Desenvolvimento Urbano de Curitiba

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87 A C T A S L.deV. TOMO 26 2003 Frank ZIRKL DESENVOLVIMENTO URBANO DE CURITIBA (BRASIL): CIDADE MODELO OU UMA EXCEÇÃO? Fundada em 1693, Curitiba, a capital do estado do Paraná no sul do Brasil é hoje considerada uma das mais avançadas cidades da América Latina. Famosa por seu planejamento urbano, seu sistema de transporte público e pelos resul- tados da política ambiental, a gestão urbana de Curitiba é considerada como um “modelo à seguir”, não só no Brasil, na América Latina toda, mas também para centros urbanos no mundo inteiro. São vários parâmetros que fundamentam esta fama de Curitiba como cidade modelo. O presente texto apresenta os aspectos principais do desenvolvimento urbano da cidade e investiga a questão da influ- ência neoliberal neste desenvolvimento. Neoliberalismo na América Latina e no Brasil Durante uma longa época (entre 1870 e 1930) o Liberalismo foi o modelo de desenvolvimento econômico predominante na América Latina e deixou o con- tinente com uma razoável participação na economia global. Após a crise econô- mica mundial a maioria dos países da América Latina mudou para um modelo de desenvolvimento econômico interno e - à partir da década de 60 - investiu na in- dustrialização na tentativa de substituir as importações. Os governos nacionais mantinham uma posição forte e dominante nas decisões político-econômicas e na organização do mercado regional e nacional. As medidas exageradamente prote- cionistas impediram a concorrência externa, com isso estas empresas posterior- mente enfrentaram enormes problemas para se instalarem no mercado mundial. A crise econômica na América Latina à partir da década de 80 causou em um crescente número de países transformações profundas. Com a entrada de idéias neoliberais as políticas econômicas sofreram alterações. A criação do mercado livre unida à diminuição do poder governamental era o ponto principal do novo padrão de desenvolvimento econômico (ver detalhadamente DOMBOIS, IMBUSCH 1997). Mesmo se baseando de alguma forma nos três diferentes con-

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A C T A S L.deV.

TOMO 26 2003

Frank ZIRKL

DESENVOLVIMENTO URBANO DE CURITIBA (BRASIL): CIDADE MODELO OU UMA EXCEÇÃO?

Fundada em 1693, Curitiba, a capital do estado do Paraná no sul do Brasil é

hoje considerada uma das mais avançadas cidades da América Latina. Famosa por seu planejamento urbano, seu sistema de transporte público e pelos resul-tados da política ambiental, a gestão urbana de Curitiba é considerada como um “modelo à seguir”, não só no Brasil, na América Latina toda, mas também para centros urbanos no mundo inteiro. São vários parâmetros que fundamentam esta fama de Curitiba como cidade modelo. O presente texto apresenta os aspectos principais do desenvolvimento urbano da cidade e investiga a questão da influ-ência neoliberal neste desenvolvimento.

Neoliberalismo na América Latina e no Brasil Durante uma longa época (entre 1870 e 1930) o Liberalismo foi o modelo

de desenvolvimento econômico predominante na América Latina e deixou o con-tinente com uma razoável participação na economia global. Após a crise econô-mica mundial a maioria dos países da América Latina mudou para um modelo de desenvolvimento econômico interno e - à partir da década de 60 - investiu na in-dustrialização na tentativa de substituir as importações. Os governos nacionais mantinham uma posição forte e dominante nas decisões político-econômicas e na organização do mercado regional e nacional. As medidas exageradamente prote-cionistas impediram a concorrência externa, com isso estas empresas posterior-mente enfrentaram enormes problemas para se instalarem no mercado mundial.

A crise econômica na América Latina à partir da década de 80 causou em um crescente número de países transformações profundas. Com a entrada de idéias neoliberais as políticas econômicas sofreram alterações. A criação do mercado livre unida à diminuição do poder governamental era o ponto principal do novo padrão de desenvolvimento econômico (ver detalhadamente DOMBOIS, IMBUSCH 1997). Mesmo se baseando de alguma forma nos três diferentes con-

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ceitos principais do neoliberalismo (ordoliberalismo, monetarismo, suply-site-economies), existem ainda opiniões diferentes e até confusas a respeito do con-teúdo e da aplicação destas teorias neoliberais na América Latina (BOECKH 2001). MESSNER (1997) coloca em discusão a dificuldade de implementação do modelo neoliberal na América Latina. Esta dificuldade pode ter ocorrido devido as estruturas políticas e sociais presentes que impediam as reformas necessárias.

