Diálogo e a Dialogicidade No Clown (Para Orientação 1.2)

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I. O Que é Clown? Clown, tradução inglesa para o termo palhaço, entretanto as duas palavras se diferentes etimológicamente. A palavra palhaço deriva do italian do paglia que significa palha. Os cômicos circenses costumavam preencher suas roupas com palha. Com isso, além de deformar o corpo com aspectos de grandes nádegas, seios avantajados ou enormes barrigas, o revestimento de palha amortecia as quedas e dava proteção para as acrobacias. Para tanto, estes cômicos ficaram conhecidos como pagliaccio, exatamente pela presença da palha no seu vestuário e é deste termo que, posteriormente, resulta no termo palhaço. (RUIZ apud SACCHET 2009) O termo clown começou a ser utilizado na Inglaterra do século XVI. Originou-se de palavras que indicavam tipos camponeses, rústicos, pessoas que viviam nos campos, longe das capitais e cidades grandes. Eram pessoas de baixa escolaridade e cultura rústica, conhecidas por clod e colonus. Esses termos, que podem ser traduzidos tanto para bronco, estúpidos, grosseiros, como também para matuto, jeca ou caipira serviam tanto para se referenciar a esse grupo de pessoas quanto para ofender, com isso os termos passaram a compreender-se com peso pejorativo. (CASTRO apud SACCHET 2009) Foi traduzido para o português como palhaço, mas tanto o termo clown quanto o termo palhaço são usados atualmente no pais. Há uma cisão conceitual advinda de um

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I. O Que é Clown?

Clown, tradução inglesa para o termo palhaço, entretanto as duas palavras se

diferentes etimológicamente. A palavra palhaço deriva do italian do paglia que significa

palha. Os cômicos circenses costumavam preencher suas roupas com palha. Com isso,

além de deformar o corpo com aspectos de grandes nádegas, seios avantajados ou

enormes barrigas, o revestimento de palha amortecia as quedas e dava proteção para as

acrobacias. Para tanto, estes cômicos ficaram conhecidos como pagliaccio, exatamente

pela presença da palha no seu vestuário e é deste termo que, posteriormente, resulta no

termo palhaço. (RUIZ apud SACCHET 2009)

O termo clown começou a ser utilizado na Inglaterra do século XVI. Originou-

se de palavras que indicavam tipos camponeses, rústicos, pessoas que viviam nos

campos, longe das capitais e cidades grandes. Eram pessoas de baixa escolaridade e

cultura rústica, conhecidas por clod e colonus. Esses termos, que podem ser traduzidos

tanto para bronco, estúpidos, grosseiros, como também para matuto, jeca ou caipira

serviam tanto para se referenciar a esse grupo de pessoas quanto para ofender, com isso

os termos passaram a compreender-se com peso pejorativo. (CASTRO apud SACCHET

2009)

Foi traduzido para o português como palhaço, mas tanto o termo clown quanto

o termo palhaço são usados atualmente no pais. Há uma cisão conceitual advinda de um

distanciamento teórico entre diferentes escolas e tradições artísticas presentes no Brasil

e no mundo, e que dá ao termo clown uma enfase maior. Por um lado o declínio e a

desvalorização do circo tradicional, mambembe, de lona desvaloriza o termo palhaço.

Por outro a ascensão da tradição teatral aliada à produção de pesquisa acadêmicas, que

proporcionaram um aprofundamento teórico, fortaleceram o termo clown. Com isso, os

dois termos passaram a ser utilizados para discriminar as duas práticas. Clown ficaria

para designar a tradição mais teatral, acadêmica e palhaço para designar o artista de

circo e feira. (SACCHET, 2009) Esta pesquisa utilizará os termos clown e palhaço de

forma genérica, sem distingui-los entre si. Podem ser utilizados livremente, mas sempre

designarão o mesmo sentido.

Na tradição circense, até meados do século XIX, o clown caracterizava-se por

satirizar e parodiar os números do próprio circo, com isso, todo artista cômico

responsável por estas sátiras passaram a ser conhecidos como clowns. No campo do

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circo, designava-se ao clown a participação em pequenas cenas que exploravam o

caracter lúdico e tolo das experiências humanas. Desde então até a contemporaneidade

“O jogo do clown se centra no paradoxo de não se levar muito a sério, o que

permite com que ele brinque com o que quer que seja. Desta maneira pode tocar

em tabus e explicitar aquilo que não pode ser dito senão a partir do próprio fato

colocado ao avesso.” (DORNELES, 2003, p.17).

