Desmaterialização Da Economia. Análise de Ciclo de Vida Da Utilização de Recursos Materiais
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1
AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DO CONSUMO E UTILIZAÇÃO DE
RECURSOS
“No princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade não
foi conhecida nem tratada, torna-se fácil o diagnóstico e difícil a cura”.
(In: “O Príncipe” de Maquiavel, 1469-1527) )
F.J.M. Antunes Pereira
Professor Catedrático
Outubro 2008
RESUMO
Na nossa sociedade de consumo, a utilização de recursos naturais e a produção de
resíduos têm aumentado a uma taxa superior à do desenvolvimento económico (PIB).
Para haver desenvolvimento sustentável é necessário dissociar (“de-couple”) estas duas
variáveis: consumo de recursos e desenvolvimento económico, ou seja, tem de haver
crescimento (económico) mas consumindo menos (logo, produzindo menos resíduos).
Usando a nomenclatura actual, a isto se chama desmaterializar a Economia.
Nesta comunicação descrevemos os resultados uma abordagem integrada de duas
metodologias: Análise de Fluxos Materiais (MFA) e Avaliação de Ciclo de Vida (LCA)
para determinar os fluxos materiais do sistema produtivo que são ambientalmente mais
críticos, e assim, ajudar a definir políticas de desenvolvimento sustentável. Descrever-
se-ão também as limitações actuais desta metodologia.
A análise de MFA dos componentes dos resíduos sólidos domésticos (RSU) na
Economia Portuguesa mostra que o fluxo destes representa uma fracção muito pequena
(inferior a 1%) do consumo material doméstico nacional (DMC). A análise do Impacto
Ambiental do Consumo e Utilização de Recursos na nossa Economia (EMC) pareceria
ser uma prioridade mais defensável, dado que faz uma avaliação dos impactos na
Economia global dum País (“Economy-wide”), e não apenas num dos segmentos do
ciclo de vida (a jusante) do consumo e utilização dos recursos.
1-INTRODUÇÃO
Uma das sete estratégias temáticas prioritárias do 6º PAA (Sexto Programa de Acção em
Matéria de Ambiente, 2000-2010) (CCE 2001, 2002a, 2003b) é a da gestão sustentável
dos recursos naturais, e uma das metas a atingir é a desmaterialização da Economia, ou
seja, dissociar (“de-couple”) o crescimento económico do consumo de recursos (Ver
Quadro 1). A desmaterialização implica um crescimento económico sem aumento
simultâneo do consumo de recursos (desmaterialização relativa), ou até mesmo com
diminuição desse mesmo consumo (desmaterialização absoluta). Em qualquer dos casos
está implícito um aumento da eco-eficiência do consumo e utilização dos recursos
naturais.
2
Há várias teorias e metodologias para analisar o caminho da desmaterialização. Nesta
comunicação usar-se-ão a MFA (Materials Flow Analysis, ou Análise de Fluxos de
Materiais) numa Economia, conjuntamente com a LCA (Life Cycle Analysis, ou
Avaliação do Ciclo de Vida) para quantificar melhor o conceito e avaliar as suas
potencialidades no estabelecimento de políticas de desenvolvimento sustentável.
_Quadro 1-Prioridades do 6º PAA (Sexto Programa de Acção em Matéria de
Ambiente, 2000-2010) (CCE 2001b, CCE 2002a, CCE 2003b).
Na metodologia descrita utilizam-se actualmente três indicadores:
DMC (Domestic Material Consumption) Consumo Material Doméstico:
calculado como a soma de todos os fluxos materiais que entram directamente no
sistema produtivo (Extracção Doméstica + Importações), subtraída das
Exportações
GDP (Gross Domestic Product) Produto Interno Bruto (PIB): que representa
a riqueza económica gerada pelo consumo e utilização dos recursos
EMC (Environmentally Weighted Material Consumption) Impacto Ambiental
do ciclo de vida dos materiais que entram na cadeia do Consumo Doméstico:
que estima o impacto ambiental potencialmente criado pelo consumo e
utilização dos “novos” recursos
O indicador DMC tem sido usado como uma medida indirecta (“proxy”) da “pressão”
ou carga ambiental do consumo de recursos. A razão está em que (abstraindo as
exportações) todo o fluxo de materiais que entra na Economia acaba, mais tarde ou mais
cedo por sair na forma de emissões e resíduos e/ou ficar retido (acumulado), neste caso
constituindo uma expansão física da Tecnosfera (com os problemas inerentes a nível da
Artigo1.º
Âmbito de aplicação do Programa
(…)
Os objectivos respondem às principais prioridades ambientais que a Comunidade
deverá concretizar nos seguintes domínios:
o Alterações Climáticas
o Natureza e Biodiversidade
o Ambiente saúde e qualidade de vida
o Recursos naturais e resíduos
Artigo 2.º
Princípios e finalidades gerais
(…)
Garantir que o consumo dos recursos renováveis e não renováveis, não ultrapasse a
capacidade de regeneração do Ambiente
Conseguir dissociar:
o O nível de utilização de recursos
o A produção de resíduos do crescimento económico, melhorando
significativamente a eficiência da utilização dos recursos e evitando os
resíduos (desmaterializar a Economia)
3
Pegada Ecológica). Assim, uma tendência temporal decrescente de DMC deverá ser
sinónimo de desmaterialização.
Contudo, nem todos os fluxos materiais que “atravessam” a Economia têm mesmo
impacto. Por ex. o consumo e utilização de 1 kg de areia não tem o mesmo impacto
(ambiental) potencial (virtual) que 1 kg de crómio. Ou seja, do ponto de vista de
sustentabilidade, os fluxos dos vários materiais deveriam ser “convertidos” em impactos
ambientais (EMC). Em última análise são os impactos ambientais que terão de ser
dissociados do crescimento económico.
Há, por isso, que fazer uma análise comparativa da desmaterialização usando os
indicadores DMC, EMC e GDP (ou PIB), evidenciando-se o modo como o cálculo
detalhado de EMC pode concorrer para a determinação dos fluxos materiais do sistema
produtivo que são ambientalmente mais críticos, e assim, ajudar a definir políticas de
desenvolvimento sustentável. A LCA tem ainda algumas limitações na sua aplicação, as
quais também têm de ser levadas em conta.
4
2.ANÁLISE DE FLUXOS DE MATERIAIS DUMA ECONOMIA (MFA-Materials
Flow Analysis)
Os princípios básicos desta metodologia foram descritos numa publicação relativamente
recente (Pereira, F.J.A., 2004). Referiremos aqui apenas os aspectos essenciais.
A Economia pode (metaforicamente) visualizar-se como um ser vivo, que ingere
recursos e matérias-primas as quais metaboliza em produtos, e no final os descarta no
Ambiente na forma de emissões, resíduos e acumulação de infra-estruturas. A
actividade da antroposfera implica portanto um constante fluxo de materiais e energia
de, e para, o Ambiente, fluxo de materiais este que “atravessa” a Economia, e que é
correntemente designado metaforicamente por Metabolismo da Economia.
Os fundamentos da MFA são relativamente recentes e foram estabelecidos
originalmente por investigadores alemães do Wuppertal Institute,
(http://www.wupperinst.org/Sites/wp.html) nos finais dos anos 90 (ver p.ex.
Spangenberg et al. 1998) e no fundo não são mais do que a aplicação do princípio da
conservação da massa aos fluxos de materiais que atravessam a Economia (Bringezu
and Moriguchi, 2002). Recentemente a União Europeia normalizou uma metodologia
para a elaboração destes balanços mássicos; a sua aplicação dum modo sistemático e
normalizado ao caso concreto da Economia, pode dizer-se que começou com a
publicação dum relatório da Comissão Europeia (Eurostat, 2001).
