental, como na escola A1, a
diferença significativa é que a taxa de não aprovação é muito maior. No ensino
médio, a escola A2 não tem um padrão, em 2003, teve uma não aprovação muito
baixa (menos de 5%), para no ano de 2005 ter uma taxa muito alta (de quase
20%).
As escolas A3 e A4, como veremos a seguir, mantêm um padrão parecido
nos três anos do censo. As curvas de não aprovação têm um crescente que chega
ao máximo no 2º ano do ensino médio para ter um forte declínio no último ano
escolar. Aqui mais uma vez observamos que, no primeiro segmento do ensino
fundamental, o fluxo de alunos é contínuo, com a maioria sendo aprovada. A
diferença entre essas duas escolas, a A3 e a A4, é que na A4 as taxas de não
aprovação nos dois primeiros anos do ensino médio são quase duas vezes maiores
do que na A3, mas o sentido da curva é o mesmo.
52
Gráfico 3 – taxa de não aprovação da escola A3 de 2003 a 2005
Gráfico 4 – taxa de não aprovação da escola A4 de 2003 a 2005
A escola A5 mantém o padrão das outras escolas, sua diferença maior está
no fato de que os índices do segundo segmento apresentam uma elevação, embora
muito pequena em relação às outras.
53
Gráfico 5 – taxa de não aprovação da escola A5 de 2003 a
2005
A escola A6 é a que apresenta um gráfico completamente diferente das
outras escolas. Para começar, como ela teve uma taxa de não aprovação muito
alta, chegando a quase 40% na 5ª série do ano de 2005, seu gráfico está em uma
proporção diferente dos demais. Assim, se nos gráficos das outras escolas o
limite é de 30%, na escola A6 o limite será de 40%. Apenas a curva de 2003 é
semelhante à das demais escolas confessionais: quase nenhuma não aprovação no
1º segmento, uma elevação no segundo segmento do fundamental, uma queda
abrupta na 8ª série para haver uma ascensão 10% no 1º ano do ensino médio.
As curvas de 2004 e 2005 apresentam situações muito diferentes. Em
2004, houve uma grande não aprovação na passagem da 4ª para a 5ª série.
Podemos imaginar que mais do que uma taxa de reprovação muito alta, as
famílias tenham tirado seus filhos da escola para evitar futuros fracassos
escolares. Ballion (1977) já havia demonstrado que as famílias dessas camadas
têm a chance de “apagar” o fracasso escolar. Aqui o que podemos interpretar é
que as famílias mais do que apagar conduzem a escolarização dos filhos com
muito cuidado para que não haja esse tipo de acontecimento. As taxas de não
aprovação do 1º ano do ensino médio são altas, como as das demais escolas, por
volta de 10%, para ter quase nenhuma não aprovação no 3º ano do ensino médio.
54
Gráfico 6 – taxa de não aprovação da escola A6 de 2003 a 2005
B. Três escolas alternativas:
Ballion - Estabelecimentos inovadores:
sua especificidade consiste na busca da inovação pedagógica, colocando grande ênfase no cuidado com a realização pessoal do educando. Sua clientela preferencial é composta de famílias originárias das frações modernistas das camadas favorecidas. Nesse tipo de estabelecimento, a excelência escolar não é explicitamente colocada como um objetivo, ela é mediatizada pela ação a ser exercida sobre a personalidade da criança com vistas ao desenvolvimento de suas múltiplas potencialidades. O que não impede a maior parte dessas escolas de fornecer a sua clientela as bases objetivas de um brilhante êxito escolar ulterior (p. 53).
Paes e Carvalho - Empreendimentos pedagógicos:
apresentam-se como empreendimentos construídos em torno de um ideário pedagógico sem, no entanto, deixar de enfatizar também o êxito alcançado no que se refere ao vestibular(2004, 117).
As escolas B1 e B2 seguem o padrão das demais analisadas até agora, qual
seja, ter uma pequena taxa de não aprovação no primeiro segmento do ensino
fundamental, ter uma elevação no segundo segmento e mais uma no ensino
médio, ainda que com pequenas variações. Na escola B3, vemos uma diferença
nas curvas. No ano de 2005, a grande não aprovação aconteceu na 7ª série e não
no 1º ano do ensino médio. Nas curvas de 2003 e 2004, a B3 além de apresentar,
diferente das demais, uma taxa de não aprovação baixa no segundo segmento,
possui uma taxa muito alta, de quase 20%, no 1º ano do ensino médio.
55
Gráfico 7 – taxa de não aprovação da escola B1 de 2003 a 2005
Gráfico 8 – taxa de não aprovação da escola B2 de 2003 a 2005
56
Gráfico 9 – taxa de não aprovação da escola B3 de 2003 a 2005
C. Escola de elite:
Ballion - Estabelecimentos para as classes altas:
aproximam-se do tipo anterior [estabelecimentos de excelência] no que concerne à clientela atendida. Porém, não se caracterizam pela excelência escolar, mas sim pela garantia de um meio social seleto e por um tipo de socialização, feito de práticas ‘mundanas’ – que reforça o pertencimento às elites (exemplo: dança clássica, concerto, teatro etc.). (ibid, p. 53)
Este estabelecimento fez parte do survey desenvolvido pelo SOCED em
2002 e 2004, aplicado em nove escolas de prestígio28 da cidade do Rio de Janeiro.
O universo desta investigação foi constituído por duas escolas confessionais, duas
bilíngues, duas “alternativas”29, duas escolas públicas e uma escola judaica. O
survey foi composto de três questionários – alunos, pais e professores – e foi
aplicado nas turmas de 8ª série. Como a aplicação do questionário dos alunos foi
em sala de aula, tivemos pouquíssimas abstenções. No survey, na resposta do
bairro de moradia da escola C1, apenas três alunos entre 77 assinalaram bairros da
28 As escolas investigadas foram selecionadas principalmente com base no desempenho de seus egressos aprovados nos exames de vestibular para os cursos e universidades mais procurados, assim como nas notícias da mídia impressa carioca, que anualmente divulga rankings das escolas consideradas melhores, conforme a aprovação no vestibular da UFRJ. 29 Dentro da categorização de Ballion: “estabelecimentos inovadores”.
57
zona norte. Além disso, os pais assinalaram as maiores rendas familiares, junto
com outra escola bilíngue, dos nove estabelecimentos da pesquisa do SOCED30.
A escola C1 é a que apresenta as menores taxas de não aprovação, que
provavelmente se devem ao tipo de clientela que a escola possui. Sendo famílias
das camadas mais altas, que pagam mensalidades nada modestas, normalmente
esse grupo não se expõe ao fracasso escolar, porque seu futuro não é tão
dependente de seu resultado escolar, como o é para as camadas médias. Uma das
coordenadoras da outra escola bilíngue, que tem um perfil muito parecido com a
escola C1, disse textualmente que eles não reprovavam seus alunos, pois não
haveria nenhuma escola similar no Rio de Janeiro para onde eles pudessem ir caso
tivessem problemas escolares. Muito diferente da escola A1 como veremos nos
próximos capítulos onde a reprovação é alta.
Gráfico 10 – taxa de não aprovação da escola C1 de 2003 a 2005
30 Ver Mandelert(2005).
58
D. Empresas educacionais:
em comum, todas têm o fato de serem estabelecimentos leigos e possuírem como mantenedora uma empresa privada de médio ou grande porte que mantém diversas filiais (Paes e Carvalho - 2004,114)
Essa escola não possui filial, mas é um estabelecimento leigo e é uma
empresa. Sua curva é similar às curvas das escolas confessionais, mas com
diferenças básicas no ensino médio: quase 30%, no primeiro ano do ensino médio,
acima de 20% no 2º ano, em contrapartida nenhuma reprovação no 3º ano.
Gráfico 11 – taxa de não aprovação da escola D1 de 2003 a 2005
E. Uma escola judaica –
A escola judaica que pode ser caracterizada entre os “estabelecimentos de
excelência” e os “para as classes altas”. Ao mesmo tempo em que busca e
oferece uma alta performance acadêmica, garante à sua clientela um meio
social seleto. Vemos características semelhantes às escolas que reprovam
muito no início do ensino médio para depois não reprovar ninguém no 3º ano.
A escola judaica oferece também uma educação judaica que é muito difícil de
receber em outros meios acadêmicos. Daí a necessidade de manter uma taxa
mais baixa até a 8ª série do ensino fundamental. No ensino médio a
preparação para o vestibular torna-se o foco do estabelecimento a formação
59
judaica fica com um papel secundário. A escola para manter-se como uma
opção interessante para própria comunidade tem que oferecer não só a
formação judaica como o bom desempenho no vestibular.
Gráfico 12 – taxa de não aprovação da escola E1 de 2003 a 2005
F. Uma escola pública federal – escola sempre presente no ranking das
melhores do Rio de Janeiro, mas não faz parte nem da tipologia de
Ballion, nem da de Paes e Carvalho.
A escola pública que esteve entre as melhores do Enem não teve dados do
censo para o ano de 2003. Por isso coloquei no gráfico os dados de 2002.
Interessante notar que as curvas de 2004 e 2005 são muito parecidas e mais uma
vez repetem o padrão das demais com duas elevações de não aprovação, uma no
segundo segmento do ensino fundamental e outra no 1º ano do ensino médio. A
curva de 2002 é diferente, pois não tem essa acentuação no ensino médio; o ápice
é atingido na 7ª série.
60
Gráfico 13 – taxa de não aprovação da escola F1 de 2003 a 2005
G. Escolas Bilíngues
Presentes entre as melhores do Enem, essas duas escolas bilíngues atendem
alunos das camadas médias altas. As linhas do gráfico da escola G1 sugerem que
mantenha os padrões das outras escolas, com a diferença de a não aprovação ser
um pouco alta na 8ª série. A escola G2, no entanto, apresenta na linha de 2005
nenhuma não aprovação a partir da 3ª série, pode ser que tenha havido uma
mudança de política na escola, ou então os dados não refletem a realidade escolar.
61
Gráfico 14 – taxa de não aprovação da escola G1 de 2003 a 2005
Gráfico 15 – taxa de não aprovação da escola G2 de 2003 a 2005
62
3.4 Considerações parciais
O alto valor das taxas em algumas escolas aponta para a reprovação como
um mecanismo de seletividade fundamental na construção da imagem de
excelência dessas escolas. Mesmo que os dados do censo possam não retratar
perfeitamente a situação das não aprovações nestas escolas, tendo em vista as
diferenças encontradas para a escola A1 e A2
Este primeiro panorama fez com que fosse possível perceber mais uma vez
que a repetência nas escolas privadas de prestígio, assim como nas escolas
públicas de prestígio, não é um acontecimento isolado.
O fato das reprovações apresentarem um padrão no momento em que elas
acontecem é uma indicação de que a reprovação é um mecanismo escolar
firmemente implantado no sistema educacional brasileiro. As características
individuais dos alunos devem ter sua importância, mas mais do que isso, a
reprovação, faz parte da lógica dessas escolas.
4 Escolas de prestígio: da qualidade à distinção 4.1 Objetivos
Observamos no capítulo anterior com os dados do censo o fenômeno de
forma sincrônica. Em outras palavras, vimos as não aprovações em cada ano
(2003, 2004 e 2005) sem levar em conta o processo evolutivo do fenômeno. Este
capítulo tem o objetivo de analisar o fenômeno de forma diacrônica, isto é,
observando o processo para compreender os padrões de reprovação de duas
escolas. Para isso é necessário entender como as escolas administram o alto índice
de reprovação recompondo as coortes, pois este é um componente essencial do
mecanismo de manutenção das turmas afetadas pelas taxas de reprovação.
Isso também é importante de ser analisado porque é na conjugação de
desempenho e fluxo que está inserido o conceito qualidade. O Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica, o IDEB, foi criado pelo Inep para as
escolas públicas justamente pensando nisso. Considerou-se que qualidade de
ensino não seria compatível com a exclusão e pré-seleção, daí a importância da
relação do fluxo com o desempenho escolar. Como todas essas instituições são de
prestígio, portanto têm bons desempenhos e figuram entre as melhores do Rio de
Janeiro e do Brasil, julgamos importante observar o fluxo para entender como se
mantém a qualidade nestas escolas.
Emerique (2008) no seu estudo sobre o percurso do conceito “qualidade de
ensino” observou que esta seria uma expressão derivada da expansão escolar,
enquanto que a excelência acadêmica derivaria de seleção escolar. Como vimos
na introdução, a partir do momento que se observou que a questão do acesso
escolar tinha sido praticamente resolvida, a qualidade passou a ser o foco da
questão. Considero que o estudo em duas escolas de prestígio nos ajuda a
aprofundar esse tema, na medida em que nos mostra com relação ao fluxo como
esta excelência é alcançada.
64
4.2 Dados e tratamento
Para realizar esta análise criei o que chamei de ciclo de série, considerei o
percurso ideal das séries que começaria na 1ª série do ensino fundamental até o 3º
ano do ensino médio31. Esta categoria me permitiu analisar o impacto das
reprovações e das transferências dos alunos nas estratégias de composição das
turmas pelas escolas. Em outras palavras, o objetivo era verificar como estava
composta a 1ª série do ensino fundamental de 1995 e as subseqüentes até a
formatura no 3º ano do ensino médio em 2005, computando o número de alunos
que tinham sido promovidos, reprovados ou transferidos no ano anterior e o
número de alunos novos.
O censo não oferece isso no fluxo escolar com as taxas de promoção,
repetência e abandono do fluxo escolar. O que é possível com esses dados é a
análise da progressão dos alunos pertencentes a uma coorte, em determinado nível
de ensino seriado, em relação à sua condição de promovido, repetente ou evadido.
Logo, não temos um dado importante que é se o aluno é novo na escola.
Para analisar os ciclos de série, construí um banco com os dados das
escolas A1 e A232. Acompanhei a entrada e saída dos alunos ao longo dos 11 anos
necessários para a formatura de uma geração. No caso, quatro gerações, pois fiz o
mesmo trabalho para os anos de 1995, 1996, 1997 e 1998 até a provável formatura
em 2005, 2006, 2007 e 2008, respectivamente. Considerei cada 11 anos um grupo
diferente e assim denominei de ciclo de série de 2005, ciclo de 2006 e assim por
diante. Não denominei de coorte, nesta parte da análise, porque não acompanhei a
trajetória dos alunos, e sim a sucessão das séries.
A base de dados foi construída colocando o nome do aluno, a matrícula,
ano de entrada na escola, depois série por série as informações sobre sua turma,
promoção, reprovação, transferência. Nas séries em que o aluno não estava
matriculado na escola considerei dado faltante. Foi necessário retornar às escolas
para conferir dados a partir da conferência feita nos registro. Por exemplo, alunos
31 Utilizarei a denominação de 1ª série, e não de 2º ano do ensino fundamental, porque era a vigente à época e seria um anacronismo fazer de outro modo. 32 Estas duas instituições estão no capítulo 3 com essa denominação e participaram da pesquisa maior desenvolvida pelo SOCED, denominado “O efeito escola na produção dos habitus dos estudantes”.
65
que constavam como reprovados tinham sido afinal promovidos, outros em cujo
registro não constava a sua transferência e assim por diante.
Ao realizar o acompanhamento das séries, pude entender o movimento das
instituições na regulação do seu fluxo escolar. Esse tipo de construção não seria
possível de se realizar com os dados do censo, pois este não acompanha a trajetória
de alunos individualmente, e sim, como já foi dito anteriormente, das instituições.
Em seguida, fiz o acompanhamento da coorte da turma de 1997 da escola
A133: verifiquei os nomes dos alunos que entraram na primeira série de 1997(série
de entrada na escola), pois ela não tem educação infantil, até os que conseguiram se
formar no ensino médio em 2007. Adotei como critério básico a coorte que tinha
um número intermediário de formandos na escola sem nenhuma defasagem escolar.
Na análise da coorte de turma fiz uma tentativa de estabelecer o perfil do
aluno que permanece nesse tipo de instituição com os dados de ocupação de pai e
mãe, endereço e desempenho acadêmico.
4.3 Ciclos de Série 4.3.1 Recrutamentos de alunos
Nas duas escolas a seleção já é demonstrada por uma realidade de quatro
candidatos por vaga no primeiro ano do ensino médio34. Para a 1ª série do ensino
fundamental, por exemplo, a informação dada pela supervisora da escola A1 é que
foram 148 candidatos para 75 vagas no ano de 2010.
A primeira questão de interesse era saber quantos alunos estavam
matriculados nas séries ao longo dos anos. Como poderemos ver no gráfico a
seguir, o recrutamento de alunos novos para a primeira série variou no tempo nas
duas escolas. A primeira série da escola A1 teve 78 alunos nos anos de 1996 e
1997, mas teve 90 em 1998; já na Escola A2, em 1995, entraram na 1ª série 127
33 Os gráficos das coortes de turma de ambas as escolas dos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998 estão no anexo nº 1. 34 De acordo com a informação veiculada na imprensa - ALMEIDA, Lívia de. O caminho para a vitória. Veja Rio, Rio de Janeiro, 4 nov. 2009. Educação, p. 24-30.
66
alunos, mas, em 1998, entraram apenas 104 alunos novos35. O número máximo de
alunos em todos os anos é na 5ª série, pois há uma entrada grande de alunos
novos, provavelmente provenientes de escolas que só vão até a 4ª série. Ou, como
denominou Paes de Carvalho (2006), como resultado de um “refinamento” do
investimento escolar; essa grande quantidade de trocas de escola que se observa
entre o final do primeiro e o início do segundo segmento do ensino fundamental.
Nas duas escolas, o menor número de alunos é sempre no 3º ano do ensino
médio36. Conforme se verá, apesar de não haver um número fixo de matrículas ao
longo das séries, podemos ver que existe um fluxo mais ou menos regular de
alunos, isto é, as escolas mantêm a mesma ordem de grandeza em cada série. A
diferença é que na Escola A1 a curva descendente é mais acentuada do que na
Escola A2, pois nesta o número de alunos nas séries é mais próximo.
Outro dado interessante de se ressaltar é que na Escola A1, no ciclo de
1998/2008, apesar de ter havido uma entrada muito grande de alunos a partir da 3ª
série (coluna lilás do gráfico), chegando a ter na 7ª série quase 40 alunos a mais
do que nos outros ciclos37, o número de formados não acompanhou a proporção, e
a diferença entre o menor número de formandos que foi o ciclo de 1995/2005 caiu
para 17 alunos, o que pode parecer um ajuste para um número desejável de alunos
no 3º ano do ensino médio.
Gráfico 16: Número de alunos por série dos quatro ciclos de série da
Escola A1
35 Chamarei de alunos novos aqueles que estão ingressando naquele ano na escola, e alunos antigos aqueles que estão há mais de um ano na instituição. 36 Com exceção dos formandos de 2008 da Escola A2, que foram em maior número do que os matriculados na primeira série de 1998, 122 e 104, respectivamente. 37 De 1995/2005, 1996/2006 e 1997/2007.
67
Gráfico 17: Número de alunos por série dos quatro ciclos de série da
Escola A2
4.3.2 Ciclo dos alunos
Para compreender melhor essa flutuação de número de alunos, apresento o
que chamarei de consolidado das séries das duas escolas. Somei os dados dos
quatro ciclos de série em cada escola, formando uma coluna para cada série.
Assim obtive a coluna da primeira série agregando os dados das primeiras séries
de 1995, 1996, 1997 e 1998, e assim nas séries subsequentes. Nele coloquei em
cada série a proporção de alunos novos, alunos antigos, repetentes e repetentes em
anos anteriores. A ideia era entender como era a composição das séries.
Podemos ver em ambos os gráficos que, na primeira série, não há
repetentes, apenas alunos novos. Depois da primeira série, o maior número de
alunos novos é na 5ª, com quase 30% do total na Escola A1 e pouco menos de
20% na Escola A2. A Escola A2 aceita, em proporções variadas, novos alunos em
todas as séries, já a Escola A1 não admitiu alunos novos na 6ª nem na 7ª, pois,
como vimos anteriormente, houve uma entrada maior de alunos na 5ª série. Nas
duas escolas, vemos que, no 1º ano do ensino médio, há um aumento de
matrículas novas (em torno de 10% em ambas).
É possível observar nos gráficos que uma boa proporção dos alunos
repetentes do primeiro segmento do fundamental praticamente não permanecem nas
68
escolas. Isso corrobora o achado de Rodrigues (2004) que, em escolas de prestígio em
Belo Horizonte, não conseguiu reunir famílias com alunos repetentes desse segmento
para fazer parte de sua mostra. A autora foi informada de que são poucos os alunos
que repetem e os que são, em geral, pedem transferência para outras escolas. De fato,
o número de alunos que repete no 1º segmento do ensino fundamental é muito
pequeno, como se verá nos próximos gráficos e já visto no capítulo anterior.
Gráfico 18: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 com a porcentagem na composição das séries
Gráfico 19: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A2 com a composição das séries
69
Nas tabelas abaixo, apresento a porcentagem de alunos reprovados por série
de todos os ciclos de série. Podemos ver mais uma vez que, no primeiro segmento
do ensino fundamental, quase não há reprovações. Nestas escolas a primeira e a
segunda série não retêm quase nenhum aluno em todos os quatro anos estudados.
Nas escolas públicas é diferente, de acordo com os dados do Inep de 2005, a taxa de
reprovação da 1ª e da 2ª série do ensino fundamental nas escolas públicas do estado
do Rio de Janeiro, em 2005, foi de 10% e 20,6%, respectivamente. Nas escolas
investigadas, o número aumenta um pouco na 3ª e na 4ª série, mas, na comparação
com os outros anos, é muito pequeno. A situação, no entanto, muda bastante a partir
do segundo segmento do ensino fundamental, aí a reprovação acontece em maior
número e atinge seu ápice no 1º e 2º ano do ensino médio 38.
Na comparação com os dados do Inep das escolas privadas do Rio de
Janeiro de 2005, as taxas de repetência do ensino médio dessas escolas são mais
altas com 17,4% e 13,5% quando a média das escolas particulares é de 12%,
sendo a da escola pública de 18,6%. Nas outras séries, os números são próximos
ou um pouco acima. Com essas informações, mais as do capítulo anterior é
possível pensar que a reprovação nestas escolas seja um sinônimo de distinção.
Não é fácil entrar nem passar por elas.