Essas cenas começaram a ser executadas por duas figuras distintas, mas

essencialmente clownescas; O Clown Branco e o Augusto. O Branco personifica o

caráter apolíneo. Seus gestos são exatos e majestosos, educados e com trajes sempre

elegantes. Nomeado assim pelo seu tipo de maquiagem que cobria todo o rosto de um

branco intenso e ressaltava apenas as sobrancelhas e de vermelho intenso a boca e as

orelhas apenas. Essa figura recebe ordem própria e demonstra superioridade em

referência ao Augusto, mas ainda assim cômica. O tipo Augusto, por sua vez, revela o

dionisíaco. Suas características revelam as raízes do nome clown. Bronco, estúpido e

desajustado o Augusto se apresenta como a figura mais próxima do que se pensa sobre

palhaço no senso comum. O seu nariz vermelho remete a estupidez de cair de cara no

chão e do álcool ingerido, que avermelha o nariz e as bochechas. (BOLOGNESI,

2003).

O clown traz consigo uma liberdade cênica e existencial. Mesmo a dialogar

com as técnicas cênicas mais clássicas, onde o texto, marcações dos atores e demais

aspectos desta linguagem são bastante presentes, o clown não recebe este rigor na

execução de seus números e pode negar o virtuosismo das técnicas circenses. Ele brinca

com sua performance tal qual brinca com as questões humanas que aborda.

Cenicamente ele adquire a liberdade de improvisar sem avisar com antecedência aos

seus parceiros, subverte os sentidos originais das palavras e do próprio roteiro e quebra

com as construções predefinidas dos personagens. Espera do público que apenas não o

levem ele tão à sério. Mas enquanto ele demonstra fingir um quadro de sensações e

sentimentos, ao mesmo tempo faz o público desconfiar que aqueles são realmente os

sentimentos que possui (DORNELES, 2003).

Observações genéricas e superficiais podem perceber o clown como um

personagem criado por um ator para ser utilizado num enredo cênico. Reconhece-se o

clown como estado de prontidão e brincadeira em que o sujeito se permite caricaturar e

expandir ele mesmo na sua fragilidade e no seu grotesco. Na busca deste estado se faz

necessário que o individuo entre em contato com o seus fracassos, com o que há de mais

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vergonhoso em si e passe a se reconhecer como frágil ao romper com o próprio

narcisismo. Assim “inverte a lógica do fazer para o ser, pois o que ele mostra é a si

mesmo. Precisa ser e não representar. Precisa entrar em ‘estado-clown’, que é o de ser

simplesmente, sem o esforço que existe no ‘parecer’” (DORNELES, 2003, p. 52).

O clown não foi inventado por uma pessoa especifica, tão pouco um produto

exclusivamente ocidental. O arquétipo desta figura vai além da maquiagem já

conhecida, das roupas engraçadas e da voz excêntrica. Elementos que constituem a base

arquetípica do clown são encontrados tanto em figuras da civilização egípcia 2500 a.C.

como em tripos Indígenas Norte Americanas. Os ancestrais da figura do clown estão

ligados sempre a indivíduos excêntricos e que permeiam a margem das civilizações, ou

seja, pessoas consideradas esquisitas por beberem demais, serem loucas, deformadas ou

que protagonizam cenas bizarras, elementos ligados à loucura e aos xamãs que

subvertiam a ordem litúrgica e social, mas muitas vezes ligados também à cura,

aconselhamento e vidências. As atitudes cômicas dos clowns possibilitavam fenômenos

terapêuticos. Quando o clown lida com questões de cunho escatológico ou sexual, por

exemplo. "Rindo de assuntos tabus, a comunidade confronta a inibição de uma maneira

aberta e substitutiva" (TOWSEN, apdu DORNELES, 2003. p.19).

Na Idade Média, festas de caráter cômicos eram produzidas e frequentadas pelo

próprio clero católico. O contexto profano e que subvertiam a hierarquia e a seriedade

da Igreja Católica não agradavam à instituição, mas era tolerado. Dentre os vários tipos

que participavam da festa, homens vestidos de mulher, outros com roupas extravagantes

e coloridas, outros a imitar animais, havia também os clowns. Estes atuavam com gestos

obscenos, atos grosseiros e escatológicos (DORNELES, 2003).