Como primeiro passo podemos identificar resumidamente para a área eco-nômica e sócio-econômica os seguintes pontos do conceito neoliberal (ver DOMBOIS, IMBUSCH 1997:16): – aspectos financeiros / da política fiscal: controle de preços, medidas contra a

inflação, reforma tributária, reorganização do setor financeiro, etc.; – política econômica e aspectos sociais: liberalização e derregularização do

mercado interno, privatização de empresas públicas, mudanças no comércio exterior, suspensão do controle do governo na economia, redução de progra-mas sociais, mercado de trabalho mais flexível.

Os pontos mencionados - além de outros aspectos - alteraram o perfil eco-

nômico e social das sociedades latinoamericanas (DOMBOIS, IMBUSCH 1997). De uma forma geral o conceito neoliberal pode ser restrito aos seguintes pontos principais: – diminuição do papel do Estado na área econômica, – crescimento do individualismo na sociedade levando à uma perda da iden-

tidade coletiva, – o mercado livre, com pouca ou sem intervenção governamental, se forma

como novo núcleo central da sociedade.

Assim em vários países o governo vai abdicando aos poucos do seu poder na área econômica. Como conseqüência ele diminui a sua atuação em outras áre-as como a social. As privatizações de setores como o de telecomunicação, o ener-gético ou de infra-estrutura causaram mudanças na política econômica no final do século XX. Essas mudanças macroeconômicas têm, de um modo geral, também efeitos diretos e indiretos para as áreas urbanas.

O Brasil, atualmente entre as dez maiores economias do mundo, ocupa uma posição dominante na política e economia da América Latina. A política econô-mica sofreu nos últimos 40 anos duas fortes alterações: com a entrada da política de substituição das importações e, mais recentemente, com a introdução de as-pectos neoliberais em sua economia na década de 90. Todavia não ficou muito claro de que forma o neoliberalismo entrou na política econômica do país e que conseqüências resultam desta mudança na política econômica. Fato é que alguns

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aspectos neoliberais estão sendo aplicados no país (privatizações de empresas públicas, liberalização do comércio, diminuição do papel do governo na eco-nomia e no âmbito dos aspectos sociais, etc.). No entanto em muitos setores as reformas estão sendo limitadas pelas estruturas antigas, muitas vezes clientelistas, assim, uma completa abertura econômica, um ponto importante no conceito neo-liberal, ainda não ocorreu (ver MEYER-STAMER 2000).

Neoliberalismo e planejamento urbano Com a entrada do neoliberalismo como padrão de desenvolvimento macro-

econômico durante os últimos 15 anos o perfil econômico de muitos países da América Latina mudou e trouxe conseqüências para o desenvolvimento político, social e sócio-econômico. Alguns aspectos ligados ao neoliberalismo explicam as mudanças nas áreas urbanas: – Há décadas problemas estruturais nas áreas rurais causam mudanças demo-

gráficas, principalmente através das migrações da população rural para os centros urbanos. Aspectos neoliberais na agricultura (aumento da produção para a exportação, agribusiness, modernização e mecanização da agricul-tura, etc.) reforçam esta tendência;

– O crescimento urbano deixou a América Latina como uma das regiões mais urbanizadas do planeta. Resultados negativos da concentração econômica e demográfica nas cidades se mostram na crescente violência urbana, no cres-cimento de áreas marginalizadas e como em São Paulo, por exemplo, na incapacidade do poder público (influência do narcotráfico entre outros).

Como conseqüências para o desenvolvimento urbano neoliberal na América

Latina podemos citar: – uma perda de poder dos governos municipais (e até estaduais) no sistema

econômico, principalmente com empresas multinacionais de um enorme po-der econômico (o que era visto na “guerra fiscal” durante a década de 90 no Brasil, quando as empresas automobilísticas se instalaram no país e os go-vernos municipais e estaduais ofereceram enormes subsídios às empresas);

– um aumento da segregação e fragmentação urbana (o que se manisfesta por exemplo em shopping centers, condomínios fechados, etc., lugares parti-culares sem livre acesso);

– crescimento de áreas de pobreza (como resultado da crescente concentração econômica nos países, especialmente no Brasil);

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– a diminuição do papel do governo municipal na área social (falta de finan-ciamentos para educação, saúde, projetos na área de ensino básico, proteção do meio ambiente, infra-estrutura pública e sanitária, etc.).

