Dez Anos - Gustavo Corção [docx]
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Falam críticos holandeses:
"Se a editorn não nos tlvesimdado alguns dados biográficos deCol'ção, tel'famos maginado umaes!cie de #a!ini brnslletro. atllado es!frlto, nteressado cm !roblemas escatol$gicos, ávidode sabei% o mais !osslvel as coisas da vida . &udo lhe ns!irauma observação. embra (sv)*es Cheste+ton !ela escolhados !roblemas e !elo modo deresolv)-los, !artindo do absur do.orali*a do !a+tlcular !ara ouniversal, do concreto !ara ometafisico". ( Pa1il Hatmonl
"/ls um ltvrn 0ue está. ( mar gem da habitual !rodução de+%1- mances. 2 llngutigem teme3 !ressão !otica e !lást4ea e, o0ue mais im!ortante, revela umes !írito de uma agude* 0uasealu cimmte. 2nnllsa homens ecoi sas, como um bisturi cortaas mais finas fibras, numn
lingua gem (s v)*es sarcá.st4cn ecarica tural".
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9rtega % 5asset, um ensaísta...........1479 homen+ llassa......................1532 insol)ncia da mediocridade..............159osáico...............................165#rismas........................................................................171Polf gang 2madeu o*art..........................................177
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Centenário de o*art . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .nc)ndios e emerg)ncias . . . . . . . . . . . . . . . . .isria e 5rande*a . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 &ragdia da du!licidade . . . . . . . . . . . . . . .Suicídio e ar tírio . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Caridade e car idade . .. . . . . . . ... . . . . . ....#er$n e a greQa . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . .. . .arte em o!osição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..2 instabilidade da moeda . . . . . . . . . . . . . . . . .2gradecim ento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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2migo leitor, a0ui estão tr)s dG*ias de crNni casres!igadas em de* anos de Qornalismo, e ar r umadas emdesordem cronol$gica . inha !ri meira idia, 0uandome sugeriram esta e3umação, foi a de lhe dar o título"#r$s e Contras" 0ue me !arecia ter a vantagem delembrar um retinir de es!adas. 2dvertiram-me davulgaridade e eu mes mo me adver ti da !etulRncia detal e !ígrafe. /f e tivamente, se houve com bate, br ilhonão houve, e muito menos vit$r ia e luta assimdestituída de lances e de resultados a!r eciáveis nãomerece a )n fase de um letreiro na ca!a & livro .nclinei-me a uma denominação 0ue ainda lembrasse aidia de luta, com f eição t-1davia mais discr eta: "/mtem!o e contratem !o". as um autor mais ágil !assou-me frente, e im!ediu-me de usar a ins !iração do
.
te 0ue o a!$stolo incita &im$teo a lutar !u ve lhos uma ve* 0ue nada de novo e3iste sob o sol
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te3toem
0ue o a!$stolo incita &im$teo a lutar opportune et importune.
lT"'i0uei sem r$tulo !ara minha droga.udando de Rngulo, !onderei 0ue talve* fNssemelhor advo gar, desde o título, o direito de
!u blicar !a!is
ve lhos, uma ve* 0ue nada de novo e3iste sob o sol .Substituiria a !ugnacidade !aulina !elo desconsNlo do/clesiastes, dando ao volume o nome "=ada de novo"mas logo me !rovaram 0ue eu estaria fa *endo !ssimaadvocacia, !ois, em ve* de encara
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Qar, eu desanimava o leitor desde a vitrina do livreiro . #oucas serão as coisas 0ue se !odem a!regoar
!ela maior velhice, e certamente entre elas não
estão as idias, 0ue hoQe se de!reciam de ano emano, como os modelos de autom$vel. Se, !or outrolado, !rocurasse uma !alavr a 0ue tradu*isse a !erene frescura de uma doutrina, salvava-se a modernidade, mas ficar iam !resunçosas demais estastr)s dG*ias de crNnicas.
8esistindo de 0ual0uer titulo sugestivo ou significativo, fi3ei-me neste 0ue ao menos singelo."8e* anos" 0uer di*er a0ui e3atamente o 0ue di*:de +DKJ a +DEJ, e !or conseguinte de meus cin
0Venta aos meus sessenta. 9s ar tigos são variadoscomo as circunstRncias da vida, e tambm mon$tonos como as mesmas circunstRncias. =ão sei o0ue sentirá o leitor 0ue acaso Qá tenha lido algunsd)les . 2 mim, a im!ressão 0ue essas !áginas re!etidas me !rodu*em melanc$lica. =ão 0ue as re
!udie ou 0ue delas me arre!enda. 9 fato de estarem elas a0ui, estando eu vivo, !rovam o contrário.@ealmente, salvo alguma construção verbal, ou al
guma !re!osição, tornaria hoQe a escrever o 0ueescrevi. =isto estou com #ilatos: #uo$ s%ripsi!s%ripsi.
9 mal estar 0ue sinto talve* me venha da !r$ !ria convicção 0ue hoQe mantenho do 0ue ontemdisse . =uma !ágina 0ue o leitor encontrará maisadiante, su!osta sua !erseverança, eu me abri, numsábado de delírio, e confessei !ublicamente a inve
Qa 0ue tenho da graciosa liberdade dos !oetas, e não
f:W/< 2=9S ++
.,.7tuítei a tentação 0ue (s v)*es me acomete de de
satar o doido 0ue trago sob cust$dia. as não !osso . Sou militante . /nga Qado . Com!rometido
. ) Com sete deveres de estado e com !romessas no
cu. @ ecentemente assaltou-me a mesma nostalgiaX '
&a dis!oni bilidade, 0uando andei !elas ruas atrás de 'um amável cronista 0ue seguia a borboleta ama% rela. Hem 0uisera, bem 0uisera, mas não !osso.
Sou militante . al ou bem, devo tra balhar na dis 1tr ibuição de artigos alimentícios. 8evo moer farinha !ara as almas.
as o !ior não isto. ?encida a tentação, aceito o !Nsto no dis!ensário das idias nutritivas, o
!ior o sentimento da inutilidade do serviço . 9militante 0ue veio cum!rindo, como !Nde, a obrigação de e3!licar e de re!etir, desconfia hoQe 0ueconseguiu agradar sem conscg%uir convencer .
=ão se 0uei3a dos leitor es, mas tambm não temcomo se gabar dos resultados atingidos.
=ão !osso, realmente, 0uei3ar-me do !Gblico,
0ue me tem cumulado de merc)s . #ensando no regime em 0ue viveu um HloO, e na misria em 0uemorreu um o*art, at me envergonho dos favores 0ue rece bi, e 0ue mais me a!ro3imam dos medalh7es e dos acad)micos do 0ue dos grandes. =ofim de sua curta e desordenada vida, #roust di*ia 0ue doravante s$ deseQava ser lido . Fui lido,tanto 0uanto !ode deseQar 0uem nasceu em terr it$rio onde se fala a gloriosa língua !ortugu)sa. Fuitradu*ido, e at !remiado. ais de uma ve* acon
teceu-me ser a!ontado na rua, e ouvir algum di*er 'I
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a algum : ali vai o Fulano . . . Yue mais !odere clamar o escr itor 0ue Qá lido e a!ontadoZ =ãotive de !edir esmola "na mesma língua em 0ue n.
!ediu Cam7es". 9s deveres de estado me r emuner am bem e !or conseguinte me !rivam de um inter essante traço biográfico . 9s leitores futuros, se ostiver, !refeririam 0ue o escritor tivesse !assadof ome . as não !assei. 5anho bem o !ão e a manteiga !or cima, 0uando o gov)rno, a C9F2#, ou alguma outra organi*ação, me !ermite com!rá-la.Com certa ginástica de favores !ude at com!rar um carrinho de segunda mão, ou de segundas !er nas, !ara o descanso das minhas. Yue mais !ode0uerer, sem delírio, sem !aran$ia, um escritor nascido no tr$!ico do Ca!ric$rnioZ
Yuei3o-me, entretanto, do mundo e de mim.Yuei3o-me !or0ue nestes de* anos, tr)s mais !or tanto do 0ue os sete de ac$, em lugar de @a0uelme der am ia. 8eram-me ediç7es, traduç7es, remuneraç7es, discursos e !r)mio: mas não me deram @a0uel, isto , não me deram !rovas cabais, visíveis ou a!enas !erce !tíveis, !rovas animadoras,
ou a!enas consolador as, de 0ue tenha valido a !enatrocar a borboleta !elo serviço de !lantão. 9 concurso de Filosofia, a !olítica $u %&t' $e %he *ann!e a do outro lado, a !sicotcnica e a academia, aseleiç7es e os costumes, o integralismo, o comunismo e a liberal democracia, os serviços !Gblicos ea inflação %- tudo em suma, tudo seguiu seuma Q estoso cur so, sem um dcimo de segundo dede fle3ão, tudo seguiu sua marcha ine3orável,sem
0ue o mais atento observador e o mais arguto calculador !ossam descobrir, na stima casa decimaldos logarítimos dos co-senos dos Rngulos, um mí
nimo sinal de !erturbação, de influ)ncia, comoa0u)le da $rbita de >rano 0ue !ro!orcionou ;+ e?errier a descoberta do !laneta invisível.
Concluo, !ois, 0ue a doce e casta verdade 0u ref ulge na revelação, e 0ue cintila escondida na na ture*a das coisas, andou mal servida . / o descon fNrto dessa im!ressão 0ue me leva a di*er 0ue, a!$s de* anos de labor, em lugar de @a0uel me deram ia. 2 alegria de 0uem milita se torna im%
!ura, e logo a*eda, 0uando se transf orma em !ro veito !r$!rio e e3clusivo o resultado da militança . 2 alegria maior de 0uem ensina, de 0uem aceitouessa função intermediária, há de ser medida !elo Gnico valor da coisa transmitida, e não !elos ata vios do !rocesso de inculcação. 9 verdadeiro !r) mio do militante como o das mães. Consiste em se a!agar, em se anular, em dei3ar 0ue brilhe, au tNnoma, com seu !r$!rio valor, a !ura lu* do ob
Qeto . 9ra, essa recom!ensa, eu não a r ece bi, ou não a mereci.
8e* anos, dirão 0ue não muito mas !ara0uem tarde começou muitíssimo . Cheguei tardena greQa, na filosofia, na !olítica, no Qornal e nolivro . Cheguei . atrasado em tudo, s$ mer estando agor a a tentativa de tirar um !ouco doatraso na descida da serra, como os trens daCentral . /, !ara não aravar a cu!a do mau
serviD1, com +:+.
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cul!a maior da falta de confiança, s$ me resta di*er ( doce e casta ?erdade 0ue dis!onha de mim,e 0ue mai.s de* anos ser virei sem com!utar
resulta dos, e 0ue mais servira, se não fNra !aratão longo ar:r ::ir tão curta a vida.
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Outu+ro!
+DEJ8ias há em 0ue a gente fica triste com o ofício
0ue tem. magino como não deve ser enervante ]' !ara as co*inheiras, nesses dias, a atmosfera das + fritur as e a com!anhia das caçarolas como não cte^ve-ser -inon$tono !ara o ferreiro o gemido das
bigornas como não deve ser triste, muito triste,
o vai-e-vem da agulha na mão !icada da velha costureira. Cada of ício uma !risão. Se a gente temo es!ír ito largo dos santos, a !risão vira clausurade amor e torna-se recanto de !a* mas onde faltaa largue*a de coração, o of ício ofício, e a !risão !risão: as coisas ficam sendo o 0ue são !elo
bagaço. / o cárcere do of ício duro, asfi3iante,enervante.
