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DESIGNESPACIALIDADE
PERFORMANCEPERFORMANCE
DESFILESDE MODADesign
e EspacialidadesDesfiles de Moda Como Performance
MARIA LUCINETI SIFUENTES
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
Maria Lucineti Sifuentes
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
MESTRADO EM DESIGNPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
São Paulo - Setembro/2012
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
Maria Lucineti Sifuentes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.
Orientadora: Profa. Dra. Agda Carvalho.
São Paulo - Setembro/2012
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
Maria Lucineti Sifuentes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.
Prof. Dra. Agda Carvalho (Orientadora)Universidade Anhembi Morumbi
Prof. Dra. Marcia Melo (Interna)Universidade Anhembi Morumbi
Prof. Dra. Luiza Paraguai (Interna)Universidade Anhembi Morumbi
Prof. Dra. Kathia Castilho (externa)
Todos os direitos reservados. proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização do autor.
MARIA LUCINETI SIFUENTES
Bacharelado em Moda pelo Centro Universitário de Maringá, CESUMAR, Maringá/PR em 2002. Especialização em Educação Brasileira: História, Política e Cultura pela Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá, Brasil em 2006. Especialização em Design-Produção e Tecnologia Gráfica pela Universidade Anhembi Morumbi, UAM, São Paulo, Brasil em 2007. Atua como produtora e consultora de Moda e Docente Universitária nas áreas de Design de Moda e Design Gráfico.
S574d Sifuentes, Maria Lucineti Design e espacialidades: desfiles de moda como
performance / Maria Lucineti Sifuentes. – 2012. 143 f. : il.; 30 cm. Orientador: Profª Drª Agda Carvalho. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 143.
1. Design. 2. Espacialidade. 3. Performance. 4. Desfiles de moda. I. Título.
CDD 741.6
Dedicatória
Dedico este trabalho ao meu pai José Sifuentes (in memoriam) e a minha mãe Rosa R. M. Sifuentes, pelo incentivo e apoio.
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AgradecimentosA minha orientadora Dra. Agda Carvalho, pela atenção e incentivo em todos os momentos de dificuldades, mudanças e conquistas; aos queridos professores, Profa. Dra. Gisela Belluzo, Profa. Dra. Cristiane Mesquita, Profa. Dra. Kathia Castilho, Profa. Dra. Márcia Merlo e Profa Dra. Luiza Paraguai, pelo profissionalismo e amizade.
E ao meu grande Deus, pela força, coragem e sabedoria que tanto implorei nos momentos mais difíceis e fui prontamente atendida.
06Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Resumo
Esta dissertação tem como objetivo entender a articulação do design nas espacialidades dos desfiles de moda de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela nas décadas de 2000. Aborda as características performáticas destes desfiles e suas dimensões comunicativas a partir de uma linguagem artística. Apresenta questões relativas sobre as narrativas e suas formas de percepção, do design, do corpo ou do objeto em articulação com o espaço. Destaca uma infinidade de significados que renovam-se e transformam-se continuamente em articulação com as práticas estéticas contemporâneas e suas experimentações por meio da performance. O estudo observa o desfile de moda e as transposições, justaposições e experimentações com a performance dos desfiles estudados. Conclui-se que estes discursos, a partir desta construção estética, manifestam nestes espaços um processo e uma visualidade com a produção de sentidos. O receptor recebe informações e estímulos que se renovam continuamente. Um discurso em que a interação acontece com diferentes estruturas, que propiciam múltiplas interpretações, culminando a uma situação em que os desfiles de moda expressem um design que instiga, sugere, questiona e provoca com a realização performática nas espacialidades.
Palavras-chave: Design. Espacialidade. Performance. Desfiles de moda.
07Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Abstract
This dissertation intends to understand the joint of design in the spatiality of the fashion show of Viktor & Rolf, Alexander McQueen and Martin Margiela in the two-thousands (2000s). It approaches the performance characteristics of these shows and its communicative dimensions from an artistic language. It presents relative questions about the narratives and its forms of perception, design, the body or the object in joint with the space. It detaches an infinity of meanings which renew and transform into joint with practical the aesthetic contemporaries and its experimentations by means of the performance. The study observes the fashion show and the transpositions, juxtapositions and experimentations with the performance of the studied parades. It's concluded that these speeches, from this aesthetic construction, reveal in these spaces a process and a visuality with the production of directions. The receiver receives information and stimulations that if they renew continuously. A speech in which the interaction takes place with different structures, which allow multiple interpretations, leading to a situation where the fashion show express a design that instigates, suggests, questions provokes with the performatic accomplishment in the spatialitys.
Key-words: Design. Spatiality. Performance. Fashion Show.
08Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Sumário
INTRODUÇÃO 13
1 O DESFILE DE MODA E SUAS NARRATIVAS 431.1 O DESIGN DO ESPAÇO DO DESFILE DE MODA 451.2 O DESFILE COMO ESPAÇO DE MÚLTIPLAS PERCEPÇÕES 52
2 A NARRATIVA NAS ESPACIALIDADES 762.1 A NARRATIVA COMO LINGUAGEM ARTICULADA NOS ESPAÇOS PERFORMÁTICOS 772.2 A CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS DE VIKTOR & ROLF, ALEXANDER MCQUEEN E MARTIN MARGIELA 882.2.1 VIKTOR & ROLF 892.2.2 ALEXANDER MCQUEEN 932.2.3 MARTIN MARGIELA 102
3 PERFORMANCES NOS DESFILES DE MODA 1113.1 DESFILE DE MODA E A PERFORMANCE NA ARTE 1123.1.1 FRONTEIRAS E ESPACIALIDADES 117 3.2 A PERFORMANCE, O TEATRO E OS DESFILES DE MODA 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS 136
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 143
Lista deFiguras
10
Figura 1: Desfile de Lucile nos jardins da Maison.................48Figura 2: Palco elevado nos desfiles da Maison Lucile.........49Figura 3: Palco elevado para os desfiles da Maison Lucile e suas clientes..........................................................................50Figura 4: Desfiles da Maison Lucile entre as clientes............51 Figura 5: Modelo após ser vestida com mais de 35 looks – Viktor & Rolf – “Glamour Factory”..........................................63Figura 6: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”..................................................................................64Figura 7: Cubo com modelos – Alexander McQueen – “Voss”.....................................................................................65Figura 8: Modelo com águias empalhadas suspensas sobre a cabeça da modelo.................................................................66Figura 9: Desfile Martin Margiela – 2009...............................67Figura 10: Desfile Martin Margiela – 2009.............................68Figura 11: Modelos em performance no desfile de McQueen – “Voss”.....................................................................................69Figura 12: Desfile de McQueen – performance das modelos na caixa espelhada................................................................78Figura 13: Modelo de corset vestida pelos designers...........81Figura 14: Modelo Kristen McMenamy vestida pelos designers...............................................................................82Figura 15: Modelo empurrada em um carrinho manual........83Figura 16: Viktor & Rolf e a modelo Kristen McMenamy em destaque na passarela..........................................................84Figura 17: Performance de Viktor & Rolf vestindo a modelo Kristen McMenamy................................................................85Figura 18: Modelo em performance no box espelhado.........86Figura 19: Sequencia de modelos em performance – Martin Margiela.................................................................................87Figura 20: Passarela do desfile “Glamour Factory”...............89Figura 21: O vestir e desvestir das modelos na performance de Viktor & Rolf......................................................................90Figura 22: Plataforma giratória..............................................91
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Lista deFiguras
11
Figura 23: Modelo McMenamy no desfile “Glamour Factory”, após ser vestida pelos designers Viktor & Rolf.....................92Figura 24: Convite do desfile “Glamour Factory”...................93Figura 25: As modelos encerradas em Box de vidro durante a performance do desfile de McQueen primavera/verão 2001.......................................................................................94Figura 26: A modelo Michelle Olley, quando o cubo se quebra no final do desfile...................................................................95Figura 27: Modelos em gestos desesperados de aprisionamento, na performance de McQueen...................96Figura 28: Modelo Michelle Olley, em pose semelhante a arte de Joel Peter.........................................................................97Figura 29: Joel-Peter-Witkin/1983-Sanitarium......................98Figura 30: Modelo com elementos (adornos) que lembram o filme de Hitchcock – Os pássaros.................................99Figura 31: Dan Graham – “Talk tonight” – Museu Guggenheim........................................................................100Figura 32: Dan Grahan, “Static 1” (1995) – Museum of American Art........................................................................101Figura 33: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week, Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, França..................................................................................102Figura 34: Gran finale do Desfile Martin Margiela...............103Figura 35: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week, Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, França..................................................................................104Figura 36:Performance Margiela, Modelo sugere uma inversão do tronco em relação a cabeça...........................105Figura 37: Bolo vestível – Maison Martin Margiela – encerramento do desfile de comemoração.........................106Figura 38: Camisa da Maison Martin Margiela com pespontos aparente...............................................................................107Figura 39: Etiqueta Maison Martin Margiela, somente com indicação de números – significa o número da coleção – para
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
12
Lista deFiguras
coleção/masculinaFigura 40: Modelos com elementos que ocultam sua identidade............................................................................109Figura 41: Efeitos de iluminação no desfile de Margiela.....110Figura 42: Iluminação 2.......................................................110Figura 43: Performance de McQueen – “Voss”...................112Figura 44: Modelos em performance com os rostos cobertos...............................................................................113Figura 45: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”................................................................................114Figura 46: Cenário do desfile “Glamour Factory” Viktor & Rolf......................................................................................131Figura 47: Modelo no Box....................................................132 Figura 48: Adereço recobrindo a cabeça das modelos no desfile de Margiela...............................................................133
..............................................................108
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Introdução
O design trata um corpo e ou um objeto em articulação
com o espaço, produzindo uma infinidade de significados que
se renovam e se transformam continuamente desde a
modernidade.
O design dentro dos conceitos modernistas para
Cardoso (1998), era resultado de uma produção industrial, com
valores estéticos pautados sobre o good design ou estilo 1internacional . Mas hoje segundo Cardoso (2004), diante das
mudanças tecnológicas e dos meios de produção, o design
envolve uma multiplicidade de significações e de fazeres que
abarca não só a sua construção material, mas se estende como
propostas comunicativas que resultam em um maior
envolvimento do receptor e seu processo de percepção.
A concepção de uma ideia e o seu projeto, envolve uma 2ação de design mais preocupada com o domínio da interface ,
como nos esclarece Bonsiepe (1997, apud PINHEIRO, 2009),
esta interação se dá por meio de conceitos, mensagens e
transmissão de idéias, no qual os simples suportes onde se
inscrevem a cor, a textura, as linhas, a luz, o som, a imagem ou a
ação, se expandem em meios ou ambientes mais complexos de
experiências e de processos de comunicação e relação cultural.
1 O Good design, ou estilo internacional na visão de Mauro Pinheiro em seu artigo – Autoria e comunicação no design – esta pautado sobre o aspecto visual externo, onde o foco estava na forma e a função do produto de forma isolada sem se levar em consideração o seu contexto de uso. Havia uma tendência a buscar o racionalismo dos produtos e uma adoção de uma
13Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Esta interface deve ser entendida como o espaço no qual se estrutura a interação entre um sujeito, um objeto (que pode ser um artefato, como uma 'cadeira', ou um conjunto de signos), visando à realização de uma ação efetiva (que pode ser uma ação física concreta como 'sentar', ou uma ação mais abs t ra ta , comun ica t i va , sensor ia l )
3(BONSIEPE, 1997 apud PINHEIRO, 2009) .
Para Cardoso (1998, p. 17), a natureza do design não se
pauta somente em produtos ou em seus processos, “mas em
uma conjunção muito particular de ambos: mais precisamente,
na maneira em que os processos do design incidem sobre os
seus produtos, investindo-os de significados alheios à sua
natureza intrínseca”. Neste sentido uma ambiguidade se
estabelece em querer definir sua natureza, pois, moldar ou
conceber um produto atualmente sob as regras obrigatórias
estéticas pré-concebidas, assinala uma dinâmica mais
complexa.
O que será estabelecido nesta discussão com relação ao
design de moda como performance pauta-se no conceito em
que o design é um campo do conhecimento que se define por
estética rígida e universal que minava os fatores culturais na construção de sentido dos produtos. 2 A interface se dá pela forma de interação entre o objeto (meio ou contexto) e o sujeito leitor/receptor. Pressupõe visualmente uma interação entre os dois, ao transmitir mensagens, conceitos e ideias. Um termo que se popularizou a
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partir dos computadores pessoais (PC), de como proporcionar uma maior facilidade de uso e uma metodologia centrada no usuário e sua experiência de uso.3 Disponível em: <http://www.feiramoderna.net/2009/04/27/autoria-e-comu nicacao-no-design/>.
seus objetos, pelo seu processo e principalmente pela sua
ação, pois, pressupõem não só a transmissão de uma ideia ou
de um conceito que lhe conferem visualidade, mas de
mensagens significativas (CARDOSO,1998).
Ao se referir a natureza do design, Denis (2004, p. 206)
afirma que, desde 1980, o design se desgarrou da rigidez das
ideias modernistas e trabalha com conceitos pertinentes a pós-
modernidade, com “a abertura para posturas novas e a
tolerância para posições divergentes”. Para o autor, novas
formas se estabelecem, não existe mais uma narrativa que dê
conta de todos os discursos, pois, vivencia-se uma serie de
questionamentos e contradições, um objeto de design tanto
pode ser um produto, como algo voltado a transmissão de
informação visual ou digital.
De acordo com as afirmações de Denis (2004, p. 209), o
objeto não pode mais ser visto “como uma unidade integral,
nem do ponto de vista técnico e muito menos estético, mas,
antes, deve ser entendido como uma compilação de códigos
especializados superpostos de maneira mais ou menos livre”. A
noção que se atribui ao produto, tende a ser hoje, uma noção
fluida e hibrida de processo e interação, onde a desordem e o
15Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
ruído podem prevalecer como paradigmas estilísticos.
A pós-modernidade ou a era da informação para Denis
(2004), se compõe de fragmentos e de visões que só será
recomposta em um todo de forma passageira, em função da
super disponibilidade e dinâmica das informações. Esta
pesquisa observa o design dentro das concepções
contemporâneas pois seleciona produções de estilistas que
tratam, entre tantas outras abordagens de ideias abstratas e
subjetivas observadas especificamente na discussão do design
de moda como performance.
A discussão do desfile de moda nesta abordagem
envolve a produção de designers que absorvem as mudanças
no contexto sócio cultural a partir da década de 90, pois,
observou-se que em algumas produções os processos
interferem, bem como constroem ações e diferentes narrativas
ao ocupar as várias espacialidades.
O conceito de espaço será abordado sob a visão de
espaços comunicantes baseado nas definições de Ferrara
(2007), no qual o espaço tem uma dimensão comunicativa que
se dá por meio de espacialidades enquanto linguagens, e não
são meros suportes, mas, ambientes complexos que geram
processos comunicativos sociocultural pela forma como os
elementos nele representados são organizados.
Neste instante as diluições de fronteiras, que iniciaram
com as vanguardas artísticas no início do século XX,
16Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
apresentam uma aproximação com o espetáculo e se
manifestam de maneira peculiar com os designers do período.
Os designers selecionados para esta pesquisa, Viktor & Rolf
(1969), Alexander McQuenn (1969-2010) e Martin Margiela
(1959), representam algumas das possibilidades de articulação
do desfile de moda como performance, no que se refere ao
espetáculo e a ocupação e significação da espacialidade para
apresentar um design, uma ideia, um projeto mostrado na
década de 2000.
Os desfiles discutidos nesta pesquisa foram escolhidos
por apresentarem uma linguagem bastante divergente dos
eventos que se relacionam ao universo da indústria moda. São
espetáculos mais conceituais, que se aproximam da arte
performática, trabalham com significações e interfere nas
percepções com narrativas que apreendem uma totalidade que
abrange público e obra, num discurso que assinala a adesão do
receptor como parte desse discurso.
Transladando estas concepções para a construção do
desfile de moda enquanto espetáculo e texto artístico, leva-nos
a refletir que o design para dar conta desta complexa 4“elaboração signíca” , pode estimular as ações criativas dos
designers e uma forma de ver e expressar suas ideias por meio
de um aparato técnico associado a uma linguagem artística. Um
projeto que vai alem de um simples esboço, que segundo
Ferrara (2007 apud RAMOS, 2007, p. 171), seria “o momento
17Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
de invenção que dá ao produto a visibilidade que vai alem da
visualidade, superando a simples atração sensível que estimula 5os olhos” . A percepção destes espetáculos é provocada não só
pela aparência dos elementos em cena, mas pela relação
sonora e a articulação das modelos com os elementos
cenográficos e o público.
Diante do exposto, percebe-se que o mundo se
manifesta por meio de uma existência visual, que segundo
Coelho (2008), para o senso comum, é uma atividade prática
que só é reconhecida pela superfície das coisas, mas que,
entretanto, também pode extrapolar por meio de uma
linguagem formadora de poesia destinada a despertar os
sentidos.
O desfile de moda observado nessa pesquisa é visto
como um campo que opera com a qualidade do visível,
enquanto espaço produtor de sentidos, e analisado sob os
conceitos do pós-modernismo, dado pelas oposições, ou
ambiguidades, superposições, montagens, estranhamentos, e
também por meio das linguagens artísticas como o teatro, a
18
4 Ramos (2007, p. 171), se refere a esta expressão, quando explica que o figurino cênico, ou a elaboração de um produto, “comunica para alem da mera visualidade e não se resume apenas ao figurino”.5 Com relação a visualidade dos produtos segundo Coelho (2008, p. 49), está ligado no campo do design à “qualidade visível, embora a atividade projetual não se manifeste apenas pelos meios visíveis”. Desta forma, a natureza funcional do objeto, pode extrapolar uma existência visual, permitindo se manifestar também por outros sentidos.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
collage e a performance, ampliam nos desfiles espetáculos os
significados destas linguagens, quando expostos em outra
situação contextual e espacial.
Manifestam-se nestes espaços uma marca reconhecida
de visualidade e produção de sentidos em uma mediação que
não se confere de maneira neutra, pois, o receptor não as
recebe de forma passiva, uma vez que sua construção se dá
através de estruturas abertas que propiciam múltiplas
interpretações, culminando para que a linguagem destes
desfiles de moda se expresse como forma de sugerir, não de
definir. São maneiras de organização e construção abertas de
novas espacialidades para serem interpretadas, descobertas
longe de um juízo concreto e fechado.
De acordo com Duggan(2002), a história dos desfiles de
moda, foi amplamente relacionada ao teatro, por se tratar de
uma linguagem que trabalha diretamente com o espaço, o
corpo das modelos, os adereços, a música, a iluminação, entre
outros, a fim de produzir um espetáculo visual. A teatralidade
está na representação do espaço cênico e performance
desenvolvida, e pode-se entender por teatralidade aquilo
[...] que se refere a todos os mecanismos que compõem a representação e devem ser entendidos como elementos visuais que deixam explicita sua artificialidade, ou seja, o espetáculo não mimetiza a vida ou as pessoas , mas c r ia , apenas , uma
19Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
representação (RAMOS, 2007, p. 168).
Diante da afirmação acima, a teatralidade se caracteriza
pela representação cênica e por todos os elementos visuais que
mostram a artificialidade do espetáculo, o desfile neste sentido,
se aproxima da linguagem do teatro de uma forma mais
complexa. De acordo com Ramos (2007, p. 183), existem
formas mais complexas de teatralidade no qual a aparência, ou 6
conforme o autor define, “design de aparência” , se dá por
novas maneiras que “experimentam a possibilidade de se
distanciar ou se aproximar do real para com ela, significar”.
Desta forma, os desfiles analisados dos três designers objeto
desta pesquisa, se aproximam desta reflexão, ao trabalharem
com uma não linearidade das características formais
tradicionais do desfile, causando um estranhamento, que
definido por Ramos (2007, p. 183), se dá como um
procedimento estético antimimético, onde são ressaltados
objetos ou adornos que aparentemente não pertencem ao
contexto e “com aparências que não configuram uma
linearidade espacial ou temporal”.
Os designers, ao trabalharem com diversas linguagens e
6 Design de aparência, segundo Ramos (2007, p. 169), “é uma forma peculiar de conceber a construção da aparência dos atores e personagens que difere da mera função de referência usualmente apresentada pela concepção do figuro de uma obra que, em geral, é tomada como uma parte acessória da representação”.
20Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
a quebra desse discurso linear, dificultam o entendimento por
parte do receptor e prolongam a percepção, tornando-a mais
crítica, como afirma Crane (2011) o que leva o receptor a um
nível mais profundo de leitura. Portanto, os projetos de design
que apreendem a aparência geral destes espetáculos
analisados, resultam em uma complexidade visual perceptiva.
Situação em que todos os elementos e componentes são partes
significativas da imagem cênica que criam a espacialidade do
espetáculo, dilatando a percepção do receptor, indicando uma
percepção particular do objeto (desfile) de um modo único de ler
e perceber.
Para Crane (2011), a moda é um fenômeno complexo e
que pode ser analisada sob diversas perspectivas e sob o ponto
de vista sociológico e cultural, moda e arte podem ter aspectos
semelhantes quanto a sua forma de analise. Para a autora:
A moda e a arte são formas de cultura material que expressam uma ampla gama de significados, cuja decodificação em geral constitui um desafio. Tanto a moda como a arte são criadas em mundos de cultura, isto é, comunidades urbanas compostas de criadores culturais vendedores, compradores e públicos, que contribuem de diversos modos para a criação, a avaliação, a disseminação e a recepção desses tipos de cultura (CRANE, 2011, p. 13).
Neste sentido, a abordagem recairá sobre alguns
21Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
designers de moda, que se apropriam e redefinem nos desfiles
contemporâneos, conceitos e posturas que iniciaram com as
vanguardas artísticas do inicio do século XX, e que
posteriormente com a pós-modernidade fizeram uma fusão
com diferentes linguagens, entre elas o design de moda e
consequentemente o design dos desfiles e a concepção de
espaço que adquire outros formatos a partir das performances.
No fim do século XX, predominam novas formas de
disseminação, comunicação e recepção na industria da moda.
Museus de arte começam a expor produtos e coleções inteiras
de designers de moda, havendo um interesse recíproco entre
moda e arte.
Novas formas de comunicação e percepção permeiam o
espaço dos desfiles atualmente, situação que resulta das
mudanças sociais, culturais e políticas próprias do pós-7moderno . Há na perspectiva pós-moderna, uma mistura de
vários estilos de diversos períodos que podem ser observadas
tanto no design, na arte e na moda.
Para Crane (2011), nas obras dos artistas pós-
modernos, as diluições de fronteiras são desdobramentos das
discussões iniciadas com as vanguardas, que pautavam-se
7 Williams (1977 apud CRANE, 2011, p. 55), fala da pós-modernidade “como tendência emergente dentro de uma modernidade ainda dominante, que também é assombrada por diversas formas de cultura residuais, tradicionais”. Convivem neste momento, estilos que proliferaram pelas vanguardas modernistas, com estilísticos com a intenção de serem
22Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
mais na ambiguidade e em temas antagônicos, como forma de
resistência aos discursos da modernidade, “um léxico de
subversão cultural e desconstrução parcialmente herdado da
cultura moderna e suas teorias de vanguarda” (CONNOR,1989
apud CRANE, 2011, p. 55).
