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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA – CURSO DE GEOGRAFIA
DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS NA
COMUNIDADE BARRA DA ESPINGARDA (ZONA RURAL -
CAICÓ/RN)
PALOMA MAIARA DE SOUZA
CAICÓ
2015
PALOMA MAIARA DE SOUZA
DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS NA
COMUNIDADE BARRA DA ESPINGARDA (ZONA RURAL - CAICÓ/RN)
Monografia apresentada ao Departamento de Geografia
do Centro de Ensino Superior do Seridó da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para
obtenção do título de Bacharel em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Gleydson Pinheiro Albano
CAICÓ
2015
PALOMA MAIARA DE SOUZA
DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS NA
COMUNIDADE BARRA DA ESPINGARDA (ZONA RURAL - CAICÓ/RN)
Monografia apresentada ao Departamento de Geografia
do Centro de Ensino Superior do Seridó da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para
obtenção do título de Bacharel em Geografia.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dr. Gleydson Pinheiro Albano – Orientador
UFRN/CERES/DGC
____________________________________________________
Prof.ª Ms. Isabel Cristina dos Santos – Examinadora
UFRN/CERES/DGC
____________________________________________________
Prof.ª Ms. Sandra Priscila Alves – Examinadora
UFRN/CERES/DGC
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, por ter me dado forças e iluminado o meu caminho ao
longo do curso.
Ao professor, orientador e amigo Gleydson Pinheiro Albano, pelas orientações e
conselhos dados.
À Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a todos os professores do curso, que
foram de fundamental relevância para a minha formação acadêmica e pelos ensinamentos que
levarei por toda a vida.
À minha amada mãe, pessoa mais importante da minha vida, obrigado por tudo.
A toda a minha família, em especial à minha irmã Hannah, meus avós Antônio e Luzia,
meus tios Geraldo, Erivaldo, Antônio e Enedina e as minhas primas Simone e Aline.
Em memória a minha avó Cristina Maria da Costa.
Aos meus queridos amigos, que levarei por toda a vida a nossa amizade: Rejane,
Everton e Lillian, assim como, Gislainy, Aristóteles, Josenildo, Ilderlânia e Paulo Sérgio. E
também a Luan Oliveira, Diego, Lucivan e, em especial, a Antônio. Que contribuíram de
alguma forma para a construção desse trabalho e também me dando forças.
Em especial as minhas amadas amigas-irmãs, que levarei por toda a vida a nossa
amizade, Ana Cássia e Dayane Raquel.
A minha turma de graduação, que tornou mais divertida a nossa passagem pela
universidade.
À minha amiga Neusiene Silva pelas orientações extras e essencial ajuda nos momentos
difíceis.
À Alison Réges, pessoa especial e importante na minha vida.
A Talita Luana da Silva, pois sua monografia intitulada: Atividades econômicas
agrícolas e desenvolvimento rural no distrito Palma (zona rural de Caicó – RN) foi em alguns
pontos, norteadora desta.
E finalmente, dedico este trabalho a todos os moradores das zonas rurais e à
Comunidade Barra da Espingarda e a todos que colaboraram de alguma forma para a
construção desse trabalho.
RESUMO
Este trabalho busca analisar o Desenvolvimento Rural e as Políticas Públicas na comunidade
Barra da Espingarda, zona rural do município de Caicó/RN. Nesse contexto, buscamos
identificar as características da população, assim como, alguns itens relacionados à qualidade
de vida dos residentes na área de estudo; identificar as atividades agrícolas e não agrícolas;
discorrer acerca períodos de seca e analisar as políticas públicas implantadas na área de
estudo. Para isso foram realizadas reflexões teóricas que abarcaram os temas: rural,
desenvolvimento e desenvolvimento rural, atividades agropecuárias e não agrícolas, seca e
políticas públicas. Além disso, foram realizadas visitas in loco, para observação, aplicação de
entrevistas semiestruturadas aos residentes da comunidade que faziam parte da amostragem
considerada e registro fotográfico. Após essas etapas, foram feitas a análise e tabulação dos
dados, de forma qualitativa, através da construção de um perfil textual, e quantitativa, através
do software SPHINX 5 e da construção de tabelas e gráficos no software Excel 2010. Nesse
contexto, verificamos que a comunidade apresenta a maioria das condições geradoras de
desenvolvimento rural. Porém, ainda apresenta alguns problemas a serem corrigidos.
Palavras-chaves: Comunidade Barra da Espingarda. Desenvolvimento Rural. Políticas
Públicas.
ABSTRACT
This paper analyzes the Rural Development and Public Politics at Barra da Espingarda
Community, rural area of Caicó/RN city. In this context, we seek to identify the population's
characteristics, as well as some items related to the quality of life for residents in the study
area; to identify agricultural and non-agricultural activities; discoursing about droughts and
analysis public politics implemented in the study area. For this were performed theoretical
reflections that encompassed the themes: rural, development and rural development, farming
activities and non-agricultural, drought and public politics. Moreover, visits were made in
loco, for observation, application of semi-structured interviews with community residents
who were part of the sample considered and photographic record. After these steps have been
made the analysis and tabulation of data, qualitatively, by building a textual profile and
quantitative, through SPHINX 5 software and of the construction of tables and graphs in the
Excel 2010 software. In this context, we find that the community provides most of the
generating conditions of rural development. However, still has some problems to be corrected.
Keywords: Barra da Espingarda Community. Rural Development. Public Politcs.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Localização da comunidade Barra da Espingarda, Caicó/RN .............................. 58
Figura 2 – Centro de Saúde Mãe Mariquinha ........................................................................ 72
Figura 3 – Escola Isolada Barra da Espingarda ..................................................................... 74
Figura 4 – Escola Municipal Severino Paulino de Souza ...................................................... 75
Figura 5 – Construção da quadra de esportes coletiva da comunidade ................................. 80
Figura 6 – caixas d‟água da Associação (1 e 2); dessalinizador (3); cata-vento (4); cisterna do
SEAPAC (5); cisterna FUNASA (6); cisterna enxurrada (7) e cisterna calçadão (8) ............ 82
Figura 7 – Agricultura de sequeiro na comunidade Barra da Espingarda ..............................86
Figura 8 – Agricultura de vazante na comunidade Barra da Espingarda .............................. 87
Figura 9 – modo de trabalho e de transporte na agricultura na comunidade ......................... 92
Figura 10 – Pomar de uma residência na comunidade Barra da Espingarda ........................ 93
Figura 11 – Unidade de refrigeração de leite ........................................................................ 94
Figura 12 – Capela Nossa Senhora da Conceição da Divina Misericórdia ......................... 103
Figura 13 – Lavanderias comunitárias ................................................................................. 104
Figura 14 – Associação Comunitária da Barra da Espingarda ............................................ 105
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Estabelecimentos agropecuários pluriativos e não pluriativos no Brasil e Nordeste
................................................................................................................................................. 39
Tabela 2 – Dados da população e residências dos anos 1998, 2001 e 2005 .......................... 70
Tabela 3 – Principais lavouras agrícolas na comunidade, em 1998 e 2001............................ 90
Tabela 4 – Quantidade de animais e aves na comunidade, em 1998 e 2001 ......................... 90
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Políticas Públicas e suas áreas de atuação ............................................... 54
Quadro 2 – Políticas Públicas que foram evidenciadas na comunidade Barra da Espingarda
................................................................................................................................................ 101
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Faixa etária dos residentes .................................................................................. 64
Gráfico 2 – Estado civil dos residentes .................................................................................. 65
Gráfico 3 – Número de dependentes por família ................................................................... 65
Gráfico 4 – Anos de moradia na comunidade ........................................................................ 67
Gráfico 5 – Obtenção da terra na comunidade ....................................................................... 68
Gráfico 6 – Casas que fizeram parte do projeto SESP/CHAGAS na comunidade ................ 69
Gráfico 7 – tamanho da área das propriedades na comunidade ............................................. 69
Gráfico 8 – Satisfação com a condição de moradia na comunidade ...................................... 71
Gráfico 9 – Local de acesso à educação ................................................................................. 76
Gráfico 10 – Nível de instrução educacional dos residentes .................................................. 77
Gráfico 11 – Destino do lixo na comunidade ......................................................................... 79
Gráfico 12 – Continuação do trabalho agrícola na comunidade ............................................ 86
Gráfico 13 – Consumo e venda de frutas, verduras e legumes produzidos na comunidade .. 88
Gráfico 14 – Uso de mão-de-obra contratada na propriedade ............................................... 88
Gráfico 15 – Benfeitorias e instalações da propriedade ........................................................ 89
Gráfico 16 – Equipamentos e transportes para o uso agropecuário na comunidade ............. 91
Gráfico 17 – Destino dos derivados de origem animal na comunidade ................................ 93
Gráfico 18 – Tempo de participação no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
de Caicó/RN ............................................................................................................................ 95
Gráfico 19 – Assistência Técnica para os residentes ............................................................. 95
Gráfico 20 – Relação dos residentes com DNOCS ............................................................... 96
Gráfico 21 – Prejuízos econômicos ocasionados pela seca na comunidade .......................... 98
Gráfico 22 – Acesso as políticas públicas pelos residentes ................................................. 100
Gráfico 23 – Recebimento de aposentadoria e pensão na comunidade ............................... 101
Gráfico 24 – Bens de consumo duráveis do domicílio ........................................................ 102
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACS – Agentes Comunitários de Saúde
ADENE – Agência de Desenvolvimento do Nordeste
ADESE – Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó
ALCECOSA – Algodoeira Seridó Comércio e Indústria S/A
ASA – Articulação do Semiárido
ASB – Assistente de Saúde Bucal
ASG – Auxiliar de Serviços Gerais
BIRD – Banco Interamericano de Desenvolvimento/Banco Mundial
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CNBB – Conferência Nacional de Bispos do Brasil
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
DAP – Declaração de Aptidão ao PRONAF
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
EJA – Ensino de Jovens e Adultos
EMATER – Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte
ESF – Estratégia Saúde da Família
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FAPTR – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural
FAR – Fundo de Arrendamento Residencial
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNE – Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste
FSESP – Fundação de Serviços de Saúde Pública
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
GTI – Grupo de Trabalho Interministerial
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
INEC – Instituto Nordeste Cidadania
IOCS – Inspetoria de Obras Contra as Secas
MCidades – Ministério das Cidades
MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MEB – Movimento de Educação de Base
MEC – Ministério da Educação
MI – Ministério da Integração Nacional
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
ORNAS – Ocupações Rurais Não Agrícolas
P1+2 – Uma Terra e Duas Águas
P1MC – Um Milhão de Cisternas
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PAC – Política Agrícola Europeia
PBA – Programa Brasil Alfabetizado
PBF – Programa Bolsa Família
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PDRI – Projetos de Desenvolvimento Rural Integrado
PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
PMCMV – Programa Minha Casa Minha Vida
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNCD – Plano Nacional de Combate a Desertificação
PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONATEC – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PSP – Programa Semiárido Potiguar
QV – Qualidade de Vida
RN – Estado do Rio Grande do Norte
SCO – Sociedade Civil Organizada
SEAPAC – Serviço de Apoio aos Projetos Alternativos Comunitários
SEMARH – Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos
SESP – Serviço Especial de Saúde Pública
SETHAS – Secretaria de Estado do Trabalho, Habitação e da Assistência Social
SNCR – Sistema Nacional de Crédito Rural
SRA – Secretaria de Reordenamento Agrário
STTR – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Caicó
SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
SUCAM – Superintendência Nacional de Campanhas
UBS – Unidade Básica de Saúde
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 13
2. DESENVOLVIMENTO RURAL: REFLEXÕES TEÓRICAS ..................................... 15
2.1. RURAL .............................................................................................................................. 15
2.1.1. Alguns aspectos históricos e as perspectivas atuais acerca do rural ........................ 17
2.2. DESENVOLVIMENTO .................................................................................................... 21
2.3. DESENVOLVIMENTO RURAL ..................................................................................... 26
2.4. ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS E NÃO AGRÍCOLAS ........................................... 32
2.4.1. Secas ............................................................................................................................... 39
2.4.2.1. Características gerais ................................................................................................ 39
2.4.2.2. Aspectos históricos .................................................................................................... 41
2.4.2.3. Paradigma atual: a Convivência com o Semiárido ................................................ 44
3. POLÍTICAS PÚBLICAS ................................................................................................... 48
4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ............................................................ 57
4.1. HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO ........................................................................................ 57
4.2. ELEMENTOS NATURAIS .............................................................................................. 61
5. ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA
COMUNIDADE BARRA DA ESPINGARDA .................................................................... 63
5.1. CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO ....................................................................... 63
5.2. QUALIDADE DE VIDA .................................................................................................. 66
5.2.1. Condições de moradia .................................................................................................. 66
5.2.2. Saúde .............................................................................................................................. 71
5.2.6. Acesso à água ................................................................................................................ 81
5.3. FONTES DE RENDA ....................................................................................................... 83
5.3.1.1. Efeitos agrícolas e sociais ocasionados pela seca..................................................... 97
5.3.4. Aposentadoria e pensão ............................................................................................. 101
5.4. CONSUMO DE BENS E SERVIÇOS ............................................................................ 102
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 109
APÊNDICE A – ENTREVISTA APLICADA AOS RESIDENTES DA COMUNIDADE
BARRA DA ESPINGARDA ................................................................................................ 117
13
1. INTRODUÇÃO
As concepções acerca do desenvolvimento rural vêm variando ao longo do tempo, se
apresentando como um tema complexo, com múltiplas visões analíticas e ainda em
construção. Apresentando-se ainda com uma relativa ausência de debates acadêmicos e
políticos.
Isso se deu devido à influência de diversos condicionantes do desenvolvimento da
economia e da sociedade, impostas ao meio rural. E, sobretudo, das transformações sociais,
econômicas e ambientais alçadas no âmbito da modernização da agricultura, pautada na
Revolução Verde. O Estado foi por muito tempo o principal agente promotor dos programas
de desenvolvimento rural. Fato esse que passou a mudar nas décadas de 1980 e 1990, com a
abertura comercial e a globalização. Assim, a partir dessas décadas houve a dissociação do
desenvolvimento agrícola, como sinônimo de desenvolvimento rural, passando a ganhar
novos enfoques, como a preocupação com o meio ambiente, a retomada da agricultura
familiar, o foco no desenvolvimento local e na pluriatividade. Portanto, voltado para o
desenvolvimento das zonas rurais e para o bem estar das suas populações, do ponto de vista
social, ambiental, político e econômico.
Na comunidade Barra da Espingarda (zona rural de Caicó/RN), achou-se relevante
realizar uma análise acerca do desenvolvimento rural, devido à mesma apresentar uma
considerável alocação de políticas públicas, recursos e infraestruturas. Características essas
que impulsionaram o desenvolvimento da comunidade.
Em virtude do que foi exposto, o presente trabalho versa acerca do desenvolvimento
rural na comunidade Barra da Espingarda, considerando para isso as Políticas Públicas e as
atividades agropecuárias e não agrícolas e a influência da seca. Para isso buscou-se identificar
as características da população, assim como, alguns itens relacionados à qualidade de vida dos
residentes na área de estudo; identificar as atividades agrícolas e não agrícolas; discorrer
acerca dos períodos de seca e analisar as políticas públicas implantadas na área de estudo.
Quanto aos procedimentos metodológicos considerados na presente pesquisa, em um
primeiro momento foram realizadas pesquisas bibliográficas em acervos de livros,
dissertações, teses, artigos, revistas e sites. Em um momento posterior, se fizeram visitas in
loco com registro fotográfico e entrevistas em um universo amostral abarcado pelos residentes
e alguns atores sociais, como o Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do RN
(EMATER), o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), a Secretaria
Municipal de Agricultura, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Caicó
14
(STTR) e a Associação Comunitária da Barra da Espingarda. Adotou-se um procedimento
amostral baseado na aplicação de entrevistas semiestruturadas, através da amostragem
aleatória simples, englobando 50% das residências, abertas, da comunidade, ou seja, 44
domicílios, durante o período temporal de agosto e setembro de 2014.
Após essas etapas, foram feitas a análise e tabulação dos dados, de forma qualitativa,
através da construção de um perfil textual, e quantitativa, através do software SPHINX 5 e da
construção de tabelas e gráficos no software Excel 2010.
Para uma maior compreensão deste trabalho dividimo-lo em:
No capítulo, Desenvolvimento Rural: Reflexões Teóricas achou-se relevante as
separações conceituais, para um melhor entendimento em relação aos temas rural,
desenvolvimento e desenvolvimento rural, considerando também as atividades agropecuárias
e não agrícolas e os impactos da seca sobre as mesmas.
No capítulo, Políticas Públicas, faremos algumas considerações conceituais
relacionadas ao referido tema.
No capítulo, Caracterização da Área de Estudo, discutiremos acerca dos principais
aspectos históricos da ocupação da comunidade Barra da Espingarda e, em seguida, os
elementos naturais evidenciados na mesma.
E no capítulo, Análise do Desenvolvimento Rural e das Políticas Públicas na
comunidade Barra da Espingarda, discorreremos sobre os resultados da pesquisa, separando
em diferentes seções e subseções para uma melhor compreensão, como as características da
população, a qualidade de vida, as fontes de renda, o consumo de bens e serviços, os espaços
públicos e particulares de convivência e a sensação de qualidade de vida e desenvolvimento
da população local.
15
2. DESENVOLVIMENTO RURAL: REFLEXÕES TEÓRICAS
Nesta parte do trabalho, iremos nos deter em algumas explanações teóricas, divididas
em três partes: desenvolvimento, rural e por último, o desenvolvimento rural. Achou-se
relevante essas separações conceituais para um melhor entendimento sobre o tema
desenvolvimento rural. Portanto, na seção 2.1, situaremos algumas considerações relacionadas
ao tema rural, na seção 2.2 uma discussão conceitual relativa ao desenvolvimento, na seção
2.3 um apanhado geral acerca do desenvolvimento rural e na seção 2.4. consideraremos as
atividades agropecuárias e não agrícolas, assim como, as influências trazidas pela seca.
2.1. RURAL
A palavra rural é oriunda do latim rurale. Disposto como: “pertencente ou relativo ao,
ou próprio do campo; agrícola.” (FERREIRA; FERREIRA; ANJOS, 2010, p. 1866).
Existem universalmente várias definições sobre meio rural. A definição de meio rural
feita pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – FAO/DAS
(1998, apud ABRAMOVAY, 2003, p. 24), se torna relevante por desfazer certos vícios de
raciocínio.
“Ainda que em muitos casos a agricultura ofereça o essencial das oportunidades de
emprego e geração de renda em áreas rurais, é preferível não defini-las por seu
caráter agrícola. Há crescente evidência de que os domicílios rurais (agrícolas e não-
agrícolas) engajam-se em atividades econômicas múltiplas, mesmo nas regiões
menos desenvolvidas. Além disso, conforme as economias rurais se desenvolvem,
tendem a ser cada vez menos dominadas pela agricultura”.
A característica principal das áreas rurais é a rarefação populacional, mas também a
distância das aglomerações urbanas (VEIGA, 2001). Outras importantes características do
rural é a relação com a natureza e a dependência das atividades econômicas de cidades
próximas ou de centros urbanos mais distantes, onde em países pouco desenvolvidos como o
Brasil, o dinamismo das economias rurais ainda depende essencialmente da relação com os
mercados urbanos (KAGEYAMA, 2004; WANDERLEY, 2001).
O rural é considerado como um território que vem passando por alterações ao longo do
tempo, adaptando-se aos novos contextos e realidades, para garantir sua sobrevivência. Mas,
ao mesmo tempo, é um espaço próprio, diferenciado, específico, tanto em relação ao espaço
16
físico quanto aos modos de vida. É também dinâmico, com particularidades históricas,
sociais, econômicas e culturais (KAGEYAMA, 2004; WANDERLEY, 2001). Embora os
meios rurais apresentem semelhanças entre si, são caracterizados por uma imensa diversidade,
sendo necessário desenvolver tipologias explicativas quanto aos mesmos, que abarquem esta
diversidade (ABRAMOVAY, 2003).
Abramovay (2003), baseando-se na perspectiva de que a ruralidade é um conceito de
natureza territorial e não setorial, citou três principais aspectos da ruralidade, expondo não só
sua importância, como também sua relação com as cidades: a relação com a natureza, a
relativa dispersão populacional e a relação com as cidades.
O primeiro aspecto, diz respeito ao maior contato que as áreas rurais permitem entre
seus habitantes e a natureza, do que nas zonas urbanas. Essa relação se dá tanto pelo fator
ético e afetivo, quanto, atualmente, pela perspectiva de nova fonte de geração de renda rural e
pela demanda por valores de amenidades (ar puro, florestas e relações próximas entre as
pessoas). Nesse contexto, a partir da visão do rural como um valor a ser preservado, vem se
desencadeando políticas e o manejo e exploração sustentáveis, tanto da biodiversidade quanto
das práticas produtivas.
O segundo aspecto aponta para a sua relativa dispersão populacional, onde áreas não
densamente povoadas, como Abramovay (2003) denomina a zona rural, são caracterizadas
pela baixa quantidade de habitantes, assim como, pela certa distância das cidades; o
movimento migratório entre cidade e campo, com a nova tendência de residências rurais e
trabalho urbano; e a busca pelas amenidades do campo.
Por último, mesmo com a relevância que as áreas não densamente povoadas vêm
conquistando, não se pode desconsiderar sua dependência com as cidades, pois depende das
atividades econômicas das mesmas para garantir o seu próprio bem-estar econômico e sua
dinamicidade. Assim, quanto mais próxima de áreas urbanas, mais prósperas e dinâmicas
serão essas áreas.
Nessa perspectiva de variadas definições, Kageyama (2004) estabeleceu um consenso
na literatura acerca do que é rural:
“[...] a) rural não é sinônimo de agrícola e nem tem exclusividade sobre este; b) o
rural é multissetorial (pluriatividade) e multifuncional (funções produtiva,
ambiental, ecológica, social); c) as áreas rurais têm densidade populacional
relativamente baixa; d) não há um isolamento absoluto entre os espaços rurais e as
áreas urbanas. Redes mercantis, sociais e institucionais se estabelecem entre o rural
e as cidades e vilas adjacentes.” (KAGEYAMA, 2004, p. 382).
17
Quanto à diferenciação entre rural e urbano, no Brasil até 1938, não havia nenhum
aparato legal que distinguisse cidade de vila, assim, cidades e vilas poderiam ser elevadas à
condição de sedes de municípios se apresentassem um espaço com ocupação consolidada,
sem obedecer a qualquer outra norma. Foi apenas durante o Estado Novo que se estabeleceu
as regras de divisão territorial e a definição de “cidade”, vigentes até hoje (VEIGA, 2001).
Através do Decreto-Lei 311, de 1938: “[...] que transformou em cidades todas as sedes
municipais existentes, independentemente de suas características estruturais e funcionais.”
(VEIGA, 2001, p. 08).
Assim, no Brasil, utiliza-se a classificação político-administrativa estabelecida pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, para a classificação do rural, como:
“[...] áreas externas aos perímetros urbanos, inclusive nos aglomerados rurais de extensão
urbana, povoados, núcleos e outros aglomerados.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011, p. 19).
Essa classificação administrativa levanta diversos questionamentos na literatura, por
basear-se claramente em uma definição de cidade, ao considerar urbano toda sede de
municípios e distritos, independentemente do tamanho e características socioeconômicas, e
conceber o restante como rural. Mesmo em locais pouco artificializados, com uma diminuta
população e densidade demográfica, mas, que de acordo com estimativas, apresentam alta
taxa de urbanização (KAGEYAMA, 2004; NEY; HOFFMANN, 2008; PONTE, 2004;
VEIGA, 2001).
Porém, para Abramovay (2003), a definição do IBGE, é de natureza residual, devido à
delimitação das cidades serem feitas pelos poderes públicos municipais, segundo os atributos
fiscais e não aos aspectos geográficos em geral; pela atribuição de urbano aos locais que
tenham extensão de serviços urbanos, mesmo com poucas habitações e a definição de rural
ainda ser feita segundo suas carências; cuja emancipação social dos espaços rurais passa
imediatamente a ser vista como “urbanização do campo”.
2.1.1. Alguns aspectos históricos e as perspectivas atuais acerca do rural
Os primeiros assentamentos humanos surgiram no paleolítico (idade da pedra lascada),
de forma temporária, pois ainda existiam as sociedades de caçadores-coletores nômades. Foi
apenas durante o neolítico (idade da pedra polida em torno de 12.000 anos atrás), que as
diversas sociedades humanas, se sedentarizaram, com a construção de moradias duráveis e
18
iniciaram a transição da predação para a agricultura, entre 10.000 e 5.000 anos antes de nossa
Era, chamada de revolução agrícola neolítica. Portanto, o que se sabe é que a agricultura, em
si, nasceu no fim da Pré-história, na época neolítica. A partir da agricultura neolítica se
despontou o crescimento da população humana, que passou de 5 a 50 milhões de habitantes
entre 10.000 e 5.000 anos antes de nossa Era, e assim por diante, fazendo surgir as diversas
civilizações e cidades (MAZOYER; ROUDART, 2010). Foi assim, que o meio urbano passou
a existir e a partir daí ganha vida a diferenciação rural-urbano.
Com isso, até meados do século XVIII o território rural apresentava importância
primária, com uma população maior do que a urbana e uma maior significação produtiva para
a economia. No final desse século, com a Revolução Industrial, houve uma grande alteração
das estruturas econômicas, políticas e sociais, valorizando-se a indústria, ou seja, o progresso.
Fazendo com que o rural e a agricultura perdessem espaço e valorização, devido à
mecanização do campo, ao êxodo rural em massa para as cidades e para servirem de mão-de-
obra nas indústrias (PONTE, 2004).