9ra, a minha !rofissão - assim me !arece nesses dias - ainda mais tr iste do 0ue asoutras. 2 co*inheira v) seus !ratos feitos,substancialmen te constituídos e v) a alegr ia dacasa alimentar se de seu feiQão. 9 ferreiro v) oferro curvar-se, conformar-se, e obedecer. / acostureira v) a !er severante agulha con0uistar o !ano de !onto em !ont, obrigando-o a seguir oscontornos de um cot !o e os movimentos de umaalma. =esses ofícioD tudo concreto, tudo
!al!ável,
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.+ Consider em agora o meu . Yue fabrico euZ #a
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átomo sofrera algum desvio milimtrico, as vidas,
.) lavras. /scritas #1.::+ faladas, da manhã ( noite, no os .c.oraçoes, os seletos coraç7es, aocontrário'se-
f !a!el, na sala.-de aula, ou diante de um microfone0ue esconT'.l...ic não sei 0uantos ouvintes-talve*
/
nenZ.i-:.:m - eu co*inho !alavras, eu forQo !alavras,eu costuro !alavras. "Pords, _ords, _ords . .."
+
.+· ,,eu ofício um ronronar 0ue *0 dura trinta anos.+
; / &riste ofício. / não sou eu s$ 0ue d)le descreio .
guinam seus itinerários sem 0ue o sN!ro das !ala-vras conseguisse desviá-los. 9 0ue uma confer)nciaZ >m sN!ro . >m vento. Falar um modore0uintado de abanar . . . =o caderninho de notasdo conferencista, estão as outras confer)ncias a!ra-
. *adas: de!ois de amanhã, dia +E, dia IK, etc. , etc.,
·;. . ) &u tambm, amigo leitor, tu tambm não cr)s no· , meu ofício . 5ostas de ler . 2!rovas-me
0uando
etc.
Yuatro meses mais tarde, estando o nosso ora
·1t.;,,_,d logro alinhavar com alguma felicidade os meus'` % adQetivos ou 0uando !rego com boa linha as mi-i nhas conQunç7es . as confessa: na verdade, não. acr editas muito no valor dessa !rocissão de sinais
t escritos, e muito menos cr)s no fuga* valor do som Jt articulado 0ue sai duma velha garganta cansadaf'+ de ronronar . #alavras hoQe, !alavras amanhã. /m' tem!o e contra tem!o . . .
9ra, estando eu num d)sses dias de !reamar da melancolia, um outro oficial do mesmo ofíciocontou:me uma linda hist$ria. le !ronunciara,diante de seleto audit$rio Xcomo se costuma di*er]uma confer)ncia sNbre casamento, limitação de natalidade e abNrto. 2cabada a confer)ncia e ouvidas as !almas 0ue, como todos os sons, tambm se
+ !erdem no ar, o nosso conferencista voltou !ara casa. a triste. @evolvia na mem$ria as ressonRn'
' cias do 0ue dissera. 9 seleto audit$rio estava,evi
dentemente, de acNrdo com o 0ue )le dissera. 9' ' universo continuava o mesmo de!ois da confer)n-
dor ( !orta de uma livraria a ver !assar o mundo J abordado !or uma moça risonha com sete mese bem contados de gravide* . / sem mais !reRmbu los a!resentou-se:
- =a0uela confer)ncia eu estava de tr)s meses./ não ia ficar . &inha resolvido não ficar . as 1senhor disse a0uela frase . . .
2 mZça des!ediu-se. 8obrou a es0uina. o confe+:e c+sta viu ainda uma ve* o maQestoso !erfilda g-rav+de*, e 0uedou-se a !ensar . Yue fraseZ =ão se lembrava . embrou-se de uma !ágina de /dgar 2llan #oe, onde o !oeta di* 0ue as estr)las do cu nasceram de !alavras d.e amor . 2 sua frase C 0ue fraseZ - lá com suas conQun ç7es, advrbiose !re !osiç7es fi*era alguma coisa maior, infinita mente maior 0ue as estr)las do cu: salvara uma criança. Será menino ou meninaZ
cia ou se não, se mudara, se o traQeto de algumrlc
uvi hoQe contar o caso de um acrobata amenno 0ue teve uma idia. "Hrain _ave". >ma idia
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nova !ara seu !rograma de televisão. /' assim:em ! no rebordo do telhado de um arranha-cu)le fa* cabriolas, não com seu !r$!rio cor!o, mas '
com o cor!o de uma criancinha de meses 0ue )le atira !ara o ar, a!anha, e0uilibra, muda de mãoe !assa entre as !ernas . Como se v), o es!etáculodeve ter sido e3citante e gostoso !ara as !u!ilascansadas de outros es!etáculos mais rotineiros.
/ssa hist$ria lembrou-me outra. /stavam duasou tr)s senhoras de nossa melhor sociedade, dessas0ue tomam chá de cha!u, a discutir o caso de umdesabusado cirurgião Xtambm da melhor sociedade] 0ue !rovocara um ab7rto sem consultar nin
gum . 8i*ia então, uma das senhoras, a do cha !u de lila*es : "/u acho 0ue a família deve ser consultada . . ." 2 dama de cha!u cNr-de-%amorafoi mais !recisa: "/u acho 0ue com!ete ( mãe,e3clusivamente, resolver o caso". / estava a conversa nesse !onto 0uando um amigo meu, tímidoe gago, 0ue nunca consegue ser ouvido !or ningum, suger iu 0ue 0uem devia ser consultada era acriança. / a aus)ncia dessa consulta 0ue me hor rori*ou na hist$ria do acrobata . #or muito menos*angou-se um dia ac ondon, numa tourada,
!or0ue os touros e cavalos não eram ouvidos.as ningum ouviu a refle3ão de meu amigo.
Como ningum oGve a misteriosa linguagem c$m0ue os embri7es de dois a tr)s meses declaram categor icamente 0ue 0uerem viver . Como tambmcada dia menos se ouve a linguagem, *0 menos misteriosa, das crianças de dois ou tr)s anos 0ue são
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energicamente contrárias ao div$rcio . o fato )ssc : na ginástica, no a bNrto e no div$rcio, há
!essoas, !ersonagens, !essoas humanas, vivas, 0ueestão envolvidas e 0ue não são ouvidas.
"9ra, direis, ouvir crianças. . . certo !erdeste osiso4", dirá algum leitor 0ue ainda se lembre doses!lendores de nosso !arnaso. Como !ossível
% ouvir um em briãoZ Como se !ode !onderar o 0uedi* uma criança de dois anosZ
8igo-te eu, leitor, 0ue foste tu 0ue !erdeste osiso. / acrescento: o mundo está como está, e onosso Hrasil chegou onde sabemos 0ue chegou, !or 0ue as !essoas Xa começar !elas da melhor socieda
de] não t)m mais ouvidos !ara ouvir e entender a linguagem dos fetos. Fu*ilam -se inocentes, aosm>h7es, sem remorsos, dada a circunstRncia su !er sNnica de seus !rotestos. ?ou e3!licar-te, amigo,mais uma ve*, como se !ode ouvir o 0ue não fala,e consultar o 0ue não tem a idade da ra*ão . /'muito sim!les: ouvindo e consultando a lei 0ueestá gravada na nature*a das coisas, a lei 0ue 0ual0uer consci)ncia desobstruída de chás e cha!us
!ode ouvir e consultar . >ma boa lavadeir a, umahonesta co*inheira, sem !r ocurar !sic$logos e soci$logos, t)m ouvidos !ara a vo* da noc)ncia !er f elta, !ara a vo* de 8eus gravada na mais humllde das cr iaturas, !ara essa vo* 0ue condena oubN+to, o div$rcio, e outras acrobacias feitas comcnrne de gente.
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#or falar em abNrto, ouvi di*er 0ue na Suíça tornou-se legal. =ão sei detalhes. =ão sei em 0ue circunstRncias,
!elos 0uatro cant7es da Suíça, tor nou-se admissível matar a criança 0ue teve a im !ertin)ncia de brotar num ventrede moça . ma- gino 0ue os suíços, 0ue sãoreconhecidamente um !ovo ordeiro e asseado, e sobr etudomuito def eren-
te com os tur istas, tenham descoberto e3celentes ra*7es !ara assassinar !e0ueninos suíços. >ma das ra*7es0ue imagino seria a seguinte: mata-se a criançae3cedente !ara o bem da !átria e da família. >m !oucocomo se 0ueima o caf , !ara valori*á-lo. 8e urna senhora,0ue tem um #ontiac ver de-clar o, Q á ouvi di*er 0ue se Qustif ica "não guar dar" !ara manter o "!adrão de vida". =ão se guar da a criança !ara guar dar-se o #ontiac . 9u trasenhora, um !ouco menos desvairada, alega 0ue fu*ilaa cr iança não nascida em benefício das outras *0
nascidas.+:sses argumentos chegaram aos ouvidos de meuamigo 2lvaro &avar es 0ue sugere uma emen da !ara ateoria dessa senhor a 0ue mata um filho em benefíciodos outros: admitido 0ue se deva ma tar um !ara benef ício da família e da sociedade, devemos dei3ar acriança nascer, e, mais tar de, num conselho de família,escolher a criança mais feia, ou mais bronca natabuada, ou mais birrentana mesa, e então e3ecutá-la !ara o maior bem dafamília e da !átria.
Concordo inteir amente com essa emenda a!re sentada !elo meu amigo 2lvaro &avares. /m nome
da !sicologia, da sociologia e da eugenia, acho !reci!itada a !ena de morte 0ue recai sNbr e a "cri ançadesconhecida". 9 mundo, entr e seus momen tos de
!r olongado desvário, *0 teve a idia de hon- +%ar osoldado desconhecido mas nos seus !iores momentosainda não teve a idia de fu*ilar um criminosodesconhecido. / muito menos um des l.9nhecido
inocente . 2!rovo !ois a emenda e a0ui acrescento omeu !es!onto. /m lugar do conse lho de família eusugiro 0ue consultem um !sico- i$cnico. %:+
?oltando aos suíços, confesso 0ue não me1++ !+mtci demais com a notícia. &enho desconf i unçad)sses !aíses muito or deiros, muito arruma dos. &enhohorror a hotis. S$ me es!anto com uma incoer)ncia0ue veQo nessa lei dos suíços : se tt religião da0uele
!itor esco !aís o tur ismo, se utam tão bem os 0uechegam das 2mricas, !or -% C\>9 diacho maltratam assim
o !e0uenino tur ista 0i+1 ingressa num dos 0uatroscant7es !ela mais ni \l.lgi das !or tasZ
-o em+ro! +DEL
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9 moço 0ue se matou, di*endo !or escrito 0ueera um "desaQustado social", na verdade matou-se
!or 0ue se dei3ou convencer de 0ue não e3iste na vida e no mundo lugar !ara a dor . atou-se !or%%0ue lhe disseram, com a0u)le vocábulo, e com a fi losofia maldita 0ue !or tr ás d)le se esconde, 0ue o m undo não concede matrícula aos 0ue choram. nsinuaram-lhe 0ue tudo se reaQusta, e acrescenta l'um 0ue s$ de!ois dessa reaQustagem !ode uma alma se inserir . 9r a, o moço viu 0ue a !rimeira
!arte da hist$ria era falsa, !or0ue nem tudo se rea Qusta, mas continuou a crer na segunda e então, suicidou-se. Suicidou-se !or0ue era um desa
Qustad o. Suicidou-se !or0ue era uma e3cresc)ncia4 na cr iação. >ma verruga douniverso.