Kaplan (1993) sustenta que o pós-moderno é algo que
está pautado na ruptura cultural de certos paradigmas iniciados
pelo modernismo (um período transacional entre o século XIX e
o panorama cultural depois da segunda Guerra Mundial), e que
elege uma realidade diferente.
A definição ampla sobre estes termos, se dá, pelo fato de
não ser o intuito desta discussão, mas sim, o que eles implicam
nas práticas estéticas contemporâneas, como o desfile de
moda. Portanto, entender o contexto onde estes desfiles
acontecem, são produzidos e exibidos, tornam-se necessário.
Este esmaecimento entre as distinções ou polos
antagônicos (características do contemporâneo) das fronteiras
institucionais, aproximam as instituições culturais das
comerciais com relação a moda, com museus exibindo
coleções a partir de uma referencia artística.
Esta característica pós-moderna dos discursos, segundo
perturbadores, provocativos e transgressores de uma ordem social. Definir o pós-moderno, segundo Crane (2011, p. 60), se torna difícil, pois “O pós-modernismo oblitera categorias e classificações. Por isso, por isso, parece ser mais caracterizado pelas qualidades que não tem do que pelas que tem”.
23Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Kaplan (1993), está concentrada em textos em que o discurso
não assume uma hierarquia ordenada, e que em praticas
estéticas atuais, são rotuladas de transgressoras, termo este
também direcionado aos discursos das vanguardas
modernistas, mas, estes discursos modernistas pautavam-se
ou estabeleciam-se sobre paradigmas que dependiam de
oposições, principalmente com relação a cultura.
A mudança do estilo moderno para o pós-moderno é vista como consequência das mudanças sociais, políticas e culturais que alteraram a relação entre diversos grupos sociais e a cultura dominante, bem como a maneira como esses grupos sociais podem ser representados de modo plausível pelas categorias culturais (CRANE, 2011, p. 53).
Atualmente, as distinções entre formas de cultura,
misturam-se, apagam-se e muitos artistas mostram suas obras
a partir de estratégias vanguardistas modernistas de
experimentação. Para Willians (1977 apud CRANE, 2011, p.
55), “pode-se falar da pós-modernidade como tendência
emergente dentro de uma modernidade ainda dominante, que
também é assombrada por diversas formas de culturas
residuais, tradicionais”.
Na ótica de Kaplan (1993), existem elos entre o
modernismo e o pós-modernismo nas narrativas
contemporâneas ao assinalar os textos como transgressores,
24Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
mas estas transgressões ao abandonar e subverter as
costumeiras oposições binárias em uma mistura de recursos
que abrangem várias combinações possíveis de estratégia
narrativa, adentram às características pós-moderna. Kaplan
(1993) discute esta questão ao se referir e analisar a exibição
dos vídeo-clipes de rock na MTV, em que muitos deles fazem
lembrar o estilo transgressor modernista das vanguardas, mas
que logo é quebrado por uma estética pós-moderna.
Com relação a moda e aos desfiles, a perspectiva pós-
moderna, da fusão das categorias binárias e moderna de
oposição transgressora dos estilistas, se articulam em suas
exibições, ao se associarem as linguagens artísticas das
performances, criticam as estratégias estéticas dominantes,
mas ao mesmo tempo mesclam outras possibilidades ao
fundirem, ou a levarem a uma ambiguidade difusa sobre os
significados atribuídos à roupa e a indústria da moda.
Ao subverterem as convenções sociais, não só das
roupas, mas como vestir, ocultando ou mostrando o corpo, no
realce da feminilidade ou na exclusão da sensualidade, nos
estereótipos extremados da imagem feminina, na reconstrução
corporal, no repudio ao culto do original ou no próprio contexto
espacial de apresentação, Viktor & Rolf, Alexander McQueen e
Martin Margiela, transgridem as convenções estéticas e
também embaçam estes limites, justapondo novas atmosferas,
novas espacialidades.
25Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Percebe-se que estes designers, rompem valores
tradicionais com um discurso pós-moderno, pois redefinem
convenções estéticas com discursos que “redelimitam a
natureza do objeto estético”, como afirma Crane (2011, p. 202),
ao “apresentarem espetáculos organizados para além das
paredes, cada vez mais elaborados e dispendiosos,
comparáveis a performances artísticas” (CRANE, 2011, p. 203).
Com relação aos desfiles analisados, percebe-se que as
práticas vanguardistas de oposição prescreveram, trazendo um
conteúdo em que as convenções estéticas assumem novos
formatos indicativos de uma perspectiva pós-moderna, como
observa Crane (2011, p. 58) de uma “fusão indistinta das
categorias, binárias, bem como a manipulação e a transgressão
dos códigos culturais”.
É importante ressaltar que o uso do termo vanguarda,
sugerido por Crane (2011), traz implicações em campos como o
conteúdo estético da arte, o conteúdo social e as regras de sua
produção e distribuição. Com as vanguardas do início do século
XX, são redefinidas as convenções por meio de obras que
transgridem padrões estabelecidos e muitas vezes de forma
chocantes e ofensivas, ao envolverem novas técnicas, valores
sociais, políticos, ou atacando instituições estabelecidas. Para
a autora, o termo, “pode abranger uma vasta gama de práticas
estéticas e sociais” (CRANE, 2011, p. 60).
Para esta reflexão, destacaram-se alguns desfiles
26Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
especialmente a partir de 2000, Viktor & Rolf (outono/inverno
2010), Alexander McQueen (primavera/verão 2001) e Martin
Margiela (primavera/verão 2009), por apresentarem uma
linguagem que rompe com a linguagem tradicional
normalmente usada nos desfiles comerciais de moda como
informação, ou dos modelos clássicos como argumenta
Vilaseca (2010), onde o produto moda é exibido por meio de 8uma ferramenta de comunicação efêmera, o desfile . Nesta
abordagem, os três designers serão foco desta discussão, por
trazerem uma linguagem que lida com a artificialidade, o
espetáculo, a exibição e a poética, mesmo ao conferirem uma 9proposta aparentemente punk .
Os desfiles foram tomados como exemplo, por exibirem
suas coleções com outra postura para o design e as
espacialidades com uma linguagem que associada a arte, traz
uma abordagem com significados múltiplos, instáveis, e muitas
vezes desconectados com os propósitos da industria da moda.
Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela, por
exemplo, trazem em seus desfiles elementos que ocultam os
atributos de sensualidade e erotismo da figura feminina, ao
cobrir exageradamente a modelo (Viktor e Rolf), ou
8 O desfile tradicional ou clássico é um meio através do qual o designer pode difundir suas ideias, gerar informações do produto e da marca, a partir da colaboração da mídia e dos meios de comunicação (VILASECA, 2010).9 A tradução literal se refere a algo podre. Mas para Cohen (2011, p. 153), quando se refere a este movimento, é “um movimento semelhante ao do mar
27Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
que devolve à terra todas as impurezas que nele foram jogadas”.
transfigurando o rosto e corpo (McQueen e Margiela), criando
novas imagens e redefinindo os contextos onde seus trabalhos
são exibidos.
Nas ideias destes designers, estão embutidos conceitos
vanguardistas de subversão ao produzirem desfiles que
desafiam propositalmente a estética visual, mas esta subversão
não adquire aspecto dicotômico, mas híbrido e de superposição
de diferentes linguagens. Crane (2011, p. 72), classifica estes
designers de “os pós-modernos”, por criarem “efeitos que
podem ser interpretados de diversas formas ou que são difíceis
de interpretar, porque não visam expressar uma mensagem
clara”, eles alteram os significados usuais atribuídos aos
objetos ou elementos que constituem a espacialidade do
discurso visual do desfile, tornando difusas as linhas que
separam os extremos.
Desta forma, foram destacados alguns desfiles que
estão articulados com o espetáculo, cada um em uma proposta
estética e narrativa. Viktor & Rolf (outono/inverno 2010) se
apropriam da teatralidade, e da ação do corpo no espaço com
uma abordagem dos excessos, que se caracteriza por
abusarem das proporções em suas construções com um design
exagerado, que se expressa por meio de artifícios que
ressaltam os volumes e a tridimensionalidade da roupa.
Com uma postura meticulosa do corpo, Martin Margiela
28Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
(primavera/verão 2009) revela e esconde o espetáculo do corpo
em um discurso inacabado e redundante, pela repetição e o
excesso de elementos iguais. Em seus desfiles mostra certa
opacidade por implicar a ocultação de elementos visuais como
o corpo. Alexander McQueen (primavera/verão 2001) usa de
recursos tecnológicos para a exibição e alteração do espaço,
intervindo, recriando para acolher este corpo. McQueen
incorpora a roupa ao espaço formando um todo, evidenciando o
movimento e a visualidade de um contexto reproduzido, onde,
sobretudo a luz, tem efeito dramático ao revelar ou esconder a
encenação.
Para Crane (2011), estes estilistas se identificam tanto
com as características pós-modernas como com as
vanguardistas, e esse traço pode ser observado adiante nos
desfiles analisados, ao se apropriarem de linguagens como a
collage, vista por Cohen (2011) através do processo da livre
associação de elementos, adentra-se na linha das ideias
surrealistas, da improvisação, da sobreposição de camadas,
que Connor (1989 apud CRANE, 2011, p. 74), chama de
camada de ideias ou surmontage, “uma espécie de surmontage
de desigualdades (culturais e técnicas), da qual resulta uma
nova forma e da qual emerge uma nova ideia, a respeito de
sexualidade, vestuário, corte, história, pintura, música, dança,
desempenho na passarela, filosofia, idade, juventude, tempo”.
O desfile de moda abordado neste trabalho é uma
29Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
maneira de apresentar o produto do design de moda – trajes,
indumentária, acessórios e ornamentos – que compõe um
discurso articulado com o corpo, responsável por dar
significados que denunciam o comportamento e atitudes do
individuo. Assim como a roupa nos oferece possíveis
construções discursivas, o desfile também pode – a partir de
sua configuração (mediante a combinação de diferentes
elementos, como modelo, espaço, cenografia, música, entre
outros) – produzir um discurso conectado com o contexto social,
econômico, cultural com a ação performática.
Para Pinto (2011) todo discurso possui uma
heterogeneidade de interpretações e cada “objeto” (aqui
discriminado – cenografia e performance – um enunciado
lingüístico) é um conjunto de vários elementos que podem ser
interpretados conforme o contexto e os códigos do receptor.
Os designers Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin
Margiela, possuem um modelo discursivo que vai muito além do
design das roupas, usam uma linguagem simbólica e conceitual
que associada à arte, ao espetáculo e aos artifícios cênicos,
levam ao questionamento do sentido funcional e comercial da
moda enquanto informação, pois, observamos que estas
apresentações são modelos de significações que mais
propiciam a forma do sentir do que o vestir propriamente. Os
trabalhos destes designers marcam um diferencial por meio das
complexas aparências que o espaço enquanto linguagem
30Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
comunica.
Diante das produções desses designers, uma reflexão
se impõe: não é possível somente compreender a
complexidade que caracterizam seus designs, mas sim,
apreender a construção destas espacialidades, por meio dos
elementos ou unidades discursivas que compõe sua narrativa.
Neste sentido Ramos (2007), nos esclarece que:
Um espetáculo artístico é uma obra sistêmica onde inúmeras linguagens atuam para a construção de um produto final. Não é possível isolar apenas uma das linguagens constitutivas de uma obra, pois, para compreende-la, é necessário fazer uma leitura relacional (RAMOS, 2007, p. 170).
Desta forma, serão definidas algumas categorias de
estudo que facilitarão a compreensão desta análise. A estrutura
do desfile se organiza por meio de um conjunto de elementos
que articulados entre si, resultam num complexo discurso
transformador, neste sentido serão introduzidas algumas
noções de como entender esta narrativa, apropriadas de teorias
que fundamentam a compreensão da mensagem narrativa, do
discurso e suas funções.
Os elementos cênicos do desfile de moda, assim como o
discurso do corpo em performance, compõe a situação do
evento, e ao analisar este texto visual, observa-se dois
31Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
aspectos: 1- Espaço (cenografia) e 2- Corpo (performance),
compostos por unidades ou elementos que constituem o
discurso informacional e poético dos desfiles analisados.
Os elementos (o espaço cênico, a passarela, a modelo, o
som, a iluminação, entre outros) articulados e relacionados
entre si resultam em uma linguagem conceitual que culmina
num espetáculo de exibição, em um discurso poético onde
todos estes elementos cristalizam em uma recepção sensorial,
que alteram os significados com a informação visual e sonora.
Partindo-se do pressuposto que o desfile de moda
estabelece narrativas ao manifestar nos espaços questões que
tratam da ordem social e cultural e que interferem na percepção
do receptor ao despertar sentidos e significados, algumas
reflexões nortearam esta leitura e foram identificadas nas
propostas. A exposição e concepção de um design que está
relacionado com os processos e sua visualidade. O design e o
desfile de moda e a abordagem dos espaços e as percepções.
Pode-se refletir que estes eventos (desfiles) ao serem 10projetados , levam em consideração não só o produto
(coleção), mas a relação com os demais elementos que atuam
como um todo no espaço desenhado, e que portanto, o que se
10 A noção de projeto, segundo Coelho (2008, p. 272) implica um reconhecimento como processo e como resultado. O projete precede a sua realização e muitas vezes se confunde com o próprio objeto. Ali estão explicitas um conjunto de relações formais, funcionais e estilísticas. No projeto de design, segundo o autor, há “um procedimento e uma postura
32Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
cria nestes espetáculos, não é somente a informação de um
novo produto, mas uma nova informação, um discurso dotado
de sentidos que conduz a percepções mais profundas do
design, como foi observado no capítulo 1.
Os desfiles propiciaram observar um elemento
informativo com sobreposição de uma carga poética, e sendo o
desfile um discurso, há um diálogo e neste confronto pessoal
entre o receptor e o discurso, as sensações percebidas podem
superar a ordem da simples informação.
O fato de base, que constitui em poética essa comunicação, é lembro-o, sua tendência ou sua aptidão para gerar mais prazer do que informação: alcance geral que acentua o elemento hedônico sem que a informação seja necessariamente negada, tanto faz; a maior parte dos textos literários são também, em certa medida informativos, mas sua função informativa passa para segundo plano (ZUMTHOR, 2007, p. 64).
O que se percebe, a partir de sua construção,
espacialidade e de seus processos, são informações de moda a
partir de um texto poético. Trata-se de veículo de comunicação,
transdiciplinar que implica apropriação compreensiva do problema a ser enfrentado” e tendo múltiplas derivações “quanto a seu significado, quanto a aspectos de produção, quanto a múltiplos aspectos de uso e funcionamento, quanto ao impacto no meio ambiente, quanto às ferramentas projetivas, entre outras tantas, inclusive os aspectos subjetivos de quem projeta”. Mas
33Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
no qual as informações são processadas em seu interior para
posteriormente serem devolvidas, mas nesta situação, este
retorno do discurso ou sua percepção, não se processa como
simples veículo reprodutor de informação. Aqui, estas
informações se relacionam com a organização dada pelo
espaço e pelo espetáculo por apresentarem espacialidades
onde novas formas de leitura vão emergir neste ambiente.
Para Zumthor (2007), o desfile enquanto discurso
emitido, nunca é passivo ou estático, e sim em constante troca,
um fluxo constante de reconstruções, de abertura para novas
percepções, o que os torna únicos em suas apresentações.
Estes desfiles observados podem ser hegemônicos por serem
transmissores de informação que será difundido pela mídia,
mas também se apresentam como um espaço gerador de
sentido.
A partir destas considerações, nos apropriamos da fala
de Lotman (1978) para analisar os desfiles de moda e seu
discurso aliado a linguagem da performance como um texto
artístico, como um sistema de comunicação, no qual permite
perceber traços comuns com a visão de Bourriaud (2009) a
partir de sua investigação da forma e conteúdo dentro da
além desta concepção de Coelho (2008), entende-se aqui nesta abordagem por projeto de design, o que Ferrara (2002 apud RAMOS, 2007, p. 171) nos coloca como um design que vai alem de um desenho, de um esboço, da visualidade plástica. Para a autora supera a visibilidade dando novos significados.
34Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
11 Villaça (2010) em Mixologias, a autora faz uma análise da cidade do Rio de Janeiro, com relação ao espaço e produção de sentido e as complexidades que reforçam o momento atual.
estética das práticas artísticas contemporâneas.
A noção de espaço segundo Villaça (2010, p. 175), passa
a ser vista na contemporaneidade como algo que não é mais
exterior, mas parte constitutiva do sujeito, ou seja, “Pensar a
crise que atinge o homem contemporâneo é pensar seu
imaginário, os processos de subjetivação, suas representações
do tempo e do espaço”. Nestes espaços desenham-se,
designam-se possibilidades significativas que não podem estar
desconectados dos modos de percepção do sujeito, da noção
de tempo ou distância. Estes espaços contemporâneos se
constroem sob o design da extensão humana, “como alteridade
provocadora de novas inserções”, e exigem novas linguagens
como maneiras de decifrar este cenário (VILLAÇA, 2010, p.
176).
Diante do exposto, interpretar esta multiplicidade das
experiências espaciais, requer contemplar diferentes versões,
como a propagada pela mídia, da informação da moda, numa
espécie de “curadoria” expressão usada por Villaça (2010) para 11descrever o discurso midiático da cidade , no qual os espaços
da moda, turísticos ou point visitados são expostos e
valorizados. Essa produção midiática espetacular traz
informações daquilo que é glamourizado ou excluído e
35Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
desqualificado.
Pensando o espaço do desfile como um espaço narrativo
de comunicação e informação, observa-se esta manifestação
por meio das horas de TV que este evento aciona ou das
milhares de páginas de jornais e revistas, sites e blogs, como
visibilidade da indústria da moda. São espaços produtores de
sentido e informação, pois se estruturam em termos de
processos comunicacionais, mas que vão alem da estrutura
visível e funcional. Para Villaça (2010, p. 196), “são máquinas
de sentido, de sensação, que podem tanto trabalhar em direção
de um esmagamento uniformizador quanto no sentido da
retomada de uma singularidade liberadora da subjetividade
individual e coletiva”.
Percebe-se também que nestes espaços, aqui
denominados como desfiles, os designers ao lançarem mão de
outras linguagens estéticas, como a performance, ampliam
seus conceitos informativos e ganham outros estímulos
perceptivos. Para Zumthor (2007, p. 34), “a performance é o
único modo vivo de comunicação poética”.
O texto poético para ser reconhecido como tal, é na visão
de Zumthor (2007), um texto que tem como fundamental, a
necessidade da presença de um corpo que produza efeitos de
sentido em seu receptor, assim, “de um sujeito em sua plenitude
psicofisiológica particular, sua maneira própria de existir no
espaço e no tempo e que ouve, vê, respira, abre-se aos
36Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
perfumes, ao tato das coisas” (ZUMTHOR, 2007, p. 35). Este é
um processo de troca de informações, de um diálogo que se dá
pelos apelos sensíveis dado no discurso poético e na
organização espacial.
Na ótica de Zumthor (2007), o texto poético está no fato
da ritualização da linguagem deste texto, e na medida em que a
performance aspira a qualidade de rito, há uma forte
convergência entre performance e poesia. Neste caso, o ritual o
qual o autor se refere, é uma experiência despojada dos
significados sagrados, mas um ritual que está no domínio
cultural e no contexto em que tal ação é empreendida, presente
nos desfiles desde sua origem à contemporaneidade. Tentar
discutir a ideia de texto informativo e texto poético é classificar,
enquadrar, formatar, porque os desfiles enquanto espaços
comunicacionais se situam ao longo de uma escala do
comercial ao conceitual, onde estes extremos, podem se
mesclar como texto informativo e como conceito dentro de um
discurso poético que se organiza dentro de uma espacialidade
comunicante.
O espaço cênico é, sobretudo nestes três designers
pesquisados, um espaço no qual a representação se torna
espetáculo. O espaço aqui definido, não é somente como um
suporte, como observado por Ferrara (2007) uma forma que
abriga um conteúdo.
Construir espacialidades exige descobrir, no
37Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
suporte espaço, suas condições de mediação que o levam a transmitir, através do modo como se constrói e se renova ou como, na genuína e original característica do modo como se organiza, aparece e evidencia sua p r ó p r i a c a p a c i d a d e c o m u n i c a t i v a (FERRARA, 2007, p. 31)
Para Ferrara (2010), o espaço se transforma de suporte,
de mera tridimensionalidade em espacialidades, ou criações
que por meio de uma organização de seus materiais ou
elementos, se revela em meio de linguagem, ao transformar
estes elementos em outros elementos comunicativos, ao dar
outros significados. A autora classifica esta organização
espacial como montagem, que através de associações entre
elementos diversos e heterogêneos, constroem-se
espacialidades comunicantes. Esta organização, ao se
apresentar em justaposições, sobreposições, de sons,
imagens, fragmentos, ou no desfile por meio do cenário e da
performance, oferecem a percepção, associações e cognições.
Ao organizar estes fragmentos não lineares, que isoladamente,
muitas vezes não significam nada, cria espacialidades, ao
valorizar o marginal, o imperceptível e transformá-lo em
espetáculo. De acordo com a autora:
Ler espacialidades exige surpreender/ descobrir aqueles processos de organização que fazem apelo à inteligência do receptor,
38Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
pois mais transmitem cognições, do que comunicam mensagens. Desse modo, ler espacialidades enquanto mediações exige perceber o modo como se relacionam ortogonalidades, frases, imagens, sons, texturas, volumes superando a mensagem que reduz a comunicação à simples linearidade entre emissor e receptor. A espacialidade supõe, portanto, aquele volume que, em montagem, organiza elementos dispares e heterogêneos que habitam o espaço suporte e os evidencia como elementos est imuladores de associações e cognições (FERRARA, 2007, p. 35).
12Portanto, essa montagem como se refere Ferrara
(2007), transladando para o espaço do desfile, se revela como
recurso, como linguagem que abrange não somente a
visualidade superficial dos elementos cênicos, mas a
discriminação destes elementos como possibilidade de fazer
ver, de atingir uma comunicação que vai da função, “ao
ambiente que se comunica como espaço social [...] do figurino
que faz da personagem uma decoração da cena ao design da
aparência” (Ibid, 2007, p. 36).
O conceito de montagem na visão de Ferrara (2007), se
12 O conceito de montagem a que a autora se refere, é o modo como Sergei Eisenstein o concebeu. Segundo Ramos (2007, p. 182), essa forma de montar os espetáculos, que inicialmente se deu no teatro e depois para o cinema, é inserir cenas conflitantes na linearidade da obra, como forma de gerar sentido. Para o autor, “as imagens dos espetáculos desta forma
39Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
enquadra ao conceito de collage utilizado por Cohen (2011) no
qual fazemos uso para a análise destes desfiles. A collage aqui
é usada como uma linguagem de justaposição de imagens,
obtidas aleatoriamente, ou que na realidade cotidiana, nunca
apareciam juntas para a montagem de uma obra ou um
espetáculo.