Tabela 7 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da Escola A1 Porcentagem de reprovados da Escola 1 para as quatro coortes etárias
% 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 1EM 2EM 3EM 2005 0,0% 0,0% 3,0% 0,0% 6,5% 10,4% 6,7% 2,8% 20,4% 20,5% 3,4% 2006 0,0% 0,0% 0,0% 1,9% 2,9% 5,2% 14,4% 3,1% 15,0% 11,0% 0,0% 2007 0,0% 0,0% 2,0% 2,9% 3,6% 17,3% 5,6% 2,0% 16,2% 10,0% 0,0% 2008 0,0% 0,0% 0,8% 0,7% 5,8% 3,0% 8,0% 2,7% 17,9% 16,3% 0,0% Média 0,0% 0,0% 1,4% 1,3% 4,8% 8,5% 8,8% 2,7% 17,4% 14,4% 0,7%
Tabela 8 – Taxa de repetência dos quatro ciclos da Escola A2 Porcentagem de reprovados da Escola 2 para as quatro coortes etárias
% 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 1EM 2EM 3EM 2005 0,0% 0,0% 0,0% 2,3% 10,7% 3,5% 7,7% 9,4% 14,0% 10,8% 4,0%2006 0,8% 0,8% 1,7% 4,2% 5,9% 4,8% 7,0% 6,1% 7,3% 4,8% 0,0%2007 0,0% 1,7% 0,8% 6,7% 11,3% 3,6% 5,7% 7,7% 22,9% 6,3% 0,0%2008 1,0% 0,9% 0,0% 5,0% 5,6% 6,3% 6,2% 2,8% 11,6% 3,8% 1,6%Média 0,4% 0,8% 0,6% 4,6% 8,5% 4,5% 6,7% 6,5% 13,5% 6,4% 1,4%
38 A exceção foi a 6ª série de 2007 da Escola A1, que reprovou mais do que o ensino médio.
70
No próximo gráfico, agreguei os dados de todos os ciclos formando um
consolidado por escola, por conta de os valores serem muito próximos e a leitura ficar
mais fácil dessa maneira. Nele poderemos ver a proporção e o número total de alunos:
a) Concluintes do 3º ano do ensino médio;
b) Transferidos no mesmo ano da reprovação;
c) Reprovados e que permaneceram na escola para refazer a série;
d) Transferidos sem terem sido reprovados.
Vemos que muitos alunos entraram e saíram ao longo dos anos para o
grupo que se forma no 3º ano do ensino médio, os concluintes. Na Escola A1, são
concluintes apenas 34% dos alunos matriculados ao longo dos 11 anos de cada
ciclo; na Escola A2, a porcentagem é maior, com 42%. O número de alunos
reprovados na Escola A1 é maior do que na Escola A2, pois, somando-se os
reprovados e transferidos com aqueles que ficaram na escola, temos 36% na
Escola A1 e 29% na Escola A2.
Outro dado importante é que os alunos da Escola A2 tendem a permanecer
mais na escola do que os da Escola A1 quando são reprovados. O número de
transferidos é praticamente o mesmo nas duas escolas: na Escola A1 com 30% e
na Escola A2 com 29%.
Gráfico 20: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e Escola A2 com a proporção e o número absoluto de alunos: concluintes, reprovados,
reprovados e transferidos no mesmo ano e dos transferidos
71
No gráfico 21, vemos a comparação das médias das reprovações com as
transferências em cada escola nos quatro ciclos. Na Escola A1, a linha das
transferências é muito semelhante à das reprovações. Uma das coordenadoras
disse que a escola costuma encaminhar alguns alunos para outras instituições por
considerar que não tenham o perfil necessário e serão mais felizes em outro
estabelecimento. Quando comentei esse dado com uma das orientadoras
educacionais da Escola A1, ela disse que muito poucos saem por outra razão que
não a reprovação. A escolha e a adesão ao estabelecimento é muito forte, pois não
é uma escola de bairro, quem faz a escolha pela instituição só pede transferência
quando é reprovado. As transferências, assim como as reprovações, são baixas nas
três primeiras séries, na 4ª, se elevam um pouco para atingir 15% na 6ª série,
quando voltam a diminuir, até atingir o ápice no 1º ano do ensino médio, quando
também é a maior média de reprovações.
Uma indicação de que as transferências estão ligadas de alguma forma às
reprovações é que elas não acontecem igualmente em todas as séries. Como
veremos no próximo gráfico, muitas vezes elas acontecem no mesmo ano em que
o aluno é reprovado, assim sua maior incidência geralmente é nas séries de maior
retenção. Em alguns anos, elas são tão numerosas que o equivalente a uma turma
de 25 a 30 alunos pede transferência.
Gráfico 21: Médias das reprovações e transferências nos quatro ciclos de série da Escola A1
72
O gráfico 22 da escola A2 mostra um padrão diferente de transferências, o
movimento é distinto, a linha das transferências não é tão simétrica a das
reprovações. Até porque, como veremos no gráfico 23, os reprovados da escola A2
tendem a permanecer na escola, ao contrário dos reprovados da escola A1 que
pedem transferência logo na primeira reprovação. Os picos de transferências são nas
mudanças de segmento. Apesar da pouca retenção no primeiro segmento do ensino
fundamental, a média de transferência na Escola A2 foi alta: nas três primeiras
séries, em torno de 7%, até chegar a 14% na 4ª, o que pode ser uma indicação de
que, apesar das poucas reprovações, as dificuldades encontradas pelos alunos
podem ser catalisadoras da decisão de mudar de escola. Podemos pensar que essas
famílias se antecipam, ou trata-se do “refinamento” do investimento escolar,
conforme Paes de Carvalho (2006).
As transferências diminuem na 5ª, 6ª e 7ª, para voltarem a aumentar na 8ª série.
Já as reprovações aumentam na 5ª, diminuindo em seguida, para voltar a aumentar no
1º ano do ensino médio, como na Escola A1. O alto índice de transferência na 8ª série
talvez seja uma indicação de que os próprios alunos queiram tentar novos horizontes
em outras escolas, pois é nesse momento que o aluno adquire mais autonomia em
relação aos pais e pode fazer escolhas. Outra possibilidade é que no 1º ano do ensino
médio a pressão pelo vestibular começa, e alguns optam por fazer os últimos anos de
escolarização em estabelecimentos do tipo “cursinho”, preparatórios para o vestibular,
ainda que a Escola A2 tenha ótimo desempenho no Enem.
Gráfico 22: Média das reprovações e transferências nos quatro ciclos de série da Escola A2
73
Na revisão de literatura, vimos que a repetência não é uma boa estratégia
para melhorar o desempenho do aluno. Conforme a listagem nominal dos alunos
levantada na escola foi possível observar o destino dos alunos reprovados, se eles
se formaram na escola ou se pediram transferência. Foi possível acompanhar
apenas os alunos que foram reprovados e permaneceram nas escolas nos ciclos de
1995, 1996 e 1997, pois seus nomes reaparecem no ciclo seguinte. Só não foi
possível no de 1998, tendo em vista que não tenho os dados de 1999. Os dados
parecem se direcionar para o que foi apresentado anteriormente: poucos alunos
conseguem formar-se na escola após a reprovação.
Gráfico 23: Consolidado dos quatro ciclos da Escola A1 e da Escola A2 com os alunos que foram reprovados e seus destinos
Na Escola A1, apenas 8,5% (17 alunos)39 conseguiram se formar a
despeito de terem sido reprovados uma vez. Desses formandos, nenhum é do
primeiro segmento do ensino fundamental. Na Escola A2, os repetentes têm mais
chance de se formar, e vemos que 18% (40) terminam sua trajetória na mesma
escola, sendo que desses apenas um foi da 3ª série do ensino fundamental.
Os dados das duas escolas corroboram, portanto, que o tratamento da
reprovação não tem um resultado muito positivo. Mais do que recuperar o aluno,
o que ocorre é a evasão da escola, pois 64,5% dos alunos reprovados na Escola
A1 pediram transferência no mesmo ano e, na Escola A2, foram 55%. Esse fato
39 Como o gráfico não aponta o valor da porcentagem, optei por colocar no texto a porcentagem, seguida do valor absoluto de alunos entre parênteses.
74
também ocorre na escola pública, como foi demonstrado por Costa Ribeiro
(1991). As escolas particulares não costumam reter os estudantes que foram
reprovados nas últimas quatro séries do 1º grau (Mello e Souza e Valle
Silva,1994), talvez seja esse um dos motivos pelos quais tantos alunos reprovados
pedem transferência. Dos alunos que são reprovados e permanecem nas escolas,
12,5% da Escola A1 e 15% da Escola A2 são reprovados mais uma vez e pedem
transferência na segunda reprovação. O pedido de transferência sem ser atrelado à
reprovação ocorre com 13,5% dos alunos da Escola A1 e 7% dos alunos da Escola
A2. É necessário dizer que desses que pediram a transferência, a metade dos
pedidos foi feita no meio do segundo semestre, o que reforça a tese já mencionada
anteriormente da transferência como uma estratégia de não reprovação. Dos
alunos que pediram a transferência no final do ano letivo, não tive o resultado do
seu desempenho para saber se porventura notas ruins teriam influenciado na sua
decisão. Dos 12 alunos que reprovaram uma terceira vez, só tenho a informação
de três: um se formou, um foi reprovado de novo e pediu transferência, e o outro
apenas pediu transferência.
4.4 Coorte de turma Como disse anteriormente, escolhi a coorte de 1997 da Escola A1 para
uma análise mais aprofundada por ser a coorte que teve um número intermediário
de formandos que estavam desde a 1ª série, como podemos ver na tabela a seguir:
Tabela 9 - Frequência absoluta e relativa dos alunos matriculados da
1ª série e dos concluintes em cada coorte da escola A1
Coortes 1ª série % Concluintes %
1995 89 100 22 25
1996 78 100 31 40
1997 77 100 28 37
1998 90 100 34 38
75
Interessante notar que no estudo de Galvão (2003) mencionado na
introdução, a porcentagem de alunos formados na escola sem nenhuma
reprovação foi de 27%, portanto, um pouco abaixo da encontrada na escola A1.
Como no estudo foi demonstrada a seletividade social feita pela escola, talvez a
explicação da diferença esteja por ser por sorteio a forma como os alunos são
selecionados no Pedro II para a 1ª série. Os alunos da escola A1 são selecionados
socialmente antes de entrar na escola.
Pelo gráfico 24 podemos ver mais uma vez a preponderância das
reprovações na 6ª e 7ª do ensino fundamental e no 1º ano do ensino médio. As
transferências ocorrem em maior número nas séries nas quais temos um maior
número de reprovações e na 2ª, na 5ª e na 8ª série do fundamental. Podemos
pensar que na 2ª e na 5ª os pais decidem mudar o aluno de escola por ver que
talvez o perfil do filho não seja adaptado ao nível de exigência e de disciplina da
escola. Na 8ª série, como já citado, a transferência se dá provavelmente por uma
decisão do aluno em busca de novas experiências escolares. Ou talvez pela
percepção de que as suas opções de carreira sejam menos seletivas e por isso o
ensino médio da escola A1 seja exigente demais para as expectativas.
76
Numa tentativa de aprofundar a análise e tentar correlacionar desempenho
escolar com origem social dos alunos, fiz o levantamento dos dados nas fichas dos
alunos na secretaria da Escola A140.
Como análise exploratória, usei a informação da zona do bairro de moradia
dos alunos como proxy de sua posição social para observar se haveria uma
diferença entre os alunos que começaram na 1ª série do ensino fundamental
daqueles que se formaram no 3º ano do ensino médio. Assim, considerei que
provavelmente os moradores da zona sul teriam o nível socioeconômico mais alto
do que a maioria dos moradores das outras zonas. Apesar de os números serem
pequenos, a indicação da proporção é interessante para ser investigada. Conforme
vemos a seguir, 50% dos alunos da zona norte se formaram na Escola A1, sendo
que os alunos da zona sul foram em menor proporção, com apenas 39%.
Tabela 10 – Frequência absoluta e relativa da zona de moradia dos alunos da coorte de 1997 da escola A1 conforme moradia na 1ª série e os concluintes
Coorte de 1997 Escola A1 Alunos na 1ª série Concluintes
Zona Sul 36 11 % 47% 39%
Zona Norte 33 14 % 43% 50%
Zona Oeste 7 3 % 9% 11%
Itaipu 1 0 % 1% 0%
Total 77 28
% 100% 100%
Talvez possamos imputar essa pequena diferença ao que Bourdieu (2005)
chamou de disposição ascética da pequena burguesia (soma norte e oeste), que a
transforma na clientela ideal da escola, pois reúne boa vontade cultural e espírito
econômico, seriedade e afinco no trabalho, absolutamente necessários ao sucesso da
instituição. Já os alunos provenientes da zona sul têm “uma segurança
proporcionada pela certeza íntima de poder contar com uma série de “redes de 40 O envelope de cada aluno continha os contratos de prestação de serviço por ano escolar, uma ficha de matrícula onde constava o endereço e a profissão dos pais. Nos envelopes também estavam os históricos escolares, mas infelizmente não havia mais informações, nem mesmo se os pais eram casados ou não. O cadastro preenchido pelas famílias permanece com o serviço de orientação educacional e não tive acesso a essas informações.
77
proteção’” (Ibid, p. 95), levando-os a considerar o esforço exigido pela instituição
como algo penoso, exagerado, tendo em vista que seu futuro de classe não depende
inteiramente dela. Essa segurança faz com que eles possam ter a “audácia” de falhar
no projeto escolar. Preciso salientar, no entanto, que essa foi a única diferença que
consegui encontrar. Nenhuma outra característica distinguiu os alunos que
terminaram em 11 anos no mesmo estabelecimento sua trajetória escolar.
4.5 Alunos bolsistas Busquei na escola A1 informação sobre os alunos que receberam bolsa
desde 1995 até 2008, visando avaliar se a condição de bolsista ajudaria a
estabelecer uma diferenciação entre as trajetórias escolares dos alunos bolsistas e
não bolsistas. Esta estratégia não pode ser realizada de forma acurada, pois a
Escola A1, até o ano de 2004, concedia bolsas de porcentagens variadas para 40%
dos alunos da instituição41, e não tive acesso às porcentagens das bolsas, apenas à
informação sobre quais eram os alunos bolsistas. A partir de 2005 o número de
bolsas caiu radicalmente para 192 bolsas. Em 2008 o número caiu ainda mais para
92, isto é, menos de 10% dos alunos do colégio. Além disso, foi tomada a decisão
de que não seriam mais oferecidas bolsas no primeiro ano do ensino fundamental,
pois só após o pagamento de um ano letivo é que a família do aluno poderá
solicitar a bolsa.
Diante disso, decidi trabalhar com os dados de 2005 até 2008, do ciclo de
2008. Fiz uma variável que era a razão entre os anos que o aluno recebeu bolsa em
relação ao tempo de permanência na escola. Depois fiz um corte entre os alunos
que receberam mais tempo de bolsa e menos tempo de bolsa. Fazendo o
cruzamento dessa variável com a repetência, não houve diferença significativa
entre os grupos. Os alunos que tiveram mais bolsa não ficaram mais reprovados
do que aqueles que receberam menos bolsa.
41 Por volta de 400 alunos, em um total de mais de 800.
78
4.6 Considerações Parciais
Diante dos dados podemos considerar, portanto, que de fato como
salientou Emerique (2008) qualidade e excelência escolar são expressões que não
se confundem. Se as escolas de excelência escolar tivessem o IDEB calculado
perderiam muitos pontos por conta da seletividade escolar operada pela
reprovação.
Isso não é uma novidade tendo em vista a análise de Bourdieu (1989) e
aqui no Brasil a pesquisa de Galvão (2003). A diferença que se observa neste
trabalho é que são duas instituições privadas, ao contrário das estudadas por
Galvão e Bourdieu. Aqui no Brasil, portanto, podemos considerar que a
seletividade é ainda mais alta, pois começa com o valor das mensalidades. Nem
todos podem pagar mais de R$900,0042 por mês, por isso não vemos diferenças na
origem social entre os alunos que entram, daqueles que se formam, como pode ser
verificado por Galvão (2003).
Em segundo com a prova de nivelamento para entrar no colégio. Os alunos
que ingressam em escolas de excelência possuem um repertório acadêmico que os
permitiria passar para pelo menos um nível acima em outras instituições.43.
Bourdieu considera que a precocidade exigida pelas escolas de excelência permite
uma economia do lento trabalho de aquisição que é necessário para alunos
medianos, e é “uma das retraduções escolares dos privilégios culturais”(1989,
34)44. No caso em tela, podemos dizer que a escola seleciona primeiro
economicamente e depois culturalmente.
Finalmente, ao longo dos anos, a seleção por desempenho continua com as
reprovações. Os dados deixam claro que existem pontos de corte nas escolas, como
são os casos da 6ª, 7ª série do ensino fundamental e do 1º ano do ensino médio. A
teoria da reprovação calcada na personalidade e na capacidade de estudo dos alunos
repetentes de Fourastié (1972) e Ballion (1977) não parecem suficientes. Afinal no
caso da Escola A1 vemos que somente 42% dos alunos têm o perfil escolar desejado.
42 Em torno de 470 dólares. 43 De acordo como depoimento da educadora Claudia Horta feito à Revista Veja (2009) especialista em preparar alunos para os testes seletivos das melhores escolas do Rio de Janeiro, “um aluno que se apronta para o 2º ano do Santo Agostinho poderia perfeitamente passar para o 3º de qualquer outro lugar”. Em: ALMEIDA, Lívia de. O caminho para a vitória. Veja Rio, Rio de Janeiro, 4 nov. 2009. Educação, p. 24-30. 44 No original: “En fait, la précocité n’est qu’une des retraductions scolaires du privilège culturel”.
79
Aparentemente, a escola no Brasil é algo para poucos e “bons”. Sua
atividade principal é separar “o joio do trigo”, como disse um coordenador de uma
escola tradicional do Rio de Janeiro, com excelentes resultados no Enem, que faz
parte da pesquisa do SOCED. É claro que em escolas de alto prestígio não se pode
ter o mesmo discurso das escolas públicas, não é esse o contrato que com elas é
estabelecido, afinal são escolas de elite, logo para poucos. O processo analisado
indica um número excepcionalmente elevado.
Considero, portanto, que temos aqui um reforço, pelo menos em parte, da
tese da “pedagogia da repetência”, como denominou Costa Ribeiro. A seletividade
escolar tão forte se transforma em marca de qualidade, pois sendo essas escolas de
prestígio, elas são de alguma forma a imagem do que é considerado padrão em
uma escola de excelência. Dentro disso, a reprovação maciça de alunos passa a ser
um sinônimo de escola puxada, séria, que exige dos alunos uma boa performance.
O contrato é claro: caso o aluno não consiga ter o desempenho esperado, ele será
excluído do grupo. Talvez essa seja uma das explicações para que os nossos
índices de reprovação sejam tão altos, pois, se esses alunos que, pela literatura em
sociologia da educação, possuem todas as características que geralmente
conduzem ao sucesso escolar são reprovados nessa proporção, muito mais razão
tem a escola pública de reprovar os alunos que estão longe do “ideal”.
A comparação dos gráficos 16 e 17, mais as informações obtidas pelo
panorama feito no capítulo 3, entretanto, nos permitem ir um pouco além para
propor uma tipologia de escolas no que tange à repetência. As instituições não
reprovam indistintamente, existem padrões que podemos observar pelas curvas
mais ou menos acentuadas, e que por isso têm na reprovação uma marca
institucional. Quanto maior a reprovação, maior a distinção. O número de
concluintes é outro indicador. Na escola A1 vemos pelo gráfico 21 que se formam
em torno de 70 alunos, já na escola A2 se formam no mínimo 90. A diferença do
número de formandos não pode ser imputada ao tamanho das escolas, pois em
metros quadrados a escola A1 é muito maior do que a escola A2.
Ainda que não tenhamos o número de concluintes das escolas incluídas no
capítulo 3, podemos ver pelas curvas de não aprovação que outras escolas
apostam nessa alta taxa de reprovação como símbolo de distinção. Poderíamos
incluir nesta categoria as escolas: A4, A6, B2, B3, D1 e E1. Todas elas com taxas
de acima de 15% de reprovação no 1º ano do ensino médio.
5 Apreciações e Mecanismos de Corte: conselhos consultivos 5.1 Introdução
Nesta segunda etapa da pesquisa, usando a metáfora de Elias (1939), saí da
perspectiva aérea e quis ter o olhar do nadador. Minhas perguntas eram: o que é
considerado importante na avaliação? Como são decididas as reprovações que eu
havia apurado anteriormente? Após ter analisado os dados mais gerais cabia
observar os encontros microssituacionais que, de acordo com Collins (2000), são
o ponto de partida de toda ação social e de toda evidência sociológica. Todas as
informações que eu tinha apurado até então me davam o volume das reprovações
e os momentos em que estas aconteciam, faltava saber como eram decididas.
Assim, para entender como são construídas as decisões de aprovação e
reprovação dos alunos, observei os conselhos de classe da escola A1, uma das
melhores escolas do Brasil, de acordo com o Enem dos últimos quatro anos.
O conselho de classe é um espaço coletivo de avaliação dos alunos, que
podemos considerar excepcionalmente adequado para compreender como se
produz e reproduz o sistema de classificação da instituição por intermédio da fala
de seus agentes. É o lugar onde podemos observar a estrutura das hierarquia das
propriedades a reproduzir e, desta forma, as “escolhas” que são feitas pelo sistema
(Bourdieu, 1998). Nessa reunião, os professores se sentem à vontade para
expressar suas impressões sobre os alunos, conforme já havia apurado
anteriormente Mattos (2005), na pesquisa sobre os conselhos de classe em escolas
públicas do Rio de Janeiro.
Como não seria possível observar todos os conselhos da escola, optei por
fazê-lo apenas nas séries onde eu já havia verificado ocorrer a maioria das
reprovações, portanto presenciei os conselhos de classe do 8º ano, antiga 7ª série
do ensino fundamental, e os do 1º ano do ensino médio.
O trabalho se desenvolveu em duas etapas, a primeira foi a de
“aquecimento dos motores”, no final de 2008, quando observei os três últimos
conselhos de cada série (outubro, pós-provas finais, pós recuperação).
81
A segunda etapa foi a do ano de 2009, quando observei todos os conselhos
do ano letivo de ambas as séries, com exceção de um do ensino médio. Nas duas
séries, os conselhos aconteceram com diferenças apenas de dias. Houve um
conselho chamado “pré-coc” em abril, depois, em junho, o primeiro propriamente
chamado de “conselho de classe”, o segundo, em outubro, o terceiro, logo após as
provas finais e o último, após a recuperação. Foi justamente o último conselho do
ensino médio que não pude observar45.
5.2 Questões sobre a observação dos conselhos de classe
A observação dos dois anos dos conselhos foi muito importante para
perceber que se trata de uma dinâmica em construção, pois não foram eventos
exatamente iguais. Também foi fundamental como estratégia para que houvesse
uma adaptação mútua à minha presença nos conselhos.
Antes de mencionar o costumeiro desconforto dos observados com o
observador, devo falar que a posição de pesquisadora no conselho, como já foi
assinalado por Sá Earp (2006), foi muitas vezes extremamente incômoda. Em
primeiro lugar, por ser uma intrusa em uma região de bastidores46 (nos termos de
Goffman). Dessa forma, presenciei revelações de dramas familiares e individuais
dos alunos, circunstâncias em si mesmas penosas, sobre as quais os professores se
viam na posição de avaliar a gravidade e a extensão. Em segundo lugar, pela
ocorrência de situações claras de desconforto, quando as minhas reações
tornaram-me mais “visível” do que o desejável. Um exemplo foi o momento
quando descreveram uma peripécia de um aluno e só eu achei graça. Isso fez com
45 Mudaram a data e não fui avisada. Cheguei à escola e o conselho de classe tinha acontecido no dia anterior. A orientadora educacional ficou bastante aborrecida com o acontecido, dizendo que ela mesma fora avisada da troca de horário no próprio dia do conselho pelo coordenador do ensino médio. Ela, no entanto, me passou as decisões que foram tomadas. 46 De acordo com Goffman, os bastidores são a região de fundo, “onde o ator pode confiantemente esperar que nenhum membro do público penetre. Como os segredos vitais de um espetáculo são visíveis nos bastidores, e como os atores se comportam libertando-se de seus personagens enquanto estão lá, é natural esperar que a passagem, da região de fachada para a de fundos seja conservada fechada aos membros do público ou que toda a região do fundo se mantenha escondida deles.” (2003, 107).