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2h 4 como eu 0uereria gritar aos ouvidos dos
' )+% 4l lmoços 0ue há no mundo e na vida lugar !ara .."
,, /' clar o 0ue e3iste o !roblema da inserção. =ingum nega 0ue o dinamismo iní0uo da sociedada tende a dei3ar ( margem os fracos, os tími
&s, os !erturbados. =ingum nega 0ue o homemt+tiv!. a!render a se inserir na efervescente convi561 e deva lutar !ela defesa de seu lugar . &udo
/111110 o3lst, e *0 bastante trágico !ara 0ue ainda
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venham dilatar o cam!o do !roblema com essaidia infernal de 0ue s$ os feli*es estão inseridos e0ue tNdas as máguas, tNdas as feridas, tNdas as tris-te*as são sinais de e3comunhão.
oços4 há na vida e no mundo um lugar, um ] %enorme lugar !ara a dor. 6á lugar !ara o !obre
!ara o doente !ara o obscuro !ara o aleiQado !arao !ersegufdo.
/u l+ o comovente artigo de Car los 8rummondsNbre o outro menino, a!ai3onado de um dia, 0ueteve !ressa de matar-se . i, e creio ter c1m!reendido a !ungente aflição da0uela enorme alma de !oeta 0uando lhe !assa !ela mente 0ue o menino
!oderia salvar -se s7 algum, na0uelas !oucas horasde 8l'l'9- !relGdio de dor , o tomasse !ela mão, o levasse ( !raia, e risse com )le nas es!umas do mar .@aramente senti tamanha afinidade, tamanhasim!atia, como nesse artigo escrito )le todo comum n$ na garganta e lido, )le todo, no outr o ladoda cidade, em outra situação, em outros sentimentos, mas com o mesmo fundamental n$ na gar ganta.
as discordo do !oeta no remdio. &alve*desse bom r esultado o mergulho na onda fria 0uelhe desatasse no !eito as molas da inf Rncia . ascá fora, ali mesmo na !raia, estava a &eoria ( es !era do menino . 2 teoria de 0ue não há no mundoe na vida lugar !ara a dor . uito mas do 0ue amocinha do bloco, sem cul!a maior do 0ue algumafaceirice, 0uem deseQa imolar os moços de vinteanos essa &eoria de im!lacável otimismo 0ue e3i- .
ge !ara a vida, !ara o ingr esso na vida, condiç7eshigi)nicas e !sicotcnicas mais rigorosas do 0ueas 0ue se e3igem !ara os aviadores. A &eoria di*a moço 0ue 50 tratar -se 7 volte de!ois se 0uer em !r)go no mundo . 2 &eoria dá um !ra*o !ara0ue o candidato se torne decentemente feli*. Fe
li* no !adr ão, de 5 !ara cima. Feli* no se3o. Feli*nos nervos. Feli* em tudo . 8ecentemente feli*.
Hem sei 0ue há deses!eros !recoces 0ue ignoram as coisas boas de 0ue a vida far ta :Serálom di*er -lhes 0ue e3istem muitos amores, 0uehaver á muitos outros blocos e muitas, muitíssimasoutras mocinhas amáveis . Yue o cu a*ul, 0ue
llG !rados cheios de flores, e 0ue bom mergulhar 111;t onda fria, com os olhos abertos, !ara ver uminundo novo fundido em esmeralda. Yue bom dei na grama, 0ue bom meter o ! num estribo,1+++ manhã*inha brumosa, manhã de roça, sentindo
o cheiro do cour o e o cheiro forte do cavalo 0ue " bom andar d.e mãos dadas em ruas de bairro antiao ao cair da noite confidencial e casamenteira0uo bom !isar um tombadilho molhado e sonhar uom cidades de lenda e 0ue bom ficar ( toa,mtma varanda domingueira, seguindo os !assosdo um inseto de rubis e safiras, 0ue !asseia numvolho mur o a sua microsc$!ica r i0ue*a 0ue boml'ti.++ !lrar 0ue bom viver .
as não basta, $ !oeta, mostrar (s almas =.rltn6 a doçura das relvas, a frescura das ondas,p ii ·t.=nura dos r egaços de amor . #or0ue isto não tôlhi. n verdade da vida. / !reciso ser verdadeiro.
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/t ' !r -eciso, sem!re, serverdadeiro %
/m toda a e3- .,
esao. /m tNda a !rof undidade. =os dois hemis- fnos de lu* e sombras da verdade .O 0ue !reciso di*er, a )sses moços 0ue !or tão
!ouco deses!eram, 0ue e3iste uma dignidade nolcentro m +n a do %. 0ue a dor não e3comungaZ0ue a do+ a foi santificada !ara 0ue !ossa santifi-
A #ra$a
car .: . O 0ue
!reci%so,o,
!oeta de alma grande, . Ah0 sse mun$o %heio $e afli23es0 A gente ai
l .,:+, •
l
-
t.1
aru velas ao mar, e descobrir a verdadeira e3ten
sao do mundo e da vida .2h4 essa hist$ria maravilhosa, 0ue a mim mecontaram, como eu gostaria de lhe contar, longamente 4 longamente 4
4ar2o! +DEJ
an$an$o! ai an$an$o! e es+arra nas almas. 5 tro
pe2a nas almas. 5 n6o sa+e o #ue faer e o #ue
$i er 7s almas %a8$as. 5 eu a#ni! a es%reer9 e
o% a8! a ler. 5nergonhemonos! leitor .
4un$o! mun$ o! tri ste mun$o. Pare%e #ue en
tou.. Pare%e #ue a enor me ;r or e sa%u$i$a atira seus
frut os no %h6o. On$e est6o os oper;rios $a %olheita!
#1.e en%ham seus %est os! e #ue ao entar$e%er ol
tem %antan$o 7 %asa $ o enhor A gente ai an·$an$ o! ai an$an$o! e trope2a nas almas ma$ura= .
l0 1isa as almas %a8$as. 5 eu agora a es%reer 9 e
o% agora a ler 9 en#1*nto l; fora se ergi>e o ento
$o gran$e outono.Como se e?pli%a! leitor ! #iie nosso %ora26o n6o
se a+rase e n6o se %onsuma! #ue nosso sono n6oen%urte! #ue nosso lo n6o %res2a! n6o %res2a mais!
%Ld& %res2a sempre! #uan$o %orremos %om os olhos
ossa imensa plan8%ie @un%a$a $e af li23es Como se
e?pli% a. #ue n6o pe2amos a Deus #ue ain$a mais nos
ensine a pe$ir! a pe$ir #ue nos atire na f ogueira $e
HC1l %ora26oueimar por #ueimar! antes no amor #ue na
11., .B2a. Antes a#ui e agor a. -o $ia. - a hora. -omomento $e ar$er. -o momento $e $ar %om aiegria.
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Co$o %& &(li*, l&ito+, u& o (&*$o% *0&u%, $*i% & i*i%, u& o% &%i& * (&i+, u& o% &%i& * (&i+ (*+* *t, u& o% *it& * &%&*+ , * &%&*+ u$ .%o $*i$&%$o, i5til & %6o, * 3+*& fo3u&i+* & %&u *$o+7
At&% u&i$*+ *%%i$, (o+ *io *% *f li9&%. At&% to+&+-%& * 4*$*, **+ * 4*$*, o$, &%t*lio% & +&(it*9&% &uo, $uo, t+i%t& $uo - &u *ui * &% +&;&+, ;o6 *< * l&+, = l&ito+ - & o ;&to l> fo+* &++u?*o *% *l$*% $*u+*%!
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/=C9='l'@9S C9 9SP28 8/ 2=8@28/
Foi há dois anos, creio eu, 0ue tive um !rimeiro rá!ido encontro na !orta de uma livrar com 9s_ald de 2ndrade, e a !rimeira im!ressao0ue logo me assaltou foi a de estar começando umaami*ade, um QNgo, com um menino guloso, truculcnto, direto e bom. al me lembram as !alavras0ue dissemos e os assuntos 0ue abordamos. :f:lemesmo !rocurara essa a!ro3imação. Yueria saber como eu era 0ueria tirar a lim!o o conflito, o de
sa Quste ou a contradição 0ue Qulgava e3istir entremeus livros e meu catolicismo. 9u melhor, e com aneiro! 1!$# !alavras suas, deseQava verificar se eu !ossuía um
catolicismo de Hotafogo'' ou algum outro de es !cie mais admissível. / verrumava-me com a0u)lcs fero*es olhos a*uis 0ue dias de!ois, em conversamais íntima, dei3aram esca!ar ref le3os de ternura.
Ficamos amigos, amigos de uma ami*ade absurda e incom!atível 0ue resistiu a todos cho0ues
de idias e 0ue, a!esar do abalo !rodu*ido !elo livro"horrivelmente dogmático" 0ue !ubli0uei um anomais tarde, durou at o seu Gltimo dia.
=a conversa 0ue tivemos uma noite em minhacasa, )le me ouvia com a atenção de um gato 0uencom !anha uma !r)sa, e de ve* em 0uando, semdes!egar de mim os olhos, fa*ia um gesto !ara a2ntonieta 2l.min, 0ue assistia silenciosa ao !rimeiro "round" de nossa ami*ade:
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-9lha a cara d)le, 2ntonieta4 =ão sei o 0ue via ou o 0ue !rocurava na minha
cara. Sei 0ue me embaraçava !or não conseguir
corres!onder generosidade de seu inter )sse !or + meu mundo. &udo nos se!arava. Seusautores não eram os meus, suas admiraç7esestavam longe de ser as minhas, e, alm disso,
!ara acrscimo de di ficuldade, 0uase nadaconhecia eu de sua hist$ria e de sua obra . =ão acreditava muito na sua antro!ofagia, e embora !ouco mais moço, nem de longe !artici!ara do famoso movimento modernista , 0ue ainda hoQe me !arece um Qovial e0uívoco de +
uma irreverente geração . =a0uele tem!o eu anda va !elos sert7es d)ste desconhecido Hrasil a fa*er coordenadas astronNmicas, e s$ muito raramente .
!ercebia 0ue a cultura andava em !Rnico, e 0ue os ídolos acad)micos eram derrubados !or uma + dG*ia de alegres iconoclastas.
=o caso foi bom . Foi bom 0ue eu não !udessecorres!onder ao seu inter)sse, 0ue eu não !udesseem sã consci)ncia elogiar sua obra, 0ue eu mal co
nhecesse seu !assado e seus livros, !or0ue essa em baraçosa situação me !ermitiu descobrir a largue*a de alma de meu novo amigo, o velho 9s_ald de2ndrade. =ão fácil !ara um escritor curtido noofício, !ara um auto3 0ue sente !assar seu ef)meromomento, 0ue v) transformar-se em sedimentosde saudade o 0ue um dia fNra uma vulcRnica es!erança, interessar-se !or .um novo autor 0ue a!arece tarde e segue itinerários tão dif erentes. 9s_ald de 2ndrade su!ortou magn.+ficamente
.essa
!rova, e !osso af iançar 0ue não lhe vi um s$ sinalde ressentimento em cada ocasião 0ue não !udeev6ar a evid)ncia do desencontro de nossas $rbitas.9 incNmodo foi !ara mim remunerador, !ois não
há mais grata e3!er i)ncia do 0ue a descoberta deuma generosidade . / Qulgo estar certo se tiro dessagr ande*a do homem a e3!licação de sua filosofiaantro!ofágica, 0ue mais seria uma doutrina de boma!etite, de larga abertura !ara o mundo e !ara osoutros do 0ue cruel teoria de entre-devoração so-cial.