Desenvolvimento urbano de Curitiba Até os anos 60 Curitiba se encontrava em uma situação sem destaque entre

as maiores cidades do Brasil, sendo a capital de um estado fortemente agrícola. No entanto, a cidade e o estado do Paraná passaram por grandes modificacões durante os últimos 30 anos. Estas mudanças têm explicações externas (determi-nações federais, política agrícola) e locais (o próprio desenvolvimento urbano), que contribuiu para o rápido crescimento de Curitiba (ZIRKL 1999): – A modernização e a mecanização da agricultura causou alterações no campo

rural levando à migrações para os centros urbanos do estado, principalmente para Curitiba. Com a evasão dos cafezais por causas climáticas (o Paraná era na época o maior produtor de café do mundo) em conjunto com a mu-dança para outras culturas agrícolas (trigo, soja), muitos trabalhadores rurais se viram desempregados e recoreram às cidades em busca de empregos;

– Além do forte impulso migratório que ocorria nas áreas rurais, o cres-cimento intenso se explica também através da crescente industrialização que ocorria na cidade. Com a criação da Região Metropolitana de Curitiba (RMC), no início da década de 70, Curitiba recebeu diversos auxílios do governo federal e melhoramentos em sua infra-estrutura. Um elevado nú-mero de indústrias nacionais e internacionais se instalaram na cidade e pos-teriormente na RMC. A criação do parque industrial “Cidade Industrial de Curitiba” (CIC) foi a contribuição mais forte para a mudança do perfil eco-nômico de uma região agrícola para uma região cada vez mais industria-lizada. O desenvolvimento demográfico na cidade de Curitiba, na Região Metropo-

litana de Curitiba (RMC) e no estado do Paraná entre 1970 e 1996 mostra que principalmente Curitiba como núcleo de região metropolitana passou por um crescimento rápido e intenso nas décadas de 1970 e 1980, o mais alto de todas as capitais estadual do Brasil (quadro 1).

O recente Censo Demográfico 2000 mostra uma população de 1,58 milhões em Curitiba e mais de 2,5 milhões na Região Metropolitana; enquanto o número de habitantes de todo o estado do Paraná cresceu menos significativamente (atu-almente 9,5 milhões de pessoas, IBGE 2001).

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QUADRO 1

taxa de crescimento (%) 1970 1980 1991 1996

70-80 80-91 91-96

Curitiba 609.026 1.024.975 1.315.035 1.476.253 5,34 2,29 2,34

RMC 875.269 1.497.308 2.061.520 2.431.804 5,78 2,95 3,36

Paraná 6.929.068 7.929.392 8.448.658 9.003.804 0,96 0,58 1,28

FONTE: PMC 1999.

Já na década de 1960 o crescimento urbano de Curitiba chamou a atenção

dos órgãos de planejamento urbano da cidade. Apesar das experiências primárias com o Plano Agache de 1943, o Plano Diretor de 1966, instalado no mesmo ano, é até hoje a base do planejamento municipal de Curitiba. Diferente de outras ci-dades brasileiras Curitiba não só elaborou um plano diretor como também o co-locou em prática.

Os seguintes aspectos deste Plano Diretor e outras determinações foram fun-damentais para o desenvolvimento da cidade: – controle do crescimento urbano (crescimento linear com eixos estruturais); – zoneamento urbano, lei do uso do solo; – desenvolvimento e ampliação da infra-estrutura urbana (saneamento básico,

construção de vias, habitações, área de saúde, educação, etc.).

O planejamento urbano de Curitiba é desenvolvido pelo Instituto de Pes-quisas e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), um órgão municipal criado nos anos 60 para a elaboração do plano diretor. Ainda hoje o IPPUC é o respon-sável pelo planejamento urbano da cidade. Além das partes arquitetônicas e téc-nicas esta instituição em conjunto com outros órgãos municipais cada vez mais une aspectos ambientais e sociais ao planejamento urbano.