82
que a minha postura ficasse dúbia. A “fachada”47 (Goffman, 2003) sustentada de
pesquisadora que tinha até então um afastamento do que estava sendo realizado ali
ficou confusa para o grupo, criou uma incoerência expressiva. Não que a minha
reação em si fosse censurável, apenas não era a esperada pelo grupo.
Sustentar uma expressão facial que traduzisse menos meus pensamentos
também foi difícil. Professores e coordenadores falam e buscam o olhar do
pesquisador para saber o que ele está pensando sobre o que eles, membros do
conselho, estão dizendo. Dessa forma, temos mais uma confirmação de que o
conselho, normalmente região de bastidor, adquiriu características de fachada:
estava sendo feita para mim uma representação, nos termos de Goffman.
A escrita das minhas observações no meu caderno de campo ajudou muito
a fugir dessa cumplicidade. Além disso, procurei me posicionar em frente ao
datashow, o que fez com que a troca de olhar com os professores fosse menor.
Outra situação que dificultou a interação foi a de que, em alguns conselhos, eu
não fui apresentada aos professores. Como a presença dos professores não é
sempre a mesma, alguns não me conheciam e ficavam perguntando uns aos outros
quem eu era. Nesses momentos, pensei em alertar as orientadoras educacionais
quanto ao problema, mas optei por me calar. Considerei que, quanto menos eu
falasse, melhor seria. Não estou certa de que tenha sido uma boa solução, pois a
informação sobre quem eu era serviria para colaborar na definição da situação e
nos papéis que cada um representaria.
Os professores, no princípio, não ficaram à vontade com a minha presença.
Nessa escola, no primeiro CoC – como são chamados os conselhos pelos
coordenadores e professores –, e em outras escolas também, pude perceber
nitidamente que um dos professores estava falando um pouco mais do que me
parecia o razoável, impressão confirmada pela fala de uma das professoras no
decorrer da reunião, fazendo menção a um certo exibicionismo. A coordenadora
de segmento48 também falou do incômodo manifestado pelos professores,
mencionando, inclusive, esse professor cujo comportamento destoou do normal.
47 Fachada “é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação”. (Goffman, 2003, 29) 48 O coordenador é a referência imediata entre alunos, professores e responsáveis para o desenvolvimento do dia a dia do colégio. Sua atuação repousa na articulação dos processos escolares em ação, tendo o apoio direto de auxiliares de educação com os quais cria as condições favoráveis a uma rotina que propicie o pleno desenvolvimento do projeto pedagógico do seu segmento, em todos os aspectos.
83
Em outro conselho, a situação ficou ainda pior, quando esse mesmo professor deu
várias alcunhas pejorativas para os alunos. A supervisora pedagógica49, que estava
observando o conselho, comentou depois comigo seu próprio desconforto com a
atitude do professor.
A minha observação no conselho resultou numa reunião em que fui
chamada pela supervisora pedagógica, com a presença da coordenadora do
segmento de 8º e 9º ano. A conversa foi para me alertar sobre o quanto a minha
presença teria alterado o comportamento dos professores do 8º ano, mais
especificamente de dois professores. Não que eles tivessem agido de forma
incomum, apenas comportamentos habituais teriam ficado mais exacerbados. Elas
comentaram que a escola não tem o costume de receber pessoas para observação e
que a presença dos pesquisadores já tinha causado desconforto desde a fase da
pesquisa maior do SOCED, quando estivemos em sala observando as aulas.
A entrada de um estranho numa região de bastidor, sem dúvida, gera
alterações nas representações e traz características de região de fachada. Goffman
alerta que devemos analisar a situação não pelas alterações em si, mas pela
representação considerada adequada para uma região de fachada. Nesse caso,
tendo em vista o que foi dito pela supervisora, pelos orientadores e coordenadores,
vemos que, mais do que realizar uma mudança radical de comportamento, esses
professores exageraram o que já fazem normalmente. Na caracterização de uma
turma, por exemplo, alguns professores, para falar de sua dificuldade em dar aula
para aqueles alunos, disseram que, em todo o seu tempo de magistério, nunca
tinham vivido situação semelhante. Essa opinião foi, no entanto, relativizada pela
supervisora.
Considero que a diferença maior produzida pela minha presença foi a
expressão das opiniões sobre os alunos de forma mais categórica e loquaz. Essa
impressão foi reforçada pela entrevista com a orientadora educacional. Ela
somente percebeu como a fala de um professor estava carregada de preconceitos,
quando a supervisora pedagógica a orientou a conversar com ele sobre a questão
da impropriedade do seu comportamento, dizendo que ele estava se expondo
49 Segundo as informações contidas no site da escola, a supervisão pedagógica é responsável pela preservação da harmonia entre os princípios filosófico-pedagógicos da instituição e sua realização prática, por meio de contato permanente com a Reitoria e de um trabalho de equipe com o Serviço de Orientação Educacional – SOE, com os coordenadores de segmento e coordenadores de matéria. Zela, essencialmente, pela identidade do colégio expressa na sua proposta pedagógica.
84
agindo daquela forma. Convém mencionar que, após esse alerta, a conduta do
professor mudou e não aconteceram mais os comentários pejorativos.
Os professores do ensino médio ficaram um pouco menos desconfortáveis
do que os do ensino fundamental. Em reunião posterior com a supervisora
pedagógica, pude confirmar essa impressão. Um exemplo de menor desconforto
foi a reação de um professor do ensino médio: ele me observou longamente.
Depois de um tempo, acho que passei por seu crivo e ele começou a fazer
comentários e a olhar minha reação de forma cordial. Acredito que o
estranhamento menor tenha sido uma decorrência da maneira como eles
conduzem o conselho de classe, pois parecem mais seguros de suas decisões em
relação aos alunos.
O fato de não ter sido avisada da última reunião não me pareceu uma
decorrência de um desconforto com a minha presença. Até porque na tentativa de
suprir as informações que faltaram, a orientadora me enviou um e-mail com todas
as decisões tomadas no conselho, alertando-me, inclusive, que uma das
reprovações decididas no conselho ao qual não fui chamada foi modificada em um
conselho extraordinário, marcado para depois do natal.
5.3 Conselhos Consultivos e Conselhos Deliberativos
Os conselhos de classe, ao longo do ano, tiveram objetivos bem diferentes.
Aqueles os quais denominei de consultivos aconteceram em abril (“pré-coc”),
junho e outubro. Nessas três reuniões, nada foi decidido sobre os alunos em
termos de avaliação, nem mesmo os conceitos50 que os alunos recebem no
boletim.
Podemos ver que esse não era mesmo o objetivo, inclusive pela definição
encontrada na agenda distribuída para toda a comunidade escolar. Nas
“orientações gerais”, está registrado que o conselho de classe:
50 A atribuição de conceito foi realizada apenas em uma ocasião, no pré-coc de abril de 2009 do ensino médio. A decisão de fazê-lo em conselho foi tomada no momento da reunião. Em nenhum outro conselho se falou do assunto. Os conceitos da avaliação qualitativa não foram mencionados nos conselhos deliberativos de dezembro nem uma única vez, conforme será dito mais adiante. Os conceitos possíveis são: ótimo (OT), Bom (B), Regular (R), Sofrível (S).
85
Define-se como o colegiado que tem como objetivo avaliar o processo ensino-aprendizagem, buscando identificar e trabalhar as causas que estão dificultando o crescimento intelectual e sócioafetivo dos alunos, assim como destacar alunos com efetivo desempenho acadêmico. (“orientações gerais” – agenda escolar)
A dinâmica dos conselhos foi variada, conforme apresentarei
posteriormente, seja na comparação entre os anos de 2008 e 2009, seja entre as
séries em que se realizaram. Os itens da pauta que estiveram mais presentes
foram:
a - Perfil das turmas. Para termos noção da importância do tema, um dos
agentes escolares entrevistado na pesquisa do SOCED classificou o conjunto de
alunos de cada ano como “safra”, fazendo uma metáfora com as safras de vinho.
Assim, por exemplo, a safra de alunos da turma B do 1º ano de 2007 pode não ter
sido muito boa, mas a do 1º ano de 2009 pode ter sido ótima51. Cada uma tinha
suas características, umas melhores do que outras, formando um conjunto único
pelas suas atribuições.
b – Perfil dos alunos. Foi debatida a situação de aproximadamente metade
dos alunos de cada série. Os critérios de escolha dos alunos avaliados foram
relacionados a problemas de nota ou de comportamento, ou os dois.
c – Estratégias. Finalmente, os conselhos serviram para definir estratégias
para a resolução daquilo que identificavam como problemas das turmas e dos
alunos. Algumas estratégias foram individuais, mas a maioria foi coletiva,
adotadas pelo colegiado no trato das turmas e dos alunos.
Os conselhos que aconteceram em dezembro denominei de deliberativos,
pois foram neles que as aprovações ou reprovações se decidiram. Diferente dos
consultivos, não há uma descrição nas “orientações gerais” sobre o que deve ser
feito nos conselhos deliberativos. Está escrito apenas, além das regras descritas
anteriormente, que
“a recuperação final será facultada somente em, no máximo, duas matérias. Em caso contrário, NÃO OCORRERÁ PROMOÇÃO”. (“orientações gerais” – agenda escolar – grifo no original)
51 Este é um exemplo fictício. As turmas da escola A1 não são denominadas por letras, nem estou me referindo a uma turma que tenha existido.
86
Verifiquei, no entanto, que a função dos conselhos deliberativos de
dezembro é justamente essa: a de verificar quais alunos precisam de ajustes nas
notas para serem aprovados ou para irem à recuperação. Assim, o primeiro conselho
deliberativo aconteceu em dezembro, logo após as provas finais. O segundo
conselho deliberativo ocorreu após a recuperação, também em dezembro. Nele foi
decidido, dentre os alunos que não passaram por nota, em uma ou nas duas matérias
em que fizeram recuperação, quais seriam aprovados e quais seriam reprovados.
Mais uma vez, apresenta-se uma regra não escrita nas orientações gerais.
5.3.1 Descrição geral das reuniões
As reuniões de conselho foram nas salas de aula ou em um auditório com
as carteiras dos alunos dispostas em semicírculo. Os alunos não têm aula em dia
de conselho. Com auxílio de um datashow, foram projetadas as planilhas de nota
com as fotos dos alunos quando estes eram citados. A maioria dos conselhos foi
precedida de uma “pausa”, que é como os participantes chamam uma pequena
reflexão antes do início de qualquer reunião para que o grupo comece a ficar
sintonizado no que vai acontecer.
Nos primeiros conselhos, a “pausa” foi feita pelo SOE e houve a leitura de
um texto do Ruben Alves, que estabelecia uma distinção entre o professor e o
educador. Posteriormente, essa dinâmica foi conduzida pela pastoral, e as leituras
passaram a ter uma base religiosa, às vezes com a oração do pai-nosso ou da ave-
maria; no penúltimo conselho do ano, foi avisado que as pausas passariam a ser
leituras do evangelho. Os professores não discutiram nenhum dos textos,
ocasionalmente houve pequenos comentários para em seguida começar a reunião.
A condução das reuniões foi feita pela parceria da orientação educacional
com o coordenador do segmento52. A supervisora pedagógica compareceu a
algumas reuniões, nem sempre ficando presente durante todo o tempo, sendo que
sua participação, na maioria das vezes, restringiu-se a fazer anotações em um
caderno. Raras vezes manifestou-se sobre os assuntos, quando o fez foi para
52 Houve apenas uma reunião do 8º ano da qual a coordenadora não participou, pois teve de dar aula no mesmo horário.
87
prestar esclarecimentos sobre regras. No organograma, ela ocupa um cargo mais
alto do que as coordenadoras de segmento e as orientadoras educacionais. O reitor
do colégio compareceu a duas reuniões do ensino médio e a uma do ensino
fundamental. Ficou basicamente calado e não fez qualquer anotação. No passado,
o reitor controlava tudo no colégio, mas atualmente há uma delegação de poderes
e sua presença tem uma função simbólica. A nova configuração demarca que a
escola é comandada por essa ordem religiosa.
A reunião é marcada buscando o horário em que haja mais professores na
casa, pois o comparecimento só é obrigatório para aqueles que estão em horário
de trabalho na instituição. As datas são definidas no calendário que é distribuído
para toda comunidade escolar no início do ano. A maioria dos conselhos do 8º ano
do fundamental teve a presença de quase todos os professores. Nos conselhos do
1º ano do ensino médio, houve mais faltas, o professor de Francês não foi a
nenhuma das reuniões, e os professores de História e Geografia só estiveram em
duas reuniões. Os professores cujas disciplinas não têm nota também
comparecem, como é o caso de Educação Física e Estudo Dirigido.
5.3.2 Diferenças entre os conselhos do 8º ano do ensino fundamental e do 1º do ensino médio
Os conselhos de classe do ensino fundamental e do ensino médio cumprem
aparentemente funções diferentes. No fundamental, a escola ainda está
preocupada com a formação dos alunos, com a função pedagógica da escola e, de
certa forma, ainda não tem muitas certezas de quais alunos devem permanecer no
grupo. O debate pedagógico é mais forte, e as questões individuais das famílias
têm um peso maior do que no ensino médio.
No ensino médio a função é outra. Os alunos já são maiores e, portanto,
mais autônomos em relação às suas famílias. O momento da avaliação dos alunos
no vestibular e, consequentemente, da instituição está mais perto. O número de
matérias duplica. A maioria dos professores deixa de ser feminina para ser
masculina. Assim, o ensino médio o sentimento é de uma “corrida de obstáculos”,
na qual alguns alunos vão ficando pelo caminho. Nas palavras dos professores:
88
“entregaram os pontos”. Alguns, inclusive, pedem transferência e escrevem
explicitamente que não se acostumaram com o ritmo de ensino. Parte do que está
sendo feito é relativo à “safra” de alunos que se formará em dois anos e que levará
o nome da escola adiante.
Essa diferença pode ser percebida nas “pausas” realizadas em 2009 para os
primeiros conselhos deliberativos do 8º ano do ensino fundamental e do 1º ano do
ensino médio. No 8º ano, foi feita a leitura do texto evangélico “A cura do
paralítico em Cafarnaum” (Marcos 2.1-12). dando o tom à reunião: todos erram e
devem ser perdoados, emprestando assim um caráter moral ao que estava sendo
feito ali. No conselho do 1º ano do ensino médio, a “pausa” foi a leitura da
celebração de natal, pedindo a Deus que iluminasse todos para que pudessem
atuar com sabedoria. Nos outros conselhos, a “pausa” tinha sido em geral igual
nas duas séries, o que ajuda a construir o significado de cada conselho. No 8º ano,
pede-se aos professores que sejam tolerantes com os alunos. Já no 1º ano, o que se
pede é sabedoria para escolher quem será retido e quem poderá seguir adiante.
Essa tolerância maior do 8º ano também aparece nos números: no ensino
fundamental, houve muito menos reprovados do que no ensino médio. Foram 16
alunos reprovados em 2008, no 1º ano do ensino médio53, e 17 em 2009; no 8º ano
do ensino fundamental, foram 4 em 2008 e 3 em 2009.
Importante salientar que essa diferença apurada nos conselhos não quer
dizer que exista um empenho maior de ensino dos professores do 8º ano ou do 1º.
Em escolas de excelência, como bem explicou Bourdieu, os professores estão:
Pessoalmente interessados no sucesso de cada um dos seus alunos, – pelo menos dos melhores entre eles –, fazendo todas as tarefas implicadas na definição completa do seu papel professoral 54(Tradução minha, 1989, 126).
Os professores sabem que seus alunos são bons, estão acima da média
deste nível de ensino. Uma prova disso é que quando os alunos pedem
transferência, seja por terem sido reprovados, seja por outro motivo, o destino
escolhido não são instituições “pagou-passou”, e sim instituições situadas
igualmente entre as melhores nos rankings elaborados pelo Enem. 53 Em 2008, oito alunos do 1º ano do ensino médio pediram transferência ao longo do ano. 54 No original: “Personnellement intéressés à la réussite de chacun de leurs élèves – en tout cas des meilleurs d’entre eux – , accomplissant toutes les tâches impliquées dans la définition complète du rôle professoral ...”.
89
5.4. Conselhos Consultivos 5.4.1. “Perfis das turmas”
A descrição do perfil das turmas foi um item importante dos conselhos
consultivos de ambas as séries. O serviço de orientação educacional55, SOE,
utiliza essa informação para dar o que foi chamado de “retorno aos alunos” do que
é dito no conselho. Não só do que é dito sobre a turma, como também do que é
dito sobre os alunos. O SOE não tem um horário específico na grade, mas, quando
solicita aos professores, não tem dificuldade em obter espaço para o diálogo. Esse
retorno é feito de forma sistemática. São esses perfis que compõem as qualidades
da “safra” de cada turma.
Os perfis das turmas do fundamental, no entanto, não pareceram
caracterizar uma forma de profecia sobre as futuras reprovações, inclusive porque,
ao longo dos conselhos de 2009, as caracterizações das turmas foram mudando.
Uma delas, por exemplo, em abril, foi considerada como a mais rápida para
começar o trabalho, já no conselho de junho disseram que os mesmos alunos
faziam um teste de paciência aos professores, davam muito trabalho.
Os perfis foram importantes, entretanto, para observar o que a escola
valoriza. De acordo com Bourdieu (1989), as disposições consideradas
fundamentais nas escolas de excelência são a docilidade e a aptidão acadêmica,
sendo que a primeira é quase mais importante do que a segunda. As falas dos
professores traduzem essa preocupação, pois o que é avaliado é a capacidade de
trabalho dos alunos e sua relação com os professores, conforme veremos a seguir:
A. “resistente ao trabalho, mas não hostil”. Os alunos se desorganizam
rápido, apresentam uma “rebeldia vazia”. Adoram conversar com os
professores sobre outros assuntos que não os da aula.
B. A segunda turma foi descrita como “hostil”, disseram que houve uma
mudança na turma em decorrência dos maus resultados nas notas,
“estão sob pressão”.
C. A terceira foi definida como uma turma de “trabalho, amistosa”.
55 Essa informação me foi dada na entrevista que realizei com a orientadora educacional do 8º ano do ensino fundamental da escola.
90
D. Grupo agradável, mas estão entrando na adolescência e “trabalham na
base do chicote”.
Os perfis estabelecidos para as turmas do ensino médio corresponderam,
em parte, à composição das turmas que a escola fez. Como a forma de
agrupamento dos alunos reflete as práticas pedagógicas da escola (Alves e Soares,
2007), levantei qual era o critério.
De acordo com coordenadora pedagógica, as turmas que entram no 1º ano
permanecem unidas até o 5º ano do ensino fundamental. Do 5º para o 6º ano, as
orientadoras do fundamental fazem o que ela chamou de “sociograma”: cada
aluno diz com quem se relaciona bem ou mal na própria turma e nas outras turmas
da série e assim por diante. Do 6º até o 9º ano, as coordenadoras com o SOE
continuam fazendo o “sociograma”, mas também usam como subsídio as
informações obtidas nos conselhos de classe ou em outros espaços, como, por
exemplo, os grupos de alunos que não formam parcerias produtivas. Também
tentam atender pedidos das famílias que versam sobre a facilidade de carona de
um colega para outro, por exemplo, ou então uma mãe que pediu para que seu
filho ficasse em uma mesma turma porque ele tomou gostou pelo estudo com
aquele grupo.
Costuma-se manter as turmas do 9º ano do ensino fundamental no 1º ano
do ensino médio para facilitar a transição de um segmento para o outro, pois essa
passagem é considerada bastante “turbulenta”. Outro critério de enturmação é se
são alunos de período integral ou parcial. Não me foi dito se existe algum critério
especial para os bolsistas.
Pelo critério do “sociograma”, o que parece ser mais relevante é a
socialização entre os alunos. De fato, esse foi um tema bastante comentado, como
veremos nos perfis dos alunos. Pude ver que existia uma preocupação com
aqueles que pareciam solitários e tristes. Até a concentração dos repetentes em
uma turma só teve como explicação a socialização dos alunos. Foi dito que muitas
vezes eles são colocados juntos para terem companheiros na mesma situação e
não ficarem isolados. No caso em tela, contudo, talvez exista uma
correspondência entre esta enturmação e o resultado, pois as turmas do ensino
médio com mais reprovações também foram aquelas com mais repetentes e
consideradas ao longo do ano letivo como problemáticas, conforme veremos a
seguir.
91
A descrição das turmas do ensino médio de 2008 no conselho de classe de
outubro foi muito sucinta. A primeira turma foi considerada “agitada”, a segunda,
“heterogênea” e a terceira, “ótima”. A turma “agitada” foi a que teve mais
reprovações, sete, e foi também a que tinha um número maior de repetentes:56
cinco57. A “heterogênea” teve quatro reprovações e nenhum repetente na turma.
Por fim, a considerada “ótima” teve cinco reprovações e tinha três repetentes.
Em 2009, as descrições das turmas do 1º ano do ensino médio foram mais
longas e podemos dizer que os perfis parecem ter derivado quase que diretamente
do critério de enturmação adotado.
A turma considerada “padrão do colégio” tinha seis alunos oriundos de
escolas públicas que estudam na instituição com bolsa de desempenho
acadêmico58 e nenhum repetente. Reuniam, portanto, as características
preferenciais descritas por Bourdieu (1989): docilidade e aptidão acadêmica.
Consideraram a acolhida da turma muito boa, simpática, parceira. Os professores
tinham prazer de dar aula lá e de corrigir os trabalhos. Por isso cobravam mais dos
alunos, pois eles podiam dar muito. Tinham uma postura mais adulta. Foi a turma
que teve menos reprovados: quatro.
A turma considerada mais complicada tinha o maior número de repetentes
(nove alunos - somando os de 2008 mais os de anos anteriores), também era o
grupo que tinha mais alunos novos. 90% da turma era de alunos que foram do
horário parcial em 2008 e estavam tendo muita dificuldade de se habituar ao novo
ritmo de estudo. Era o grupo também que tinha o maior número de advertências.
A própria orientadora educacional falou que muitos meninos tinham
acompanhamento psicológico, alguns tomando até remédios e as famílias foram
consideradas angustiadas. Os alunos foram descritos como hostis, mas cordiais
entre si. Essa turma foi também considerada heterogênea, alguns alunos
precisariam de paz para expor suas dúvidas e não conseguiam. Maior número de
reprovados: sete.
56 Não mencionei os repetentes no ensino fundamental porque foram poucos. Em 2008, havia três repetentes no 8º ano do ensino fundamental, em 2009, apenas um. 57 Dois ficaram em recuperação, todos foram aprovados. 58 A escola é uma das parceiras operacionais de um programa do Instituto Social Maria Telles (ISMART). Esta organização oferece bolsas de estudos para alunos que despontam nas escolas públicas pelo seu desempenho. Esses alunos frequentam a escola durante um ano à tarde, fazendo uma preparação para fazer a prova de seleção no final do 9º ano, para entrar como um aluno comum da escola no 1º ano do ensino médio.