9 sculo de*enove foi marcado !or uma conce !ção da sociabilidade 0ue !ostula a antinomia
ontre o indivíduo e a sociedade e 0ue fundamentao convívio na luta. 9 essencial, o formal da convi , \vNncia humana, de @ousseau a ar3, do individualismo liberal ao totalitar ismo, não a ami*adeclvicn. de 2rist$teles e dos escolásticos antes oduelo de morte, a luta !ela vida, em suma oegoísmo, a inimi*ade, cruel em =iet*che, es!ortivaom althus e 8ar_in . 9 homem o animal de ra
!ina de S!engler, ou o mais a!to sobrevivente deum tor neio de símios. / !ara outros, na e3trema es0uerda, a !arusia de uma sociedade !erfeita tem deaor dialeticamente atingida !ela luta de classes .
=casc clima cultural, 0ue nas crises agudas !rodul0 o na*ismo e no estado crNnico constitui a disci
!linação meramente e3trínseca do egoísmo burgu)s,n nntro!of agia de 9s_a+d de 2ndrade nadateriaTto or lgtnal e muito menos de moderno, e sobretudonu.du. teria de elevado, embora, !ara a maioria das
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!essoas 0ue ve* !or outra correm os olhos !elomundo, a descoberta da ferocidade humana !areçaconstituir u m vrtice de su!rema sabedor ia. #enso, !orm, 0ue a filosofia de 9s_ald de 2ndrade era
mais uma avide* 0ue uma crueldade . /stou com
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uma redobrada ferocidade de !irata da lha do '&esouro . Yuando entrei, a admirável 2ntonieta 2l mln atava-lhe ao !escoço um enorme guardana!o, e
a!ressava-se a servir um !rato de canQica cheio ata beira, 0ue )le reclamava com rugidos de im !a2ntNnio CRndido, no seu Pref;%io BnDtil a Em Homem em Profiss6o X9s_ald de 2ndrade, /d. os
c6m' cia .-Yuem voc)Z4 gritou vendo-me entrar. #re
+ ,.
9lím !io] em !ensar 0ue a antro!ofagia de 9s_aldde 2ndrade tem raí*es numa cosmo-visão, e diria eu,.numa es!cie de dilatação do estNmago es!iritual . %
Hom a!etite, e3celente bNca, )le via o mundo,como um colossal e ine3tinguível alimento, e ailrav.:se na vida, at os sessenta anos, como um faminto
se !reci!ita sNbre as iguarias de um ban0uete . #or %isso, en0uanto eu, enf astiado, afastava de mim o re0uentado modernismo, e a!enas !rovara seus l+·vros, 9s_ald de 2ndrade engulira os meus, s$ dei%%3ando na beira do !rato os es !inhos mais duros do dogma .
?i-o !ela Gltima ve* no 6os!ital das Clínicas deSão #aulo . 8e !ois de uma emocionante aventura,em 0ue me !arecia estar atravessando a cortina deferro com !assa!ortes falsos, conseguir entrar nafortale*a das clínicas !aulistas, e graças ( inter venção de um moço 0ue.. . mas isto outra hist$ria
- cheguei ao 0uarto letra tal nGmero tanto
onde o
velho modernista se refa*ia de recente e difícil o!e ração na cabeça .
agro, envelhecido, estava 0uase irreconhecível.
9 turbante manchado de sangue, 0ue lhe envolvia a cabeça, ta!ando o Nlho direito, dava ao es0uerdo
gou em mim o Nlho dis!onível sem conseguir decifa minha identidade na !enumbra do 0uarto . 2n tonieta disse-lhe 0uem era, e logo o Nlho duro e m+
lálico revestiu-se de uma doçura de hort)nsia. 2bra çamo-nos. /ntre duas colheradas sorvidas vor a*..mente !erguntava-me se estava escrevendo outro livro e interessava-se !or meus !roQetos. 8evorava l\ canQica, e devorava-me a mim, com a mesma gran de fome, com a mesma grande bNca aberta !ara a V+7la e !ara o mundo. 2ntonieta, a e3celente e com
!assiva 2ntonieta, fa*ia-me agora, !or trás d)le, si%%nnis misteriosos. 2!ontava com insist)ncia !ara a
!r$!r ia blusa e de!ois !ara o com!anheiro coroado de sangue. /ntendi afinal 0ue devia olhar !ara o
!olo de 9s_ald, e descobri então meia dG*ia de san tinhos !r egados no seu !iQama. 2li estavam as me dalhas de nosso bravo corsário, as condecoraç7es de auna Gltimas façanhas. =otando uma delas, uma humilde medalhinha milagrosa de alumínio, !edi ( ?irgem Santíssima 0ue tomasse conta da0uele filho vor a* e 0ue lhe ensinasse a0uela !assagem deNtllt cRntico -- esurientes impleit +anis - 0ue
u m com!)ndio da filosofia antro!of ágica docu.
Deem+ro! +DEK
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Foge-me ( mem$ria a data do nosso !rimeiroencontro, 0ue foi !or volta de +DIL masguardo ainda bem viva a lembrança do lugar, dosdetalhes e das circunstRncias. a eu !assando narua do @o sário, 0uando notei 0ue havia umaarrumação nova na 5aleria orge, e 0ue láestavam e3!ostos uns !e 0uenos 0uadros muitoclar os e muito mal emoldu rados . /ntrei. =a0uele tem!o era a !intura a minha !ai3ão, uma !ai3ão violenta, e at dir ia des
"regrada, !or0ue não tinha !or base as sementes de + .
'dons e o mister ioso chamamento 0ue marcam o ver%
dadeiro artista . Foi uma febre 0ue durou tr)s ou·' 0uatro anos, e de 0ue me curei devagar, 0uase im !erce!tivelmente, como 0uem se cansa de amores
mal corres!ondidos.as na0uela tar de foi o ardor de se*ão, e não
a sim!les curiosidade de transeunte vadio, 0ue metravou o !asso. /ntrei, e logo vi, nas !e0uenas telase3 !ostas, mar inhas singelas e claras, a reali*ação do0ue eu sonhava !intar, isto , a concreti*ação doideal im!ressionista 0ue mais valori*a a lu* do0ue as substRncias, e 0ue !rocurava tra*er !ara atela a unidade de iluminação e a harmonia musical das cNrcs bem timbradas. as o im!ressionismode 5arcia Hento tinha uma curiosa contradição na
+ '
.'lua tcnica . =ão era va!oroso como ascatedrais !ontilhadas de um onet, não eraambiental e flui
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0* *?&* *o% (@% &+* (o?+& . 0&%& * $*+* *%t
ambiental e flui-
+ '
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do como as !aisagens de um #issarro ou como as bailar inas de lu* de um 8egas. 5arcia Hento !intava e3clusivamente com a es!átula, e assim aliava ( trans!ar)ncia das !alhetas im!ressionistas a subs tancialidade da cerRmica ou do mosaico. Chegava (sv)*es ao e3cesso na !rocura do tom alto e elo QNgo
de cNres com!lementares, e2 na cor!orei- . dade e !lasticidade da feitura. / desse cho0ue es tranho entre o mGsico de cNres e o artífice mode
lador resultava um im!r evisto 0ue !rendia a aten çãoe 0ue sugeria ao mesmo tem!o, coo um C *annea idia de mestria e de rusticidade. ais
] 2
tarde, em +DI, 0uando 5arcia Hento obteve o !re-mio de viagem ( /uro!a, a /s!anha de
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marinhista diante do 0uadr o vivo 0ue ia roubar ao % a*ul da manhã. /n0uanto eu me !reci!itava, sacri-- % ficando o desenho, esbanQando tinta e suQando ascalças, )le se !re!arava com os gestos medidos de0uem está longamente habituado a governar seus
deseQos. /ra asseado e econNmico, e essas virtude ficaram marcadas em sua arte. Sua !alheta sim- , !les com!unha-se das cNres essenciais do es!ectro im!ressionista: branco de !rata, cromo ou cádmio, vermelho f ranc)s, laca carme*im, verde esmeraldae a*ul ultramar. 2s terras, os !ardos, as cNres com
!ostas não entravam no arco-íris econNmico 0ue5ar cia Hento es!remia no semicírculo da !alheta.
>m dia, diante de um f lam+oyant maravilhoso,de!ois de ter es !etado na areia os !es desmontáveisde sua velha cai3a, 5arcia Hento !rocurava em volta um lugar ade0uado onde !udesse !endurar o seucasaco. m!aciente, atir ei o meu no chão e griteillle 0ue fi*esse o mesmo. Com um sorriso manso etriste, )le me ensinou 0ue o lir ismo não !odedis!en sar a !aci)ncia, e 0ue um casaco bem
!endurado *0 um com)ço de arte. Yuando,enfim, se !unha a !intar, dava gNsto ver a !recisãocom 0ue acer tava o mati*, sem mastigar demais,sem co*inhar o tom, e, sobr etudo, a segurança com0ue a!licava na tela, com a !onta da es!átula, oseu mosaico de tinta.
/m +DI 5arcia Hento conseguiu reali*ar umsonho longamente acalentado. 5anhara o !r)mio deviagem ( /uro!a, e com a bolsa, 0ue em geral eraconsiderada insuficiente !ara um s$, levou a mulher e o filho, e assim mesmo )sses !oucos meses !ar ece-
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ram-lhe fr ias de ca!italista. Foi em #or tugal e na/s!anha 0ue 5arcia Hento !intou os seus melhores0uadros e foi lá, nesse breve descanso, 0ue )le !Ndecolher o seu fuga* 0uinhão de alegr ias terrestres.?oltou mais fir me na arte e um !ouco mais forte
no cor!o mas as !rivaç7es anter iores *0 tinham ar rematado a insidiosa cons!iração . Chegava tarde o !r)mio. Chegava tarde a relativa folga 0ue seusnovos amigos lhe !ro!orcionavam . #oucos mesesde!ois, sentiu 0ue as fNrças declinavam r(!idamente,#re !arou ainda uma e3!osição na 5aleria org%e,onde conseguiu, !ela !rimeira ve*, vender mais demetade dos trabalhos . as o sucesso chegava tarde%tam bm . >m dia, Qá 0uase a encerrar a e3!osição.estando sentado no fundo da galeria, e com seu ar ha bitual, encolhido e triste, foi acometido !or umasínco!e. 9 !or tugu)s 0ue vigiava a sala ffião chegoua tem!o de am !ará-lo: 5arcia Hento Qa*ía de bruços, im$vel, atirado no chão, entre seus 0uadros delu* e de alegria. 9s olhos largos e triste 0,tie se fechavam !ara a ef )mera !alheta d)ste mundo,a briam-se !ara os abismos de esmeralda, !ara oscus de eterno ultramar e !ara o f ulgor de cádmiodo Sol ncriado.
-orr eu de fome4 -disse algum a meulado, 0uando fui ver o cor!o na sua casinha doSam !aio.Sim, de fome: dessa fome !rolongada, tena*, met$dica, !erseverante, 0ue obriga e 0ue a!risiona dessafome 0ue um regime e 0uase um !rograma dessarome de 0ue morr e mais da metade do mundo . asa f ome d)sse moço bom e manso foi fecunda, e fi-
1.