Mais detalhadamente podem ser observados em seguida, alguns pontos prin-cipais do planejamento urbano em Curitiba. Já no começo da década de 70 foram instalados parques em diversos locais da cidade, principalmente ao longo dos leitos dos rios para evitar uma ocupação clandestina nestas áreas inundáveis. Com esta prevenção contra as enchentes, o tamanho das áreas verdes na cidade aumentou significativamente e Curitiba tem hoje em dia o maior número e a maior área de parques urbanos no Brasil (mais de 50 m² por habitante, PMC 1999). Desde então, seguiram-se inúmeros projetos e programas para se conse-guir um desenvolvimento urbano mais ordenado. O que chama atenção é o fato,

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de que estas iniciativas não se limitaram apenas às áreas mais privilegiadas da cidade (como é comum em cidades no Brasil). Em Curitiba a atuação do governo municipal pode ser vista cada vez mais em regiões menos nobres da cidade.

Uma visão resumida das atividades da administração municipal é exibida no quadro 2.

QUADRO 2

Planejamento e zoneamento urbano – Plano Agache (1943)

– Plano Diretor (1966): (desenvolvimento urbano linear: eixos estruturais)

– Lei do uso do solo Transporte – Transporte público: Rede Integrada de

Transportes (RIT) – Transportes especiais (p.ex. para

deficientes físicos) Aspectos ecológicos – Criação de parques

– Legislação ambiental municipal – Educação ambiental (escolas,

funcionários públicos, população) Saneamento básico – Abastecimento de água

– Coleta e tratamento de esgoto – Resíduos sólidos urbanos (programas de

coleta seletiva de resíduos domésticos) Desenvolvimento econômico – “Cidade Industrial de Curitiba” (CIC)

– “Linhão de emprego” Aspectos diversos – Saúde

– Habitação (solo criado, etc.) – Urbanismo – Cultura local e regional (parques

temáticos, etc.) Desenvolvimento da Região Metropolitana – Planejamento metropolitano

– Industrialização da Região Metropolitana (setor automobilístico)

FONTE: PMC 1997, SAMEK 1996.

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Da teoria à prática: detalhes do desenvolvimento de Curitiba Existe uma grande diferença entre Curitiba e as demais cidades do Brasil:

isto se deve principalmente a elaboração precoce de um Plano Diretor (1966) e a sua real execução nos anos seguintes. As demais cidades, apesar de haverem re-cebido planos semelhantes na mesma época, estes nao chegaram a ser integral-mente concretizados.

O momento da elaboração do Plano Diretor é um fato importante: enquanto em Curitiba o plano foi lançado no começo do crescimento urbano, em outras cidades como Rio de Janeiro ou Belo Horizonte adotaram os seus planos com as cidades já crescidas. Com isto as possibilidades para alcançar um crescimento ordenado foram mais fáceis em Curitiba do que em outras cidades do país.

Um outro ponto importante no desenvolvimento de Curitiba foi o fato que por mais de três décadas o mesmo grupo de planejadores urbanos (no IPPUC) e da política local se manteve, quase sem interrupção, no poder municipal. Isto por um lado leva à suspeita de estruturas clientelistas (o que no aspecto da espe-culação imobiliária é criticado por SAMEK 1996) mas por outro lado percebe-se a grande vantagem desta situação. Enquanto em outras cidades brasileiras os governos municipais em conjunto com a equipe técnica-administrativa sofreram enormes alterações devido as eleições municipais, em Curitiba o grupo principal responsável pelo modelo de desenvolvimento urbano pode trabalhar durante anos o que facilitou a concretização dos projetos idealizados por este grupo.

