Diálogos sobre a fronteira
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Un alto en el camino - E. Castells Capurro
[..] fronteira é vista não somente como a extensão dos limites, mas como uma área de interação, de
interdependência e de complementaridade.
Espaço quase sempre preenchido por extensos campos, apropriados em sua grande parte pelos
latifundiários, e com um sistema peculiar de cidades vizinhas, muito próximas, cuja base econômica foi
sempre a troca assimétrica de bens, serviço e homens.
Existia uma singularidade na organização interna deste espaço em relação às trocas.
Os fluxos eram típicos de uma produção baseada na pecuária extensiva, onde as tropas de gado se
deslocavam ora para abastecer os saladeiros uruguaios, ora para as charqueadas rio-grandenses.
Este fluxo de homens e mercadorias nos obriga a aprender este espaço levando em conta a
porosidade fronteiriça.
SOUZA (1995)
Jornal O Dever,
08/05/1915
[...] quando Portugal e Hespanha se ventilava a questão de limites das possessões americanas
das duas nações, o general hespanhol D. João José Vertiz e Salcedo, vice-rei de Buenos Aires,
marchou á frente de um exercito de cinco mil homens, com o propósito de conquistar todo o
territorio desde a Colonia do Sacramento até o forte portuguez de Rio Pardo, e chegando ás
cabeceiras do Rio Negro, escolheu uma posição vantajosa sobre a cochilia entre as principaes
vertentes do dito rio e as do camaquam, Jaguarão e Ibicuhy, e neste ponto culminante traçou e
fez construir uma fortaleza, a que o nome da virgem martyr Santa Thecla. Era o ponto mais
avançado na fronteira castelhana.
CIRNE (1897)
A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
[...] o espaço da campanha, com sua população e riqueza pecuária, viu-se envolvido
diretamente nessa disputa travada entre portugueses e espanhóis. Participou de
escaramuças, sitiamentos, confiscos de mercadorías, contrabandos, formação de milicias, que
se tornaram uma constante na região. [...] A disputa pelas terras da zona de fronteira
intensificou-se, pois a riqueza ganadeira dessas era enorme. As duas coroas militarizaram a
área, construindo fortes, destacando milícias de soldados e guardas de fronteiras. [...] Essa era
a situação vivenciada pelos homens e mulheres que habitavam as terras localizadas na divisa do
Rio Grande do Sul com o Uruguai e com a Argentina. Eles experimentavam a fronteira nos seus
dois sentidos: o de linha que separa e o de zona que aproxima.
REICHEL (2006)
A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
Mapa da Capitania do Rio Grande de São Pedro do Sul - 1809
A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
Mapa do Estado do Rio Grande do Sul, 1889
A ECONOMIA NO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
A ECONOMIA NO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
As novas charqueadas gaúchas transitaram do espaço pelotense, ou litorâneo, para o espaço da
campanha, ou da fronteira, localizadas aonde o gado era criado e utilizando-se de uma série de
vantagens que o comércio de trânsito e o contrabando permitiu. [...] Os charqueadores fronteiriços
não sobreviviam apenas do charque em si. Do boi era aproveitado a língua, os ossos, o pelo, o
rabo, etc. Além das indústrias de derivados, possuíam olarias, serralherias e outras fábricas que
poderiam funcionar no período da entressafra, tornando produtiva a vida dos operários. [...] Seu
proprietário, o português Antônio Nunes de Ribeiro de Magalhães, adicionou luxo e requinte na vida
rústica da fronteira. [...] O charque gaúcho manteve-se como o principal produto exportado no Rio
Grande do Sul durante a República Velha, competindo com os produtos coloniais e com os frigoríficos
que se instalaram no Estado a partir de 1917.
SOUZA (2006)
Em 1918, a contribuição do xarque no valor global da nossa exportação foi de apenas 29.329:910$000,
contra 42.845:253$8741 em 1917, em virtude das causas que apontei na mensagem do anno
transacto. Em 1919, porém, a exportação do xarque subiu, novamente, até 47.130:119$440,
ultrapassando, como se viu, o próprio total de 1917, com uma differença de 17.800:209$430 sobre o
de 1918. [...] Funccionam tambem, no Estado, actualmente, 28 xarqueadas: 05 em Pelotas, 01 em
Itaquy, 06 em Bagé, 01 em Uruguaiana, 02 em Quarahy, 01 em São Borja, 01 em Caxias, 01 em
Rosario, 01 em Camaquam, 01 em Santa Maria, 01 em Cachoeira, 01 em Jaguarão, 04 em São
Gabriel, 01 em Julio de Castilhos e 01 em Livramento. Além do xarque, esses estabelecimentos
preparam e exportam, em grande escala, couros, sebo, chifres e outros sub-productos.