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cou gravada !ara n$s com as cNres do arco-íris. !oderia talve* ter comido .se não tivesse !intado,mas 2ntNnia 5arcia Hento o!tou !ela !intura e
!ela fome. 2 C52@@2 / 2 F9@52
Xoderníssima fábula destituída de 0ual0uerres0uício de moralidade]
1
4l.fl
Cenário: Amplo e mo$erno es%rit&rio. Poltronas $e formas au$a%iosas. Fapete %Gr $e ti@olo.
ua$ros a+stra%ionistas. lores. ) es#uer$a
um enorme bureau %o+erto $e pap'is! %ampainhas! +ot3es! aparelhos telefGni%os e elet rG
ni%os. -o fun$o uma larga @anela $ei ?an$o
er arranha%'us e uma nesga $e mar. ) $i
reita uma por ta. - o in8%io $a %ena! gor$a e
pr&spera! a Cigarra est; a+rin$o sita %orres
pon$n%ia. Em $os aparelhos eletrGni%os $;
um sinal $is%reto e o altof alante anun%ia o
isitante nmero LMK, hora mar%a$a + e KE,re%omen$a26o : 4inistro $a Iuerra! assunto :emprgo. A Cigarra tem um moimento $e
enf a$o! mas aper ta um +ot6o e f ala $iante
$o mi%rof one.
Ci g arra
- #ode entrar.
,or mi ga! entran$o timi$amente
- Hoa tarde, dona Cigarra.
C i garra
- Yue veQo euZ C, est $ane toi! ma%here Cornment a %e $role $e >a
ontaine
t
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ormiga
- 2h4 não me fale dona Cigarra4 Foi um
in trigante . :5:le inventou a0uela hist$ria !arame in
+ dis!or com a senhora... / não me fale em franc)s, !or favor, !or0ue at 0ue *0 ando es0uecida. ?im !ara o Hrasil, naturali*ei-me. Sou uma !o bre for
l miga brasileira, e a0ui me chamam de saGva. 2. '
' senhora não imagina o 0ue eu tenho !assado: umaverdadeira !r ovação. nventaram outra intriga:0ue sou eu, uma !obre formiga, 0ue 0uero acabar com o Hrasil4 /3iste at uma frase . . .
Cigarra
-- /u sei. Sei tambm 0ue a senhora hoQe uma !erseguida, 0ue o !obre a Fontainesaiu de moda e 0ue os tem!os mudaramR. asnem !or isso menos verdade 0ue a senhora metenha fechado a !orta na cara na0uela noite deinverno.
ormiga! %om um gemi$o.
-2 senhora com!reende... os mausconselhos%.. as idias da !oca . . .
Cigarra! +oa pessoa
- as não falemos mais nessas misrias.Sen te-se, sente-se a0ui dona Formiga.
ormiga
- sto uma !oltronaZ
Cigarra
- k. Sente-se. / conte-me o 0ue temf eito. ?oc) está magra . . . ?amos, conte-mecomo vai andando sua vida.
8/< 2=9S KL
or·miga
- /uZ Sem!re a mesma. &ra balhei. &raba lhei.&rabalhei. 2 senhora sabe 0ue lá em casa so mosmuitas bNcas. / sou eu !ara tudo. < co *inhar, lavar, arrumar o formigueiro. Fi* mui tossacrif ícios e consegui !Nr de lado algumas economias . . .
C igarra! saltan$o na %a$eira
- /conomias4 /conomias4 ?oc) teve a cora gem defa*er economias4 nsensata4 /ntão voc) não sabe0ue dinheiro não se guardaZ =ão estu douZ =ãosa be 0ue foi essa !olítica econNmica 0ue !erdeu a/s!anhaZ
ormiga! $ e olhos +ai ? os
- #ois . Fi* economias, mas veio a inflação e meudinheiro ficou sem valor .
Cigarra
- Claro4 Claríssimo4 / agoraZ
ormiga
- 2gora vim bater ( sua !orta !ara !edir umem!r)go.
Ci garra! solene
- inha cara Formiga, se eu f Nsse rancorosar es !onderia assim : "2h 4 voc) f)* economias,então coma agora as suas a !$lices sem valor4" aseu enho bons sentimentos . 2 !ros!eridade tira ogNsto da desfor r a . ?ou arranQar-lhe um em!r)go.
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H ormiga! aliia$a! olhan$o em olta
- 2 senhora generosa. / como está bem íns talada,como isto a0ui bonitoZ
Cigarra
- 9 escr it$rio confortável. á obser vou a vista !arao marZ
Hormiga
- >ma bele*a 4. . . &udo isto me dei3a tão ad mirada. . . 8iga-me uma coisa, dona Cigarra, e !er doe-me a indiscreção: como foi 0ue a senhora fi coutão ricaZ alguma herançaZ
Cigarra! re%ostan$ose-- =ão. /u segui o seu conselho : dancei e
cantei.
Hormiga
- 9ra, dona Cigarra, não *ombe de uma !o br eformiga necessitada .
Cigarra
- #alavra4 < a !ur a verdade4 =os !r imeiros tem!os
f oi muito difícil. 9 idiota do fabulista me tinhadif amado. 9s tem!os er am de economia e !-de-meia. / eu andava de viola (s costas comouma !obre mendiga . Cantei barato. Cantei atde graça, !ara não !er der a vo* . Cantei !ara namorados em bancos de Qardins cantei em noitesde verão !ara anunciar bom tem!o e adormecer crianças. Cantei !ar a !oetas 0ue me roubaram as
8/< 2=9S KE
canç7es, as rimas, as imágens estivais, a dol)nciadas tardes mo+nas . /ntravam )les nas academiase eu ficava na rua. as os tem!os mudavam. #oucoa !ouco o mundo foi descobr indo a fNr ça da mGsica.
#ouco a !ouco o comrcio e a indGstria valor i*aram as cordas de minha viola. /ntr ei na #ro!aganda . #rimeiro fui speaJer de rádio . @imei sa
bonetes, solf eQei !urgativos, !astas dentif rícias,em !r )sas f unerárias, meias de senhora, etc . Consegui assim o meu !rimeiro milhão com o 0ual montei uma !e0uena estação. 9fereci então minha vo*aos !oderosos, e cantei os regimes. / ai está4 8iaa dia o !oder dos !oderosos vinha ref orçar minha
viola. 6oQe controlo uma r)de de Broa$%asting (=como se di*] , com do*e canais, modulação de fre0V)ncia e televisão. 2liás, não gosto muito da televisão 0ue me !ar ece estar numa outra linha. 2minha fNrça a mGsica . ./u entro !elos ouvidos./stou in0uieta. . . mas não falemos disto. &emostem!o. 6o Qe eu sou !oderosa, controlo as guerrase as eleiç7es. Sou !oderosíssima4
ormiga! assusta$a
- 8ona Cigarra4 =ão seria bom a senh.ora ir dei3ando alguma coisa de lado, no seguro, casovenha a triunfar a tal televisãoZ
Ci garra
- á vem voc) com seu !-de-meia, com suaanti0uada economia . inha fortuna como a mGsica, =' fluida, feita de !alavras, de telef onemas,de canç7es. 2 economia moderna modulada. <
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uma economia de alta fr e0V)ncia . Se voc) me !er guntar de re!ente 0uantos !rdios !ossuo, eunão sa ber ei res!onder . < tudo f luente, areo .. . (Fo%a um telef one) "2lN4 2lN4 &r )s milh7esZ?enda. ?en- . da logo4" (1,o% a outro t elef one )"2lN4 Cigarra. Sim. Yuatro milh7esZ Com!re.9fereça tr)s. as com !re". (Pon$o o fone nogan%ho) . São os meus cor r etores . /u sou ummaestro e )les são os meus vio linos. (Fo%aoutrp telefone) "2lNZ Yuin*e minutos ( hora
do Qantar Z 6einZ =ão !ossível, 5eneral.&udo tomado. ComoZ @ evoluçãoZ #ressão sN breos amer icanosZ ?ou !ensar . ogo mais dar eiuma res !osta . Hoa tar de, 5eneral". ( repon$oo fone) . l4:le 0uer 0uin*e minutos . /u vendotem!o. ?endo megaciclos. ?endo modulaç7 es .6á gente 0ue tem conseguido for tuna vendendoágua com alguma coisa dentro . /u vou maislonge, vendo minutos, com mGsica dentro . /com isso vou am!arando os regimes, im!edindo
as revolu ç7es, e confortando os soldados 0uemorreram no e3tremo oriente . . .
or mi ga/stou tão !er !le3a, tão confusa, donaCi
Cigarra
-
?ou encaminhá-la !ar a o8e!artamento de Seleção de #essoal. . .as não se assuste4 < uma sim!lesf ormalidade . &enho lá uns ra!a*es 0ue seentret)m fa*endo testes e estatísticas.#ossuímos os melhores ar0uivos e os maisabundantes dados !ara a seleção !rofissional. 20ui entre n$s, 0ue so mosvelhas amigas, eu lhe digo sinceramente: naminha o!inião )sses calculistas são loucos,
de uma loucura semelhante (0uela 0ue lheatacou em ou tros tem!os, 0uando voc) sea!egava aos nGmeros e ( economia. :lesnão descobriram 0ue s$ e3iste umarealidade: a f rase . Fa*em lá seus cálculos,ar 0uivam seus resultados, e disso tudo eutiro fra ses4 frases4 frases4 8igo assim !or e3em!lo: " !re ciso intr odu*ir naadministração !Gblica os mais modernos !rocessos de seleção !essoal, e os mais cientificas mtodos tra*idos !ela análiseobQetiva e !sicotcnica". 9u então:"8evemos !lasmar uma nova mentalidade deservidor !G blico em consonRncia com os !rogressos !sicol$gicos". Comfrases d)sse ti!o Xaliás eu tenho umde!artamento es
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garr a 4
#ois !r eciso ada!tar -se. =ão lhe aconselhoa dançar e cantar !or0ue voc) meiodesengonçada e não tem vo* . .as hei de lhearranQa r uma ocu!a ção condi*ente com seus
!ecialmente dedicado a descoberta de frases. .. ] mas, di*ia eu, com frases assim n$smodificamos ministrios, n$s desencadeamosguerras n$s mu damos a face da &erra
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Ci g ar ra
-
arran Qa r uma ocu!a ção condi*ente com seusdotes.
H ormiga
- 2 senhora tão boa4
guerr as, n$s mu damos a face da &erra.Frases4 Frases + . . . as o 0ue 0ue voc)está sentindoZ
Pormi ga! $esf al e%en$o
-/' fome, dona Cigarra4 #or favor,arranQe-m e um !edaço de !ão 4
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Cig arra
- #ão4 #ão4Z $ insensata, $ retr$gradaFor-, miga, tuandod a !rendder á =v c) o nov
idioma e C],
=9SS9S S/@?A9S #HC9S
novo n mo o mun o+ ao !eça !ao, criatura. ' +
. +
,/>.'
,'4l
#eça caviar. #eça marron-glac. (Fo%a um +ot6o efala $iant e $ e i im mi%rofone ) . "&ragam imediatamente o lanche recu!erador e vitaminado, nGme-ro MK-H-I. / açGcar, muito açGcar".
Hormiga
- =ão sei como lhe agradecer, dona Cigarra.