A partir daí o rural e o urbano assumem uma perspectiva dicotômica; que vem se
perpetuando até os dias atuais. Associando o rural ao atraso, à baixa densidade populacional,
ao isolamento, à falta de infraestrutura e a miséria. E o urbano ao progresso, ao
desenvolvimento, a modernidade, a concentração de serviços, infraestruturas, comércio e
indústria (PONTE, 2004; WANDERLEY, 2001).
Depois da Segunda Guerra Mundial, sob a ação do Estado junto às indústrias
agroalimentares e agricultores empresariais, as áreas rurais e seu setor agrícola, passaram por
uma intensa transformação. Essa transformação na agricultura, considerada um setor arcaico,
tradicional e atrasado, diz respeito a sua inserção no sistema econômico, transformando-o em
um setor moderno que participasse do crescimento econômico nacional; isso se deu através da
Revolução Verde (ALMEIDA, 1997).
No Brasil, até a década de 1950, predominava-se uma agricultura baseada na policultura
alimentar e em sistemas de rotação de culturas, em sua maioria, de forma autônoma. A partir
dos anos 1960 e 1970, com o processo de modernização agrícola pautado na Revolução
Verde, tendo como principal agente indutor, no Brasil, o Estado, a agricultura brasileira
passou por amplas mudanças na sua base técnica e produtiva, com a inserção de um amplo
aparato tecnológico e a inserção na divisão internacional do trabalho, da produção capitalista
no campo, da internacionalização e das multinacionais (produtoras de bens de capital e de
insumos modernos) no país (AGRA; SANTOS, 2001; ALBANO, 2005).
19
O ramo industrial passou a comandar a agricultura no país. Essa modernização tinha um
caráter excludente e parcial, por esta orientada para os latifúndios, excluindo os pequenos
agricultores rurais, e por concentrar-se nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil,
voltada para as monoculturas de exportação, adoção de maquinário agrícola (tratores e
colheitadeiras), sementes e produtos químicos (adubos e defensivos); deixando à margem as
regiões Norte e Nordeste, mais pobres e com predomínio dos pequenos produtores e da
policultura alimentar. Esse modelo de produção, inadequado para a maior parte do país,
trouxe graves problemas ambientais e impactos sociais no campo, onde os pequenos
produtores familiares perderam suas terras e trabalho, expulsando-os do campo para as
cidades (AGRA; SANTOS, 2001; ALBANO, 2005).
Historicamente, no Brasil, desde sua colonização houve o predomínio da grande
propriedade patronal, ou seja, latifúndios, gerando assim espaços vazios, física e socialmente
falando. Essa estrutura fundiária foi a grande responsável pelo não acesso à terra e
perpetuação da pobreza, do isolamento e da submissão política da população rural nordestina,
ainda muito evidenciada nos dias atuais. Inibindo também que o país chegasse à paridade
social. Esses espaços vazios também refletem a saída de grande parte dos agricultores do
campo, devido à falta de condições de trabalho. Assim, um meio rural dinâmico será aquele
onde a população tem oportunidade de boas condições de moradia e de trabalho, e não
somente de investimentos e reserva de valor (WANDERLEY, 2001).
Segundo Conterato (2008, p. 110):
“A partir do momento em que as situações de vulnerabilidade social existentes no
meio rural se coadunam às dinâmicas locais e regionais de desenvolvimento,
particularmente em relação às impossibilidades de acesso ao mercado de trabalho
não-agrícola, as restrições quanto ao crédito rural e o fortalecimento dos
monocultivos, criam-se algumas das condições fundamentais para o estabelecimento
dos fluxos migratórios rurais-urbanos e suas „conseqüências‟ (sic) quanto ao
esvaziamento, envelhecimento e masculinização na agricultura e no meio rural e ao
surgimento dos movimentos sociais de luta pela terra [...]”.
Nesse contexto, as transformações operadas no campo dificultaram uma definição
precisa, acentuada pela noção de “urbanização do campo”1, que considera que todo o
território rural está assumindo feições urbanas, contribuindo assim, para o seu
1 O conceito de continuum rural-urbano, assim como, o de urbanização do campo, expressa o fim do isolamento
entre as cidades e o meio rural. O conceito de continuum rural-urbano apresenta duas vertentes. A primeira
considerando o polo urbano como fonte de progresso, e o rural como fonte de atraso, tenderia a reduzi-lo
segundo a influência do polo urbano, havendo assim uma homogeneização espacial e social, que poria fim as
fronteiras entre ambos e consequentemente aos espaços rurais. E a segunda, considera a relação entre os dois
polos, numa perspectiva de aproximação e integração, mas, cada um com suas particularidades, não
representando o fim do rural (WANDERLEY, 2001).
20
desaparecimento. Ao contrário disso: “Há a constituição de novas ruralidades e não sua
urbanização.” (PONTE, 2004, p. 23). Porém, no Brasil, perpetua-se ainda o mito de que a sua
intensa urbanização dará fim à população rural, transformando-a em uma relíquia.
Considerando essa noção, diminui-se tanto a importância da sociedade rural, que ocorre o
mesmo com as políticas voltadas à sua dinamização (ABRAMOVAY, 2003; VEIGA, 2001).
Mas há autores como Graziano da Silva (1997), que acreditam na ideia da “urbanização
do campo”, expondo que nas últimas décadas o meio rural vem se urbanizando cada vez mais,
como consequência da inserção da indústria na agricultura e das características do mundo
urbano no rural.
“[...] a diferença entre o rural e o urbano é cada vez menos importante. [...] o rural
hoje só pode ser entendido como um „continuum‟ do urbano do ponto de vista
espacial; e do ponto de vista da organização da atividade econômica, as cidades não
podem mais ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os campos com
a agricultura e a pecuária.” (GRAZIANO DA SILVA, 1997, p. 01).
Wanderley (2001), afirma que com essa relação de aproximação, acesso a bens e
serviços e assimilação dos modos de vida urbanos, surgiu certa homogeneização entre ambos,
mas, com diferenças significativas. Com a Globalização e o pós-fordismo, fortaleceu-se o
processo de revalorização dos espaços locais e de identidade com o lugar. Impulsionando
também os movimentos sociais com lutas e reivindicações, rurais e agrícolas, por direitos e
políticas públicas.
“As diferenças vão se manifestar no plano das „identificações e das reivindicações
na vida cotidiana‟, de forma que o „rural‟ se torna um „ator coletivo‟, constituído a
partir de uma referência espacial e „inserido num campo ampliado de trocas
sociais‟.” (WANDERLEY, 2001, p. 33).
Devido a essas transformações ocorridas no meio rural, no âmbito da modernização
agrícola, muitos estudiosos perderam o interesse em se estudar esse meio, em si. Assim, a
retomada dos estudos rurais se deu a partir da década de 1990, com uma renovação analítica,
baseada no desinteresse das discussões acerca da modernização agrícola, até então
privilegiada nos estudos rurais, e na valorização da sua capacidade de gerar desenvolvimento
rural. Passou-se, então, a se dar ênfase à ruralidade e sua conexão com outros temas como o
uso do espaço rural, que passou a abarcar novos usos além do agropecuário, como, por
exemplo, o turismo rural e a preocupação ambiental, assim como, a volta do interesse em
torno da agricultura familiar (CONTERATO, 2008).
21
Veiga (2001), retratando o rural em uma perspectiva mais quantitativa, acredita que o
meio rural não deve ser definido apenas por suas atividades agropecuárias, pois a economia
rural brasileira é muito maior que o seu setor agropecuário, mesmo sendo ainda sua atividade
principal. Apesar do declínio do papel da agricultura na geração de ocupação e renda, esta
ainda se configura como a atividade mais importante das zonas rurais. (ABRAMOVAY,
2003; CONTERATO, 2008).
Isso ocorreu devido, atualmente, o meio rural assumir novas funções, além das agrícolas
e industriais, como o crescimento das ocupações rurais não agrícolas, a pluriatividade, a
mecanização e industrialização do processo produtivo agropecuário, turismo rural, como local
de moradia e lazer, a instalação de infraestrutura social, como energia elétrica, abastecimento
de água, educação, saúde, a busca pelas relações sociais mais próximas, geração de empregos,
preocupação ambiental, entre várias outras funções. Um lugar de consumo, de comércio, de
demanda de bens e serviços (ABRAMOVAY, 2003; GRAZIANO DA SILVA, 1997;
PONTE, 2004; VEIGA, 2001, WANDERLEY, 2001).
Outras vantagens das zonas rurais no século XXI são a atração de residentes
temporários e permanentes, aposentados, férias familiares, turistas, esportistas, congressistas,
empresas telefônicas (VEIGA, 2001). Com isso, faz-se com que o rural não seja associado
exclusivamente às atividades agropecuárias e garantindo a permanência das pessoas no
campo, mas, essas características ainda não são evidenciadas em todas as localidades.
Considerando as características do novo rural, Conterato (2008, p. 139) reconhece que,
“[...] ao se tornar espaço em que outras atividades além das agrícolas são desenvolvidas e
portador de infraestruturas básicas de bem-estar, não significa que o meio rural se urbanizou e
a agricultura deixou de ter centralidade econômica, social, cultural e produtiva.”
Essas novas características dos espaços rurais, fazem renascer novos questionamentos e
estudos sobre essa temática. Faz-se necessário a criação de políticas públicas e políticas de
desenvolvimento rural, que compreendam adequadamente a realidade e considerem as
peculiaridades e as singularidades do rural.
2.2. DESENVOLVIMENTO
Na literatura há o consenso de que o conceito de desenvolvimento se apresenta em
constante mudança e construção, devido a sua dualidade de significados. Muitos autores ainda
sustentam a tese de que a adjetivação do termo “desenvolvimento” serve apenas para propagar
22
e dar continuação ao mesmo, por exemplo, o desenvolvimento social e o desenvolvimento
econômico.
Portanto, Kageyama (2004) afirma que o desenvolvimento, seja ele econômico, social,
cultural ou político, é um conceito complexo só sendo passível de ser definido através de
simplificações, incluindo a decomposição de alguns dos seus aspectos e aproximação de
outros.
Do século XVIII até a década de 1930, vigorou de forma dominante a noção de
progresso, associada a uma ideia de crescimento pautada numa visão evolucionista, de
ampliação dos conhecimentos, melhoria das condições de vida, liberdade política e bem-estar
econômico; sendo então substituída pelo termo desenvolvimento (ALMEIDA, 1997;
MENEGETTI, 2012).
No século XX, a palavra foi aderida às ciências sociais, principalmente, na economia,
dando surgimento ao termo desenvolvimento econômico, que passou a ser amplamente
utilizado na política para designar a evolução das atividades humanas e econômicas
(AGUIAR, 2011). Porém, a ideia de desenvolvimento ganha força, em especial, depois da
Segunda Guerra Mundial, sobretudo, na civilização ocidental e países periféricos, sendo
imposta universalmente. Assim, o Estado passou a ser considerado como um dos principais
impulsionadores da modernização e, também, do desenvolvimento econômico e técnico.
Portanto, da década de 1950 até meados da década de 1970, o desenvolvimento era tratado
como sinônimo de crescimento econômico e de progresso para as nações (ALMEIDA, 1997;
MENEGETTI, 2012). l
Além de estar envolto ao crescimento econômico, a ideia de desenvolvimento também
abrangia a ideia de modernização, onde o desenvolvimento tem significado de melhoria,
progresso e crescimento2. Se não há a concretização desses termos tem-se o atraso e o
subdesenvolvimento (BÁREA; MIORIN, 2008).
Portanto, os países tiveram que escolher entre seguir o modelo único de
desenvolvimento e serem julgados como desenvolvidos ou subdesenvolvidos. O modelo de
desenvolvimento se deu principalmente a partir da industrialização, assim, os países
“desenvolvidos” eram aqueles de industrialização precoce e os países “subdesenvolvidos”, se
tornaram aqueles do Terceiro Mundo de industrialização tardia (ALMEIDA, 1997;
MENEGETTI, 2012). Como sintetizou Almeida (1997, p. 36, grifo do autor), a lógica era:
2 Almeida (1997, p. 37, grifo do autor) sintetizou as noções de modernização e desenvolvimento: A primeira
indica a capacidade que tem um sistema social de produzir a modernidade; o segundo se refere à vontade dos
diferentes atores sociais (ou políticos) de transformar sua sociedade. A modernização é um processo e o
desenvolvimento uma política.
23
“[...] desenvolvimento técnico-científico => desenvolvimento socioeconômico => progresso e
crescimento.”
Com o passar do tempo percebeu-se que crescimento econômico e desenvolvimento não
são sinônimos. Mas, que mesmo assim, o crescimento é necessário para o desenvolvimento
(BÁREA; MIORIN, 2008).
Fragilizado com a crise financeira mundial dos anos de 1930, a noção de
desenvolvimento entrou em colapso na década de 1970, na civilização industrializada do
ocidente, passando a ser questionada em escala global; quando houve a percepção de que o
“desenvolvimento” não acontecia em todos os países e continentes de forma igualitária, o que
ideologicamente era seu propósito, se restringindo à Europa e Estados Unidos. Portanto, para
os países subdesenvolvidos a ideia de progresso não passou de um mito, isso se evidenciou,
principalmente, na década de 1950, com a crise econômica do “Terceiro Mundo”. Além de
não erradicar a pobreza e a miséria e, sim acentuá-las, gerou uma degradação ambiental nunca
antes evidenciada em tamanhas proporções (ALMEIDA, 1997; VEIGA, 2003).
Esse modelo de desenvolvimento, segundo Menegetti (2012, p. 4):
“Se de um lado ele conseguiu um crescimento econômico rápido, por outro, gerou
desigualdades, pobreza, concentrou renda, degradou os recursos naturais, não
permitiu que as pessoas exercessem o seu direito mais sagrado que é o exercício da
cidadania, das escolhas, o direito de decidir sobre os destinos da própria vida.”
A distinção entre as noções de desenvolvimento e de crescimento econômico só foi
legitimada de forma clara, a partir de 1990, no primeiro Relatório do Desenvolvimento
Humano publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esse
Relatório também contribuiu com o lançamento do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH)3, que passou a mostrar claramente as faces dessa distinção (VEIGA, 2003).
Assim, “[...] a noção de crescimento é insuficiente para dar conta das transformações
estruturais dos sistemas socioeconômicos, pois apenas leva em consideração a produção sob o
aspecto quantitativo.” (ALMEIDA, 1997, p. 36, grifo do autor). Já a noção de
desenvolvimento,
“[...] ao contrário, pretende evidenciar todas as dimensões - econômica, social e
cultural - da transformação estrutural da sociedade. [...] o desenvolvimento remete às
estruturas sociais e mentais. [...] a dimensão econômica interage de modo recíproco
com os aspectos socioculturais.” (ALMEIDA, 1997, p. 36).
3 O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi criado pela ONU no início dos anos 1990, pelos economistas
Amartya Sen e Mahbub ul Haq, para definir o nível de desenvolvimento da sociedade, pautado nas variáveis:
renda, educação e longevidade (AGUIAR, 2011).
24
Para Veiga (2003, p. 1) o “[...] crescimento só engendra desenvolvimento se seus frutos
prolongarem a vida e melhorarem o nível educacional das populações desfavorecidas (pelo
menos)”.
Assim sendo, a partir da década de 1960 e, sobretudo, na década de 1970, houve uma
mudança de pensamento, cujos principais responsáveis foram os ambientalistas, onde as
preocupações ambientais adquiriram relevância mundial e a sociedade passou a ter papel ativo
na formulação de estratégias de desenvolvimento. A partir daí foram realizados diversos
fóruns e conferências, com a participação de diversas nações, organismos, instituições e
sociedade, para discussões sobre os caminhos para se atingir um desenvolvimento sustentável
(BÁREA; MIORIN, 2008).
A partir daí ocorreu uma mudança no paradigma do desenvolvimento, quando as ideias
de crescimento econômico sustentável ganham força. Essa mudança estava baseada em se
promover o bem-estar social, atentar para a propriedade finita dos recursos naturais e no
comprometimento com o futuro.
Pautado nesse novo paradigma do desenvolvimento sustentável, surgiu o termo
ecodesenvolvimento, durante a Conferência de Estocolmo, Suécia, em 1972; que mais tarde
foi substituído pelo termo desenvolvimento sustentável, expresso no Relatório Brudtland,
publicado em 1987, conhecido no Brasil pelo título de Nosso Futuro Comum4, e consagrado
durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), em 1992, conhecida como Rio-92. Foi durante a Rio-92 que se difundiu a ideia
de desenvolvimento humano, o uso do IDH e, sobretudo, o desenvolvimento sustentável5
(AGUIAR, 2011; ALMEIDA, 1997; BÁREA; MIORIN, 2008; VEIGA, 2003).
No Brasil, os programas de desenvolvimento, inicialmente, se deram em uma fase
nacionalista, com investimentos do Estado nas infraestruturas para a criação de indústrias de
base, propiciando ao decorrer do tempo o surgimento de diversos outros setores econômicos.
Mais adiante, ocorre parcialmente a integração regional, e o país passa a fazer parte de uma
economia capitalista globalizada, onde se passa a evidenciar as suas diferenças regionais.
4 Segundo Aguiar (2011, p. 63) o documento Nosso Futuro Comum definia desenvolvimento sustentável como:
“[...] aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
satisfazerem suas próprias necessidades.” Este conceito passaria então a influenciar diversas políticas
apresentadas pelas agências de financiamento para melhorias dos sistemas de produção em regiões consideradas
pobres ou muito pobres.
5 Pautado na “[...] conjugação da tríade: eficiência econômica, eficácia social e ambiental.” (BÁREA; MIORIN,
2008, p. 92), só seria atingido quando essas três variáveis fossem alcançadas de forma sincrônica.
25
Assim, surgem políticas públicas com o objetivo de alavancar o desenvolvimento do país,
assim como, para a ocupação e colonização das regiões Centro-Oeste e Norte, consideradas
estagnadas. Contudo, o que se evidenciou com o tempo, foram as disparidades
socioeconômicas, ou seja, o desenvolvimento desigual, das regiões Nordeste, Centro-Oeste e
Norte em relação às outras regiões (AGUIAR, 2011).
É relevante observar também que o desenvolvimento tem uma faceta geográfica. Essa
faceta esta no conceito de desenvolvimento sócio espacial de Souza M. (2013). De acordo
com Souza M. (2013), anteriormente as teorias e abordagens do termo “desenvolvimento”,
advindas da Economia ou da Sociologia, ora negligenciaram ora valorizaram apenas partes do
espaço geográfico. Reduzindo-o, por exemplo, a espaço econômico ou meio ambiente, entre
outros. A adoção do termo sócio espacial contribui para legitimação da espacialidade como
um aspecto central do problema.
Portanto, o autor supracitado considera “[...] o termo „desenvolvimento‟ como um
cômodo substituto da fórmula transformação social para melhor, propiciadora de melhor
qualidade de vida e maior justiça social.” (SOUZA, M., 2013, p. 264, grifo do autor). A
preocupação com o desenvolvimento sócio espacial se justifica como forma de superação da
ideologia capitalista e eurocêntrica do “desenvolvimento econômico” e da injustiça social e
heteronomia, ou seja, no processo de enfrentamento da heteronomia e conquista da autonomia
(democracia autêntica e radical)6.
Para Souza M. (2013, p. 285, grifo do autor):
“O desenvolvimento „sócio-espacial‟ (sic) é, acima de tudo, o enfrentamento da
heteronomia e a conquista de mais e mais autonomia. E isso não pode ser feito sem
a consideração complexa e densa da dimensão espacial em suas várias facetas:
como „natureza primeira‟; como „natureza segunda‟ material, transformada pela
sociedade em campo de cultivo, estrada, represa hidrelétrica, cidade ...; como
território, espaço delimitado por e a partir de relações de poder; como lugar, espaço
dotado de significado e carga simbólica, espaço vivido em relação ao qual se
desenvolvem identidades „sócio-espaciais‟ (sic), ou, no fundo, imagens espaciais e
sentimentos e afetos especializados; e assim sucessivamente”.
Nesse contexto, o termo desenvolvimento passou por várias significações ao longo do
tempo, seguindo o contexto da época e do adjetivo a ele atribuído. Sendo assim, de forma
6 A heteronomia, ou a imposição da “lei” (no sentido amplo da palavra grega nómos: norma, lei, costume,
convenção) de cima para baixo – por uma elite dominante – e/ou de fora para dentro – por uma potência invasora
–, é aquela situação com a qual a humanidade mais frequentemente se viu confrontada [...]. A autonomia [...] é a
capacidade de um grupo autogerir-se e autogovernar-se, que pressupõe a ausência de assimetrias estruturais de
poder e, nesses marcos, de hierarquias institucionalizadas, bem como da atribuição da legitimidade do poder a
uma fonte extrassocial. [...] precisamente o sentido profundo de dar a si próprio a lei (autós-nómos) (SOUZA,
M., 2013, p. 294, grifo do autor).
26
simplificada, para Bárea e Miorin (2008, p. 105) “[...] desenvolvimento [...] se caracteriza por
metas e por objetivos que visam atingir melhorias.”
2.3. DESENVOLVIMENTO RURAL
O conceito de desenvolvimento rural vem variando ao longo do tempo, devido à
influência de diversos condicionantes do desenvolvimento da economia e da sociedade que se
impõem ao meio rural. Segundo Conterato (2008) no Brasil, porém, ainda se perpetua uma
relativa ausência de debates acadêmicos e políticos acerca do tema.
Há um consenso na literatura de que o conceito de desenvolvimento é complexo, por
apresentar múltiplas visões analíticas, portanto, suas bases teóricas encontram-se ainda em
construção (CONTERATO, 2008).
Internacionalmente a discussão relacionada ao desenvolvimento rural passou a ganhar
mais destaque a partir da percepção generalizada das transformações sociais, econômicas e
ambientais alçadas no âmbito da modernização da agricultura, pautada na Revolução Verde7.
Ellis e Biggs (2001 apud CONTERATO, 2008, p. 47) expõem a trajetória do
desenvolvimento rural:
“[...] na década de 1950, o desenvolvimento rural esteve fortemente associado às
políticas de modernização, com base em modelos dualistas que rotulavam os
agricultores de „modernos‟, em contraposição aos „atrasados‟. Nos anos 60, ganhou
fôlego o debate sobre a modernização da agricultura e a transferência de tecnologia
via Revolução Verde. Nos anos 70, intensificaram-se as políticas agrícolas, com
forte adoção de tecnologias por parte dos agricultores, via proposição de um
desenvolvimento rural integrado com intensa participação das entidades de extensão
rural. Durante os anos 80, com a crise do Estado desenvolvimentista, intensificam-se
as políticas de alívio à pobreza rural, atribuindo ao debate dos anos 90 forte apego às
políticas de redução da pobreza, via „micro-crédito‟ (sic), redes de segurança rural,
como extensão dos recursos previdenciários, etc. A virada do século [...] à
introdução de novas temáticas, como as questões ambientais, de gênero, da
pluriatividade, do empreendedorismo e da inovação, do papel das instituições, das
redes agroalimentares, entre outros focos, permitindo inclusive tratar essas
mudanças no escopo de um novo paradigma de desenvolvimento rural [...]”.
7 A Revolução Verde foi instituída no mundo na década de 1950, com uma participação intensiva do Estado
através de políticas públicas, seja como agente patrocinador, seja como produtor de tecnologias. [...] passa, a
partir de então, a impor transformações no campo, provocando, com sua modernização, um processo de
mudanças na divisão técnica e social do trabalho (ALBANO, 2005, p. 29). Baseada no modelo de produção
fordista, criado no início do século XX; a revolução impôs uma racionalização e industrialização, sob a
coordenação das Empresas Multinacionais gerando um crescimento de produtividade e quantidade das atividades
agrícolas, nunca antes evidenciados, isso se deu, através do uso de tecnologias, tais como tratores agrícolas,
variedade de sementes, técnicas de irrigação, defensivos químicos, os computadores, entre outros (ALBANO,
2005).
27
Na agricultura, o desenvolvimento rural assumiu a forma e o significado de
modernização (MENEGETTI, 2012). A agricultura se baseava no desenvolvimento agrícola,
que se perpetuou no Brasil das décadas de 1960 até a década de 1980 (CONTERATO, 2008).
A noção de desenvolvimento na agricultura teve maior ênfase nas décadas de 1950 e
1960, nos Estados Unidos e na Europa, com a participação do Estado, das indústrias
agroalimentares e de agricultores empresariais. Assim, o setor agrícola passou a adquirir
bastante relevância no sistema econômico, transformando a agricultura, considerada um setor
atrasado e arcaico, em um setor moderno e dinâmico; para fazer parte do crescimento
econômico nacional. Isso se deu a partir do desenvolvimento agrícola e rural. Graças ao
avanço tecnológico que alavancou a agricultura mundial, com aumento de produção e
produtividade e ligação direta com a indústria, sobretudo, a química (ALMEIDA, 1997).
Porém, apesar dessa transformação moderna e dinâmica, antes da industrialização, o
meio rural e a agricultura tradicional, apresentavam uma população maior do que a urbana e
uma maior significação produtiva para a economia; depois da industrialização, a agricultura,
que sempre teve um papel primário, foi relegada a papel secundário à indústria (PONTE,
2004). Assim, o mundo rural foi perdendo gradualmente sua relativa autonomia setorial e
aderiu a uma nova racionalidade produtiva, com a mercantilização, subordinando-se às
cidades (NAVARRO, 1991).