Bakhtin (apud DORNELES, 2003) afirma que estas festas davam voz aos

pensamentos, eram a fala do povo. Enquanto a Igreja contemplava o plano espiritual,

eles contemplavam o profano e o grotesco, desmistificavam os jargões religiosos,

colocavam ao avesso a moral e os costumes vigente e mexiam com a estrutura

iconográfica da Igreja. Essa conduta de profanar o divino e colocar as estruturas

clericais faz do clownesco uma religião pelo avesso. Enquanto a Igreja trabalha com o

religare divino, o clown, com o riso, faz o caminho inverso e religa o homem à sua

humanidade. (DORNELES, 2003)

Alguns grupos de clowns passavam a ganhar um poder indireto, mas

oficializado. Quando a Igreja proibiu uma dessas festas, o Duque de Burgundy assinou

um decreto onde ordenava que a festa fosse mantida. Com isso um grupo chamado

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Companhia de Fools se consolidou, com um papel excêntrico no social. Os membros

dessa companhia tomavam para si a tarefa de promover shows de humilhação, a satirizar

atos que feriam os bons costumes, como o roubo e espancamento de esposas. Estas

festas começaram a tomar proporções cada vez maiores, desdobrando-se no carnaval e

diversas outras festividades. (DORNELES, 2003)

Com a contra-reforma se baniu esse humor mais chulo e baixo, no entanto no

Carnaval ainda se permitia um humor comedido, um riso subversivo e menos explicito

que nas outras modalidades. O debate que discute até onde pode ir o humor já existe

desde 1558. Até o renascimento as piadas ofensivas eram mais aceitas. Os próprios

padres muitas vezes eram humorados e bufonescos. A ideia de pudor começou a ser

construída durante essa época, já que antes disso até carnificinas eram proporcionadas

para o lazer da corte, junto com bobos, malabaristas e mágicos. Com uma ideologia que

propunha um processo civilizatório, em 1520, os costumes começam a mudar

drasticamente. Proibiu-se o riso e piadas na hora das missas ou que usasse como tema a

religião e os sermões dados pelos padres. Na mesma época começa o declínio do bobo

da corte e aparecem os livros de costumes que delineavam as atitudes de etiqueta. Estes

livros desaconselhavam as gargalhadas e se não contidas, que ao menos se escondessem

os dentes com as mãos (DORNELES, 2003).

(sugestão: É preciso fazer um link do primeiro capítulo para o segundo capítulo. Não é

interessante começar a fala de Gesltat-terapia no seco. Se tiver mais informação sobre

esse lado mais subjetivo do clown, como o Estado-Clown, acho válido acrescentar

mais.)

II. O Que é Gestalt-terapia?

A Gestalt-terapia conhecida como uma teoria psicoterápica existencial-

fenomenológica, estabelecida por Frederick Perls e Laura Perls, na década de 1940,

utiliza-se do diálogo como instrumento de conscientizaçãodos dos consulentes com o

objetivo de torná-los conscientes do que fazem, como fazem, como podem transformar-

se e, concomitantemente, aprender a aceitar e valorizar a si mesmo. (YIONTEF, 1998)

A abordagem gestáltica percebe o homem como ser relacional, provido de

singularidade e liberdade para realizar escolhas vividas, entretanto com angústia e

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inquietação, já que não pode escolher todas as coisas e precisa renunciar a muitas

possibilidades. (CARDELLA, 2002) (Aprofundar este paragrafo)

Assim, tanto para a gestalt-terapia como para o existencialismo, o homem se

apresenta como intérprete mais fiel de si mesmo, centro de sua própria liberdade e

libertação, detentor do pode sobre si mesmo, ainda que, momentaneamente, tenha

perdido essa aptidão para autogovernar-se. O homem, ser em projeto, faz-se em

processo, capaz de fazer opções e escolher o que deseja ou pretende ser. Livre para

realizar suas escolhas e, portanto, responsável por suas ações (idem, p.35).

A gestalt-terapia aborda tanto os aspectos subjetivos percebidos no presente,

como os aspectos objetivos observados. Ela lança mão de awarness e/ou insight. O

insight se dá na compreensão clara da estrutura, situação e da formação de padrões do

campo perceptivo, de tal maneira que as realidades significativas ficam aparentes. A

awaraness, por sua vez, se dá na maneira como o individuo se torna consciente,

essencial para a investigação fenomenológica. Com isso, a Gestalt-terapia utiliza-se da

awaraness e da experimentação para alcançar insight. (YONTEF, 1998) - (Trabalhar

um pouco mais o conceito de Awarenesse. Fazer uma conexão entre o conceito de

Awareness e Contato.)