Ci g ar ra ,,
- =ão me fale. &rate de se r ecom !or e so bre- Xtudo de se ada!tar . ?eQa se consegue a!r eender % o r ítmo, o com!asso d)ste sculo de dança . . . Ho nita frase. 8ei3e-me tomar nota . 9lha, aí vemo seu lanche . 2 vontade Formiga, sem cerimNnia.
( C ai o pano $eagar en#uant o a C igarratoma not a $a f r ase! e a ormiga $i r igese
%ura$a! su+alterna! par a a mesa $o lan%he ) .
A+ril ! +DEI
9 f uncionamento dos ser viços !Gblicos um dos !rimeiros sinais indicativos da saGde de um cor!o !olítico . #or sua nature*a, e at diria !or sua ine- %vitável magnitude, a em!r)sa 0ue distribui ela .multidão as utilidades essenciais torna-se um índi- % ce da reali*ação do bem comum e ser ve !ara a0ui
latar a situação !olítica e cultural de um !ovo . Se %um mdico fNsse chamado ( ca beceira de uma nação ,. com balida, dever ia, antes de 0ual0uer outra inves- % tigação, fa*er esta !er gunta carinhosa : -/ então. como vão seus bondes, seus telefonesZ &em des!eQado- seu li3o com regularidadeZ / a águaZ &em ela a .
!ressão suficiente !ara atingir todos os !ontos do organismoZ
=ão chego a di*er 0ue o bom funcionamentodos serviços !Gblicos seQa !rova suficiente de saGde
!olítica. #ode-se imaginar um !ovo bem servidonas coisas materiais e muito mal servido nas coisas0ue transcedem essas utilidades e 0ue constituem.e3ig)ncias maiores da nature*a humana. =a 2lemanha na*ista, os trens eram !ontualíssimos e '.]li3o era des !eQado com comovente r egularidade.2s má0uinas da civili*ação funcionavam bem, en0uanto os dirigentes da disci!linada comunidade
!re!ar avam um cataclisma, e em !ouco tem !o anoOft Dr .$e.n .n.a*Qst.a se t+msf ormou na maises!an-
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tosa desordem dos Gltimos sculos. as, se !os- . sivel imaginar num !aís enlou0uecido a !erfeita re- ' gularidade dos serviços !Gblicos, im!ossível ima- % ginar uma !olítica saudável onde falta água, trans
!orte, comunicaç7es, e onde o li3o !ermanece es0ue % cido semanas a fio a em!estiar os 0uarteir7es. Com . mais rigor diremos 0ue o bom funcionamento dos ser vços !Gblicos , !ara a saGde do cor!o !olítico, condição necessária mas não suficiente.
?ista sob )sse Rngulo, !ssima a situação doHrasil . =ossos serviços !Gblicos f uncionam mal, muito mal, tão mal como se estivssemos há de* anos em guerra contra im!lacáveis inimigos. 2 ág%ua não corre, o li3o a!odrece diante das casas, e os bondes carregam gente com maior desconf Nrto do 0ue vag7es de gado, e não há o menor indício de 0ue venha a melhorar )sse estado de coisas. 2o contrár io, v)-se 0ue as medidas 0ue tomam os di rigentes tendem a agravar a situação, e v)-se -o 0ue ainda !ior - 0ue o !ovo não dánenhum sinal de estima !elos serviços !Gblicos.6á !or e3em!lo uma em!r)sa !articular 0ue
e3!lora o ser viço de fNrça e lu*, bondes etelefones. /ssa em !r)sa hostili*ada !ela o!inião !Gblica e !ela !o lítica econNmica inflacionária. =ão tem a!oio na im!rensa !ara !oderreivindicar o chamado rea
Q ustamento de tarifas 0ue a instabilidade da moedanacional reclama . =ão !ode contar com o !oder constituído !ara af rontar a im!o!ular idade. / assim, entre dois fogos, a em !r)sa caminha !ara um
im!asse, sem 0ue ningum se !reocu!e com o f u turo dos serviços !Gblicos Qá tão deficientes.
=ão me comovo com a sorte da /m!r)sa e coma !ros!eridade dos acionistas mas comovo-me com
++ sombria !ers!ectiva de uma crescente dificuldadede vida causada !elo em!erramento da má0uinados serviços !Gblicos. /, nesse caso, en0uanto nãome convenço da !ossibilidade e das vantagens danacionali*ação e da sociali*ação de tais serviços,sinto minha sorte de muníci!e ligada ( sorte daem!r)sa e de seus acionistas . #ara ser sensato devodese Qar a !ros!eridade das em!r)sas 0ue nos ser vem ainda 0ue seQam estrangeiras e ca!italistas.
S$ há dois modos de reali*ar serviços como o deuma rede telefNnica: ou entregamos o serviço a umaem!r)sa !articular nacional ou estrangeira, ou então, como no caso do serviço !ostal e telegráfico,toma o gov)rno a si o encargo da administração .
=o !rimeiro caso, !ara atender convenientementeao bem comum, as tarifas devem ser remuneradorase fi3as durante um !ra*o longo, o 0ue s$ !ossívelfa*er em regime de moeda estável. =o segundocaso as tarifas !odem ser bai3as e at nulas Xcomo
no ensino !rimário munici!al] !or0ue a subvençãod)sses serviços !ode ser coberta indir etamente !or outras f onte de receita . Cum!re entretanto notar 0ue não há nem !ode haver nenhum serviço absolutamente gratuito. /m economia, o serviço gratuito tão absurdo como o moto-contínuo em mecRnica. 9 0ue há !agamento indireto, distribuído
!or tNda a comunidade, e de tal forma orani*aY.o
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0ue beneficie realmente as classes menos favorecidas. 8e 0ual0uer modo, !ago diretamente ou indiretamente, o 0ue im!orta 0ue o serviço seQa
bem feito . 9 mais im!ortante numa escola !Gbltca não 0ue se Q a gratuita, e sim 0ue seQa umaescola . 9 mais im!ortante num serviço telegráfico não o !reço irris$rio 0ue custa um telegrama, e sim 0ue o telegrama chegue ao destinatário com uma brevidad e 0ue, ao menos a!ro3imadamente, lembre a velocidade da lu*. 2 idiade baratear ( custa das 0ualidades essenciais doserviço uma das mais difundidas e das mais nefastas em nossa terra. Yuerem todos os !residen
tes e !refeitos transformar nossas cidades em !araísos de gratuidades, e s$ conseguem r eali*ar infernos de dificuldad es crescentes. #ara não aumentar tarifas dos meios de trans!ortes dei3a-sea !o!ulação sem trans!ortes, ou !ermite-se )ssesimulacro em 0ue sofre a carne e a dignidade./m !rincí!io admito, como disse atrás, 0ue umserviço !Gblico seQa deficitário !ara atender ( multidão dos desfavorecidos, mas tenho certa sus!eitade 0ue )sse barato sáia caríssimo !ara o !ovo.
SeQa como fNr, e dei3ando de lado minhas sus !eitas sNbre a vantagem do !agamento indiret1.,uma coisa cer ta: !ara 0ue o serviço !Gblico !ossa ser bem administrado !elo gov)rno !reciso0ue )le fi0ue isento dos com!romissos !olíticos,e 0ue a direção dos serviços seQa feita !or homens0ue conheçam bem a materia administrativa, enão !or homens 0ue tenham corr`do atr.ás çQ.o can%.
clfdato durante a- cam!anha eleitoral., #ara. a di recão geral dos Correios e &elgraf os e
!recisogu'm 0ue conheça os !roblems, inda 0.ueos na% conheça como es!ecialista. 2 ideia do !ur
d+ nistrador 0ue teria ca!acidade de adm+mstrar 0ual0uer coisa inteiramente insensata . .s chegar aos e3ageros do tecnicismo 0ue . e3+g+.na.u,m
tcnico de tele-comunicaç7es !ara a diretona geraldos telgrafos, o bom senso nos di* 0ue ?, om administrador !recisa conhecer bem a maena ,a ser administrada . 9ra, o critrio 0ue !reside as escolhas !ara )sses cargos tem sido !urament !olítico . 9uvi di*er 0ue a dir etor ia do 8C& vai sr oferecida a um homem do #@, como tem!os atrasfoi ofer ecida a um homem do sr . 2dernar de Har-ros . t %
Costuma-se di*er 0ue o regime !arlamen ans-ta instável !or0ue a chefia. do gov)rno !ode mudar duas ou tr)s v)*es num m)s '. as nosso r e
gime !residencialista muito mais mLtavel do -0eo franc)s ou o ingl)s, !or0ue a0ui nao muda so .ochef e do gov)rno . uda tudo . uda . a . cef:a
do tráf ego, a direçã.o dos Correios, a
!r esidec+a do Hanco do Hrasil, os chefes deeçao, e. ate .ssub-chef es e contínuos. 2 sucessao . !residencialtem o efeito de um ter remoto e o con+unto de ser
viços !Gblicos, 0ue na França e na glaten:a. desafia im!(vidamente tNdas as oscilaçoe !ollt+cas,sorre um !rof undo abalo ele ci:ico ei:n cmco anos:
@ esumindo as consideraçoes feitas at a0ui,diremos 0ue as duas Gnicas alternativas !ara o ser
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vço !G blico, a em!r )sa !articular e a admínistr ro çaogovrnamental, encontr am atualmente e 'l. nosso !aisgraves im!edimentos !ara o bom de se+ !enho de s starefas. 2 em!r )sa !articul sofr e . a onse uencias dainstabilidade da moedi a adm+mstraZ !Gblica sofre as
conse0V)ncias dos com!ron:+ssos eleitorais. =ão admira,assim. 0e andem tao mal. / não se v) a menor tend)n. eiade melhor ia uma ve* 0ue, ao contr ário s agravan ascausas de !erturbação. ' .
. Sera interessante com !arar dois serviços s+%% m+ares,? telefone e o telgrafo, um em egimd m !rea !articular, e outrn em regime de ad mm+straçao
!Gblica, !ara melhor avaliarmos em cada modalidade, o graude morbide* de nosso' cor !o !olítico . /' o 0ue !retendo fa*er no !r$3imo artigo.