Almeida (1997, p. 39-40, grifo do autor) sintetizou o que a modernização incorporou na
agricultura:
“O conteúdo ideológico da modernidade na agricultura passa então a incorporar
quatro grandes elementos ou noções: (a) a noção de crescimento (ou de fim da
estagnação e do atraso), ou seja, a „idéia‟ (sic) de desenvolvimento econômico e
político; (b) a noção de abertura (ou do fim da autonomia) técnica, econômica e
cultural, com o consequente aumento da heteronomia; (c) a noção de especialização
(ou do fim da polivalência), associada ao triplo movimento de especialização da
produção, da dependência à montante e à jusante da produção agrícola e a „inter-
relação‟ (sic) com a sociedade global; e (d) o aparecimento de um novo tipo de
agricultor, individualista, competitivo e questionando a concepção orgânica de vida
social da mentalidade tradicional”.
Por muito tempo o desenvolvimento rural esteve relacionado ao conjunto de ações do
Estado e dos organismos internacionais, sobretudo, às destinadas às regiões rurais pobres, que
não conseguiam se integrar ao processo de modernização agrícola, por meio da adoção de um
novo modelo de produção. Essas intervenções se deram, principalmente, após a Segunda
Guerra e, sobretudo, a partir da década de 1950 até a de 1970, quando o desenvolvimento
rural passou a ser um dos grandes incentivadores das políticas governamentais e dos
28
interesses sociais, envolto na ideia de modernização e no âmbito da “Revolução Verde”
(NAVARRO, 2001).
Consequentemente, a diversidade e diferenciação das formas de produção foram
consideradas empecilhos para o desenvolvimento e modernização da agricultura.
Ocasionando em miséria, perda de identidade, dependência e no êxodo rural dos pequenos
produtores familiares. E como em outros setores, o desenvolvimento não foi alcançado por
todos de forma igualitária. No setor rural do Terceiro Mundo, a modernização, em quase sua
totalidade, não modificou a estrutura agrária de forma benéfica e, sim acentuou a
concentração fundiária e o desemprego rural (MENEGETTI, 2012).
Portanto, Menegetti (2012, p. 7) afirma que:
“A modernização da agricultura no Brasil, acontece quase da mesma forma que nos
países industrializados, com uma particularidade, aqui ela se dá dentro de uma
aliança entre o capital „agro-industrial‟ (sic), os grandes produtores e o Estado,
excluindo os pequenos produtores, ou relegando-os a um segundo plano. Ela
acontece por vontade e ação consciente do Estado. Também aqui a modernização da
agricultura tem a função de fornecer mão-de-obra barata para o setor urbano,
fornecer matéria-prima para a indústria e ser consumidora de produtos industriais”.
No Brasil, assim como, em outros países na América Latina, no período de Revolução
Verde, as ações de intervenção do Estado no meio rural eram, em geral, de caráter
compensatório, para aqueles agricultores que não conseguiam se modernizar
tecnologicamente nem integrar-se ao conjunto da economia por meio da indústria, comércio e
serviços (SCHNEIDER, 2010). Na década de 1970, sob os governos militares, foram
implementados diversos programas nas regiões mais pobres, sobretudo o Nordeste, baseado
na mudança produtiva da agricultura sobre os padrões tecnológicos da época, que acarretaria
em um aumento da renda familiar e então no desenvolvimento rural (NAVARRO, 2001). No
Nordeste brasileiro foram implantados os Projetos de Desenvolvimento Rural Integrado
(PDRI), no âmbito do conceito de “desenvolvimento rural integrado”, muito utilizado a partir
da década de 1960, na América Latina, em contraposição à reforma agrária; tendo, como
exemplo, as ações de colonização e assentamento humano na Amazônia e as frentes de
trabalho de combate à seca no Nordeste (KAGEYAMA, 2004; SCHNEIDER, 2010).
Consequentemente, o desenvolvimento rural passou a ser fortemente identificado com a
agenda das ações de intervenção do Estado ou das agências de desenvolvimento no meio
rural, sobretudo, as mais pobres, gerando entre os pesquisadores e estudiosos rurais brasileiros
um descontentamento e desinteresse no termo (NAVARRO, 2001).
29
A partir dos anos 80 e 90, a globalização e a abertura comercial romperam com diversas
barreiras, muitas delas protecionistas, do mundo rural, influenciando na redução do poder dos
Estados, que por muito tempo foi seu principal agente implementador de programas de
desenvolvimento rural, retirando-o da pauta das discussões. Mesmo assim, na década de 1980,
surge um novo conceito, o de desenvolvimento rural sustentável8, visando à incorporação da
dimensão ambiental nas estratégias de desenvolvimento rural (NAVARRO, 2001).
Um importante marco mundial para o redescobrimento do paradigma do
desenvolvimento rural, no fim da década de 1980 e início da década de 1990, como uma
alternativa de saída para as limitações do paradigma da modernização, se deu, sobretudo,
através da necessidade de reorientação da Política Agrícola Europeia (PAC), que reconheceu
os problemas criados pela agricultura intensiva e a multifuncionalidade do espaço rural
(KAGEYAMA, 2004).
Assim, a partir da década de 1990 em diante, ocorre o ressurgimento desse tema, com
sua revitalização e geração de novos enfoques, em um âmbito de preocupação com o futuro e
de disputas sociais, em escala global. E também pelas recentes demandas sociais em torno da
agricultura familiar que tem impulsionado as reinvindicações por um desenvolvimento rural
mais voltado para o local, com o papel de fortalecer os processos de desenvolvimento nas
áreas rurais (NAVARRO, 2001). Isso ocorreu quando houve a percepção das limitações do
desenvolvimento agrícola e dos novos debates em torno das atividades não agrícolas e da
pluriatividade, como importantes fatores para o desenvolvimento dessas áreas
(CONTERATO, 2008).
Quanto aos fatores que contribuíram para o resgate do tema desenvolvimento rural no
Brasil: o primeiro fator foi à legitimação da agricultura familiar como categoria política e
incorporação nas políticas públicas, apoiadas pelo movimento sindical dos trabalhadores
rurais, na década de 1990. O segundo fator foi o aumento da influência da ação do Estado no
meio rural, através das políticas para a agricultura familiar, as ações relacionadas à reforma
agrária, segurança alimentar, regularização fundiária, ações de desenvolvimento territorial,
entre outras. Assim como, a criação do PRONAF, em 1996, e do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), em 1999. Já o terceiro fator está ligado às mudanças
ocorridas no campo político e ideológico. De um lado, as elites agrárias passaram a apoiar,
por exemplo, a questão da reforma agrária, antes contrários a isso; e do outro, passou-se a se
romper o dualismo entre forma familiar (consumo local) e patronal-empresarial (commodities
8 Para mais informações acerca do desenvolvimento rural sustentável consultar Almeida (1997).
30
voltadas principalmente para a exportação); ou seja, o desenvolvimento rural ressurge como
uma alternativa e uma oposição ao agronegócio. E por último, o quarto fator, que se relaciona
com a sustentabilidade ambiental; isso se deu ao descontentamento gerado pelo modelo
agrícola da “Revolução Verde”, a partir da década de 1980, e também pela tentativa de
internacionalização da questão ambiental, com os esforços e contribuição dos estudiosos em
se inserir a questão da sustentabilidade ao desenvolvimento, e assim, ao desenvolvimento
rural, que passou também a trazer o adjetivo sustentável (SCHNEIDER, 2010).
Aguiar (2011) afirma que no Brasil, o desenvolvimento rural sempre foi tratado
separado da cidade, como se todo o processo de desenvolvimento pudesse ser gerado apenas
em um lugar. E que existe ainda um grande problema social no campo, a ser resolvido, que é
o acesso aos instrumentos básicos do desenvolvimento: educação, saneamento, a renda, entre
outros. Como pode ser claramente percebido, a modernização agrícola não gerou o
desenvolvimento das áreas rurais. Porém, no Brasil, ainda grande parte do desenvolvimento
das áreas rurais está fortemente associado às atividades agrícolas.
Conterato (2008) defende que é preciso reconhecer o rural como locos para o seu
próprio desenvolvimento, e não mais, somente, como a base material ou funcional da
agropecuária. Portanto, Conterato (2008, p. 18-19, grifo nosso) afirma que:
“[...] o desenvolvimento rural poderia ser interpretado como um movimento
ininterrupto, alimentado pela construção e consolidação de práticas agrícolas e não-
agrícolas que levam em consideração os atributos e recursos existentes na família e
na unidade de produção e sua complementariedade quando do estabelecimento de
relações de troca com o ambiente social e econômico seja via mercado de produtos e
serviços ou mercado de trabalho”.
Ainda segundo Conterato (2008, p. 52, grifo do autor):
“[...] o desenvolvimento rural é interpretado como um conjunto de práticas que visa
a reduzir a vulnerabilidade dos indivíduos e famílias, reorientando as ações para
menor dependência dos agricultores em relação aos agentes externos, capaz de
resultar em maior autonomia nos processos decisórios e no fortalecimento do leque
(portfólio) de ações e estratégias.”
Para Navarro (2001, p. 88) desenvolvimento rural “[...] trata-se de uma ação
previamente articulada que induz (ou pretende induzir) mudanças em um determinado
ambiente rural.”
Segundo Kageyama (2004), no campo dos estudos rurais, três enfoques podem ser
identificados: o enfoque do desenvolvimento exógeno, onde o desenvolvimento rural é
31
imposto por forças externas e implantado em certas regiões, como por exemplo, a adoção das
políticas de modernização da agricultura. O enfoque do desenvolvimento endógeno, pautado
no desenvolvimento local, predominantemente, gerado e baseado por iniciativas e recursos
locais, onde os atores e as instituições desempenham papel extremamente relevante, como por
exemplo, os modelos dos distritos industriais. E por último, a combinação dos dois, onde o
desenvolvimento rural apresenta uma combinação de forças internas e externas à região, onde
os atores das regiões rurais, simultaneamente, estão envoltos em um complexo de redes locais
e redes externas.
O desenvolvimento rural, além do já exposto, também se refere a uma base territorial,
local ou regional. Diversos autores o consideram como um processo multinível (níveis global,
nacional, regional, local); multiator (multiplicidade de instituições envolvidas); multifacetado
(por abarcar diversas práticas, como conservação da natureza e o turismo rural); multissetorial
(interação com diversos setores, como atividades agrícolas e não agrícolas); e multifuncional
(funções produtivas, ambientais, ecológicas e sociais) (CONTERATO, 2008; KAGEYAMA,
2004).
Portanto, o desenvolvimento rural emerge, sobretudo, em nível local e regional;
possuindo um papel extremamente relevante no novo arranjo espacial do rural. Tendo como
objetivo elevar a renda e o desenvolvimento das comunidades rurais, criar empregos, serviços
e novos mercados, reconstruir a agricultura baseada no respeito ao meio ambiente e na
diversificação, além de valorizar as economias de escopo em detrimento das de escala.
Também valorizando os novos arranjos institucionais e os diversos fatores, como as
características da natureza, do trabalho, da organização e das instituições, próprios de cada
local (CONTERATO, 2008).
Atualmente, face ao novo arranjo espacial do rural, este adquire uma crescente
preocupação, surgindo novas estratégias de desenvolvimento rural. Com a criação de novos
nichos de mercado, através de novas atividades, que incluem produtos agroecológicos,
atividades ligadas ao lazer, moradia, culinária e a pluriatividade. Essas atividades dependem
de iniciativas, sobretudo, de agentes internos do lugar; para o fortalecimento do mercado local
e regional através de associações e recursos, tanto estaduais e federais quanto provenientes de
outras fontes (BÁREA; MIORIN, 2008). Essas estratégias também têm que se basear nas
peculiaridades do rural e sua articulação entre si e com os outros territórios (NEY;
HOFFMANN, 2008).
Para Wanderley (2001) o desenvolvimento rural, deve estar baseado em uma concepção
do meio rural que leve em conta suas especificidades; que constitua um movimento que
32
envolva, em todas as formas, todos os seus habitantes; assegure a cidadania plena dos
habitantes no meio rural; permita a cooperação e o intercâmbio entre o meio rural e o urbano,
da escala local a global, sem anular suas particularidades; e que assegure as políticas voltadas
à agricultura segundo o reconhecimento da importância dos agricultores.
Concluindo, Abramovay (2003) expõe sobre como se “enxergar” o rural, sendo ele
capaz de atender suas necessidades, então pode se aplicar a noção de desenvolvimento, o
mesmo não acontecerá se tratarmos o rural como apenas o remanescente das zonas urbanas.
“[...] se o meio rural for apenas a expressão, sempre minguada, do que vai restando
das concentrações urbanas, ele se credencia, no máximo, a receber políticas sociais
que compensem sua inevitável decadência e pobreza. Se, ao contrário, as regiões
rurais tiverem capacidade de preencher funções necessárias a seus próprios
habitantes e também às cidades – mas que estas próprias não podem produzir –
então a noção de desenvolvimento poderá ser aplicada ao meio rural.”
(ABRAMOVAY, 2003, p. 21, grifo do autor).
Resumindo, para se atingir uma situação ideal de desenvolvimento rural, é preciso que
uma localidade rural apresente alta renda e bem-estar, alta produtividade, pluriatividade,
conservação ambiental, melhoria nas infraestruturas, uma agricultura moderna e dinâmica.
Devendo incluir as variáveis econômicas, sociais e ambientais. E que acima de tudo, ofereça
as condições necessárias para que a população rural permaneça no campo.
Portanto, as perspectivas acerca do Desenvolvimento Rural vêm variando ao longo do
tempo, estando, atualmente, mais voltadas ao meio rural em si e seus habitantes, prezando a
melhoria das condições de vida dos mesmos.
2.4. ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS E NÃO AGRÍCOLAS
Como já foi dito a agricultura surgiu no neolítico (idade da pedra polida por volta de
12.000 anos atrás), com a passagem da predação para a agricultura, onde a sedentarização
ocasionou nos plantios de lavouras de subsistência (revolução agrícola neolítica)
(MAZOYER; ROUDART, 2010). Com o passar do tempo à agricultura foi se desenvolvendo
com a criação e aperfeiçoamento de novas técnicas. Portanto, o meio rural sempre teve uma
importância primária, devido à produção, à economia e o maior contingente populacional, o
que passou a mudar, no século XVIII, com a Revolução Industrial e o desenvolvimento das
cidades (PONTE, 2004). Porém, até a década de 1950, predominava-se uma agricultura
baseada na policultura alimentar e em sistemas de rotação de culturas, em sua maioria, de
33
forma autônoma. Sendo a partir dos anos 1960 e 1970, com o processo de modernização
agrícola pautado na Revolução Verde, que alavancou a mecanização do campo e o êxodo
rural mundialmente, quando passou a predominar as monoculturas comandadas por grandes
multinacionais (AGRA; SANTOS, 2001; ALBANO, 2005).
Quanto à pecuária, a espécie bovina foi trazida ao continente sul americano, durante as
Grandes Navegações. Logo após a descoberta do Brasil, os portugueses começaram a
transportar animais, dentre eles os bovinos. Os primeiros bovinos chegaram ao Brasil em
1533. De modo que no século XVI, no litoral e em todas as capitanias hereditárias, havia
grande abundância de bovinos, fruto do incentivo da Corte para a exportação de gado para o
Brasil. Com o crescimento da economia do litoral e o aumento populacional das capitanias, a
criação de gado foi se estendendo para o interior, sobretudo, durante os séculos XVI e XVII,
com a busca por áreas de mineração e captura dos índios (SILVA; BOAVENTURA;
FIORAVANTI, 2012).
A pecuária era tida como uma atividade secundária à produção açucareira do litoral,
fornecendo carne e couro, porém de extrema importância para o povoamento do interior. Com
o colapso da mineração, a pecuária ganhou destaque, com a implantação de fazendas de
pecuária extensiva. Com a Segunda Guerra Mundial, aumentou-se a demanda de carne
produzida nos países do Terceiro Mundo, e possibilitou a implantação de frigoríficos
estrangeiros no Brasil, culminando no aumento dos rebanhos bovinos, sobretudo, no Centro-
Oeste. Nesse contexto, foram à abertura comercial e a globalização que intensificaram a
modernização da pecuária brasileira (SILVA; BOAVENTURA; FIORAVANTI, 2012).
Na região do Seridó, a ocupação do seu território se concretizou com a introdução dos
rebanhos bovinos, para produzir força animal e alimento para a atividade canavieira no litoral
do estado do Rio Grande do Norte. Com a diminuição da atividade canavieira despontou a
demanda por couro, e assim, a produção de carne seca. Com o tempo, a produção de carne foi
perdendo importância, devido às secas periódicas e desavenças administrativas nas capitanias.
Com o advento do ciclo do algodão passou a direcionar-se ao consórcio agricultura/pecuária.
Com o declínio da cotonicultura no final do século XX a pecuária volta a ganhar importância
econômica na região, passando de corte à produção leiteira, garantindo assim a subsistência e
geração de renda para muitas famílias seridoenses (AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL DO SERIDÓ, 2011).
As atividades primárias estão mais presentes nas zonas rurais, mas, não são mais as
únicas desenvolvidas, pois as atividades secundárias e terciárias, que também não podem ser
consideradas exclusivas das zonas urbanas, vêm se expandindo cada vez mais na zona rural.
34
Portanto, o setor agropecuário tende a se tornar apenas uma de suas fontes de renda (VEIGA,
2001).
Dentre os motivos pelos quais causaram o surgimento das atividades não agrícolas no
meio rural brasileiro, o principal deles seria a abertura comercial (competição com produtos
importados subsidiados) dos anos de 1990, que acentuou a crise no setor agrícola, gerando
uma expressiva queda nas rendas agrícolas e, sobretudo, entre os agricultores familiares. De
forma que o setor agrícola foi exposto ao
“[...] desmantelamento dos instrumentos de política agrícola (garantia de preços
mínimos, estoques reguladores, redução do crédito agropecuário) juntamente com a
significativa queda nos recursos públicos destinados para a agricultura („infra-
estrutura‟ (sic)), pesquisa agropecuária, assistência técnica teve impacto decisivo
sobre as condições de atuação do setor agrícola.” (CONCEIÇÃO, P.; CONCEIÇÃO,
J., 2006, p. 2).
Embora a agricultura ainda continue a ser a base da economia rural, veio perdendo
espaço, com o avanço capitalista no campo, a liberalização e a globalização, buscando se
reinventar, através de diversos mecanismos. Nesse contexto, as Ocupações Rurais Não
Agrícolas (Ornas)9 vêm ganhando espaço recentemente, se constituindo de forma dominante,
onde os agricultores se ocupam mais em tempo parcial, como uma forma de complementação
da renda agrícola (KAGEYAMA, 2004).
Quanto aos fatores que levaram os trabalhadores as Ornas, a tendência da agricultura em
tempo parcial e a pluriatividade, provocaram uma representativa mudança na organização
social e do trabalho no meio rural; consequências da mudança na estrutura familiar, onde já
não se consegue mais sobreviver apenas com a renda proveniente da agricultura, buscando
outras fontes, associadas às atividades não agrícolas, ou através de medidas tais como ajudas
diretas e transferências sociais, como previdência social e aposentadoria rural. Apontando,
portanto, para uma diversificação de estilos de vida no meio rural. Outros fatores residem nas
estruturas dos mercados de trabalho rural e urbanos, que estão cada vez mais similares e com
uma distribuição de emprego menos polarizada e cada vez mais parecida nas áreas urbanas e
rurais, acarretando em uma nova dinâmica populacional, onde a população economicamente
ativa com domicílio rural está cada vez mais presente nos setores do comércio, da indústria e
da prestação de serviços, públicos e privados (CONCEIÇÃO, P.; CONCEIÇÃO, J., 2006).
9 É importante relatar, como aponta Veiga (2001), que os pesquisadores brasileiros preferem chamar esse
fenômeno não, de emprego rural não agrícola, mas, de ocupações rurais não agrícolas (Ornas). E que as “[...]
Ornas costumam ser pouco „frequentes‟ (sic), provisórias e muito precárias em municípios rurais distantes de
aglomerações, centros urbanos e municípios „rurbanos‟.” (VEIGA, 2001, p. 49).
35
Muitos autores comprovaram em suas pesquisas que o número de pessoas ocupadas no
meio rural cresce substancialmente, graças à expansão das Ornas e que nos últimos anos as
rendas não agrícolas são substancialmente maiores que as rendas agrícolas (GRAZIANO DA
SILVA, 1997; VEIGA, 2001).
Para Graziano da Silva (1997, p. 13):
“[...] ganham importância essas „novas atividades rurais‟ altamente intensivas e de
pequena escala, propiciando novas oportunidades para um conjunto de pequenos
produtores que já não se pode chamar de agricultores ou pecuaristas; e que muitas
vezes nem são produtores familiares, uma vez que a maioria dos membros da família
está ocupada em outras atividades não agrícolas e/ou urbanas.”
A expansão das Ornas, atualmente, é um importante componente do desenvolvimento
da economia rural. As atividades não agrícolas podem contribuir, tanto para reduzir a
concentração da renda rural, quanto para aumentá-la, por ser mais concentrada, dependendo
da sua participação na renda total da população rural pobre e rica. Isso ocorre porque as
famílias rurais pobres, sem acesso aos meios, como educação, formação profissional e capital,
ficam restritas a ocupar trabalhos de baixa qualificação e remuneração, sobretudo, na
agricultura de subsistência, mesmo tendo necessidade e vontade de ocupação fora do setor
primário. Já as famílias mais ricas têm acesso à qualificação e recursos financeiros, podendo
exercer atividades mais rentáveis (CONCEIÇÃO, P.; CONCEIÇÃO, J., 2006; NEY;
HOFFMANN, 2008).
Para uma família rural ingressar em alguma atividade não agrícola, dependerá dos
“incentivos e capacidades”. Os incentivos abarcam os fatores de atração, como rentabilidade
mais alta, e os fatores de expulsão, quando ingressam em atividades industriais e de serviços
(REARDON et al., 1998 apud NEY; HOFFMANN, 2008). Outros fatores de impedimento
são a escassez de ativos, como educação; conhecimentos e habilidades; bens ou terras, para
serem usadas como garantia. Mesmo havendo pessoas nas famílias com alguma qualificação,
muitas vezes, não é o suficiente para a substituição das atividades agrícolas. E a economia
local deve ser dinâmica o suficiente para absorver essas pessoas, pois os mercados
consumidores de bens e serviços locais condicionam a geração de empregos e renda. O
inverso acontece quando há um baixo grau de desenvolvimento das localidades, atrelado à
falta ou precariedade de infraestruturas, como rodovias e a falta de recursos (NEY;
HOFFMANN, 2008).
Ney e Hoffmann (2008) também afirmam que os motores do desenvolvimento das
Ornas de uma localidade rural podem ser: endógenos, nas áreas rurais, como a modernização
36
da agricultura ou consumo interno; ou exógenos, localizados nas áreas urbanas, resultantes,
sobretudo, da influência exercida pelas cidades médias ou grandes sobre seu entorno rural,
pelas demandas de bens e serviços produzidos apenas no meio rural, como turismo,
artesanatos, hotéis, pousadas e casas, lazer, férias e serviços domésticos, que geram um
mercado de trabalho para a população rural.
Graziano da Silva (1997) citou como principais atividades não agrícolas, com
importância crescente no meio rural brasileiro: em primeiro lugar, as atividades ligadas à
proliferação de indústrias, sobretudo, das agroindústrias, no meio rural. Em segundo lugar as
atividades ligadas à crescente urbanização do meio rural (como moradia, turismo e lazer) e a
preservação do meio ambiente. E por último, a proliferação dos sítios de recreio ou chácaras.
Atualmente, no campo, além da produção agrícola, o crescimento das atividades não
agrícolas, principalmente, no setor de serviços, passou a oferecer à população urbana
benefícios, como residência e atividades ligadas à natureza. Isso se evidencia mais nas regiões
Sul e Sudeste, embora no Nordeste esse processo também esteja presente, porém, em menor
intensidade, devido à falta de infraestrutura (rede elétrica e saneamento básico). Residências
secundárias e turismo rural, também ligado ao calendário das festividades da região
(WANDERLEY, 2001).
Nesse contexto, Conterato (2008) afirma que para haver economias locais
diversificadas, é preciso que haja mercados de trabalho agrícola e não agrícola, que absorvam
e potencializem endogenamente o excedente econômico gerado. Isso se dá através da
combinação de atividades produtivas e da diversificação das fontes de renda, que vão além de
uma estratégia familiar ou individual, além de variar a economia local, gera um mercado de
trabalho no meio rural que abarca seus moradores e potencializa o desenvolvimento rural de
uma região.
“[...] a combinação de atividade agrícolas e não-agrícolas pelos agricultores ficaria
circunscrita à capacidade das economias locais de absorver o excedente
populacional oriundo do meio rural. Economias locais e regionais pouco dinâmicas
ou setorialmente especializadas, especialmente no setor primário, ofereceriam
poucas oportunidades de trabalho em atividades não-agrícolas ou mesmo estas
ficariam restritas internamente ao próprio setor, caracterizando um tipo de
pluriatividade de base-agrária [...].” (CONTERATO, 2008, p. 138).
Portanto, Conterato (2008, p. 48) aponta que o desenvolvimento das diversas regiões
rurais e o desenvolvimento rural destas, “[...] passa pela importância das atividades não
agrícolas na geração de emprego e renda e seu potencial na mitigação da pobreza rural.”
37
Com isso, observa-se a tendência das políticas públicas estarem se direcionando cada
vez mais para o local:
“[...] os principais motivos que têm influenciado os policy makers a darem cada vez
mais atenção para outras fontes potenciais de geração de emprego e renda nas áreas
rurais são: a persistência da pobreza rural, do desemprego e do subemprego na
agricultura, após mais de duas décadas de ajustes estruturais; a consciência cada vez
mais clara de que a natureza e a performance das ocupações e da renda rural não-
agrícola afetam, positiva ou negativamente, o desempenho da agropecuária. Este
fato cria um novo interesse para um fenômeno constatado desde os anos 60: a
crescente importância das ocupações não-agrícolas para a população rural.”