O intuito, no decorrer do capítulo 1, é discutir o desfile de
moda e suas narrativas por meio de uma análise do espaço e
dos elementos nele envolvidos, como um modo de
comunicação e uma atividade cuja intenção é comunicar algo,
por meio de um processo que afeta e surte efeito em seus
observadores. Além disso, busca-se refletir também sobre a
construção de significados e as mudanças de comportamento
geradas pelo desfile em função da leitura e recepção destes
eventos.
No capítulo 2, são abordadas as narrativas e sua
articulação pelas performances e pelas espacialidades nos
desfiles dos designers Viktor & Rolf na coleção de outono-
inverno de 2010/2011 com o desfile “Glamour Factory”,
Alexander McQueen em seu desfile de 2001, coleção
primavera/verão, intitulada “Voss”, Martin Margiela em seu
montada são imagens complexas que falam algo alem do que exibem, contem um sentido a ser construído pelo imaginário. A montagem eisensteiniana permite ao receptor ultrapassar o nível da legibilidade, da constatação passiva para atingir o nível da leiturabilidade de um espetáculo, ou seja, proporciona ao receptor um papel ativo ao fazer com que seu
40Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
desfile na Paris Fashion Week, Spring/Summer, 2009 em 29 de
setembro em Paris, uma retrospectiva dos seus 20 anos de
carreira. Neste capitulo, analisa-se essa integração de
linguagens que se apresentam de maneira complexa, em
justaposições de elementos contínuos e descontínuos,
resultando em novas formações.
O capitulo 3, dá continuidade à questão das
performances como experimentações e arte de fronteira, ao
romperem convenções e por sua afinidade em diversos campos
como a moda. Neste capítulo observa-se as novas formas que a
arte contemporânea vem adquirindo como um discurso que
assume de maneira complexa novos sentidos a partir das
relações entre os elementos em um determinado ambiente
(contexto) ou novas “formações” como afirma Bourriaud (2009),
como também na visão de Lotman (1978), como texto artístico.
Ainda neste capítulo, são abordadas as aproximações entre
performance, o teatro e a moda, apontando estas relações e
distanciamentos ou o atravessar de fronteiras, que nos desfiles
ocupa o espaço como expressão que amplia a linguagem
estética e a aproximação do desfile com a arte.
O processo de integração das linguagens, de
aproximação e de não fronteiras, é uma característica de nossa
realidade contemporânea, e esta simbiose de varias formas,
que seu repertorio cultural seja invocado para o desvendamento e reconhecimento da nova informação”.
41Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
ideias e linguagens adotadas nos desfiles, são definidas pela
justaposição e não por pólos antagônicos. Neste universo,
assim como na realidade, os pólos se aproximam, e lidar com os
opostos, ou tentar classifica-los é produzir um pensamento
fechado. Portanto, busca-se refletir sobre a construção dos
significados geradas nas espacialidades do desfile de moda,
que no decorrer desta pesquisa, passa a ser um instrumento
para se entender e compreender aspectos sociais e culturais de
um dado momento, assim como levantar questões que
permeiam a indústria da moda e que a partir dos desfiles de
moda é absorvida pela indústria cultural e propagada pela
mídia, pasteurizando qualquer tentativa de classificação
estética.
42Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Capítulo 1
O Desfile de Moda e suas Narrativas
As narrativas e o design apresentados nos desfiles de
Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Margiela são
desdobramentos das articulações com as espacialidades e com
os diferentes momentos históricos. A leitura das ações
elaboradas para essas performances leva a compreensão das
soluções e dos processos e ao entendimento dos significados e
transformações no decorrer dos tempos que estão relacionadas
com as propostas analisadas neste trabalho.
Os desfiles em lojas de departamentos precedem em
sua formatação os desfiles contemporâneos, pois, foram os
primeiros a apresentar uma plataforma (passarela) elevada,na
qual as manequins desfilavam, e assentos ao redor dessa
estrutura com um espaço definido.
Trata-se de eventos muito comuns, voltados à classe
média, em que, evidentemente, reconstituíam-se as formas de
socialização e comportamento de uma classe ávida por copiar
as ideias da Alta Costura. Nas palavras de Evans (2002, p. 44),
“ao longo da primeira metade do século XX, grandes lojas de
departamentos, em muitas cidades, promoveriam desfiles de
moda, muitas vezes em restaurantes, onde tais eventos, nos
horários de almoço e chá, foram onipresentes até a década de
1960”.
A diversificação, a formatação e as várias possibilidades
de apresentação dos desfiles nos diferentes espaços,
visivelmente construída desde seu início, com Worth ou Lucile,
44Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
adentra a contemporaneidade, abre espaço às diferenças ao
mesmo tempo em que determina um poder decretado pelas
“tendências”, mas um poder aberto e flexível, dado pelas
escolhas. Sempre paradoxal e ambígua, a moda, assim como o
desfile, com seus mecanismos de controle, ao diversificar,
segrega. O desfile ao se apropriar de linguagens artísticas,
associar-se ao teatro e ao espetáculo, estabelece um laço
pessoal dado por elementos como a música, o cenário, o
espaço, o narrador, ou seja, a forma na qual se apresenta a
narrativa dada.
1.1 O DESIGN DO ESPAÇO DO DESFILE DE MODA
Desde sua origem no início do século XX, o desfile teve
como referência as performances teatrais e musicais, como
afirma Evans (2002), em seu artigo “O espetáculo encantado”.
Os primeiros desfiles eram exibições enfadonhas que duravam
horas, mas que incorporavam elementos do teatro como,
roteiros, música orquestrada, cenários elaborados,
dramatização e até chá com bolinhos, realizados nas grandes
Maisons. Com o surgimento das lojas de departamentos, esses
eventos deixaram de ser exclusividade da aristocracia e
passaram a ser refletidos como acontecimentos sociais, aos
quais a massa tem acesso, como será visto adiante.
45Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Os desfiles não eram organizados como hoje, e só
aparecem, segundo Lipovetsky (1989, p. 98), a partir de “1908
e 1910, para se tornarem verdadeiros espetáculos
apresentados com hora determinada à tarde, nos salões das
grandes casas”.
Os desfiles de forma mais organizada, com horários
pré-fixados, têm início a partir do século XX e, como afirma
Garcia (2007), estão ligados a dois modistas ingleses 13importantes do período, Charles Fréderic Worth (1825-1895)
e a figurinista Lucy Sutherland (1863-1935), mais conhecida
como Lady Duff Gordon, ou Lucile (EVANS, 2002). Para Garcia
(2007, p. 36), “ambos tinham de garantir, aos seus diferentes
públicos – notadamente membros da realeza e celebridades
do meio artístico –, que suas criações serviriam perfeitamente
aos corpos que pretendiam vestir”.
É importante destacar algumas ações que antecedem o
desfile, e como o mesmo está relacionado com os
acontecimentos culturais e sociais em sua convenção.
Manequins vivas já eram usadas no século XIX, Worth
contratava moças para desfilarem em seu ateliê com o intuito
46
13 Worth, considerado o pai da Alta Costura, aos 20 anos de idade, inicia sua carreira como vendedor em uma loja de tecidos em Paris, de propriedade do comerciante parisiense, Gagelin, que atendia condessas e duquesas. É nesse momento, segundo Evans (2002, p. 33), que o comerciante “contratava manequins de ateliês para desfilar por seu estabelecimento, envergando xales”, e Worth era o encarregado de “enaltecer o produto”,
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
de exibi-las às clientes, que segundo a autora, engendrava “o
efeito de sentido de adequação entre vestimenta e corpo” e era
usada por muitos costureiros e modistas (GARCIA, 2007, p. 36).
Essa prática precedera os desfiles tradicionais, nos quais as
modelos – descritas por Evans (2002, p. 34-37) em suas
gestualidades ou ações performáticas – eram “verdadeiras
deusas”, ou “treinadas para executarem poses dramáticas”,
“moças treinadas para caminhar de modo letárgico”, ou ainda,
comparadas a anêmonas que, por meio do gestual, expandiam-
se nos salões.
Mas estas são as origens dos desfiles e, portanto, ao
considerá-lo como performático, na situação na qual uma
modelo ou manequim apresenta um determinado produto,
percebemos que se caracterizam como um discurso, de formas
estéticas, no qual permite analisá-los sob o enfoque teatral, e,
portanto, questões complexas de representação permeiam sua
origem.
Lucile, como se chamava seu ateliê, ou Lady Duff
Gordon, com o uso de táticas promocionais, os seus desfiles
eram verdadeiras exibições teatrais, pois suas apresentações,
47
por juntamente com a vendedora Marie Vernet que, posteriormente, seria sua esposa. Worth, como afirma a autora, pôde perceber e estudar o efeito do tecido em movimento sobre as manequins e “aprimorar a lábia de vendedor”. Anos depois, em 1858, funda sua Maison, na Rue de la Paix (SEELING, 2000), com o sueco Boberg, seu sócio, mas, a partir 1871, dirige
meio das manequins que desfilavam pela loja. Esse trabalho era feito
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
“deveram mais ao teatro do que às tradições do salão de
costura” (EVANS, 2002, p. 34). Seus desfiles duravam horas, e 14suas modelos ou sósias (nome dado às futuras manequins)
exibiram trajes com nomes sugestivos, como “O desejo dos
olhos”, ou “Uma hora de frenesi”.
Em suas performances, Lucile trazia também, a
apresentação do produto, anunciando o traje com descrições e
nomes sugestivos que expressavam o valor simbólico da peça,
seja por seu valor de uso (ao ressaltar o tipo de tecido, cor ou
acabamento), de prestígio (símbolo da diferenciação de
classes), ou ainda por seus significados sociais, como afirma
Evans (2002, p. 33), “do compromisso das mulheres com moda
e beleza”. Esses significados estão totalmente atrelados, na
modernidade, ao modo de produção e à distinção de classes
(Figura 1).Neste sentido, observa-se que tradicionalmente
estes espaços de exibição, tinham uma função de distinção,
48
a casa sozinho e importa a tática promocional da loja de Gagelin para sua Maison. Evans (2002) afirma que Marie Vernet, além de esposa e vendedora, foi também chefe das manequins, durante os primeiros treze anos da casa Worth. É importante destacar que, no período, essa foi uma grande inovação, pois Worth sempre dispunha de profissionais treinadas para esse fim; a tática, contudo, já era exercida em outras oficinas, e Worth meramente aumentou o número de manequins em seu ateliê.
14 Conforme Garcia (2007, p. 36), Lucile, “começou a usar a palavra 'modelo' em desfiles, apresentações públicas de criações vestimentares, das quais foi precursora, para descrever tanto o traje em si, quanto a manequim que o exibia, equalizando assim a importância entre corpo, roupa e acessórios na organização da aparência pessoal”.
Figura 1: Desfiles de Lucile nos jardins da MaisonFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
como aponta Villaça (2010, p. 199), “pois acompanhavam a
ordenação de classes, das profissões, dos gêneros, das faixas
etárias”, no qual as fronteiras eram bem mais identificáveis. A
importância destes lugares, em sua dimensão simbólica,
segundo a autora, “organiza a vida social por meio das
aparências” determinando atitudes e comportamentos.
Lucile contava também com a ajuda da irmã, Elinor Glyn,
roteirista que elaborava os roteiros (textos) e cenários, e já
contava, em seu ateliê, com plataforma elevada, “pequeno
palco elevado com recesso e cortinas de chiffon”, que, como
podemos observar na Figura 2 e 3, era um precedente das
passarelas atuais, com vestígios teatrais.
As performances teatrais, baseadas em enredos e
tramas, ocorriam em ambientes elegantes e refletiam a
sociedade burguesa em ascensão. Conforme Gordon (apud
EVANS, 2002, p. 34), “moças lindas, verdadeiras deusas,
andariam para lá e para cá exibindo meus modelos, mostrando
toda a beleza deles a uma platéia de mulheres admiráveis”. Tal
afirmação era da estilista inglesa Lady Duff Gordon, e reflete a
imagem da mulher erotizada e frágil da época, bem como o jogo
de insinuar e recuar, apresentado na performance por meio de
gestos suavizados e contidos (Figura 3 e 4). Olhar, observar e
julgar, já era um ato significativo que estava na reminiscência
dos desfiles.
Como estes desfiles observados no início do século XX
49
Figura 2: Palco elevado nos desfiles da Maison LucileFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
na Europa, elaboram narrativas que respondiam ao tempo com
as soluções apresentadas com o design e o entendimento dos
espaços. Estes primeiros desfiles materializavam a
modernidade e toda sua concepção de tempo, movimento e
sequencialidade. Atrás deste conjunto ordenado, dada pela
ação performática do andar da modelo em sucessão em linha
reta, Vilaseca (2010), enfatiza que os primeiros desfiles
estavam relacionados com o teatro e o cinema. Esta
similaridade visual está no efeito do caminhar lento, uma detrás
da outra, numa fileira que compartilha as lâminas ilustradas da
película. Um acontecimento que capta a essência da vida
moderna, (Figura 1 e 2).
Nesta imagem de 1914, as clientes contemplam as
criações de Lucile por meio da apresentação das modelos que
caminham ordenadas e mostram as últimas novidades da moda
(Figura 4).
Os desfiles, portanto, desde seu início, não deixam de
ser um discurso, que a partir do espaço, narram informações
que consolidam a comercialização dos modelos criados e criam
também por meio destes ambientes, espaços de visualidade
que conecta o comportamento da vida cotidiana daquele
momento. Há nestes espaços um reconhecimento pela
exibição da qualidade material, ou os elementos cenográficos
que refletem um cenário de grande opulência. Elementos que
narram ou são indícios de riqueza e poder e que respondem aos
50
Figura 3: Palco elevado para os desfiles da Maison Lucile e suas clientesFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
requisitos considerados definidores de uma ordem social dada
pela modernidade e o desenvolvimento industrial do século XIX
na Europa. Como nos afirma Lipovetsky (1989, p. 129),
«assente na teatralização da mercadoria, na pluralidade
feérica, na solicitação do desejo com os seus manequins de
sonho, réplicas vivas e luxuosas das vitrinas atrativas».
Vale destacar, com relação à origem dos desfiles, as
apresentações nas lojas de departamentos no início do século
XX. Diferentemente dos desfiles dirigidos à aristocracia e à
burguesia da época, estes se caracterizaram por serem
apresentados a uma clientela mais comum, com uma
visualidade que migrava para a grande massa, visto que as
modelos ou manequins misturavam-se às clientes como afirma
Evans (2002, p. 43), “os passeios ociosos, os conhecidos
flâneuses, do povo, nas lojas no século XIX”, nos diversos
ambientes das lojas, dando a ideia de um acontecimento social,
mas como uma narrativa que adentra no século XX e XXI, “na
qual os indivíduos trocam e consomem imagens, experiências,
decifrações, juízos” como nos afirma Araújo (2007, p. 190),
determinando gostos e diferenças.
A relação entre seus primórdios e os desfiles dos
designers Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela,
são a eficácia textual enquanto textos poéticos que reproduzem
situações, contextos que levam a um reconhecimento, marcam
uma conduta, um comportamento e abre possibilidades para
51
Figura 4: Desfiles na Maison Lucile entre as clientesFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
novas percepções e ações. Portanto estes desfiles apresentam
em suas narrativas, um conjunto de ações que afetam seu
receptor e estão presente em sua formatação, na constituição
de uma espacialidade, no ambiente, na posição do corpo do
receptor dentro deste espaço, no ato da leitura deste discurso, e
na própria ansiedade da espera do que o discurso promete. Do
movimento das modelos de Worth ou no chá com bolinhos ao
som da orquestra dos desfiles de Lucile, há uma implicação da
construção e visualidade do espaço como ambiente percebido
como experiência.
Nos espaços de apresentação mencionados, percebe-
se uma reprodução de um modo de vida, justificando o contexto
no qual se apresentam, eles são planejados e representados,
segundo as vertentes do momento, que orientam as
concepções de espaço e tempo. Estes espaços atuam no modo
como se processam as relações humanas de comunicação, se
apropriam das linguagens do design do espaço, do teatro e da
performance, supondo uma representação de mundo com um
discurso da opulência, da riqueza e da oferta, evidenciadas em
seus cenários que acenam aos receptores sob múltiplas
percepções.
1.2 O DESFILE COMO ESPAÇO DE MÚLTIPLAS
PERCEPÇÕES
52Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Entender um texto, um discurso, segundo Zumthor
(2007), é colocar o leitor/receptor como parte constitutiva deste,
pois, nessa relação se estabelecem e desdobram várias
estratégias de leitura que tendem a se modificar em função do
contexto, do texto, do autor e de próprio receptor. Um texto só
existe a partir dos leitores e na medida de sua iniciativa
interpretativa.
Ao se referir aos estágios de percepção e decodificação
de uma informação, Garcia (2007, p. 84) nos afirma que “as
pessoas tem percepções diferentes porque cada qual recebe,
organiza e interpreta a informação sensorial de maneira
individual”. A percepção se dá a partir do contexto e repertório
pessoal, de um modo muito particular e subjetivo.
Para Zumthor (2007), o ato da leitura ou da recepção tem
como pressuposto a coleta de uma informação, mas que em
certos casos esta leitura deixa de ser unicamente informação e
assume a poeticidade, no sentido de propiciar mais prazer que
informação. Esta poeticidade é percebida e recebida em função
do próprio discurso como tal e ou do grupo social no qual ele é
percebido.
Pensando no desfile como um reflexo da sociedade
contemporânea, que dramatiza e espetaculariza o discurso do
corpo e da roupa de formas criativas, sedutoras, convocando
todos a uma participação no evento. Pode-se apropriar das
afirmações de Frey (1998 apud MIRANDA, 2008, p. 79), ao
53Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
abordar os desfiles a partir de sua estrutura ou formatação, que
incluem local, assentos, a primeira fila (sinal de importância),
passarela, trilha sonora, modelos, público, dentre outros, criam
“um virtual tão estocado e familiar quanto qualquer regra oficial
– são deliberadamente teatro invertido: uma performance
artística de objetivo comercial onde as entradas são de graça,
mas quase tudo mais na passarela está à venda”. Esta
afirmação remete a uma reflexão: como estes desfiles
analisados suplantam a informação como uma ferramenta de
comunicação do produto e da marca, e criam um dinamismo
formalizado pelo design ao projetar uma espacialidade
geradora de informações, construtora de sentido, onde
“confluem a comunicação e o conhecimento para compreender
o espaço cultural que nos envolve” (FERRARA, 2007, p. 37).
Nestes espaços organizados por meio destes
elementos, como a cenografia e a performance artística (uma
ação totalmente ligada ao corpo) é que se constroem o discurso
dinâmico dado por uma forma não fixa, mas a todo instante
recriada. Para Zumthor (2007, p. 29), “de fato (no nível em que o
discurso é vivido) ele nega a existência da forma”, e a partir da
performance cria ritmos e novas aberturas para a percepção.
É importante destacar que o momento da recepção é
uma experiência individual, como observado no desfile, com
seus ritmos, movimentos, luzes, que implicará em pulsações
corporais produzidas e estimuladas pelo próprio contexto. As
54Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
condições da espacialidade expressa cria significados por meio
da visualidade e a comunicação que se manifestam no gesto,
no som, na performance e recursos técnicos apresentados
nestes desfiles. Este espaço de teatralidade para efeito da
recepção é um espaço reconhecido como espaço ficcional,
planejado, projetado e intencional para exercer uma
encenação. Com relação ao espaço, Amorim (2007) destaca:
Ferrara (2010) nos afirma, que estes espaços
ultrapassam a inércia do espaço como suporte, vão alem,
superam a sua materialidade física e se desdobram em
associações múltiplas de choques perceptivos, de se ver alem
do espaço físico, ou seja, é um espaço de manifestação do
autor/emissor que é identificado e percebido pelo
receptor/espectador como um espaço que se manifesta como
Seja lá qual for o espaço físico escolhido para o
desfile – um salão convencional, o canteiro de
obras de um túnel ou uma movimentada
avenida urbana – ele sempre será formado
pelos mesmos elementos básicos da ação
ênica: a passarela, que é o local onde acontece
a cena, o local onde se acomodam os
espectadores e uma intensa comunicação entre
os dois espaços (AMORIM, 2007, p. 39).
55Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
estímulo, um experiência sensível, passível de conhecimento.
Esta espacialidade construída pela cenografia e pelas
performances artísticas no desfile contemporâneo, ao
refletirem o universo narrado com característica da cultura e da
época de uma determinada sociedade desde sua origem, como
vimos, são ambientes que envolvem o receptor no desfile de
moda contemporâneo. Segundo as reflexões de Zumthor
(2007), a performance por se caracterizar como uma prática
vivida que rege
simultaneamente o tempo, o lugar, a
finalidade da transmissão, a ação do locutor
e, em ampla medida, a resposta do público –
importam para a comunicação tanto ou
ainda mais do que as regras textuais postas
na obra na sequencia das frases: destas,
e las engendram o con tex to rea l e
d e t e r m i n a m f i n a l m e n t e o a l c a n c e
(ZUMTHOR, 2007, p. 30)
Essa noção de performance e de espacialidades nos
levam a observar a forma global do discurso e como isso se dá
no âmbito de sua leitura. Ler na visão Zumthor (2007, 33),
requer hábitos receptivos que envolvem fisicamente e
psiquicamente o receptor, assim como está ligado ao ambiente,
56Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
ao espaço, e ler não importa o que ou que posição, “os ritmos
sanguíneos são afetados”.
Observamos nestes desfiles de Viktor & Rolf, McQueen e
Margiela que o design resultante da cenografia e da
performance, são apreensíveis pelos receptores como espaços
de visualidade e comunicação, como nos propõe Ferrara
(2007). Estes espaços são, portanto, discursos que procuram
propiciar novas possibilidades interativas, que desestruturam
padrões anteriormente consolidados, como espaços de
representação linear, próprio da cultura moderna e ordenada. A
percepção “varia de individuo para individuo e compreende o
processo pelo qual as pessoas selecionam, organizam e
interpretam informações para formar imagem significativa do
mundo” (MIRANDA, 2007, p. 68).
O desfile de moda enquanto espaço gerador de
visualidade amplia as possibilidades, pois proporções e
centralidade são agora substituídos por irregularidades onde os
elementos como a luz, a modelo, o som, o movimento podem
criar. Não existe mais um ponto de vista do observador, mas
outros planos se confrontam, gerando irregularidades que é
dado pela linguagem da collagem, das justaposições que
desmontam o conceito de espaço racional e ordenado dado na
modernidade.