Este longo período sem alterações significativas na política administrativa propiciou à manutenção das idéias e conteúdos do planejamento urbano no go-verno municipal durante uma época de mais de 30 anos. Diversas áreas de atu-ação do governo municpal desfrutaram desta estabilidade administrativa. Além dos pontos principais do planejamento já mencionados foram lançados inúmeros projetos e programas municipais para atender às necesidades da população e obter um desenvolvimento o mais sustentável possível: – área de ensino: - instalação de bibliotecas “farol do saber” (junto à escolas municipais); - alfabetização dos moradores; - cursos de profissionalização (“oficinas de trabalho”); – além da criação de parques e de projetos na área de saneamento básico fo-

ram lançados - entre outros - as seguintes iniciativas municipais com aspec-tos ecológicos: - criação da “Universidade Livre do Meio Ambiente” (UNILIVRE, um

órgão municipal que oferece cursos de educação ambiental para fun-

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cionários municipais e a população; além de realizar trabalhos cientí-ficos sobre o meio ambiente urbano);

- educação ambiental nas escolas, (“PIA Ambiental”, etc.); - programas de coleta seletiva (“Lixo que não é lixo”, “câmbio verde”,

etc.); - criação da cooperativa dos catadores de papel (apoio logístico e fi-

nanceiro, melhoramentos na coleta seletiva de lixo através de incen-tivos no setor informal);

– saúde pública: - programa odontológico nas escolas (“cárie zero”); - melhoria dos postos de saúde; - fornecimento garantido de remédios básicos (“Farmácia Curitibana”);

O “Sistema Único de Saúde” (SUS), lançado em Curitiba e adotado pelo governo federal, é um exemplo da repercução de programas elaborados em Curitiba adotados em outros lugares do Brasil e até mesmo à nível nacional.

– A promoção do desenvolvimento da economia local tem tradição em Curi-tiba. No começo da década de 70 foram usadas estratégias de marketing urbano para atrair empresas nacionais e internacionais para se instalarem na “Cidade Industrial de Curitiba” (CIC). Um outro projeto mais recente é o chamado “Linhão de Emprego”, uma área linear atravessando 17 bairros na periferia de Curitiba onde o governo municipal colocou infra-estrutura para promover o desenvolvimento econômico e o comércio desta região. Com o intuito de auxiliar a implementação dos programas e projetos mu-

nicipais, a prefeitura criou várias instituições como a Fundação de Ação Social (FAS) e o Instituto Pró-Cidadania. Estas instituções mantêm o contato com a po-pulação o que melhora a eficácia dos projetos.

O marketing urbano de Curitiba tem um papel muito importante. Já nos anos 70 com a criação do parque industrial CIC foram usadas estratégias de marketing para atrair empresas multinacionais para se instalarem na cidade. Durante anos o marketing urbano virou uma ferramenta poderosa não só para o desenvolvimento econômico mas também para manter o mesmo grupo de interesses no poder mu-nicipal e promover o modelo de gestão pública no Brasil e até para o exterior. Assim surgiram títulos como “Capital ecológica do Brasil” entre outros.

Precária porém, é a participação da população na política municipal. Outras cidades brasileiras como Porto Alegre e Belo Horizonte mostram com sucesso um novo tipo de administração: através do “orçamento participativo”, os morado-res fazem parte das decisões sobre a aplicação dos investimentos municipais. A

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população nessas cidades participa ativamente do desenvolvimento urbano e assim se estabelece uma democracia mais direta (COY, ZIRKL 2001).

Há pouco tempo, a população curitibana começa a ser consultada a respeito do planejamento da cidade (a chamada “gestão compartilhada”), no entanto esta “participação” ainda nao chega à ser semelhante à das cidades anteriormente mencionadas.

Desenvolvimento urbano de Curitiba sob condições neoliberais Os últimos 40 anos foi uma das épocas mais significativas na evolução ur-

bana de Curitiba. O crescimento espacial e demográfico mudou o perfil da cidade e da região metropolitana. É fundamental mencionar que o modelo de planeja-mento urbano de Curitiba se basea no Plano Diretor lançado nos anos 60 e a im-plementação do mesmo em conjunto com diversas mudanças das décadas se-guintes. O neoliberalismo, no entanto, não foi o padrão de desenvolvimento eco-nômico no Brasil neste período.