(REARDON; BERDEGUÉ, 1999 apud CONCEIÇÃO, P.; CONCEIÇÃO, J., 2006,
p. 6-7, grifo do autor).
Quanto ao meio rural nordestino, Wanderley (2001) afirma que sua dinâmica depende
do desempenho e das condições de funcionamento da agricultura. Apesar da agricultura, nas
últimas décadas, ter passado por várias crises em suas principais atividades econômicas,
ocasionadas por secas sucessivas, erradicação da cultura do algodão e a crise no setor
açucareiro regional, mesmo assim, ainda será a atividade principal no Nordeste, em termos de
ocupação e renda. Nesse contexto, a estratégia de desenvolvimento regional tem se pautado na
agricultura e na criação de polos agroindustriais.
2.4.1. Pluriatividade
A pluriatividade se caracteriza como a combinação de atividades agrícolas e não
agrícolas, que “[...] promovem a integração intersetorial (agricultura com comércio e serviços)
e interespacial (rural com urbano).” (CONTERATO, 2008, p. 49). Se configurando como um
dos aspectos mais representativos do novo rural (CONTERATO, 2008; GRAZIANO DA
SILVA, 1997).
Com as transformações sociais e econômicas operadas no meio rural ao longo do
tempo, em contraposição às famílias monoativas surgiram as famílias pluriativas
(CONTERATO, 2008). Portanto, a pluriatividade tem sua origem, sobretudo, como estratégia
das famílias agrícolas. Não deve ser encarado como um processo de abandono da agricultura e
do meio rural, e sim como uma estratégia familiar de geração de renda e de garantia de
permanência no meio rural, assim como, de resgate e conservação do patrimônio familiar
(CONTERATO, 2007; GRAZIANO DA SILVA, 1997; WANDERLEY, 2001). E que a renda
agrícola familiar, sempre foi composta das atividades agropecuárias, mas não só disso, os
38
membros da família sempre exerceram outras atividades, dentro ou fora do setor,
caracterizando a natureza multifacetada da renda familiar. Com a queda da população
economicamente ativa no setor agropecuário, a pluriatividade é responsável por absorver essa
população, garantindo assim, a diminuição da taxa de desemprego no país (VEIGA, 2001).
Uma das tendências da pluriatividade é a combinação pela mesma pessoa de emprego
assalariado com o de conta própria (GRAZIANO DA SILVA, 1997). Segundo Veiga (2001,
p. 43-44): “A pluriatividade é uma tendência mais recorrente entre as famílias conta-própria,
enquanto as ocupações rurais não-agrícolas (Ornas) são muito mais recorrentes entre as
famílias rurais de empregados.”
Segundo o Censo Agropecuário 2006, foram recenseados 5.175.489 estabelecimentos
agropecuários em todo o Brasil em 2006, onde 37% (1.910.131) desses podem ser
considerados pluriativos. Também se classificou esses estabelecimentos como pertencente à
categoria agricultura familiar (84,4% (4.367.902)), onde 51,9% (419.051) são pluriativos; e na
categoria agricultura não familiar (15,6% (807.587)), onde 34,1% (1.491.080) são pluriativos.
Considerando o Nordeste, onde há a maior concentração de agricultores familiares do Brasil,
com 89,1% (2.187.295) do total de estabelecimentos agropecuários, 34,4% (752.040) são
pluriativos; apenas 10,9% (266.711) pertencem à categoria não familiar, sendo 58,3%
(155.449) pluriativos (ver Tabela 1). Assim sendo, o Nordeste está acima da média nacional,
apresentando, portanto, uma maior intensidade na agricultura familiar (INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2013).
39
Tabela 1 – Estabelecimentos agropecuários pluriativos e não pluriativos no Brasil e Nordeste
Estabelecimentos agropecuários no Brasil: pluriativos e não pluriativos
Não pluriativos Pluriativos Total
Número de
estabelecimentos Proporção (%)
Número de
estabelecimentos Proporção (%)
Número de
estabelecimentos
Proporção
(%)
3.265.358 63,0 1.910.131 37,0 5.175.489 100,0
Estabelecimentos totais e pluriativos no Brasil, na agricultura familiar e não familiar
Variáveis
Agricultura familiar Agricultura não familiar
Número de estabelecimentos Proporção
(%)
Número de
estabelecimentos Proporção (%)
Total 4.367.902 100,0 807.587 100,0
Pluriativos 1.491.080 34,1 419.051 51,9
Estabelecimentos agropecuários na região Nordeste: pluriativos e não pluriativos
Não pluriativos Pluriativos Total
Número de
estabelecimentos Proporção (%)
Número de
estabelecimentos Proporção (%)
Número de
estabelecimentos
Proporção
(%)
1.546.517 63,0 907.489 37,0 2.454.006 100,0
Fonte: Censo Agropecuário, 2006 apud Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2013, p. 26, 27 e 29.
Nota: tabulação especial realizada pelo IBGE e elaboração realizada pelo Ipea e PGDR, 2010-2011.
2.4.1. Secas
Nessa parte sobre as secas abordaremos características do semiárido nordestino, área de
ocorrência das secas no Brasil. Em um segundo momento, sobre alguns aspectos históricos
das secas. Em seguida, sobre o paradigma atual da convivência com a seca e por último sobre
as consequências causadas por elas ao meio ambiente, à população rural e a agropecuária.
2.4.2.1. Características gerais
O Semiárido brasileiro, marcado por períodos de estiagem sucessivos, passou por
diversos problemas ao longo do tempo, não só ocasionados pelas características climáticas,
mas, principalmente, pela estrutura socioeconômica da região Nordeste.
Segundo Silva (2007, p. 468):
40
“As regiões „semi-áridas‟ (sic) são caracterizadas de modo geral, pela aridez do
clima, pela deficiência hídrica com imprevisibilidade das precipitações
pluviométricas e pela presença de solos pobres em matéria orgânica. O prolongado
período seco anual eleva a temperatura local caracterizando a aridez sazonal.”
No Brasil, a definição da área semiárida brasileira, ocorreu com a criação do Polígono
das Secas, no primeiro governo de Getúlio Vargas, como espaço oficial de ocorrência das
secas do Nordeste, sua primeira delimitação foi efetuada de acordo com a Lei 9 n° 175, de 07
de janeiro de 1936, em regulamentação ao Art. 177 da Constituição. Com a instituição do
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), regulamentado no Art.159,
inciso I, alínea c, da Constituição de 1988, pela Lei de n° 7.827, de 27 de setembro de 1989, a
expressão polígono das secas foi substituída, passando os espaços caracterizados pela
semiaridez do Nordeste a serem chamados de Região Semiárida do FNE. Foi essa norma da
Constituição Brasileira de 1988, que institui o conceito técnico de Semiárido e a aplicação de
50% dos recursos do FNE no mesmo. A Lei 7.827, de 27 de setembro de 1989, define como
Semiárido a região inserida na área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE), atual Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE), com
precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800 mm (BRASIL, 2005; SILVA,
2007).
Essa delimitação baseada na isoieta de 800 mm passou a ser considerada inadequada
para a delimitação da área de abrangência do Semiárido brasileiro, levando o Ministério da
Integração Nacional a propor uma nova delimitação em 2004, feita pelo Grupo de Trabalho
Interministerial (GTI), que passou a se basear em três critérios técnicos: precipitação
pluviométrica média anual (inferior a 800 mm); Índice de Aridez de Thorntwaite, de 1941
(0,21 a 0,50) e déficit hídrico (Risco de Seca superior a 60%) (FILGUERA, 2011).
“Em 10 de março de 2005, o Ministro da Integração Nacional assinou a Portaria que
instituiu a nova delimitação do semiárido brasileiro. Foram incorporados 1.133
municípios, correspondendo a uma área de 969.589,4 km e os 1.133 municípios
integrantes do novo semiárido brasileiro se beneficiarão de bônus de adimplência de
25% dos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE),
enquanto no restante da Região Nordeste esse percentual é de 15%.” (FILGUERA,
2011, p. 52).
Nesse contexto, o Semiárido nordestino passou a compor quase 90% da área total do
Nordeste, mais a região setentrional de Minas Gerais e uma população de cerca de 21 milhões
de pessoas (11% da população brasileira) (SILVA, 2007).
As principais características climáticas do semiárido brasileiro são a distribuição das
chuvas, marcada pela irregularidade e variabilidade temporal e espacial; a elevada
41
temperatura e a alta taxa de evaporação, assim, há déficit hídrico, que não significa falta de
chuva ou água, se configurando como o Semiárido mais chuvoso do planeta, com uma
pluviosidade média de 750 mm/ano (250 mm/ano-800 mm/ano). A evaporação é de 3.000
mm/ano, três vezes maior do que a precipitação, um dos principais problemas para a
quantidade de água disponível. Definindo também a dependência da sua hidrologia pelo
clima, caracterizando-se com rios intermitentes e riachos temporários. Seu relevo é
constituído, em sua maioria, por rochas cristalinas (70%) com solos rasos e pedregosos,
dificultando a formação de mananciais perenes e a alimentação dos lençóis freáticos e,
consequentemente, a potabilidade da água, em geral, salinizada. Também, se configura como
o Semiárido mais populoso do planeta (MALVEZZI, 2007; SILVA, 2007).
2.4.2.2. Aspectos históricos
A seca no Semiárido brasileiro vem sendo, desde o período colonial e ainda muito
evidenciado nos dias atuais, retratada a partir de um imaginário de paisagens desoladas e uma
população flagelada.
Silva (2007) organizou um histórico sobre as secas no sertão, também pautado nas
ações governamentais. Os primeiros registros de ocorrência de secas no sertão nordestino são
de 1587, através do relato da fuga de índios do sertão para o litoral em busca de alimentos,
feito por Fernão Cardin (ALVES, 1982 apud SILVA, 2007). As secas se configuravam, como
impedimento ao desenvolvimento desses locais, um empecilho à colonização, pelo
aparecimento e constante migração dos flagelados sedentos e famintos.
Mas, foi somente no século XVIII, com a fixação da população branca nos sertões que a
seca passou a ser considerada como um problema efetivo, com o aumento da densidade
demográfica e da pecuária bovina, passando a ser relatada historicamente a partir desse
período, apesar dos relatos enfatizarem apenas as calamidades geradas. Enraizada no
imaginário popular como uma região castigada, onde a seca era a principal geradora dos
problemas, o Nordeste passou assim, a ser alvo das campanhas dos políticos (SILVA, 2007).
Somente a partir da segunda metade do século XIX, as secas no sertão nordestino
passaram a ser alvo efetivo dos estudos científicos, por ameaçar o povoamento e as atividades
econômicas, quando o governo imperial organizou uma Comissão Científica em 1856, que
percorreu o sertão. Esses estudos procuravam explicar as causas naturais desse fenômeno e
42
buscar soluções10
para os problemas causados pela mesma. Porém, o conhecimento parcial
sobre a região semiárida nordestina acabou levando a adoção da estratégia de combate à seca
e aos seus efeitos (SILVA, 2007). O que hoje se sabe que é uma estratégia errônea, pois, não
há como se acabar com os fenômenos naturais, como secas e chuvas (MALVEZZI, 2007).
No final do século XIX e início do século XX, os governos locais passaram a exigir
mais ações emergenciais e ações hídricas para armazenamento de água durante os períodos de
estiagem, foi ai que surgiram as bases das propostas de combate à seca, com a criação de
várias instituições, como: a Comissão de Estudos e Obras Contra os Efeitos das Secas, em
1904; a Superintendência de Estudos e Obras Contra os Efeitos das Secas e a Inspetoria de
Obras Contra as Secas (IOCS), em 1909, hoje, Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (DNOCS)11
(SILVA, 2007).
A partir da segunda metade do século XX, outras visões passaram a ganhar força, com a
desmistificação de que a seca era a única causadora dos flagelos da região, e reconhecimento
de que os maiores culpados seriam os colonizadores, que levaram à concentração de riquezas
e poder político, contribuindo, mais até do que a seca, para a pobreza da população. Também
havendo a desmistificação do mito do combate à seca, pois as ações emergenciais e
estruturais, além de não apresentar resultados eficazes, alimentavam a “indústria da seca”. A
partir da segunda metade do século XX, em 1956, foi criado o Grupo de Trabalho para o
Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), objetivando a realização de estudos socioeconômicos
para o desenvolvimento do Nordeste. Em 1959, com a criação da Superintendência de
10
No século XIX se destacavam quatro soluções aos problemas da seca: “[...] a solução hidráulica (açudagem), a
solução florestal (reflorestamento), a cultura científica do solo (dry-farming) e a abertura de estradas. A principal
delas, a solução hidráulica, pela açudagem e irrigação, era defendida como a capacidade humana de modificar as
condições naturais inóspitas, ou seja, como solução direta dos problemas das secas [...].” (PONPEU
SOBRINHO, 1982 apud SILVA, R., 2007, p. 473, grifo do autor).
11
Inicialmente, foi criado como Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS através do Decreto 7.619 de 21 de
outubro de 1909, se constituindo como o primeiro órgão, federal, a estudar a problemática do semiárido.
Posteriormente, passou a ser Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas – IFOCS, em 1919, através do Decreto
13.687. Passando a receber sua denominação atual em 1945, através do Decreto-Lei 8.846, de 28/12/1945; se
transformado em autarquia federal, através da Lei n° 4229, de 01/06/1963. Nesse contexto, o DNOCS se
configura como a instituição federal mais antiga com atuação no Nordeste. De 1909 até por volta 1959, se
constituía, praticamente, como a única agência governamental federal executora de obras de engenharia na
região. Com a construção de açudes, estradas, pontes, portos, ferrovias, hospitais e campos de pouso,
implantação de redes de energia elétrica e telegráficas, usinas hidrelétricas. Sendo o único responsável e
socorrista da população flagelada pelas secas na região, até a criação da SUDENE. Promoveram diversos
estudos, topográficos, geológicos, fisiográficos, hidráulicos, hídricos, botânicos e sociológicos, contribuindo para
um grande acervo de conhecimento sobre o semiárido nordestino. Disponível em:
<http://www.dnocs.gov.br/php/comunicacao/registros.php?f_registro=2&>. Acesso em: 29 set. 2014.
43
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)12
, é que há um maior esforço para a mudança nas
ações governamentais do Nordeste. Nas décadas de 1950 e 1960, houve a busca pela
integração regional voltada para o desenvolvimento nacional, com reinvindicações ao
Governo Federal para o desenvolvimento regional do Nordeste. Nesse contexto, as políticas
oficiais passaram a visar pela modernização econômica e tecnológica das atividades
produtivas como solução à seca no Semiárido (SILVA, 2007).
Na década de 1970, a implantação de polos de modernização agrícola e pecuária passou
a permear as políticas governamentais no sertão, com a implantação da agricultura irrigada,
especializada na fruticultura para exportação. Mas, a condição de pobreza ainda se
configurava em calamidade nos períodos de estiagem e a economia continuava tradicional e
estagnada na maior parte do Semiárido. Outra problemática era a ambiental, com a crescente
desertificação e poluição de suas bacias hidrográficas. Assim, a partir da década de 1980, num
âmbito de redemocratização da sociedade brasileira, passou-se a buscar novas alternativas
para o desenvolvimento do Semiárido, através de propostas e projetos formulados de diversos
campos da sociedade, baseadas na noção de que se deve e se pode conviver com a seca na
região semiárida e que o combate à seca já não era uma alternativa, assim, as ações
governamentais passaram também a atuar com o conceito de sustentabilidade (SILVA, 2007).
Nesse contexto, a intervenção governamental no Semiárido, também seguiu um enfoque
fragmentado e reducionista, ao seguir a ideia de que a falta de água provocada pela seca era o
principal problema a ser solucionado, mas na verdade, o que se sabe é que o maior problema
no abastecimento de água, não se dá somente através da falta de chuva, mas, também da má
distribuição ou concentração espacial da água acumulada13
(SILVA, 2007).
12 A SUDENE foi criada em 15 de dezembro de 1959, através da Lei n° 3692, no governo do Presidente
Juscelino Kubitschek, para promover o desenvolvimento nacional, até então concentrado nas Regiões Sudeste e
Sul; representando um marco para o desenvolvimento das Regiões Nordeste e, em seguida, da Amazônia. A
extinção da SUDENE e criação da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE) se deu através da
Medida Provisória nº 2.146-1 de 04 de maio de 2001, para dar continuação às políticas de desenvolvimento,
iniciada pela antiga pela SUDENE. Disponível em: <http://www.sudene.gov.br/sudene>. Acesso em: 29 set.
2014.
13 Assim, desde o início, as ações governamentais destinadas ao combate à seca e aos seus efeitos foram
apropriadas pelas oligarquias sertanejas; tirando proveito da ajuda aos flagelados Foi o que ocorreu com as
infraestruturas de armazenamento da água de chuva, construída ao longo dos séculos, sobretudo, açudes,
transformando o semiárido brasileiro em uma das regiões mais açudadas do planeta, pelo DNOCS e SUDENE,
não democratizando a água, nem acabando com os problemas da seca, mas, ao menos amenizando os seus
efeitos. Apesar de a açudagem passar por sérios problemas diante do clima semiárido, devido à alta taxa de
evaporação (MALVEZZI, 2007).
44
2.4.2.3. Paradigma atual: a Convivência com o Semiárido
Silva (2007) tentou demonstrar em seu estudo que há relações “[...] entre as concepções
e políticas no „Semi-árido‟ (sic), com paradigmas globais que orientam o debate sobre o
desenvolvimento.” (SILVA, R., 2007, p.468).
A ideia de convivência com o Semiárido, como já foi exposto, surgiu em meados do
século XX, em um contexto de tomada de consciência global, acerca do meio ambiente, ou
seja, no âmbito da busca pela sustentabilidade, portanto, está pautado no desenvolvimento
sustentável14
; elevando, como nunca, as discussões a respeito do Semiárido e a seca,
desfazendo, assim, uma série de mitos, como o da fome, que não é causada unicamente pela
estiagem, mas, se encontra nos sistemas econômicos e sociais. Esse novo paradigma emerge,
não no âmbito governamental, mas no campo de organizações da sociedade civil e órgãos
públicos de pesquisa e extensão, que atuam no semiárido formulando propostas e políticas
públicas na região (SILVA, 2007).
Um dos grandes expoentes da convivência com o Semiárido é a Articulação do
Semiárido (ASA), uma organização não governamental (ONG), atuando na implementação de
ações integradas; na conservação, uso sustentável e recomposição dos recursos naturais; no
acesso a terra, a água e a outros meios de produção para a população menos abastada; e na
difusão de tecnologias apropriadas no Semiárido, para a convivência com o mesmo (SILVA,
2007). Nesse âmbito, surgiu através da ASA, com 40 tecnologias sociais, os projetos “Um
Milhão de Cisternas (P1MC)” e “Uma Terra e Duas Águas (P1+2)” (MALVEZZI, 2007).
Portanto, a convivência com o semiárido, baseia-se em compreender como o clima
funciona e adequar-se a ele, de forma inteligente. Através, sobretudo, da estocagem de bens,
principalmente, a água, nos períodos chuvosos, com a utilização de uma série de tecnologias
sociais, cuja principal delas é a cisterna (MALVEZZI, 2007).
Assim, a ideia de convivência preza a valorização do local, da diversidade cultural e do
resgate das identidades e territórios, cujas soluções têm que partir do lugar. Configura-se,
portanto, como um processo endógeno, que faz parte de uma ação contínua de aprendizagem
que os próprios sertanejos vêm desenvolvendo ao longo dos séculos, mas que veio passando
14 Embasada no desenvolvimento sustentável do Semiárido com geração de políticas públicas apropriadas, que
visem à ruptura da concentração de terra, água, poder e o acesso aos serviços sociais básicos. Articulando as
dimensões social (superação da pobreza e acesso aos bens e serviços públicos), cultural (educação
contextualizada à realidade local), econômica (geração de emprego e renda através de alternativas de produção
sustentáveis e adequadas as condições edafoclimáticas), ambiental (recuperação e conservação dos ecossistemas
da região) e política (fortalecimento da sociedade civil e sua participação na formulação de políticas públicas)
(SILVA, 2007).
45
por sérios obstáculos, como uma agricultura inadequada, péssimas condições de trabalho e de
geração de renda, e assim a perpetuação da pobreza. É preciso então, que com as novas
alternativas que estão sendo geradas, buscassem para a população sertaneja, melhorias nas
condições de vida, tanto nas condições de trabalho quanto de renda.
2.4.2.4. Seca e suas consequências ao meio ambiente, à população rural e à agropecuária
O processo de ocupação do Semiárido ligado à falta de conhecimento sobre o mesmo
levou à adoção de práticas agropecuárias inadequadas, acarretando assim, em sérios danos
ambientais, como a desertificação15
. Apesar dos fenômenos da seca e da desertificação serem
fenômenos distintos, estão comumente associados, pois a seca ocorre frequentemente em
áreas afetadas pela desertificação, agravando ainda mais a mesma (BRASIL, 2005). Nesse
contexto, vale salientar que Caicó, onde se localiza nosso objeto de estudo, segundo o Plano
Nacional de Combate à Desertificação – PNCD, está inserido em área susceptível à
desertificação em categoria Muito Grave (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE, 2008;
MASCARENHAS, 2005).
Sendo extremamente relevante deixar claro que a seca abrange, não somente a dimensão
climática, mas, através dos seus efeitos, sobretudo, as dimensões sociais, econômicas e
políticas. Tais efeitos são sentidos notoriamente, em sua maioria, pelos setores mais
vulneráveis da população, especialmente os pequenos produtores e agricultores familiares.
Essa vulnerabilidade advém não somente das irregularidades climáticas do Semiárido
nordestino, mas, sobretudo, dos fatores socioeconômicos e políticos que geram a desigualdade
(MORRISON, 2010).
No período de ocorrência da seca, a vulnerabilidade climática vem à tona.
Historicamente, seus efeitos tomam maiores proporções nas populações rurais mais pobres, a
falta de água era o principal problema tanto para o consumo humano, quanto para a
agropecuária, com sua debilitação ou dizimação. A sobrevivência dos contingentes
15
Além das secas, a degradação das terras nas zonas áridas, “semi-áridas” (sic) e subúmidas secas, chamada de
desertificação, é resultante de vários fatores, incluindo aqueles causados por variações climáticas e atividades
humanas, sendo que esta última diz respeito, principalmente, ao uso inadequado dos recursos naturais, v.g. solo,
água e vegetação. (BRASIL, 2005, p. 03, grifo do autor).
46
populacionais do semiárido dependia ora das políticas oficiais de socorro, ora da emigração
para outras regiões ou áreas urbanas da própria região.
Segundo Duarte (2004), as secas periódicas, só assumem dimensões de calamidade
pública, principalmente, devido à situação de pobreza da maioria dos seus habitantes, que
além dos fatores geográficos, decorre, sobretudo, da grande concentração fundiária, que tem
raízes profundas no Nordeste, além da instabilidade proveniente do trabalho assalariado
temporário. A qualidade dos solos impede o desenvolvimento da agropecuária em pequenas
áreas, não permitindo que as famílias rurais pudessem formar um excedente econômico que as
ajudassem nos períodos de seca. Assim, com uma atitude conformista e de impotência, se
limitavam a esperar a ajuda do governo, como as frentes de trabalho. As secas ocorrem
ciclicamente, mas as medidas oficiais do governo, historicamente, não apresentaram
consistência e continuidade.
Porém, há muito tempo, que não se pode mais atribuir à seca a culpa por todos os
problemas da região, como os baixos índices de desenvolvimento humano. Esses problemas
também se devem a débil economia, a baixa produtividade e a falta de integração com os
mercados. Os períodos de estiagem ou a insuficiência de chuva em determinado local podem
impedir ou limitar o desenvolvimento de culturas agrícolas de subsistência ou a criação dos
rebanhos, assim como, na falta de água para uso e consumo humano. Portanto, as
desigualdades sociais até hoje evidenciadas, são a causa da reprodução secular prolongada da
condição de miséria, que impossibilita a resistência do sertanejo nos períodos de seca.
(SILVA, 2007).
“Por isso, ao longo da história, a pobreza e miséria no „Semi-árido‟ (sic) foram
relacionadas com a ocorrência das secas. As interpretações desse fenômeno natural e
de suas „conseqüências‟ (sic) para a produção e a população local, omitiram os
aspectos estruturais do modo de ocupação do espaço, de exploração dos recursos
naturais e de subordinação da população.” (SILVA, 2007, p. 471).
Do ponto de vista agrícola, a irregularidade da pluviosidade, não significa
necessariamente a falta de chuva, mas sim, a distribuição irregular da chuva durante o período
de cultivação e maturação das lavouras. Portanto, devido a essa irregularidade espacial e
temporal da chuva, tanto será maléfico a escassez de água quanto à superabundância para a
agricultura, gerando assim a perda de safra. Outra face desse fenômeno climático é quando a
quantidade de precipitação é suficiente para florescer a vegetação da caatinga, mas não é
suficiente para garantir boas safras na agricultura, denominando-se essa combinação de seca
47
verde. Porém, a seca verde também pode ocorrer em períodos de boas colheitas, isso se dá
quando as reservas hídricas não são reabastecidas suficientemente (MORRISON, 2010).
Devido o semiárido nordestino ser propenso à secas e chuvas irregulares, fatores estes
que exercem influência na sociedade e na produção agrícola, e com a crise das atividades
econômicas comerciais tradicionais do algodão e da pecuária, como alternativa, sua economia
passou a se caracterizar mais pela produção de subsistência (SILVA, 2007).
Portanto, a seca foi estereotipada como um fenômeno cíclico da natureza, impregnando
a mentalidade dos sertanejos, em que nada poderia ser feito para acabar com os seus efeitos, e
que todos os problemas eram causados por ela. As pessoas desenvolveram habilidades para
lidar com as situações de estiagem. Apesar dos esforços acadêmicos e das ações
governamentais em minimizar os efeitos da seca, através de soluções baseadas na ciência e
tecnologia, ainda não conseguiram chegar à raiz do problema e acabar com a desigualdade,
que é de base sócio espacial. É mais um problema político, com a falta de políticas públicas
adequadas, sobretudo, às destinadas a combater ou minimizar a vulnerabilidade dos pequenos
agricultores (MORRISON, 2010).