Nota-se, em toda obra de Perls, o cuidado em esclarecer as relações de

individuo e sociedade, e articular os níveis biológico e sociocultural (TELLEGEN,

1984). Kurt Goldstein é apontado por Perls como o introdutor do conceito de

organismo como um todo e que não se pode separar o organismo do ambiente. “Assim,

temos sempre que considerar o segmento do mundo em que vivemos como parte de nós

mesmos. Aonde quer que vamos, levamos sempre uma espécie de mundo conosco”

(PERLS, 1977. p.21)

O campo é o todo, no qual as partes estão em relacionamento imediato e

reagem umas às outras, e nenhuma deixa de ser influenciada pelo que acontece em outro

lugar do campo. A partir disto, iremos compreender como o individuo faz contato e

como este contato se relaciona nesse campo (YONTEF, 1998).

A palavra contato baliza o intercâmbio entre o individuo e o ambiente que o

circunda dentro de uma visão de totalidade, visto que o organismo e meio são um todo

indivisível. Com isso, o contato se caracteriza como dinâmico, ativo e dependerá

sempre do acordo entre as partes envolvidas (D’ACRI; et. Al. 2012).

O contato não pode aceitar a novidade de forma passiva ou meramente se ajustar

a ela, porque a novidade deve ser assimilada. Ele ocorre no limite denominado fronteira

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de contato. A fronteira une e separa tornando-se mais ou menos permeável, e, dessa

forma, favorece, dificulta ou impede o contato (idem)

O contato mostra-se como o reconhecimento do outro, o lidar com o outro, o

diferente, o novo e o estranho. Numa situação de contato, estamos inevitavelmente

sujeitos à possibilidade da novidade e do imprevisto (LOFFREDO, 1994). As trocas

nutritivas entre o organismo e o ambiente contêm experiência que possibilitam o

desenvolvimento do organismo. O que for assimilado pela seletividade do contato, será

aceito como nutritivo na experiência vivida e única deste organismo, e assim, o

significado do nutritivo determina-se a partir do sentido peculiar de organismo, ou seja,

de cada individuo. A troca se faz no diferente, nas possibilidades de mudança, e o

inassimilável será descartado (D'ACRI; et al, 2007).

Esta forma de fazer contato se liga diretamente à identificação e alienação. “Eu

me identifico com meu movimento (...). O eu parece ser mais importante que o outro”

(PERLS, 1977, p.23). A alienação se refere ao estranho, ao inimigo desconhecido que

está além da fronteira.

O contato possibilita que a relação ocorra, e permite a união e a separação entre

as pessoas. O encontro acontece sempre em três direções; comigo, com o outro, com o

mundo. Essa dualidade entre união e separação permitem que o ser humano possa

identificar as diferenças de sua própria identidade com a do outro. O sujeito se percebe

na diferença e na troca se motiva a buscar a mudança (PONCIANO, 1997).

A função do olhar possibilita o contato consigo mesmo e promove o contato

evidencial, descrito como a habilidade do organismo de perceber acontecimentos ou

ações que não pertencem ao próprio ato de olhar. Ambas as formas se fazem essenciais

na existência do sujeito e o equilíbrio se torna crucial. Contudo, o contato visual nem

sempre acontece e levará a experiências desprazerosas àqueles sujeitos que se

encontram em seu limiar. A fim de evitar a sobrecarga, o ser humano faz uso de dois

bloqueios na tentativa de impossibilitar o contato; a deflexão e o olhar fixo. Ambas

objetivam impedir o contato pleno com o outro, no entanto a deflexão consiste em

desviar o olhar do objeto de contato e o olhar fixo em olhar fixamente ao contrair os

músculos oculares que promove o contato morto. (POLSTER; POLSTER, 2001)

(Falar mais sobre o olhar (POLSTER: POLSTER, 2001, p. 142)

A Gestalt-terapia baseia-se no conceito de existencialismo dialógico, ou seja, no

processo de contato e de afastamento Eu-tu. Um diálogo existencial acontece quando

dois indivíduos se encontram como pessoas, em que cada um é impactada por e

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responde ao outro. Não se trata de monólogos sequenciais preparados. O diálogo na

Gestalt-terapia foi ampliado para incluir um encontro entre duas pessoas, mesmo sem

palavras, como, por exemplo, a usar gestos e sons não-verbais. Um pianista poderia

dialogar com uma orquestra. Dois dançarinos podem dialogar sem palavras (YONTEF,

1998).