92
A última turma não teve uma composição marcada por nenhuma
característica anterior. No decorrer dos conselhos, o aspecto que mais se falou foi
sobre a desorganização e a sujeira constantemente espalhada pelos alunos na sala
de aula. Em outubro, foi considerada a mais “agitada” e “imatura”. Os professores
consideraram fácil dar aula lá, pois os alunos eram acolhedores. Para alguns
professores, uns quatro alunos tinham “entregado os pontos” e por isso passaram a
chegar atrasados, a não trazer os deveres de casa. Nesse grupo foram reprovados
seis alunos.
O efeito dos pares ou efeito contextual já foi comprovado na literatura. Os
alunos aprendem não só com seus mestres, mas também com seus colegas. As
características e realizações destes últimos são importantes no desenvolvimento
de cada estudante, (Goldestein, 2001). Vemos que um grupo tanto pode ajudar a
melhorar o desempenho do aluno, como pode piorá-lo, por isso a composição das
turmas é considerado um ponto sensível para o desempenho acadêmico.
De acordo com as pesquisas empíricas59, foi visto que o efeito-turma é
maior do que o efeito-escola. Em outras palavras, há mais diferenças de
desempenho entre as turmas de uma mesma escola do que entre várias escolas. A
razão disso é que há uma grande variação no nível das salas de aula. Essas
discrepâncias se revelam no número de alunos, no conteúdo curricular, nos
critérios de enturmação, no perfil do professor, além das diferenças no
desempenho acadêmico. De acordo com Alves e Soares (2007), os critérios de
composição de turmas colaboram para que diferenças menores entre os alunos se
convertam em grandes diferenças entre os grupos e aumentem a estratificação
escolar. Podemos dizer, portanto, que a construção da turma por habilidades tende
a aumentar os desníveis entre os alunos.60
Não queremos com isso estabelecer uma correlação direta entre a
formação das turmas por habilidade ou nível socioeconômico e seu resultado,
mesmo porque é complicado aplicar a experiência de uma escola em outra (Alves
e Soares, 2007). A enturmação por competências dos alunos pode ter um grande
impacto em um grupo em uma escola e menor impacto em outras, havendo uma
relação com o número de alunos em sala, o número de turmas por escola e até
59 (Creemers; Jonag, 2002; Hallinan, 1994; Lamb; Fullanton, 2002. Apud Alves e Soares 2007). 60 Nas escolas estudadas por Alves e Soares (2007), essas habilidades muitas vezes acompanhavam o nível socioeconômico dos alunos.
93
mesmo quantas turmas a escola tem por nível de competência (Halinan, apud
Alves e Soares, 2007).
Na escola, vemos que colocar juntos os bons alunos, no caso, os bolsistas
por desempenho acadêmico colaborou para formar uma turma dócil e estudiosa. A
reunião dos alunos com as características mais difíceis como os repetentes, alunos
novos etc, no entanto, contribuiu para não ter um ambiente adequado para a
aprendizagem, como os próprios professores falaram. É importante salientar que,
embora os alunos repetentes tenham tido problemas de desempenho, não foram os
que na maioria sofreram novas reprovações. Como veremos nos conselhos
deliberativos, os repetentes ficaram todos em recuperação, mas por serem
repetentes61 obtiveram junto aos professores um olhar benevolente. Podemos
pensar que a estratificação escolar salientada por Alves e Soares (ibid) com a
divisão das turmas por habilidades se operou na escola. Pode ser que essa
estratificação seja um dos mecanismos de corte que a escola opere para selecionar
os bons alunos.
5.4.2 Perfil dos alunos
Minha observação dos conselhos de classe foi uma tentativa de ser uma
taquígrafa do que era dito. Dessa forma, o que mais ficou registrado por mim
foram as expressões adotadas pelos professores para classificar os alunos. Foi
certamente o que consegui captar melhor dos conselhos. Ficou muito difícil,
diante da quantidade de informações que eram ditas, ter uma apreciação melhor
do ambiente, analisar melhor as expressões faciais dos professores, inclusive
porque, como já disse antes, essa minha atitude me ajudou a não ter que trocar
olhares com os professores que tantas vezes me observavam buscando minha
reação com aquilo que estavam dizendo. Fiz tal escolha também porque me
pareceu que as anotações das expressões orais eram bastante expressivas do
comportamento dos avaliadores (professores) o que havia de mais valioso. É claro
que, ao passar a limpo meus apontamentos, consegui desenvolvi minhas próprias
interpretações, mas estas ficaram marcadas pela forma que optei por fazer os 61 Com exceção de um aluno repetente que foi reprovado.
94
registros. Se eu tivesse filmado, como fez Mattos (2005), teria sido possível ter
acesso a mais detalhes do conselho.
Tentei fazer uma correspondência entre a avaliação dos professores nos
conselhos consultivos e a indicação de reprovação, mas nenhuma foi indicativo
seguro de repetência. A única avaliação feita pelos professores que demonstrou
ser uma indicação precisa de insucesso foi o desejo do aluno de sair da escola.
Todos os alunos apontados nessa condição foram reprovados62. Foram oito alunos
no total63. Perguntei se isso era comum à orientadora educacional e ela respondeu
que era uma minoria. Pelo que foi dito, no entanto, esse é um movimento comum
dos alunos que querem sair da escola, cujos pais não concordam com a decisão.
As outras avaliações não foram indicativas de reprovação. Vários alunos
do 8º ano, cujas situações familiares complicadas foram debatidas em outubro de
2008, tiveram mau resultado e ficaram em recuperação. Em 2009, no entanto, dois
alunos que estavam com um familiar doente não foram sequer para recuperação. É
preciso salientar também que não tenho certeza de que todos os alunos com
questões familiares foram mencionados. As orientadoras educacionais várias
vezes preferiram não relatar esses problemas que são da privacidade do aluno e de
suas famílias. Essa, no entanto, não é a percepção dos agentes escolares, como
veremos no item “estratégias”.
Sobre os outros alunos que estavam com problemas de nota, nem as
“profecias” dos professores sobre quem ia repetir ou não se realizaram: um aluno
considerado “safo” foi reprovado e outro considerado sem condições conseguiu
passar de ano. Da mesma forma que alunos observados como fracos, dispersos, ou
com famílias parceiras ou não, todos tiveram destinos variados. Os próprios
professores que arriscaram vaticínios disseram que era difícil de prever o futuro,
pois certos alunos apresentavam uma grande capacidade de superação.
Preciso dizer que a maioria dos alunos citados no conselho de outubro de
fato continuou com problemas de nota. Note-se que no conselho de outubro o
aluno já está com quatro médias, faltando apenas a última avaliação do ano, que
ocorre em novembro para fechar o quadro de notas, o qual define as provas finais
e recuperações. Porém, cinco alunos do ensino médio citados no conselho de 62 Um deles foi reprovado, mas entrou com recurso e acabou sendo aprovado e pediu transferência da escola. 63 Um aluno do 1º ano do EM de 2008, seis alunos no 1º ano do EM de 2009, um aluno do 8º ano do EF de 2009.
95
outubro de 2008 com problemas de nota não foram sequer para recuperação, e o
oposto também aconteceu: alunos que não foram citados em conselhos
consultivos de 2009 foram para a recuperação.
Os alunos que foram definidos como não se enquadrar no “perfil da
escola” não tiveram um resultado final tão ruim. Nessa categoria, estavam
incluídos cinco alunos64. Apenas dois foram reprovados. Um deles tinha o
diagnóstico de TDAH e foi considerado “atendido”, isto é, acompanhado pela
escola e pela família, mas não estava adequado ao nível de exigência da escola. O
outro não queria continuar estudando lá. Dos outros três, apenas um ficou em
recuperação. Este foi considerado por um professor como “descomprometido,
dorme em sala. Postura ruim, até fisicamente ele não está nem aí, não está
preocupado”.
Com os outros alunos considerados fora do “perfil” da escola, o problema
era o “excesso de dinheiro”. Disseram de um deles que tinha uma relação muito
ruim com o dinheiro, já que nada tinha importância, qualquer coisa que ele perdia
podia ter “rapidamente de volta”. Sobre o outro aluno, um dos professores assim o
descreveu:
O pai foi meu aluno. Ele é muito rico, as coisas vão sempre até ele. Mora num apartamento de 1000m², se quer um copo d’água telefona para a empregada. Ele não presta atenção na aula e depois tem “doses cavalares” de aula particular. Disse para ele que o dinheiro não dura para sempre e o aluno ficou muito impressionado com isso.
Poucos alunos com baixo nível socioeconômico também foram citados
com surpresa, até mesmo por estarem na escola. Só não foi feito o comentário que
não faziam o “perfil da escola”. Via-se, no entanto, que eles não faziam parte do
grupo. De acordo com os professores, os próprios alunos se ressentiam da
condição de não ter aquilo de que os outros poderiam usufruir. Essa questão,
disseram os professores, aparecia nessa época da escolarização, o que gerava
insatisfações e problemas de socialização.
Fiz uma listagem dos comentários mais recorrentes, buscando o difícil
equilíbrio de uma síntese, que é garantir o essencial perdendo minimamente a
riqueza das situações a partir das quais se constroem as opiniões dos membros dos
64 Houve um quinto aluno do 1º ano do ensino médio de 2009 considerado fora do perfil da escola, mas o comentário foi feito no conselho deliberativo, que decidiu a sua reprovação.
96
conselhos de classe. Depois de feito levantamento, organizei o material empírico
nas diferentes expressões utilizadas. Observei que estas expressões podiam ser
reunidas em grupos temáticos. Os grupos ficaram assim definidos:
1.Subterfúgios discentes:
Assim designei todas as observações que salientavam atitudes
denominadas por Charlot (2000) como uma “relação instrumental com o saber”.
Alunos que não possuem interesse no conhecimento por ele mesmo, pois têm uma
visão utilitarista da escola.
“Administrando resultado” foi uma expressão que apareceu no conselhos
deliberativo de outubro, tanto no 1º ano do ensino médio, como no 8º ano do
fundamental de 2009. É o aluno que é capaz academicamente, mas não dá tudo de
si. Como foi dito de outro aluno, “contenta-se com a média”, “economiza no
esforço, no empenho”. São alunos que não assumem o projeto de excelência da
escola. De acordo com Bourdieu (1989), nessas escolas existe uma pedagogia que
tenta realizar a concentração de toda a existência dos alunos em torno de
preocupações exclusivamente escolares. O aluno que não está em sintonia é um
problema.
Esses alunos, no entanto, às vezes são limítrofes com os alunos que têm
reais dificuldades acadêmicas. Um deles foi exemplar nesse aspecto. Ele já tinha
sido aprovado em conselho para poder fazer uma recuperação no ano anterior.
Consideraram que essa liberalidade da escola fez com que o aluno ficasse
“relaxado”, apostando na possibilidade de uma nova liberação. O professor,
inclusive, questionava que, se fosse dada uma nova chance que ideia seria criada
junto à comunidade escolar. Outro professor disse que já tinha ajudado
suficientemente e que, a partir de outubro, seria a “lei seca” e ele deveria dar conta
sozinho. Nesse momento, a orientadora perguntou se seria uma falta de esforço do
aluno, ou seria uma dificuldade. A resposta de outro professor iniciou-se com a
falta de esforço, mas terminou falando da dificuldade que o aluno tinha de
perceber seus erros. Ballion (1977) aponta exatamente esta questão: normalmente
o que acontece é que o aluno, diante de dificuldades iniciais, perde o interesse.
Aqui o projeto da escola de excelência opõe-se à situação individual do aluno: ele
será ajudado até certo ponto, depois deverá resolver sozinho, pois é uma escola
exigente, e o aluno tem de estar adequado ao padrão de exigência, conforme
podemos ver na entrevista da coordenadora pedagógica:
97
às vezes, refazer uma série aqui é quando a gente percebe que o menino não está ajustado dentro da exigência que precisa para o colégio. Então meninos às vezes que têm uma dificuldade muito grande de acompanhar uma aula, e de fazer anotações, e que aquilo não é numa determinada disciplina, aquilo é uma questão geral do menino. Agora a escola em nenhum momento diz assim, ele não poderá refazer aqui. O que a gente percebe é que isso tudo é costurado através do serviço de orientação, o olhar da coordenação. Não é que ele não tenha possibilidade, mas dentro da exigência que essa escola tem, quer dizer, ele tem que ter um controle, um autocontrole, uma coisa muito maior do que ele possa oferecer para estar adequado à exigência que a escola tem. Então a gente leva a família a refletir assim, se num outro espaço ele não teria uma tranqüilidade maior para estar gerando aprendizagem para aquele menino; ele não sofrer tanto no sentido de que aquela demanda de exigência ser tão grande para ele, tão grande pra ele, que ele não consegue dar conta. (coordenadora pedagógica do 8º ano do ensino fundamental)
A aula particular é uma estratégia das famílias e dos alunos, tratada de
forma ambivalente pela escola, por isso a coloquei entre os subterfúgios discentes.
Se, de um lado, os professores mencionaram que poderia ser de grande valia para
um dos alunos que foi reprovado no 8º ano de 2008, também falaram que o uso
intensivo de aula particular fazia com que os alunos não se empenhassem durante
as aulas, pois têm a impressão de que estão garantidos com as aulas extras. Outra
demonstração da ambivalência da escola com os professores particulares foi o
comentário da orientadora educacional sobre a mãe que tinha reclamado que não
fora informada da necessidade de seu filho ter aula particular. A orientadora se
perguntou: qual escola diria isso? Podemos pensar que o aluno que precisa desse
expediente não é adequado à escola. É um aluno que demonstra ter dificuldades
maiores, o que não é bom.
“Reclamar por nota” é muito mal visto. Essa expressão não foi levantada
no 8º ano, foi mencionada para quatro alunos do 1º ano do ensino médio. Talvez
porque os alunos mais velhos estejam mais perto do vestibular e saibam que
alguns décimos podem ser a diferença entre o bem e o mal, entre a aprovação e a
reprovação. É um exemplo da aprendizagem centrada no binário aprovação-
reprovação. Foi com grande desagrado que os professores comentaram isso de
seus alunos.
2. Características de resistência
Denominei dessa forma em oposição à disposição considerada importante,
que é a da “docilidade”, conforme Bourdieu (1989). Nenhum dos alunos do 8º ano
98
do fundamental, seja de 2008, seja de 2009, inseridos nessa categoria foi
reprovado. Alguns foram considerados mal-educados ou sem limites. Sobre um
dos alunos, consideraram que seu comportamento era devido ao fato de ter
dinheiro, “se garante por isso”, não tinha limites. Sobre um deles, o comentário
foi feito e, em seguida, foi dito que o pai era grosseiro e indelicado. Quanto aos
outros, os comentários foram centrados nos alunos. Apenas um foi para a
recuperação.
No ensino médio, apareceu o seguinte dado: 18 alunos foram descritos
com os adjetivos “cínico”, “arrogante”, “dissimulado”, “sonso”, “camuflado”.
Três foram reprovados. Nenhuma dessas características foi conectada com a
família, o comentário era centrado no próprio aluno. Nem todos os professores
concordavam com o que era dito. A discrepância fez com que um dos professores
falasse para o outro se aproximar do aluno, pois ele era um bom garoto.
Apenas um dos alunos considerado “inteligente, mas brinca demais” foi
reprovado. Ele teve também problemas disciplinares e foi inclusive suspenso por
dois dias. Esse tipo de comentário foi feito com mais frequência pelo grupo de
professores do ensino fundamental. Uma das professoras falou “fico doente de ver
os meninos que podem e não se esforçam”.
3. Aspectos da sociabilidade
A socialização dos meninos, isto é, a maneira com que se relacionam entre
si, foi vista como muito importante. Vimos que a escola está preocupada com isso
desde a construção das turmas. A literatura aponta que, apesar da importância das
características socioeconômicas e individuais na predição da probabilidade de
repetir, vemos que as variáveis de aceitação pelos colegas e a saúde emocional do
aluno são distintivas na capacidade de discriminar repetentes de não repetentes
(Jimerson e outros, 1997).
O bullying escolar é um problema no mundo inteiro e a escola parece estar
atenta a esse tipo de situação. A orientadora educacional mencionou que é um
problema difícil de lidar, porque, se é dito algo ao grupo, pode haver retaliação.
Além disso, tem de haver uma “implicação do aluno no problema”. Disse que a
atuação dos professores é muito importante.
Para três meninos foi dito pelos membros do conselho que eles estavam
sofrendo bullying ou assédio, um deles foi reprovado, estava também isolado e
99
triste. Outros também sofreram constrangimentos, como a imposição de apelidos,
mas não foi falada a palavra assédio, e por isso incluí esses casos entre os que
tinham problemas de socialização. Apenas um aluno foi responsabilizado por
assediar outros alunos. Ele ficou reprovado em 2008 e, em 2009, foi aprovado em
conselho.
Nas expressões sobre “problemas de socialização”, inseri os alunos que
foram descritos como discriminados ou isolados do grupo, num total de 19. Dois
desses foram reprovados: a turma considerava o primeiro “burro”, e o segundo
irritava os colegas com suas perguntas desconexas. Outros motivos listados para a
discriminação foram ser novo no colégio, ser considerado gay, ter diferenças
econômicas em relação aos outros, ou sua atitude não ser considerada adequada.
Sobre alguns foi apenas dito que não eram acolhidos pelo grupo.
Sobre os alunos considerados como “triste”, “solitário”, “muito fechado”,
“tímido”, na maioria das vezes, não houve uma explicação maior para esse
comportamento, apenas o comentário. Nessa categoria, foram inseridos 17 alunos.
Desses, seis foram reprovados, um deles queria sair da escola.
4. Déficits dos alunos
Nessa categoria, inseri as qualidades que eram atribuídas aos alunos que os
tornavam menos competentes para as tarefas acadêmicas. Na maior parte das
vezes, o aluno apresentava um problema em conjunto com outros.
Vários alunos foram considerados “fracos”, ou então se comentava que
“estuda, mas não consegue”, ou tinham “dificuldades”, ou problemas com
“limites”. Uns foram aprovados fazendo apenas as provas finais, outros foram
para recuperação e três foram reprovados.
Outro grupo salientado nos conselhos foi o dos que “tinham diagnóstico”.
Sobre uns alunos, foi dito claramente que o problema era, muitas vezes, TDAH65,
outro tinha síndrome de Tourette, para muitos era dito apenas “tem diagnóstico”.
Alguns tomavam medicação. Dois foram reprovados, mas outros foram
aprovados.
Uma grande reclamação dos professores, no ensino médio, foi a
imaturidade dos alunos, denominados por vezes de “infantis”. De acordo com a
65 Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade.
100
fala dos professores, os alunos vêm para a escola cada vez mais imaturos. Um dos
professores disse que, no passado, a maioria dos alunos do 1º ano do ensino médio
chegava à escola sozinho; hoje em dia, a maioria vem acompanhada pelos pais.
Apenas um aluno com essa característica foi reprovado posteriormente.
5. As famílias
As famílias, como veremos na descrição das estratégias, são consideradas
fundamentais para o bom desempenho dos alunos. Os comentários foram sobre
separações, doenças, relações familiares complicadas, famílias com dificuldades
financeiras, “ausentes”. Famílias que “cobram muito dos filhos”, famílias que
“trabalham demais” e não conseguem acompanhar os filhos. Famílias que
consideraram que os filhos “não davam conta da escola”. Todos esses comentários
foram distribuídos de forma aleatória entre os alunos que ficaram em recuperação,
que foram reprovados ou aprovados. Não foi possível estabelecer nenhuma
relação. Dos 40 alunos reprovados nas duas séries, nos dois anos observados, 21
tiveram comentários sobre as suas famílias nos conselhos consultivos. Apenas
duas famílias dos alunos reprovados foram descritas como “ausentes”66, outras
seis foram descritas como parceiras, dando suporte ao que a escola pedia. Uma
das mães, inclusive, pediu licença do trabalho para poder acompanhar melhor o
estudo do filho. Em entrevista a própria orientadora educacional do 8º ano do
ensino fundamental considerou as famílias e o apoio que elas dão para a escola
como uma das chaves do sucesso da escola A1.
6. Relação com a escola
A relação do aluno com a escola e com os professores também foi
mencionada várias vezes. Ainda se comentou sobre atrasos e faltas e do interesse
do aluno pelos estudos.
A seguir, apresento o quadro síntese com as expressões subdividas em
grupos temáticos, com exemplos dos perfis feitos pelos professores.
66 Uma família de um aluno aprovado também foi descrita ausente, assim como de um aluno que ficou em recuperação.
101
Subterfúgios
Discentes
Administrando resultado, contenta-se com a média, “economiza no
esforço, no empenho”
Tem aula particular
Reclama de nota
Cola
Características
de resistência
“Cínico”, “arrogante”, “dissimulado”, “sonso”, “camuflado”
“Indisciplinado”, “menino difícil”, “mal-educado”
Inteligente, mas brinca demais; “é uma Mercedes-Benz sem gasolina”
Sonolento
Fala demais
Brinca, “atrapalha a aula”
Aspectos da
Sociabilidade
Sofre “bullying”
Problemas de socialização; “não tem amigos”; “é isolado do grupo”;
“não gosta de interagir”
“triste”, “solitário”, “fechado”, “assustado”
Assedia os colegas
Turma boa
Turma ruim
Déficits
“tem diagnóstico”, alunos com TDAH e outros
“dificuldades”; “limites”; “mistura chuchu com cenoura”
“estuda, mas não consegue”; “é esforçado, mas é limitado”
“fraco”, “devagar quase parando”
“disperso”; “distraído”
“Imaturo”, “infantil”
“não faz perguntas, não tira dúvidas”
“não entrega os trabalhos”
“desorganizado”
Nervosismo, ansiedade em dias de prova
É repetente, ou já teve alguma aprovação em conselho de classe
Inadequado, “não tem perfil do colégio”
Família
Parceira – colabora com o trabalho da escola, ou foi descrita de forma elogiosa: “jurado de morte pela mãe”, isto é, a família estava atenta Com problemas pontuais: doença, separação ou morte
Não apóia a escola ou foi descrita com ressalvas: “pais velhos”, “mãe depressiva”, “um dos problemas do menino é a mãe” Nível socioeconômico alto
Nível socioeconômico baixo, bolsista
102
Comentário neutro sobre a família
Movimentos
O desempenho do aluno melhorou
O desempenho do aluno piorou
“safo”, “malandro”, “se estudar passa”
“vai repetir”; “não acredito no poder de recuperação”
“lacuna”, “não agüenta o próximo ano”, “não tem repertório para o ano seguinte”
Relação com a
escola
“quer sair da escola”
Relação boa com os professores
Relação ruim com os professores, “agressivo”
“sem interesse pela escola, notas ruins”, “sem esforço”, “abandonou os
estudos”
“as regras não são para ele”
Atrasos e faltas
Elogios Elogios de qualquer tipo: “bom nos esportes”, “malandrinho simpático”, “cordial”, “voz linda de locutor” etc.
5.4.3 “Estratégias”
Dentro da definição do conselho de classe, vemos que o próprio conselho
seria a primeira estratégia para tentar melhorar o desempenho dos alunos. Nos
conselhos consultivos do 8º ano do fundamental, o espaço reservado para pensar
as estratégias específicas, após a fala de cada turma, foi garantido tanto como
ponto de pauta, isto é, havia um momento para falar sobre isso, como também os
professores dividiram suas experiências sobre como faziam para estimular seus
alunos. Já nos conselhos do 1º ano do ensino médio, foi um item menos
importante, como veremos a seguir.