“Os impactos sociais provocados pela seca [...] podem ser compreendidos como uma
convergência das irregularidades climáticas do „semi-árido‟ (sic), a persistência de
desigualdades imensas na estrutura socioeconômica, e a deficiência de políticas
públicas adequadas.” (MORRISON, 2010, p. 165).
Apesar do que foi exposto, atualmente, esse quadro de descaso com a população frente
aos períodos de estiagem, vem se modificando e as políticas vêm se voltando mais para esse
quadro, permitindo que a população possa conviver melhor com a seca de um modo mais
tolerável, ao menos do ponto de vista do acesso à água, citando, como exemplo, os programas
P1MC e P1+2.
48
3. POLÍTICAS PÚBLICAS
Há na literatura especializada, o consenso de que o conceito de política pública é
arbitrário e apresenta muitas divergências conceituais. Assim, existe a preferência de se
estudar políticas públicas segundo modelos e abordagens.
O papel do Estado veio sofrendo diversas transformações ao longo do tempo, seu
principal objetivo nos séculos XVIII e XIX, por exemplo, era assegurar a segurança pública e
a defesa externa contra os inimigos. Com o firmamento da democracia, houve a diversificação
das suas funções, cuja principal passou a ser promover o bem-estar da sociedade. Para isso
atua em diferentes áreas, como saúde, educação e meio ambiente, desenvolvendo diversas
ações. O instrumento do governo para garantir o bem-estar social são as Políticas Públicas
(CALDAS, 2008).
Os estudos sobre políticas públicas surgiram na Europa, com estudos e pesquisas
tradicionais que se concentravam especialmente na análise sobre a ação do Estado e,
secundariamente, em suas instituições, sobretudo, o governo. Já Políticas Públicas, enquanto
área de conhecimento e disciplina acadêmica nasce nos Estados Unidos, entre os anos 1960 e
1970, como subárea da Ciência Política, pautada na ação dos governos (SOUZA, C., 2006).
Na área de políticas públicas, Souza C. (2006) considerou como fundadores: H.
Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton.
Nesse contexto, a partir da década de 1960, passou a haver um novo e crescente
interesse pelo estudo das políticas públicas, isso se deu em um âmbito de desenvolvimento do
Estado de Bem Estar Social nos países industrializados e os esforços desenvolvimentistas na
periferia. Essas transformações abarcaram uma série de processos políticos, sociais e
econômicos, que acabaram resultando no advento de um novo campo de investigação social: a
análise de políticas públicas (FLEXOR; LEITE, 2006).
Quanto aos fatores que resultaram no ressurgimento da importância do campo de estudo
das políticas públicas, o primeiro fator foi da adoção de políticas restritivas de gasto, que
deram maior visibilidade tanto as políticas públicas ditas econômicas quanto as sociais, e
passaram a dominar a agenda da maioria dos países, sobretudo, os em desenvolvimento. O
segundo fator, foi a redefinição do papel dos governos, com a substituição das políticas
keynesianas do pós-guerra por políticas restritivas de gasto; que passaram a dominar as
agendas a partir da década de 1980. E o terceiro fator, foi que na maioria dos países,
sobretudo, os em desenvolvimento da América Latina, ainda não havia a formação de
coalizões políticas capazes de programar políticas públicas que impulsionassem o
49
desenvolvimento econômico e promovessem a inclusão social da maioria da sua população
(SOUZA, C., 2006).
Souza C. (2006) define política pública como:
“[...] o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, „colocar o governo em
ação‟ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor
mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de
políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem
seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão
resultados ou mudanças no mundo real.” (SOUZA, C., 2006, p. 26).
Para Caldas (2008, p. 05):
“[...] as Políticas Públicas são a totalidade de ações, metas e planos que os governos
(nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade
e o interesse público. [...] as ações que os dirigentes públicos (os governantes ou os
tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles entendem
serem as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade
é sempre definido pelo governo e não pela sociedade.”
Flexor e Leite (2006) explicitam que o termo políticas públicas, nem sempre significa
as políticas do Estado, podem incluir ações públicas oriundas de instituições não
governamentais e movimentos sociais, por exemplo. Um exemplo de políticas públicas não
governamentais seria o Programa Um Milhão de Cisternas, para a construção de cisternas na
região Nordeste, pela ASA, que congrega mais de mil organizações não ligadas ao setor
público, ligadas ao paradigma da convivência com a seca.
Segundo o modelo heurístico das sequências proposto por Jones, um dos modelos mais
conhecidos de compreensão do que vem a ser uma política pública (FLEXOR; LEITE, 2006),
o processo de formulação das Políticas Públicas, passa por cinco fases interligadas: a primeira
fase é a formação da Agenda (Seleção das Prioridades); a segunda é a formulação de Políticas
(Apresentação de Soluções ou Alternativas); a terceira é o processo de tomada de decisão
(Escolha das Ações); a quarta fase é a Implementação (ou Execução das Ações) e a quinta
fase é a Avaliação16
(CALDAS, 2008).
16 A primeira fase é a formação da Agenda (Seleção das Prioridades), caracterizada pela definição da lista dos
principais problemas da sociedade que serão inseridos na Agenda Governamental, envolvendo diversos atores,
mas isso não indica que ela será tratada como prioritária, pois envolve o processo orçamentário. A segunda fase
é a formulação de Políticas (Apresentação de Soluções ou Alternativas), onde se definem as linhas de ação que
serão adotadas para solucionar os problemas inseridos na Agenda; definir qual o objetivo da política, os
programas desenvolvidos e as metas almejadas, havendo assim a rejeição de várias propostas de ação. O
formulador também tem que se reunir com os atores envolvidos na área ou setor onde ela será implantada e ouvir
suas contribuições. A terceira fase é o processo de tomada de decisão (Escolha das Ações), durante todo o ciclo
de Políticas Públicas tomam-se decisões; mas nessa fase se escolhe as alternativas de ação/intervenção aos
50
Ao Governo cabe, majoritariamente, a definição e implementação das políticas públicas,
mas, também conta com a participação da sociedade e grupos de interesse. Sendo
imprescindível a participação da população junto às tomadas de decisão do poder público na
criação dessas políticas (ABREU; MAYORGA, 2010; SOUZA, C., 2006). Assim, “[...] as
Políticas Públicas são o resultado da competição entre os diversos grupos ou segmentos da
sociedade que buscam defender (ou garantir) seus interesses.”17
(CALDAS, 2008, p. 07).
As Políticas Públicas são definidas no Poder Legislativo; do Poder Executivo saem suas
propostas e as ordens de execução. Aos servidores públicos cabem informar nas tomadas de
decisão dos políticos e operacionalizar as Políticas Públicas definidas (CALDAS, 2008).
Segundo Alston et al. (2004 apud FLEXOR; LEITE, 2006, p. 5-6), no Brasil “[...] as
políticas podem ser explicadas pelos padrões de interação entre o Presidente da República, os
membros do Congresso e os demais atores capazes de interferir nesse jogo [...].” Assim,
estabeleceu-se uma hierarquia de acordo com as preferências, onde cada ator envolvido
apresenta algum poder de veto. Contudo, o Presidente, considerando o grau de sucesso das
políticas estratégicas, decidirá quais políticas residuais serão desenvolvidas, ficando sob a
dependência de sua viabilidade orçamentária e da dinâmica legislativa (ALSTON et al., 2004
apud FLEXOR; LEITE, 2006).
“No topo da agenda encontram-se as políticas que contribuam para fortalecer a
estabilidade macroeconômica e o crescimento. Num nível inferior estariam políticas
promovendo oportunidades econômicas e em seguida políticas visando a redução da
pobreza. Os deputados e senadores, [...], tendem a privilegiar políticas (setoriais,
econômicas ou sociais) que trazem recursos para seus eleitores potenciais. Em
função das diversas preferências, os poderes Executivo e Legislativo procuram
problemas definidos na Agenda. Definem-se também os recursos e o prazo temporal de ação da política. Essas
escolhas passam a ser expressas, por exemplo, em leis, decretos, normas, resoluções. Também se planejará como
o processo de tomada de decisões será dado, ou seja, qual o procedimento a se seguir, quais os participantes do
processo e se este será aberto ou fechado. A quarta fase é a Implementação (ou Execução das Ações), é a fase
onde o planejamento e a escolha são transformados em atos. A execução da política é feita pelo corpo
administrativo, cabendo a eles a chamada ação direta, ou seja, a aplicação, o controle e o monitoramento das
medidas. Também podem modificar a política durante essa fase. “Estudiosos apresentam dois modelos de
implementação das Políticas Públicas; o de Cima para Baixo (que é a aplicação descendente [...], do governo
para a população) e o de Baixo para Cima (que é a aplicação ascendente ou da população para o governo).”
(CALDAS, 2008, p. 15). E a quinta fase é a Avaliação, pode e deve ser aplicada durante todo o ciclo, servindo
para apontar erros e sucessos; buscando levar em conta os impactos e as funções realizadas, determinar sua
relevância, analisar a eficiência, eficácia e sustentabilidade das ações desenvolvidas e contribuir para o
aprendizado dos atores públicos (CALDAS, 2008).
17 Os Atores que faram parte da discussão, criação e execução das Políticas Públicas, são do tipo estatal
(provenientes do Governo ou do Estado); ou privado (provenientes da Sociedade Civil). A sociedade cabe
apenas fazer solicitações das suas demandas, através de grupos organizados ou do que se coube chamar de So-
ciedade Civil Organizada (SCO) (sindicatos, entidades de representação empresarial, associação de moradores,
associações patronais e ONGs), para os seus representantes políticos. É através dessas diferentes demandas da
população e dos grupos que se forma o “interesse público”. Ao formulador de políticas públicas cabe o papel de
selecionar as demandas mais relevantes e prioritárias (CALDAS, 2008).
51
estabelecer relações que sejam benéficas a ambos. Assim, o foco do titular do
governo está nas políticas macro (fiscal e monetária) e para alcançá-las pode utilizar
políticas setoriais como moeda de troca no intuito de garantir votos no legislativo.
Uma vez arbitrada essa questão, emergem as políticas de educação e saúde (com
recursos mais ou menos fixos e difíceis de serem alterados) e por último as políticas
„residuais e mais ideológicas‟ como reforma agrária e meio ambiente.” (ALSTON et
al., 2004 apud FLEXOR; LEITE, 2006, p. 5-6).
Após essas explanações em torno das definições sobre políticas públicas, abordaremos
considerações em referência às políticas públicas no meio rural, assim como, algumas
políticas relevantes.
3.1. POLÍTICAS PÚBLICAS NO MEIO RURAL
Flexor e Leite (2006) apontam como uma das principais explicações sobre o caráter
residual das políticas agrícolas e rurais no Brasil, nas agendas governamentais, pelo Poder
Executivo, a pouca preferência nessa área, o baixo nível de conhecimento empírico sobre sua
realidade agrícola e rural e as dificuldades de adaptação organizacional das várias estruturas
administrativas.
Assim, no Brasil, antes da década de 1990, era a política agrícola a mais valorizada,
devido à modernização agrícola e o agronegócio. As políticas públicas voltadas para o meio
rural surgiram com mais eficiência a partir da década de 1990, após a chamada “década
perdida” dos anos 80, e a crise financeira e ambiental, quando o Governo e agências
internacionais de desenvolvimento e de cooperação, passaram a dar mais importância ao meio
rural no mundo, levando em conta, tanto suas características e importância, quanto suas
diferenças e desigualdades, com iniciativas voltadas para programas de desenvolvimento
rural. São as políticas assistencialistas (políticas de fortalecimento da agricultura familiar)
voltadas para as famílias de agricultores, com a abertura do crédito fácil, como o PRONAF
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), acompanhadas da criação da
moeda REAL, para um fortalecimento da economia nacional (ABREU; MAYORGA, 2010;
AGUIAR, 2011).
Schneider (2010, p. 522) afirma que junto com as políticas públicas como a reforma
agrária, ações de combate à fome (como o Programa Fome Zero) e segurança alimentar,
outras políticas para o novo rural deveriam ser somadas a estas.
52
“Este conjunto de políticas sociais e compensatórias, destinadas a amplos
contingentes da população rural que vivem em condições de pobreza e
vulnerabilidade social (particularmente na região „semi‑árida‟ (sic) do Nordeste),
deveria ser somado às políticas para o novo rural brasileiro, que incluem políticas de
habitação, de turismo rural, valorização das amenidades, de regularização das
relações trabalhistas e de urbanização do rural (serviços, infraestrutura e
planejamento), entre outras. Em seu conjunto, a convergência das políticas para o
„novo‟ rural e para o rural „precário e atrasado‟ comporiam o quadro das ações de
desenvolvimento rural.”
No Brasil, pode se observar um amplo conjunto de programas e políticas voltados para
o rural. A relevância de duas políticas públicas para o meio rural brasileiro, sobretudo, para os
pequenos agricultores familiares, merece destaque, a Previdência Social Rural e o PRONAF:
a) Previdência Social Rural
De acordo com Oliveira et al. (1997, apud BRUMER, 2002, p. 53):
“A previdência social consiste num seguro social, constituído por um programa de
pagamentos, em dinheiro e/ou serviços feitos/prestados ao indivíduo ou a seus
dependentes, como compensação parcial/total da perda de capacidade laborativa,
geralmente mediante um vínculo contributivo.”
Nas décadas de 1930 até a de 1950, as políticas sociais governamentais incluíram quase
todos os trabalhadores urbanos e a maioria dos trabalhadores autônomos, porém deixou de
fora da cobertura algumas categorias profissionais: os trabalhadores rurais, as empregadas
domésticas e os profissionais autônomos. A exclusão dos trabalhadores rurais se deu através
do conformismo rural, que perdurou até meados da segunda metade da década de 1950. Já a
exclusão das outras categorias, se deveu a dificuldade de organização das demandas de
profissionais caracterizados pela fragmentação e dispersão (BRUMER, 2002).
Somente a partir da década de 1960, houve a inserção dos trabalhadores rurais na
cobertura previdenciária. Através da criação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 2 de março
de 1963, que regulamentou os sindicatos rurais, instituiu a obrigatoriedade do pagamento do
salário mínimo aos trabalhadores rurais e criou o Fundo de Assistência e Previdência do
Trabalhador Rural - FAPTR, posteriormente denominado de FUNRURAL, em 1969.
Consequentemente, a cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais não se concretizou,
pois os recursos para sua efetivação, tanto financeiros quanto administrativos, não foram
previstos na legislação. A Constituição de 1988 passou a abarcar o acesso das mulheres na
previdência social rural, e estabeleceu as idades de recebimento do benefício: 55 anos para as
53
mulheres e 60 anos para os homens (BRUMER, 2002). Essa política foi de extrema
importância para o meio rural, onde o trabalhador rural passou a ser reconhecido e
beneficiado, social e economicamente.
b) Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)
A modernização agrícola no Brasil só se intensificou a partir da criação do Sistema
Nacional de Crédito Rural (SNCR), de 1965, que tinha como objetivo principal, dentre outros,
propiciar aos agricultores e as agroindústrias linhas de crédito acessíveis e baratas, para
viabilizar o investimento e a modernização do setor agrícola. Com o descontentamento
generalizado e com a crise da economia brasileira e mundial na década de 1980, a chamada
“década perdida”, esse modelo desenvolvimentista entra em declínio, e com ele o fim do
crédito rural subsidiado, principal pilar da modernização do setor, pelo Estado. Assim, até a
década de 1990 não havia uma linha de crédito específica para a agricultura familiar, nem
esse termo era empregado. A partir daí, num âmbito de reivindicações na pauta da política
agrícola pelo setor rural e sindicalista, foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF), em 28 de junho de 1996, pelo Governo Federal, através do
Decreto Nº. 1.946, como um instrumento para atender as necessidades e a sustentabilidade
das famílias rurais, se propondo a promover o desenvolvimento da agricultura familiar a partir
do oferecimento de crédito rural (MERA; DIDONET, 2010).
De acordo com Flexor e Leite (2006) o PRONAF se configura como uma política
diferenciada de crédito. Segundo Abreu e Mayorga (2010, p. 08) “O PRONAF é a primeira
política pública totalmente voltada em favor dos agricultores familiares brasileiros, que
também pode ser percebida a geração de empregos com tal ajuda do Governo.”
Portanto, a importância do PRONAF consiste na consolidação do termo agricultura
familiar; no acesso fácil a créditos aos pequenos produtores rurais, antes mais restritos aos
grandes produtores com lógica modernizadora; por ser um programa nacional que abrange
todos os municípios brasileiros e por conter diversas modalidades de custeio, investimento e
serviços. Embora também apresente falhas, sobretudo, em seu início, quando poucos foram
beneficiados, dentre estes apenas os agricultores familiares com mais renda e relações
comerciais, sobretudo, os ligados a agroindústria. E por se concentrar mais na região sul,
apesar de ser um programa nacional (MERA; DIDONET, 2010).
Além das políticas públicas citadas, existem outras que atingem diretamente a zona
rural (ver Quadro 1).
54
Quadro 1 – Políticas Públicas e suas áreas de atuação
ÁREA DA
POLÍTICA
NOME DA
POLÍTICA MINISTÉRIO CARACTERÍSTICAS
Educação
Movimento
Brasileiro de
Alfabetização
(MOBRAL)
Ministério da Educação e Cultura
(MEC), atualmente, Ministério da
Educação (MEC)
Criado pela Lei número 5.379, de 15 de
dezembro de 1967, durante o governo
militar, e extinto em 1985. O modo de
ensino era controlado e ditado pelos
militares. Objetivava erradicar o
analfabetismo no Brasil a curto prazo,
através da alfabetização e letramento
para as pessoas acima da idade escolar
convencional.
Programa de
Erradicação do
Trabalho Infantil
(PETI)
Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS)
Criado em 1996, integra hoje o Plano
Brasil Sem Miséria. Objetiva a retirada
de crianças e adolescentes com idade
inferior a 16 anos, do trabalho precoce,
inserindo-os em atividades
socioeducativas. Também compreende a
transferência de renda, prioritariamente
por meio do Programa Bolsa Família, o
acompanhamento familiar e serviços
socioassistenciais.
Programa
Nacional de
Alimentação
Escolar (PNAE)
Ministério da Educação (MEC)
Implantado em 1955, para promover o
acesso à oferta da alimentação escolar e
de ações de educação alimentar e
nutricional. Para os alunos de toda a
educação básica (educação infantil,
ensino fundamental, ensino médio e
educação de jovens e adultos).
Programa Brasil
Alfabetizado
(PBA)
Ministério da Educação (MEC)
Criado em 2003, integra hoje o Plano
Brasil Sem Miséria. Objetiva promover
a alfabetização de jovens a partir de 15
anos, adultos e idosos. Através do apoio
e financiamento dos projetos de
alfabetização. Priorizando as famílias
extremamente pobres e as que são
beneficiárias do Programa Bolsa
Família.
Programa Mais
Educação Ministério da Educação (MEC)
Instituído pela Portaria Interministerial
nº 17/2007; integra o Plano Brasil Sem
Miséria. Com recursos financeiros do
Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE), repassados pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE). Promovendo a
educação em tempo integral em escolas
da rede pública, com uma jornada de no
mínimo 7 horas diárias. Priorizando
escolas que possuam mais da metade de
seus alunos como beneficiários do Bolsa
Família.
Programa
Nacional de
Acesso ao Ensino
Técnico e
Emprego
(PRONATEC)
Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS)
Criado em 2011 pelo Governo Federal,
integra o Plano Brasil Sem Miséria.
Objetivando a ampliação da oferta de
cursos de educação profissional e
tecnológica; de forma gratuita.
55
Segurança
alimentar
Programa (Plano)
Fome Zero
ENVOLVE TODOS OS
MINISTÉRIOS
Lançado em 2003. Objetivou a
promoção da segurança alimentar e
retirada das famílias da situação de
extrema pobreza. Abarcando diversos
programas, organizados a partir de
quatro eixos articuladores de proteção e
promoção social: ampliação do acesso
aos alimentos (Programa Bolsa Família
– PBF, Programa Nacional de
Alimentação Escolar – PNAE, Rede de
Equipamentos Públicos de Alimentação
e Nutrição (Restaurantes Populares,
Cozinhas Comunitárias, Bancos de
Alimentos), Cisternas de Água, entre
outros), fortalecimento da agricultura
familiar (Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar
- PRONAF (financiamento e seguro),
Programa de Aquisição de Alimentos),
geração de renda, articulação,
mobilização e controle social.
Programa Bolsa
Família (PBF)
Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS)
Instituído pela Lei 10.836/2004 e
regulamentado pelo Decreto nº
5.209/2004, integra hoje o Plano Brasil
Sem Miséria. Configura-se como um
programa de transferência direta de
renda, beneficiando famílias em
situação de pobreza e de extrema
pobreza em todo o país. Garantindo
uma quantia mensal às famílias
beneficiadas e condicionando na
educação.
Bolsa Estiagem Ministério da Integração Nacional
(MI)
Instituído pela Lei Nº 10. 954, de 29 de
setembro de 2004, configura-se como
um Auxílio Emergencial. Um auxílio
financeiro de quatrocentos reais,
divididos em até cinco parcelas de
oitenta reais, por meio do cartão de
pagamento do Bolsa Família ou do
Cartão Cidadão, para aos agricultores
familiares residentes nos municípios em
situação de emergência ou calamidade
pública reconhecida pelo Governo
Federal.
Habitação
Programa Minha
Casa Minha Vida
(PMCMV)
Ministério das Cidades
(MCidades)
Lançado em 2009, integra o Plano Brasil
Sem Miséria. É operacionalizado pela
CAIXA, com recursos do Fundo de
Arrendamento Residencial (FAR).
Baseia-se, sobretudo, na aquisição e
alienação de imóveis urbanos por
famílias que possuem renda familiar
mensal de até R$ 1.600,00.
Programa
Nacional de
Habitação Rural
(PNHR)
Ministério das Cidades
(MCidades)
Lançado em 2009, foi criado no âmbito
do PMCMV, sendo operacionalizado
pela CAIXA, objetiva subsidiar a
reforma ou construção de habitações
para agricultores familiares e
trabalhadores rurais com renda familiar
bruta anual até 15 mil reais.
Programa de Coordenado pelo Ministério do Instituído pelo artigo 19 da Lei
56
Agricultura
Aquisição de
Alimentos (PAA)
Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), também
é composto pelo Ministério da
Educação; Ministério do
Desenvolvimento Agrário;
Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento;
Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão; e Ministério
da Fazenda.
10.696/2003, integra hoje o Plano Brasil
Sem Miséria. Atua com quatro
modalidades (Compra Direta, Apoio a
Formação de Estoque, PAA Leite e
Compra com Doação Simultânea).
Tendo como objetivo a aquisição de
alimentos, em grande parte, da
agricultura familiar, disponibilizando
esses alimentos as pessoas em situação
de insegurança alimentar e nutricional
assistidas pela Rede de Proteção e
Promoção Social.
E também a Grupos Populacionais
Específicos (indígenas, quilombolas,
comunidades de terreiros, atingidos por
barragens, acampados aguardando
reforma agrária e pescadores artesanais).
Programa
Nacional de
Fortalecimento da
Agricultura
Familiar
(PRONAF)
Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA)
Criado em 28 de junho de 1996, através
do Decreto Nº. 1.946, pelo Governo
Federal. Objetivando facilitar o acesso
ao crédito aos agricultores familiares,
através de diversas modalidades.
Voltados
para a
estiagem
Programa Um
Milhão de
Cisternas (P1MC)
Em 2001, firmou-se convênio com
o Ministério do Meio Ambiente
(MMA). Em 2003, passou a fazer
parte do Ministério do
Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS)
Uma das ações do Programa de
Formação e Mobilização Social para a
Convivência com o Semiárido da ASA,
iniciou-se em 2001, financiado pelo
Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Em 2003, passou a ser política pública.
Objetivando beneficiar o acesso à água
potável através da construção de
cisternas de placa às famílias que não
tem acesso ao abastecimento de água e
residam permanentemente na zona rural.
Programa Uma
Terra e Duas
Águas (P1+2)
Uma das ações do Programa de
Formação e Mobilização Social
para Convivência com o Semiárido
da ASA em parceria com o
Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS)
Surgiu em 2007, objetivando o acesso e
manejo sustentáveis da terra e da água
para produção de alimentos para os
agricultores familiares. Atuando com
sete tipos de tecnologias: cisterna-
calçadão, cisterna-enxurrada, barragem
subterrânea, barreiro-trincheira,
barraginha, tanque de pedra e bomba
d‟água popular.
Programa Água
para Todos
Ministério da Integração Nacional
(MI)
Instituído pelo Decreto nº 7.535, de 26
de julho de 2011; integra o Plano Brasil
Sem Miséria. Objetiva promover o
acesso e uso de água para populações
rurais dispersas ou em situação de
extrema pobreza; que tenham pouco ou
nenhum acesso aos serviços de
abastecimento de água. Através da
instalação de cisternas de consumo;
cisternas de produção; sistemas
coletivos de abastecimento de água; kits
de irrigação e pequenas barragens.
Fonte: ASA BRASIL, 2014; BRASIL, C., 2005; CAIXA, 2014; FNDE, 2014; MDS, 2014; MEC, 2014;
MENEZES; SANTARELLI, 2013.