Se imaginarmos a Economia duma dada região geográfica, os fluxos reais, ou
mensuráveis, de relevância ambiental que atravessam essa Economia, desde que são
extraídos do Ambiente (interface Ambiente/Economia) até que retornam a ele (interface
Economia/Ambiente), estão esquematizados na Figura 1.
_Figura 1-Componentes da Análise de Fluxos de Materiais (MFA) através da
Economia (fluxos reais, ou fisicamente mensuráveis).
5
Os indicadores mais importantes desta análise de fluxo são:
Fluxo material directo (DMI-Direct Material Input): constituído por todos os recursos
materiais e energéticos que efectivamente chegam a, e entram, no processo produtivo;
compõem-no a extracção doméstica usada e as importações (físicas, ou reais)
Acumulação material (NAS-Net Additions to Stock): constituído pelas infra-estruturas
(habitação, indústria, sistemas rodoviários, etc.) e bens materiais duradouros
(maquinaria industrial, automóveis, electrodomésticos, etc.). Numa economia
verdadeiramente sustentável, NAS deveria ser muito próximo de zero, ou seja, o ritmo
de construção deveria ser compensado pelo de desconstrução (ou restauração), o de
entrada de novos produtos pelo de abate dos velhos, etc.
Emissões ambientais (DPO-Direct Product Output): constituído pelas emissões gasosas,
efluentes líquidos e resíduos sólidos descartados no ambiente após o consumo e
produção industrial (poluentes e contaminantes)
Exportações
No DMI não intervém directamente o fluxo correspondente à Reciclagem visto que esta
ocorre dentro da própria Economia, pelo que não entra na “fronteira” do balanço de
fluxos entre as interfaces Ambiente/Economia e Economia/Ambiente. Nestas condições
o DMI representa efectivamente a utilização de “novos” recursos. Está contudo
indirectamente relacionado com a Reciclagem, na medida em que o efeito desta é
reduzir o consumo de “novos” recursos, ou seja, do DMI.
Para além de DMI utilizaremos também frequentemente um indicador dele derivado, o
DMC (Domestic Material Consumption, ou seja, o Consumo Material Doméstico):
DMC = DMI - Exportações
O indicador DMC tem sido usado como uma medida aproximada, ou indirecta (“proxy”)
da “pressão” exercida sobre o Ambiente, resultante do consumo e utilização dos
recursos. A razão está em que (abstraindo as exportações) todo o fluxo de materiais que
entra na Economia acaba, mais tarde ou mais cedo por ficar retido na forma de emissões,
resíduos e infra-estrutura (acumulado) (neste último caso constituindo uma expansão
física da Tecnosfera, com os problemas inerentes a nível da Pegada Ecológica); está
portanto mais directamente ligado com o conceito de impacto ambiental do que o DMI,
já que as exportações não se reflectem nesse impacto.
Por uma questão de comodidade, e não havendo uma tradução normalizada para
português, continuaremos a designar estes fluxos pela nomenclatura original: DMC,
DMI, NAS, e DPO.
A estes indicadores é também frequentemente associado um indicador económico de
crescimento GDP (Gross Domestic Product), ou PIB (Produto Interno Bruto), a fim de
caracterizar a produtividade material dum dado recurso.
Da combinação destes três indicadores outros dois que têm sido usados para melhor
esclarecer o conceito de desmaterialização:
6
Produtividade dum recurso: cociente GDP/DMC [€/kg], que representa a
riqueza gerada pela utilização/consumo de uma unidade de material/recurso
Intensidade de uso dum recurso: cociente DMC/GDP [kg/€], representando
consumo necessário para gerar 1€ de riqueza económica (valor acrescentado); é
uma medida da eco-eficiência: quanto menor o seu valor, maior a eco-eficiência
Estes indicadores são o inverso um do outro; quanto maior a produtividade
(GDP/DMC), menor a intensidade de uso, ou seja, maior a eco-eficiência.
Actualmente a melhor fonte de informação centralizada sobre análise de fluxos
materiais na União Europeia é o European Topic Centre on Waste and Material
Flows (http://waste.eionet.eu.int/mf) cujo “site” está alojado na Agência Europeia do
Ambiente (EEA-European Environmental Agency, Copenhagen, Dinamarca).
Existem actualmente vários estudos das análises de fluxos na UE, na sua maior parte
realizados por investigadores do Instituto Wuppertal na Alemanha (Bringezu and
Schutz 2000a, 2000b, 2001, Bringezu 2002a, 2002b, IFF 2002, Moll et al. 2002).
Contudo o estudo mais divulgado, conhecido por Zero Study (Moll et al. 2003), traz
informação muito detalhada para o período de 1980-1997, acompanhando as várias
fases estruturais da União Europeia. Para além dos valores referentes à EU-15, foram
também, entretanto divulgados valores para os novos estados membros (EU-10) e os de
acesso pendente (AC-3: Roménia, Turquia e Bulgária), dispondo-se assim informação
para o total dos 28 países (EU-28) (Eurostat, 2002, Schutz, 2002, ETC-WMF (2004)).
A desagregação dos indicadores TMR e DMI para EU-15 e para Portugal está
representada NAS Figuras 2 e 3, respectivamente.
7
_Figura 2-Fluxos de materiais na União Europeia (EU-15) no ano de 1997, com
valores expressos numa base per capita (Moll et al. 2003). OBS: TMR representa o
Total Material Requirement que são os fluxos totais consumidos, incluindo os fluxos
indirectos, ou ocultos. Estes obtêm-se somando as importações ocultas (carga
ambiental: depleção de recursos materiais e energéticos, emissões poluentes, etc., e
que ficou retida no país de origem constituindo um passivo ambiental), com a
extracção doméstica não usada (parte do recurso extraído que não entra directamente
no sistema produtivo: ganga de mineração para metais e minerais de construção civil,
materiais dragados, biomassa deixada no solo sequente à exploração de florestas e da
agricultura, etc.) O DMI, ao considerar apenas os fluxos directos de materiais (que
efectivamente entram no processo de fabrico) tem mais relevância no contexto
local/regional; o TMR, ao considerar adicionalmente os fluxos indirectos (ocultos)
associados aos fluxos directos dos materiais, tem mais relevância no contexto
ambiental global (planetário)
8
_Figura 3-Análise de Fluxos de Materiais da Economia Portuguesa: fluxo material
directo (DMI): o seu valor foi de 189 Mt/ano (em 2000) (Nisa and Ferrão, 2006).
No caso de Portugal (Figura 3), o Consumo Material Doméstico DMC=189-16=173 Mt,
é muito próximo do DMI, dado o baixo teor das exportações; de facto
DMC=(173/189)*100=91,5% do DMI. Aproximadamente metade do consumo
doméstico fica retida (acumulado) no ambiente na forma de infra-estruturas (NAS)
contribuindo negativamente para a nossa Pegada Ecológica, e a outra metade sob a
forma de resíduos e emissões (DPO). Assim, tem-se, respectivamente:
-NAS=(91/173)*100=52,6 % do DMC para a acumulação em infra-estruturas
-DPO=(82/173)*100=47,4% do DMC para o DPO (emissões e resíduos)
Os materiais de maior peso no DMI de Portugal são os de natureza abiótica: Minérios e
Minerais (argila, areia, rocha) (ca. 57% do DMI) e Combustíveis Fósseis (ca. 14%); os
recursos bióticos (biomassa) representam apenas ca. 28% do DMI.
Os indicadores definidos atrás permitem agora analisar mais quantitativamente o
conceito de desmaterialização, bem como os critérios para a classificar.