Sendo a performance uma linguagem de interação, ação
e relação, o desfile ao articular com essa linguagem artística e
57Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
toda a materialidade que integra o espetáculo, produz uma
leitura de complexidade significativa, pois, muitas vezes estes
objetos não aludem a uma representação mimética, e podem
ter outras significações. Nessa reconstrução, ou montagem dos
designers, geralmente vão se justapor imagens diversas da
realidade cotidiana, criando novas funções e utilizações para o
objeto, além daquela inicialmente definida nos desfiles
tradicionais. Ao investir a roupa de conceitos, sua função
primordial do vestir adquire outros sentidos.
O desfile passa a ser um evento de significação
simbólica, onde a performance e a cenografia (unidades
construtivas), comunicam e compartilham emoções e
sentimentos.
Cenas que emolduram uma experiência que é
humana por excelência e, lá dentro,
participando da estrutura ou do desfecho
narrativo, os bens de consumo absorvem – com
maior ou menor grau de fragmentação ou
diversidade – partes destes significados
(ROCHA; BARROS, 2008, p. 200).
Estes desfiles enquanto experiências performáticas se
constroem por meio de uma dinâmica em que espaço e tempo
superam a seqüência lógica e cronométrica que determinam
58Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
valores de funcionalidade e localização dada pela
modernidade. Ao dialogar com os elementos, som, luz, modelos
e performance, expandem-se em uma visualidade que supera o
ordenamento dos desfiles tradicionais e constituem-se como
uma nova formação (Bourriaud, 2009), de organização móvel,
onde cada elemento tem seu ritmo e significado.
Desta maneira, compreende-se que o desfile de moda
pode por meio de um discurso que envolve cenários
apropriados, uma linguagem poética, um ritual performático,
que assumi múltiplas combinações de percepções. 15Podemos pensar que o design do desfile, assim como
um objeto qualquer (pensado, criado e projetado) propicia um
discurso que leva o receptor a percepção de sensações e
emoções que se tecem na visualidade dada pela espacialidade
que promove experiências que envolvem o expectador, o
performer e o criador. Estes se materializam por meio de uma
estrutura que envolve iluminação, passarelas, música,
59
15 Design segundo Coelho (2008, p. 187-188), deriva do inglês design e em latim de designo. “Possui os sentidos de designar, indicar, representar, marcar, ordenar, dispor, regular; pode significar invento, PLANEJAMENTO, PROJETO, CONFIGURAÇÃO.” Tem um caráter abrangente e interdisciplinar e é essencialmente uma práxis com uma finalidade específica. Leva em consideração o desenvolvimento de um projeto, a produtividade, questões de uso, função, produção, mercado, utilidade, qualidade e estética, equacionando “fatores sociais, culturais, antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos”. É um campo de “caráter técnico cientifico, criativo e artístico, que se ocupam em organizar, classificar, planejar, conceber, projetar, configurar, sistemas de INFORMAÇÃO, objetos bidimensionais (gráficos), tridimensionais (volumétricos), virtuais, ambientes ou espaços”.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
16modelos, cenografia, stylists , maquiadores, produtores,
diretores, entre outros, criando um ambiente que inaugura uma
nova modalidade para a apreciação e a sensação de conforto
emocional. Os desfiles mobilizam as conotações afetivas e 17fetichistas , por meio de promessas sedutoras e de sensações
novas. O princípio fetichista da mercadoria se dá no espetáculo
que engendra o desfile como instrumento, como espaço de
comunicação, despertando sensações e emoções.
Os desfiles dos designers Viktor & Rolf, Alexander
McQueen e Martin Margiela, observados na pesquisa
permitem, por meio de uma linguagem carregada de
significações, falar com seu espectador/observador em
interlocuções que se dão por meio de uma ação performática.
Trazem um discurso que acoplado à linguagem da arte e do
espetáculo teatral (pois valem-se dos artifícios cênicos), levam
ao questionamento do sentido funcional e comercial da moda.
60
16O termo stylist é uma apropriação da língua inglesa e segundo Roncoleta (2008) é usado no “meio profissional de moda para designar o profissional responsável pela construção e conceito da imagem”. Ainda segundo Sabino (2007 apud RONCOLETA, 2008, p. 92), “interfere na atitude das modelos, opina sobre cenário, trilha sonora e edita looks”.17O fetiche no mundo das mercadorias se dá por uma relação obsessiva das pessoas com as mercadorias. Neste sentido, Denis (1998, p. 24) afirma que “o fetiche funciona ao mesmo tempo como atribuição de valores subjetivos ao objeto e como apropriação de valores subjetivos representados pelo objeto (ou nele embutidos)”. E na sua acepção mais antiga, fetiche refere-se a adoração de objetos, pois acreditava-se que estes tinham poderes sobrenaturais, mágicos, ou seja, objetos que “enfeitiçavam” seus adoradores, pois estavam imbuído de poderes espirituais. Para Marx (1988), este caráter místico das mercadorias, se dá em função das relações sociais
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Por meio de um campo simbólico, de significações, embutidos
na narrativa de seus desfiles, aparentemente propiciam mais
uma forma de sentir do que propriamente o de vestir. O que os
reúne para esse estudo, é justamente esta aproximação entre
vida e arte, dada pela linguagem da performance, “cada vez
mais elaborados e dispendiosos, comparáveis a performances
artísticas”. Crane (2011,p. 203),
Esta aproximação da arte com a vida já era uma
experiência de Duchamp, no qual englobava tudo que não era
instituído e dava valor de objetos de arte à produtos industriais e
cotidianos. Assim é a arte da performance que trata do estimulo
ao espontâneo e ao natural por meio de ritualizações dos atos
comuns, aleatórios, mas vivos.
Nos desfiles observados, esta aproximação com o real,
com o vivo, se dá por meio de um discurso que reelabora o real
por meio do design do corpo e do espaço. As ações
performáticas e suas unidades construtivas (cenográficas)
respectivamente, resultando em ações reflexivas, que
assumem vida própria, com a quebra dos formalismos ligados a
indústria da moda, que amarram os desfiles tradicionais e
61Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
de produção resultante do sistema capitalista, na qual o trabalho humano ou a “força de trabalho” é transformada em mercadoria e as relações advindas deste processo se dão em forma de troca de valores mercadológicos dos objetos. Como afirma Denis (1998), a acepção original da palavra fetiche, sai do plano sobrenatural, seu sentido original e passa na visão de Marx (1988) para o plano mundano das mercadorias, no qual atribuímos significados que não lhe são inerentes.
funcionais da moda.
A oscilação entre o material (cenografia) e o imaterial (o
conceito performático) é o que aproxima o desfile entre a vida e
a arte. São esses fragmentos (cenário – gestual) escolhidos
para dar ideia de realidade e aproximação com a vida cotidiana.
Essa narrativa, por meio de uma sequencia de 18significações daquilo que poderia vir a ser , é o que aproxima o
espectador/observador, ao associar e relacionar estes
acontecimentos a sua realidade. Os artifícios cênicos usados
nestes desfiles constituem-se por meio de um visual (as
unidades narrativas) que ao mesmo tempo, podem levar a um
estranhamento, podem levar o observador/espectador a
identificações e associações com a realidade com os estímulos
despertados e significações. Ao incorporarem atos do cotidiano,
comportamentos culturais, estes designers experienciam,
articulam e revelam uma existência e uma prática da sociedade
contemporânea, como os atos comuns do vestir, do andar,
atividades simples de comportamentos comum.
Os designers nos desfiles observados, nesta pesquisa,
62Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
18 Conforme Garcia (2007, p. 91), “ao entrar no espaço do desfile, podemos afirmar que o observador participa de um ritual da moda, pois nele a coleção inteira é apresentada por uma seqüência de programas narrativos que determinam seu começo, ápice e fim. Após enfrentar uma fila diante da entrada, deixa-se conduzir pelas recepcionistas ao seu lugar marcado e, nesse espaço imobilizado, aguça a audição para ouvir as conversas a meia voz, quase sussurros que caracterizam a tensividade da espera, enquanto acostuma os olhos à escuridão de uma sala lotada”.
apresentam diferenças entre si na sua construção ou
formatação, mas permitem apontar traços comuns nas
experimentações e nos processos e espacialidades que os
legitimam e condição necessária à apreensão sensível e
poética de seus textos.
Viktor & Rolf, são conhecidos por suas experimentações
com diversos elementos cenográficos, onde uma cena inteira
pode ser desenvolvida em relação a um objeto, como a
iluminação ou a construção da roupa (over-sized, drapeados,
excesso de camadas) ou também o próprio espaço cenográfico.
Em seu desfile, de outono-inverno de 2010/2011, 'Glamour
factory', o cenário é marcado por ícones que lembram uma
fábrica no qual os designers expõem o seu avesso, as suas
engrenagens mostram uma cena inteira que se passa com
vestir e desvestir de uma modelo, em um processo de repetição
constante, deixando o público a observar mais a ação do que o
porque desta da ação. Trabalham com a sobreposição, onde a
modelo é envolta por camadas de roupas como se fosse um
casulo. Esta ação do vestir nesta proposta dos designers
sobrepõe qualquer evidência em relação ao produto, apesar
dos designers mostrarem com certa ironia e até humor, as
várias possibilidades de utilização da roupa (Figura 5 e 6).
63
Figura 5: Modelo após ser vestida com mais de 35 looks – Viktor & Rolf – “Glamour Factory”Fonte: <http://www.i-d-j.com/2011/01/viktor-rolf-are-they-worth-it/#.
19 «Acreditamos que a costura deve ser um campo de experimentação. É um laboratório em nossa dedicação absoluta à moda” (tradução nossa). D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . i n d e x m a g a z i n e . c o m / interviews/viktor_and_rolf.shtml>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Em entrevista a Index Magazine (2005), Viktor disse, “we
believe that couture should be a field for experimentation. It is a 19laboratory in our absolute dedication to fashion” . Os designers
já expressavam esse desprezo pelo mundo glamouroso da
indústria da moda dando ênfase as experimentações.
Alexander McQueen com o desfile “Voss”, primavera de
2001, criou um espetáculo a partir dos elementos cenográficos,
ao colocar uma caixa de espelho no palco (Figura 7), e criar um
visual entre o que é velado e o que é revelado, particularizando
cada ato da narrativa que está sendo criado naquele momento
pela performance das modelos e dos próprios participantes,
tudo interligado por meio das ações, tempo e espaço. Esse
conjunto de relações entre a realidade percebida e as ações
construídas pela performance, é que dá verossimilhança a
descrição do espetáculo.
O desfile se caracterizou como uma mostra, uma
exposição de algo a ser visto, e colocar uma caixa fechada, no
qual as modelos só eram vistas a partir de uma iluminação
adequada, o designer desconstruiu o conceito de dar
visibilidade ao produto e deixa vestígios que permitem
reconstruir as significações por meio da totalidade. Alterou a
ideia de passarela e de padrão, principalmente de beleza, ao ter
como centro um corpo que estava distante da estética
contemporânea das modelos. Este desfile foi construído com
vários fragmentos que dialogavam, e mesmo não havendo uma
aparente unidade visual desses elementos, o desfile resultou de
64
Figura 6: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://fashion.telegraph.co.uk/article/TMG7391481/Viktor-and-Rolf-autumnwinter -201011-collection.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
uma conjugação das diversas linguagens. Como observa
Cohen (2011), esta performance ao somar elementos como a
música, a dança, a poesia, a iluminação, o cenário, e o público,
compõe um espetáculo que vai além da linguagem teatral e se
alia a uma exploração de processos estéticos, como a fusão de
linguagens que mostra-se na ação.
A modelo no desfile de McQueen, usando águias
empalhadas sobre a cabeça (Figura 8) e a modelo no centro
(Figura 11), criou um visual que não se conforma com a
realidade. É uma justaposição de imagens que originalmente
não se aproximam, há uma alteração das propriedades
originais dos objetos e o observador passa por múltiplas
percepções, pois é uma costura de situações, onde o discurso
se constrói e se revela por múltiplas oposições, de posturas e
gestos reservados ou afetados, pelo direito e pelo avesso, pelo
grotesco e pelo disforme.
Margiela no desfile primavera verão 2009 (Figura 9 e 10)
em comemoração aos 20 anos da marca, na Paris Fashion
Week, evidencia uma imagem emblemática ao colocar suas
modelos na passarela com enormes cabeleiras como um
padrão de representação corporal ao mesmo tempo em que
transforma ou mascara este corpo de forma a ocultá-lo
enquanto finito, enquanto sujeito. Neste sentido, Villaça (2010),
observa que:
A compreensão do sujeito como da
65
Figura 7: Cubo com modelos – Alexander McQueen – “Voss”Fonte: <http://macheriedior.blogspot.com.br/2011/06/voss-alexander-mcqueen-spring- 2001.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
representação, senhor da matéria corporal, objeto da medicina e da biologia, entrou em crise na virada do século XIX para o XX, quando a visão do corpo se abriu às ciências humanas que o revelaram trabalhado pelo inconsciente, pela sexualidade, pela linguagem, atravessado pelo imaginário, pelo fantasmático e também construído pelo social, como produto de valores e crenças culturais (VILLAÇA, 2010, p. 163)
Ao esconder o rosto da modelo com enormes cabeleiras,
a figura feminina é distorcida ao encobrir seu rosto, remetendo
ao aspecto de coisa, pois, ao perderem suas expressões
faciais, perdem sua identidade, deixam de expressar sua
individualidade, como se formassem uma massa homogênea e
uniforme. Há uma dificuldade em separar, o que é sujeito, o que
é o objeto, ao serem exibidos na passarela uma serie de
modelos sem identidade.
Percebe-se também uma justaposição, onde o designer
a partir destes arranjos, busca uma nova ordem para a
harmonização do seu discurso, cria-se nova utilização dos
objetos, como as meias e os cabelos que recobrem o rosto da
modelo. Associa objetos que não podem ocorrer
simultaneamente, há uma livre associação, solta, um
deslocamento sem preocupação estilística.
A passarela passa a exibir modelos em serie, com
interferências que quebram a sequencia natural do desfile,
66
Figura 8: Modelo com águias empalhadas suspensas sobre a cabeça da modeloFonte: <http://macheriedior.blogspot.com.br/2011/06/voss-alexander-mcqueen-spring- 2001.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
buscando uma nova ordem para a harmonização do seu
discurso, cria-se nova utilização dos objetos, como as meias e
os cabelos que recobrem o rosto da modelo, e a entrada de
manequins empurradas sobre um carrinho (Figura 9 e 10).
A partir desta ação, o designer expõe a confusão de
limites entre o corpo e o objeto e revela segundo Fiorin (2008, p.
146), “um caráter lutador e ativo, que participa dos
entrechoques da arena da realidade, para transformá-la”. Este
apelo ao grotesco também pode ser observado no desfile de
Alexander McQueen, primavera verão 2001, no qual a não
conformidade é representada pela sobreposição de objetos
estranhos fora do contexto como os lenços e os objetos que
recobrem a cabeça da modelo (Figura 11). Também
observamos esta não conformidade, na modelo central,
reclinada com mascara e tubos, uma imagem de um corpo
contaminado que exacerba a ideia de coisa (objeto).
A partir dos três exemplos de desfiles, dos designers
Victor & Rolf, McQueen e Margiela, observamos traços que
permitem caracterizar estes espetáculos como performance.
pode-se considerar a performance como uma forma de teatro por esta ser, antes de tudo, uma expressão cênica e dramática – por mais plástico ou não-intencional ou seja o modo pelo qual a performance é constituída, sempre algo estará sendo apresentado, ao vivo, para um determinado público, com alguma 'coisa' significando (no sentido de
67
Figura 9: Desfile Martin Margiela – 2009Fonte: <http://perseverancadoproposito.blogspot.com.br/2008_09_01_ archive.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
signos); mesmo que essa 'coisa' seja um objeto ou animal (COHEN, 2011, p. 56)
São desfiles que colocam em evidência noções de
identificação, rupturas de fronteiras entre o que é real e irreal e
noções de espaço enquanto espacialidades comunicantes, nas
quais existe a construção de imaginários, onde tudo significa e
desperta novas maneiras de percepção. Os atos criativos,
mesmo em sua abstração, ou livre associação, há também a
incorporação dos atos comuns, do vestir, do caminhar e
rodopiar, mas estes desfiles tiram, rompem com a estética
tradicional e glamourosa da moda reforçando a ideia de
aproximação com a arte e a vida.
Nestes desfiles analisados, os designers, mesmo com
propostas que retratam cenas irreais, como Margiela e
McQueen ou mais elaboradas formalmente como Viktor & Rolf,
produzem emoções e sensações, ao narrarem por justaposição
uma releitura do mundo de não hierarquias, de rupturas onde o
discurso visual é feito pelos efeitos que se realizam em cena.
Portanto um processo que mexe com a forma de recepção por
parte do espectador/receptor, levando a uma forma de cognição
menos racional e mais complexa. Comunicar na visão de
Zumthor (2007, p. 52) “não consiste somente em fazer passar
uma informação; é tentar mudar aquele a quem se dirige;
receber uma comunicação é necessariamente sofrer uma
transformação”.
68
Figura 10: Desfile Martin Margiela – 2009Fonte: <http://perseverancadoproposito.blogspot.com.br/2008_09_01_archive.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Para Cohen (2011, p. 51) “o processo de composição das
linguagens se dá por justaposição, colagem”, onde cada
elemento na cenografia tem um valor isolado e que na obra total
assumem outro valor, produzindo uma leitura de maior
complexidade. Para Cohen (2011), Collage, aqui seria uma
linguagem, e não simplesmente colagem, que inclui picagem,
seleção em uma criação. Esta linguagem é por si só lúdica e
possibilita ao criador, neste caso o designer, sua releitura de
mundo.
Estes desfiles, ao construírem seus discursos a partir de
reconstruções da realidade, onde se justapõe imagens que na
realidade cotidiana nunca estariam juntas, vão ao encontro dos
conceitos de montagem observado por Ferrara (2007) e de
collage abordada por Cohen (2011) – como no desfile de
Margiela primavera/verão 2009. Neste desfile as cabeças são
recobertas de cabelos e máscaras, dando sentido inverso ao
tronco, como se este estivesse ao contrário, contribuindo para o
abafamento ou a sufocação da silhueta. Ou no desfile
observado de Viktor & Rolf, ao criarem excessivas camadas de
roupas que recobrem a modelo, e encobrem a forma corporal.
O mesmo pode-se observar no desfile de McQueen, com
suas cabeças pássaros e a mulher reclinada com máscaras.
Estes designers recriam novas utilizações para os objetos e os
resignificam ao alterarem suas propriedades originais,
organizando encontros fortuitos como os referenciados por
Bourriaud (2009).
69
Figura 11: Modelos em performance no desfile de McQueen – “Voss”Fonte: <http://edfadiel.blogspot.com.br/2011/04/tribute-to-late-alexander-mcqueen.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Bourriaud (2009), quando faz esta discussão dos
encontros fortuitos se refere a nova maneira de ver e perceber
as práticas artísticas contemporâneas. Desta forma, ele retoma
conceitos como forma e conteúdo, para efeitos de analise de
uma obra de arte, pois segundo ele, uma obra é julgada
segundo sua forma plástica, um conceito das práticas e valores
artísticos modernistas que não cabe mais as práticas
contemporâneas.
Portanto, Bourriaud (2009, p. 30) assume o termo
“formação” para as novas maneiras de se avaliar uma obra, pois
novas dinâmicas se estabelecem e “a arte atual mostra que só
existe forma no encontro fortuito, na relação dinâmica de uma
proposição artística com outras formações, artísticas ou não” e
essa consistência só é produzida quando temos interações
humanas, por meio do dialogo que se estabelece entre a obra e
o receptor dado pelas escolhas plásticas. Para Daney (1992
apud BOURRIAUD, 2009, p. 32) “produzir uma forma é criar as
condições de uma troca”.
Segundo Bourriaud (2009), o mostrar, ver, que
representava a essência do advento do mundo imagético,
extinguiu-se na obra artística contemporânea. Na concepção
de Daney (1992 apud BOURRIAUD, 2009, p. 33), “toda forma é
um rosto que me olha”, pois a obra chama para um diálogo, é
neste diálogo entre duas realidades, a da concepção artística e
a troca do observador, nasce o encontro fortuito. Para o autor, a
singularidade ou “a homogeneidade não produz imagens, e sim
70Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
o visual”, ou seja, algo fechado e formatado.
Estas concepções de Bourriaud (2009) vão ao encontro
das reflexões de Ramos (2007), sobre visibilidade e
visualidades dos espaços, ao extrapolar uma existência visual,
permitindo se manifestar também por outros sentidos.
Apropriando destas concepções do mundo da arte e trazendo
para o campo do design, percebemos que a construção destas
“formas” se traduzem no contemporâneo como “formações”,
espaços construídos que funcionam como mediação, diálogo e
promotores de comportamentos individual ou social.
Seguindo este raciocínio observa-se que o uso das
diferentes linguagens artísticas como a “collage” Cohen (2011)
ou a “montagem” Ferrara (2007), ou a “formação” de Bourriaud
(2009), são linguagens concernentes ao conjunto de
sensorialidade do receptor, portanto na ordem da percepção
sensorial.
Ao observamos estes designers transpondo os limites do
território inerente ao mundo da moda, e dando novos sentidos a
este universo a partir de uma exibição performática,
percebemos que o que se produz é um discurso crítico dotado
de uma carga poética em relação a própria percepção de
mundo do designer. Nesse processo alquímico, chegam a
outras realidades que muitas vezes não pertencem ao
cotidiano, criando um distanciamento e uma reconstrução da
realidade. Segundo Cohen (2011, p. 63) este distanciamento
“não vai provocar uma separação entre vida (no que diz respeito
71Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
aos acontecimentos cotidianos) e arte, mas, pelo contrario, vai
possibilitar a estimulação do aparelho sensório para outras
leituras dos acontecimentos da vida” por parte do receptor.
Dessa forma, o desfile de moda se insere em um terreno
fronteiriço entre a arte e a vida. O que podemos observar nestes
desfiles é que a performance criada não apenas é uma ação
teatral de interpretação de um papel em um palco, estas criam
realidades sociais e mantém um limite marcado entre o conceito
do artista e a realidade cotidiana.
Estes desfiles trazem em comum a ruptura do universo
espetacular construído pela moda com seu discurso ensaiado,
construído, roteirizado como forma de sustentação da crença e
atratividade dada pelo consumo, ao recriarem novas situações
de percepção. São formas expressivas, significativas de
representar a vida, que recriam uma realidade, mesmo que pela
anormalidade aparente de suas apresentações, ao retratarem
novas espacialidades provocadoras e com possibilidade de
novas inserções, ou justaposições, abrem-se novas
articulações na forma de perceber a realidade e a encenação.
A performance no desfile destes designers traz também
um desvelamento ou um indício, mesmo no aparente caos, ou
das máscaras que recobrem a realidade cotidiana, observada
no processo performático de Viktor e Rolf por um excesso de
vestimenta, em Margiela pelas máscaras e perucas que
recobrem a modelo, e em McQueen pela caixa de vidro, como
se fossem enigmas a serem desvelados, num texto mesmo que
72Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
indiscernível, ressoam fragmentos que o receptor procura
encontrar sentidos, evocando novas possibilidades de reler o
mundo, outra maneira de olhar para o mundo, como uma forma
de investigação, questionamento e levantamento do véu que
encobre o mundo da moda.