57
4. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
Nesta parte do trabalho será realizada uma breve caracterização da área de estudo. Em
um primeiro momento, abordaremos o histórico de ocupação da comunidade Barra da
Espingarda, zona rural do município de Caicó/RN, onde se resgatará os principais aspectos
históricos, como a origem do nome, as condições de moradia, o processo de ocupação, as
principais atividades agropecuárias desenvolvidas e algumas tendências migratórias da
população. E em um segundo momento será ressaltado os elementos naturais que predominam
no município e consequentemente na área de estudo, como o clima, a formação vegetal, o
relevo, a geologia, a geomorfologia e a hidrografia.
4.1. HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO
O município de Caicó está localizado no estado do Rio Grande do Norte, na região
Nordeste do Brasil. Situado na área de abrangência da mesorregião Central Potiguar e na
microrregião do Seridó Ocidental. Nas coordenadas geográficas: 6º 27‟ 30” de latitude Sul e
37º 05‟ 52” de longitude Oeste. Numa altitude de 151 metros. A uma distância de 256 km da
capital Natal. É limitada ao Norte por Jucurutu, Florânia e São Fernando; ao Sul por São João
do Sabugi e o Estado da Paraíba; a Leste por São José do Seridó, Cruzeta, Jardim do Seridó e
Ouro Branco e a Oeste por Timbaúba dos Batistas, São Fernando e Serra Negra do Norte
(INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO
GRANDE DO NORTE, 2008; MASCARENHAS, 2005). Segundo o Censo 2010 a cidade de
Caicó apresenta uma área de unidade territorial de 1.228,583 km2; uma população de 62. 709
habitantes, onde o total da população urbana é de 57.461 e o total da população rural é de
5.248; e uma densidade demográfica de 51,0 hab/km2 (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2014). De acordo com o Atlas Brasil (2013) o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que mede o grau da renda, da longevidade e
da educação, é de 0,710, em 2010, ou seja, o município está situado na faixa de
Desenvolvimento Humano Alto (IDHM entre 0,7 e 0,799).
A comunidade Barra da Espingarda situa-se nas coordenadas geográficas: 6º 32‟ 59” de
latitude Sul e 37º 0‟ 43” de longitude Oeste. Localiza-se a leste na zona rural do município de
Caicó/RN (ver Figura 1), a cerca de 15 Km, a montante do açude Itans. Seu acesso se dá pela
58
BR 427, que liga Caicó a Jardim do Seridó, no Km 83 da BR supracitada. Atualmente a
comunidade apresenta uma população estimada em 260 habitantes.
Figura 1: Localização da comunidade Barra da Espingarda, Caicó/RN
Fonte: Diego Emanoel Moreira da Silva, 2015.
Há duas versões relacionadas à origem do nome da comunidade Barra da Espingarda. A
mais conhecida delas é que antigamente existia muita vegetação e bastantes animais, aonde
hoje vem a ser a comunidade e, assim, havia a prática da caça, muito comum naquela época.
Vinham dois caçadores do lado de cima, não se sabe de que direção, mas, cada um trazia uma
espingarda, caçavam ali por perto do riacho. Um dia um dos caçadores perdeu a espingarda no
59
riacho, procuraram e não encontraram, por isso o nomearam de riacho da Espingarda. Eles
continuaram caçando, mas, a caça no local foi diminuindo progressivamente. Tendo como
ponto de referência o riacho, os caçadores começaram a descer pelas suas margens,
encontraram um ponto onde havia o encontro de “duas águas” (o riacho da Espingarda com o
rio Barra Nova), chamado de barra. Então eles juntaram o nome “barra” com “espingarda”, e
deram o nome à comunidade de Barra da Espingarda, pois naquela época a comunidade era
delimitada, praticamente, do riacho até o rio18
.
A segunda versão, contada pelo último morador mais antigo da comunidade, ainda vivo,
é que havia caboclos que moravam pelas redondezas e caçavam no Serrote do Caboclo,
localizado na comunidade Sobradinho que faz fronteira com a comunidade Barra da
Espingarda. Esse Serrote apresenta várias gravuras na rocha, dentre estas havia uma em forma
de espingarda, então eles deram ao riacho o nome de riacho da espingarda. Descendo por suas
margens encontraram, posteriormente, o encontro do riacho com o rio e deram o nome
daquela localidade de Barra da Espingarda19
.
Não foi possível remontar o início do povoamento na comunidade, sabe-se que já havia
famílias morando nessas terras antes da construção do açude Itans. Nesse contexto, seu
povoamento se intensificou a partir da construção do Açude Itans, construído no período de
uma grande seca, tendo início no dia 23 de abril de 1932 e inauguração em 02 de fevereiro de
193620
, embora, já houvessem moradores, devido às possibilidades de oferta de água, terras
para plantio de subsistência, criação de animais e pescado. E também pela concessão de lotes
de terras pelo DNOCS de Caicó, para os agricultores e suas famílias, transformando-os em
rendeiros. Essa concessão de terras é feita apenas com a comprovação de que são agricultores
(atualmente isso se dá através da Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP)21
ou por uma
18
Entrevista realizada com Teresinha Aureliana de Freitas, concedida no dia 17 de dezembro de 2013 e com
Geraldo Araújo de Azevedo, concedida no dia 23 de janeiro de 2014.
19 Entrevista com João Saturnino de Oliveira (chamado João Brejeiro, é o último dos moradores mais antigos
ainda vivo, chegou à comunidade Barra da Espingarda em 1946), concedida no dia 24 de setembro de 2014.
20 Entrevista com Luiz Gonzaga de Araújo (morador da comunidade Barra da Espingarda, seu pai foi
desapropriado das terras do açude, sua avó e sua mãe eram cozinheiras dos trabalhadores que participaram da
construção do açude Itans,) e com Lauro Braz dos Santos (morador da comunidade, nasceu e sempre morou na
comunidade, tendo 68 anos) concedida no dia 23 de setembro de 2014. Os dois entrevistados relataram que o
açude Itans foi construído por muitas pessoas que moravam na comunidade, alguns foram desapropriados e
indenizados. E que o açude foi todo construído de forma braçal, transportando os materiais em jumentos e os
trabalhadores moravam em acampamentos as margens do açude.
21 Segundo informações obtidas no Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do município de Caicó/RN
(EMATER), no dia 24 de setembro de 2014, a DAP foi criada pela Resolução CMN nº 2.191, de 24 de agosto de
1995, se configurando como um cadastro que tem como objetivo a identificação e qualificação do agricultor
familiar, que permite o acesso às operações de crédito do PRONAF.
60
declaração emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Caicó
(STTR)), com a concessão de uma faixa de terra “seca” e uma faixa “úmida” (vazantes na
bacia do açude). Os rendeiros têm um contrato de renda e pagam uma taxa anual equivalente
ao tamanho da propriedade22
. Antes, havia guardas do DNOCS, que fiscalizavam todo o
açude, diariamente, havendo assim uma maior segurança na comunidade. Hoje, não há mais
essa fiscalização.
A comunidade sempre esteve ligada às atividades agropecuárias, sobretudo, com a
construção do açude Itans, que possibilitou o acesso à água e a terras mais férteis, com a
presença de agricultura de sequeiro e de vazante.
Havendo a presença da cultura do algodão, de caráter familiar, se constituía como a
principal fonte de renda monetária para os pequenos agricultores. A lavoura do algodão era
feita em consórcio com as culturas de subsistência e usada como pastagem para o gado, após a
colheita, sendo estreitamente ligada à pecuária e ao consórcio com outras culturas, como
milho e o feijão, voltados para a subsistência. Com a crise do algodão e, consequente fim do
seu cultivo, ocasionada por secas e pela praga do bicudo, por volta do início da década de
1980, além de acarretar um grande prejuízo à renda familiar, passou-se a se dar ênfase as
culturas de subsistência, para o consumo e venda do excedente na feira livre da cidade e a
pecuária, sobretudo, a leiteira23
.
Por volta dessa época de plantação de algodão, também se plantava arroz nas áreas mais
úmidas e de vazantes, cuja colheita e venda se davam anualmente, para compradores ou na
feira livre.
Os relatos de moradores da comunidade expõem que, no passado, havia mais pessoas
morando na comunidade do que nos dias atuais, pois as famílias tinham mais filhos, que
permaneciam na comunidade ao formarem suas famílias.
Quanto às tendências migratórias, por volta dos anos 1960, alguns moradores da
comunidade foram para a Amazônia, em tempos de seca, através do Exército Brasileiro, para
trabalharem nas lavouras em fazendas e a maioria não retornou para a comunidade. Por volta
dos anos 1980, havia a tendência dos filhos irem para São Paulo, em busca de emprego; a
maioria ainda reside em São Paulo e seus pais na comunidade.
22 Entrevista com Eduardo José de Farias (chefe da unidade do DNOCS de Caicó), concedida no dia 15 de julho
de 2014.
23 Entrevista com Julita dos Santos Silva (uma antiga moradora da comunidade), concedida no dia 10 de julho de
2014.
61
Também se verifica a migração para a cidade, tanto em tempos de seca, quanto pelo
envelhecimento e não continuidade do trabalho agrícola.
Em 2001, houve a proposta da realização de um projeto pela Prefeitura para que a
comunidade Barra da Espingarda fosse reconhecida como o terceiro distrito de Caicó, porém
o projeto não foi realizado, pois a comunidade se recusou a se tornar distrito. No entanto, em
uma parte do imaginário popular a comunidade é reconhecida como distrito, e por ser
considerada uma comunidade polo, atrai mais recursos e políticas públicas do que as demais
comunidades.
4.2. ELEMENTOS NATURAIS
Apresentaremos agora as características naturais do município de Caicó/RN,
considerando que a comunidade Barra da Espingarda esta inserida no mesmo, apresenta
características naturais semelhantes ao restante do município.
Nesse contexto, o tipo de clima é semiárido quente e seco. Apresenta um curto período
chuvoso, de fevereiro a maio. Com uma precipitação pluviométrica anual normal de 716,6
mm, observada de 746,8 mm e desvio de 30,2 mm; temperaturas médias anuais de 27,5 °C;
umidade relativa média anual de cerca de 59% e insolação em torno de 2.700 horas
(INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO
GRANDE DO NORTE, 2008; MASCARENHAS, 2005).
A formação vegetal é a Caatinga Subdesértica do Seridó (caatinga hiperxerófila
arbóreo-arbustiva), considerada a vegetação mais seca do Estado, com arbustos e árvores
baixas, ralas e xerofitismo acentuado. As espécies vegetais mais encontradas são o pereiro, o
faveleiro, o facheiro, a macambira, o mandacaru, o xique-xique e a jurema-preta. Segundo o
Plano Nacional de Combate a Desertificação – PNCD, Caicó está inserido em área susceptível
à desertificação em categoria Muito Grave (INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO NORTE, 2008;
MASCARENHAS, 2005). Na comunidade Barra da Espingarda essa vegetação se encontra
em um estado antropofizado, com várias áreas desmatadas.
O solo predominante é o Bruno Não Cálcico Vértico, com fertilidade natural alta,
textura arenosa/argilosa e média/argilosa, moderadamente drenado e relevo suave ondulado. É
apto a culturas de ciclo longo como o algodão arbóreo (INSTITUTO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO
62
NORTE, 2008; MASCARENHAS, 2005). Na área de estudo, por possuir solos férteis nas
planícies de inundação do rio Barra Nova e Açude Itans, ocorre a prática da agricultura de
vazante e de sequeiro. No rio Barra Nova ocorre a presença do solo neossolo flúvico.
Quanto ao relevo, está inserido na Depressão Sertaneja e no Planalto da Borborema.
Geologicamente abrange o Embasamento Cristalino, composto por rochas do Grupo Caicó,
com idade do Pré-Cambriano Inferior de 2.500 milhões de anos, caracterizados por
migmatitos variados, granitos, gnaisses, anfibolitos e quartzitos. Geomorfologicamente, há
predominância de formas tabulares de relevos, de topo plano, com ordens de grandeza
variadas e de aprofundamento de drenagem, separados, em geral, por vales de fundo plano
(INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO
GRANDE DO NORTE, 2008; MASCARENHAS, 2005).
Hidrologicamente, o município encontra-se totalmente inserido na Bacia Hidrográfica
do Rio Piranhas-Açu. Com três rios principais: Seridó, Sabugi e Barra Nova. Um dos seus
riachos principais é o Riacho da Espingarda. A área de estudo compreende o Riacho da
Espingarda, que deu nome à comunidade, assim como o Rio Barra Nova, barrado pelo Açude
Itans, que apresenta uma capacidade de 81 750 000 m3 (INSTITUTO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E MEIO AMBIENTE DO RIO GRANDE DO
NORTE, 2008). A comunidade Barra da Espingarda apresenta uma boa drenagem, composta
por vários cursos de água intermitentes e água subterrânea, em sua maioria salobra.
63
5. ANÁLISE DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA
COMUNIDADE BARRA DA ESPINGARDA
O acesso aos instrumentos básicos do desenvolvimento: educação, saneamento, a renda,
entre outros, ainda é uma questão social a ser resolvida no campo, pois esses instrumentos são
de essencial relevância ao desenvolvimento rural de uma localidade (AGUIAR, 2011). Como
afirma Conterato (2008) o rural deve ser tratado como o locos do seu próprio
desenvolvimento. Uma localidade possuirá um bom desenvolvimento rural quando for capaz
de gerar empregos, serviços e novos mercados, oferecer ambientes de lazer, moradia,
educação, saúde, apresentar uma agricultura mais voltada ao respeito ao meio ambiente e a
prática da pluriatividade, passar a oferecer o turismo rural, entre outros, oferecendo assim as
condições necessárias para manter a população no campo com uma boa qualidade de vida. No
entanto, é necessário à implementação de políticas públicas voltadas ao meio rural para,
assim, viabilizar o desenvolvimento rural do mesmo.
Assim sendo, nessa parte do trabalho abordaremos sobre os resultados das entrevistas
em 44 domicílios da comunidade. Abarcando as características da população (5.1); a
qualidade de vida (5.2), considerando as condições de moradia (5.2.1), a saúde (5.2.2), a
educação (5.2.3), o meio ambiente (5.2.4), o lazer (5.2.5) e o acesso à água (5.2.6). Assim
como, as fontes de renda (5.3), considerando as atividades agropecuárias e extrativas (5.3.1),
os efeitos agrícolas e sociais ocasionados pela seca (5.3.1.2), as atividades não agrícolas
(5.3.2), os programas sociais do Governo e políticas públicas (5.3.3), a aposentadoria e pensão
(5.3.4), o consumo de bens e serviços (5.4), os espaços públicos e privados de convivência
(5.5) e a sensação de qualidade de vida e desenvolvimento da população local (5.6), visando
analisar e constatar o desenvolvimento rural na comunidade em questão.
5.1. CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO
No que se remete ao sexo24
dos residentes na comunidade Barra da Espingarda,
considerando todos os indivíduos da família nas residências abarcadas na amostragem, a
porcentagem praticamente se igualou, porém, a maioria foi do sexo masculino (51%), sendo
do sexo feminino 49%.
24
Considerando o sexo da pessoa entrevistada em cada residência, foram 43 mulheres (98%) e um homem (2%).
64
Considerando a faixa etária25
de todos os indivíduos da família nas residências
envolvidas na amostragem, verificou-se que a maioria dos indivíduos está na faixa etária de
51 a 60 anos (21%). Onde os indivíduos entre as faixas etárias de até 10 anos, de 61 a 70 e dos
que têm mais de 70 anos apresentaram a mesma porcentagem (9%) (ver Gráfico 1). Como em
todas as comunidades rurais, também se verifica o êxodo rural, porém, na área de estudo o
mesmo não é tão intenso, o que ocorre é à saída das pessoas de faixa etária mais jovem para
estudar e/ou morar em Caicó ou outra cidade ou comunidade, devido ao trabalho ou
casamento. Há um evidente envelhecimento da população da comunidade, porém essas
pessoas de idade mais avançada relataram não pretender se mudar para a cidade.
Gráfico 1 – Faixa etária dos residentes
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Considerando os 146 indivíduos das 44 residências da amostragem.
No que tange ao estado civil, considerando todos os indivíduos pesquisados, observa-se
que a maioria é de casados (44%), na igreja e/ou no civil, e a minoria são divorciados (1%).
Amasiados, são pessoas que não são casadas, porém moram juntas (ver Gráfico 2).
25
Considerando a idade dos entrevistados em cada residência (44), a maior porcentagem foi dos que tinham de
51 a 60 anos (34%) e a menor foi dos que tinham de 20 a 30 anos (7%).
9%
15%
12%
12% 13%
21%
9%
9%
Até 10
De 11 a 20
De 21 a 30
De 31 a 40
De 41 a 50
De 51 a 60
De 61 a 70
Mais de 70
65
Gráfico 2 – Estado civil dos residentes
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Considerando os 146 indivíduos das 44 residências da amostragem.
Quanto ao número de dependentes, ou seja, crianças ou pessoas que ainda estão sob a
dependência econômica dos pais ou de algum familiar, verificou-se que na maioria das
famílias há apenas um dependente (45%). Também há uma grande porcentagem de famílias
que não apresentam dependentes (36%) (ver Gráfico 3).
Gráfico 3 – Número de dependentes por família
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Considerando apenas os dependentes de cada residência da amostragem.
Nesse contexto, depois de expor algumas das principais características da população da
área de estudo, nos deteremos na qualidade de vida.
36%
46%
16%
2%
Sem dependentes
1
2
4
38%
44%
1% 4% 13%
Solteiro
Casado
Divorciado
Viúvo
Amasiado
66
5.2. QUALIDADE DE VIDA
Para Herculano (1998, 2000) apud Schneider e Freitas (2013, p. 134) qualidade de vida
pode ser compreendida como:
“[...] a soma das condições econômicas, políticas, ambientais, científicas, culturais
que estão ao alcance dos indivíduos e que, a partir destes recursos, seja possível a
realização dos desejos. Ou seja, a noção de QV não está somente naquilo que as
pessoas podem adquirir, mas no que elas entendem e equacionam como melhoria de
sua vida”.
Não há um consenso em relação à quais indicadores, para o estudo da qualidade de vida,
devem ser usados. Mas, que esses devem ser heterogêneos, multidimensionais e de acordo
com cada realidade e com o tipo de estudo considerado (SCHNEIDER; FREITAS, 2013).
Portanto, procuramos apenas elencar alguns pontos que ocasionam a qualidade de vida de
uma localidade, para isso consideramos as condições de moradia, a saúde, a educação, o meio
ambiente, o lazer e o acesso à água. E no tópico Fontes de Renda, ainda há alguns pontos que
abordam a qualidade de vida. Procurando expor qual a situação da comunidade acerca desses
temas e também a presença de políticas públicas nesses processos.
5.2.1. Condições de moradia
Em 2014 a referida comunidade apresentava 111 casas, sendo 89 casas abertas e 23
casas fechadas (incluindo as casas de lazer)26
.
Do total dos entrevistados, 43% relataram serem naturais da comunidade, alguns tendo
nascido na própria comunidade, e 57% relataram terem vindo de outra localidade, onde a
maioria desses veio de comunidades vizinhas, por que o DNOCS concedia terras, por ter
casado com alguém da comunidade, por achar a comunidade melhor para se morar ou por
gostarem da propriedade que estava à venda.
Com relação ao tempo de moradia, na atual residência, pois alguns haviam morado em
outras residências anteriormente, na própria comunidade, observou-se que a maioria mora na
26
Entrevista com Lenilda Julia dos Santos (moradora da comunidade e Agente Comunitária de Saúde (ACS),
desde 1998), concedida no dia 23 setembro de 2014.
67
comunidade entre 1 a 10 anos (30%). Também sendo alta a porcentagem entre 11 a 20 anos
(25%) e 21 a 30 anos (20%) de moradia. É relevante observar que também é significativa a
quantidade de pessoas que ainda moram na comunidade entre 40 a 60 anos, relatando que não
pretendem mudar-se para a cidade (ver Gráfico 4).
Gráfico 4 – Anos de moradia na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Dados referentes apenas ao indivíduo entrevistado em cada residência.
Em relação aos imóveis, verifica-se que a maioria dos mesmos são próprios (98%) e a
minoria são de posse provisória, ou seja, moradia de favor e compra de parentes (2%), não
havendo imóveis alugados na comunidade. Quanto à obtenção da propriedade, a maioria foi
através de concessões de terra pelo DNOCS (70%), tendo ou não contrato de renda27
.
Atualmente existem 46 rendeiros do DNOCS na comunidade (ver Gráfico 5).
27
Segundo o chefe da unidade do DNOCS de Caicó Eduardo José de Farias a maioria das terras que compõe a
comunidade Barra da Espingarda pertence ao DNOCS e desde a construção do açude Itans, em 1936, o DNOCS
concede contratos de renda aos agricultores fornecendo uma faixa de terra seca e uma faixa de vazante, essas
rendas não deveriam ser vendidas, porém, esse foi um fato observado na comunidade, a venda dessas terras a
outros. Mas, atualmente voltou-se a fiscalizar novamente exigindo que apenas se repasse a renda, porém sem
vendê-la. Com o passar do tempo e a falta de fiscalização as pessoas passaram a morar na comunidade sem ter
contrato de renda. E uma pequena faixa de terra pertence ao Governo Federal por se localizar a BR 427 e uma
faixa intermediária que não pertence nem ao DNOCS e nem ao governo, ou seja, pode ser comprada e vendida
normalmente.
30%
25%
20%
11%
7% 7%
De 1 a 10
De 11 a 20
De 21 a 30
De 31 a 40
De 41 a 50
De 51 a 60
68
Gráfico 5 – Obtenção da terra na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Dados referentes apenas ao indivíduo entrevistado em cada residência.
Até o início da década de 1980 a grande maioria das moradias na comunidade era de
casas de taipa, isso passou a mudar, por volta de 1982 até 1987, com o projeto de construção
de casas de alvenaria do SESP/CHAGAS28
, uma campanha de combate aos barbeiros, com a
construção de aproximadamente 36 casas, pois a maioria das casas na comunidade era de
taipa; hoje há apenas casas de alvenaria na comunidade. Verificou-se que a maioria das casas
participou desse projeto (52%), com o passar do tempo os residentes aumentaram suas
dependências. Porém, ainda é alta a quantidade de residências que não fizeram parte do
projeto (48%) (ver Gráfico 6).
28
Em entrevista com Luiz Gonzaga de Araújo (morador da comunidade Barra da Espingarda) concedida no dia
23 de setembro de 2014. Aproximadamente de 1982 até 1987, o então vereador Chico Grigório, trouxe para a
comunidade o projeto SESP-CHAGAS. O Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) foi fundado em 1942, e em
1969 passou a se chamar Fundação de Serviços de Saúde Pública (FSESP), foi criado para atuar inicialmente na
área de saúde pública e saneamento na Amazônia passando posteriormente a atuar em outras regiões do país. Em
1990 foi extinta e incorporada junto com a Superintendência Nacional de Campanhas (SUCAM) em um novo
órgão denominado Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Disponível em:
<http://www.funasa.gov.br/site/museu-da-funasa/cronologia-historica-da-saude-publica/>. Acesso em: 20 out.
2014.
27
2
36
7 2
70
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Herança Compra de
parentes
Compra de
terceiros
Doação Posse
provisória
Doação
DNOCS
Per
centu
al
(%)
69
Gráfico 6 – Casas que fizeram parte do projeto SESP/CHAGAS na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Considerando todas as residências da amostragem.
No ano de 2014, o Programa Nacional de Habitação Rural, em parceria com o Programa
Minha Casa Minha Vida, passou a atuar na comunidade Barra da Espingarda, intermediado
pelo STTR de Caicó e Associação Comunitária, onde a maioria dos residentes se inscreveu no
programa para que suas residências fossem reformadas ou construídas. Os projetos
arquitetônicos de cada residência estão em fase de preparação.
Quanto ao tamanho da propriedade, adotamos como medida de área os hectares,
observando-se que há moradores que não possuem terra, apenas a área da residência (18%),
cedidas pelo Governo ou nas terras dos pais. A menor porcentagem verificada foi daqueles
que tem de 4 a 6 hectares (ver Gráfico 7).
Gráfico 7 – Tamanho da área das propriedades na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Considerando todas as residências da amostragem.
52%
48% Sim
Não
18%
20%
20% 2%
7%
9%
9%
14%
Só a área da casa
Menos de 2 ha
De 2 a 4 ha
De 4 a 6 ha
De 6 a 8 ha
De 8 a 10 ha
De 10 a 12 ha
De 12 a mais ha
70
Analisando alguns dados de 1998, 2001 e 2005, retirados de alguns projetos da
Associação Comunitária da Barra da Espingarda, observamos algumas informações anteriores
acerca do número de habitantes e de moradias, as condições de moradia, a renda e emprego;
podemos perceber que havia mais habitantes na comunidade, 400, do que atualmente, que são
260 (ver Tabela 2).
Tabela 2 – Dados da população e residências dos anos 1998, 2001 e 2005
Ano Habitantes
(nº)
Famílias
(nº)
Casas
(nº)
Pessoas
com
trabalho
permanente
(nº)
Renda
média
(R$)
Casas
com água
encanada
(nº)
Casas
com
privadas
ou fossas
(nº)
Casas
com
energia
elétrica
(nº)
Casas
com
televisor
(nº)
1998 400 89 89 100 80,00 0 89 - 80
2001 400 89 89 12 150,00 15 89 - 68
2005 - 88 88 83 300,00 20 81 88 88
Fonte: Dados trabalhados pela autora, 2014.
Nota: Dados extraídos dos projetos de Abastecimento de água, SEAPAC, em 1998, Criação de ovelhas,
EMATER, 2001, e Bovinocultura, SEAPAC, em 2005; desenvolvidos pela Associação Comunitária da Barra da
Espingarda. O sinal ( - ) indica que não há dado referente a categoria.