Genericamente aceita-se que para haver desmaterialização tem que haver crescimento
económico (GDP) acompanhado de um consumo material (DMC, DMI) constante
(desmaterialização relativa) ou decrescente (desmaterialização absoluta).
9
No primeiro caso temos d(GDP)/d(DMC) = 0 (produtividade estacionária), e no
segundo d(GDP)/d(DMC) > 0 (produtividade positiva). Ou seja, o cociente GDP/DMC
tem de ser crescente, o que implica que DMC/GDP seja decrescente:
desmaterialização relativa
desmaterialização absoluta
Estas relações estão esquematizadas na Figura 4.
Por outras palavras, deve verificar-se um crescimento económico (GDP) superior (ou
igual) ao crescimento material (DMC, ou DMI). Assim, o cociente GDP/DMC
(produtividade) tem de ser crescente com manutenção (desmaterialização relativa), ou
diminuição (desmaterialização absoluta) do crescimento material (DMC, ou DMI).
Se esse crescimento económico for feito à custa dum crescimento material constante
trata-se de desmaterialização relativa; se for à custa dum crescimento material
decrescente falamos de desmaterialização absoluta.
Só na desmaterialização absoluta o crescimento económico (GDP) está, de
facto, dissociado (ou desacoplado) do crescimento material (consumo de
recursos, DMC)
_Figura 4-Critérios de classificação geralmente aceites para os tipos de
desmaterialização
10
No período 1988-1997 a EU-15 como um todo teve um crescimento económico (PIB
per capita) significativo à custa de um consumo de recursos (DMI per capita)
decrescente. Isto mostra que nesse período a EU-15 exibiu sinais de aumento da eco-
eficiência na utilização dos seus recursos, que se traduziu numa desmaterialização
absoluta. Contudo a situação dos seus países membros é bastante diversa (Ver Figura 5).
Assim conseguiram a sua desmaterialização absoluta países como: Alemanha,
Finlândia, França, Suécia, Itália. O Reino Unido (RU) e a Irlanda exibem uma
desmaterialização relativa, enquanto a Grécia, Áustria, Benelux, Dinamarca, Holanda,
Espanha e Portugal não chegaram a atingir qualquer tipo de desmaterialização. Portugal
conseguiu o seu crescimento económico à custa dum consumo crescente de recursos,
sem diminuição da intensidade de uso material DMC/GDP.
_Figura 5-Evolução comparativa entre o DMI e o crescimento económico nos países
da União Europeia (Ref.ª original: Bringezu and Schütz 2000a). (Preços constantes
referidos a 1985)
É importante situar Portugal no contexto do DMI europeu. Como foi referido atrás
(Figura 4), para haver desmaterialização a intensidade de utilização dum recurso
(cociente DMI/GDP) deve ser decrescente, ou seja, a sua produtividade (cociente
inverso GDP/DMI, expresso em €/kg) deve aumentar. A Figura 6 mostra que no caso
português a produtividade não só não aumentou como até diminuiu, sendo além disso a
mais baixa da UE (a par com a da Grécia) e quase estagnou durante os últimos 20 anos:
não atingiu sequer uma desmaterialização relativa.
11
_Figura 6-Evolução temporal da produtividade material (cociente GDP/DMI [€/kg])
na União Europeia e em Portugal, período 1980-2000 (IFF 2002;Pereira, F.J.A,
2004) (OBS: lembrar que a produtividade é uma medida directa da eco-eficiência)
Dados mais recentes, incluindo os novos membros (EU-10) e os candidatos (AC-3)
permitem situar Portugal no contexto dos 28 países da EU (Ver Tabela 1). De acordo
com esta Tabela, no período 1992-2000, o DMI nacional cresceu a uma taxa maior
(39,2%) do que a do PIB (23%), correspondendo portanto a uma diminuição na eco-
eficiência dos recursos de 11,7%. Na realidade Portugal foi o único (excepto Lituânia)
país da EU-28 com uma evolução negativa da eco-eficiência.
A questão da produtividade dos recursos em Portugal parece ser um obstáculo
significativo ao seu caminho para a sustentabilidade dos recursos.
12
3.AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS DO CICLO DE VIDA DO CONSUMO DE
RECURSOS: A DESMATERIALIZAÇÃO NÃO É SÓ UMA QUESTÃO DE
“PESO”
A MFA descrita na secção precedente permite encarar o DMC como um indicador
“proxy” da desmaterialização: de facto, pressente-se intuitivamente que “quanto menos,
melhor!”, ou seja quanto menos se consumir mais perto estaremos de desmaterializar.
Contudo, como iremos mostrar a seguir, a desmaterialização não é só uma questão de
“peso”, ou seja, dependente da dissociação entre o consumo (fluxos materiais, DMC ou
DMI) e o crescimento económico: coexistirem maior crescimento económico (GDP ou
PIB) com menor consumo de recursos (menores fluxos materiais, ou “pesos”). Em
termos absolutos, não há dúvida de que quanto menos melhor, ou seja quanto menos se
consumir (DMC) melhor para a sustentabilidade dum País. Contudo, num passo
subsequente temos também que analisar este consumo em termos relativos; de facto este
raciocínio parte do princípio que todos os materiais têm potencialmente o mesmo
impacto ambiental do seu consumo e utilização, o que pode não ser verdade. Não é
_Tabela 1 – Evolução no período 1992-2000 dos indicadores DMC, GDP e
Produtividade GDP/DMC [€/kg], para a EU-28 (van der Voet et al., 2005)
13
difícil suspeitar que o consumo e utilização de 1kg de mercúrio possa ser
potencialmente mais agressivo para o ambiente que o de 1kg de areia, por exemplo. E a
única maneira de o confirmar será calcular esses impactos, tendo em atenção o ciclo de
vida completo dos recursos/materiais desde a extracção das matérias-primas necessárias,
passando pela sua transformação em produtos finais e terminando com o seu uso e
rejeição final no ambiente como emissões e resíduos. A metodologia mais
frequentemente usada para tal é a Avaliação de Ciclo de Vida (LCA-Life Cycle
Analysis).
A estrutura básica duma LCA está esquematizada na Figura 7, e, globalmente está
dividida em 4 fases interligadas: 1-Objectivo, 2-Inventário, 3-Avaliação de Impactos e
4-Interpretação (Fig 7A). O processo inicia-se com a definição, ou estabelecimento da
base de cálculo (unidade funcional) realizando-se em seguida o inventário de emissões
(intervenções ambientais); estas são agregadas de acordo com factores de equivalência
e subsequentemente alocadas às várias categorias ambientais (Fig 7B). Estas, por sua
vez, são normalizadas (referidas a um cenário base) e ponderadas (somadas
ponderadamente) para originar finalmente um índice global representativo do impacto
do ciclo de vida (índice ambiental); conforme a metodologia usada este índice tem
significados e unidades diferentes. OBS. No que se segue, o impacto ambiental da
utilização de recursos será sempre obtido por normalização como uma % ou fracção do
valor mundial, e a ponderação efectuada uniformemente (pesos iguais para todas as
categorias de impacto). Isto é feito com um intuito pedagógico somente, para obter uma
ideia da ordem de grandeza dos valores em jogo. Na realidade concreta, contudo, e caso
a caso, a normalização e a ponderação são feitas com base em critérios socioeconómicos,
políticos e ideológicos, que não serão discutidos aqui.
Notar que o índice ambiental finalmente calculado representa um valor potencialmente
(ou virtualmente) atingível. O real e efectivo valor, na prática, nunca poderá ser
rigorosamente conhecido. Algumas das metodologias de cálculo de LCA, contudo,
estimam valores mais próximos desse valor real recorrendo a modelos de dispersão de
contaminantes nos vários compartimentos ambientais, entre o emissor e o receptor.