A análise dos conselhos de classe permitiu observar como em outros
trabalhos (Mattos, 2005; Prado, 2005; Sá Earp 2006; Santos, 2007) que os
professores nos conselhos consultivos pouco ou nada falam do processo de
ensino-aprendizagem. Estratégias mais específicas para aprendizagem só
aconteceram em um conselho para uma turma do 8º ano. No conselho de outubro
de 2009, foi combinado que os professores deveriam investir na leitura, porque
parecia ser um problema recorrente entre os alunos. Nesse mesmo conselho, a
103
coordenadora pedagógica levantou que os professores deveriam ter um olhar
diferenciado, personalizado dos alunos. Quando um professor disse que não sabia
fazer atividades individuais que estivessem inseridas no coletivo, ela explicou
como poderia ser feito. A sugestão, no entanto, não foi bem recebida por todos,
um dos professores salientou que ficar “na cola” poderia gerar incômodo para
alguns dos alunos. No ensino médio não houve nenhuma discussão sobre isso.
A estratégia mais significativa nas duas séries é chamar os pais para uma
conversa. Isso é uma regra. A orientadora educacional falou em entrevista que, ao
constatar o mau desempenho do aluno, a primeira coisa a ser feita é telefonar para
os pais. Faz parte da rotina do seu trabalho. Em Mandelert (2005), observamos a
mesma estratégia em outra escola de prestígio do Rio de Janeiro. A psicóloga da
escola estudada chamava os pais quando verificava diminuições na média ou
problemas de comportamento, pedindo o comparecimento de ambos.
Perrenoud (2001) salienta que a escola espera que a família seja responsável
por seu filho dentro do contexto escolar, pois a escola trabalha com as famílias de
forma interdependente. A instituição escolar tem a expectativa de que seu trabalho
seja auxiliado e reforçado pela atitude das famílias, tanto no aspecto cognitivo como
no comportamental. As famílias devem ter, portanto, a capacidade de acompanhar
os filhos na escola. Como foi dito sobre um dos alunos reprovados no ensino médio
no conselho de outubro: ele morava na Rocinha com o pai e uma madrasta, e estes
não tinham uma escolaridade que permitisse ajudá-lo nas suas tarefas escolares.
Ainda que não tenha sido possível verificar uma correlação nas minhas
observações entre a parceria da família e o aluno ser sido reprovado ou não, essa é
uma representação muito forte entre os agentes escolares, como vemos na fala da
orientadora em um dos conselhos consultivos:
“Ando fazendo uma aposta: quando a família apoia, faz toda a diferença. Se a mãe não tem uma relação de respeito e consideração com a escola, faz muita diferença; é claro que tem a parte do sujeito, do desejo, do querer, mas essa afinidade é muito importante.” (orientadora educacional, 8º ano do ensino fundamental).
A fala dos professores do ensino médio corrobora essa impressão: “parece
que todo menino bom tem boa família”, “nasce em família”. A família, de
qualquer modo, é considerada a grande responsável pelo desempenho do aluno. A
104
orientadora educacional do 1º ano do ensino médio declarou em conselho, falando
sobre alunos que estavam com problemas de nota:
“Não podem (as famílias) apontar as setas pra a escola, não é a escola que tem que dar conta. Tem que devolver para os alunos e famílias. Não é a escola que tem que dar conta”. (orientadora educacional, 1º ano do ensino médio)
A indicação de terapia pelo SOE também ocorreu, mas para muito poucos
e, em geral, para aqueles que tinham dificuldades de relacionamento com o grupo.
Esse direcionamento é diferente do que foi visto por Mattos (2005) e Sá Earp
(2006), nos quais se observa que a solução da maioria dos problemas era fora da
escola, com o encaminhamento para tratamentos variados. Talvez essa diferença
possa ser explicada pela faixa etária do primeiro segmento do ensino fundamental
pesquisada nos dois estudos.
De qualquer forma, a impressão que se tem é a de que muitas famílias já se
antecipam ao encaminhamento escolar. Quando algum diagnóstico foi informado,
como foi o caso de um aluno portador de TDAH, os professores não ficaram à vontade,
um considerou que o diagnóstico poderia transformar-se num “rótulo”, o que foi
considerado prejudicial. Esse tipo de diagnóstico poderia fornecer uma “desculpa” ao
aluno para que não houvesse uma adesão total ao projeto de escola de excelência.
Outra estratégia foi ter um discurso único, isto é, além do SOE, os próprios
professores darem um retorno para as turmas, para reforçar o que foi dito em
conselho. Até na situação da possibilidade de fazer um elogio, foi uma decisão em
conjunto no colegiado para fazê-lo ou não.
A estratégia mais usada após a discussão sobre cada turma, no 8º ano, foi a
mudança de lugar dos alunos; já no 1º ano, foi bem menos utilizada. No 8º ano, a
reorganização do mapa de lugares da sala de aula foi feita por um dos professores
presentes, durante a reunião, e repassada depois aos outros para ser aprovada. A
localização do aluno em sala de aula foi considerada muitas vezes como sendo a
causadora dos maiores problemas. Esse dado é interessante, porque essa variável
foi pouco medida na literatura sobre desempenho. O que se estuda geralmente é a
composição das turmas, mas não a localização do aluno na turma.
Para uma turma, a equipe combinou que incentivaria os bons alunos a
reagirem aos maus alunos. Em outra, combinou-se que seriam valorizadas as
lideranças positivas no grupo.
105
Em 2008, no último conselho de classe, os professores pediram que fosse
feito um breve histórico dos alunos67, considerando que a falta das informações
atrapalhava um possível trabalho preventivo com os que tivessem problemas de
aprendizagem. Houve uma discussão à época se as informações não poderiam
deixar os alunos “marcados” pelos professores, mas a decisão foi que eles não
seriam influenciados. Assim, em 2009, o documento ficou na sala da
coordenadora à disposição dos professores. Também foi usado no conselho de
outubro, quando a orientadora leu informações resumidas sobre a família dos
alunos e seus desempenhos acadêmicos anteriores.
A conversa particular com um aluno foi uma sugestão de conduta por parte
do SOE para um professor, também utilizada por outros professores
espontaneamente, e denominada de “conversa no cantinho”.
Alguns professores falaram sobre suas próprias estratégias para estimular
os alunos:
a) Comentários nas provas – um professor disse que a cada prova
escrevia bilhetinhos para os alunos comentando o resultado. Em uma
das provas, em vez de escrever, pediu aos alunos para pensarem o que
deveria ser escrito no bilhete.
b) A conversa particular com determinados alunos com problemas de
nota ou comportamento foi mencionada por vários professores. Um
deles tinha até uma denominação para essa estratégia, que era falar no
“cantinho”. Mais uma demonstração de empenho pessoal desses
profissionais no projeto de excelência escolar da instituição.
c) Alunos como monitores - outra estratégia utilizada foi a designação de
alguns alunos como padrinhos de outros, para ajudá-los nos estudos.
d) Atenção individualizada - um dos professores falou de contato pessoal
que teve com um aluno e depois mandou trabalhos por escrito
específicos para esse menino.
e) Nota - a nota foi comentada por dois professores. Um falou que evitava ao
máximo dar nota zero, porque acreditava ser um desestímulo ao aluno. Já
outro professor falou que um determinado aluno precisava de umas notas
67 Não foi dito o que constaria no documento, mas pelas informações que passaram a ser dadas em 2009 vi quer era: o ano de entrada na escola, trajetória escolar, referências familiares, possíveis problemas de desempenho, familiares etc.
106
vermelhas para saber que não é tão bom quanto pensava e que quase deu
nota baixa para ele aprender. Falou desse seu ponto de vista para outros
três alunos. Em uma dessas situações, inclusive, incitou outros professores
a agirem da mesma forma: “é bom começar a espremer”. Não sei qual é a
postura dos demais sobre o tema, pois ninguém verbalizou da mesma
forma. As notas, sem dúvida, têm um efeito forte sobre os alunos, pois o
que foi levantado como motivo na alteração do comportamento dos
alunos de uma das turmas foi justamente o mau resultado nas notas. De
acordo com os professores, os alunos teriam ficado “sob pressão” e isso
teria gerado a mudança positiva. Sá Earp (2006) também identificou o uso
da nota como forma de monitoramento do aluno. No caso, dar nota baixa
serviria para “assustar” o aluno ou para “prevenir” um desempenho
indesejável nos bimestres seguintes.
f) Elogios - um dos professores falou que a atitude do aluno mudou
depois de ter recebido um elogio seu.
g) Auto-avaliação – a professora de Estudo Dirigido fez com os alunos
uma auto-avaliação que ela considerou muito eficaz, continha itens
como higiene pessoal, relação com os professores, com os outros etc.
h) Afeto – um professor do 1º ano do ensino médio comentou numa pausa
do conselho que ficou impressionado com a importância do afeto com
os alunos. Disse que bastava tocar no braço que eles se
“desmanchavam”. A orientadora educacional concordou, dizendo que,
de fato, vários alunos estão muito sozinhos e que a demonstração de
afeto é realmente importante, repetindo essa fala durante o conselho.
i) O professor de Educação Física relatou que estava tendo muitos
problemas com o aquecimento antes das atividades desportivas, pois os
alunos não estavam querendo fazer. Para resolver o problema, os
professores elaboraram uma apostila na qual estavam escritas as razões
científicas de se fazer um aquecimento.
107
5.4.4 Zona de desconforto
Os conselhos consultivos do ensino médio de 2009 tiveram algo a mais do
que as dinâmicas dos outros conselhos, pois houve um espaço para o debate sobre
as avaliações que estavam sendo feitas pelos professores. Pude ver que existe uma
preocupação manter os alunos no que denominei de zona de desconforto,
conforme descreverei a seguir.
No conselho de junho, o coordenador do ensino médio pediu para que o
professor de Matemática explicasse porque seus alunos ficaram com média 3,4. O
pedido não foi nada agressivo, foi apenas uma explicação que qualquer
profissional teria que fazer se os resultados não fossem dentro do esperado. A
explicação dada foi a mudança na estruturação do currículo no ensino médio, pois
decidiram colocar Geometria e Análise Combinatória, matérias ensinadas
tradicionalmente no final do ano, para o início. Essas matérias têm um grau de
dificuldade maior, pois não têm o algoritmo, isto é, não têm uma “fórmula” para
solucionar os problemas, é necessário fazer análise, o que é mais difícil.
Outro problema foi que a prova, que normalmente era no sábado, teve de
ser durante a semana. Além disso, o tempo da prova foi menor do que deveria ser.
Disse ainda que esse resultado não havia comprometido a relação dos alunos com
os professores. O professor salientou que a nota da maioria dos alunos já tinha
aumentado e a média tinha subido para 5,2. Declarou também que as famílias
tinham sido avisadas, embora não tenha explicado como isso foi feito nem o que
tinha sido avisado.
Um argumento a mais utilizado para explicar o mau resultado foi que,
tradicionalmente, no primeiro momento do ensino médio, as notas são mais
baixas, mas não disse a razão disso. O que preocupava esse professor eram
aqueles alunos que ainda não tinham conseguido se recuperar e estava sendo feito
um trabalho específico com eles para isso acontecer. Dada a explicação, o
conselho seguiu adiante dentro do planejado e não se voltou mais ao assunto.
No conselho de outubro, o coordenador pedagógico mostrou com um
gráfico de colunas como tinha sido o desempenho das turmas. Salientou que todas
108
as médias das disciplinas estavam acima de 568, que é o que a escola está tentando
ter como mentalidade. Em seguida, veio o pedido de explicação para a professora
de Química sobre as médias altas dos alunos naquele bimestre (a média das
turmas nessa disciplina tinha sido sete), alertando, no entanto, que isso não era um
problema. Apesar do aviso, a resposta foi dada com certo constrangimento, a
melhora das médias teria sido em decorrência do menor número de alunos em
sala, o que “facilitava e muito” o trabalho escolar.
De acordo com a professora, foi possível fazer muitos exercícios e
arguições com os alunos. A prova tinha sido feita com questões de vestibular.
Provavelmente, para acalmar o coordenador, e talvez a si própria, a professora
disse que na próxima prova “tiraria o ‘pé do freio’ para que os alunos não
ficassem ‘muito soltos’, haveria um ‘aperto’”. Ela mesma tinha ficado assustada
com a média 7,4 de uma das turmas. Como o coordenador não retrucou nada,
parece que a resposta foi considerada satisfatória, portanto tudo indica que a
atitude correta para o grupo seria pressionar os alunos nas avaliações futuras. O
exemplo apresentado pela professora – dar mais exercícios e fazer mais arguições
– não foi utilizado como exemplo para os outros professores.
Com essas duas situações, vemos que a escola considera que o ideal é
manter as médias um pouco acima de cinco. Convém entender a lógica das notas
nesse momento. O aluno, para ser promovido, precisa atingir em cada matéria:
- média anual maior ou igual a 7,0 – promovido;
- média anual maior ou igual a 3,5 e menor que 7,0 – prova final;
- média anual maior que 2,5 e menor que 3,5 – direto em recuperação, sem
direito à prova final (no máximo em duas matérias);
- média anual menor ou igual a 2,5 – não promovido (sem direito à prova
final e à recuperação final);
- para ser promovido na prova final é necessário em cada matéria obter uma
pontuação maior ou igual a 2,5 e [(média anual x 7) + (Prova Final x 3)]÷10 ≥ 5,0;
- para ser promovido na recuperação, o aluno precisa obter em cada
matéria a média maior ou igual a 5,0, de acordo com o seguinte cálculo: [(média
anual x 6) + (Prova de recuperação x 4)]÷10 ≥ 5,0.
68 A média geral de todas as turmas foi de 6,2.
109
Como para ser promovido o aluno tem que ter média sete, podemos ver
que, ao manter as notas em torno de cinco, a escola garante que a maioria dos
alunos precisará fazer as provas finais. Além disso, mantêm os alunos em uma
zona de desconforto, pois sabem que não estão com um resultado garantido para
serem aprovados. Provavelmente, ter médias muito baixas não interessa, pois
exclui mais do que é necessário. Ter os alunos com a média maior do que sete
também não é bom, mesmo que isso tenha sido o resultado de um bom trabalho
pedagógico, calcado em exercícios e provas adequadas ao que os alunos irão
enfrentar nos vestibulares. Uma escola de excelência, além de ter alunos com
ótimos desempenhos, precisa para se distinguir formar poucos alunos. Talvez
possamos fazer aqui um paralelo com as escolas preparatórias estudadas por
Bourdieu (1989) e a manutenção da zona de desconforto seja apenas mais uma
das práticas de construção da excelência.
Na escola A1, como naquelas pesquisadas por Bourdieu (1989), vê-se a
definição de cultura e do trabalho intelectual subordinado aos imperativos da
urgência. Por intermédio de uma série de práticas institucionais, incitações,
constrangimentos e controles, a existência dos alunos fica concentrada em torno de
preocupações exclusivamente escolares. Na escola A1, seria o perigo da reprovação.
Uma das formas de manter os alunos em zona de desconforto pode ser
exemplificada em dois depoimentos de professores sobre uma turma considerada
melhor do que as outras. Ambos revelaram que tinham um padrão de cobrança
maior com essa turma, por isso, na comparação, a melhor turma não tinha médias
muito melhores. O perigo da reprovação deve ser mantido constante para todos.
Essa interpretação, portanto, não entra em desacordo com a pedagogia da
repetência referida por Costa Ribeiro (1991). Antes, podemos, como assinalou
Eisemon (1997), correlacionar a pedagogia da repetência à tradição francófona, na
qual existe uma equiparação de seletividade com altos padrões educacionais, pois
um alto nível de fracasso significa rigor e altas taxas de desempenho. Ou como
Emerique (2008) definiu: excelência acadêmica deriva de seleção escolar e,
portanto, a reprovação é constituinte da construção da excelência.
Nesse sentido, as falas dos professores no conselho de classe de junho de
2009 do ensino médio ajudam a ilustrar essa perspectiva. Os professores foram
dizendo um a um como estavam vendo o desenvolvimento dos alunos. Nesse
contexto, um deles falou que talvez a exigência da escola fosse grande demais. De
110
acordo com ele, os alunos queriam ser crianças e os professores queriam que eles
fossem adultos. Terminou falando que talvez o desejo da escola de ser a primeira
no Enem estivesse fazendo mal aos alunos. O depoimento desse professor indica
que a exigência da precocidade dos alunos faz parte dos esforços realizados para
que a escola tenha uma boa colocação no Enem.
A fala do um professor logo em seguida demonstra, no entanto, como a
lógica da reprovação faz parte da lógica escolar. Ele disse que não via o mesmo
problema do exagero na demanda sobre os alunos, pois para ele “era só um
processo: um grupo vai conseguir e outro não”. Esse corte faz parte do mecanismo
escolar, pois como disse ainda outro professor, determinados alunos seriam
“expelidos naturalmente”.
A reprovação, portanto, é parte inseparável do ensino em muitas das
“instituições de excelência” como vimos nos capítulo 3. Um dos maiores
estímulos para que os alunos estudem é o permanente perigo da reprovação, mais
do que qualquer outro. A mesma apreensão é reforçada nos pais. No decorrer da
mesma reunião, quando estavam discutindo as estratégias de como alertar o mau
comportamento dos alunos aos pais, um professor disse que
é necessário sinalizar, sim, existem as peneiras, sim. Tem que ter argumento, quando chega o mês de setembro, os pais vêm discutir quando o perfil da reprovação começa a ser delineado. (grifo meu)
Nesse depoimento, podemos ver a naturalização do corte, denominado aqui
de “peneira”, e como os pais devem ser mantidos cientes da possibilidade de
reprovação. O coordenador pedagógico afirmou, inclusive, que as famílias esperam
ser avisadas, mesmo recebendo o boletim e vendo que as notas do filho não são boas.
A manutenção na zona de desconforto, ou sob os imperativos da urgência,
pode ser vista na organização do calendário de provas. Nos três anos do ensino
médio, vemos que, durante o ano letivo, a maioria dos sábados é dedicada às
provas. Os sábados em que não estão programadas avaliações são os que ficam no
meio de um feriado, logo, em alguns meses, os alunos têm provas todos os sábados.
Essa linha de corte ainda pode ser percebida em outra situação. Durante o
conselho de classe de outubro de 2008, em meio aos comentários sobre um aluno, a
coordenadora pedagógica do ensino médio pediu sugestões para a montagem das
turmas no ano seguinte. Um professor perguntou quantas seriam, ela disse que duas,
111
provavelmente. Ainda estávamos em outubro, o resultado dos alunos não havia
chegado para a reunião, portanto não havia um quantitativo dos alunos que estavam
com problemas. Sua resposta deve ter tido por base o que ocorre todos os anos, isto é,
na passagem do 1º ano para o 2º, a escola perde mais ou menos uma turma de alunos
que se transferem, ou são reprovados, ou ainda são reprovados e se transferem. É o
que já vimos no capítulo 4 com a análise dos ciclos de série das duas escolas.
Essa supressão de turmas conforme vai se elevando o nível de ensino
também foi verificada por Prado (2005) na etnografia feita em outra escola
particular de prestígio do Rio de Janeiro. Na instituição pesquisada, havia 18
turmas de ensino médio, sendo que sete de 1º ano, seis do 2º ano e cinco do 3º.
Todo ano, o equivalente a uma turma é reprovado, além dos que pedem
transferência ao longo do ano letivo.
Interessante notar que esse corte de alunos não é feito a partir de um
quantitativo fixo, isto é, os professores não chegam ao final do ano querendo
cortar uma turma inteira, ou 20% dos alunos. É um processo naturalizado que,
provavelmente, é uma decorrência do efeito de Posthumus:
qualquer que seja a distribuição das competências no início do ano escolar, a distribuição das notas no fim respeita grosso modo uma forma gaussiana (forma de curva normal). (apud Crahay, 68, 1996)
Em outras palavras, não importa quais alunos estão inseridos no grupo, os
professores têm a tendência de, ano após ano, conservar a mesma distribuição de
notas na forma de uma curva normal. Assim, dentro dessa distribuição sempre se
pode reprovar os que ficam com as piores médias, pois o aluno é avaliado em
relação aos seus colegas, mais do que em relação a um conteúdo. Com isso, é
importante notar que um aluno pode ser mediano em uma turma e ruim em outra.
Essa mudança de inserção faz com que ele possa ser aprovado em um contexto e
reprovado em outro.
É por esse efeito que a escola consegue manter o número de alunos sempre
dentro de um padrão. Os professores sabem que em determinadas séries devem
ser mais rigorosos do que em outras. Eles mesmos identificam que existem as
peneiras e consideram que a seleção é inerente ao processo pedagógico.
6 Aprovações e Reprovações: conselhos deliberativos
6.1 Descrição geral
Os conselhos deliberativos, que ocorrem em dezembro, são a instância de
decisão das aprovações e reprovações dos alunos que não alcançaram a média
para aprovação depois das provas finais.
Assim, o primeiro conselho deliberativo aconteceu em dezembro, logo
após as provas finais. Relembro aqui que, de acordo com as regras de promoção
da escola, é permitido ficar apenas em duas matérias em recuperação. Os alunos
que são reprovados e os que ficam em recuperação são discutidos em conselho.
Caso o aluno fique em três matérias, pode receber um ajuste na nota para poder
fazer a recuperação. É importante salientar que essa regra não está escrita nas
orientações gerais69 citadas anteriormente. Do texto consta: “a recuperação final
será facultada somente em, no máximo, duas matérias. Em caso contrário, NÃO
OCORRERÁ PROMOÇÃO”.(grifo no original).
O segundo conselho deliberativo ocorre após a recuperação, também em
dezembro. Nele é decidido, dentre os alunos que não passaram por nota, em uma
ou nas duas matérias em que fizeram recuperação, quais poderão ser aprovados e
quais serão reprovados. Mais uma vez é uma regra não escrita nas orientações
gerais.
O ritual do conselho deliberativo consistiu na nomeação dos alunos,
seguida da exposição em datashow de uma planilha com o resumo das notas e da
foto do aluno. Os professores falavam o que lhes parecia pertinente, conforme
apresentarei adiante. Depois era tomada a decisão: no 8º ano, sempre por
consenso; no ensino médio, por votação. Em entrevista com a orientadora
educacional do ensino fundamental, comentei essa diferença entre os conselhos de
cada segmento. Ela disse que provavelmente o certo seria fazer por votação, mas
as decisões nos outros encontros continuaram a ser por consenso.
69 Relembro que as “orientações gerais” estão escritas na agenda anual distribuída para toda a comunidade escolar.
113
A escola tem um documento que a família e o aluno devem assinar caso
ocorra uma aprovação em conselho. Nele, o responsável declara estar ciente da
aprovação pelo Conselho de Classe Final e que será necessário o
acompanhamento acadêmico do aluno naquela disciplina, no ano seguinte. De
acordo com a orientadora, o documento mais do que representar uma obrigação
que a escola imputa à família, representa uma advertência da fragilidade do aluno
na matéria.
6.2 Uma escola menos “excludente”
As reprovações já eram esperadas, conforme vimos nas análises de ciclo
de séries do capítulo 4. Em 2008 e 2009, as reprovações do 1º ano do ensino
médio mantiveram-se no mesmo patamar dos ciclos de série de 1996/2006 e
1997/200770, com 16 reprovados em 2008 e 17 em 2009. No 8º ano do ensino
fundamental, no entanto, ela foi menor. De fato, se nos anos das análises a escola
tinha reprovado sete, quinze, seis e onze alunos no 8º ano, foram apenas quatro
alunos no ano de 2008 e três no de 2009.