4ar2o! +DEJ
.......
e
&/k5@2F9 /
serviços de comunicaç7es telegrá ficas etelefNnicas, !ela semelhança de nature*ae !ela dissemelhança dos regimesadministrativos em 0ue se acham
l d i f
sistema telegráfico 0ue con sistia em sinaisluminosos acesos nos montes. ais tarde osromanos a!rimor ar am )sse telgrafo $tico !or meiode combinaç7es de sinais corres!ondentes (s letrasl lf b t / f i ) t l f i l i
-
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9s
nossos
colocados, !ermitem-nos fa*er umacom!aração e chegar a uma conclusãono 0ue toca bondade ou (malignidade d)sses regimes. 2ntesdisso, !or m, será !roveitoso rever r(!ida mente a hist$ria da tcnica das
comunicaç7es .9 !roblema das comunicaç7es tem a
idade do homem. ?encer as distRncias, nãosomente !ara o trans!orte material mastambm !ara o contacto dasintelig)ncias, uma das !rimordiaisas!iraç7es da alma humana. /m 6omero .encontramos men ção de um rudimentar
elo alf a beto. / foi )sse telgraf o visual, com maisalguns insignificantes melhor amentos, 0ue chegouat meados do sculo . 6á 0uem imagine 0ueessa lentidão do !rogresso tcnico nos sculos
!assados deva ser e3!licada !ela menor intelig)nciade nossos ante!assados ou !ela nefasta influ)ncia 0ue
os #a!as ter iam e3er cido na civili *ação ocidental. =o momento não !osso atender ao desaf io 0uetal idia me lança, e contento-me
.,... ...-
,
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com a e3!osição dos fatos. Faltava' 7: telegrafia O"agente ade0uado, como faltou nos sonhos aero
náuticos de eonardo da ?inci o motor dee3!fosão. ogo a!$s a descoberta da correnteeltrica, o t . lgrao dá um salto enorme .Coube a um !into1r%americano, Samuel orse, a gl$ria d)sse salto e% !oucos anos de!ois do estabelecimento da !rimeira:
.linha telegráfica entre Pashington e Haltimor eíXlMKK] os fios telegráficos davam a volta ao mundo.20ui no Hrasil, graça ( clarivid)ncia de homens
i como o ministro /usbio de Yueir$s e o Harão de tCa!anema, tivemos a !r imeira linha telegráfica ' lconstruída entre o 0uartel do Cam!o de Santanae a Yuinta m!erial, anos antes da aceitacão do
invento !elo gov)rno franc)s. ,9 telef one, mais ainda do 0ue o telgrafo, es !erava !ela descoberta da corrente eltrica . l4"'oi5ranham Hell, c)rca de trinta anos de!ois deorse, 0ue demonstrou !Gblicamente a !ossibili
,, dde de um circuito telefNnico. Com grande ra !ide*, como no caso anterior , surgiram !or tNdaa !arte centros telefNnicos locais e !e0uenas linhasinter-urbanas, mas as grandes distRncias resis
; 1 tiam mais ( comunicação telefNnica, !or causa de
sua maior com!le3idade, do 0ue haviam r esistido% ao telrfo de orse. Faltava o agente ade0uado,o am!lificador, !ara com!ensar as !erdas das iinhas muito longas. =os !rincí!ios de nosso sculo%.surge a lRm!ada eletrNnica, 0ue viria resolver 1, !roblema, e foi tambm nessa !oca 0ue se encon-.traram os dois elementos mar avilhosos 0ue iriam :
%:9/< 2=9S- $'
constituír o telgrafo%e% o telefone sem fio: a lRm !ada eletrNnica e as radiaç7es eletro-magnticas.uita gente !ensou 0ue o rádio viria substituir com!letamente as linhas terr estres, tornando-asobsoletas. as a evolução da tcnica, !rovou 0uea eletrNnica e o uso das altas fre0V)ncias, em ve*de su!erar, vinha com!letar o !roblema das comunicaç7es em fios . 9 estado atual das comunicaç7es telegráficas e telefNnicas consiste numa es!cie de simbiose entre a tcnica do rádio e a tcnicadas comunicaç7es em fios. 9s chamados sistemasde ondas !ortadoras !er mitem, mediante o uso defai3as de fre0V)ncias deslocadas e filtradas, o trá : :fego de mGlti!los sinais no mesmo !ar de fios onde antigamente cor r ia uma s$ comunicação . 2 tcnica de comunicaç7es está neste !onto: em!r)gode ondas !ortadoras no 0ue se refere áo mtodo detransmissão, e em!r)go de cabo coa3ial e microondas no 0ue se refere ao su!orte da0uelas ondas
!ortadoras.2ntes de a!licarmos ao nosso caso essas consi
deraç7es, lembremos ainda 0ue a telef onia consider(velmente mais com!le3a do 0ue a telegrafia.
o sinal transmitido num sistema telegráfico de nature*a muito mais sim!les do 0ue o sinaltelefNnico. /n0uanto a oscilação eltrica, 0ue imitaas infle37es da vo* humana, tem finos mati*es deintensidade e co bre uma fai3a de fre0Vencia vintev)*es maior, o sinal telegráfico formado !or umc$digo de elementos de um sistema binário . @e-
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sulta dísso o 0ue *0 dissemos: a telefonia tremen% damente mais difícil do 0ue a telegrafia. .,
?amos agora (s com!araç7es entre as dois ser viços em nosso !aís . 9 serviço telefNnico e3!lora-
. do !or uma com!anhia !ar ticular, 0ue, conforme
demonstração feita !or inGmeros Qornalistas e tri4' 0 bunos, s$ visa o lucro. /ssa em!r)sa !articular, .+ávida de lucro, ainda !or cima estrangeira, e, ',
qor, c)rca de oito v)*es .maior4 / devemos lem brar 0ue )sses lugares são centros !rodutores dematerial telef Nnico .
1+%a, com tNda a sua malignidade e com tNdas
as desvantagens criadas !ela inflação, a Com!anhia &elef Nnica Hrasileira mantm em nosso territ$rio a mais moderna e eficiente a!arelhagem, 0ue
assim sendo, como nos !rovam os !atriotas s$ visa em nada difere da 0ue usam os !aíses mais adi--·- "" ' .
sugar nosso amado Hrasil em !roveito dos acionis- tascanadenses .
8o 0ue venho escrevendo há vinte anos ouso.es!erar 0ue o leitor não me considere um defensor do liberalca!italismo, nem me recuse o direito de !roclamar o amor
0ue tenho ao meu !aís. /stou !ronto a concordar com 0uemme a!ontar a malig nidade da organi*ação !articular e
estrangeira 0ue e3!lora tão essenciais serviços !Gblicos noHrasil. Sou o !rimeiro a estranhar 0ue essa em!r)sa não ouse,
não sei !or 0ue, res!onsabili*ar, diretamente e lealmente, ogov)rno do !aís !ela instabilidade da moeda 0ue torna
im!ossível a estabilidade de tarifas, e, em ve* disso, siga umaoutra !olítica 0ue dei3a na o!inião !Gblica a im!ressão dehaver su bornos cada ve* 0ue !rocura o mais indiscutlvel
mente merecido aQustamento de tarif as. 8isse e re!ito:indiscutivelmente merecido aQustamento, !ois convmlembrar 0ue a assinatura do telef one no @io ele aneiro uma das mais baratas do mundo. =a Hlgica, o !reço
duas v)*es e meia maior em ondres, tr)s ou 0uatro v)*es em =ova
.....,....
+
antados domundo.&emo
oras, cabo coa3ial, onde !odem . traf egar nove centas e sessentacomunicaç7es simultRneas, e brevemente teremos em f uncionamento os
i d i d
um e0uívoco do 0ue um !rogresso real, o8e!artamento de Correios e &elgrafos estáatrasado mais de meio sculo, e 0uase se acha namesma situação 0ue tinha no tem!o do m!rio./m +DKJ foi criado !or de creto o !lano #ostal
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ssistemasdeondas !or
tad
canais de micro-ondas.Yual , nesse mesmo tem!o, o estado da
r)detelegráfica !atri$ticamente administrada
!or di retores gerais a!ontadosdiretamente !ela !resid)n cia da@e!GblicaZ =ão contando algumasestaç7es de rádio, 0ue constituem mais
/m +DKJ, foi criado, !or de creto, o !lano #ostal-&elegráfico, 0ue congregou e3 celentes tcnicos einiciou o !rimeiro !roQeto de um sistema de ondas !ortadoras .
9 !roQeto foi estudado com com!et)ncia e condu*ido com entusiasmo, mas, at hoQe, em de* anos,en0uanto a Com!anhia &elefNnica reali*ava taref asde* ou vinte v)*es maiores, o sistema ainda nãoentrou em funcionamento4
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/ então, se admitirmos a malignidade intr ín-% seca daorgani*ação ca!italista se dermos !or !rovada a avide* de lucro, e mais a im!lacável indif e-% •rença 0ue a em!r)sa estrangeira nutre !elos destiinos desta infeli* re!Gblica sul-amer icana se, al:0i ' dessas ruindades essenciais, levarmos em conta as dificuldades tra*idas !ela inflação e se finalmente%tornarmos a lembrar 0ue a telef onia de* ou vinte v)*es
mais dif ícil do 0ue a telegrafia, então n$s con cluir emos,irr esistivelmente, irretor0uivelmente, 0ue e3iste naadministração brasileira do serviço telegráfico um mal milv)*es maior do 0ue a avide* dos ca!italistas estrangeiros ./' !reciso imaginar uma malignidade es!antosa, !rodigiosa, colossal, !ara e3!licar convenientemente oatraso do serviço dir igido !or uma !essoa escolhidadir etamente !elo !residente da @e!Gblica em com!araçãocom ser viço análogo, mas muito mais dif ícil, dir igido
!or inimigos do Hr asil .8essas consideraç7es não dedu*o o !rincí!io 0ue
atribui ( administração !Gblica uma essencial
.
.
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inca!
e . 9utros e3em !los !eleW mundo nos !ro?ã.m-0ue a administração governamenta l dos serviços !Gblicos !ode ser tão boa ou melhor do 0ue aadministração !rivada. =ão há, !ois, uma regrageral mandando entregar ( livre concorr)n cia e (s
o atraso do 8e !artamento de Correios e &e grafos a!enas o índice de um atraso mais grave.o veneno dos serviços vem de cima, dos ministr iose das !r esid)ncias . / tão violento 0ue 0uase seri-:imelhor 0ue o !residente eleito tivesse uma verba
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geral mandando entregar ( livre concorr)n cia e (sem!r)sas ca!italistas a administração dos serviços !Gblicos, mas há o fato !articular , o fato brasileiro, 0ue ser ve !ara a0uilatar o grau de mor bide* !olítica a 0ue chegamos.
.
melhor 0ue o !residente eleito tivesse uma ver bavultosa, du*entos ou tre*entos milh7es de cr u*eiros,
!ara distri buir entr e os com !anheiros de cam!a nhaeleitoral, em ve* de ter )sse !residente eleito o
!r ivilgio de distribuir !or seus com!arsas os !ostosde administração dos serviços !Gblicos.
A+ril! +DEJ
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O MILAGRE DA BOA VONTADE
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niciando hoQe uma colaboração semanal no 9 5sta$o $e 6o Paulo! 0uero !edir ao leitor a li cença de escrever ora sNbre fatos, ora sNbre idias, ao sabor dos acontecimentos ou das cogitaç7es. =ão digo 0ue vá fa*er da versatilidade um !rogra ma. 9 0ue !retendo a!enas, se me derem a !ermis são, estar neste canto do Qornal ( vontade, falan do de uma coisa hoQe, de outra amanhã, ou me lhor, na semana seguinte, sem obrigação de roteiro, nem com!romisso de g)nero literár io . Creio 0ue assim não me faltará assunto. =os dias grandes terei es!is$dios candentes a comentar, consideraç7es !olíticas, econNmicas e sociol$gicas a tecer, e at a!$strof es a ver berar contra o !oder !Gblico e nos dias mon$tonos sem!re terei uma rosa em minha mesa, uma criança ( mão, uma lembrança, um nada, e cuidarei de e3!lorar o imenso mundo das coisas !e0ueninas, 0ue de onde se tiram as mais
!roveitosas meditaç7es. =ão !recisarei assim de sancar algum bei de &unis como aconteceu ao /ça de Yueir$s, nem ficarei, como a mim Qá me tem acontecido muitas v)*es, a !rocurar assuntos subs tanciais e condignos 0ue recom!ensem a atenção do leitor e corres!ondam ( remuneração do Qornal. @esta saber se conseguirei obter do leitor !aulista tfl.manha benevol)ncia !ara tão vadios !ro!$sitos
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de uma !ena carioca 9 0ue !osso !rometer nestaD ANOS 65
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de uma !ena carioca . 9 0ue !osso !rometer, nestacolcha de retalhos 0ue começo a0ui a !es!ontar, a unidade da linha com 0ue coso, mas isso mes-mo s$ com o tem!o se verá.