A atitude dialógica, assim como a atitude clownesca, dirige-se a outra pessoa de

modo a não trata-la como um objeto a ser manipulado. O Gestalt terapeuta faz o seu

contato com uma atitude eu-tu, em vez de utilizar-se de uma postura controladora, de

condicionamento e manipulação, de exploração do consulente e outras formas de eu-

isto. Os terapeutas que vão ao encontro dos consulentes, com a visão de que eles não

são capazes de se auto-regularem não tratam o outro como uma pessoa. O compromisso

com o diálogo mostra-se no relacionamento baseado no que a pessoa está a

experienciar, e respeito ao que o outro experiencia.

Conforme a terapia gestáltica, a autorregulação se configura como a base para a confiança na

fonte da vida, e por meio dela nos dirigimos à realização como a melhor expressão de nós

mesmos. Uma forma de reconhecermos o que somos e confiar que, se deixar de lado o controle,

chegaremos a ser quem somos (D’ACRI; et. al., 2012, p.32).

Não se mostra necessário programar, incentivar ou inibir de maneira deliberada.

Deixam-se as coisas livres, elas regularão a si próprias de maneira espontânea, e se elas

forem perturbadas, tenderão a reequilibrar-se (PHG, 1997). A auto-regulação dá-se no

processo pelo qual o organismo interage com seu meio, ou processo pelo qual o

organismo satisfaz suas necessidades na busca de um equilíbrio que se apresenta sempre

dinâmico (CARDELLA, 2002).

A vida caracteriza-se por um jogo permanente de estabilidade e desequilíbrio. A

satisfação de uma necessidade traz estabilidade ao individuo, enquanto o surgimento de

uma nova necessidade o desequilibra, gera tensão, e o motiva na busca de uma nova

satisfação (p.46). (Quem é o autor dessa belezinha?).

O ajustamento criativo se dá nesta auto-regulação, na abertura ao novo, no

contato vivo, referindo-se à formação de novas configurações pessoais, ou gestalten, a

partir da entrada de novos elementos através da experiência de contato. Ou seja, o

ajustamento criativo acontece como superação de antigas estruturas relacionais que já

não funcionam, através de um processo de re-estruturação com a integração do novo

(LOFREDO, 1994). Trata-se da auto-regulação do fluxo figura/fundo através do

contato. No livro, Gestalt-terapia os autores definem psicologia como o estudo dos

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ajustamentos criativos. Seu tema é a transição sempre renovada entre a novidade e a rotina que

resulta em assimilação e crescimento. Correspondentemente, a psicologia anormal é o estudo da

interrupção, inibição ou outros acidentes no decorrer do ajustamento criativo. (PERLS;

HEFFERLINE; GOODMAN, 1951/1997, p. 45).

O ajustamento criativo se define como característica do processo de maturidade,

como relacionamento entre o individuo e seu meio no qual há responsabilidade da

pessoa em reconhecer e conduzir de modo bem-sucedido sua própria vida. Além disso,

o mesmo se torna capaz de criar condições vantajosas para seu bem-estar. “No

ajustamento saudável, a criatividade pode ser entendida como a posse pelo individuo da

aptidão de se orientar pelas novas exigências das circunstâncias, possibilitando inclusive

uma ação transformadora.” (D’ACRI; et. al., 2012, p.21). O ajustamento criativo torna-

se fundamental à autorregulação humana, pois, os ajustamentos podem se cristalizar,

assumir formas crônicas de relação em determinado âmbito da vivência e adquirir

formas alienadas das condições atuais.

Uma das características que definem um gestalt-terapeuta é a busca do estilo próprio. Nesse

sentido, se as características pessoais do terapeuta são enfatizadas como instrumento de trabalho

numa abordagem fenomenológico-existencial, esse instrumento deve tornar-se cada vez mais

afinado e único, para que ele possa colocar-se na relação terapeuta-cliente de forma mais

genuína (LOFFREDO, 1994, 93).

O terapeuta deve colocar-se, tanto quanto

possível, na experiência do outro, sem julgar, analisar ou interpretar, enquanto retém

simultaneamente um sentido da própria presença, independente e autônoma. A prática

desta inclusão fornece um ambiente de segurança para o trabalho fenomenológico do

paciente, e, pela comunicação da compreensão da experiência do paciente, ajuda-o a

tornar mais aguda a sua auto-awareness. Com regularidade, critério e discriminação ele

expressa suas observações, preferências, sentimentos, experiência pessoal, pensamentos,

como parte do relacionamento terapêutico. (YONTEF, 1998) “O terapeuta também,

como o artista, age a partir de seus próprios sentimentos, usando seu próprio estado

psicológico como um instrumento da terapia” (POLSTER, 2001, p.35).