O texto no desfile é uma linguagem que trabalha com
fragmentos, levando o observador a um processo de cognição
que segundo Maingueneau (apud Fiorin 2008, p. 149), “acede a
uma maneira de ser por intermédio de uma maneira de dizer”.
Esta construção privilegia a forma e a estrutura em detrimento
do conteúdo. Trabalha a ideia de obra aberta, acessível a varias
leituras, e antes de tudo uma leitura emocional, levando o
espectador muitas vezes a não entender a mensagem, mas
sentir o que se passa, portanto fazendo parte da obra.
São desfiles que trabalham com a dialética discursiva, ao
mesmo tempo que, possuem uma narrativa com estruturas
construídas que darão conta da informação, também reforçam
o rompimento com a representação ao trabalhar com o
imprevisto, trazendo mais realidade e mais vida a
apresentação.
Para Cohen (2011), quando a linguagem da collage é
usada na performance, reforça a busca da utilização de uma linguagem gerativa ao invés de uma linguagem normativa: a linguagem normativa esta associada à gramática discursiva, à fala encadeada e hierarquizada (sujeito, verbo,
73Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
objeto, orações coordenadas, orações subordinadas, etc.). Isso tanto ao nível do verbal quanto do imagético. Na medida em que ocorre a ruptura desse discurso, através da collage, que trabalha com o fragmento, entra-se num outro discurso, que tende a ser gerativo (no sentido da livre-associação) (COHEN, 2011, p. 64).
Assim, estas novas combinações por meio da linguagem
da collage com os elementos estruturais, objetos no espaço
cênico, apresentam-se como novos modos de comunicação
constituindo-se como discursos visuais que interagem
design/espaço/ação e o público/espectador. Ao mesmo tempo
em que amplia as possibilidades de criação de modelos de
comportamento, permitem ao observador/receptor fazer
diversas interpretações.
O que se observa na composição formal/espacial do
designer Martin Margiela, é a utilização de poucos elementos,
que propicia um maior envolvimento do receptor, pois “os vazios
presentes na composição abrem uma série de 'buracos' a
serem completados pela recepção”, como nos reforça
Nakagawa (2007, p. 46), e também visto nos designers Viktor &
Rolf e Alexander McQueen, ao exporem vários elementos
estruturais e tecnologias, incitam “o desenvolvimento de
diferentes capacidades relacionais, pois o estranhamento
gerado pelo uso inusitado do dispositivo rompe com uma série
de hábitos perceptivos já consolidados” (NAKAGAWA, 2007, p.
74Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
46).
Nestes espaços estão presente uma pluralidade de
sentidos, contrárias à linguagem cotidiana, pois exigem “a
intervenção de uma vontade externa, de uma sensibilidade
particular, investimento de um dinamismo pessoal para serem,
provisoriamente, fixadas ou preenchidas” como nos afirma
Zumthor (2007, p. 53) com relação ao texto poético. A
combinação destes elementos traz uma mensagem estética
que rompe e contradiz os paradigmas estabelecidos, levando o
observador/receptor a uma descoberta de vários significados
possível.
Neste sentido, as unidades ou elementos construtivos
desses desfiles pesquisados, assumem um papel importante. A
realização de um evento ação, com uma linguagem artística,
onde não só o processo está acima do produto final, mas a
própria noção de forma ou ordem informativa do discurso
propiciam novas formas de leitura, e para compreendermos
estes pólos antagônicos e ao mesmo tempo híbridos, é
necessário percorrermos os conceitos que fundamentam a
linguagem da performance e que na contemporaneidade
muitos designers se aliam, como textos visuais significativos,
que serão discutidas no capítulo 3.
75Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Capítulo 2
A Narrativa nasEspacialidades
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
2.1 A NARRATIVA COMO LINGUAGEM ARTICULADA
NOS ESPAÇOS PERFORMÁTICOS
Toda narrativa deve conter uma gramática comum, dada
por um código, ou estrutura formal que transmita algo e que está
presente em contextos de diferentes tempos, lugares ou
sociedades.
A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mis tura ordenada de todas es tas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura (recorde-se a Santa Úrsula de Carpaccio), no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação (BARTHES, 2011, p. 19).
A narrativa segundo Barthes (2011), pode ser abordada
sob uma multiplicidade de olhares, histórica, psicológica,
sociológica, estética, entre outros. Observamos que o conjunto
dos elementos cênicos em articulação com a performance, se
apresenta como um discurso de relações sensíveis que se
converte em espacialidade, viva, onde indícios aparentemente
sem sentido, revelam e acrescentam soluções visuais em
relação ao contexto. Esta situação elimina a rígida construção
77Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
78
de um texto – de forma combinatória – ao criar uma pluralidade
comunicacional. Com as livres associações é possível
“promover o encontro das imagens e fazer-nos esquecer que
elas se encontram” (COHEN, 2011, p. 64), ou seja, um discurso
visual que tende para os efeitos produzidos dado na
encenação, como um gerador de novas percepções.
A encenação não obedece as hierarquizações, podendo
se desenvolver livremente, como observado no desfile de
McQueen (Figura 12). O tempo de espera para o inicio do
desfile, desperta nos espectadores, ao se verem refletidos na
caixa de espelhos, comportamento e situações inesperadas. A
caixa espelhada, neste momento passa a ser o centro das
atenções e num outro momento inverter a proposta ao apagar
das luzes e apresentar as modelos que estão presas dentro
dela.
Nos elementos (a música, o figurino, a maquiagem, os
ornamentos, a passarela, as modelos, a iluminação, a
performance, entre outros) é possível apreender a interação
entre o discurso visual, o espaço e o público que é dado por
meio de um encadeamento ou acontecimento como se refere
Barthes (2011), onde cada ponto, ou unidade/elemento irradia-
se em várias direções, mantendo um sequencia aberta e
perturbadora que levam a várias interpretações. “A noção de
estrutura se denomina um conjunto: um todo constituído por
partes articuladas” (PINTO, 2011, p. 7).
Figura 12: Desfile de McQueen – performance das modelos na caixa espelhadaFonte: <http://vossehf.wordpress.com/2012/01/24/hello-world/>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
A combinação dos elementos em uma narrativa é
descrita por Barthes (2011), a partir da acumulação de
acontecimentos, e pode ser vista nos desfiles de moda, como
uma sucessão de ações que resultará em um discurso. Este se
dá por meio da ação criadora e artística do narrador
(autor/designer), que privilegia a forma, não havendo uma
hierarquização dos elementos como (o conceito, o local, o
cenário, a música, a iluminação, a modelo). Ao colocar estes
elementos em cena, o designer promove um encontro, ou
integração de formas variadas, ou elementos (objetos)
desconexos nos distintos espaços.
a distinção entre o conceito de espaço e sua dimensão comunicativa que se faz representar através de espacialidades e constroem signos e linguagens que se fazem presentes, sobretudo, em sistemas não v e r b a i s . E c l o d e m e m s u p o r t e s bidimensionais impressos, elétricos, eletrônicos, digitais ou tridimensionais volumétricos, estáticos, dinâmicos ou sociais constituindo o ambiente comunicativo da modernidade e da pós-modernidade (FERRARA, 2007, p. 6).
Deve-se entender o suporte como ambientes mais
complexos, como processos comunicativos sócio-culturais e
não mero suporte que comporta uma inscrição, um espaço a ser
preenchido.
79Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
80
A integração na narrativa “não se apresenta de maneira
serenamente regular, como uma bela arquitetura que
conduziria por chicanas simétricas, de uma infinidade de
elementos simples, a algumas massas complexas” (BARTHES,
2011, p. 60), como afirma o autor, mas essa integração se dá por
estes “elementos descontínuos, contínuos e heterogêneos”.
Estes elementos passam a ter significados em relação ao
contexto narrado. Um discurso se constrói a partir de uma
forma, uma materialização, por meio das justaposições. É a
união de pontos antagônicos ou como nos afirma Barthes
(2011, p. 57), “toda sequencia tem dois pólos”.
A escolha das categorias que integram o desfile (espaço
e performance) para compor esta reflexão, se estabeleceu por
sua relevância em relação ao discurso emitido pela articulação
destes elementos. Outros aspectos podem ser considerados e
incorporados, mas estes elementos aqui definidos produzem
uma estrutura combinatória suficiente para formar a mensagem
a qual se propõem.
Para Barthes (2011), a narrativa é a maneira de
engendrar um discurso (um conjunto de frases) em uma
mensagem oferecida por meio de códigos ou unidades
(estrutura, por exemplo o alfabeto), que é regido por uma
gramática e regras que os determinam em suas associações.
Os desfiles têm na narrativa, um instrumento para
exprimir a ideia, a paixão e a beleza de seus textos visuais, por
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
81
meio da espacialidade e da performance onde se encontram os
sons, imagens, texturas, cores, formas e volumes que se
apresentam em superposições e superam a linearidade,
evocando novos sentidos, mediante a interpretação por parte
dos observadores/receptores. O discurso no desfile se dá pela
formatação, distribuição e articulação dos elementos neste
espaço, e ao considerarmos este discurso como um texto
artístico, outras formas vão surgir.
Transmitir mensagens em linguagens artísticas pode
produzir certo estranhamento em sua forma de recepção,
justamente por não haver sentido em muitos dos
encadeamentos aleatórios dado pela performance. Para
Ferrara (2007, p. 36), “a operação de estranhamento que leva a
superar a visualidade imediata da simples contemplação”,
revela o interesse cognitivo e se processa como um instrumento
eficiente de fazer ver. O espaço ultrapassa a inércia de simples
suporte ou espaço físico e revela a capacidade de transmitir
mensagem através de associações imprevistas se processa no
espaço vivido. Este é o caso dos designers de moda Vicktor &
Rolf, Alexander McQueenn e Martin Margiela aqui estudados,
quando empregam em sua forma de exibição linguagens
artísticas ou um texto poético. Essa linguagem de exibição
apresenta-se não só nos elementos cênicos, mas também na
própria coleção de uma moda conceitual.
Para Rodrigues e Vandresen, (2011, p. 21), a moda
Figura 13: Modelo de corset vestida pelos designersFonte: <http://models.com/mdx/?p=2700>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
82
conceitual é “uma moda que vai além da pretensão comercial
obvia e imediatista, apresentando o objeto real (roupa) distante
do seu propósito (vestir)”. Este conceito está na estrutura dada
do desfile, construindo sentido a partir da soma dos elementos
que entram nesta narrativa, e portanto, o design da roupa só
terá significação quando integrada à espacialidade que
compõem o desfile. Neste sentido, a análise seguirá a partir do
conjunto, e da forma como estes elementos se correlacionam
na ação.
Esta estrutura nos desfiles se dá pela forma como a ação
se desenvolve. Como observado no desfile de Viktor & Rolf, a
entrada da modelo principal Kristen McMenamy vestindo
somente um corset (Figura 13 e 14) e se posicionando na
passarela de forma estática, a espera de sua construção por
meio das sobreposições das peças das outras modelos, mostra
um rompimento na sequencia funcional do encadeamento do
andar das outras modelos, que param, para serem despidas
pela ação dos designers.
A partir das considerações, cabe, portanto afirmar, que
os designers destacados nesta pesquisa, Viktor & Rolf,
Alexander McQueen e Martin Margiela, nos desfiles
selecionados, apropriam-se da linguagem da performance e da
espacialidade, para produzir uma narrativa onde cada elemento
e cada designer dá possibilidade de integração e significação
na obra, por mais absurdo ou por mais tênue que seja sua
Figura 14: Modelo Kristen McMenamy, vestida pelos designersFonte: <http://glamourboysincbeauty.blogspot.com.br/2010/09/viktor-and-rolf.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
83
ligação, como observado no desfile de Martin Margiela, em sua
sequencia de apresentação, que é rompida quando a modelo
passa a ser empurrada por um carrinho aludindo a ideia de um
objeto a ser transportado (Figura 15). Ao mesmo tempo em que
interrompe, se articula com as modelos de passarela ao mostrar
um corpo vestido com ornamentos que cobrem as modelos com
perucas e meias. Esses corpos na passarela, passam a ter
uma aparência que define a visualidade que o designer deseja
exibir. Segundo Oliveira (2008, p. 83), “a roupa não veste um
suporte vazio, o corpo”, mas um corpo que mostra e visualiza o
próprio sujeito. O corpo vem carregado de sentido e interage
com a roupa e a roupa ganha sentidos diferentes ao vestir um
corpo. O corpo vestido possibilita a aparência do sujeito e a
aparência anuncia direcionamentos da visibilidade social do
sujeito.
A partir destas considerações, discutimos as unidades
ou elementos que constituem a narrativa do desfile de moda.
Mesmo apresentando-se como parte do discurso, os elementos
não remetem a um ato fechado, mas como complemento,
relativos à atmosfera da ação, mesmo que sua ordem de
aparição no discurso não seja necessariamente pertinente, são
elementos integrativos que podem indicar ou não o
encadeamento da ação.
Como observamos o desfile de Viktor & Rolf, a modelo
Kristen McMenamy, era parte integrante da narrativa, um Figura 15: Modelo empurrada em um carrinho manualFonte: <http://www.vogue.it/en/shows/show/ss-2009-ready-to-wear/maison-martin-margiela /collection/203895>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
84
elemento implícito e necessário, pois tinha a função de
identificar e situar-se no espaço para que a ação dos designers
pudesse se processar. Esta cena passou a ter uma valorização
maior dentro do espetáculo, deixando as modelos que
adentraram a passarela como secundárias, e as vezes a
iluminação ou a música de fundo podiam passar de simples
coadjuvantes e fazer parte do centro das atenções, como
percebemos nas (Figura 16 e 17.)
No desfile de McQueen “Voss”, a composição do cenário
e dos vários elementos indicava um clima pesado, angustiante
pela própria ação das modelos presas em um box, onde não se
conhecia a ação das mesmas. A modelo tinha uma função
catalisadora de poder alterar o discurso, mesmo com seu
gestual repetitivo em função de sua performance, e ao mesmo
tempo todo espaço visual era tomado pela caixa de vidro como
elemento central que simulava um hospício (Figura 18).
No desfile de Martin Margiela, as modelos eram
elementos informativos, que remetia a uma atmosfera de
deciframento. Seus rostos cobertos por peruca distorciam sua
fisicalidade e se tornavam objetos centrais da cena a partir da
repetição destes elementos dispostos sobre a modelo,
colocando design da roupa inserido na situação (Figura 19).
Para Cohen (2011) a eliminação de uma cena mais
concreta na performance, como por exemplo um início, meio e
fim, ou com elementos não organizados ou que aparentemente
Figura 16: Viktor & Rolf e a modelo Kristen McMenamy em destaque na passarela.Fonte: <http://glamourboysincbeauty.blogspot.com.br/2010/09/viktor-and-rolf.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
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Figura 17: Performance de Viktor & Rolf vestindo a modelo Kristen McMenamyFonte: http://neutradesign.wordpress.com/2010/03/17/glamour-factory-by-
não produzem sentido, não impede sua carga dramática.
A eliminação de um discurso mais racional e a utilização mais elaborada de signos fazem com que o espetáculo de performance tenha uma leitura que é antes de tudo uma leitura emocional. Muitas vezes o espectador não “entende” (porque a missão é cifrada) mas “sente” o que está acontecendo (COHEN 2011, p. 66).
Nos três desfiles percebemos (o corpo) a modelo, como
parte de uma ação discursiva, servindo para dar autenticidade
àquela realidade. A presença do corpo da modelo, nestes
desfiles, é um fragmento da ação que tomou significações
diferentes, ao identificar, remeter a situações diversas,
elemento necessário dentro daquele encadeamento específico,
que fogem dos padrões e significações normais. O corpo no
desfile e sua aparência produzem relações que se abrem a
significações, onde o produzido surpreende e desconcerta por
inovar, criando novos sentidos e significações. A modelo é quem
desenvolve a narrativa que compreende toda uma série lógica
de ações, mas toda sequencia comporta, segundo Barthes
(2011), momentos de riscos, pois em cada ação destas modelos
como o caminhar, o girar, e o cambalear apresentam uma
aparente liberdade. O desfile ao articular elementos como os
que recobrem o corpo em sua narrativa, e se apropriar da
linguagem artística da performance, rompe com padrões
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
estabelecidos e fechados ao colocar o corpo vestido como
instrumento do improviso.
A performance atua como uma ação transformadora,
uma metamorfose das mudanças estruturais da relação do
corpo com a roupa. A utilização do corpo do artista, como centro
das experiências performáticas e como meio da expressão
artística, é evidentemente diferente do que ocorre na
performance de um desfile, como ressalta Agra (2011), com a
ação corporal da modelo, que segundo o autor, estaria mais
próxima do ator e não de um performer e portanto, seria mais 20um suporte e não meio de expressão . Mas nos desfiles
ressaltados, a modelo assume uma questão poética e uma
conjugação com o objeto de design que é a roupa. Com sua
materialidade e forma a roupa no corpo tem amplitude,
propriedade e dialoga com a espacialidade.
Desta forma, podemos dizer que o desfile de moda
86
Figura 18: Modelo em performance no box espelhadoFonte: <http://www.flickr.com/photos/65722032@N08/6030589515/sizes/m/in/ photostream/>.
20 É importante ressaltar esta classificação entre ator, aquele que representa, na dramaturgia convencional do teatro (representação) e performer (apresentação) aquele que assume-se enquanto transformador em uma ação, pois o desfile de moda ao associar-se da linguagem da performance, aproxima-se mais da dramaturgia teatral, mas que não descarta sua aproximação com a linguagem artística da performance. Pois é nas diversas possibilidades de ação e articulação que vão constituir a narrativa do desfile, que se configura a transformação estrutural e refundadora, de uma nova linguagem, um novo discurso, com novas significações, ou melhor, como nos afirma “a mudança estrutural da metamorfose” (AGRA, 2011, p. 134).
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
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Figura 19: Sequencia de modelos em performance – Martin MargielaFonte: <http://www.vogue.co.uk/news/2008/10/30/martin-margiela-launches-pre-collection>.
constrói uma narrativa com a apresentação performática
realizada por modelos, em que roupas e acessórios são
mostrados a um público, com local, data e hora pré-fixados
(duração média de trinta minutos), e que estas fazem parte de
sua estrutura formal, assim como o local, assentos, passarela,
modelos, iluminação e, geralmente, é animado por uma trilha
sonora gravada, ou ao vivo, como afirma Garcia (2007).
O Desfile apresenta uma coleção de roupas criadas por
um designer para compradores, espectadores e jornalistas;
caracteriza-se por uma mostra única, que jamais poderá ser
repetida em sua forma exclusiva, pois, para a autora, “ao entrar
no espaço de um desfile, pode-se afirmar que o observador
participa de um ritual da moda, pois nele a coleção é
apresentada por uma sequência de programas narrativos que
determinam seu começo, ápice e fim” (GARCIA, 2007, p. 91).
De acordo com esta afirmação da autora podemos observa que
os discursos gerados por cada elemento destes programas
narrativos terão uma significação conforme sua participação e
integração no espetáculo de exibição. Portanto para
entendermos estes programas narrativos a que Garcia (2007)
nos descreve, devemos observar como os elementos se
comportam em ralação ao discurso nos três desfiles analisados.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
2.2 A CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS DE VIKTOR &
ROLF, ALEXANDER MCQUEEN E MARTIN MARGIELA
A ascensão e a proeminência de designers que surgiram
na década 1990, como Viktor & Rolf, Alexander McQueen e
Martin Margiela, desafiaram os limites da moda e encorajaram
uma abordagem experimental para o design de moda.
A análise destes desfiles se caracteriza por conferirem
visibilidade à realidade por meio de uma linguagem artística, a
performance. Nos processos de construção discursiva,
reconhecemos o modo como são construídas as relações entre
sujeitos e objetos e como por meio da percepção,
transformações são construídas. O desfile é um instrumento do
qual favorece o desenvolvimento do olhar, e de acordo com
Buoro (2003), na medida em que é capaz de analisar uma
imagem, opera transformação e reconstrói sentidos. Para isto, o 21desfile, se apresenta como um texto significante , onde o leitor
deve perceber as articulações que resultam dos elementos
dispostos no espaço de modo que sua significação seja
construída.
88
21 Para Buoro (2003, p. 131), o texto “é um universo organizado, coerente, demarcado, constituído de elementos que se relacionam entre si”. Ele tem uma estrutura que lhe dá sentido em sua globalidade, onde as partes tecem uma totalidade.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
2.2.1 Viktor & Rolf
A coleção de outono-inverno de 2010/2011 da dupla
holandesa Viktor Horsting & Rolf Snoeren, mostrada em 6 de
março, em Paris, 'Glamour factory', trouxe um cenário que
lembrava uma fábrica nos moldes do início da Revolução
Industrial (Figura 20). Com símbolos que remetiam as
engrenagens de uma grande máquina, os designers eram a
peça chave desta grande fábrica e seu processo produtivo, que
iam construindo, montando a modelo.
A modelo Kristen McMenamy entrou somente com um
corset e sustentou cerca de 30 looks que eram sobrepostos
pelos designers, ficando estática por 20 minutos sobre a
passarela, causando um efeito de construção e desconstrução,
pois logo após a sobreposição das camadas, os designers
desconstruíam estas camadas superpostas sobre a modelo e
vestiam outras modelos que entravam novamente na passarela
(Figura 21).
O cenário foi desenvolvido pelo design holandês-belga
Nynke , composto por uma série de objetos de
marchetaria que tinha como título “indústria”, envolvia um
Tynagel
89
22 Fabrica do glamour, tradução nossa.
Figura 20: Passarela do desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://aguarras.com.br/tag/moda/>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
90
Figura 21: O vestir e desvestir das modelos na performance de Viktor & RolfFonte: <http://fashion.telegraph.co.uk/article/TMG7391481/Viktor-and-Rolf-autumnwinter-201011-collection.html>.
espaço de 1.000m2, recoberto por adesivos com imitação em
preto e branco de chaves, martelos, engrenagens, rodas,
porcas e parafusos, como indicação de uma fábrica (Figura 22).
No centro da passarela uma plataforma giratória, onde a
modelo Kristen era vestida e “desvestida”. A dupla de designers
trabalhava habilmente em tempo sincronizado, para vestir e
desvestir as modelos, em uma rotina cronometrada lembrando
a produção seriada e a grande teoria de Taylor dos tempos e
movimentos. Neste desfile os designers fizeram uma crítica a
produção de massa e de maneira indireta da sociedade do
consumo (Figura 23).
O modelo gráfico do convite desenvolvido pelo Jo Studio
com um selo de Viktor & Rolf, trouxe elementos que se
relacionaram com a temática. Uma engrenagem, ou uma
imagem que recriou a realidade representada pelo espetáculo
através de outro ponto de vista, por meio de imagens gráficas
(Figura 24).