Considerando a infraestrutura das residências, 100% das residências entrevistadas
tinham banheiro, cozinha, sala e quarto, e apenas 77% tinha varanda (alpendre). Todas as
residências tinham energia elétrica, que foi implantada na comunidade no começo da década
de 1990.
Foram estabelecidas quatro categorias de resposta quanto à condição de moradia: ruim,
regular, boa e ótima. Não houve respostas na categoria ruim. A maior porcentagem foi na
categoria Boa (66%) (ver Gráfico 8).
71
Gráfico 8 – Satisfação com a condição de moradia na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Dados referentes apenas ao indivíduo entrevistado em cada residência.
5.2.2. Saúde
Anteriormente, para se ter acesso aos serviços de saúde as pessoas tinham que ir para a
cidade, a pé, de jumento ou cavalo, posteriormente, nos caminhões pau-de-arara que as
transportavam para a cidade. Devido à dificuldade de se ir à cidade, muitos partos foram
feitos na própria comunidade através de parteiras e as pessoas se automedicavam com
remédios caseiros feitos de plantas medicinais, retiradas principalmente na própria
comunidade.
Em 1977, foi criado o Mini Posto Mãe Mariquinha, com recursos do BB Mini Posto,
que funcionava em uma residência, passando a haver atendimentos médicos na comunidade,
com a presença de um médico e dois auxiliares de enfermagem. Porém, as pessoas da
comunidade ainda preferiam as rezadeiras e os hospitais na cidade. Em 1980, foi inaugurada a
sede própria do Centro de Saúde Mãe Mariquinha (ver Figura 2), nome dado em homenagem
a uma parteira que já havia prestado diversos serviços à comunidade, que contava com um
médico, enfermeiras, um dentista, vacinação, curativos, palestras e acompanhamentos de
mulheres.
20%
66%
14%
Regular
Boa
Ótima
72
Figura 2: Centro de Saúde Mãe Mariquinha.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
A Unidade Básica de Saúde (UBS) Centro de Saúde Mãe Mariquinha também conta
com o Programa de Saúde da Família (PSF), agora chamado de Estratégia de Saúde da
Família (ESF), implantado na comunidade a partir de 2003. A equipe é composta por um
clínico geral, um técnico em enfermagem, um enfermeiro (a), um dentista e um assistente de
saúde bucal (ASB). A Equipe faz de três a quatro visitas por mês a UBS, trazendo também os
remédios da Secretaria Municipal de Saúde para a comunidade29
. A UBS também conta com
uma ASG e uma técnica em enfermagem própria que moram na comunidade. Atendendo as
pessoas da comunidade e também, em períodos determinados, aos alunos da escola, assim
como, a algumas pessoas de comunidades vizinhas. Recentemente, havia a promessa de
reforma dessa UBS, porém os recursos financeiros foram repassados para a Prefeitura,
contudo, por irresponsabilidade, o projeto não foi feito então os recursos retornaram, não
havendo mais previsão para reforma.
29 Em entrevista com Lenilda Julia dos Santos (moradora da comunidade e Agente Comunitária de Saúde (ACS),
desde 1998), concedida no dia 23 setembro de 2014. O PSF foi implementado pelo Governo Federal em 1994,
como política de atenção primária no Brasil e recentemente está passando a ser chamado de Estratégia de Saúde
da Família (ESF). O PSF em Caicó, inicialmente só abrangia a zona urbana. Na zona rural, atualmente, conta
com três equipes: a I Equipe do PSF no distrito Laginha, a II Equipe do PSF na comunidade Barra da
Espingarda, sendo implantado na comunidade em 2003, tendo como polo o distrito Palma e a III Equipe do PSF
no Sabugi. Essas três equipes também fazem visitas a outras comunidades, dispostas nas áreas desses três polos.
O PSF conta com a parceria entre SEAPAC, associações rurais, agentes de saúde e Sindicato. Os ACS são do
Governo Federal e coordenados pela Prefeitura Municipal de Caicó. Tendo como objetivo fazer visitas às
famílias e orientar e notificar sobre campanhas de saúde, dias de vacinação, dias das visitas da II Equipe do PSF,
entre outros.
73
Todos os entrevistados relataram terem acesso à saúde, tanto na comunidade, quanto na
cidade. Desses, 75% relataram que a família tem mais acesso aos serviços da comunidade e
25% terem mais acesso aos serviços da cidade.
A Pastoral da Criança também foi muito relevante para a comunidade. Implantada na
comunidade no ano de 1995 até 2010. Dos entrevistados, 45% relataram terem feito parte da
Pastoral, ou como líderes comunitários ou que tiveram seus filhos acompanhados pela
Pastoral e 55% relataram não terem feito parte. Dentre os benefícios que a Pastoral trouxe
para a comunidade, está o acompanhamento de saúde, onde as líderes comunitárias da
Pastoral orientavam mensalmente as famílias, em termos da saúde das crianças e da família,
também pesavam, mediam e orientavam sobre a vacinação das crianças até os cinco anos de
idade. Sua importância também se dá no ensinamento de remédios caseiros e no oferecimento
de cursos gratuitos, como o de pintura e lembrancinha de crianças, para gerar renda. E um
projeto de compra de ovelhas, onde cada família tinha direito a comprar seis ovelhas, mais
baratas, muitas famílias que antes não tinham condições passaram a criar ovelhas a partir
desse projeto. Sua importância também reside no fato das pessoas não terem tanta informação
de saúde nessa época, o difícil acesso a médicos e o combate à desnutrição de algumas
crianças30
.
Quanto à prática de exercícios físicos e/ou esportes, 75% dos indivíduos da amostragem
relataram que em suas famílias alguém pratica os mesmos e apenas 25% relataram não
realizarem nenhuma dessas práticas. Dentre os que relataram realizar essas práticas, 41%
afirmaram ter algum membro da família que joga futebol, ou na escola ou em um dos dois
campos de futebol da comunidade e 59% afirmaram não ter nenhuma relação com o futebol.
A maioria dessas pessoas pratica futebol e caminha.
5.2.3. Educação
A referida comunidade contou com o MOBRAL, até por volta da década de 1970,
ensinado por professoras da comunidade em suas casas. Portanto, as crianças e os adultos
estudavam em escolas que funcionavam em residências, assim como, aulas pagas como era o
30
Entrevista com Francineide Azevedo Cunha (uma das responsáveis pela Pastoral da Criança da comunidade),
concedida no dia 10 de setembro de 2014.
74
caso da escola que funcionava na casa de Manoel Batista da Silva. E também contou com o
Movimento de Educação de Base (MEB)31
, por volta da década de 1990.
A primeira escola da comunidade foi a Escola Isolada Barra da Espingarda, construída
com recursos federais, através do DNOCS, para garantir a educação dos rendeiros do açude
Itans. Atendendo do 1º ao 6º ano, funcionando no turno matutino. Também havia as aulas de
reforço no período da tarde. Depois que a Escola Municipal Severino Paulino de Souza foi
fundada, a Escola Isolada foi perdendo importância tendo suas professoras transferidas para a
cidade e seus alunos para a outra escola, passando a atuar apenas com aulas de reforço.
Atualmente, suas dependências encontram-se deterioradas e não há mais funcionamento (ver
Figura 3).
Figura 3: Escola Isolada Barra da Espingarda
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
A segunda escola criada foi a Escola Municipal Severino Paulino de Souza (ver Figura
4), que antes funcionava em uma residência, inaugurou sua sede própria em 1980, junto com a
UBS. O patrono escolhido para nomear a escola, foi o senhor Severino Paulino de Souza, por
ser o morador mais antigo da comunidade e uma pessoa muito prestativa e bondosa.
Inicialmente funcionava do 1º ao 5º ano. A partir de 1993 passou a ter o pré-escolar. Em
2006, foi implantado do 6º ao 9º ano, ampliando-se as dependências da escola. A implantação
desse nível de ensino foi importante, pois, os estudantes que moravam na comunidade tinham
muitas dificuldades ao estudar na cidade, devido às greves dos transportes, dos professores e
os períodos de chuva, quando tinham que caminhar longas distâncias para poder pegar o
transporte, em virtude das cheias do rio. A escola contava com o PETI, desde 2001, sendo
31
Foi criado em 1961 por meio do Decreto 50.370 de 21 de março, pela Igreja Católica através da Conferência
Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Objetivava a alfabetização de jovens e adultos utilizando as emissoras de
rádio católicas (BRASIL, C., 2005).
75
desativado em 2015 e passando a ter apenas o Programa Mais Educação, implantado em
2013, onde muitos alunos passaram a frequentar os dois turnos. E está já há algum tempo
adequando a infraestrutura e organização da escola para alunos com necessidades especiais.
Também conta com o Programa Nacional de Alimentação Escolar que fornece a merenda da
escola. E sediou os cursos do PRONATEC que vieram para a comunidade.
Figura 4: Escola Municipal Severino Paulino de Souza.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
Considerando a relação com a Escola Municipal Severino Paulino de Souza, 89% dos
entrevistados relataram que tem ou já tiveram relação com a escola, seja através dos seus
estudos ou de seus filhos, de cursos ou de emprego, e 11% responderam que não.
Também houve o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), começando por volta de 2002,
ensinado por pessoas da comunidade em suas próprias residências. Atualmente não está
havendo o ensino do EJA na comunidade, mas, há uma possibilidade de ser implantado na
escola da comunidade.
Todas as pessoas entrevistadas tiveram acesso aos serviços de educação, considerando
as oportunidades de estudo. Há a ocorrência de não alfabetizados, porém a maioria dessas
pessoas teve oportunidade de acesso à educação. Considerando todos os indivíduos das
residências entrevistadas, não houve nenhuma ocorrência de todos os familiares terem
estudado apenas na cidade. Assim, podemos inferir que a maior parte da população da
referida comunidade teve mais acesso aos serviços de educação da própria comunidade,
prosseguindo os estudos na cidade (70%) e uma menor porcentagem de pessoas que
estudaram em outra comunidade e prosseguiram os estudos na cidade (2%). Verificou-se
também, na amostragem, onde as pessoas passaram mais tempo estudando: na comunidade
76
(57%), na cidade (9%), na comunidade e cidade (11%), em outra (s) comunidade (s) (18%),
em outra (s) comunidade (s) e comunidade Barra da Espingarda (2%) e outra (s) comunidade
(s) e cidade (2%). Observando-se que quando se cita dois locais é porque essas pessoas
passaram uma quantidade de anos mais ou menos igualada em um e no outro local (ver
Gráfico 9). Isso ocorre porque na comunidade Barra da Espingarda sempre houve maiores
estímulos e infraestrutura para a educação do que nas demais comunidades vizinhas, sendo
relevante destacar que a referida comunidade se configura como um polo de atração de
estudantes das comunidades vizinhas, estimulando as pessoas a seguirem com os estudos.
Como vimos à educação e o oferecimento de infraestrutura de educação em uma localidade
rural é essencial para se promover o desenvolvimento rural, abrangendo todas as variáveis que
envolvem o mesmo em uma localidade (ABRAMOVAY, 2003; AGUIAR, 2011; VEIGA,
2001).
Gráfico 9 – Local de acesso à educação
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Questão fechada de múltipla escolha, com percentuais individuais; considerando os 146 indivíduos das 44
residências da amostragem.
Quanto ao nível de instrução educacional, considerou-se o grau máximo de instrução até
o presente momento. Portanto, observa-se que a maioria dos residentes da amostragem
estudou até o Ensino Fundamental I incompleto (33%), a maioria dos indivíduos que deram
essa resposta são pessoas adultas que na época não tiveram condições de terminar os estudos
por terem que ajudar os pais no trabalho e depois formaram família e não puderam prosseguir
com os estudos. A categoria Ensino superior completo está inserida na categoria pós-
25
70
50
2
0
10
20
30
40
50
60
70
80
Comunidade Comunidade/Cidade Outra comunidade Outra
comunidade/Cidade
Per
centu
al (
%)
77
graduação, por considerar o grau máximo de instrução até o presente momento (ver Gráfico
10).
Gráfico 10 – Nível de instrução educacional dos residentes
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Questão fechada de múltipla escolha, com percentuais individuais; considerando os 146 indivíduos das 44
residências da amostragem.
Sobre a Escola da comunidade, 100% dos entrevistados afirmaram ser muito bom ter
uma escola na comunidade. Desses, 95% expressaram boas opiniões e apenas 5%
expressaram alguma reclamação. Dentre as boas opiniões estão: a facilidade de acesso em
termos de proximidade das residências; transporte diário; permitir que os alunos passassem
mais tempo em contato com a comunidade e mais perto dos pais; por conter bons professores
e oferecer uma boa educação para os alunos da comunidade e das comunidades vizinhas,
incentivando-os a assistirem todas as aulas; por apresentar uma boa estrutura; não estar sujeita
à greves de professores e transporte, como ocorre com as escolas estaduais da cidade; oferecer
uma maior segurança aos alunos; pelos alunos ficarem mais afastados da influência das
drogas e violência; por oferecer cursos, palestras e festividades e por ter formado muitos
alunos que prosseguiram nos estudos e hoje são graduados ou ingressaram no ensino superior
ou que estão empregados; por ter uma boa equipe de funcionários que dão atenção aos alunos;
e manterem os pais informados quando há algum problema.
6
1
33
10
19
7
1
10
1 1
5
1 4
1
0
5
10
15
20
25
30
35
Per
centu
al (
%)
78
Dentre as reclamações as pessoas relataram que a escola deve ter uma melhor
preparação para receber alunos especiais, que deveria ter mais organização para diminuir as
brigas e pequenos acidentes e pela não permanência prolongada de professores, devido os
professores residirem na cidade e trabalharem na comunidade, não permanecerem após o
encerramento do contrato ou do período probatório.
Quanto a terem feito algum tipo de curso de capacitação ou formação na própria
comunidade e na cidade, 80% dos indivíduos das residências entrevistadas afirmaram que sim
e 20% afirmaram que não. Dentre os cursos que foram oferecidos na própria comunidade,
estão os oferecidos pela Emater, por volta da década de 80 na escola da comunidade, de
hortaliças, de avinicultura, de preparação de peixe e de doces e medicina alternativa; os cursos
oferecidos pela Pastoral da Criança de pintura em tecido e lembrancinhas de bebês; e o
PRONATEC de agricultura familiar e avicultura, o curso de informática básica e os cursos de
pintura em tecido e vagonite na Escola da comunidade. Os residentes também fizeram cursos
de formação e capacitação em outras localidades e na cidade, porém achou-se relevante
relatar apenas os cursos oferecidos na comunidade.
5.2.4. Meio ambiente
Sobre como o meio ambiente se encontra na comunidade, não se verifica uma poluição
dos corpos de água aparente. Quanto à vegetação, apresenta-se degradada em várias áreas,
sobretudo, nos cercados de gado, onde as pessoas ainda utilizam a prática de “limpar” suas
propriedades, retirando grande parte da vegetação, queimando os restos em fogueiras. Essa
vegetação retirada é utilizada tanto para o consumo de casa, com o uso da madeira nos fogões
à lenha, onde 80% das residências da amostragem tem esse tipo de fogão, quanto para fazer
estacas e mourões para serem usados na construção de cercas e de forma mais diminuta para a
venda de madeira.
Considerando o conhecimento das pessoas acerca do meio ambiente, a grande maioria
dos entrevistados apresenta apenas o entendimento de que se deve conservar a natureza,
porém, não tem o conhecimento de por que isso deve ser feito, o que expõe um grave
problema, que na atualidade não deveria mais ser tão evidenciado, que é a falta de informação
em relação ao meio ambiente, tão em pauta nos últimos anos. Nos relatos mais evidenciados,
de por que se deve conservar o meio ambiente, não poluindo os corpos hídricos e desmatando
a vegetação, todos os entrevistados afirmaram que se deve conservar.
79
As respostas mais relevantes acerca de se conservar o meio ambiente é que ele fica mais
protegido; se não conservarmos o mesmo os efeitos da seca são intensificados como a falta de
chuva; porque a água deve ser utilizada para o consumo humano e animal, sobretudo, devido
aos períodos de estiagem; a vegetação permite o sombreamento da área, amenizando a
temperatura e diminuindo a quantidade de vento e poeira; porque a vegetação e os animais são
seres vivos e, como os humanos, têm o direito à vida; melhora a saúde; preservando a
natureza estamos nos preservando; e que a vegetação atrai chuva e porque degradar ocasiona
a erosão do solo. Muitos relataram que não veem problema em se retirar a vegetação e outros
que só devemos retirar o necessário.
Quanto ao destino do lixo, 52% dos indivíduos da amostragem afirmaram queimar o
lixo; 16% depositam no container que a Prefeitura cedeu à comunidade, porém apenas as
pessoas que moram perto do container depositam seu lixo, daí a menor porcentagem; e 32%
doam ou vendem para um morador da comunidade que revende para a reciclagem (ver
Gráfico 11).
Gráfico 11 – Destino do lixo na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Levando-se em conta que essa foi uma questão de múltipla escolha, portanto, apresentando mais de uma
resposta acerca do destino do lixo.
Todas as residências da amostragem têm fossa simples, ou seja, permeáveis, e
depositam os resíduos domésticos direto no solo. Dessas residências apenas 18% depositam
os resíduos domésticos direto nos cursos de água. Isso ocorre por que não há saneamento
básico na comunidade e algumas residências localizam-se próximas a cursos de água.
16%
52%
32% Container
Queima
Reciclagem
80
5.2.5. Lazer
Dos relatos sobre a frequência em que se praticam atividades de lazer, como festas,
passeios e reuniões familiares, 43% relataram pouca frequência e 57% relataram muita
frequência. Quanto às atividades de lazer desempenhadas na comunidade, estão as visitas de
amigos e familiares em suas casas aos fins de semana; banhos no rio e açudes; festas na
comunidade, sobretudo, as festas organizadas pela Escola Municipal Severino Paulino de
Souza, como a festa de São João e a Festa do Ex-aluno, que atraem as pessoas de outras
comunidades e cidades, e também pequenas festas e datas comemorativas; as festividades
organizadas pela Associação Comunitária; as missas na Capela e as novenas realizadas nas
residências; jogos de baralho e jogos de futebol.
O Ministério dos Esportes do Governo Federal em parceria com a CAIXA e com a
Prefeitura Municipal está com um projeto de construção de uma quadra de esportes
comunitária, nesse ano de 2015, em frente à Escola Municipal Severino Paulino de Souza,
incentivando não apenas as atividades físicas como também o lazer na comunidade (ver
Figura 5).
Figura 5: Construção da quadra de esportes coletiva da comunidade.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2015.
81
5.2.6. Acesso à água
Considerando as origens da água para uso e consumo, anteriormente, quando o acesso à
água era limitado, as pessoas iam buscar água em roladeiras (barris de madeira com rodas) e
de jumento, em cacimbas no rio, em barreiros e açudes, como o Itans. Percorrendo grandes
distâncias para isso. O acesso à água foi facilitado com a construção de seis caixas de água
pela Associação Comunitária e encanação em algumas residências; a instalação de um
dessalinizador; a perfuração de poços; a instalação de cata-ventos; o abastecimento por
carros-pipa nos períodos de seca e a construção de uma adutora32
e de cisternas33
(ver Figura
6).
32
As 06 caixas d´água foram instaladas em 1998 através da Associação Comunitária junto com o dessalinizador,
instalado pelo DNOCS; a maioria dos poços são particulares; e a instalação de cata-ventos junto com caixas
d‟água foi feita pela Prefeitura, através do Programa Água de Beber do Governo do Estado; e os carros pipas
enviados pela Prefeitura e pelo Exército Brasileiro. Quanto à construção da adutora, em 2012, o Governo do
Estado autorizou a construção de três adutoras, com uma rede de distribuição para todas as residências, que vão
beneficiar as comunidades de Lajinha, Palma e Barra da Espingarda. Com um investimento de R$ 4,8 milhões e
beneficiando 1.350 pessoas. A adutora da comunidade Barra da Espingarda tem captação de água na Barragem
Passagem das Traíras, município de Jardim do Seridó; com uma extensão de 11,2 quilômetros; um investimento
de R$ 650 mil do Orçamento Geral do Estado e um investimento na ampliação da rede de distribuição de R$ 324
mil, um convênio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH) com o Banco
Mundial (BIRD) através do Programa Semiárido Potiguar (PSP). Disponível em:
<http://www.datanorte.rn.gov.br/content/aplicacao/searh/imprensa/enviados/noticia_imprime.asp?nCodigoNotici
a=31699>. Acesso em: 13 set. 2014.
33 As primeiras cisternas, para o consumo humano, construídas na comunidade foram através do Programa Um
Milhão de Cisternas (P1MC) e Fome Zero em parceria com a Secretaria de Estado do Trabalho, Habitação e da
Assistência Social (SETHAS), MDS e Governo do Estado, com parceria com o SEAPAC, no começo dos anos
2000. No ano de 2014 novas cisternas foram construídas nas residências que ainda não possuíam cisternas para o
consumo humano, através do Programa Água para Todos em parceria com a FUNASA. E cisternas do tipo
calçadão e enxurrada nas residências que já possuíam as cisternas do Programa Fome Zero, através do Programa
Uma Terra e Duas Águas (P1+2) e Água para Todos em parceria com a ASA, o BNDES e o Governo Federal e
supervisão do SEAPAC; assim como, barreiro trincheira. As residências beneficiadas só podiam escolher um
desses três tipos para a produção, seja de alimentos, através da agroecologia, seja de criação de animais
garantindo a segurança alimentar e nutricional e garantindo uma fonte de renda, onde o SEAPAC ofereceu um
curso de capacitação para os beneficiados.
82
Figura 6: Caixas d‟água da Associação (1 e 2); dessalinizador (3); cata-vento (4); cisterna do SEAPAC (5);
cisterna FUNASA (6); cisterna enxurrada (7) e cisterna calçadão (8).
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
83
As residências entrevistadas relataram utilizar a água das caixas d‟água da Associação,
dos cata-ventos, da adutora, dos barreiros, lagoas e açude Itans, de poços (amazonas e
artesianos); alguns desses poços são particulares e outros comunitários, das cisternas calçadão
e enxurrada e barreiro trincheira para o uso doméstico e para os animais. E do dessalinizador,
das cisternas, abastecidas com água de chuva ou com carros-pipa do Exército Brasileiro e da
Prefeitura durante os períodos de seca, e água mineral comprada. Também há a presença de
duas barragens subterrâneas na comunidade, mas a água retida no solo é utilizada apenas pelo
pomar de uma residência. As formas de tratamento relatadas foram à adição de cloro e o uso
de filtros de água.
5.3. FONTES DE RENDA
As principais fontes de renda dos residentes da comunidade Barra da Espingarda estão
inseridas nas atividades agropecuárias e não agrícolas. Assim como, empréstimos, ajuda
financeira e programas do Governo.
A renda é um fator essencial para o desenvolvimento rural de uma localidade, pois além
de promover o mesmo, melhora a condição e a qualidade de vida das pessoas, fazendo com
que elas permaneçam no campo (AGUIAR, 2011; ABRAMOVAY, 2003; CONCEIÇÃO, P.;
CONCEIÇÃO, J., 2006; CONTERATO, 2008; VEIGA, 2001). A geração de renda no meio
rural também inclui a aposentadoria, pensão, pensão alimentícia, aluguel, mesada ou doação,
renda mínima, seguro-desemprego, entre outros.
5.3.1. Atividades agropecuárias e extrativas
A comunidade sempre esteve ligada às atividades agropecuárias, sobretudo, com a
construção do açude Itans, que possibilitou o acesso à água e às terras mais férteis, com a
presença de agricultura de sequeiro e de vazante 34
.
34
A agricultura de sequeiro é aquela onde a cultura é plantada em uma área sem o uso de irrigação em regiões
onde a precipitação é inferior a 500 mm (QUARANTA, [2010]), ou seja, o plantio é realizado nos períodos
chuvosos, aproveitando-se apenas a chuva como fonte de água. Já a agricultura de vazante se dá com o recuo das
aguás de algum corpo hídrico (açudes, rios e lagos) deixando a amostra solos potencialmente agricultáveis
embebidos de água e enriquecidos com os depósitos de aluviões (MAZOYER; ROUDART, 2010).
84
Historicamente, em relação à produtividade agrícola na comunidade, a mesma se
dividiu entre dois setores: a agricultura de subsistência e o cultivo do algodão.
A prática da cotonicultura no Seridó se tornou evidente no final do século XIX, quando
passou a abastecer a indústria têxtil da Inglaterra, acompanhada por um grande crescimento
econômico que possibilitou o desenvolvimento da elite agrária local. Nesse mesmo contexto,
o cultivo de algodão se tornou uma prática recorrente para a agricultura familiar como fonte
de renda monetária. O algodão mocó (Gossypium hirsutum marie galante Hutch), devido a
sua adaptabilidade ao solo e ao clima semiárido e por causa da qualidade da sua fibra, foi
considerado como um dos melhores do mundo, elevando o Rio Grande do Norte a grande
produtor mundial. Porém, o ciclo algodoeiro no Seridó entrou em decadência a partir da
década de 1970, sendo uns dos principais motivos para essa decadência as secas e a praga do
bicudo (Anthonomus grandis Boheman) que destruiu as plantações (MEDEIROS, 2012).
A grande maioria das famílias residentes na comunidade Barra da Espingarda praticava
o cultivo do algodão mocó, em suas próprias terras, em geral, devido à maioria das terras da
comunidade ter sido concedida aos moradores pelo DNOCS, para os agricultores familiares.
De caráter familiar, onde, em geral, as famílias eram constituídas por grande número de
filhos que ajudavam na plantação e colheita do algodão, se constituía como a principal fonte
de renda monetária para os pequenos agricultores, pois, era estreitamente ligada à pecuária, já
que depois da colheita a área e os restos da plantação eram utilizados como pasto para o gado,
e ao consórcio com outras culturas, como milho e o feijão, voltados para a subsistência. As
safras eram colhidas, geralmente, de julho a setembro, e armazenava-se em casa para ser
vendida a um comprador ou na feira livre da cidade, anualmente, entre novembro a dezembro,
que levava o algodão para a “Algodoeira de Manoel Torres” (Algodoeira Seridó Comércio e
Indústria S/A (ALSECOSA)), em Caicó/RN. Assim, o dinheiro que se ganhava era utilizado,
sobretudo, para a compra de comida e de roupas34
.