Pode-se encontrar uma discussão um pouco mais detalhada sobre a metodologia de
LCA na literatura portuguesa (Pereira, F.J.A., 2001, Ferrão, P.C., 1998).
14
_Figura 7. Esquema geral da metodologia de LCA (Pereira, F.J.A, 2001)
Através da LCA fica determinado o impacto ambiental potencial correspondente à
unidade funcional em estudo (p.ex. 1 kg de recurso ou material); a partir da MFA são
conhecidos os fluxos materiais (unidades funcionais, portanto, p.ex. kg) dos vários
recursos que atravessam a Economia. O produto destas duas grandezas representa então
o EMC (Environmentally Weighted Material Consumption), ou seja o Impacto
Ambiental do ciclo de vida dos materiais que entram na cadeia do Consumo
Doméstico. Notar que este valor é uma estimativa do impacto ambiental potencialmente
originável por esse consumo. Numa forma abreviada pode então escrever-se:
EMC = Consumo * Impacto Ambiental
[impacto [kg] [impacto/kg]
relativo]
ou, matematicamente:
em que Mi representa o consumo do material/recurso i, e Ei o respectivo impacto do
ciclo de vida; o índice k remete para as várias categorias de impacto definidas no
Objectivo do LCA. Deste modo “convertemos” os fluxos mássicos em impactos
ambientais virtuais, tal como fora proposto no início da Secção 1-INTRODUÇÃO.
Notar portanto que o valor de EMC total é obtido por sobreposição (combinação, adição)
de valores a dois níveis:
15
a nível das categorias ambientais: para cada material é calculado o impacto
ambiental potencialmente criado combinando todas as categorias ambientais
disponíveis
a nível dos materiais. os valores de impacto calculados anteriormente para cada
material são então somados para todos os materiais para obter o EMC total dos
fluxos materiais físicos através da fronteira (Economia em estudo)
Os cálculos referentes ao primeiro nível (categorias ambientais) são exemplificados no
ANEXO A, para o caso da Holanda (van der Voet et al., 2004); os cálculos
correspondentes ao segundo nível (EMC total) para todos os países da EU-28 são
exemplificados na Secção 4 mais adiante.
Tal como fizemos para o DMC, também se podem considerar as seguintes relações
entre estes indicadores agregados:
Produtividade de recursos: cociente GDP/EMC [€/impacto] representa a
riqueza económica produzida à custa de uma unidade de impacto ambiental do
consumo e utilização de recursos
Intensidade de impacto: cociente EMC/GDP [impacto/€] representa o impacto
potencialmente causado por uma unidade de riqueza económica resultante do
consumo e utilização de recursos.
O EMC representa a agregação de impactos ambientais numa Economia (“economy-
wide”), e deverá ser portanto o verdadeiro indicador da desmaterialização: crescimento
económico (GDP) sem agravamento da “pressão” ambiental (EMC).
Notar uma distinção importante entre os significados dos indicadores globais DMC e
EMC; enquanto DMC é representa uma grandeza observável (fisicamente mensurável,
real, objectiva), o EMC representa uma grandeza potencialmente atingível (apenas
matematicamente estimável).
Podemos sintetizar estes quatro indicadores económicos e materiais na Tabela 2.
Tabela 2-Indicadores mássicos e ambientais (consumo, impacto ambiental) da
utilização de recursos BASE
INTENSIDADE DE USO
(Eco-eficiência) PRODUTIVIDADE
(Económica)
“PESO” (Fluxos mássicos)
DMC/GDP [kg/€]
Consumo mássico de recurso necessário para gerar uma unidade de riqueza económica
GDP/DMC [€/kg]
Riqueza económica gerada pela utilização de uma unidade mássica de recurso
AMBIENTAL (Impacto)
EMC/GDP [impacto/€]
Impacto potencial gerado pelo crescimento de uma unidade de riqueza económica
GDP/EMC [€/impacto]
Riqueza económica gerada à custa de uma unidade de impacto ambiental de utilização do
recurso
Cerca de 15 países já aplicaram esta metodologia à MFA das suas Economias, com
vista a determinar quais os fluxos de materiais (recursos) com maior expressão no
impacto sobre o ambiente, e permitir ajudar na definição de políticas de
Desenvolvimento Sustentável. Não temos em Portugal nenhum estudo deste género,
16
mas no ANEXO A descreve-se o exemplo da Holanda para ilustrar uma metodologia
possível a seguir.
No caso da Holanda (van der Voet et al., 2004), foram estudados os impactos de cerca
de 35 recursos (21 dos quais representando cerca de 90% do impacto global do
consumo de recursos neste País: gorduras e proteínas animais, proteínas de pescado,
proteínas vegetais, culturas vegetais de cereais, oleaginosas, proteínas, e de fibra vegetal
para alimentação, ferro e aço, alumínio, cobre, zinco, chumbo, areia, betão, cimento,
tijolos, vidro, papel e cartão, plásticos e fibras provenientes de animais). Foram
calculados os efeitos em 12 categorias de impacto ambiental:
Depleção de recursos abióticos
Uso competitivo do solo
Aquecimento global
Depleção do ozono estratosférico
Toxicidade humana
Ecotoxicidade (marinha e terrestre)
Formação de agentes de oxidação fotoquímica
Acidificação
Eutrofização
Radiações ionizantes
Produção de resíduos sólidos
Para o cálculo dos impactos foi usada a base de dados ambiental de LCA da ETH-
Zurich, Institut fur Energietechnik (Frischknecht, 1996) e para a execução dos cálculos
o Modelo CMLCA (Heijungs, 2003) da CML.
Regressando agora à questão levantada no início desta Secção, dizendo respeito à
proporcionalidade directa ou não entre os fluxos mássicos e os respectivos impactos
ambientais, as Figuras 8 e 9 mostram que ela não existe. No mesmo gráfico podemos
ver recursos com elevado consumo, mas com baixo impacto ambiental,
simultaneamente com materiais em situação inversa. Nestas condições, e a nível
individual, não há uma correlação definitiva entre os fluxos dos vários materiais e o
respectivo impacto ambiental. O caso analisado é para a Holanda, mas conclusões
idênticas se verificam para outros países, bem como para a EU-28 como um todo, como
se verá mais adiante (Secção 4).
Esta conclusão poderá parecer desmotivante, dado que se procurava precisamente uma
correlação entre “peso” e impacto. Contudo, veremos na Secção 4 seguinte que embora
não exista esta correlação a nível individual dos componentes do DMC ela é visível a
nível agregado do DMC total, o que irá facilitar grandemente a análise de impactos
ambientais do consumo de recursos.
17
_Figura 8-Relação entre consumo (em kg) e impacto ambiental do ciclo de vida de
vários recursos (van der Voet et al., 2004): espectro mais largo (Holanda, 2000)
_Figura 9-Relação entre consumo (em kg) e impacto ambiental do ciclo de vida de
vários recursos (van der Voet et al., 2004): espectro mais detalhado (Holanda, 2000)
18
4.DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA APLICAÇÃO DAS METODOLOGIAS
COMBINADAS DE MFA E LCA NA ANÁLISE DE IMPACTOS AMBIENTAIS
DO CONSUMO E UTILIZAÇÃO DE RECURSOS
Na secção anterior caracterizámos o impacto ambiental potencialmente criado pela
utilização de recursos em termos individuais. Verificámos que não existe uma
correlação directa evidente e clara (Ver Fig.s 8 e 9), mas é importante verificar se essa
correlação é válida pelo menos em termos macroeconómicos, ou seja, a nível da
agregação de todos os fluxos mássicos que compõem o DMC.