ViKtor & Rolf vestindo e tirando a peça sobre as modelos,
atuaram como atores e agentes transformadores da realidade.
Ao sobrepor, justapor camadas de roupas criaram paradoxos
visuais que não se enquadram com o cotidiano do vestir. Ao
mesmo tempo em que criticaram a indústria da produção em
massa, criaram uma presença visual que transformava a
silhueta com a repetida ação do vestir e desvestir. Um discurso
que rompe com a representação e reforçam as características
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
91
Figura 22: Plataforma giratóriaFonte: <http://www.designboom.com/weblog/cat/8/view/9428/studio-job-scenography- for-viktor-rolfs-glamour-factory.html>.
da performance, do aqui e agora, do tempo real, daquilo que
está acontecendo no momento.
Este tipo de ação é o que Cohen (2011, p. 66), chama 23“what para how” ou pela terminologia de “real time”, ou o tempo
de palco, sem a preocupação com a representação (COHEN,
2011, p. 67). Estas repetições em um determinado momento
irão fazer com que o espectador/receptor, observe e preste
mais atenção àquilo que está sendo feito e não o porquê de uma
ação. De acordo com Cohen (2011), isto reforça a ação e não a
representação, porque eles (designers) estão atuando em
tempo real, o que traz mais realidade para cena e se trabalha
com o imprevisto. Estas ações os colocam também no limiar
fronteiriço entre a arte e a moda.
O corpo no desfile (modelos) como na performance
(performer) é um instrumento de comunicação, mas no desfile é
um elemento (suporte) mediador, que está mais ligado ao ator
do que ao performer de uma ação artística. As performances de
passarela em geral, devem mais ao teatro que a “arte
performática”, apesar de alguns designers, como os citados,
trabalharem com uma linguagem mais estética. A arte da
performance, propõe uma dimensão reflexiva a partir de suas
23 Para Cohen (2011, p. 66), “do que para o como”, essa interrupção do discurso narrativo é dado quando o interesse do receptor, está na naquilo que está sendo feito e a história passa a não interessar mais. Para o autor, esta ação reforça “o instante e rompe com a representação”.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
92
Figura 23: Modelo McMenamy no desfile “Glamour Factory”, após ser vestida pelos designers Viktor e RolfFonte: <http://aguarras.com.br/tag/moda/>.
desconstruções do convencional, está implícito em muitos
designers, como observado nos desfiles McQueen e Margiela,
ao utilizarem elementos desconcertantes e reflexivos estão
transmitindo uma informação, uma releitura de uma série de
informações sob outra ótica de observação.
O confronto do designer experimental, assim como do
performer com seu público quando experienciam algo não
usual, pode resultar em uma não intelecção por parte do público
não habituado e preparado para tal ação, mas por outro lado,
provoca emissão de mensagens subliminares e ocasiona uma
nova maneira de interpretação. Cohen (2011, p. 74) afirma que
este tipo de discurso, “reforça a idéia de obra aberta, com o texto
funcionando como matriz de um conjunto de possibilidades”.
Para Buoro (2003), a leitura de uma obra está no percurso que o
leitor faz desta obra, e é por meio destes caminhos que
emergem e surgem as significações.
O espetáculo vai sendo montado passo a passo, uma
forma de construção que privilegia a sua forma em detrimento
do conteúdo, dando-lhe o sentido de um discurso menos
racional e uma leitura mais emocional, onde o
receptor/espectador, pode até não entender, mas sentir. Essa
dimensão do aqui e agora, presente na performance, é dado
pelos designers que reforçam a tarefa da repetição no palco ao
vestirem inúmeras vezes a modelo. Esta é uma habilidade dos
designers, e não uma representação. Eles trabalharam em cima
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
93
Figura 24: Convite do desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://republicofchic.blogspot.com/2011/01/really-creative-fashion-week.html>.
do que Cohen (2011) denomina de “real time”. São atos
simbólicos, mas uma atuação em tempo real no qual o designer
e a própria modelo, trazem mais realidade a apresentação na
medida em que trabalham com o imprevisto.
Com relação ao espaço e tempo real, percebeu-se no
desfile como um momento que rompe com a representação e
reforça o instante. Nesta estreita passagem, neste limite tênue
entre a representação e o instante, está o improviso, a
espontaneidade. Para Cohen (2011, p. 97) “à medida que se
quebra com a representação, com a ficção, abre-se espaço
para o imprevisto, e portanto para o vivo, pois a vida é sinônimo
de imprevisto, de risco”.
A performance artística está muito mais na acentuação
do instante, do momento da ação. O desfile ao se aproximar do
teatro, está na representação, mas muitos destes espetáculos,
como os desfiles aqui analisados, estão no limite entre a
representação e a ação, pois ao valorizarem o instante estão
convivendo nesta ambivalência entre tempo/espaço real e
tempo/espaço ficcional (COHEN, 2011).
2.2.2 Alexander McQueen
O designer Alexander McQueen, foi educado no colégio
Central Saint Martin de Arte e Design e conhecido como o jovem
designer rebelde de 1990. Suas exibições geralmente têm início
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
94
e fim e estão fortemente vinculadas ao drama teatral, com
temáticas extravagantes. Suas apresentações se caracterizam
por transformar o cotidiano em performances mais radicais ao
exibir mulheres com conotações agressivas e as vezes até
decadentes, apresentando uma estética surreal (Figura 25).
O discurso da performance, segundo Cohen (2011) é um
discurso radical, pois é um discurso de embate que se insurge
contra um momento, contra uma sociedade, e estes desfiles,
estabelecem uma linguagem de resistência aos padrões
estipulados e convencionados, ao divergir e quebrar o instituído
em suas experimentações.
Em seu desfile de 2001, coleção primavera/verão,
intitulada “Voss”, Alexander McQueen, apresentou um cubo de
vidro, exibindo uma modelo (Michelle Olley) nua reclinada em
um sofá, respirando através de um tubo. O show demorou a
começar de maneira proposital, forçando o público a olhar para
si mesmos, por meio de seus reflexos propiciados pelo cubo
espelhado. Uma situação de constrangimento e estranhamento
se perpetuou no espaço de exibição. Quando a luz era acesa
por fora da caixa espelhada a plateia não conseguia ver seu
conteúdo, e quando ao contrário, a luz acesa no interior da
caixa, os convidados viam claramente. No final a caixa se abriu,
estilhaçando o vidro e centenas de mariposas foram liberadas
(Figura 26 e 27).
O cenário foi elaborado pela produtora Gainsbury and
Figura 25: As modelos encerradas em Box de vidro durante a performance do desfile de McQueen primavera/verão 2001Fonte: <http://ffw.com.br/noticias/tag/sam-gainsbury/>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
95
Figura 26: A modelo Michelle Olley, quando o cubo se quebra no final do desfileFonte: <http://www.flickr.com/photos/65722032@N08/6030596113/sizes/m/in/ photostream/>.
Whiting, reconhecida por produzir desfiles, eventos, entre
outros no mundo da moda, e confere um visual de
aprisionamento causado pelas paredes de vidro da caixa na
qual as modelos estavam encerradas, fechadas (Figura 28).
Estes espaços de exibição performáticos remetem as
performances artísticas dos anos 1980. Para Santaella (2003),
os anos 1980 se caracterizam como um período histórico da
body art, pois o corpo não é só mais um instrumento ou espaço,
pano de fundo para as ações, como também agora intensifica-
se o eu como auto-imagem, apropriando-se de fotografias, do
vídeo, do teatro, da dança e da música em espetáculos de
grande escala, apropriando-se de linguagens culturais do
passado e dos novos ícones da cultura de massa.
É um período no qual o discurso visual da arte sofre as
influências do pós-moderno e conforme Jones (2000 apud
SANTAELLA, 2003, p. 264) com referência ao corpo do artista,
“a mercantilização dos corpos e dos egos própria do
pancapitalismo, a estratégia de muitos artistas foi a de exagerar,
de maneira parodística e potencialmente crítica, os simulacros
do eu e do corpo em um mundo artístico reificado”. Ou seja, é
um momento no qual o artista torna visível tudo aquilo que a
sociedade tenta esconder. Um corpo que adoece, envelhece,
sofre e que se deforma como observados nos elementos em
cena, enfatizada pela modelo nua, onde não só ela representa
como veicula a própria imagem física, ela se mostra como é, e
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
96
Figura 27: Modelos em gestos desesperados de aprisionamento na performance de McQueenFonte: <http://bohemenoir.blogspot.com/2011/08/insane-beauty-detailed-complete. html>.
reforça a quebra da representação.
Esta referencia da modelo Michelle Olley com uma
presença corpulenta ao centro (Figura 28) remete aos trabalhos
de Joel Peter Witkin (Figura 29), ao colocar de forma explicita
um corpo que difere dos padrões e da harmonia formal da
beleza contemporânea. Característica do trabalho de Peter, no
qual o artista usa em suas composições diferentes tipos de
pessoas, retratando pessoas com deficiências sob um ponto de
vista no qual a dor, a morte e os prazeres da vida fazem parte da
cena.
A forma como estes espetáculos se constroem, são
apoiados no mise em scène como nos afirma Cohen (2011),
onde o discurso é dado por todos os elementos que dão forma a
cena. Onde os atores (no caso aqui as modelos), palavras,
sons, cenário, iluminação são partes de um todo. E neste
sentido, a modelo ao fundo, é um quadro vivo que “transita” pela
cena, onde ao mesmo tempo em que representa a figura
degenerada, ela atua aqui e agora.
A forma de construção do espetáculo, apoiada na mise em scène e no imagético, faz com que o processo de construção seja gestáltico. Gestalt é forma, configuração. A performance remonta ao teatro formalista. O processo de criação geralmente se inicia pela forma e não pelo conteúdo, pelo significante para se chegar ao significado (COHEN, 2011, p. 106).
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Outro aspecto deste desfile que podemos enfatizar e que
Svendesen (2010, p. 123) acrescenta, é que Alexander
McQueen, “encenou uma reflexão interessante sobre a
objetivação na moda”. O desfile demorou bastante a começar
de forma intencional para que as pessoas sentadas ao redor de
uma caixa de espelhos passassem mais tempo observando
seus reflexos nos espelhos. Era uma plateia composta por
jornalistas de moda, editoras de grandes revistas e que
trabalham ou escrevem sobre a maneira ou aparência que os
outros devem ter. Para o autor, “os observadores tiveram de se
auto-objetivar” (SVENDESEN, 2010, p. 123).
Esta ação revelada no desfile pela espera do espetáculo,
afetando o espectador ao ver sua imagem refletida, também
remete ou é um anuncio do que está por vir. Ao mesmo tempo
em que causa certo incômodo, causa uma expectativa que
consolida um vínculo entre o espectador/receptor do que será
apresentado.
Este processo apreensivo da espera mobiliza o público
emocionalmente criando uma relação de proximidade como
afirma Glusberg (2009), pois todo discurso produz efeitos no
espectador/receptor. Ao termos o corpo dotado e constituído
por signos (expressões, movimentos, comportamentos) estes
se manifestam como verdadeiras linguagens que informam,
estimulam e afetam o receptor em qualquer processo
comunicacional, pois:
97
Figura 28: Modelo Michelle Olley, em pose semelhante a arte de Joel PeterFonte: <http://hapsical.blogspot.com/2010/02/towering-genius-of-alexander-mcqueen. html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
98
Figura 29: Joel-Peter-Witkin/1983-SanitariumFonte: <http://www.fullhaus.com.br/as-fotografias-sombrias-e-polemicas-de-joel-peter-witkin/1983-sanitarium/>.
todo processo comunicacional à nível corporal inclui pressupostos – os códigos culturais compartilhados”, o que irá afetá-lo emocionalmente, pois mobiliza significados e “conteúdos inconscientes do espectador, alterando a forma normal ou convencional de apreensão deste tipo de expressão (GLUSBERG, 2009, p. 98).
Mesmo recorrendo a manifestações naturais, o corpo
emite discursos que podem provocar distintas provocações,
pois “o corpo humano é em si mesmo a base fundamental de
todo ato de significação e comunicação” (GLUSBERG, 2009, p.
102).
A referência de McQueen no suspense “The birds”
(1963) de Hitchcock, seus personagens tinham uma aparência
na qual mesclava-se um certo realismo, glamour e suspense.
Elementos que aqui aparecem justapostos, na cabeça da
modelo, expressando vivacidade e suspense. Os pássaros é
um tema recorrente no trabalho do designer, e sua construção
ordenada no alto da cabeça recoberta da modelo, diverge dos
elementos usados pelo designer, como a aparência
desconstruída das modelos que perambulam pelo espaço e
toda a atmosfera proposta de justaposição de imagens de
universos distintos como o cinema, arte e a moda.
Esta espacialidade que se organiza neste desfile
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
99
oferecida por meio destes deslocamentos dos conceitos
tradicionais, no qual aproxima diferentes elementos que vão se
justapor para construir significados como os pássaros na
cabeça da modelo, é na visão de Eva (2007, p. 62), quando
discute o design gráfico e as suas aproximações com a arte, que
o designer ao colocar objetos fora de seu contexto, pode estar
fazendo uma referencia das “relações existentes entre arte e
design que se estabeleceram após a 'era da reprodutibilidade
técnica', e trouxeram outros aspectos e exigências estéticas
para o que veio a se estabelecer, permanecer ou se reconhecer
enquanto arte” (Figura 30).
O designer rompe a previsibilidade ao construir esta
imagem, ele desloca o horror que é causado no filme pelo
elemento pássaro, para a modelo em sua clausura. Um design
que conduz a uma nova percepção de justaposição de
elementos, no qual a modelo se vê aprisionada, e o elemento
pássaro é somente um adorno. Essa manifestação visual vem
repleta de intencionalidade e reflexão. O uso deste elemento,
assim como de outros usados no desfile, pode sugerir o horror, a
fobia do enclausuramento. A partir disso o designer gera uma
ambiguidade, ao revelar outras possibilidades de
entendimento. O ataque dos pássaros, ou o medo do
confinamento? Essa ambiguidade se dá também em trazer algo
(a coleção) e aquilo já visto (o filme de Hitchcock) entre a beleza
da roupa e o medo, a loucura. Figura 30: Modelo com elementos (adornos) que lembram o filme de Hitchcock – Os pássarosFonte: <http://idreamofaworldofcouture.tumblr.com/post/11901977855>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
100
Há uma justaposição de ideias para valorizar o
significado, ao evidenciar estas diferenças, o elemento pássaro
do filme e a modelo vestida fragilmente, cria-se um conflito e
que segundo Eva (2007, p. 65) “observa-se em ação um
principio de montagem que, pelo confronto, gera
espacialidade”.
Esta disposição dos elementos cenográfico, o box, no
desfile de McQueen, lembram o trabalho de Dan Graham –
década 1970 – que faz uma reflexão sobre as relações
público/performer ao construir cubos de vidro, impunha um
estado de espírito desconfortável e constrangedor ao
espectador da obra (Figura 31 e 32). Para Goldberg (2006, p.
152), era “uma tentativa de reduzir o fosso entre os dois” e “a
arte da performance reflete a sensibilidade célere da indústria
de comunicação, mas é também um antídoto essencial aos
efeitos do distanciamento provocado pela tecnologia”
(GOLDBERG, 2006, p. 216).
Frente ao exposto, observamos que a realidade se
transforma ao experimentar novas sensações, o sentir e o
experimentar correspondem causam satisfação. Quando a
realidade transforma-se em imagens, o produto desta
sociedade é um comportamento hipnótico, onde o ver, sentido
primordial da sociedade do consumo, alcança o seu mais alto
grau em forma de espetáculo, e este passa a ser “o âmago do
irrealismo da sociedade real” (DEBORD, 1997, p. 14).
Figura 31: Dan Graham - Talk tonight – museu GuggenheimFonte: <http://tribblemancenido.blogspot.com/2011/09/confronting-comfort-with-dan-graham.html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
101
Figura 32: Dan Grahan, Static 1 (1995) – Museum of American ArtFonte: <http://copenhagen.unlike.net/event_occurrences/102563-Dan-Graham>.
Desta forma, o desfile de moda e todas suas unidades ou
elementos construtivos que dão forma ao discurso, corporifica a
lógica do comportamento contemporâneo ao proporcionar um
modelo de representação de sensações tão predominantes na
sociedade atual, onde a satisfação deve ser instantânea e
imediata. O desfile de moda, dada sua totalidade espetacular de
exibição, constitui-se tanto em sua forma como em seu
conteúdo, numa linguagem de sinais e significados que buscam
expressar de forma subjetiva, as emoções primárias de força,
erotismo e do assombro, como nos explica Villaça (2010). Em
outro sentido, Avelar (2009), nos coloca que o impacto de
desfiles como os de Alexander McQueen, é visceral e de um alto
grau de complexidade.
Ao mesmo tempo em que traz estas representações
advindas do teatro, ficam explícitos alguns pontos dialéticos no
processo de construção discursiva do mis em scène, ao
rediscutir e rever os conceitos estruturais de cena (objetos,
atuação, representação, relação com o espectador, uso dos
recursos e relação espaço/tempo).
Neste sentido, o desfile ao se apropriar da linguagem da
performance, faz um mix entre teatro e performance,
valorizando o que está acontecendo ao vivo, no instante
presente, da quebra de padrões, de transposições,
justaposições e experimentações. Uma linguagem que transita
entre diversos limites e amplia o que pode ser classificado como
somente expressão cênica, um tipo de construção que privilegia
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
a forma em detrimento do conteúdo e é o que vai criar a ideia de
obra aberta acessível às várias leituras como nos afirma Cohen
(2011), quando analisa o espetáculo da performance.
A partir destas considerações, podemos observar que o
desfile como produto da sociedade do espetáculo, vem
carregado de significados mágicos e feéricos, significados que
podem estar atrelados ao seu sentido mais básico e original.
Mas traz embutido também, uma aparência racional ao
verbalizar por meio das performances, formas mais subjetivas
de questionamentos de valores.
Tanto o design de moda quanto os desfiles, são fazeres
ou maneiras que expressam idéias de identidade pessoal,
social e cultural. No entanto, estas práticas nos desfiles de
moda, a partir de 1990, foram além da idéia de simplesmente
mostrar valor, status e pertencimento, para expressar questões
mais complexas e provocativas que cercam as noções de
identidade.
2.2.3 Martin Margiela
Martin Margiela se formou na academia Real de Belas
Artes de Antuérpia e fazia parte do grupo dos seis, “Antwerp
Six”. Fez vários freelances antes de trabalhar como assistente
de Jean Paul Gaultier. Apresentou sua primeira coleção em
102
Figura 33: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week,Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, FrançaFonte: <http://blog.gettyimages.com/tag/fashion-week/page/3/>.
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103
1989.
Neste desfile de Martin Margiela, Spring/Summer 2009,
o designer fez uma retrospectiva de seus 20 anos de carreira,
serviu como uma mostra da importância do designer enquanto
criador. Apresentou em sua coleção um jogo de ilusão com
mulheres de rostos cobertos de meias e longas perucas que
distorcem a figura humana. O designer sugeriu por meio destes
elementos certa escravidão e fetichização da feminilidade,
apagando a identidade ao encobrir o rosto com o cabelo. O final
do show incluiu instrumentos de sopro e confetes com um bolo
(vestido) carregado por duas modelos, uma espécie de
liberação, alegre e brilhante depois de muito mistério e
escuridão na passarela. Seu trabalho tem uma abordagem
rigorosa e emblemática Sua visão é abrangente no sentido de
expressar conceitos que vão além de uma simples
indumentária ou decoração corporal com um fazer artístico que
propõe repensar o corpo e a gestualidade cotidiana (Figura 33,
34, 35 e 36).
Sua coleção apresentou um tema geométrico e uma
paleta de cores dramáticas, com cores escuras em sua maior
parte o preto, assim o revestimento do local. Também faziam
parte desta cartela o branco e o vermelho. No final do desfile,
duas modelos vestindo um bolo gigante como símbolo da
comemoração de seus vinte anos. O final de seus desfiles foge
ao padrão do grand finale, sempre com performances irônicas
como o bolo vestível (Figura 37).
.
Figura 34: Gran finale do Desfile Martin MargielaFonte: <http://blog.gettyimages.com/2008/10/01/maison-martin-margiela-house-of-the-macabre/>.
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Figura 35: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week, Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, FrançaFonte: http://blog.gettyimages.com/2008/10/01/maison-martin-margiela-house-of-the-macabre/>.
Desafiando o entendimento popular, suas coleções
discursam intelectualidade e maturidade criadora. Sua estética
conceitual está presente não só nas roupas, mas na formatação
do desfile. Muitas vezes suas encenações se passam em
ambientes fora do contexto tradicional, em estacionamentos
abandonados, linhas de metrô, ou em salas fechadas para
pouquíssimos espectadores. O designer tem uma natureza reclusa, de pouca
comunicação com a imprensa, recusando a dar entrevistas em pessoa, apenas por fax. Estas convicções do designer são contrárias ao designer celebridade. Margiela traz em sua coleção uma abordagem conceitual, que foge as formas convencionais e do luxo da indústria da moda ao incorporar materiais reciclados, ou fugindo dos padrões de medidas. Suas coleções geralmente apresentam um visual desconstruído e uma linguagem inovadora e desconcertante em suas performances.
Neste sentido, de desconstruir esta ideia do centro na ordem geral das coisas, Teixeira (1998) nos informa que o filosofo Derrida propõe um enfoque que aborde a estrutura por outro ângulo secundário à ordem das coisas, quebrando assim, a ideia de centro como origem ou essência unificadora de uma estrutura. Tudo decorre de relações e não de essências isoladas. Parte do principio de que os significados decorrem de relações, o que possibilita o pressuposto de que a ideia de pares, como por exemplo, na moda, direito/avesso, como observado na construção da roupa, passa a ter o principio de complementaridade, ou seja, os opostos se complementam mutuamente. Conceitos de oposições binárias como alto/baixo, plano/obliquo, passam a ter uma dimensão inclusiva de complementação, passa a depender necessariamente de seu oposto para se explicar. Um contamina o outro.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
105
Figura 36: Performance Margiela, modelo sugere uma inversão do tronco em relação a cabeçaFonte: <http://thestrangeattractor.net/?p=962>.
Para o filósofo, centro é tudo o que preside a ordenação dos elementos de um sistema, mas que não participa da mobilidade das unidades que coordena. Nesse sentido, o centro encontra-se ao mesmo tempo dentro e fora da estrutura. Enquanto elemento interno, explica-se por sua condição coordenadora; enquanto elemento externo, explica-se por não participar do jogo e dos riscos do movimento inerente à idéia de estrutura (TEIXEIRA, 1998, p. 12).
Essa ideia na moda se dá a partir de novas relações,
principalmente na construção das roupas. O direito/avesso tem
outros significados não mais de oposição, mas significados
múltiplos e ilimitados, onde há contínua aproximação entre os
pólos ou extremos.