*
2liás, !or falar em leitor !aulista e em escritor carioca, veio-me a idia de contar 0ue, umave* ao menos, a nossa anar0ui*ada e indolente me
tr$!ole deu !rovas de uma efici)ncia 0ue nada ficoua dever ao 0ue seria se a0uilo 0ue a0ui se !assouhouvesse ocor rido na o!erosa e dinRmica !aulicia.
@efiro-me ao congresso eucarístico, e mais !ar ticularmente a )sse as!ecto de ordem e de $timoandamento 0ue tiveram os serviços da grande sole
nidade . 8ei3o de lado a grande*a da significaçãoreligiosa do certame, 0ue Qá foi ob Qeto de outras !u blicaç7es, !ara cuidar es!ecialmente do desem!enho. Foi admirável. Foi comoventemente !erfeit7.2 com!le3idade de serviços mobili*ados, desde oenorme at)rro at o !e0uenino invento de !a !el0ue servia de ventarola ou de guarda-sol desde adistribuição harmoniosa de tresentas mil !artículas
onsagradas at a ditribuição generosa de tresentas mil mer endas de criança desde a im!ressionan
te bele*a do altar at a !erfeição dos ser vços .Tlle:som, de lu* e de trl'].s!ortes em tudo, em todos os.detalhes, a ordem era tanta 0ue nos dava a !ouco !atri$tica im !r essão de não estarmos no Hrasil,e muito menos na sua desvairada ca!ital .
/u 0ue sem!re temera a confusão, e com e3ce.l entes motivos, declarei-me logo vencido !elo reimltado. / ho. Qe ouso formular uma su. estão0ue
talve* !areça esdrG3ula: se algum dia o Hrsil entrar em guerra com !aíses de alm-mar, e t+v:r ne%
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cessidade de concertar uma vultosa o!eraçao dedesem bar0ue de tro!as, viveres e muniç7es, enre
gue 1 ministro da guerra a direção d)sses srv+çosaos tr)s bis!os e (s boas senhoras 0ue orgam*aram1 congresso eucarístico no !alácio São oa0uim.elhor do 0ue )les, e elas, não far iam decer to osmais eficientes estrategistas do mundo .
Foi realmente uma batalha, uma grande ba-talha, o 0ue levaram a ca bo . á estavam os m..r uQos de guerr a a manobr ar a enorme vela donav+1ancorado, lá estavam as tr o!as de terra, os r efleto
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res dos combates anti-ar eos, o ver de-oliva dos car r os de assalto e a brancura das am bulRncias. &udoenfim 0ue entr a nas grandes o!eraç7es militares,e f uncionando bem, r igor osamente de acNrdo comas !r evis7es do comando. /3traviava-se uma ,c %i +
ançaZ ogo os alto-f alantes circulavam a noticia, !ublicavam os sinais de identificação, at 0ue oslencos de um gru!o notifica,ssem o encontro daovelha tresmalhada. 8esf alecia uma senhor aZ o
go a!arecia o mdico e a f armácia . / ssim as.0u:nhentas mil !essoas aglomeradas sentiam-se guar dadas, e !odiam, com alma livre, cntregarseaore colhimento !iedoso . / 0ue di*er das conf +ssoes co lllidas !elos batedores de Cristo noim!rovi o ds contriç7es sGbitasZ S$ eu, de ondeestav, .v+ mais de uma dG*ia de cor!os, baleados
!elo d+vmo !er dão, cair em de Qoelhos diante deum conf essor saídonão sei de onde.
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2ludi, há !ouco, (s merendas distribuídas nodia da comunhão das crianças. evava eu as mi nhas e, !elo sim, !elo não, lá me acautelara com um !e0ueno farnel. 6abituado (s soluç7es indivi- ]
dualistas, e receando a demora da cerimNnia, dei3a ra-me guiar !elo adágio 0ue recomenda a ateus o cuidado dos seus . 2rr e!endi-me, 0uando vi 0uealgum cuidar a de todos. al terminava a missa'
chegavam viaturas do e3rcito, (s de*enas, carre gadas de sacos volumosos, e logo um regimento ele moças ba+. +deirantes, bem escolhidas entre as de !ernas mais grossas e dorsos mais robustos, acer cou-se dos carros do glorioso e3rcito brasileiro. Cada uma das moças toma nas costas um enorme : s:o, e 0uando algum varão, ve3ado com a dis!o s+çao delas, esboça um gesto de aQuda, encontra uma altiva relutRncia: o !Nsto era delas. / ade- . mais, se o !eso dever as era gr ande, iria diminu indo !elas brechas da generosidade, dei3ando de mão em mão um !e0ueno saco de !a!el com asinsígnias do congresso !or fora, e uma boa ra.cão de biscoitos !or dentro . ,
20uela guerra er a branca, era de !a* . Sem
regatear elogios aos organi*adores, devo entretan
niram !ar a a !rocur a da !a* . Com as migalhas da boa-vontade, 0ue sem!r e sobeQam nos ban0uetesdos egoismos, estiver am a !rocurar a conc$rdia,a !a* do mundo, como se fNsse !ossível armar em
e0uilíbrio as fNrças 0ue dividem, 0ue se!aram, 0uedesagregam. / a mesma 5enebra, a erusalm doindividualismo, de onde saíram as f$rmulas maisinsensatas da filosofia do egoísmo, hos!eda os a!reensivos em bai3adores dos inter)sses em cho0ue . =ão sei o 0ue resultará d)sses conciliá bulos massei, !or0ue vi, o 0ue !ode resultar 0uando os homens se entregam totalmente ( lei da boa-vontade.?i o 0uase milagre, ou milagre mesmo, ele uma or gani*ação monumental !lenamente reali*ada, a0ui,
entre n$s cariocas, 0ue somos reconhecidamentedesvair ados e dis!licentes.2inda guardo na retina o es!etáculo raro, diria
at diver tido, suavemente irNnico, 0ue nos der amos marinheiros, a !olícia, os soldados, os refletoresde guerra, e os im!onentes carros de assalto a ser viço do mais !acífico dos reis .
ulho! +DEE
4'S +
to assinalar o mr ito !rinci!al do essencial #a
f;'.l' I
+
"
+ '
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cif
icador 0ue
multidão, f undido nas almas, a murmurar noín% timo dos cor aç7es: KPa%em relin#uo o+i.s! pa%em meam $o o+is . . .".
á no outro lado do mundo, nos mesmos dias,os !oder osos senhores dos !ovos tambm se r eu-
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)2 !rimeira im!ressão colhida ao abordar aobra de on HloO, 0ue !erdur a, (s v)*es, não s(
mente no es !írito de seus críticos, mas tambm node seus admir adores, a de um magnífico im!recador ou de um amargo revoltado . 9 0ue chama logoa atenção a veem)ncia, a viol)ncia, a trucul)ncia.HloO a!arece, !ara os 0ue o louvam e !ara os 0ueo censuram, 0uase um !rofeta ou 0uase umenergGmeno: Quba er içada, olhar em brasa, em !
entre dois sculos, n$s o vemos denunciando, a!ostrof ando, fustigando os homens, os costumes e asidias de seu tem!o. Hasta !r onunciar seu nomeem r odas liter árias !ar a 0ue cada um tenha umafrase sua a relem brar , contra a rainha ?it$ria,contra os belgas em geral, contra 6uOsmans oucontra eão . Suas indignaç7es, Qustas ouinQustas, são louvadas a0ui como e3em!los de sinceridade, e censuradas acolá como e3em!los de insubordinação . / muitos são os admírador es 0ueadmiram Qu stamente o 0ue os outros r e !rovam,ficando assim tNda a obra e todo o de!oimento deon HloO ( merc) das inclinaç7es tem!eramentais./logiam uns a am!litude de seu rugido criticamou tros a as!ere*a de seus urros.
?ivemos numa !oca de ím!etos. 2 ?ontade, divini*ada, afirma sua !re!ond erRncia, !ara de-
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sencadear e !ara encadear o delírio fascista ou otor!or mar3ista, são e3!ress7es !ouco diferentes dbmesmo im!rio da vontade. 2 realidade substitu-se o dinamismo ( intelig)ncia substitui-se o gest1 e o grito e na mesma linha d)sse dinamismo esã
os amadores de im!recaç7es e os amadores de rn'or daças. #or isso, a !artir da !rimeira im!ressão 1os admiradores e os detratores de HloO se dividen:iem tNrno da a!reciação de seus ím!etos, dei3andode lado o conteGdo !ositivo da grande obra cristãonde a vontade est)ve sem!re, em cada !ágina, em
t cada linha, humildemente submissa.
Se eu conseguisse !rovar cabalmente, nos es treitos limites d)ste !e0ueno estudo, 0ue a obra de HloO tão intelectual como a de aritain, embora: de um modo diferente, certo 0ue o nGmero de seus% admiradores volunt aristas e anticlericais ficaria consider(velmente redu*ido, !or0ue o 0ue lhes !a rece admirável, nesse ortodo3o, nesse dogmático, nesse obediente, a im!ressão, tão grata a nossos mil recal0ues, do indivíduo 0ue Xafinal4] rom!eu tNdas as barreiras 0ue travam nossos gestos e nos
sas !alavras. Foi um 0ue ousou4 Foi um 0ue sou-: be di*er verdades -o 0ue muito mais es!etacular ' do 0ue di*er a verdade .
• 3 32 segunda im!r essão, 0ue a meu ver ainda
su!eliicial, mas um !ouco mais !rof unda, referese ( mensagem do !obre, do solitário, a!risionado,acorrentado, fi3ado no centro de sua misria . /o im!recador a!arece agora e3!licado: vocíf era !or-
0ue tem de 0ue vocif erar grita !or0ue um mundoiní0uo o mantm no centro mesmo da misr ia ruge !or 0ue v) um filho morrer de fome e de f r io%.
se a !rimeira im!r essão, 0ue se detinha namagnific)ncia dos clamores, se !restava a um Qulgamento segundo as inclinaç7es da vontade, estasegunda im!ressão, da vocif eração motivada e e3
4 .
!licada, entrega a obra de HloO ( s)ca ra*ão 0ue racionali*a tNdas as atitudes e des!oQa o homem deseu mistr io .
as a obra de HloO tem um conteGdo !ositivo,uma mensagem de intelig)ncia, uma !artícula d:::verdade eterna. =ão foi s$mente !ara !assar trotesnos belgas e fa*er !irraças aos ingl)ses, não foi
s$mente !ara denunciar !ro!rietários gananciosose bis!os 0ue se o!unham aos deseQos de =ossa Senhora, e3!ressos entre lágrimas em a Salette, não "foi somente !ara re!reender 6uOsmans ou maltratar Hourget (>,eimu#ue $es $ames) 0ue o #eregrino do 2bsoluto viveu sua longa vida de sofrimentos indi*íveis. Sua obra tem um conteGdo !rinci!al,uma verdade 'bni!resente, um sentido, uma idiaclara e constante, tão constante, tão clara, tão evi
dente, 0ue se torna invisível, como o mistrio invisível, como o sol invisível. / eu diria, com amais firme convicção, 0ue )sse nGcleo sim!lesmente o nono artigo do sím bolo elos a!$stolos: aComunhão dos Santos.
2travs de cem mil acidentes, em todos osseus livros, e !rinci!almente em seu Qornal X0ue ameu ver a !arte !rinci!al de sua obra] , corre o
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