Analisando a última década do século XX, quando ocorreu a entrada do neoliberalismo no Brasil, o desenvolvimento urbano de Curitiba mostra altera-ções pouco significativas. Destacam-se os seguintes aspectos: – mudanças macroeconômicas e do espaço urbano: com a instalação de várias

empresas do setor automobilístico, o desenvolvimento industrial do núcleo urbano de Curitiba - até então concentrado no parque industrial (CIC) - se estende cada vez mais para os municipios vizinhos. Ao longo do tempo, contribui para a extenção da malha urbana da cidade núcleo. Isto gera conflitos espaciais com o uso do solo (instalação de industrias versus a pro-teção ambiental) e a crescente urbanização dos municípios da região metro-politana. A instalação de empresas do setor automobilístico na RMC, pro-movido pelo governo estadual, levou também a um aumento da emigração para Curitiba;

– aspectos sociais e sócio-econômicos: como foi mencionado anteriormente, um dos pontos mais importantes do conceito neoliberal é a abdicação do poder governamental, principalmente na economia. Assim deve se tornar cada vez maior a importância do mercado e do sistema econômico na estru-tura da cidade. Os investimentos sociais tendem a se tornarem mais escas-sos, consequentemente a sociedade vai se transformando em uma sociedade mais individualista. No desenvolvimento de Curitiba no entanto, o governo municipal - cada vez mais - trata assuntos como a desigualdade social, pro-moção da economia local, diminuição de divergências sócio-econômicas e

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até aspectos do meio ambiente urbano. Isto tudo mostra, que o poder muni-cipal em Curitiba não abdicou destas áreas clássicas de atuação governa-mental. Mesmo mostrando as vantagens do modelo de planejamento em Curitiba, a

cidade não é uma “ilha de felicidade”. Após mais de 30 anos com o mesmo grupo político no poder municipal estruturas clientelistas conseguiram crescer e a socie-dade passou a ter problemas como corrupção, falta de clareza e transparência no planejamento e ainda a falta de participação da população.

Curitiba: cidade modelo? No presente texto foram colocados aspectos importantes do desenvol-

vimento urbano de Curitiba. Foram destacados os aspectos que influenciaram a caracterização do município como “cidade modelo”. A cidade distingui-se entre as outras capitais e é descrita muitas vezes como referência nacional, o que se comprova nas várias premiações recebidas por instituições nacionais e interna-cionais como as Nações Unidas.

Vale lembrar que Curitiba também apresenta problemas de desenvolvimento urbano como favelização, aumento da desigualdade social e crescimento da vio-lência urbana dentre outros. Estes aspectos porém não são amplamente divul-gados devido a forte influência do marketing urbano que acompanha o desen-volvimento da cidade. Frequentemente são lancados novos títulos para Curitiba como “Capital ecológica do Brasil”ou o mais recente “Capital Social”.

Finalizando podemos descrever Curitiba como modelo de gestão urbana analisando o planejamento urbano, o transporte público e os programas ambien-tais. Estes exemplos bem sucedidos poderiam sim serem adotados em outras ci-dades, sempre, contudo, respeitando as características locais. Levar o modelo inteiro para outros lugares, com certeza, seria um fracasso, por que as mesmas condições e problemas locais não existem em outros lugares.

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Bestimmungsmerkmale der sozialräumlichen Entwicklung von Curitiba”, Trialog, 61, págs. 13-17.

Summary Curitiba, capital of the south brazilian state of Paraná, is famous for its

achievements in urban planning, and often considered as a model city in the Third World. The successful public transport bus system and various municipal

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initiatives to protect the local environment show that a more sustainable develop-ment in urban areas is possible. The citie’s development is based on the Master Plan, which had been issued in 1966 and put into practice since then. Important for the development since the 1960s is the work of the municipal urban planning institute (IPPUC) and the fact, that there were no major changes in municipal administration for more than three decades, which facilitated the realization of the Master Plan.

The bases of the development model of Curitiba was set up in the 1960s, while the macroeconomic development in Brazil was characterized by the econo-mic model of import substitution. But even for the last 10 to 15 years with a slight change to neoliberal economic development patterns in Brazil, Curitiba didn't give up central ideas of its urban planning and administration model. In contrast to neoliberal thoughts (withdraw of the public sector from economy, among others) the city government is still highly envolved into economic and social development processes.

Considering Curitiba as a model city does not mean, on the other side, that there are no problems in local urban development. The demographic growth since the 1960s led to crescent problems with crime and more and more squatter settlements can be seen in the periphery as well as the local environmental situation is not as good as the title “Ecological Capital of Brazil” might convey. There is also a demand for more participation of the citizens at the elaboration of urban development strategies.