Também podemos observar essa desconstrução no uso
de seus rótulos ou etiquetas, totalmente discretas, em branco,
costurada na peça de roupa com quatro pontos que também
são visíveis na parte da frente da peça, que são a assinatura do
designer, uma construção visível de algo que normalmente se
torna invisível. É uma forma de design de moda que desenha a
partir dos princípios de desconstrução estabelecido na crítica
literária de Derrida e é reconhecido na obra de muitos belgas e
estilistas japoneses. Ao fazer-nos pensar sobre a produção da
peça de vestuário através das costuras aparentes, Margiela
revela aquilo que normalmente consideramos parte dissonante
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
da natureza da roupa, convertendo-o em um elemento
perturbador, com novos significados (Figura 38 e 39).
A partir destas considerações, observamos que estas
propostas de Margiela, se incorporam em seus desfiles
também, ao quebrar o rigor estrutural de uma ordem
estabelecida, independente da contingência do todo. Por meio
de suas performances, o designer escolhe outros enfoques da
ordem natural das coisas.
Se pensarmos que a performance artística incorpora o
que é natural (os movimentos, gestos, comportamentos) e o
resignifica por meio da mídia corporal, neste desfile,
percebemos que o designer ao apresentar sua proposta
artística, questiona o natural apresentando modelos que andam
para trás, com cabelos sobre a face, simbolizando um
afogamento identitário que a moda estabelece em sua relação
com o individuo. Os bodysuits, em cores nude e preto eram
complementados ora por uma capa, ora por cabeleira, como um
escudo, ou uma proteção. Todo processo artístico criativo, deve
propor, questionar e refletir e até denunciar questões que se
apresentam na sociedade. E a moda no discurso de Margiela,
adquire novas interpretações, novos ângulos de valores
vinculados como verdadeiros ao fugir da apresentação
convencional (Figura 40).
O show de aniversário era mais um ataque visual sobre
os valores do mundo da moda e sua forma espetacular de
106
Figura 37: Bolo vestível – Maison Martin Margiela – encerramento do desfile de comemoraçãoFonte: <http://www.style.com/fashionshows/complete/slideshow/S2009RTW-MMARGIEL?iphoto=6#slide=39>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
107
Figura 38: Camisa da Maison Martin Margiela com pespontos aparenteFonte: <http://www.design-for-the-real-world.com/post/616392996/the-viral-label>.
exibição. Sua apresentação discursava sobre os limites
artísticos e estéticos da moda e a indústria. As modelos sem
rosto faziam uma paródia sobre qual é o rosto da moda ou qual é
a imagem da moda. Seu discurso em quadro apocalíptico se
expressa na sátira decadente e negra que a moda apresenta.
Sem brilho ou glamour, os elementos, como cenário e
iluminação, carregam uma saturação exagerada e irreverente
que representa esta decadência.
Quando Glusberg (2009, p. 57) ao falar da performance
no terreno artístico afirma que todo ato, ou ação corporal que
vem carregado de significados, se refere que “tudo deve ter
sentido, significação, sob o risco de não constituir um objeto
estético”. Ao transladar esta linguagem da performance para os
desfiles, os designers podem propor uma rejeição dos
esteriótipos corporais estabelecidos ou ainda uma forma de
padronização de uma estética ou um pertencimento.
Para Glusberg (2009), estas ações, trazem códigos
complexos de representação como afirma o autor,
A mudança de valoração resultante de uma alteração corporal transcende o espectro de sua representação isolada: se um sistema “careta” de comportamento é transgredido através de um gesto, as representações estereotipadas ligadas ao mundo das convenções socialmente aprovadas vão estar sendo simultaneamente transgredidas (GLUSBERG, 2009, p. 90).
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Ao cobrir suas modelos com cabelos ou capas, o artista
designer passa a propagar ou questionar o modelo estético
social da indústria da moda, demolindo pressupostos
convencionais e criando novas realidades de manifestações
oníricas e delirantes. O designer evidencia outros meios de
expressão, como o conceito e a idéia.
Estas transgressões de atitudes convencionadas
assumem um discurso complexo no desfile de moda, ao mesmo
tempo em que problematiza o corpo, denuncia, ou desestrutura
padrões de conduta para novas concepções de corpo e de
moda, mas também coloca em evidência o lado comercial da
indústria da moda, ao comunicar o conceito da marca.
Nesse sentido, alguns de seus desfiles (normalmente
usa modelos comuns, como anões, pessoas normais e não
modelos, com padrões corporais que não se encaixam àquele
preconizado pela mídia) promovem um enfrentamento com
ações imprevistas nos códigos sociais com posturas,
movimentos e gestos distintos dos padrões corporais no qual
estamos acostumados. Por mais que o designer e os próprios
desfiles se equiparam ao modelo estético, estas
experimentações do designer também o coloca nas fronteiras
do modelo mítico, ao provocar rupturas na chamada convenção
teatral, ao não se preocupar em colocar atores (modelos,
manequins) para a representação e abrindo espaços para todo
tipo de experimentação.
108
Figura 39: Etiqueta Maison Martin Margiela, somente com indicação de números – significa o número da coleção – para uma coleção masculinaFonte: <http://butchblum.blogspot.com.br/2011/11/designer-bio-martin-margiela. html>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
109
Figura 40: Modelos com elementos que ocultam sua identidadeFonte: <http://thesmartstylist.com/designers/maison-martin-margiela/>.
Mesmo sendo o corpo resultado das práticas culturais
em cada época ou lugar, “as performances permitem, graças a
um trabalho de liberação dos esteriótipos, aumentar as
possibilidades de ação num percurso desalienante e
progressivamente abrangente” (GLUSBERG, 2009, p. 93).24Essas experimentações estão atreladas ao conceito
relacionado à coleção e se dão por meio de formas, materiais e
nos modos de exibição, de forma a causar impacto, emoção, ou
desconforto, pois lida com o novo, e o novo é amedrontador,
pois rompe barreiras e condicionamentos. Para Avelar (2009, p.
110) a experimentação:
A experimentação na moda pode advir do material, das formas e das cores, através da exacerbação do conceito que provoca e aguça a percepção. A passarela pode, assim, recuperar a idéia de palco artístico, associando-se ao teatro como forma artística de expressão. E a mesma associação pode ocorrer em relação às galerias de arte e aos museus – notem-se os exemplos de Issey Miyake em exposição no Museu de Arte Moderna de San Francisco (1983), yoji
24 Conceito ou idéia, plano, se estabelece segundo Coelho (2008, p. 165), “a partir da compreensão e extensão de um objeto, englobando seus atributos, qualidades e elementos constitutivos. Conceito contrasta com definição, sendo esta um ato de apresentar, em termos precisos, uma idéia por meio de sua essência ou natureza. A definição está ligada a uma técnica de produção de significados precisos”.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance110
Yamamoto com 'juste des vêtements' no Musée de La Mode et du Textile (13.4 a 28.8.2005), Vivienne Westwood no Victoria and Albert Museum, de Londres (abril a julho de 2004), e as exposições 'Extreme beauty: the body transformed', no Metropolitan Museum (2001) e 'Radical Fashion', realizada pelo Victoria and Albert Museum (2001). É nesses tipos de criação que se destacam os sentidos e as emoções, mais do que o raciocínio lógico (AVELAR, 2009, p. 110).
Muitas destas experimentações causam estranhamento
e o público não se identifica (Figura 41 e 42). Neste desfile de
Margiela, observamos a peruca que recobre o rosto da modelo,
dificultando sua visão do ambiente e o jogo com a iluminação
focada somente sobre ela, uma linguagem expressiva no qual o
destaque é a modelo que caminha em um ambiente negro e
cheio de incógnita, assim como sua própria identidade.
Figura 41: Efeitos de iluminação no desfile de MargielaFonte: <http://showstudio.com/project/spring_summer_2009>.
Figura 42: Iluminação 2Fonte: <http://www.ikram.com/Whatsnew/SpringSummer2009Review/Favorite Photos/tabid/181/Default.aspx>.
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Capítulo 3
Performances nosDesfiles de Moda
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
3 PERFORMANCES NOS DESFILES DE MODA
3.1 DESFILE DE MODA E A PERFORMANCE
A performance na arte tem seu início nos movimentos
artísticos que marcaram o começo do século XX. Neste
momento, a performance era mais um exercício de
improvisação espontânea que buscava técnicas advindas do
teatro, da dança, do cinema e da fotografia. Estas performances
precederam as performances artísticas da década de 60 e
demoliram pressupostos dramáticos convencionais criando um
clima onírico e de muito delírio acabando com a tradição realista
do teatro.
Assim como na arte, percebemos nos desfiles da
contemporaneidade, uma execução ou um fazer espontâneo
com uma nova estética onde os parâmetros se tornam
complexos e híbridos, ao revelar ou desvelar por meio da
performance a construção de um discurso atual das relações do
homem com o mundo e com os objetos.
Desfiles como os de McQueen, anunciam estas
interferências conscientemente organizadas ao questionar
roupa e corpo, roupa e sociabilidade, roupa e auto-imagem.
Seus desfiles são apresentados em espaços teatrais com
arquitetura arrojada, computadorizada, sonoridade, ambiente e
Figura 43: Performance de McQueen – “Voss”Fonte: <http://missnash.com/tag/rip-alexander-mcqueen/>.
112
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
cenários extravagantes, e abordam a performance ao vivo,
como convergência entre o mundo da moda e o mundo da arte.
Nesta perspectiva, McQueen em seu desfile “Voss”,
apresentado em 2001, coleção primavera/verão, parece
questionar a roupa e sua relação com o corpo e os aspectos de
socialidade, com performances que parecem questionar qual é
o lugar do sujeito e do objeto. Em uma configuração organizada,
ao redor de espelhos, público e modelos, quebram o conceito
de ordem na passarela, desobedecendo e desorganizando todo
o rigor formal do caminhar das modelos na passarela. Uma
imagem que produz significações no qual podemos associar ao
controle das relações sociais e dos espaços de convívio a que
Bourriaud (2009) enfatiza (Figura 43).
Nos desfiles de Martin Margiela, geralmente ocorrem em
lugares diferenciados, com performances, apresentações e
instalações, no qual o designer discute o culto ao corpo e a
ditadura da beleza anunciado pela mídia.São discursos que soam como uma forma de manifesto,
ou crítica à indústria da moda. Margiela em seu desfile de comemoração Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, ao colocar modelos com rostos encobertos, sem identidade, fez uma metáfora, que, segundo Villaça (2007) destrói a normalidade humana, no qual a figura humana é reduzida ao estado de coisa (Figura 44).
Desta forma, observa-se também, no desfile de Viktor &
Rolf em sua coleção de Outono-Inverno de 2010/2011,
intitulada de “Glamour factory”, traços comuns em sua
Figura 44: Modelos Margiela em performance com os rostos cobertosFonte:<http://www.demiurgenewyork.com/blog_monthly.php?mnth=9&yr=2008
113
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
formatação com a linguagem da arte, ao apresentar seu
processo de criação ao vivo, em um contato direto com o
público, criando uma dinâmica de cumplicidade e desvelamento
da ação do vestir e desvestir. Linguagem, que na realidade gera
uma provocação de como sentir e pensar o corpo e a indústria
do consumo (Figura 45).
Como observado por Motta (2011), a partir da narrativa, o
desfile, dada pela sua espacialidade, também vem enriquecido
de valores e conceitos que se acoplam e suplantam este objeto,
ficando sua materialidade em segundo plano. Porque o que se
adquire por meio destas performances são os valores abstratos
do discurso que se conecta ao objeto e aos elementos deste
discurso.
Partindo desta mesma concepção, Villaça (2010),
aponta os desfiles como espaço onde os saberes e referências
estão misturadas:
Não contemplamos obras, desfiles, somos tomados por sua ambiência, o que me parece ser a última tendência da moda na sua relação com o corpo e a subjetivação. Ela não quer ser observada, copiada, imitada. Ela prefere um disparo da imaginação (VILLAÇA, 2010, p. 198).
Ao se utilizarem da linguagem da performance artística,
estes designers externam suas ideias, com total liberdade de
Figura 45: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://dianepernet.typepad.com/diane/2010/03/viktor-rolf-glamour-factory.html>.
114
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
ação e manipulação dos elementos ao transformar suas
apresentações ao vivo em expressões de resistência. Mas ao
mesmo tempo a mídia ou os meios de comunicação, se
encarregam de propagar e transformar todo este discurso
estético em mera propaganda. Ao pasteurizar as informações,
transforma-os em produtos. Tudo é absorvido e transformado
pelo sistema. É difícil manter-se a margem do sistema, e
quando o desfile enquanto comunicação envereda por esses
caminhos, a capacidade de criação de novos referenciais,
cumpre somente a função de entretenimento e consumo de
informação.
Na performance artística, existe a manifestação de um
discurso não só marcado pelas convenções sociais e
comportamentos culturais, mas capaz de produzir significados.
A ação na performance artística propõe, entre tantas outras
coisas, a ruptura, onde o corpo é reconstruído por novos
significados, e ao mesmo tempo produzindo efeitos de sentido
em seu receptor, e ao criar, manifestar-se, representar ou imitar,
está interagindo e instaurando uma forma de comunicação com
o outro e um diálogo com o entorno. (AGRA, 2011) Diante disso,
é possível se apropriar da fala de Cohen (2011) e apontar que a
modelo, e todas as unidades construtivas no desfile e sua
relação com a encenação, produz significação.
Como a figura do performer geralmente coincide com a do encenador, este trabalho
115
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
de construção está integrado com a mídias utilizadas no espetáculo, que são as mais diversas possíveis: dança, vídeo, esculturas, instalações, slide, retropojeção, holografia, néon, manequins etc. (COHEN, 2011, p. 106)
Diante da afirmação do autor, ao apontarmos os desfiles
de moda em sua exibição performática – artifício geralmente
pertencente à indústria da comunicação ou de uma instituição
comercial – não o torna necessariamente defensor destas
estruturas econômicas dominantes e de poder, pois estes
desfiles podem trazer em seu interior também uma forte
reflexão dos conflitos e dilemas que as novas tecnologias e a
indústria do consumo e da moda afloram. Uma prática que dá
forma às idéias estéticas como nos afirma Villaça (2010).
Assim como o artista, o designer sintonizado com todas
estas transformações de seu tempo se posiciona em relação a
isso e discute seu papel neste contexto. O designer deixa de
cumprir o papel que lhe foi imposto pela indústria da moda, e
passa a ter uma atitude crítica diante do meio no qual ele atua
através de um novo discurso estético ao compartilhar das
linguagens da arte. Neste sentido, designers como Viktor &
Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela investigam,
criticam e respondem às mudanças que se acentuam cada vez
mais no ambiente circundante.
116
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
3.1.1 FRONTEIRAS E ESPACIALIDADES
Para Cohen (2011), muito do que se tem atribuído à arte
da performance, geralmente é sua associação com
acontecimentos improvisados, exibidos em locais alternativos e
com poucas apresentações. Estas experimentações podem se
caracterizar como arte que acontece na fronteira, por romperem
convenções, formas e estéticas. O campo da performance é
abrangente e sem fronteiras claras, como afirma Goldberg
(2006),
A expressão “arte da performance” tornou-se uma palavra-ônibus que designa todo tipo de apresentações ao vivo – de instalações interativas em museus a desfiles de moda cheios de criatividade e apresentações de DJs em casas noturnas –, obrigando tanto o público quanto os críticos a elucidar as respectivas estratégias conceituais, verificando-se se ajustam mais aos estudos da performance ou a uma análise mais convenc iona l da cu l t u ra popu la r. (GOLDBERG, 2006, p. 216),
A partir de 1990, percebemos que os desfiles de moda
estendem-se numa parceria mais intensiva de associação com
a arte ao se comunicarem por meio da arte performática. Como
afirma Duggan (2002, p. 4), “o resultado é uma nova arte
117
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
performática híbrida quase totalmente desvinculada dos
aspectos tradicionalmente comerciais da indústria da
confecção”.
Hoje, muitos designers se valem destas afinidades, e
como afirma Muller (2000, p. 15), “a aproximação das formas de
expressão pós-moderna se intensifica em interferências
conscientemente organizadas. Existe uma moda que faz 'arte' e
uma arte que faz 'moda'”. Nesta acepção, tanto a arte como a
moda, buscam referências em sua forma de proposição. Assim
como a moda se apropria da linguagem da arte como forma de
denúncia ou protesto, a arte também se apropria da linguagem
da moda para seu discurso.
A arte contemporânea tem maiores rejeições, quando
enfatiza não mais o objeto, (comum da arte clássica e da arte
moderna, no qual a materialidade da obra era objeto de
percepção e avaliação), mas sim o valor dos atos, do discurso,
da narrativa, causando um estranhamento. Agora o valor da
obra, não está mais contido em sua forma tradicional, mas em
uma linguagem e mensagem muito particular e dentro de uma
estrutura dada (BOURRIAUD, 2009).
Deste modo, toda obra é modelo de um mundo viável,
pois resulta de um encontro fortuito de elementos separados
que dependem do contexto histórico. Assim, a forma da obra de
arte contemporânea vai alem de sua forma material na visão de
Bourriaud (2009), pois é um elemento de ligação, um princípio
de aglutinação dinâmico.
118
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Neste mesmo sentido, podemos nos apropriar das
afirmações de Lotman (1978) acerca da forma nos textos 25
artísticos . Para o autor, o texto artístico é uma mensagem
artística que assume novas estruturas na sua forma de
comunicar, no qual todos os elementos dão sentido e novas
articulações acontecem. Podemos dizer que ela é uma
linguagem que traz uma mensagem particular dentro de uma
estrutura dada, não mais dentro da visão moderna e racional, no
qual prevalecia a idéia da forma ser um elemento de
configuração de um determinado objeto ou coisa. O texto
artístico para Lotman (1978, p. 15) usado para definir os
discursos e narrativas dadas na estética artística, “é um sentido
construído complexamente. Todos os seus elementos são
elementos de sentido”.
Se a linguagem, segundo Lotman (1978, p. 8), é “todo
sistema que serve à finalidade da comunicação entre dois ou
mais indivíduos”, então a arte é um meio de comunicação e,
portanto uma linguagem que realiza uma ligação entre um
emissor e um receptor. Mas quando se fala de arte e mais
especificamente em performances vemos que ambas possuem
uma linguagem particular, no qual os signos são ordenados de
maneira única, diferente da linguagem comum. Todo conteúdo
25 Lotman (1978), em seu texto “A estrutura do texto artístico”, ele se refere a complexidade dos textos artísticos não só na literatura, mas na música, na dança, no teatro entre outros, apesar de se aprofundar em textos literários.
119
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
(informação) segundo Lotman (1978), necessita de uma forma
e não pode ser transmitido fora de uma estrutura dada. No texto
artístico esta estrutura difere das regras e conexões
convencionais normais da linguagem natural. Segundo Lotman
(1978, p. 11), “a língua natural não é apenas um dos mais
antigos, mas também o mais poderoso sistema de
comunicação da atividade humana”.
Tanto na arte, quanto nas apresentações performáticas
dos desfiles de moda, o conteúdo é a idéia artística, o conceito,
no qual se realiza e é dada por uma estrutura adequada e que
não existe fora dela. Sob esta ótica de discussão, podemos
afirmar que o conteúdo apresentado no desfile seria o conceito,
que se traduz em tema, no qual toda a estrutura (cenário,
música, modelo, local, iluminação) deve ser coerente e ser um
fio condutor da apresentação. Esse sentido de continuidade
como nos afirma Eva (2007, p. 65) é uma característica do
design, por estar fundamentado em seu caráter relacional.
“Fazer design, é, em última instancia estabelecer, criar
relações.”
Mas é também, como afirma Eva (2007, p. 65) no ato de
evidenciar as diferenças, que o design “pode vislumbrar a
possibilidade de mudança em seus parâmetros de avaliação ao
se caracterizar enquanto linguagem”, e o que percebemos nos
desfiles de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela,
é que eles buscam atitudes marginais nessa homogeneização.
120
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Ambientes onde convivem experimentos, linguagens como a
performance, a montagem ou a justaposição, dando
consistência a uma visualidade espacial significativa, como
forma de expressão, de um design que pretende comunicar e se
comunicar.
No espaço destes desfiles, são estabelecidas relações
que ultrapassam as oposições binárias, obedecendo uma
lógica mais complexa, de uma linguagem que atravessa
fronteiras. Ao ocupar espaços pertencentes à arte, os designers
querem dar forma para outras percepções.
Quando nos referimos às apresentações performáticas
nestes desfiles, por meio de uma linguagem artística, são
manifestações aqui entendidas, como possibilidades de
formação de um espaço, que colocam o espectador ou
observador/receptor diante da obra, como participador
presente em tempo real, do qual decorre uma ação. Como
afirma Costa (2004), obrigando uma atitude menos
contemplativa do receptor, ou seja, não mais um
comportamento formal e introspectivo, mas dando lugar para
uma fruição mais coletiva e informal, onde outras formas de
percepção emergem.
Com disposição para senti-la e entendê-la, entrando em contato, através dela, com o artista. Parece simples, mas não é. Para que isso aconteça, é preciso que haja um momento de apresentação ao público, na
121
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
qual evidencia seu caráter artístico, poético ou ficcional (COSTA, 2004, p. 128).
Portanto, entender estas espacialidades nos desfiles
destes designers, é perceber não somente sua materialidade,
mas enquanto espaço de visibilidade e socialidade como
abordado por Bourriaud (2009). Celebra-se não mais o
processo em detrimento do objeto, agora pelo contrário, os
objetos são partes integrantes da linguagem. A materialização
da obra se dá pela exploração do objeto e do sentido por meio
de um acontecimento que levam o espectador a tomar
consciência do contexto (espaço) em que se encontra.
Assim podemos pensar o desfile destes designers, que
enfatizam por meio de suas apresentações não só mais o
processo em detrimento do produto, mas assim como na
estética relacional citada por Bourriaud (2209), traz
significações complexas que alia objetos, corpo/roupa,
espaços, processos, conceitos e a participação/interação do
espectador/receptor e que afetam as relações humanas. Como
afirma Bourriaud (2009, p. 119), “a prática artística é sempre a
relação com o Outro, ao mesmo tempo em que constitui uma
relação com o mundo”. Portanto espaços que configuram-se
como formadores de sentidos e significados.
122
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
3.2 A PERFORMANCE, O TEATRO E OS DESFILES DE
MODA
Os espaços dos desfiles contemporâneo observados
nesse estudo trazem em sua visualidade uma aproximação
com a produção artística, justamente por conter em seu
discurso, elementos de experimentação e percepção, como nos
afirma Avelar (2009):
A experimentação na moda pode advir do material, das formas e das cores, através da exacerbação do conceito que provoca e aguça a percepção. A passarela pode, assim, recuperar a ideia de palco artístico, associando-se ao teatro como forma artística de expressão. E a mesma associação pode ocorrer em relação às galerias de arte e aos museus – notem-se os exemplos de Issey Miyake em exposição no Museu de Arte Moderna de San Francisco (1983) yohji Yamamato com “Juste des vêtements” no Musée de La Mode et du Textile (13.4 a 28.8.2005) Vivienne Westwood no Victoria and Albert Museum, de Londres (abril a julho de 2004), e as exposiçoes “Extreme beauty: the body transformed”, no Metropolitan Museum of Art de Nova York (2001) e “Radical Fashion”, realizada pelo Victoria and Albert Museum (2001). É nesses tipos de criação que se destacam os sentimentos e as emoções, mais do que o raciocínio lógico.