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Recortes

Um cômico que se apresenta ao mundo como descrito por Renato Ferracini (2003,

p217) “como a dilatação da ingenuidade e da pureza inerente a cada pessoa [...] é lírico,

inocente, ingênuo, angelical, frágil”. Completada por Luiz Otavio Burner (apud

FERRACINI) como alguém que “nunca interpreta, ele [o clown] simplesmente é. Ele

não é uma personagem, ele é o próprio ator a expor seu ridículo, mostrando suas

ingenuidades”. Mas não só isso, este trabalho vê o clown como um estado, assim como

Kasper (2004) “o que nosso trabalho busca apreender é a potência – enquanto poder de

fazer-, o que se aciona como palhaço, como o clown.” E essa potência não se exprimi

apenas na ingenuidade e delicadeza lírica, mas também no grotesco. Palhaços como

Chacovachi e Palhaço Azia que trabalham com o grotesco e com a agressividade.

Também conhecidos como bufões, eles são uma outra faceta possível do estado clown,

onde a exacerbação vem do bufo, da agressividade.

O jogo como terapia / Improvisação terapêutica

“Pratica coletiva que reúne um grupo de “jogadores” (e não atores) que improvisam

coletivamente de acordo com um tema anteriormente escolhido e/ou precisado pela

situação.” (PAVIS,2008, 222p.)

O jogo, em grupo ou individual, é uma terapia em si. Proporcionar um espaço

lúdico para o individuo jogar e expressar comportamentos sociais exercidos no mundo é

uma terapêutica com aplicações imediatas. O ato de jogar é sempre uma experiência

criativa. Uma experiência que se situa no continuum espaço-tempo da vida.

(WINNICOTT in RYNGAERT, 2009, 35)

Presença.

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A presença se mostra como uma qualidade difícil de se descrever. Não se percebe pela

observação superficial do físico, mas sim pela sensação da energia vital do individuo. A

presença não se caracteriza pela demonstração corpórea de atenção. Estar presente é

estar disponível e imerso na situação imediata ao mesmo tempo que se está aberto aos

acontecimentos e as mudanças que eles podem proporcionar. “Estar no jogo

desencadeia uma disponibilidade sensorial, motora [e afetiva] que libera um potencial

de experimentação. (RYNGAERT, 2009, 55p)

A escuta

“Aparentemente nada mais simples: escutar um parceiro consiste em se mostrar

atento a seu discurso ou a seus atos e, consequentemente, reagir a eles. Muitos [...]

simulam escutar, manifestam por algumas mímicas que são todo ouvidos ou opinam

ostensivamente com a cabeça. [...] A verdadeira escuta exige estar totalmente receptivo

ao outro.” (RYNGAERT, 2009, 56p)

Ingenuidade

A postura ingenua consiste na “capacidade de não antecipar o

comportamento do outro mediantes suas próprias reações.” (57p)

REFERENCIAS

BOLOGNESI, M. FERNANDO. Palhaços. São Paulo: Editora Unesp, 2003. CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. A construção do psicoterapeuta: uma abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2002. CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. A construção do psicoterapeuta: uma abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2002. D'ACRI, Gladys; LIMA, Patrícia; ORGLER, Sheila (Org.) Dicionário de gestalt-terapia: "gestaltês". São Paulo: Summus, 2012. DORNELES, J. LEAL. Clown, o avesso de si: uma análise do clownesco na pós-modernidade. Rio Grande do Sul, 2003.

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FERRACINE, RENATO. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. 2ª ed. São Paulo: Editora Unicamp, 2003. 300 p. LOFFREDO, A.M. A cara e o rosto: ensaio sobre gestalt-terapia. São Paulo: escuta, 1994. PERLS, Frederick, Salomon. Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977. POLSTER, Erving; POLSTER, Miriam. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001. 321 p. RIBEIRO, Jorge Ponciano. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 1997. 102 p. SACCHET , P. O. FREITAS. Da discussão “clown ou palhaço” às permeabilidades de clownear-palhaçar. Porto Alegra, 2009. TELLEGEN, Thérère Amelie. Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica. São Paulo: Summus, 1984. YONTEF, Gary M. Processo, diálogo, awaress. São Paulo: Summus, 1998.