Essa correlação foi analisada numa publicação relativamente recente (van der Voet, et
al., 2005). A base de dados (ETH), as categorias ambientais para LCA e o modelo
matemático (CMLCA) usados foram basicamente os mesmos referidos na Secção
anterior, mas abrangeu, para além dos membros originais da Comunidade Europeia
(EU-15), também os novos (EU-10) e os de acesso pendente (AC-3), que designaremos
abreviadamente por EU-28.
A Figura 10 mostra que a nível duma Nação, o DMC é um bom indicador do impacto
ambiental (EMC) potencialmente criado pelo consumo e utilização de recursos e
materiais. Como o cálculo do EMC pode ser objecto de vários criticismos (ver mais
adiante), será útil continuar a considerar o DMC como um indicador “proxy” do EMC.
Contudo, em termos de avaliação correcta da desmaterialização da Economia continua a
ser o EMC o indicador adequado.
_Figura 10-Correlação entre DMC e EMC a nível macroscópico da Economia dos
países (van der Voet et al., 2005)
O DMC para EU-15, EU-10 e AC-3 está representado na Figura 11, e o EMC
respectivo na Figura 12.
19
_Figura 11- Evolução temporal do DMC total da EU-28; notar a predominância dos
recursos abióticos (van der Voet et al., 2005)
_Figura 12- Evolução temporal do EMC total da EU-28. Normalização como fracção
do valor mundial; ponderação uniforme (iguais pesos para as categorias ambientais);
notar a predominância dos recursos bióticos (van der Voet et al., 2005)
20
Referiremos em seguida sucintamente como se obtém o EMC a partir do DMC. Estes
indicadores estão relacionados pela equação já referida atrás na Secção 3:
EMC = Consumo * Impacto Ambiental
[impacto [kg] [impacto/kg]
relativo]
ou, matematicamente:
ou seja, multiplicando a massa, ou o fluxo material, (Mi) do recurso i pelo respectivo
impacto ambiental potencial (Eik) na categoria k, e somando ordenadamente para todas
as categorias e todos os recursos que compõem o DMC da Economia em estudo.
Para isso, consideremos, para simplificar apenas uma categoria de impacto (k constante,
referido ao Aquecimento Global). Os valores de DMC já foram referidos na Figura 11;
os valores unitários dos impactos por material estão representados na Figura 13.
_Figura 13-Valores dos impactos ambientais unitários (por unidade de massa) na
categoria de Aquecimento Global para os vários materiais (van der Voet et al., 2004)
Simbolicamente a operação matemática acima indicada pode ser representada pelo
esquema da Figura 14.
21
_Figura 14-Representação simbólica da obtenção do EMC a partir do DMC e
respectivos impactos unitários dos materiais componentes (considerando apenas a
categoria de impacto de Aquecimento Global, ou seja k constante) (van der Voet et al.,
2005)
Estendendo o raciocínio da Figura 14 a todas as categorias ambientais obter-se-á o
EMC total para a EU-28, como foi representado na Figura 12 atrás.
Como foi referido anteriormente, mais do que o DMC, deveria ser o EMC a servir de
critério de Desmaterialização. Para isso tem obviamente de fazer-se intervir também o
indicador de crescimento económico GDP. Nestas condições, são aplicáveis ao EMC as
observações da Figura 4. Dado que há uma relação directa entre EMC e DMC (a nível
agregado dos países europeus), os critérios de desmaterialização relativa e absoluta
definidos na Figura 4 para DMC são igualmente válidos para o EMC: Nestas condições
haverá desmaterialização quando for d(EMC)/d(GDP) ≤ 0.
Assim nas Figuras 15 e 16 estão representados para o caso da EU-28 os indicadores de
Produtividade já conhecidos (DMC/GDP e EMC/GDP), bem como a sua evolução
temporal.
22
Figura 15-Evolução temporal de DMC e da intensidade de utilização DMC/GDP de
recursos na EU-28. (OBS. Considera-se, para simplificar a análise, uma composição
mais agregada do DMC completo em dez categorias, pondo em evidência a distinção
importante entre fluxos bióticos e abiótico).
Notar que: (a) o consumo é dominado pelos recursos abióticos (minerais industriais,
minerais de construção civil e combustíveis fósseis), que predominam sobre os
recursos bióticos (fontes de biomassa); (b) Embora o DMC tenha aumentado
ligeiramente, a intensidade material de uso de recursos DMC/GDP [kg/€], que é uma
medida da eco-eficiência, diminuiu, sinal de início de melhoria da eco-eficiência dos
recursos (van der Voet, 2005)
23
Figura 16-Evolução temporal da Produtividade dos recursos da EU-28: cociente
EMC/GDP (valores normalizados com referência ao valor mundial em 1995, e
ponderação uniforme das categorias ambientais).
Notar que: (a) houve uma inversão de valores relativamente à Figura anterior: os
recursos abióticos, que representavam menores consumos (DMC), são os que
dominam agora o impacto ambiental, quando comparados com os recursos bióticos,
sugerindo que não há uma correlação directa entre o consumo e o impacto dos
recursos em termos individuais (ver texto); (b) A intensidade de impacto (de uso de
recursos), EMC/GDP [impacto/€] diminuiu, sinal de início de melhoria da eco-
eficiência dos recursos (van der Voet, 2005)
A comparação entre as duas Figuras anteriores põe em evidência a nível macroscópico
factor “peso” comparado com o factor “ambiente”; os materiais de maior “peso” (fluxos
matérias) não são necessariamente os de maior impacto ambiental, conclusão a que já
anteriormente se chegara a nível individual dos vários materiais. A desmaterialização
não é só uma questão de “peso”.
Pode analisar-se melhor esta correlação entre o “peso” (consumo DMI) e impacto
ambiental (EMC), se agregarmos o total dos materiais num número ainda mais restrito
de 4 categorias afins: Biomassa
Minerais
Metais
Combustíveis Fósseis
Na Figura 17 observa-se a composição do DMI dos países da EU-28 nestes quatro
grupos, e na Figura 18 o respectivo EMC.
24
_Figura 17- Desagregação do DMI para os países da EU-28 (ano 2000) para os
quatro grandes grupos de recursos (Pereira, F.J.A, 2007)
_Figura 18- Desagregação do impacto ambiental (EMC) resultante do consumo de
recurso para os países da EU-28 (ano 2000) e para os quatro grandes grupos de
recursos (Pereira, F.J.A, 2007)
Comparando estas duas figuras podemos observar que em termos de consumo são os
recursos abióticos (Minerais+Metais+Combustíveis Fósseis) que predominam, mas em
termos de impacto ambiental é a Biomassa que passa a ter uma contribuição quase
dominante.
25
As mesmas conclusões são válidas quando se considera a EU-28 não em termos dos
países componentes mas como um todo (Ver Figura 19).
_Figura 19- Comparação relativa entre o consumo (DMI) e o seu impacto ambiental
(EMC) na EU-28 e para os quatro grandes grupos de recursos (Pereira, F.J.A, 2007)
No caso particular de Portugal as conclusões são também as mesmas (Ver Figura 20).
_Figura 20-Relações entre DMC e EMC para o consumo de recursos em Portugal
(ano 2000); embora sejam os recursos abióticos que dominam o consumo, são os
bióticos que dominam os impactos, confirmando que não há uma correlação directa
entre os consumos e os impactos respectivos (Pereira, F.J.A, 2007)
26
No caso de Portugal podemos desagregar os consumos de recursos (DMC) e os
impactos ambientais num maior número de materiais (EMC) para analisar quais os
grupos de materiais cujo consumo tem maior significado em termos ambientais, mais do
que em “peso”.