RELATÓRIO DO PRESIDENTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1920)
A ECONOMIA NO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
A POLÍTICA NO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
Assim, o Rio Grande do Sul constitui-se num espaço fronteiriço, fato este que gerou um perfil
específico na sua história, à construção de sua sociedade e de sua formação política. Enquanto espaço
fronteiriço e em processo de formação no século XIX, foi palco de disputas, palco de fomento e
discussão de idéias e projetos políticos, [...] Com isso, a elite que se formou no sul do Brasil adquiriu
um perfil próprio, mas característico do contexto histórico e de um espaço fronteiriço. [...] Nesse
sentido, a elite farroupilha, composta de comerciantes, estancieiros, militares, charqueadores e
sacerdotes, nascidos ou não no Rio Grande do Sul, uniu-se na defesa de um projeto federalista. Porém,
é importante salientar que nem todo o rio-grandense foi farroupilha como nem todo farroupilha foi
republicano e separatista.
PADOIN (2006)
Cabe observar que, o centro físico do regionalismo localizava-se na Campanha, na sua área mais
extrema, onde se encontra com o Uruguai, seu centro político, ao longo da segunda metade do século
XIX, constituiu no Partido Liberal. Tanto que esse veio a desempenhar ativo papel de elaborador e gestor
político dos interesses enraizados junto às elites rurais. Papel que, para ser questionado, exigiu que o
florianismo e o castilhismo conduzissem o Rio Grande do Sul em direção a um escabroso banho de
sangue e impusessem à sociedade sul-rio-grandense – e também à brasileira, por força do convívio –
uma ditadura que se estenderia por impressionantes quarenta anos.
CARNEIRO (2007)
A POLÍTICA NO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
A base de sustentação do novo partido (Federalista) mostrava-se forte. Embora com predominância
de elementos da Fronteira, notadamente de Bagé e Santana do Livramento. [...] Já então tudo se
encaminhava para a guerra civil, que os federalistas preparavam afanosamente. Em fevereiro de 1893,
depois de empossado Júlio de Castilhos na presidência do Estado, a insurreição se declarava na região de
Bagé, com a invasão do caudilho Gumercindo Saraiva. A revolução que entrou para a história com a
denominação de “Federalista” foi de fato comandada pelo partido que Silveira Martins e os Silva
Tavares haviam fundado no ano precedente. Da insurreição, saíram os federalistas com a alcunha de
“maragatos”, alusão aos comandados de Gumercindo Saraiva, que precediam, em parte, do
Departamento de San José, no Uruguai. [...] A idéia central do pensamento dos federalistas era a
liquidação do castilhismo, representado sempre como a encarnação de uma tirania opressiva, cruel e
desligada da opinião pública.
FRANCO (2006)
A BELICOSIDADE NO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
A revolução eclodiu no dia 2 de fevereiro de 1893, quando os federalistas liderados por
Gumercindo Saraiva, passaram a Fronteira rumo a Bagé com mais de 400 homens, em grande parte
brasileiros, usando divisas vermelhas, mas também com número considerável de orientais, que
ostentavam divisas brancas, demonstrando sua vinculação com o Partido Blanco. [...] Os líderes
federalistas faziam constantes encontros preparatórios para a insurreição. A casa de Gaspar Silveira
Martins em Melo transformou-se no quartel-general dos revolucionários. As reuniões estendiam-se
noite adentro, tratando da obtenção do armamento e de contribuições pecuniárias de fazendeiros da
região. Junto aos estancieiros da Fronteira foi conseguindo montante significativo para os recursos
de guerra.
RECKZIEGEL (2006)
A BELICOSIDADE NO ESPAÇO FRONTEIRIÇO
EXISTE UMA FRONTEIRA GEOGRÁFICA, QUE ESPAÇO É ESTE?
EXISTE UMA FRONTEIRA LINGUÍSTICA, QUE ESPAÇO É ESTE? Jornal O Dever, 09/09/1927. p.02
EXISTE UMA FRONTEIRA MUSICAL, QUE ESPAÇO É ESTE?