Acredito que essa variação seja decorrência de uma mudança interna que
vem acontecendo ao longo dos últimos anos na instituição. Não me dei conta de
que a minha escolha tinha se baseado em dados de 2001, 2002, 2003 e 2004, que
foram os anos correspondentes ao 8ª ano das análises de ciclo de série que
realizei.
Caso fosse adotado o critério antigo, que era exclusivamente pela nota,
teria havido pelo menos quatro reprovações a mais nos dois anos observados do 8º
ano do ensino fundamental. A diferença no ensino médio seria ainda maior:
seriam pelo menos nove reprovações a mais em 2008 e mais 16 em 2009,
contabilizando os ajustes feitos nos dois conselhos deliberativos em cada ano.
De acordo com a supervisora pedagógica, a escola está paulatinamente
introduzindo desde 2001 uma dimensão qualitativa na avaliação dos alunos. É
uma tentativa de sair da “nota fria”, que, no passado, decidia tudo. Para explicar o
70 O número de reprovados nas análises de ciclos de série no 1º ano do ensino médio foram 21 alunos no ciclo de 1995/2005 e 27 no ciclo de 1998/2008.
114
que acontecia, ela me relatou que muitos alunos eram reprovados por meio ponto
em uma matéria. Havia pouco diálogo com os pais, e, se a família não estivesse
satisfeita com a escola, deveria retirar seu filho do estabelecimento. Ela salientou
que o resultado da mudança na forma de avaliar dos alunos pode ser visto na
formatura de três turmas no ensino médio em 2009.
Numa tentativa de entender o porquê dessa mudança, perguntei, nessa
mesma entrevista com a supervisora, se isso não estaria ligado a uma decisão
administrativa pela diminuição expressiva no número de candidatos interessados
na escola. No passado, de acordo com os depoimentos de vários profissionais, o
dia de inscrição era um só e apenas para determinadas séries. A fila de inscrições
para a escola dava “volta no quarteirão”. Atualmente são vários dias de inscrição e
em todas as séries há entrada de novos alunos. Essa informação, aliada ao
conhecimento do perfil do novo gestor da escola, marcadamente uma pessoa que
se importa com a boa administração financeira, motivou a minha pergunta Essa
característica, inclusive, foi salientada em entrevistas por diversos profissionais e
pelo próprio gestor.
A resposta da supervisora foi negativa. A decisão da mudança seria uma
decorrência das trocas de liderança ocorridas na escola nos últimos dez anos, e
que teria sido uma questão exclusivamente pedagógica, pois o que se queria é que
mais alunos pudessem aproveitar a formação oferecida pela escola. O desejo é que
a escola fosse “menos excludente”.
Esse é um processo, no entanto, que ainda está em andamento. A diferença
no modo de votar entre os segmentos e o número de reprovações reforça a
interpretação dada no capítulo 5, sobre as diferenças nas funções de cada
conselho. No 8º ano do fundamental, como a escola está formando os alunos, o
alinhamento à proposta da escola é mais simples; a decisão por consenso e o
número de reprovados seriam uma demonstração disso.
No ensino médio, a situação é diversa. Para começar, como temos no
mínimo o dobro de professores, talvez o consenso seja mais difícil de ser
alcançado. Depois, a nova mentalidade da escola confronta com a função seletiva
que o 1º ano deve operar para estabelecer a distinção da escola. A possibilidade do
voto no ensino médio mostrou esse desacordo atual entre os professores, pois
115
muitas vezes não houve o consenso71. Pareceu, inclusive, permitir que alguns
professores manifestassem sua discórdia com o que estava sendo dito pelos
professores mais eloquentes. O voto demonstrava a opinião divergente sem a
necessidade do desgaste normalmente acarretado pelo debate. Infelizmente, como
não filmei, não pude captar as diferenças entre os professores, apenas o somatório
dos votos.
Essa modificação na mentalidade provocou rupturas. Conforme relato da
supervisora pedagógica, diversos professores acabaram saindo da escola. Alguns
foram mandados embora e outros saíram por discordar do novo sistema.
Interessante notar que Fernandes (2003) observou o mesmo com a implementação
da política de ciclos. De acordo com seu estudo, a introdução da experiência em
ciclos desestabilizou o habitus dos agentes escolares, produzindo uma situação de
tensão e conflito. Vemos na pesquisa de Fernandes como a mudança no sistema
de avaliação repercute intensamente na comunidade escolar. Na escola A1, ainda
que não tenha sido uma mudança tão radical quanto a introdução dos ciclos, uma
pequena mudança já alterou o equilíbrio pré-existente, gerando o desligamento de
muitos professores.
6.3 Matérias que reprovam e que não reprovam
Durante os conselhos deliberativos, foi possível perceber diferenças entre
as matérias. Tais diferenças se manifestavam não só pelo número de alunos que
ficavam em recuperação, mas também pelo peso que tinham na hora da
reprovação, o que nos leva a pensar que existe uma hierarquização na importância
das disciplinas na escola.
71 No primeiro conselho deliberativo de dezembro de 2008, do ensino médio, havia a possibilidade da abstenção e vários professores se valeram disso para não votar.
116
6.3.1 Ensino Fundamental
As disciplinas nas quais os alunos tiveram mais dificuldades variaram um
pouco em cada ano. Se, em 2008, Português teve 12 alunos que não passaram por
nota nas provas finais, em 2009, teve apenas três; Matemática também apresentou
uma grande variação: seis, em 2008, e dois, em 2009.
Geografia se manteve sempre em segundo lugar: nove, em 2008, e sete,
em 2009. As falas desse professor em conselho com frequência foram em direção
à reprovação dos alunos, seja na utilização da nota como estratégia para conter os
alunos indisciplinados, seja na hora de expor sua opinião sobre cada um.
Já em Ciências, se, em 2008, apenas quatro alunos não obtiveram as notas
necessárias, em 2009, foram 17. A fala da professora de Ciências no conselho
talvez explique em parte o aumento do número de alunos: corrigiu as provas à
noite, deixando as notas “cruas” para não cometer nenhum engano. Apesar de ela
não ter explicado o que ela queria dizer com isso, entendi que ela deu as notas
sem olhar para quanto cada aluno precisava para ser aprovado. Desse modo, não
fez os ajustes necessários que já faria normalmente antes do conselho. Mesmo
assim, a diferença foi grande, já que, em 2009, dez alunos ficaram em
recuperação. Essa professora também demonstrou frequentemente acreditar na
importância da reprovação. Com esses dois profissionais, vemos a importância da
personalidade do professor nas reprovações. Conforme a sua concepção de ensino,
o professor tende a diminuir as notas ou não, situação que também se apresentou
no ensino médio.
História não teve nenhum aluno fazendo recuperação, e Francês, apenas
um. Em ambas as disciplinas, a situação foi parecida, poucos alunos ficaram nas
duas matérias e, na maioria das vezes, foram aqueles que ficaram sem nota em
diferentes matérias, por isso foram reprovados antes mesmo da recuperação.
Inglês ocupou uma posição intermediária entre as disciplinas de Geografia
e História. A escola atualmente tem uma grande exigência na língua estrangeira,
pois o aluno teria um ensino de alta qualidade, não sendo necessário estudar em
nenhum curso extracurricular.
Teologia não teve nenhum aluno em recuperação, nem no fundamental,
nem no ensino médio. Provavelmente, por ser uma matéria que não é avaliada no
117
vestibular, nem em nenhum outro concurso, não está entre as que possam
reprovar, apesar de ser avaliado com nota. Imagino que seria difícil para a escola
sustentar uma reprovação em Teologia junto às famílias. O investimento dos pais
é muito alto para que a Teologia, por suas características, possa ser configurada
como um obstáculo na trajetória escolar desses alunos.
Vemos também que as disciplinas não têm o mesmo estatuto em outras
situações. Por exemplo, um aluno, em 2008, teve a nota de Geografia ajustada, em
vez da de Português, para poder fazer recuperação, ainda que, em Português, ele
só precisasse de oito décimos e, em Geografia, 1,7. O critério definido pela
coordenadora foi a matéria que faria mais falta no ano seguinte. Como em
Geografia o tema seria outro, mesmo que o aluno fosse ficar com “lacunas”,
conforme foi dito para outros alunos, decidiu-se que era melhor a recuperação em
Português. O que demonstra, mais uma vez, a hierarquia entre as disciplinas.
Em 2008, no conselho deliberativo final, que aconteceu após a
recuperação, um aluno ficou apenas em Inglês precisando de 2,5. No ano seguinte,
nesse segundo conselho deliberativo, um aluno ficou em Geografia precisando de
nove décimos. Em ambos os casos, os alunos foram aprovados. Não sei se o
resultado seria diferente se fosse Matemática ou Português, mas nas duas
situações não eram bons alunos, foram considerados fracos, mesmo assim foram
aprovados. A própria professora de Inglês disse não se sentir confortável de
reprová-lo só na sua matéria. Provavelmente, a nova mentalidade da escola de
tentar reprovar menos também tenha influído na decisão.
Tabela nº 11 - Número de alunos que não passaram por nota em
cada disciplina do 8º EF nos anos de 2008 e 2009
Matéria 2008 2009
Português 12 3
Matemática 6 2
Ciências 4 17
Geografia 9 7
Inglês 2 5
Francês 3 1
História 2 1
Teologia 0 0
118
6.3.2 Ensino Médio
No ensino médio, a grande “vilã”, ao contrário do ensino fundamental, foi
a Matemática. Sem dúvida, foi a matéria que mais levou alunos à recuperação e à
reprovação. Em 2008, foram 28 alunos, em 2009, provavelmente pelo problema já
relatado anteriormente, com a mudança de currículo, os números foram ainda
maiores e, dos 42 que não passaram por nota nas provas finais, 35 ficaram em
Matemática. A Física manteve um padrão alto nos dois anos com muitos alunos
em recuperação. Química e Português tiveram um comportamento distinto nos
dois anos, e acredito que tenha acontecido em decorrência da mudança dos
professores. Digo isso em função do comportamento dos professores no conselho
de classe, pois os novos tiveram um discurso mais voltado para a liberação dos
alunos do que os antigos. Mais uma vez, vemos a importância da personalidade
dos professores no desempenho dos alunos.
Pouquíssimos alunos ficaram em recuperação em História, Redação e
Artes. Em Sociologia e Filosofia, ainda que o número de alunos que não passaram
por nota tenha sido maior, apenas dois ficaram efetivamente em recuperação em
cada ano.
Tabela nº 12 - Número de alunos que não passaram por nota em cada disciplina do 1º EM de 2008 e 2009 Matéria 2008 2009 Português 4 10 Redação 2 1 Francês 1 2 Inglês 5 11 História 0 2 Geografia 4 2 Física 19 21 Química 17 8 Biologia 3 6 Matemática 28 35 Teologia 0 1 Artes 2 2 Sociologia 5 6 Filosofia 6 1
119
A hierarquização das disciplinas foi possível de ser observada no primeiro
conselho deliberativo do ensino médio. Um dos alunos ficou em três matérias:
Matemática, precisando de 1,6, Sociologia, de 1,4 e Filosofia, de 3,4. A professora
de Sociologia imediatamente se prontificou a dar a nota por ser o aluno “muito
gente boa”. O professor de Matemática disse que poderia liberá-lo em sua matéria.
A professora replicou que o aluno tinha sido reprovado no ano anterior em
Sociologia e não seriam os dez dias da recuperação que fariam a diferença. O
professor de Matemática insistiu, dizendo que, pelo quadro de notas, era claro que
o maior problema do aluno eram as disciplinas de área humana, usando como
argumento que seria até bom para desfazer a imagem da escola de só privilegiar as
exatas. Foi feita uma votação para decidir se o ajuste seria realizado em
Matemática e não em Sociologia, houve quatro votos a favor, sete contra. Ao meu
lado, um professor disse que não poderiam mudar essa imagem, porque ela era
verdadeira.
Inúmeras vezes, esse professor de Matemática demonstrou, nos conselhos,
ter uma opinião diferente da dos outros professores. O que outros professores
consideraram como um comportamento inadequado ele mostrou outro ponto de
vista dizendo que a escola devia tomar cuidado para não enquadrar demais os
alunos, por exemplo. De acordo com a orientadora educacional, ele fez a grande
diferença no segundo conselho deliberativo de 2009, pois vários alunos foram
aprovados precisando de notas muito altas. Parece que seu argumento era de que o
aluno tinha condições e, como eles tinham mudado o currículo, isso não seria um
problema. Acabou pedindo demissão no fim do ano.
Houve mais um debate sobre esse tema, dessa vez em um dos conselhos
consultivos do ensino médio. Numa discussão sobre uma das turmas de 2009, o
coordenador disse que os alunos não respeitavam algumas matérias por falta de
maturidade e que eles respeitavam mais quem “come o fígado deles”. Com sua
declaração, deu uma pequena mostra da visão dos alunos de que professor bom é
aquele que pode reprovar, exatamente como mencionou Eisemon (1977) para os
países de influência francófona, onde o rigor na nota é compreendido como
qualidade.
Outro professor falou que precisou explicar para os alunos que as
disciplinas da área de humanas eram muito importantes na vida deles e foi um
discurso forte. O próprio coordenador, que é professor da área de exatas, disse que
120
sentia falta dessas disciplinas. O professor de Geografia manifestou seu espanto
diante da fala, pois nunca tinha ouvido nada parecido naquele colégio, diferente
do outro onde ele dá aula. O pensamento sobre a importância das exatas era “meio
institucional”.
Uma demonstração desse pensamento tinha acontecido quando um
excelente aluno manifestou seu desejo de fazer Direito e vários disseram para ele
que seria um desperdício. A orientadora educacional concordou, pois, na definição
das profissões, os alunos só mencionavam as que estavam no grupo das exatas.
O fato é que todos os alunos que foram reprovados em apenas uma
disciplina da área de humanas foram aprovados em conselho. O mesmo não
aconteceu com Física e Matemática. Os alunos que foram reprovados em alguma
disciplina do grupo das humanas foram reprovados também em alguma da área
das exatas.
Pela diferença do número de alunos que ficou em cada matéria e,
posteriormente, pela possibilidade de reprovação que demonstraram, vemos que
no ensino médio a escola prestigia as exatas. Bourdieu (1989) explicou a
hierarquização das disciplinas nas escolas preparatórias francesas da seguinte
forma: considerou que Francês, Filosofia e as matemáticas seriam disciplinas que
necessitariam de talento e de dom, por isso estariam associadas a um capital
cultural herdado muito importante, o que é diferente da Geografia e das Ciências
Naturais, que necessitam principalmente de trabalho e de estudo. História e as
línguas modernas e arcaicas ocupariam uma posição intermediária.
Essa explicação dada por Bourdieu é adequada para o contexto francês, no
qual a escola é pública. No caso da escola A1 e acredito que das outras escolas de
prestígio também, parece que essa interpretação no ensino médio não é adequada.
Para essas escolas, o capital cultural herdado já está razoavelmente garantido com
a seleção social que é feita na entrada da escola, com as mensalidades e a
avaliação inicial. Além disso, os alunos foram intensamente ensinados e exigidos
em Português até o fim do ensino fundamental. No ensino médio a seleção feita
pela reprovação não pode se basear nisso, pois todos partem de um patamar
razoavelmente comum. As matérias que fazem diferença são aquelas menos
ensinadas no contexto doméstico, por isso Matemática, Física e Química são tão
importantes. É nessa área do conhecimento que a escola fará diferença e mostrará
o valor agregado que oferece. Isso é necessário porque a baliza é o vestibular, é a
121
prova do Enem, e são essas avaliações que determinam as disciplinas que
distinguem os alunos nesses rankings.
Precisa ser dito que essa opção pelas disciplinas da área de exatas não se
repete nas escolas definidas por Ballion (apud Nogueira, 1998) como
“estabelecimentos para as classes altas”. Tais escolas prestigiam uma socialização
feita de práticas ‘mundanas’. A diferença observada na escola também é possível
de ser observada no investimento feito pelas famílias dos alunos nas práticas
culturais mundanas.
Em pesquisa anterior (Mandelert, 2005), a escola A1 e uma escola
bilíngue, considerada do tipo para as classes altas, responderam a um questionário
elaborado pelo grupo SOCED72. As frequências apuradas mostravam que as
famílias da escola bilíngue iam mais ao teatro, ópera, espetáculos de dança,
museus, além dos pais terem um domínio maior de línguas estrangeiras e
possuírem mais diplomas de mestrado e doutorado.
6.4 Conselhos pós-provas finais
6.4.1 Regras gerais
De acordo com minhas observações, três regras funcionaram em todos os
conselhos:
a) Os alunos que ficaram em quatro ou mais matérias foram reprovados73.
b) Todos os alunos que ficaram por até dois décimos foram aprovados nas
matérias respectivas, sem discussão, mesmo quando consideraram que um aluno
economizou esforço, por exemplo;
c) Quando o professor considerava que podia dar a nota, seu desejo era
respeitado, mas o oposto não foi verdadeiro, isto é, algumas vezes o professor teve
que fazer o ajuste, mesmo não sendo inteiramente a favor.
72 Fonte: Soced: Pesquisa Processos de Produção de Qualidade de Ensino, Escola, Família e Cultura. 2004. 73 Apenas um aluno fugiu a essa regra: teve a nota de Português ajustada em um décimo e a de Inglês em seis décimos, ficando em recuperação em duas matérias.
122
Outras regras foram criadas por equidade, isto é, se um aluno tinha
recebido o benefício, outros também receberam, mas nem sempre isso foi seguido
à risca, houve decisões ad hoc, como veremos adiante.
A decisão da ausência de um critério geral foi explicitamente dita pela
coordenadora de segmento do ensino médio no segundo conselho deliberativo de
2008. Nesse conselho, antes de começar a avaliação aluno por aluno, um
professor tentou fazer com que houvesse uma regra geral para a análise de todos
os alunos. A coordenadora de segmento não concordou com as sugestões, dizendo
que não poderiam generalizar, teriam de ver caso a caso. Não houve um debate
maior sobre o assunto, quando a coordenadora falou, todos se calaram.
Provavelmente, ver caso a caso significava dar peso à avaliação qualitativa que
eles almejavam realizar na escola. Criar regras gerais iria contra essa nova
mentalidade.
Em 2009, esse pensamento, no entanto, mudou. A orientadora educacional
do ensino médio disse que em 2010 queriam fazer uma reunião, para realizar a
avaliação qualitativa cada vez melhor, tentando fazer um “registro dos
combinados”, para não ficar no caso a caso. Apesar dela não ter explicado melhor
o que seria isso, até porque ainda não tinha sido feita a reunião, considero que eles
queriam estabelecer mais regras gerais para ajudar os conselhos a decidir as
questões dos alunos. Mais uma demonstração de que o conselho de classe é uma
dinâmica em processo, ainda não cristalizado.
Outro item que me chamou a atenção foi o modo como a orientadora
educacional conclamou os professores para votarem sobre cada aluno: se, pelo
andamento da conversa, o aluno estava com poucas chances de ser aprovado, ela
perguntava quem era a favor da reprovação, se fosse o contrário, ela perguntava
quem era a favor da aprovação, isto é, já demonstrando o que devia ser feito pelos
professores.
123
6.4.2 Os resultados e as regras pontuais
6.4.2.1 Ensino Fundamental
A seguir, apresento o resultado dos alunos do 8º ano do ensino
fundamental, em 2008 e 2009, após as provas finais. Os valores apresentados em
cada matéria são a diferença entre a nota alcançada na prova final e a nota que o
aluno deveria ter tirado para ser aprovado sem fazer recuperação. Os valores em
vermelho são aqueles que sofreram ajustes no conselho de classe. Os alunos são
apresentados conforme o número de matérias em que ficaram em recuperação, do
maior para o menor.
Como dito anteriormente, os alunos que ficaram em quatro disciplinas
foram todos reprovados. Ficaram nessa situação três alunos em 2008 e dois em
2009. O primeiro a ser reprovado foi um bolsista, descrito como um aluno triste,
deslocado, muito quieto, nunca tinha dúvidas, consideraram “uma tragédia
anunciada”. A coordenadora falou que alguns bolsistas apresentam problemas no
sentido de “ter ou não ter”. Este bolsista pediu transferência sem explicitar o
motivo. O segundo foi descrito como “assustado”, no conselho de outubro, tinha
“buracos enormes” em sua formação. No conselho, considerou-se que ele foi um
caso bem acompanhado, a família estava plenamente ciente. No pedido de
transferência, foi o único que explicitou o motivo: dificuldades em matérias como
Matemática, Inglês, Ciências etc. O terceiro teve problemas familiares sérios
durante o ano, decidiram rápido sua reprovação, pois tinha sido avisado o ano
todo; também pediu transferência. Quanto aos dois reprovados de 2009, um foi
considerado “imaturo”, com “muitas deficiências de estudo”, além de “não ter se
esforçado muito”. O segundo foi um aluno considerado “fraco”, “sem empenho”,
que queria sair da escola.
Três matérias Os alunos que ficaram em três matérias tiveram destinos variados. Não
houve uma regra única para decidir, dentre os alunos que ficaram em três
124
matérias, quais seriam reprovados e quais receberiam uma nova chance. Foi feita
a discussão sobre o ajuste ou não até de três décimos em Ciências.
Tabela 13 - Resultados pós provas finais do 8º do ensino fundamental de 2008 – Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária
Aluno Port. Franc. Ingl. Hist. Geo. Cien. Mat. Teol. Quatro Matérias
1 1,3 4,4 4,5 3,9 Rep 2 2,2 3 2,5 3,4 Rep 3 1,5 0,8 3,4 1,6 0,6 Rep 4 1,7 1,4 1,7 Rep
Três Matérias 5 0,8 1,4 1,7 Rec 6 1,2 3 0,3 Rec 7 1 1,4 0,1 Rec
Duas Matérias 8 1,2 1,1 Rec
Uma Matéria 9 1,8 Rec
10 1,8 Rec 11 1,9 Rec 12 1,2 Rec 13 0,9 Rec 14 0,1 Apr 15 1,1 Apr 16 0,1 Apr 17 0,6 Apr 18 0,7 Apr 19 0,7 Apr
Obs: Os valores em vermelho são aqueles em que houve ajuste de nota posteriormente.
A professora de Ciências disse não ter problema em dar a nota para o
aluno nº 6, mas achava que o aluno não devia passar. Todos os professores
concordaram que o aluno tinha muitas dificuldades (não sabia como estudar,
como anotar), mas a orientadora educacional lembrou que ele estava passando por
problemas familiares graves e assim foi decidido que seria feito o ajuste.
Os outros dois alunos que precisavam de um décimo em Matemática e
cinco décimos em Geografia receberam a chance, porque consideraram que eles
conseguiriam fazer uma boa recuperação. O terceiro foi uma das decisões ad hoc,
o aluno faltou à prova final por um mal entendido e por isso teve um ajuste de 1,7.
Esse aluno também foi o único caso em que a matéria escolhida para ocorrer a
125
aprovação não foi aquela em que o ele precisava de menos, Geografia, mas na que
seria mais necessária, isto é, Português, na qual ele precisava apenas de 0,8.