A Figura 21 mostra que são também os recursos bióticos os que têm maior impacto
ambiental, com especial relevância para os produtos da agropecuária. Entre os recursos
abióticos destacam-se os da construção civil, ferro e aço, carvão, fuel óleo (para
aquecimento doméstico) e plásticos. Os recursos usados em construção civil e mecânica
(ferro, aço, cimento) são os responsáveis principais pelo contínuo aumento dos impactos
ambientais ao longo do tempo, o que é concomitante com o surto das grandes Obras
Públicas no País no final da década de 90. É também visível o acréscimo de impacto
devido ao início da introdução do gás natural.
_Figura 21- Comparação relativa do consumo e utilização dos vários recursos em
termos do seu impacto no Ambiente (Portugal, ano de 2000) (van der Voet, 2005).
Valores normalizados e ponderados (uniforme)
Para finalizar a análise do caso de Portugal, mostra-se na Figura 22 a evolução temporal
da intensidade de impacto EMC/GDP; notar a tendência geral para uma perda da eco-
eficiência.
27
_Figura 22- Evolução da intensidade de impacto de uso de recursos, EMC/GDP
[impacto/€] em Portugal; o aumento verificado tem o significado duma perda da eco-
eficiência da utilização dos recursos; ano de referência 1995 (van der Voet, 2005)
A metodologia descrita anteriormente tem algumas limitações, que passaremos a
discutir.
O cálculo de EMC envolve a avaliação de impactos ambientais (“impact assessment”)
do ciclo de vida do consumo (LCA). Existem ainda algumas dificuldades em conduzir
um estudo de LCA.
Uma delas refere-se à generalização de bases de dados a todos os países. De facto, cada
país tem um determinado sistema produtivo e social que gera um conjunto “sui generis”
de impactos ambientais (depleção de recursos materiais e energéticos, emissões para o
ar e águas, e produção de resíduos sólidos, etc.); a utilização destes factores de emissão
nos cálculos de LCA doutro país introduz necessariamente um grau de incerteza. Além
disso as bases de dados são revistas com intervalos de tempo longos (5 ou mais anos),
não reflectindo totalmente os desenvolvimentos tecnológicos com vista a reduzir os
impactos.
Outra dificuldade prende-se com a avaliação de impactos propriamente dita. A análise
da Figura 7 mostra que esta avaliação, a partir do momento em que envolve uma
agregação ponderada dos valores das várias categorias ambientais, introduz um
elemento de subjectividade nos cálculos finais. Esta subjectividade tem sido minimizada
utilizando métodos de ponderação com base em parâmetros de comportamento
psicossocial e económico duma população, devidamente caracterizados por grupos de
peritos em várias áreas. A consequência mais importante deste facto, em última análise,
é a de que os resultados da avaliação do impacto ambiental do ciclo de vida dos
materiais que entram na cadeia do consumo doméstico, são indubitavelmente úteis na
procura da definição de políticas de desmaterialização, e subsequente monitorização
dessas políticas. Não podem contudo servir para estabelecer metas quantitativas das
políticas de desenvolvimento sustentável (“benchmarking”). A análise de
28
desmaterialização fornece várias opções: a escolha final destas opções será sempre um
processo eminentemente político e ideológico. ("Once the rockets are up who cares
where they come down; that's not my department").
Diferentes métodos têm sido usados para o cálculo da agregação e ponderação de
categorias ambientais, para além de contribuírem para definir outros critérios de
desmaterialização:
Pegada Ecológica (Wackernagel and Rees, 1996), baseada na ocupação do solo
produtivo
Eco-Indicator 99 (Goedkoop and Spriensma, 2000), usando indicadores de
quantificação agregada de impacto na saúde humana, ecossistemas e dano
económico, baseados em teorias socioeconómicas e elaborados por painéis de
especialistas; os factores de ponderação resultam de análises de impacto
calculados por modelação matemática do roteiro dos contaminantes desde a
fonte até ao receptor
Preços-sombra (Wit et al., 1997), usando uma base monetária dos custos de
controlo de danos
NAMEA (National Accounting Matrices including Environmental Accounts)
(Moll et al., 2007)
Monetarização dos resultados do LCA (BIO Intelligence; O2 France)
Factor 4 (von Weiszacker et al., 1997)
NOGEPA (Sas et al., 1969), com carácter político, factores de ponderação
negociados entre representantes da indústria, governo e academias
EPS (Environmental Priority Strategies (Steen, 1999), método económico
baseado no atributo “willingness to pay”.
Com excepção do Eco-Indicator 99, todos utilizam um número muito mais reduzido (ou
não utilizam mesmo) de categorias de impacto, fornecendo por isso valores tendenciais
de acordo com as categorias usadas, para além de estarem também limitados à
subjectividade da ponderação. No meu ponto de vista são as metodologias que utilizam
LCA, com uma lista completa de categorias de impacto, as mais promissoras de futuro,
pesem embora algumas limitações na sua aplicação prática.
Ainda não existe actualmente uma metodologia única que por si só, consiga cabalmente
indicar o caminho da Sustentabilidade do uso de recursos; cada uma das metodologias
atrás indicadas tem as suas vantagens e desvantagens, pode fornecer indicações para a
solução; contudo o critério ideológico terá sempre a última palavra, ou seja, será sempre,
em última análise, como se disse acima, o critério político que determinará a
metodologia a seguir.
29
5.ANÁLISE DAS CURVAS DE KUZNETS DE IMPACTO AMBIENTAL
(EKC-Environmental Kuznets Curves)
Como se viu, o conceito de desmaterialização envolve uma correlação entre o consumo
de materiais e/ou recursos (bem como os seus impactos ambientais) e o
desenvolvimento económico (PIB).
Esta relação entre a Economia (em termos monetários, PIB) e os seus fluxos físicos
associados (DMI, DMC, e correspondentes impactos ambientais) pode analisar-se em
termos das Curvas Ambientais de Kuznets (EKC-Environmental Kuznets Curves); este
nome foi estabelecido em analogia com o padrão que Kuznets encontrou entre a
desigualdade de rendimento e o desenvolvimento económico (Kuznets, 1955).
Esta hipótese consiste em considerar a evolução do uso de materiais per capita, em
particular, e a degradação ambiental, em geral, em função do PIB per capita por uma
curva com a forma de U invertido: a degradação ambiental/uso de materiais per capita
aumenta até um certo nível de PIB per capita, diminuindo depois para níveis mais
elevados do PIB, traduzindo uma dissociação (ou desacoplamento) entre crescimento
económico e consumo material. No caso da sua aplicação concreta ao uso de materiais,
a ideia base subjacente a uma evolução deste tipo é de que é possível conseguir um
crescimento económico sustentável em termos ambientais através da promoção do
crescimento monetário ao mesmo tempo em que ocorre uma redução do fluxo físico de
materiais associado a ele. O conceito, a utilização, o significado físico e estatístico, e o
alcance das EKC são ainda polémicos, mas crê-se que o seu desenvolvimento futuro
poderá contribuir para uma melhor definição de políticas de sustentabilidade.
O aspecto típico duma curva de Kuznets é o indicado na Fig.23.