Milonga de Contrabando - Luiz Menezes
Velha milonga Argentina, Uruguaia e Brasileira / Contrabandeaste a fronteira, na alma dos pajadores
Sempre a falar dos amores, na tua rima baguala / Se diferente na fala, no cantar de cada um
Tens esta pátria comum, no pampa todos iguala / Recorrendo a pulperia, velha milonga campeira
Que nas carpas de carreira, sempre um pinho se destapa / Milonga de gente guapa, suspiras num bordoneio
A história de um tombo feio, de alguma maula judiada / Chamarisco derramada, quando ao cantar de um
floreio / Milonga que noite adentro, vive a rondar os fogões
Falando em revoluções, em entreveiros de adaga / Milonga que não se apaga, do ritual do rancherio Que
todo índio bravio desdobra meio pachola / Quando ao cantar se consola, bombeando o catre vazio
Por isso velha milonga, já calejado dos anos / Vim cantar meus desenganos dos quais não guardo rancores
São penas dos meus amores, que fui guardando a lo largo / Cada um tem a seu cargo, um destino que lhe guia
E as penas são ironia, é o doce do mate amargo
EXISTE UMA FRONTEIRA MUSICAL, QUE ESPAÇO É ESTE?
Da esquerda para a direita: Daniel Drexler, Vitor Ramil, Ana Prada e Marcelo Delacroix, no Porto Alegre
Montevidéu sem Fronteiras, 2009 (Foto: Cristiane Rochol)
SER FRONTEIRIÇO, É SER MAIS QUE UM OU DOIS.
É SOMAR PARTES!
Jornal O Dever, 20/06/1919
PESAVENTO (2006)
SER FRONTEIRIÇO, É SER MAIS QUE UM OU DOIS.
É SOMAR PARTES!
Frontera – Jorge Drexler
Yo no sé de dónde soy, / mi casa está en la frontera (BIS)
Y las fronteras se mueven, / como las banderas. (BIS)
Mi patria es un rinconcito, / el canto de una cigarra. (BIS)
Los dos primeros acordes / que yo supe en la guitarra (BIS)
Soy hijo de un forastero / y de una estrella del alba,
y si hay amor, me dijeron, / y si hay amor, me dijeron, / toda distancia se salva.
No tengo muchas verdades, / prefiero no dar consejos. (BIS)
Cada cual por su camino, / igual va a aprender de viejo. (BIS)
Que el mundo está como está / por causa de las certezas (BIS)
La guerra y la vanidad / comen en la misma mesa (BIS)
Soy hijo de un desterrado / y de una flor de la tierra,
y de chico me enseñaron / las pocas cosas que sé / del amor y de la guerra.
EXISTE UMA FRONTEIRA MUSICAL, QUE ESPAÇO É ESTE?
REFERÊNCIAS
LIVROSCARNEIRO, Newton. Dissidência política e partidos: da crise com a regência ao declínio do II Reinado. In: HistóriaGeral do Rio Grande do Sul. 1ª Ed. Passo Fundo: Méritos, 2007. v. 2, Império.FRANCO, Sergio da Costa. O Partido Federalista. In: História Geral do Rio Grande do Sul. 1ª Ed. Passo Fundo: Méritos,2006, v.3, República Velha (Tomo I).PADOIN. Maria Medianeira. A Revolução Farroupilha. In: História Geral do Rio Grande do Sul. 1ª Ed. Passo Fundo:Méritos, 2006. v. 2. Império.PANITZ, Lucas Manassi. Por uma Geografia da Música: O Espaço da Música Popular Platina. Porto Alegre: UFRGS /PPGEA, 2010.PESAVENTO, Sandra Jatahy. Fronteiras culturais em um mundo planetário - paradoxos da(s) identidade(s) sul-latino-americana(s). Revista del CESLA, núm. 8, 2006, pp. 9-19, Polônia: Uniwersytet Warszawski.REICHEL, Heloísa Jochims. Fronteiras do Espaço Platino. In: História Geral do Rio Grande do Sul. 1ª Ed. Passo Fundo:Méritos, 2006, v.1.RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti. 1893: A revolução além da fronteira. In: História Geral do Rio Grande do Sul (1889-1930).1ª Ed. Passo Fundo: Méritos, 2007. v. 3, República Velha (1889-1930). Tomo I.Souza, Susana Blein de. Identidade e nacionalismo no processo de integração da fronteira uruguaia no final doséculo XIX. In: Humanas. Globalização, Nacionalismo e Regionalização. Porto Alegre, IFCH/UFRGS, v. 18, n.12, jan.-dez.1995.
DOCUMENTOSCarta de Tupy Silveira à Borges de Medeiros. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.Relatórios do Presidente da Província do Estado do Rio Grande do Sul. Acervo Digital: Hemeroteca Digital Brasileira.Acesso em 24 de abril de 2013. Link para acesso: http://memoria.bn.br/pdf2/720500/per720500_1920_00001.pdfCIRNE, João Antonio Cirne. Almanak do Rio Grande do Sul, 1897.