Tabela 14 - Resultados pós provas finais do 8º ano do ensino fundamental de 2009 - Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária
Aluno Port. Franc. Ingl. Hist. Geo. Cien. Mat. Teol. StatusQuatro Matérias
1 1,4 1,2 2,1 0,7 Rep. 2 0,5 1,7 8,9 0,7 Rep.
Três Matérias 3 1,7 3,0 2,0 Rep. 4 0,5 1,9 0,7 Rec
Duas Matérias
5 9,3/ 0,7 Rec 6 2,3 1,2 Rec 7 3,3 0,2 Rec 8 2,3 0,2 Rec
Uma Matéria 9 2,5 Rec
10 2,1 Rec 11 2 Rec 12 0,7 Rec 13 2,3 Rec 14 2,3 Rec 15 1,1 Rec 16 1,4 Rec 17 1,3 Apr 18 0,5 Apr 19 0,3 Apr 20 0,6 Apr 21 0,2 Apr 22 0,4 Apr
Obs: Os valores em vermelho são aqueles em que houve ajuste de nota posteriormente.
Os dois alunos (nº 5, de 2008, e nº 3, de 2009) que ficaram em recuperação
em três matérias e não receberam ajustes, a nota em que precisavam menos era
1,4, em Francês, em 2008 e 1,7, em Inglês, em 2009. O primeiro a ser reprovado
foi considerado um aluno que não tinha perfil para ser reprovado, mas que
naquele ano não tinha conseguido se concentrar na escola. Tentaram fazer contato
diversas vezes com a mãe do aluno, mas ela se furtou ao encontro. Os professores
126
consideraram que, pela falta de informações, não poderiam decidir de outra forma.
Talvez, se a escola soubesse qual era o problema, teria dado uma chance para o
aluno, como fez com outros.
O segundo reprovado já tinha sido aprovado em conselho no 7º ano, tinha
diagnóstico de TDAH, perdia as coisas, “não dava conta”. Consideraram que ele
não tinha os pré-requisitos para o 9º ano. Esse aluno pediu transferência por ter
sido reprovado e pela perda de emprego do pai. Para ambos, foi feito o que eles
denominaram de uma reprovação benéfica.
Duas matérias
Apenas um aluno ficou em duas matérias em 2008. Foi com pesar que os
professores viram o seu resultado. Um deles, inclusive, disse que se arrependia de
não tê-lo reprovado. Considerava que era a “prova da impunidade do país”. O
aluno fez aula particular de tudo e por isso conseguiu um bom resultado nas
provas finais. Foi um dos alunos para quem consideraram que o excesso de
dinheiro o atrapalhava.
Em 2009, quatro alunos ficaram em duas matérias. Dois receberam ajustes
de dois décimos em Ciências. O terceiro, nº 5, ficou direto em uma das matérias e
precisava de sete décimos em Ciências. Foi um resultado que surpreendeu a todos,
consideraram que ele não conseguiria passar, pois tinha problemas familiares
sérios, os pais são separados e têm um relacionamento conflituoso. Foi
considerado que ele iria para o 9º ano com sequelas de conteúdo. Os professores
estavam de certa forma lamentando seu resultado, a coordenadora falou que ele
ainda não tinha passado, faltava alcançar a nota em Inglês. Não se discutiu a
possibilidade de ter sua nota ajustada. Já tinha sido aprovado em conselho no ano
anterior duas vezes. Provavelmente, não queriam lhe dar uma nova chance.
Conseguiu passar por nota na recuperação.
Com relação ao segundo, não houve discussão, comentaram que ele tinha
uma postura “desligada”, “desagradável” e que deveria fazer recuperação.
Uma matéria
Com os alunos que ficaram em uma matéria e foram dispensados de fazer
recuperação, o critério, na maioria das vezes, foi mais uma vez o quantitativo.
Alunos que precisavam de pouco, isto é, até menos de um ponto foram liberados.
127
Apenas dois alunos foram aprovados precisando de mais de um ponto, em ambos os
casos foram em Português por decisão das professoras, considerando o esforço que
o aluno tinha feito. Outros dois alunos que precisavam de pouco não foram
liberados por conta de indisciplina. Quando a coordenadora perguntou ao grupo
qual era o critério para um ser aprovado e o outro não, um dos professores
respondeu dizendo que o aprovado tinha uma boa redação, era mais atento e
respondia, já o outro não era responsável, conversava muito, mas não era um aluno
para ser reprovado. Preciso dizer que nas duas vezes foi bastante discutido se a
decisão era um castigo ou não, pois, se fosse, não era considerado o correto, mas
como era apenas uma etapa do processo, foi visto como um “dado de realidade”.
6.4.2.2 Ensino Médio
A seguir, apresento o resultado dos alunos do 1º ano do ensino médio em
2008 e 2009, após as provas finais. Como fiz no ensino fundamental, os valores
apresentados em cada matéria são a diferença entre a nota alcançada na prova
final e a nota que o aluno deveria ter tirado para ser aprovado sem fazer
recuperação. Os valores em vermelho são aqueles que sofreram ajustes no
conselho de classe.
A maneira de conduzir os dois conselhos influenciou nos resultados. No
primeiro conselho deliberativo do ensino médio de 2008, nem todos os alunos
foram debatidos, apenas 18 alunos, outros 20 foram direto para a recuperação
sendo apenas nomeados. Em 2009, aconteceu uma situação muito diferente: como
as notas só chegaram na hora exata do conselho, o coordenador pedagógico foi
lendo aluno por aluno para ver quem estava com nota insuficiente.
Acredito que o atraso das notas, além da presença de dois professores mais
tolerantes que não participaram dos outros conselhos, colaborou para que
houvesse uma variedade maior de decisões. Esse atraso foi bastante incomum na
escola, tendo em vista que eles têm o calendário definido desde o início do ano,
mas, como em 2009 tivemos a pandemia da gripe suína, a escola, assim como as
outras do Rio de Janeiro, só pôde recomeçar as aulas no segundo semestre com
duas semanas de atraso. Isso fez com que todo o planejamento fosse alterado. Se,
em 2008, o primeiro COC de dezembro foi no dia 03, em 2009, foi no dia 14.
128
Tabela 15 - Resultados pós provas finais do 1º ano do médio de 2008 –
Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária Port Reda Fra Ing Hist Geo Fis Quí Bio Mat Teo Art Soc Fil Status
Mais de Quatro Matérias 1 4,7 3,5 2,0 3,3 4,8 3,2 4,4 2,0 3,2 4,5 Rep 2 2,6 1,9 2,3 2,4 9,1 1,0 4,0 Rep 3 2,8 7,1 5,4 11,3 0,8 Rep 4 1,1 1,4 1,3 0,5 Rep 5 0,8 2,5 2,2 0,6 Rep 6 3,3 6,7 3,8 10,9 3,6 Rep 7 4,4 3,9 0,4 10,0 Rep 8 2,3 1,2 3,1 9,1 Rep
Três Matérias 9 0,8 3,7 5,7 Rep
10 2,8 2,3 4,7 Rep 11 3,4 3,0 5,6 Rep 12 5,5 3,4 3,3 Rep 13 1,8 2,2 4,5 Rec 14 4,7 3,2 9,0 Rec 15 1,6 1,4 3,4 Rec 16 1,2 2,1 2,8 Rec 17 1,4 2,8 9,4/ Rec 18 1,6 1,1 1,7 Rec
Duas Matérias 19 0,4 1,7 Rec 20 4,1 1,8 Rec 21 1,5 1,5 Rec 22 1,1 1,4 Rec 23 3,8 4,5 Rec
Uma Matéria 24 2,8 Rec 25 4,3 Rec 26 3,4 Rec 27 4,2 Rec 28 1,0 Rec 29 5,2 Rec 30 1,7 Rec 31 4,1 Rec 32 0,9 Rec 33 4,6 Rec 34 1,7 Rec 35 1,3 Rec 36 1,6 Rec
129
Tabela 16 - Resultados pós provas finais do 1º ano do médio de 2009 –
Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária Port Reda Fra Ing His Geo Fis Quí Bio Mat Teo Art Soc Fil Status
Quatro ou mais matérias 1 1,2 0,5 0,6 8,2 0,2 2,3 11,3 0,9 3,3 4,6 Rep 2 1,0 3,2 5,2 5,1 9,7 10,5 4,7 9,4 8,6 8,6 Rep 3 0,2 2,2 1,8 5,3 2,5 3,5 Rep 4 4,3 4,3 0,6 5,9 Rep 5 1,1 2,5 2,2 3,0 Rep 6 2,9 0,9 1,3 3,7 Rep 7 1,4 4,5 3,5 DIR Rep 8 3 2,9 1,0 2,1 2,4 Rep 9 0,1 0,6 2,7 3,2 Rec
Três Matérias 10 3,7 1,3 9,2 Rec 11 0,3 0,7 10 Rec 12 1,5 3,5 1,4 Rec 13 0,7 4,3 1,9 Rec 14 1,3 5,3 3,6 Rec
Duas Matérias 15 1,1 4,1 Rec 16 2,2 5,0 Rec 17 0,6 2,3 Rec 18 1,4 4,9 Rec 19 1,2 4,8 Rec 20 0,3 2,1 Rec 21 3,8 9,7 Rec 22 0,4 1,4 Rec 23 6,1 7,0 Rec 24 0,8 5,1 Rec 25 0,9 6,3 Rec 26 1,6 2,4 Rec 27 3,7 3,2 Rec 28 0,8 5,9 Rec
Uma Matéria 29 0,4 Aprov 30 2,0 Rec 31 2,9 Rec 32 1,2 Rec 33 3,1 Rec 34 1,1 Rec 35 1,6 Rec 36 3,3 Rec 37 7,8 Rec 38 2,4 Rec 39 1,3 Rec 40 4,3 Rec 41 1,3 Rec 42 2,2 Rec
130
No ensino médio, oito alunos em cada ano74 foram reprovados por terem
ficado em mais de quatro matérias. A equivalência dos números reforça a tese do
efeito Posthumus. Como o tamanho do grupo é sempre relativamente o mesmo, e
a tendência é fazer com que as avaliações façam uma curva normal, o número de
reprovados tende a se manter. Os motivos expostos pelos professores foram
variados: a atitude frente ao trabalho, comentários dizendo que alguns
“entregaram os pontos”, ou eram “descompromissados”, “não quis nada, não tem
o perfil da escola, não presta atenção, atrapalha, se acha engraçado”. Sobre um
aluno, foi considerado que, apesar dos esforços, não conseguia, porque era fraco,
“típico aluno que se esforça, mas não consegue, não é brilhante, não adianta”.
Para alguns, a reprovação foi considerada benéfica, assunto de que falarei
posteriormente. Apenas um foi liberado em quatro matérias, precisava de um
décimo em Português e seis décimos em Inglês, em ambas as matérias a decisão
foi dos professores.
Três matérias
No ensino médio, os alunos foram liberados precisando de mais pontos.
Em 2008, só foram liberados quatro alunos inicialmente, outros dois alunos (nºs
16 e 17), apesar de terem sido reprovados em conselho, receberam uma nova
chance após as famílias apelarem para a reitoria da escola.
Pelos argumentos, podemos dizer que três cujas notas foram ajustadas
tinham o que eles chamam de qualitativo bom: dois foram denominados como
cordiais e o terceiro como “muito gente boa”. Outros argumentos utilizados
foram: um deles tinha sofrido uma cirurgia durante o ano, o que o prejudicou, e o
outro vivia uma situação de extrema pobreza, o que atrapalhava muito os estudos,
“mas não tinha entregado os pontos”, como eles denominaram, e recebeu um
ajuste de 3,2 pontos.
O quarto aluno, nº 16, recebeu um ajuste de 1,8 em Física, mas não entendi
com base em que foi tomada essa decisão, pois o aluno nº 9, que precisava de 0,8
na mesma matéria, não foi liberado. A descrição do que recebeu a nova chance
não foi das melhores: um professor teve dúvidas se ele poderia fazer um 2º ano de
74 Desse total, nove pediram transferência, sendo que seis destacaram como motivo o fato de terem sido reprovados.
131
qualidade, pois não tinha demonstrado nenhum “compromisso de melhora”,
também não foi considerado um aluno de iniciativa.
Para o que não teve a mesma sorte, o argumento mais forte foi que ele
deixou a prova em branco, no entanto, dos registros não consta nenhum zero. Um
dos argumentos usados para reprovação foi que sua família receberia com
tranquilidade a notícia.
Vemos aqui a importância da família no processo de reprovação e não
reprovação. Um dos alunos que recebeu uma nova chance pela interferência
familiar junto à reitoria tinha família considerada como uma que receberia bem a
notícia. A família do outro que precisava de menos pontos, como aceitou o
veredicto escolar, não teve a mesma oportunidade.
A decisão das reprovações para os outros alunos (nº 10,11 e 13) que
ficaram em três matérias, em 2008, foi feita considerando-se que seria benéfico
para eles refazerem a série. Aquele que precisava de menos necessitava de 2,3
pontos.
Em 2009, todos os alunos que ficarem em três matérias tiveram suas notas
ajustadas. Dois precisavam de muito pouco e foram liberados por decisão dos
próprios professores das disciplinas. A decisão sobre os outros três foi em
decorrência da avaliação sobre um deles que, apesar de ser excepcional, gerou
uma regra momentânea, válida apenas naquele conselho por uma questão de
equidade. Explico melhor: um dos alunos era parente de um dos professores, este
expôs o seu desconforto por ficar vinculado à reprovação do aluno. Além disso, o
aluno tinha crises de ansiedade nos momentos de prova, o que o levou a ter um
acompanhamento médico. Consideraram que agora, medicado, talvez pudesse ter
um desempenho melhor nas provas. Assim, foi feito um ajuste de 1,3.
Com essa decisão, outros dois alunos que precisavam do mesmo ajuste
foram agraciados com uma nova chance, apesar de ter sido dito de um deles que
não tinha perfil para o 2º ano e do outro que tinha um “comportamento ruim”,
“não se esforçava” etc. Nos dois casos, foi avaliado que deveria ser aplicada a
mesma regra. Vê-se, portanto, que o favorecimento em decorrência do capital
social recebido por um dos alunos, levou a mesma solução para mais dois que não
apresentaram o mesmo capital.
A dispensa de uma ou duas matérias para fazer apenas uma recuperação
só aconteceu em 2009. No ensino médio, foi algo bastante excepcional. Como
132
mencionei anteriormente, por conta da pandemia da gripe suína, o calendário
ficou confuso porque o prazo entre a comunicação da recuperação e a última
prova seria muito curto. Assim, a regra começou a ser estabelecida quando a
professora de Português, de moto próprio, deu três décimos para o aluno nº 20,
com a justificativa de que ficar em duas matérias poderia prejudicá-lo na
recuperação em Matemática. O argumento também foi utilizado para outros
alunos, pois, como mencionei no capítulo cinco, o currículo de Matemática sofreu
alterações que provocaram uma baixa de desempenho muito grande entre os
alunos.
O processo de dispensa de duas matérias para fazer apenas a recuperação
em Matemática ocorreu da seguinte forma: um dos alunos ficou direto em
recuperação em Matemática, além de ficar em Inglês por 1,3 e em Português por
três décimos. Os professores de Português e Inglês disseram que poderiam dar os
pontos.
O professor de Português declarou que o estudante deixou muito a desejar
o ano inteiro, que era um aluno esforçado, mas limitado. Já o professor de Inglês
disse que, nesses dias de recuperação, o aluno não conseguiria melhorar muito o
seu desempenho. Em nova consideração, o professor de Português alegou que não
gostaria de deixá-lo reprovado direto, mas, se ele fosse aprovado em Inglês,
gostaria de deixá-lo em recuperação, porque considerava que o aluno tinha de
estudar mais.
Um terceiro professor sugeriu que o aluno fosse aprovado nas duas
matérias, mudando o curso das decisões. Houve um debate, uns professores
achando que, se fosse aberta essa possibilidade, muitas famílias pediriam exceção.
A supervisora pedagógica disse que não deveriam temer isso, porque a escola está
sempre vulnerável aos pedidos. Quiseram saber a opinião do professor de
Matemática, se o menino teria muita dificuldade na prova de matemática, pois se
fosse o caso, não precisariam mudar a nota. O professor disse que, com 32 anos de
trabalho era difícil predizer, até porque como educador, não poderia pensar de
outra forma. Deveria sempre acreditar na possibilidade de superação do aluno.
Foram feitas duas votações, primeiro para saber quem era favorável à
aprovação em Português e a segunda para ver quem era favorável a deixar em
recuperação somente em Matemática. A primeira venceu por unanimidade, e a
segunda, de 14 professores, três foram contra. Com o mesmo propósito de
133
possibilitar o estudo de Matemática, outros dois alunos foram dispensados da
recuperação em Física, recebendo respectivamente o ajuste de nove e oito
décimos.
Pelo quantitativo, podemos considerar que mais dois alunos poderiam ter
sido liberados para ficar em apenas uma matéria, os alunos 17 e 24. O primeiro
precisava de seis décimos em Física. Julgo que não recebeu o ajuste por ter sido o
primeiro caso a ser debatido em conselho. Quando decidiram a nova regra, o caso
dele já tinha sido resolvido. O número 24 foi um aluno que teve muitos problemas
de disciplina e, na hora da votação, nove professores foram a favor de ele ficar nas
duas matérias e cinco foram a favor de sua liberação. Os outros alunos que não
receberam ajustes estavam precisando de mais de um ponto.
6.5 Conselhos Pós-Recuperação
6.5.1 Ensino Fundamental
Após o período das recuperações, houve um novo conselho deliberativo
para decidir, dentre aqueles que não passaram por nota, quais seriam reprovados e
quais seriam aprovados. No 8º ano, nenhum aluno foi reprovado no último
conselho, sendo que dois tiveram ajuste de nota, um em 2008, outro em 2009.
O primeiro precisava de nove décimos em Geografia, e o professor, por
considerar pouco e ser apenas em uma matéria, disse que não se incomodava em
passar o aluno. Foi dito que ele era “imaturo”, “não tinha autonomia”, mas era
“muito capaz” e assim decidiram aprová-lo em conselho.
O segundo ficou em Inglês precisando de 2,5. A professora não se sentiu à
vontade de reprová-lo apenas na sua matéria. Aqui vemos a hierarquia das
disciplinas, pois vários alunos no ensino médio foram reprovados apenas em
Matemática e não houve problemas com isso. Esse aluno apresentava dificuldades
com linguagem figurada e ortografia, mas sua família não teve mobilidade para
resolver suas questões, pois era bolsista. Como ele demonstrou ser “maduro”,
“organizado” e “correr atrás”, fizeram o ajuste necessário.
134
6.5.2 Ensino Médio
No último conselho do ano de 2008, primeiramente foi feita uma rodada
sobre todos os alunos de quem iam falar naquele dia, disseram quanto cada um
tirou e de quanto cada um precisava. Não falaram nada de específico sobre os
alunos que passaram na recuperação. Comentaram que vários tinham
surpreendido positivamente. Depois falaram um a um.
Como veremos na tabela a seguir, foram três alunos aprovados em
conselho em Matemática, no ano de 2008. Os três alunos foram descritos da
seguinte maneira: “excelente, só não é brilhante em matemática”, “bom garoto”.
Todos precisavam de um pouco mais de um ponto. Os quatro alunos reprovados
ficaram em duas matérias e por muito, por conta disso não receberam ajustes.
Também não quiseram fazer mais ajuste para um aluno que já havia recebido
chance no outro conselho.
Um dos alunos reprovados foi o bolsista que tinha péssimas condições de
estudo. Com ele e com outros bolsistas, os professores demonstraram a
preocupação com o destino dos alunos, questionando se seria possível a
permanência deles na escola, o que se verificou ser muito difícil. No pedido de
transferência, sua mãe escreveu: “devido não ter passado, deve ter perdido a bolsa
e eu não tenho condições de arcar. Meu filho está desolado”.
Tabela 17 - Resultados pós recuperação do 1º ano do médio de 2008 –
Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária Física Química Matemática Status
1 -4 43 Reprovado 2 11 52 Reprovado 3 59 50 Reprovado 4 29 52 Reprovado 5 16 Aprovado 6 16 Aprovado 7 12 Aprovado
Em 2009, como já relatei, não observei o último conselho de classe. Tive,
no entanto, uma reunião com a orientadora educacional, que me passou muitas
135
informações sobre como havia transcorrido o conselho. Apresento a seguir o
quadro de notas, mais uma vez com o mesmo critério das tabelas anteriores.
Tabela 18 - Resultados pós recuperação do 1º ano do médio de 2009 – Diferença entre a nota alcançada e a nota necessária
Português Inglês Física Química Matemática Status 1 Aprov 2,5 Aprov 2 0,7 Aprov Aprov 3 1,6 Aprov Aprov 4 Aprov 3,5 Aprov 5 0,4 Aprov Aprov 6 1,1 Aprov Aprov 7 0,8 Aprov Aprov 8 1,6 Aprov Reprov 9 2,5 5,3 Reprov
10 1,0 1,9 Reprov 11 2,6 3 Reprov 12 1,9 5,5 Reprov 13 3,4 1,4 Reprov 14 0,6 2,0 Reprov 15 1,4 Aprov 16 3,5 Aprov 17 0,4 Aprov 18 4,5 Aprov 19 4,5 Reprov 20 3,0 Reprov
Os alunos que ficaram em duas matérias e foram reprovados em ambas
não receberam nenhum tipo de ajuste. Somente foram ajustadas as notas do que
conseguiram obter a aprovação em uma das matérias e se não tinham recebido
ajustes no primeiro conselho deliberativo. Por isso o número 8 não foi aprovado.
Além disso, foi considerado um aluno mediano, “brincalhão”, não houve da parte
dele, na percepção dos professores, um empenho em melhorar.
Quanto aos alunos que ficaram em uma matéria, quatro tiveram suas notas
ajustadas. O aluno nº 18 foi uma exceção, pois já tinha recebido um ajuste no
conselho anterior. Foi um aluno repetente que todos consideraram que teve uma
grande melhora em 2009. Segundo o professor de Matemática, seu problema
estava concentrado no conteúdo novo, o que o habilitava para ser aprovado.
Vemos que os quatro ajustes feitos com as notas mais altas foram em Matemática,
136
justamente a matéria do professor já mencionado anteriormente. Se não fosse a
sua atuação, provavelmente todos esses alunos teriam sido reprovados.
Um dos alunos que foi reprovado em uma matéria, o de número 18, já
tinha recebido ajustes em Português e Inglês para fazer a recuperação. Foi
considerado imaturo, precisaria aprofundar seus estudos. Talvez tenha sido uma
reprovação benéfica.
O outro aluno que ficou em apenas uma matéria, o número 19, foi avaliado
como tendo uma postura de descaso. Esse aluno, nos conselhos, nunca foi
comentado de forma positiva, acredito que o seu maior problema seria certa
antipatia. Diferente do aluno 19, que em todos os conselhos foi considerado um
aluno problema - dormia em sala de aula, perturbava quando estava acordado,
indisciplinado -, mas que deve ser muito carismático. Por conta de uma pequena
melhora, recebeu um ajuste de 1,1 em Química, sendo que na votação apenas um
professor foi contra sua aprovação.