_Figura 23- Formato típico duma curva ambiental de Kuznets (EKC), em U invertido
Algumas explicações são apontadas para uma relação deste tipo entre degradação
ambiental e PIB per capita, entre outras:
30
-Numa fase inicial o crescente desenvolvimento económico (PIB) consegue-se à custa
de um consumo crescente de recursos (DMI, ou DMC);
- A qualidade ambiental comporta-se como um bem económico normal, ou seja, as
pessoas estão dispostas e capazes de pagar para o «consumir mais», para minimizar os
impactos, à medida que o rendimento cresce, pelo que a degradação ambiental diminui
nas fases finais do desenvolvimento;
- O crescimento económico e o aumento da riqueza levam a que os incentivos para a
protecção do ambiente ganhem mais prioridade e importância na agenda política; esta
explicação é apoiada pelo facto de que na base do aparecimento do conceito se
encontrarem estudos de simulação que mostram possível a obtenção de grandes
reduções de fluxos de alguns resíduos indesejáveis por alterações de estruturas de
preços e outros incentivos.
Por vezes poderão encontrar-se também curvas em forma de N (ver Figura 24)
_Figura 24- Formatos de curvas EKC: evolução normal (“economias de transição”) e
evolução em N (com efeito de “rebound”)
No caso exemplificado no lado direito da figura, a dissociação entre degradação
ambiental e desenvolvimento, verificado na curva em U invertido, é seguida de uma
fase de reacoplamento, i.e., ausência de desmaterialização. Tudo se passa como se
tivesse ocorrido um efeito de retorno (“rebound”, ou recaída).
No caso de Portugal foi investigada a curva indicada na Figura 25.
31
_Figura 25- Modelos matemáticos estudados para as curvas de Kuznets aplicadas a
Portugal (Canas, A. 2002)
A forma da curva de Kuznets varia de país para país, podendo distinguir-se
essencialmente três situações:
1-Países que ainda não atingiram a desmaterialização (p.ex., Portugal, Irlanda, Grécia e
Espanha), em que existe apenas o primeiro ramo ascendente da curva (Figura 26)
2-Países com Economias de transição, que passaram além do ponto de estacionaridade
da curva (p.ex., Áustria, França e Irlanda), em que vemos a curva em U invertido
completa (Figura 27)
3-Países de Economias fortemente desmaterializadas (p.ex., Inglaterra, Suécia e
Alemanha), que se encontram no segundo (descendente) ramo da curva (Figura 28)
_Figura 26- Curvas de Kuznets para economias ainda não desmaterializadas
32
_Figura 27 - Curvas de Kuznets para “economias em transição”
_Figura 28- Curvas de Kuznets para economias fortemente desmaterializadas
33
Aparentemente o ponto de estacionaridade das curvas ocorre para valores de DMC
(ton/capita) muito variáveis de País para País, de acordo com a história passada do seu
desenvolvimento socioeconómico (entre 10 e 25 ton/capita, aproximadamente).
Contudo ocorre quase sistematicamente num intervalo fixo do PIB/capita para a
generalidade dos Países (tipicamente entre 20000 e 30000 US$ 1995); se assim for, no
caso de Portugal (Fig. 26) um pequeno acréscimo no PIB poderá fazer ultrapassar a
barreira da desmaterialização. (Notar que a escala das abcissas - PIB/capita - é
sensivelmente correspondente à escala temporal, dado que o PIB é tendencialmente
crescente).
Contudo, estas ilações poderão ter um carácter apenas especulativo e não permitem
ainda determinar com fiabilidade a partir de que nível de desenvolvimento económico
(PIB) poderá ocorrer desmaterialização (caso esse ponto de viragem exista de facto).
34
6.O PAPEL DA RECICLAGEM DOS RESÍDUOS DOMÉSTICOS (RSU)
O fluxo de materiais na Economia Portuguesa está resumido na Figura 29.
_Figura 29-Análise de fluxos materiais na Economia portuguesa no ano 2000 (IFF
2002). Obs: (a)No valor 257 Mton/ano não estão ainda incluídas as importações
indirectas ou ocultas; (b) Estes valores diferem ligeiramente dos da Figura 3 visto
terem sido obtidos com bases de dados diferentes) (Pereira, F.J.A., 2007)
Uma primeira constatação importante na análise desta figura é a de que cerca de metade
do Consumo Material Doméstico (DMC, ou DMI) na Economia fica retido no
Ambiente na forma de património acumulado (em infra-estruturas, NAS), e a outra
metade na forma de poluição (emissões gasosas, efluentes líquidos, resíduos sólidos,
etc.) o que corresponde a uma tendência centrifugadora relativamente ao equilíbrio de
sustentabilidade. Outra constatação é a de que os RSU representam menos de 3% do
fluxo produtivo DMI e de 8% do total do fluxo descartado no ambiente (DPO). O
cidadão comum tem essencialmente potencialidade para intervir apenas na fracção
reciclável dos RSU (papel, metal, vidro, plástico); na melhor das hipóteses, assumindo
uma reciclagem a 100% ele poderá virtualmente contribuir com cerca de 1Mton/ano, o
que representa uma fracção irrisória (cerca de 0,64% do DMI, ou 2% do total poluente
descartado no Ambiente (DPO)). Mais uma vez, parece que a sua contribuição é pouco
significativa quando comparada com as dos sectores produtivo, comércio e de serviços,
afinal os principais vilões! …
35
Como referido atrás, cerca de metade do Consumo Doméstico (DMC) fica retido na
Tecnosfera sob a forma de poluição (DPO). A Figura 30 mostra que a maioria
esmagadora do DPO (cerca de 84%) é emissões gasosas constituídas essencialmente por
CO2. Nestas condições, as oportunidades de reciclagem material não são muito
favoráveis, o que restringe também o papel possível da gestão de resíduos no contexto
global da sustentabilidade.
_Figura 30 -Composição dos fluxos poluentes (DPO) de saída do sistema produtivo
(Pereira, F.J.A., 2007)
O fluxo de matérias na Economia é por vezes apresentado duma forma simplificada
pelo diagrama da Figura 31. Claramente que a reciclagem, ao diminuir os fluxos a
jusante da Economia (resíduos) também reduz os fluxos a montante (recursos). Contudo
ela não consegue e resolver a questão do excessivo fluxo de materiais que atravessam a
Economia e que estão na base da excessiva expansão física da Tecnosfera e da
Antroposfera discutidos anteriormente (Pegada Ecológica). Este último facto não é
aparente nesta figura porque ela parte do pressuposto duma Economia em estado
estacionário, sem acumulação material (NAS), o que os resultados da Análise de Fluxos
de Materiais recentemente contradizem totalmente; no caso português a acumulação
material é de cerca de 50% do DMI (Figura 3). Infelizmente, o estado estacionário
(NAS = 0), representando uma Economia estável e sustentável, só será conseguido
eventualmente, a muito longo prazo, dada a inércia das transformações políticas na
Sociedade.
36
Figura 31-Fluxo de materiais numa Economia em estado estacionário e sua
interacção com o Ambiente (Pereira, F.J.A., 2007)
Em resumo, analisado o papel da Reciclagem de RSU no contexto geral da
contabilização de fluxos materiais na Economia portuguesa, concluímos que uma ênfase
excessiva no papel do cidadão comum para a solução do problema da sustentabilidade,
pode conduzir à canalização de recursos financeiros (investimentos) para a solução
errada, quando são afinal os sectores produtivo, comércio e de serviços os principais
motores do desperdício!...
Esse papel é exagerado não só porque a reciclagem tem várias limitações como por que
aquilo que há para reciclar é desproporcionadamente irrisório no contexto do problema
global da sustentabilidade dos recursos. Assim, no contexto da sustentabilidade, e sem
prejuízo da sua importância em valor absoluto, a reciclagem dos RSU tem afinal muito
menos potencialidades do que aquelas que vulgarmente lhe são atribuídas, havendo que
concentrar esforços (recursos humanos, financeiros e materiais) em infra-estruturas e
políticas conducentes a uma melhor filosofia de desmaterialização da nossa Economia
como um todo.