123
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
(AVELAR, 2009, p. 110).
Ao se utilizarem de aspectos da performance como
elemento de experimentação nestes espaços, os designers em
questão, alcançam outros sentidos que relacionam com uma
complexidade teatral. Nos espaços dos desfi les
contemporâneos, “a performance é antes de tudo uma
expressão cênica”, Cohen (2011, p. 28), e nos desfiles a
ocupação acontece com a transgressão das convenções, ao
exibirem elementos desconexos e mecanismos de construção
identitária a partir da exploração inusitada da relação
corpo/roupa e exploração do espaço como ambiente de
comunicação.
Ao nos apropriarmos desta discussão da encenação,
observaremos alguns conceitos a partir das considerações de
Guinsburg ( apud COHEN, 2011, p. 28) “a expressão cênica é
caracterizada por uma tríade básica (atuante-texto-público)
sem a qual ela não tem existência”. O texto aqui é visto como a
intermediação entre o atuante e o público, no qual se dará todas
“as transposições características da arte (passagem da vida
para a representação, do real para o imaginário e o simbólico,
do inconsciente para o consciente)” (COHEN, 2011, p. 116).
Para o autor, o atuante na performance pode ser um boneco, um
objeto e não necessariamente um ser humano, e o público seria
o espectador/receptor, pois, é necessário que este exista para a
recepção e a leitura aconteça como produção de sentidos nos
124
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
desfiles de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela.
Se os desfiles se apropriam da performance e desta
linguagem cênica, atentemo-nos para as afirmações de Cohen
(2011), quando diz que a arte da performance, passa por uma
linguagem híbrida, entre uma linguagem teatral e uma
linguagem antiteatral, considera que esta se estrutura a partir
de duas definições. A performance como teatro, uma expressão
cênica e dramática com apresentação ao vivo, em que
produzem diversos significados, por meio de um atuante, um
animal ou um objeto, com uma dinâmica (gesto, ação,
movimento). Por outro lado, o autor considera também como
antiteatral, onde a idéia está acima da execução e a
performance acontece com espontaneidade e prepondera na
interpretação.
Nesta mesma concepção, Glusberg (2009) nos afirma
que a performance, envolvendo uma cenografia ou não, tem
liberdade de expressão e pode não envolver nenhum suporte
predeterminado ou objetos físicos, pois o corpo é objeto de ação
espontânea e significação, ele é a afirmação da criatividade
humana.
Na análise de Glusberg (2009), bem como a análise
Cohen (2011) quanto a performance, também apresenta traços
ritualísticos, uma herança deixada pelo happening, apesar de
terem uma grande proximidade. Tanto performance quanto o 26happening , segundo Cohen (2011) são considerados arte de
fronteira, pois suas delimitações se embaçam ao incorporarem
125
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
elementos de várias artes, como o teatro.
Esta linguagem cênica dos desfiles performáticos, está
no fato deste usar alguns conceitos que se assimilam a algumas
performances e espetáculos que não se classificam como
teatro, apesar de sua proximidade, esta linguagem é mais
abrangente, por não se apoiar totalmente nas convenções
usadas pelo teatro comercial. Para Cohen (2011, p. 140), “a
performance cria um topos de experimentação onde são
'testadas' formas que não têm ainda lugar no teatro comercial”.
Uma das características da arte cênica e teatral é a
preponderância da representação. Cada elemento, se houver,
possui uma significação e vai contar alguma coisa, o que lhe
confere ser chamada também de arte da experimentação e da
tridimensionalidade. Essa representação e experimentação
dada por uma tridimensionalidade e por recursos cênicos é o
que aproxima o desfile da vida, do teatro, e permite chamá-lo de
expressão poética.
Se a performance tem um sentido de cena, se aproxima
do teatro enquanto espetáculo e até mesmo atuação, tem ao
mesmo tempo também, uma aproximação com o processo do
26 Happening, segundo Cohen (2011), seria um acontecimento, um evento. Para o autor é um novo conceito que a partir de 1959 vai se propagar encetando uma nova forma de encenação e a produção de experimentações que buscam conceituar novas tendências que incluem várias mídias, como as artes plásticas, o teatro, música, dança, etc.
126
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
imprevisto e do rompimento do tradicional, que se caracterizam
nestes desfiles por provocarem inquietação, desconcerto e
emoções.
Tanto a performance na arte quanto os desfiles
observados, rompem com as convenções, aproximam-se da
vida, são expressões de contestação, são acontecimentos, uso
livre de espaços, objetos, e como classifica Cohen (2011, p.
135) ao falar da performance na arte, é um evento.
Ao falar da expressão cênica, Cohen (2011), chama de
topos ou localização, a relação entre o emissor e o receptor. O
primeiro topo seria o (emissor) e o segundo topo o (receptor).
Essas variações podem ser múltiplas, pois este esquema é uma
adaptação da cena teatral, o que muitas vezes, não é regra e
pode haver alternância entre esses topos. Esta conceituação
com relação à cena pode ser classificada entre dois modelos, o
modelo estético e o modelo mítico.
No modelo estético, o receptor ou observador, não entra
na obra, há um distanciamento crítico, no qual é mero
assistente, como nos desfiles de Viktor & Rolf, Alexander
McQueen e Martin Margiela, está mais ligado ao teatro, ás
convenções do teatro Aristotélico (divisão entre palco e platéia).
Neste modelo, cria-se a empatia com o espectador/receptor,
por meio da representação e que muitas vezes, nesta
linguagem estética se utiliza convenções dadas no teatro. E
também é o que a aproxima do teatro realista ou de um instante
127
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
de vida, para Cohen (2011, p. 127), “o teatro enquanto arte do
simbólico se alicerça na convenção”, podendo aparecer de
forma difusa ou fortemente nas encenações.
No modelo mítico, esse distanciamento entre emissor e
receptor, é menor, podendo este participar ou não da ação. A
separação entre estes dois topos é mais flexível e dinâmica.
Geralmente estes eventos acontecem também em ambientes
(locais) fora dos modelos propostos (teatros tradicionais).
Muitas vezes são espaços vazios, sem assentos, museus ou
galerias. São experimentações, onde o espectador é
participante fazendo parte da cena, pois há uma condução do
público para novos espaços, desde espetáculos de rua até
espetáculos underground.
Ao nos apropriarmos destas teorias de Cohen (2011)
acerca do teatro e a expressão cênica e fazermos esta distinção
entre modelo mítico e modelo estético, objetivamos localizar o
desfile de moda em um destes topos criados pelo autor, mais
precisamente os desfiles destacados neste estudo.27O desfile ao envolver uma forma (estrutura) cênica com
uma organização sistematizada de sua ação, como ações
27 Para Leite e Guerra(2002, p. 51), “a encenação é a manifestação que, por meio de um conjunto de atitudes, escolhas, seleções, expressa uma proposta humana, bem demarcada e definida. Ela só acontece quando existe o espectador, uma platéia ou alguém a quem se comunica algo; em linguagem semiótica, um receptor. Cena diz respeito a uma relação, em princípio, espaço-temporal, na qual algum acontecimento se registra, em
128
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
espontâneas, sem uma linearidade que justifique o
encadeamento das ações, se aproxima da linguagem da
performance artística, mas neste estudo, podemos dizer que
estes desfiles possuem uma relação com o modelo estético
muito maior que o modelo ritual, observa-se mais uma
representação do real, do que uma vivencia do real. O
observador mesmo tendo um contato participativo, tem um
distanciamento psicológico do objeto, pois ele não entra na
obra, por isso sua relação e associação com o teatro. Não há
uma ligação física. É um teatro que usa de artifícios onde os 28atores criam uma idéia de quarta parede .
Esta relação é muito explicita nos desfiles dos designers
apresentados. É uma cena fechada, onde o público acredita na
realidade artificial que está sendo mostrada. É o que manifesta
certo momento e lugar delimitado. Pode apresentar somente uma modificação espacial quanto ao movimento, ou apenas uma mudança concernente a uma passagem do tempo, sem movimentar aparentemente nenhum objeto ou sujeito.” Desta forma, o espaço cênico para a autora, em termos de plasticidade, se dá por meio de um conjunto de elementos (cenário, texto, luz, música e a própria ação ou atuação do ator) que agem e interagem com o espectador/receptor. 28 Para Cohen (2011, p. 124), “o ator deve dar a impressão de não estar sendo visto e ouvido senão pelas personagens que com ele se encontram no universo representado e com as quais e para as quais fala. E todo esse universo representado e tudo o que nele acontece deve ser de tal modo figurado como se não houvesse ninguém para observá-lo de fora (isto é, de um lugar que fica fora do universo representado); esse mundo deve ser tão natural quanto possível”.
129
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Cohen (2011,) ao chamar de “ilusão cômica” este artifício. Isto
se dá na medida em que o espectador/receptor participa da
cena ao acreditar nesta ilusão temporária. O receptor acredita
que o que se passa na encenação é real, pois esta tem o poder
de evocar uma fantasia, um ficcional que reina em um momento
imaginário. Os aparatos técnicos e conceituais nos remetem a
um imaginário na cena despertando sensações, associações e
acreditando neste estado ilusório. Como Cohen (2011, p. 126)
afirma, “existe também, em paralelo, um nível concreto que
chamamos de função transporte dos signos (atores, objetos
cênicos, spots, caixas de som etc.)”.
A cenografia, a iluminação e o som, aparatos utilizados
no desfile, são convenções que vão conduzir o
espectador/receptor a um estado de relaxamento, ou estados
hipnóticos que o levam a um mergulho na fantasia.
Mesmo performance e desfile apresentando traços
próximos, o desfile tem aproximação também com o teatro,
tanto no modelo estético, quanto no modelo mítico. Estas
aproximações do desfile com a performance e o teatro, são um
tanto polêmicas, mas, vale apontar estas relações e
distanciamentos, destas linguagens que permeiam e se cruzam
no desfile destes designers.
Com Viktor & Rolf, por exemplo, em sua performance de
vestir e desvestir a modelo na passarela, como observado,
mesmo em um ato simbólico de repetição, com alusão a
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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
reprodução seriada da indústria da moda, os designers fazem
uma representação explícita das convenções ao se
caracterizarem como atores em cena, assumindo-se como
atores e não como designers, além disso toda a alusão de uma
fábrica cenográfica que revestia a passarela e o local, uma
relação bastante clara do uso das convenções teatrais e
aproximação da realidade(Figura 46).
Com Alexander McQueen, há uma aproximação tanto
com o ficcional dado pela convenção (a caixa espelhada
simulando um hospício) quanto com o real, onde a cena
acontece naquele instante, e os espectadores ou receptores
mesmo em um espaço distante da encenação (palco/platéia),
fazem parte, ao verem-se espelhados na caixa que recobre as
modelos, se caracterizam como personagens em cena e parte
do cenário. Outra características deste desfile com referencia
ao teatro estético, é o sentido da quarta parede citado por
Cohen (2011), que nesta exibição, acontece por meio de um
artifício criado pela iluminação e os espelhos que recobrem as
paredes do cubo no qual as modelo não viam o público e agiam
como se não houvesse ninguém para observá-las. Neste
exemplo podemos observar que há uma aproximação tanto
com o modelo estético, quanto com o modelo mítico(Figura 47).
Por outro lado, no desfile de Margiela, parte-se para uma
cena mais abstrata, com uso de materiais simbólicos, (as
perucas invertidas, as meias e as modelos empurradas por um
Figura 46: Cenário do desfile “Glamour Factory” – Viktor & RolfFonte: <http://graemekennedy.blogspot.com.br/2010/07/glamour-factory.html>.
131
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
carrinho como se fossem manequins em uma vitrina)
elementos de uma narrativa, que não guardam uma relação
direta com o desfile representado ao desviar-se das relações
habituais de uma sequencia hierarquizada. Uma cena abstrata,
onde o que se busca é abrir caminho para novas relações e
novas significações ao romper com as convenções teatrais e se
aproximar da performance artística e até do modelo ritual citado
acima(Figura 48).
Na medida em que estes desfiles se colocam como
críticos de um momento, estão propondo um choque, ou uma
forma de resistência à estética pragmática da indústria da
moda. 29Este enviroment criado nos desfiles externa a difícil
associação entre o que é real e o que é artificial. Estes
ambientes são espaços de manipulação e reconstrução, dado 30pela representação de outras realidades. Para Cohen (2011,
p. 120), “a encenação mise en scène é a localização mise en
Figura 47: Modelo no Box espelhado Fonte: <http://vossehf.wordpress.com/about/voss/>.
29 Enviroment é o envoltório onde estas relações se desenvolvem, o ambiente. Segundo Cohen (2011, p. 144), “diz respeito ao clima, ao envolvimento, ao meio ambiente. Seria uma espécie de cor de fundo, não no sentido de uma mera referencia estética e sim como uma 'energia' que está no ar”. 30 Para Cohen (2011, p. 97), “o que dá a característica de representação a uma espetáculo é o caráter ficcional: o espaço e o tempo são ilusórios (se reportam a um outro instante), da mesma forma que os elementos cênicos (incluindo os atores) se reportam a uma 'outra coisa'. Eles representam algo”.
132
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
place por meio de diversas materializações, de um discurso de
ordem visual e sonora, a partir de um texto, de um esboço (ou
não) cujas tomadas de posição com relação ao seu conteúdo
são múltiplas”. Neste sentido, Avelar (2009, p. 118), também
nos afirma que o que acontece nos desfiles é um jogo de
realidades e fantasia que apela para os sentidos. “O desfile na
passarela é um evento que espetaculariza o ir e vir nas ruas da
cidade, mediante recursos teatrais como o palco e a fantasia”.
Para entendermos o elemento reflexivo que a
performance produz em sua ação, tanto na arte quanto nos
desfiles de moda, uma das situações, é necessário que o
público se identifique psicologicamente com esta ação,
podendo haver comunicação, mas não participação, pois esta,
só se completa quando há uma maior compreensão e
proximidade entre espectador/receptor e performer/atores
(modelos), não necessariamente física, mas emocionalmente.
E esta proximidade só é possível a partir dos interesses
pessoais do espectador. Mas, segundo Avelar (2009),
[...] por mais que o 'conceito' esteja presente na concepção de inúmeras coleções, sua exacerbação, quando bem pensada, arrebata-nos completamente, transformando aquelas formas e volumes inesperados em pura sensação – seja de deleite, seja de estranhamento (AVELAR, 2009, p. 118).
Figura 48: Adereço recobrindo a cabeça das modelos no desfile de MargielaFonte: <http://petrole.tumblr.com/post/15033177550/maison-martin-margiela-spring-summer-2009>.
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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Outra característica de sua complexidade, é que a
performance é primariamente uma comunicação corporal, não
verbal, o que explica as dificuldades de sua interpretação.
Embora estas barreiras dificultem o seu entendimento, para
Glusberg (2009, p. 117), “os movimentos e expressões, mesmo
quando amorfos, significam mais que mil frases”.
Muitas das performances nos desfiles de moda
constituem uma sátira de nossa sociedade e traz como discurso
para a passarela os conflitos do mundo real, como observado
nos desfiles de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin
Margiela, como a cópia na indústria da moda, a produção
seriada, ou a própria crítica dos paradigmas estéticos atuais.
As performances envolvem o comportamento humano,
portanto ações significativas, mas por outro lado, envolve
também atos ritualísticos e estéticos, comportamentos
desconhecidos ou com propósito inteligível. As performances
flutuam entre várias linguagens, inclusive como expressão
cênica, por esta multiplicidade, desvendar seus significados,
torna-se complexo, mas por outro lado, ao atravessar fronteiras,
ocupa espaços nos desfiles como expressões que ampliam a
linguagem estética e sua aproximação com a arte. Um discurso
em que a interação acontece entre essas diversas linguagens e
por meio de diferentes estruturas, que propiciam múltiplas
interpretações, culminando com uma situação em que estes
desfiles de moda expressem um design que instiga, sugere,
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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
questiona e provoca com a realização performática nas
espacialidades.
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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
ConsideraçõesFinais
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
A apresentação de um design no espaço, acontece com
a apropriação de elementos da performance. O uso de
tecnologias variadas nos convoca a repensar os conceitos de
representação em relação ao espaço e tempo nos desfiles de
moda, visto que, o tempo não é mais o momento e o espaço.
Os desfiles dos designers observados em nosso estudo,
Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela, têm
elementos de experimentação e percepção. Essas
experimentações podem advir da forma material, do design do
espaço, e da espetacularidade de exibição que associada às
linguagens artísticas, as performances, provocam e aguçam a
percepção.
Os desfiles acontecem com fusão de linguagens, uma
conjugação de elementos e conceitos que estão sobrepostos
de modos distintos. A exibição de um desfile, de um processo no
espaço que designa a estrutura ou o design (espaço, roupa,
passarela, modelos, som, iluminação e performance) acolhe a
poética.
Muitas referenciais baseadas nos conceitos da
modernidade, estão de certa forma, superados. Os polos se
excluem e se tornam difusos. Convivem, confrontam-se e se
superpõem em linguagens diversas num processo dialético,
associando-se ou contrariando-se. É nesse sentido que os
espetáculos dos desfiles de moda contemporâneos criam
ambientes que superam a forma rígida do pensamento
137
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
moderno.
Com Viktor & Rolf o principio de ordem e encadeamento
sofrem adaptações e recombinações. Estes espaços se
apresentam como um desafio e uma maneira de repensar as
formas de comunicação entre emissor e o receptor, onde novas
relações são identificadas ao valorizar neste ambiente,
elementos diferentes não mais estático ou inerte.
Essa organização dos elementos e linguagens nos
desfiles, coloca em evidencia o espaço, mas como um meio de
comunicação, que transforma o espaço em espacialidade. Este
mero suporte supera sua simples forma plástica, material em
um ambiente gerador de sentidos e múltiplas percepções.
Como observado, estes desfiles, ao se apropriarem de
uma linguagem artística como o teatro, a performance, a
montagem ou a collage, criam um modo de organizar
informações e levar a apreensão (muitas vezes de informações
esparsas e sem sentidos) por meio de associações que só é
possível nestas espacialidades. Espaços onde colidem os
sons, as imagens, os gestos, e fragmentos que exigem
perceptivamente uma sincronia do receptor, pois, este assinala
uma complexidade ao organizar elementos que podem nada
significar, e que estão alem da simples linearidade estabelecida
entre emissor e receptor. Nestes espaços percebemos que por
meio das performances, estes elementos dispares se
reorganizam.
138
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
Alexander McQueen ao usar estas linguagens,
transforma o espaço espetáculo em espacialidade, valorizando
aquilo que parecia imperceptível ou sem sentido, dando
significados. Revelando assim, nesse processo de
estranhamentos, a superação da visualidade contemplativa
para uma visualidade de interesse cognitivo.
Ao construírem os discursos com o uso de linguagens
que superam a estabilidade do espaço físico e material, estes
desfiles ultrapassam a inércia dos espaços dos desfiles
tradicionais como suporte. Atingem outros desdobramentos em
um ambiente comunicante, da simples noticia ou fato, ao
acontecimento, da decoração ou da coleção de roupa ao design
de aparência. Nestas espacialidades confluem a comunicação
e conhecimento.
Há, portanto, no envolvimento, uma natureza poética do
ficcional, mesmo quando o discurso poético do designer se
constitui muitas vezes no absurdo.
A apreensão de um discurso implica em um corpo
comprometido com a atualidade que se apropria das
possibilidades técnicas disponíveis, na maneira de ver e
perceber a questão social e/ou cultural, portanto, toda nossa
percepção se dá pelas lentes que nossa cultura oferece.
Com Martin Margiela no plano do discurso poético, a
percepção da totalidade fechada obscurece a compreensão e o
conhecimento. Neste discurso reivindica-se uma visão global
139
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
da energia conflitual e movente de relações causais, da
aproximação com a montagem, a collage, a performance de
linguagens pertinentes à experimentação.
Nesse sentido, podemos observar que mesmo quando
estes desfiles estabelecem uma conexão com a linguagem do
teatro, e com a representação e dramatização, trazem
embutidos uma flutuação entre essas várias linguagens. Estes
desfiles abrangem uma espacialidade que atravessam
fronteiras e não cumprem apenas a função de entretenimento e
consumo, mas enveredam por caminhos que são essenciais
para a existência da arte, da liberdade e da radicalidade.
Esta relação dos desfiles entre a arte e a vida, se dá na
interferência dada pela forma/design de exibição, que ao se
apropriarem das espacialidades, experimentações e
linguagens transgressoras, trazem para o plano estético à
indústria da moda.
Quando o designer supera o espaço como suporte e o
transforma em espacialidades, ele rompe limites, impede que
estes espaços sejam mais importantes do que a mensagem
artística comunicada, e esse novo espaço, essa forma de
discurso, constitui-se como elemento essencial para interpretar
os acontecimentos contemporâneos.
A presente pesquisa não objetivou constatar se os
desfiles são arte, mas demonstrar como estes se apropriam de
linguagens estéticas que estão entre os dois campos de
140
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
investigação, arte e moda. No momento em que estes desfiles
incorporam estas linguagens, existe uma produção
(comunicação simultânea de informação e poética), e muito
contribuem para esta aproximação com a arte.
Historicamente a moda tinha nos espaços de
sociabilidade, a função de distinção, no qual as fronteiras eram
mais identificáveis, seja por classe, faixa etária, grupos, etc., e
que eram determinantes nas atitudes e comportamentos. Os
desfiles são verdadeiros cenários, com músicas, luzes,
espaços criadores de sentido. E nessa linha de reflexão é que
percebemos hibridações entre informação e poética. São
instancias que se superpõem, envolvendo a visualidade e a
poeticidade desses espaços de exibição, onde várias
disciplinas como o design, a moda, a comunicação e a arte se
encontram.
Pensar estes espaços é pensar a produção de sentidos
e, portanto, são espaços que não se encerram em lugares
fechados e formatados, mas com uma pluralidade de
comunicação. São espaços reinventados que buscam atitudes
marginais nos ambientes no qual convivem, experimentos,
linguagens híbridas e poéticas, com discursos que transbordam
significados com performances, mídias eletrônicas de
sonorização e comunicação.
O que se observa nestes espaços não é uma
coexistência dessa homogeneização e a diferença, uma
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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
visualidade midiática, que se dá não por uma totalidade, um
conjunto fechado, mas uma globalidade de aberturas, de
relações casuais e de polinizações de fronteiras. Portanto de
difícil definição, pois seu sentido procede destas diversas
manifestações que o compõe.
142
Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance
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