Finalmente o aluno nº 7, cuja reprovação foi mantida pelo segundo
conselho deliberativo, pediu revisão de prova. Como ele conseguiu um aumento
de um ponto, a família apelou para a reitoria. Foi feito um conselho de classe
extraordinário para discutir a situação. Conforme explicou a orientadora, os
argumentos para a reprovação estavam relacionados a uma avaliação qualitativa
do aluno e para aprovação o fato de ser somente uma disciplina e, com a revisão
de prova, seriam apenas oito décimos. O aluno foi aprovado com a votação de 6x4
e pediu transferência, alegando querer ficar mais perto de casa.
6.6 Reprovações benéficas
Com a observação de 2008 e 2009, pude avaliar e comparar o que
aconteceu com os alunos reprovados em 2008. Pude fazer a observação melhor no
ensino médio, pois, no ensino fundamental, apenas um dos reprovados
permaneceu na escola, os outros pediram transferência. Esse único aluno teve um
ano melhor. Provavelmente, o problema familiar era o que estava impedindo que
ele tivesse um aproveitamento razoável.
137
No ensino médio, dos sete alunos que refizeram a série na escola, apenas
um foi reprovado e pediu transferência. Todos os outros ficaram em recuperação e
precisaram de um olhar mais benevolente dos professores nos conselhos para
serem aprovados, seja recebendo uma chance no primeiro para poder fazer
recuperação, ou para poder estudar melhor Matemática, seja no segundo, para
serem aprovados. Os professores foram mais tolerantes de modo geral com esses
alunos, sendo que um deles recebeu ajustes nos dois conselhos, pois consideraram
que ele teve uma melhora.
Na revisão de literatura, vimos que a reprovação não é uma boa solução
para a melhora do desempenho do aluno. Ainda que esses resultados sejam
numericamente muito poucos, verificamos que apenas o aluno do ensino
fundamental teve efetivamente uma melhora visível. Os outros continuaram tendo
problemas, sem contar que a reprovação levou a maioria dos alunos de 2008 a
pedirem transferência.
6.7 Transferências
Apesar de não constar das análises do conselho de classe, observar os
pedidos de transferência da escola, sem dúvida, faz parte de como o desempenho
dos alunos e a avaliação interferem nos destinos escolares. De acordo com
levantamento numérico feito nas quatro coortes, vimos no gráfico 7 do capítulo 3
que, nessa escola, a média dos pedidos de transferência é sempre um pouco maior
do que a média das reprovações. Com base no documento do pedido de
transferência, no qual o solicitante deveria preencher o motivo e as notas do
último boletim do aluno, verifiquei o que segue:
138
Tabela 19 – Motivos dos pedidos de transferências do 8º EF e do 1º EM
de 2008 e 2009
8º EF 1ºEM
No fim do ano: 2008 2009 2008 2009 Total
Mudança de estado 0 1 2 1 4
Ficar mais perto da escola 0 1 0 1 2
Financeiros 0 1 1 1 3
Reprovação 0 1 5 4 10
Sem alegação de motivo e reprovados 3 0 2 5 10
Sem alegação de motivo 2 0 0 0 2
Na metade do ano
Sem alegação de motivo 1 0 2 1 4
Sem alegação de motivo, c/ problemas de nota 0 0 3 0 3
Com problemas de nota 0 0 2 1 3
Problemas de adaptação 1 0 0 0 1
Pela tabela, podemos constatar que o maior motivo para os pedidos de
transferência são as reprovações. Se contarmos também com aqueles que não
disseram a razão, mas foram reprovados ou estavam com problemas de nota, esse
número cresce ainda mais. Os alunos que alegaram como motivo trocar de escola
para uma mais perto de casa também estavam com problemas de desempenho.
Um quase repetiu e o outro só foi aprovado por ter a família apelado para a
reitoria da escola. Quanto aos que alegaram motivos financeiros, dois tinham sido
reprovados e o terceiro teve sérios problemas de nota.
6.8 Considerações Parciais
Pelas decisões do conselho, vimos que a família tem uma função muito
importante no destino dos alunos. De fato, a variável do envolvimento dos pais
com a escola é uma das que tem maior poder de discriminação entre os alunos
repetente dos não repetentes (Jimerson e outros, 1997).
139
A ausência do envolvimento dos pais pode ser decisiva, como foi para o
aluno do 8º ano do ensino fundamental, reprovado pelo fato de os professores não
terem nenhuma informação sobre a família que pudesse explicar o mau
desempenho do aluno. Já o outro aluno que, apesar de ter problemas de anotar, de
prestar atenção na aula, foi aprovado por saberem que a família estava passando
por graves problemas.
Ocorre que, ao falar com a escola, a família expõe sua privacidade, isso
cria uma fenda na esfera privada e as famílias podem ficar extremamente
desconfortáveis com essa exposição (Perrenoud, 2001). A crença, no entanto, de
que o sucesso escolar é fundamental para a vida adulta promove que a maioria das
famílias faça uma adesão às exigências escolares, inclusive no que tange à sua
intimidade.
A família foi importante também na aceitação ou não do veredicto escolar.
Dois alunos receberam a chance de fazer a recuperação por conta disso. Um
terceiro foi aprovado em um conselho extraordinário, depois de a família ter feito
um apelo à reitoria. Já os alunos que aceitaram o veredicto mais facilmente
ficaram com o primeiro julgamento feito pela escola.
Outro ponto para ser salientado é a questão do nível socioeconômico dos
alunos. Os dados qualitativos demonstram o que os dados quantitativos já tinham
apontado: são os alunos das camadas médias que mais se formam lá75. Vemos
que, na escola A1, os alunos pertencentes às camadas altas ou às camadas mais
pobres foram considerados de certa forma inadequados para o estabelecimento.
Podemos observar isso com vários comentários feitos nos conselhos.
Ainda que, em muitos momentos, os professores tenham sido benevolentes
com os alunos de situação financeira mais delicada, vemos que essa limitação
repercute na vida escolar. Por exemplo, um dos alunos do fundamental recebeu a
indicação de buscar um atendimento terapêutico, mas a família dele não teve o
que se chama de mobilidade para resolver esses problemas. O aluno foi
reprovado. Outro não tinha nem mesa para estudar. São casos mais raros na
escola, uma professora até se assustou com a situação de um dizendo que não
sabia existir na escola aluno com aquele perfil.
75 Conforme a tabela 9, da página 78.
140
O problema é ainda maior porque, de acordo com a fala dos professores,
para os alunos de poder aquisitivo mais baixo surge a questão do “ter ou não ter”.
A comparação com os colegas de turma gera um comportamento que não colabora
com o desempenho do aluno. Para um dos alunos, o professor tentou explicar que
a escola seria sua grande oportunidade, mas o aluno continuou a apresentar um
distanciamento pela diferença existente entre ele e seus pares. Essa questão
começa a aparecer nos alunos no final do ensino fundamental, por isso podemos
imaginar que seja um processo cumulativo: o aluno vai aos poucos se
desengajando do contexto escolar pelas diferenças que vão se apresentando.
Transcrevo o trecho do primeiro conselho de classe deliberativo:
Coord. Segmento – disse que ele é bolsista, que vem de família muito pobre. Vive em comunidade carente, começou a se comparar, não aceita a vida que ele leva. Começou a faltar. Pediu para os professores falarem com ele. Não conta com estrutura nenhuma, a família é doente. Uma situação que ela nunca pensou que fosse existir na escola. Não tinha nem mesa para estudar. Os livros que eram pedidos não conseguia comprar... Matemática – disse que falou docilmente para o menino que a única saída dele era o estudo. Redação – conversou com ele e recebeu todos os trabalhos. Coord. Segmento – no início do ano encarou como indisciplina, mas depois viu que o problema era outro. Hist. Música – é um garoto cordial. Biologia – não entregou os pontos. Hist. Mus. – ele é esforçado porque a despeito de tudo ele tem notas. Sociologia – é ótimo aluno. Lab. Física – disse que o caso dele não era como os meninos do ISMART76 que chegam na escola com a moral lá em cima por serem escolhidos como alunos especiais. No caso dele tem uma questão social, ele é um elemento estranho. Lab. Biologia – está lá desde o primário. Lab. Física – é na adolescência que isso aparece.
Os alunos das camadas altas são inadequados por não apresentarem a boa
vontade cultural necessária para realizar o projeto de excelência da escola. Em um
dos conselhos consultivos, sobre um aluno considerado fora do perfil da escola,
foi dito que ele era muito rico, que não prestava atenção na aula e depois tinha
“doses cavalares” de aula particular. Sobre outro, foi dito textualmente que o
excesso de dinheiro era um problema.
76 Programa do qual falei anteriormente, que seleciona alunos com bom desempenho em escolas públicas e paga bolsas de estudos em boas escolas particulares.
141
Essa percepção de inadequação também é vista pelos alunos. O filho de
uma pessoa importante no cenário político nacional foi um dos alunos que não
queria mais estudar na escola e foi reprovado. A razão do seu desejo de sair era
por ser a escola “puxada” demais. O coordenador também o considerava fora de
seu contexto, pois suas ambições de socialização juvenil iam se chocavam com o
projeto da escola de ter seus os primeiros colocados do vestibular. A transferência
foi para uma escola bilíngue, que começa no meio do ano, e por isso ele
conseguiu não ser reprovado.
De acordo com a orientadora, um segundo aluno, filho de uma família com
muito dinheiro, também usou a reprovação como estratégia para sair da escola.
Não queria ter todo o seu tempo dedicado aos estudos. Pediu transferência para
uma escola onde poderia fazer em dependência as duas matérias em que fora
reprovado e, portanto, não perderia o ano.
Nos dois exemplos, vemos que como Ballion (1977) afirmou “l’argent
efface l’échec”, ou seja, o dinheiro consegue “apagar” as reprovações que os
alunos sofrem. Os alunos das camadas altas conseguem superar as reprovações
com soluções que não afetam as suas trajetórias escolares.
A supervisora pedagógica relatou o caso de outro aluno que é interessante
para entendermos o que a escola quer. Um dos alunos do último ano do ensino
médio tinha deixado os estudos em segundo plano durante o ano letivo e foi
reprovado. No entanto, ele fez o vestibular e passou para uma boa universidade
pública. Tentou que o aprovassem na escola com esse argumento. Além do mais,
ele tinha estudado desde o primeiro ano lá. Os professores em conselho de classe
se negaram a aprová-lo, consideraram que um aluno nessas condições não pode
ter o diploma da instituição.
Parece, pois, que a seleção operada pela reprovação tem como função
oferecer um selo de distinção para os alunos advindos das camadas médias. Os
alunos formados pela escola serão poucos e bons.
7 Considerações finais: por que?
O trabalho aqui realizado propôs-se a descrever e compreender o
fenômeno da repetência nas escolas de prestígio. Tentei contemplar da melhor
forma possível as perguntas quanto, quando e como acontecem as reprovações em
escolas de prestígio. Minha proposta era tornar visível o que era invisível, isto é a
reprovação dos estratos mais altos, conforme Costa Ribeiro havia salientado. Foi
possível observar que efetivamente nas camadas médias e altas os níveis de
reprovação não são desprezíveis, e que, se comparados a outros países os alunos
brasileiros têm muito mais chance de estarem defasados.
O fato das reprovações apresentarem um padrão no momento em que elas
acontecem é uma indicação de que a reprovação é um mecanismo escolar
firmemente implantado no sistema educacional brasileiro.
Costa Ribeiro na tentativa de explicar as causas das nossas altas taxas de
repetência considerou seus aspectos histórico-culturais e funcionais. Sá Earp
(2006) também em uma visão culturalista explicou que os professores reprovam
por uma lógica que os faz reprovar e não por uma incapacidade de ensino.
Concordo que existe essa lógica, só não é possível estender para as escolas de
prestígio a eleição aleatória de quem será ensinado, como ela verificou na escola
pública. O próprio coordenador do ensino médio da escola A1 declarou que “aqui
não tem aquela história de turma do fundão, que não presta atenção na aula”.
Alguns alunos foram até considerados fracos, com dificuldades de estudo, mas a
reprovação não pareceu ser uma decorrência da eleição de alguns alunos para
serem ensinados
O meu ensaio explicativo toma outros rumos. Começo com o apoio do
estudo feito por Reis (2004) sobre a desigualdade na visão das elites e do provo
brasileiro, no que ela chamou de termos cognitivos e normativos. Para analisar a
questão, Reis partiu do pressuposto de que as noções de desigualdade e igualdade
são relacionais e que é no terreno das policies “que logramos explicitar nosso
entendimento da igualdade, pois tais políticas têm necessariamente que precisar
igualdade em relação a quê.” (ibid, p. 40). Seu estudo teve como referências
empíricas entrevistas e um survey onde foram questionados vários aspectos: os
principais problemas nacionais, políticas prioritárias no combate à desigualdade etc.
143
Reis verificou sobre a educação que para a elite brasileira este é um
“recurso privilegiado para se assegurar igualdade de oportunidades” (ibid, 48).
Em uma postura normativa, isto é, do que deve ser feito, as elites consideram que
a educação deve ser oferecida para todos, pois a igualdade para as elites está na
igualdade da oferta e não na igualdade de resultados ou de condições. Na verdade,
as elites apresentam um claro repúdio à ideia de igualdade de resultados ou
mesmo de igualdade de condições. Por isso as ações afirmativas são rejeitadas
como soluções políticas para os problemas da desigualdade (ibid).
É compreensível dentro deste contexto pensar que numa escola de
prestígio, a mentalidade seja a das elites. Garante-se um ensino de excelência, mas
existe um repúdio à ideia de igualdade de resultados. Até porque se todos forem
excelentes, ninguém o será (Perrenoud, apud Crahay, 1996). Por isso garantir o
aprendizado de todos poderia ser considerado aceitar a igualdade de resultados. A
repetência, portanto, seria apenas uma maneira razoável de separar aqueles que
podem seguir adiante daqueles que não se esforçaram o suficiente e devem ficar
para trás.
Até porque a própria ideia de escola meritocrática contribui para que
ocorra essa separação feita pela reprovação. A escola deixa de ser um direito de
todos e passa a ser algo para quem merece, pois existe para quem tem mérito, e
não para todos. O êxito pertence ao aluno e deve ser o resultado da combinação
talento e mérito.
Os professores incorporam esse modo de ver das elites pela posição que
ocupam. Eles mesmos se consideram elite, conforme foi possível apurar no survey
aplicado pelo SOCED em 200477. Além do mais como afirma Bourdieu:
sem dúvida os agentes constroem a realidade social, sem dúvida eles lutam e fazem transações que tem como objetivo a imposição de sua visão, mas eles fazem sempre com pontos de vista, com interesses e princípios de visão determinados pela posição que eles ocupam no mundo que eles querem transformar ou conservar.78 (tradução minha)
77 Tabela 30 – Frequência absoluta e relativa da auto-representação de ser da elite dos professores segundo a tipologia das escolas, escolas confessionais 70,4% - Mandelert(2005, 69) 78 Em francês: sans doute les agents construisent-ils la réalité sociale, sans doute entrent-ils dans des luttes et des transactions visant à imposer leur vision, mais ils font toujours avec des points de vue, des intérêts et des príncipes de vision déterminés par la position qu’ils occupent dans le monde même qu’ils visent à transformer ou à conserver. (1989, 8)
144
Por isso operam dentro das representações de uma elite. E assim, garantem
um excelente ensino a todos, mas não podem garantir o sucesso de todos. Essa
situação é bem clara, por exemplo, na discussão no conselho de classe sobre o
aluno bolsista que foi reprovado: como tinham oferecido as condições de ensino,
não se sentiram responsáveis pela sua reprovação. De certa forma, o aluno é que
não aproveitou a chance oferecida.
Já a população brasileira não considera tanto a educação como uma
política que pode assegurar igualdades de oportunidades. Acredita-se mais no
fator sorte para melhorar de vida. Demonstram assim uma visão mais cognitiva,
ou seja, do que é vivido, do que acontece dentro de sua percepção, a partir dos
horizontes possíveis. A alta escolaridade que possibilita uma mobilidade social é
uma oportunidade para poucos das camadas populares. As informações levantadas
por Soares (2006) com os dados de 2000 mostram como a visão do povo está
alinhada com a nossa realidade, pois no Brasil a possibilidade de se completar a
escolarização é muito pequena: apenas 8 crianças a cada 100 consegue completar
a educação fundamental sem nenhuma reprovação, 14 terminam com uma
repetência, 34 se arrastam com múltiplas repetências até o fim do fundamental. As
44 crianças restantes não conseguem completar o ensino obrigatório de 9 anos.
Uma segunda interpretação para as reprovações é a lógica das instituições
escolares de prestígio para se distinguir no campo educacional. Nesta lógica, a
seleção dos melhores candidatos para que estes representem a escola nas
avaliações de entrada para a universidade é fundamental para garantir sua posição
de distinção nos rankings escolares.
De fato com os dados das duas escolas foi possível observar a estreita
relação que existe entre a excelência acadêmica e a seleção escolar. A seleção,
entretanto, começa bem antes da reprovação efetuada pela escola. Com o prestígio
que as boas escolas alcançam por seus bons resultados, elas normalmente têm
mais alunos interessados em entrar do que vagas que elas possam oferecer. Isso
porque a oferta das melhores escolas é inelástica, isto é, conforme a qualidade das
escolas aumenta, não é possível aumentar na mesma proporção o número de
alunos matriculados. Isso faz com que elas possam selecionar os candidatos que
se inscrevem para serem seus alunos. Além disso, essas escolas realizam também
uma seleção econômica e social, pois são poucas as famílias que podem investir
na escolarização dos seus filhos com valores tão altos.
145
É claro que não podemos imputar o sucesso da escola apenas à forte
seletividade operada ao longo da trajetória dos alunos. A escola tem um empenho
enorme para que o aluno aprenda, mas sem dúvida a seletividade é um dos
elementos chaves do seu sucesso.
Talvez essa seletividade não tenha se operado sempre da mesma forma.
Ainda que não tenhamos dados históricos sobre o fluxo escolar nessas
instituições, podemos imaginar que talvez a expansão do acesso e a permanência
no sistema escolar por um contingente cada vez maior da população – inflação
dos títulos – tenha gerado uma desvalorização dos patamares anteriores. Essa
situação exige a criação de “distinções horizontais”- o que distingue não é mais
em que patamar os alunos chegaram, mas sim com qual “selo” – sobressaem-se aí
os colégios mais seletivos, os que formam as “elites escolares” (dentre esses “os
que se distinguem”.) Ou seja, a distinção não só no setor privado, mas dentre os
que situam nos patamares superiores das avaliações sistêmicas (ENEM, ENADE).
Esse tipo de construção de distinção já foi observado em Paes de Carvalho
(2004) e Vargas (2008) no caso do ensino superior. É o que Boudon chama de
“efeito perverso”:
Trata-se dos efeitos individuais e coletivos que resultam da justaposição de comportamentos individuais sem estarem incluídos nos objetivos procurados pelos atores.(1979, 12).
Com um maior número de adolescentes entrando no ensino médio, as
escolas criam mecanismos para que os títulos que elas conferem tenham mais
valor do que outros oferecidos por instituições do mesmo nível. O nível de
dificuldade das escolas aumenta. Até porque com a entrada das avaliações
nacionais como o Enem a competição por um lugar de destaque se opera em nível
nacional, não mais municipalmente como era outrora. A luta é por ser a melhor
escola do Brasil.
As camadas médias e altas aceitam a repetência dos filhos porque
consideram legítima a hierarquização feita pela escola. Pois parte do valor do
diploma que eles almejam vem da reprovação, da redução do número de
diplomados. A reprovação, portanto, é o efeito perverso da busca individual dos
atores pelo mesmo diploma. A reprovação é o preço que se paga para obter um
capital cultural objetivado na forma do diploma da escola de prestígio.
146
Até porque as camadas médias e altas podem acionar múltiplas estratégias
que de certa forma “apagam” o fracasso escolar, como demonstrou Ballion
(1977). Caso não alcancem o diploma que a instituição oferece, outro de menor
valia será conquistado que, apesar de possivelmente não oferecer o mesmo valor
de troca, com certeza não deixará seus filhos fora do jogo social.
Dessa forma, as escolas de prestígio podem selecionar apenas os alunos com
“perfil” adequado aos padrões de exigência da instituição, ou seja, aqueles com
condições de alcançar elevados patamares nas seleções para as universidades ou
nas avaliações estatais que confirmam a “excelência” dessas escolas.
Esse investimento, no entanto, não é o mesmo para todas as camadas
sociais. São os alunos das camadas médias que mais se adéquam ao projeto da
escola, por “colocarem todas as suas fichas” no valor que o diploma confere. Eles
são diferentes de alguns dos alunos de camadas mais altas, que por vezes optam
por outras instituições por considerarem o investimento e esforço necessário alto
demais, para se manterem nessas escolas e podem prescindir do selo deste capital
cultural institucionalizado.
A explicação pelo corte de classe se mantém, porém de uma forma
diferente da descrita por Bourdieu (1989) nas escolas públicas francesas. São
poucos os alunos das camadas populares que ingressam nessas instituições desde
o 1º ano do fundamental. Portanto, não é na escola que se traduz a desigualdade
social em desigualdade escolar, pois a desigualdade social impede até a entrada na
escola.
A seletividade social nas escolas estudadas passa a ser uma seletividade
distintiva. O corte de classe vai se operar no tipo de atitudes frente à escola, e à
possibilidade de ascensão pela escola (ibid, 49). São os alunos das camadas
médias que possuem o perfil desejado. São suas famílias que aderem mais
facilmente aos valores escolares e que possuem a boa vontade cultural necessária.
Disposições fundamentais para que o aluno e a sua família se mantenha
permanentemente sob pressão na zona de desconforto institucionalizadas dessas
escolas.
A crença de algumas famílias dessas escolas na alquimia que o diploma
oferece é tão forte que consideram que são seus filhos que não são merecedores
do diploma. Nas palavras ditas pelos professores nos conselhos de classe: as
famílias consideram que seus filhos “não dão conta da escola”. Em outras
147
palavras, são os filhos que não estão adequados, à altura da escola de prestígio na
qual eles ingressaram.
Também não podemos levar esta interpretação como uma camisa de força.
A realidade social é dinâmica. Apesar da reprovação ser importante na construção
da distinção ela encontra entraves para ser realizada. Nem todas as famílias
aceitam os veredictos escolares. Esse processo não é feito sem lutas. A escola por
sua vez também não pode exagerar na sua seleção sob o perigo de perder alunos
demais e desta forma perder sua saúde financeira. É o que vimos no novo
movimento da escola de inserir uma dimensão qualitativa na avaliação final dos
alunos.
Com esse trabalho várias perguntas surgiram e ficaram sem resposta. A
questão dos bolsistas ficou em aberto: como funciona a inserção desse grupo em
uma escola de prestígio? Pela opção do desenho de pesquisa a observação da
decisão de reprovação se circunscreveu ao espaço coletivo do conselho de classe.
Seria importante entender como se constrói o processo individual dos professores
na decisão das notas.
Centrei o meu trabalho nas escolas de prestígio, a visão dos alunos sobre
sua reprovação, e posteriormente sua vivência como repetente não foi
contemplada. Assim, como a perspectiva das famílias. Por isso considero que
minha pesquisa foi uma primeira aproximação de um fenômeno complexo sobre o
qual é necessário haver uma maior visibilidade - a reprovação das escolas de
prestígio.
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Anexos
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