Deste modo, a reciclagem, tomada agora no seu sentido mais lato da totalidade de todos
os tipos de resíduos deveria deixar de ser considerada como hoje em dia: um tratamento
de recurso, de “fim-de-linha”, mas sim num contexto (mais nobre) em que os
subprodutos duma actividade (serviços, doméstica, industrial) constituem a matéria-
prima de outra(s) actividade(s), fechando-se assim completamente o ciclo do consumo e
utilização numa lógica de Ecologia Industrial.
De facto, o interesse principal da Reciclagem (para além da óbvia redução do impacto
do desperdício que de outra forma seria descarregado no Ambiente) não é a recuperação
de materiais e produtos de per se, mas fundamentalmente reduzir o fluxo de materiais
através da Economia (DMC, ou TMR) e que são uma causa significativa hoje em dia da
forte expansão da Tecnosfera, como se referiu anteriormente. Notar que os produtos
recicláveis vão substituir “matéria primas novas” diminuindo assim o DMC, e por
conseguinte, o impacto EMC (relembrar Figuras 3 e 31).
Deixaria portanto a Reciclagem de ser vista num contexto de “cradle-to-grave” (LCA)
para o ser num de “cradle-to-cradle” (Ecologia Industrial), até que, no limite, o
37
desperdício numa Economia deixasse de fazer sentido, e a palavra Reciclagem
desaparecesse do nosso léxico.
38
6.CONCLUSÕES
A análise da metodologia descrita nesta comunicação mostrou a importância de associar
a avaliação de ciclo de vida dos recursos e materiais (LCA) aos resultados duma análise
de fluxos de materiais numa Economia (MFA), com vista a determinar o impacto
ambiental potencial do seu consumo e utilização (EMC), e contribuir para a definição
de políticas de Sustentabilidade.
A MFA mostrou os fluxos materiais associados à Reciclagem como sendo
negligenciáveis. Embora isso tenha valor como “proxy” de impactos ambientais, deveria
ser feita uma análise de impacto desses fluxos. Mesmo assim deve notar-se que a
reciclagem enfatiza apenas a fase a jusante do ciclo de vida (tratamento de “fim-de-
linha”). Deveria ser abordada num contexto mais geral de toda a Economia global
(“economy-wide”, EMC).
Embora a metodologia descrita tenha ainda algumas limitações na sua aplicação prática,
estas são actualmente objecto de intenso desenvolvimento e projecta-se com futuro
promissor na ajuda ao estabelecimento de políticas de desenvolvimento sustentável.
Estas limitações não deveriam constituir obstáculo a desenvolvimentos futuros, e por
isso diremos como o Poeta “que no auge da angústia se aviste um dia, e se nenhum dia
se aviste, que seja esse o dia que se avista”…
Mas acima de tudo devemos tomar consciência do problema, antes que ele se
transforme num problema de consciência.
“No princípio é fácil a cura e difícil o diagnóstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade não
foi conhecida nem tratada, torna-se fácil o diagnóstico e difícil a cura”.
(In: “O Príncipe” de Maquiavel, 1469-1527) )
39
ANEXO A
EXEMPLO DA APLICAÇÃO DA METODOLOGIA DE LCA NA ANÁLISE DE
FLUXOS MATERIAIS DA ECONOMIA (Caso da Holanda)
Cerca de 15 países já aplicaram a metodologia à MFA das suas Economias, com vista a
determinar quais os fluxos de materiais (recursos) com maior expressão no impacto
sobre o ambiente, e permitir ajudar na definição de políticas de Desenvolvimento
Sustentável. Não temos em Portugal nenhum estudo deste género, mas usaremos o
exemplo da Holanda para ilustrar a metodologia a seguir.
Retomando o caso da Holanda referido na Secção 3 (van der Voet et al., 2004), foram
estudados os impactos de cerca de 35 recursos (21 dos quais representando cerca de 90%
do impacto global do consumo de recursos neste País: gorduras e proteínas animais,
proteínas de pescado, proteínas vegetais, culturas vegetais de cereais, oleaginosas,
proteínas, e de fibra vegetal para alimentação, ferro e aço, alumínio, cobre, zinco,
chumbo, areia, betão, cimento, tijolos, vidro, papel e cartão, plásticos e fibras
provenientes de animais). Foram calculados os efeitos em 12 categorias de impacto
ambiental (Depleção de recursos abióticos, Uso competitivo do solo, Aquecimento
global, Depleção do ozono estratosférico, Toxicidade humana, Ecotoxicidade (marinha
e terrestre), Formação de agentes de oxidação fotoquímica, Acidificação, Eutrofização,
Radiações ionizantes, e Produção de resíduos sólidos). Para o cálculo dos impactos foi
usada a base de dados ambiental de LCA da ETH-Zurich, Institut fur Energietechnik
(Frischknecht, 1996) e para a execução dos cálculos o Modelo CMLCA (Heijungs, 2003)
da CML.
Para analisar as potencialidades destas metodologias, singularizamos como exemplos
concretos apenas dois dos principais recursos: aço e produtos de agropecuária.
As Figuras A.1 a A.3 mostram que na fileira do ferro e aço, o maior impacto resulta da
depleção abiótica, resultante da mineração de carvão para o fabrico de coque, e
utilização deste; isto sugere que deveriam ser encontradas alternativas de substituição
para este combustível fóssil (p.ex. utilização de coque sintético, derivado de resíduos
plásticos, etc.)
40
_Figura A.1-Impactos ambientais na fileira do ferro e aço: categorias de impacto
mais afectadas (van der Voet et al., 2004)
_Figura A.2-Impactos ambientais na fileira do ferro e aço: processos mais agressivos
dentro da cadeia de produção (van der Voet et al., 2004)
41
_Figura A.3- Impactos ambientais na fileira do ferro e aço: depleção de recursos e
emissões mais importantes (van der Voet et al., 2004)
As Figuras A.4 a A.6 mostram que na fileira dos recursos da agropecuária o maior
impacto resulta da eutrofização por N e P, causada por fertilizantes e dejectos
animais/estrumes; ao contrário do caso anterior, não se prevêem facilmente alternativas
para estes recursos (a não ser derivados de soja, mas poderá ser discutível, do ponto de
vista de alimentação racional); a indústria de produção animal (carnes e derivados, etc.)
é das menos eco-eficientes, visto que a quase totalidade dos recursos usados
(alimentação animal) acaba retida no ambiente na forma de emissões gasosas, dejectos e
estrumes. Provavelmente a actuação poderá fazer-se apenas a jusante, em termos de
tratamento de efluentes e gestão de resíduos, entre outras (já que não será fácil conceber
animais geneticamente modificados para aumentar a eficiência da transformação do
recurso (forragens, rações, etc.) em produtos finais).
42
_Figura A.4- Impactos ambientais na fileira da produção animal: categorias de
impacto mais afectadas (van der Voet et al., 2004)
_Figura A.5- Impactos ambientais na fileira da produção animal: processos mais
agressivos dentro da cadeia de produção (van der Voet et al., 2004)
43
_Figura A.6 - Impactos ambientais na fileira da produção animal: emissões (van der
Voet et al., 2004)
Em resumo, a discussão de políticas de sustentabilidade não pode assentar apenas na
análise dos fluxos mássicos individuais que atravessam a Economia, mas sim no seu
comportamento em termos de impacto ambiental potencialmente criado. Ou, como foi
dito na Secção 3, a desmaterialização não é só uma questão de “peso”.
44
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