O fim do cultivo do algodão acarretou em uma grande defasagem na renda familiar,
apesar de ser uma renda anual, devido à safra só ser vendida uma vez por ano, pois era,
sobretudo, a partir deste, que se tirava o sustento da família. A partir daí, passou-se a cultivar
na área as culturas de batata, feijão, milho e jerimum entre outras, para subsistência e para a
venda na feira, como fonte de renda. Depois da queda do algodão, no final da década de 1980,
provocada por secas sucessivas e pela dizimação provocada pela praga do bicudo nas
lavouras, sobretudo, depois do fechamento da algodoeira, todos os cultivos de algodão da
comunidade foram extintos34
.
85
Depois da queda do algodão, houve o cercamento das antigas áreas de cultivo para a
criação de gado. A partir daí a pecuária leiteira despontou na comunidade como uma atividade
econômica secundária, geradora ou complementadora, da renda, sobretudo, nas pequenas
propriedades. E voltada, principalmente, para o autoconsumo familiar, se tornando uma
atividade rentável, estimulou muitos agricultores a manter os rebanhos e até aumentá-los,
juntamente com as culturas agrícolas, e outros a se dedicarem exclusivamente à atividade
leiteira34
.
Por volta dessa época de plantação de algodão, também se plantava arroz nas áreas mais
úmidas e de vazante no período de chuvas35
, cuja colheita e venda se dava anualmente.
No passado a maioria dos moradores rurais na comunidade Barra da Espingarda eram
agricultores familiares36
, e a atividade agrícola era sua principal fonte de renda, apesar do
declínio dessa categoria, ainda se observa um significativo número de agricultores familiares,
que praticam, sobretudo, a agricultura de subsistência, com culturas, sobretudo, do milho e do
feijão, mas, também batata doce, melancia, tomate, mandioca, jerimum, maxixe, quiabo e
fava, cultivados, principalmente, às margens do rio Barra Nova e do açude Itans, com solos
úmidos e férteis, mas, também às margens de pequenos barreiros e açudes particulares. Assim
como, também há a prática da agricultura de sequeiro (ver Figura 7). Atualmente, observa-se
a tendência da masculinização e envelhecimento nas práticas agrícolas, onde anteriormente,
os filhos ainda se revezavam entre estudar e ajudar seus pais na agricultura. Hoje, em maioria,
apenas o pai trabalha e os filhos estudam e/ou trabalham em outras atividades não agrícolas.
35
Entrevista com Julita dos Santos Silva (uma antiga moradora da comunidade), concedida no dia 10 de julho de
2014.
36 Um termo que se refere a agricultores e suas famílias, os quais praticam a agricultura de subsistência, na
condição de proprietários ou arrendatários da terra, para o próprio consumo, se constituindo por vezes como a
principal ou a única fonte de alimento, e também com a venda do excedente para a geração de renda
(MORRISON, 2010).
86
Figura 7: Agricultura de sequeiro na comunidade Barra da Espingarda
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
Considerando os dados da pesquisa, quanto ao desenvolvimento de atividades agrícolas,
em 70% das residências há indivíduos que trabalham com a agricultura. Nas residências em
que se praticou ou se pratica atividades agrícolas, 66% afirmaram que seus filhos trabalharam
ou trabalham na agricultura e 34% afirmaram que não, isso se dá por não terem filhos, por não
terem terras para plantar, por trabalharem em atividades não agrícolas ou não quererem que
seus filhos façam essas atividades, incentivando-os a praticar atividades não agrícolas. Apenas
4% dos entrevistados relataram desejar que os filhos continuassem a trabalhar na agricultura e
96% relataram que não; 31% relataram que alguém continuará a realizar as atividades
agrícolas quando o indivíduo que pratica atualmente não puder mais realizar essas práticas, e
69% relataram que não (ver Gráfico 12).
Gráfico 12 – Continuação do trabalho agrícola na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Questão fechada de múltipla escolha, com percentuais individuais; considerando as 44 residências da
amostragem.
66
34
4
96
31
69
0
20
40
60
80
100
120
Filhos que
trabalham ou
trabalharam
Filhos já não ou
nunca
trabalharam
Desejar que os
filhos
continuem
trabalhando
Não desejar que
trabalhem
Continuidade
nos trabalhos
Não
continuidade
nos trabalhos
Per
centu
al (
%)
87
Na comunidade pratica-se a agricultura de vazante (ver Figura 8) e de sequeiro, muitos
residentes na comunidade irrigam suas lavouras. Dentre as culturas plantadas, o capim, o
milho, o feijão, a batata doce, o jerimum, a melancia e melão são as mais cultivadas. Todos
que afirmaram ter a pratica da agricultura em suas famílias plantavam culturas alimentícias,
mesmo que no momento atual, em período de seca, não estejam plantando.
Figura 8: Agricultura de vazante na comunidade Barra da Espingarda.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
Dos entrevistados que afirmaram produzir frutas, verduras e legumes, 97% afirmaram
apenas consumir e apenas 3% afirmaram consumir e vender a produção, na feira livre da
cidade (ver Gráfico 13). As culturas agrícolas expostas são vulneráveis a qualquer
instabilidade climática, portanto, causando também instabilidade para a população. Como em
nossa região há apenas duas estações, o verão (estação seca) e o inverno (estação chuvosa),
aproveita-se o “inverno” para o cultivo agrícola. Como essas estações são interdependentes, a
capacidade do agricultor de enfrentar a estação seca, depende da qualidade da estação
chuvosa.
88
Gráfico 13 – Consumo e venda de frutas, verduras e legumes produzidos na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Dados referentes apenas às residências que afirmaram produzir frutas, legumes e verduras.
Alguns residentes são trabalhadores contratados na agricultura e plantam nas terras do
patrão, também fazendo usos para si próprios. Em relação à contratação de mão-de-obra para
ajudar nos trabalhos da propriedade, 61% dos indivíduos da amostragem relataram não
contratar ninguém, 5% contratam mão-de-obra permanente e 34% contratam mão-de-obra
temporária (ver Gráfico 14).
Gráfico 14 – Uso de mão-de-obra contratada na propriedade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Levando-se em consideração as benfeitorias e/ou instalações na propriedade, o maior
percentual foi das residências que possuíam galinheiro (89%), observando-se a tendência da
criação de galinhas na maioria das propriedades, onde em muitos casos há a venda de galinhas
para a complementação da renda. A menor porcentagem foi das propriedades que possuíam
97%
3%
Consumo
Venda
61%
5%
34%
Não contratam mão-de-obra
Contratam mão-de-obra permanente
Contratam mão-de-obra temporária
89
casa de empregado (2%) e barreiro trincheira (2%). Dentre a categoria outros, estão em sua
maioria, barreiros, açude, cata-ventos comunitários e barragens subterrâneas (ver Gráfico 15).
Gráfico 15 – Benfeitorias e instalações da propriedade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Questão fechada de múltipla escolha, com percentuais individuais, considerando apenas os mais citados,
abarcando as 44 residências da amostragem. Cisternas SEAPAC e FUNASA por que foram construídas através
dessas instituições.
Observando alguns dados anteriores, de 1998 e 2001, verificam-se as principais
lavouras e a área plantada das mesmas. A principal era a plantação de capim, podendo inferir
que sua importância se dá pela tendência de se prezar mais pela pecuária do que pelas culturas
alimentícias, em geral, para o autoconsumo familiar. E também os animais e aves da
comunidade, quando podemos perceber claramente a preferência pela pecuária (ver Tabela 3 e
4).
1
15
2
23
8 8 8 9
16
1 3
1
8
0
5
10
15
20
25
Per
centu
al (
%)
90
Tabela 3 – Principais lavouras agrícolas na comunidade, em 1998 e 2001
Ano Principais lavouras Área plantada (hectare)
1998
Capim 20
Feijão 15
Milho 15
Melão 8
Batata doce 6
Jerimum 2
Cana-de-açúcar 2
2001
Capim 50
Feijão 15
Milho 15
Melão 8
Batata doce 6
Jerimum 2
Cana-de-açúcar -
Fonte: Dados trabalhados pela autora, 2014.
Nota: Dados extraídos dos projetos de Abastecimento de água, de 1998, feito pelo SEAPAC, e Ovinicultura, de
2001, feito pela EMATER, ambos da Associação Comunitária Barra da Espingarda. O sinal ( - ) significa que
não há dados referentes a tal lavoura naquele ano.
Tabela 4 – Quantidade de animais e aves na comunidade, em 1998 e 2001
Ano Pecuária Cabeças (nº)
1998
Bovinos 900
Ovinos 300
Suínos 30
Galinhas 350
2001
Bovinos 900
Ovinos 300
Suínos 50
Galinhas e outras aves 900
Fonte: Dados trabalhados pela autora, 2014.
Nota: Dados extraídos dos projetos de Abastecimento de água, de 1998, feito pelo SEAPAC, e Ovinicultura, de
2001, feito pela EMATER, ambos da Associação Comunitária Barra da Espingarda.
Quanto à utilização de equipamentos de uso agropecuário, 75% dos indivíduos da
amostragem afirmaram utilizar. Desses, os maiores percentuais ainda se concentram no uso de
enxada, facão e carroça. Apesar da tendência atual de se transportar o capim em carros e
motos, também observado na comunidade, a amostragem só abarcou o uso de 1% dessa
tendência (ver Gráfico 16; ver Figura 9). Dentre as formas relatadas de se preparar o solo para
o plantio, está o uso do trator através da Secretaria Municipal de Agricultura do município de
Caicó ou de forma paga, a aração da terra através de capinadeira de tração animal, o uso de
enxada para cavar e limpar a área, o uso de roçadeiras rústicas manuais para retirar a
vegetação e de roçadeiras mecânicas manuais para se cortar o capim, substituindo, assim, o
91
uso do facão e de outros instrumentos tradicionais; o uso de sementes próprias e as que são
distribuídas pela Emater37, como milho e feijão, o uso de adubo natural e de ureia e a
pulverização.
Gráfico 16 – Equipamentos e transportes para o uso agropecuário na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Questão fechada de múltipla escolha, com percentuais individuais; considerando as 44 residências da
amostragem.
37
Acerca do recebimento de sementes selecionadas do Governo do Estado, distribuídas pela Emater, 66% dos
indivíduos entrevistados relataram já ter recebido ou ainda receberem sementes da Emater e 34% nunca recebeu;
ou por não serem agricultores ou por não querer fazer o cadastro de recebimento.
7
9 8
13
6
8 7
9
15
13
4
1 1
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Per
centu
al (
%)
92
Figura 9: Modo de trabalho e de transporte na agricultura na comunidade.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
Dos membros da família que desenvolvem atividades não agrícolas e há a prática de
atividades agrícolas na propriedade, 78% dos indivíduos entrevistados afirmaram que
fornecem algum tipo de ajuda nas atividades agrícolas e 28% não fornecem nenhuma ajuda.
Em relação a possuir horta e/ou pomar, 50% dos indivíduos da amostragem relataram
que possuíam horta e 50% relataram que não. Dentre os relatos estão plantas medicinais,
coentro, cebolinha, pimenta, pimentão, tomate e alface. Muitos relataram que irão plantar
utilizando a água das cisternas calçadão e enxurrada. Todos os entrevistados relataram apenas
o consumo e não a venda. Quanto ao pomar, ou seja, uma quantidade significativa de plantas
frutíferas, na residência (ver Figura 10), com frutas como cajarana, acerola, manga, limão,
siriguela, coco, romã, groselha, pinha, caju, goiaba, tangerina e graviola. A maioria relatou
apenas o consumo próprio e a minoria a venda na feira livre de Caicó.
93
Figura 10: Pomar de uma residência na comunidade Barra da Espingarda.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
Em relação à pecuária, em 50% das residências alguém trabalha nessa prática. Voltada
para a criação e produção de leite, a venda só se dá quando necessário, por necessitar de
dinheiro, em períodos de seca ou quando há uma quantidade que o proprietário não pode
manter. A venda se dá por meio de compradores da comunidade e fora dela ou para o
matadouro, com a licença da Emater.
Quanto aos derivados de origem animal, como leite, queijo, manteiga e ovos, 91% das
residências da amostragem responderam que produzem algum tipo de derivado. Dos que
produzem derivados, 34% relataram apenas o consumo próprio e 66% relataram o consumo e
a venda dos mesmos (ver Gráfico 17). Vende-se para os residentes da própria comunidade, na
feira livre da cidade ou por encomenda, para mercearias, queijeiras e quitandas. Foi
construída na comunidade uma unidade de refrigeração de leite (ver Figura 11), em 2011,
através da Associação Comunitária, da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó
(ADESE) e da Emater, o prédio foi construído e há os equipamentos, mas falta à refrigeração,
nunca entrou em funcionamento, até o ano de 2015 onde estão planejando seu funcionamento.
Gráfico 17 – Destino dos derivados de origem animal na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
34%
66%
Consumo próprio
Consumo e venda
94
Figura 11: Unidade de refrigeração de leite.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
Quanto a ter outras atividades produtivas, anteriormente, na propriedade, 23% dos
entrevistados responderam que sim e 77% responderam que não. Dentre essas atividades estão
a criação de bovinos, o cultivo de algodão, do arroz e de frutas e verduras para vender a
compradores e na feira livre da cidade, como também a venda de leite, a produção de queijos
e a venda de peixes.
Considerando a participação em cooperativas, 20% dos entrevistados afirmaram que
alguém da família é ou já fez parte de uma cooperativa. As cooperativas mencionadas foram a
COACAL (Cooperativa Agropecuária de Caicó LTDA) e a CERPIL (Cooperativa de Energia
e Desenvolvimento Rural do Piranhas).
Considerou-se também a participação dos residentes no Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Caicó, por amparar os agricultores familiares desde 1963 e assim
promover o desenvolvimento rural das comunidades rurais. Apenas 14% dos indivíduos da
amostragem não são sócios. Quanto à quantidade de membros na residência: um membro
(14%), dois membros (66%), três membros (17%) e cinco membros (3%), onde todos da
residência eram membros. Todos os residentes que afirmaram ser sócios relataram utilizar os
serviços de aposentadoria, desses 73% utilizaram os serviços odontológicos e 16% utilizaram
a assistência jurídica. Considerou-se também o tempo em que se é sócio do Sindicato, onde o
maior percentual se deu entre 6 a 10 anos (25%) e o menor entre 21 e 25 anos (8%) (ver o
Gráfico 18).
95
Gráfico 18 – Tempo de participação no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
de Caicó/RN
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Em relação à assistência técnica, 16% dos indivíduos da amostragem responderam que
já receberam e 84% relataram que não (ver Gráfico 19). Dentre as quais, técnicos da Emater
para vacinação do gado e inseminação artificial, técnicos do DNOCS para medir vazantes,
fiscalizar plantações e pulverizar as lavouras.
Gráfico 19 – Assistência Técnica para os residentes
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Considerando a relação com o DNOCS, 23% não tem nenhuma ligação com o mesmo,
por estarem localizados em terras particulares; 18% apenas têm suas residências nas terras do
DNOCS e não possuem terra; e 59% tem contrato de renda, com concessão de terras (ver
Gráfico 20).
11%
25%
19% 11%
8%
9%
17% Menos de 1 a 5 anos
De 6 a 10 anos
De 11 a 15 anos
De 16 a 20 anos
De 21 a 25 anos
De 26 a 30 anos
De 31 a 35 anos
16%
84%
Recebimento de
assistência técnica
Não recebimento
96
Gráfico 20 – Relação dos residentes com DNOCS
Fonte: Dados pesquisa, 2014.
Dos indivíduos da amostragem 52% têm a Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP),
havendo famílias onde mais de uma pessoa tem, e 48% não tem, ou por falta de conhecimento
ou por não serem agricultores. Quanto ao uso de empréstimos ao banco, 79% dos indivíduos
entrevistados afirmaram já terem feito algum tipo de empréstimo, dentre eles o PRONAF (B,
C e Mulher) e Agroamigo38
. Os propósitos mais citados foram para a compra de bovinos,
ovinos e galinhas, de arame para fazer cercas, compra de capim e ração de armazém para os
animais, contratação de trator para arar as lavouras, construção e reparos de barreiros e um
poço amazonas.
Quanto às atividades extrativas, as estratégias de geração de renda são o aproveitamento
de materiais naturalmente encontradas na Caatinga, como a venda de areia (do rio) para ser
utilizada como material de construção nas áreas urbanas, porém também é utilizada nas
construções da própria comunidade, sem custos; e a extração de argila, voltadas para a venda.
A prática de venda de argila e areia, não apareceu em nenhuma das residências da
amostragem, mas é muito presente na comunidade. E retirada e venda de madeira para
cerâmicas e padarias. Assim, em 43% das residências da amostragem tem alguém que pratica
a extração desse material. A madeira é utilizada para o consumo próprio. Na amostragem
foram identificados apenas dois moradores que trabalham com a venda de madeira, para a
construção de cercas e para utilizar nos fogões de lenha, para os residentes da comunidade e
38 O Agroamigo é o Programa de Microfinança Rural do Banco do Nordeste, criado em 2005, é operacionalizado
em parceria com o Instituto Nordeste Cidadania (INEC) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); se
tornando o maior programa de microfinança rural da América do Sul. Fornecendo crédito aos agricultores
familiares enquadrados no (PRONAF), com exceção dos grupos A e A/C. Disponível em:
<http://www.bnb.gov.br/agroamigo>. Acesso em: 13 set. 2014.
23%
18% 59%
Sem relação
Apenas a residência
Contrato de Renda
97
para olarias da região. Alguns proprietários de terra às vezes vendem a madeira da sua
propriedade, apesar dessa prática só ter sido relatada em uma propriedade da amostragem.
5.3.1.1. Efeitos agrícolas e sociais ocasionados pela seca
A irregularidade pluviométrica influencia diretamente, tanto na disponibilidade da
quantidade de água para uso e consumo quanto na produtividade agrícola. Na comunidade
não se verificou mais nenhuma família que dependa da agricultura de subsistência para
sobreviver.
Nos anos de pluviosidade irregular há redução substancial das provisões alimentares,
tanto humanas quanto para os animais, resultando em perda nas safras, que já não gera
significativas dívidas e nem problemas com o pagamento de crédito.
O açude Itans, nesse presente ano, se encontra quase seco, ameaçando
significativamente a capacidade de abastecimento de água para a população da cidade e das
comunidades que se encontram às suas margens, como a comunidade Barra da Espingarda
que utiliza sua água para uso e consumo humano e animal e também para o plantio.
Anteriormente, em períodos de estiagem prolongada, as opções de trabalho e de geração
de renda, eram escassas, assim o governo tomava medidas de emergência. A solução mais
emblemática em tempos como esses eram os Programas de Emergência39; 59% afirmaram que
algum membro da família já fez parte e 41% afirmaram que não. A maioria não lembra o ano
que fez parte, mas, alguns relataram os anos de 1982, 1983, 1993 e 1994, anos de seca.
Através do recebimento de dinheiro e de alimentos, de trabalhos como construção e reparos
de açudes, barreiros e estradas, perfuração de poços e cacimbas, construção de casas,
plantação de hortaliças, cuidadoras de crianças, limpeza das áreas de lavoura, cujas atividades
eram desenvolvidas por homens e mulheres.
Quanto ao questionamento se a seca prejudicou de alguma forma, a situação econômica
da família, 61% afirmaram que sim e 39% afirmaram que não (ver Gráfico 21). Isso se deu
devido aos gastos com água mineral, com compra de capim e ração de armazém para os
animais e às vezes com gastos com carro-pipa para o abastecimento. E também com a morte
de animais e venda dos mesmos, diminuição no volume do leite, entre outros.
39
Historicamente, durante as secas periódicas no semiárido nordestino a principal política pública era as frentes
produtivas de socorro aos flagelados; uma das modalidades de política emergencial.
98
Gráfico 21 – Prejuízos econômicos ocasionados pela seca na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Quanto à questão do acesso à água, a população da comunidade não teve maiores
problemas, pois no decorrer do ano de 2014 entrou em funcionamento a adutora, com água
encanada em todas as residências, e foram construídas cisternas para reservar água potável,
em todas as casas que faltavam. E também diversas residências foram beneficiadas com
cisternas de produção, do tipo calçadão e enxurrada e barreiro trincheira, facilitando com isso,
o acesso à água em todas as residências. Todos ficaram satisfeitos com as medidas tomadas
para promover o acesso à água, expressando que deveriam perfurar poços tubulares e
fornecerem manutenção das estruturas e instalações existentes.
Para os agricultores, devido à seca, em 16% das residências entrevistadas, a família
recebeu o Garantia Safra40
e 84% afirmaram que não, dentre as razões para nunca ter recebido
estão: por não serem agricultores, por nunca terem se cadastrado ou por que se cadastraram,
mas nunca receberam.
Algumas famílias beneficiárias do Bolsa Família receberam o Bolsa Estiagem, devido o
período de seca, aumentando assim a renda da família.
5.3.2. Atividades não agrícolas
40
O Fundo de Garantia Safra foi criado em 2002, pela Lei 10.420 de 10 de abril de 2002, vinculado ao MDA.
Objetiva oferecer um benefício no valor de 850,00R$ dividido em 5 parcelas para os agricultores familiares que
comprovaram a perda de 50% da sua safra nos munícipios situados na área de atuação da SUDENE e que
decretaram situação de emergência devido a estiagem prolongada, que se inscreveram e deram uma contrapartida
ao Fundo. Disponível em: <https://www.seagri.ba.gov.br/content/programa-garantia-safra-
0&ei=vtty_iGO&lc=pt-BR&s=1>. Acesso em: 10 nov. 2014.
61%
39% Sim
Não
99
Ao abordar sobre as atividades não agrícolas expomos acerca dos empregos
desempenhados pelos residentes, que caracterizam uma das principais fontes de renda. E
outras complementares, assim como, de empréstimos e ajuda de parentes, que são algumas
fontes de renda usadas em situação de emergência.
As atividades rurais não agrícolas quando constituem a principal fonte de renda das
famílias, acarretará nas transformações de divisão do trabalho, na relação familiar e na
disposição da agricultura familiar. Quanto maior sua disposição, menor a participação da
renda proveniente da agropecuária (NEY; HOFFMANN, 2008).
Em relação aos tipos de emprego dos residentes, podemos elencar os seguintes: Auxiliar
de Serviços Gerais (ASG) e Técnica em Enfermagem no Centro de Saúde Mãe Mariquinha,
Agentes Comunitárias de Saúde (ACS), ASG na escola da comunidade, diretora de escola,
merendeira, bibliotecária da escola, motorista de transporte escolar, cabeleireira, pescadores e
pedreiros. Dos empregos desempenhados na cidade, representando um movimento pendular
dos residentes, está o de ASG, Auxiliares de Limpezas Públicas, Moto-táxi, ajudante de
mecânico, presidente de entidade, técnico em informática, ajudantes em armazém de
supermercado, secretárias do lar, motorista de uma distribuidora de bebidas e cuidadora de
criança. E também há pessoas que moram na cidade e trabalham na referida comunidade
como: professores e ASGs na escola e a equipe do ESF na UBS. Há também famílias onde
ninguém tem emprego, apenas são donas de casa e agricultores que tiram seu sustento de
aposentadorias, pensões ou de trabalhos contratados na agricultura.
Caracterizando um movimento pendular, onde há moradores que têm suas residências
na comunidade e trabalham na cidade e outros residentes da cidade que trabalham na
comunidade.
Dentre os entrevistados que afirmaram possuir outros rendimentos, 18% afirmaram que
sim e 82% afirmaram que não. Portanto, outras fontes geradoras de renda, sobretudo de forma
complementar, são a confecção de bordados, croché, costuras, pintura em panos de prato e
toalhas, vestidos de festa junina e fabricação de bolos para o consumo da família ou por
encomendas na comunidade e na cidade, na feira livre.
Falando de empréstimos, 21% dos indivíduos afirmaram que a família nunca fez
empréstimos e 79% que a família já fez algum tipo de empréstimo, desses 9% afirmaram
terem tido dificuldades para pagar e 70% afirmaram que não tiveram dificuldade.
Considerando os tipos de empréstimos, foi citado o Crediamigo, empréstimo consignado e
empréstimo através da Prefeitura descontando no salário do funcionário público municipal.
Alguns propósitos foram reparos na residência e ajudar na compra de moto e carro.
100
Dentre as pessoas que relataram receber ajuda financeira de parentes de fora, 27%
afirmaram que sim e 73% afirmaram que não. Essa ajuda financeira vem, em geral, de filhos
ou de irmãos.
5.3.3. Programas Sociais do Governo e Políticas Públicas
Quanto ao acesso às políticas públicas, a maioria dos entrevistados afirmou ser bom
(61%) e a menor porcentagem foi dos que relataram um acesso ruim (5%) (ver Gráfico 22).
Gráfico 22 – Acesso às políticas públicas pelos residentes
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Considerando apenas a resposta do entrevistado em cada residência.
Tratando-se dos indivíduos que foram ou ainda são beneficiados por programas sociais
do Governo (75%), foram citados em sua maioria o Bolsa Família; assim como, programas
antigos como a Bolsa Escola, o Cartão Alimentação e o Vale Gás41
, que não computados. A
seguir veremos as políticas observadas na comunidade segundo a amostragem (ver Quadro 2).
41 Bolsa Escola, criado em 1997, fornecia as famílias beneficiadas com crianças de 6 a 15 anos, com renda
abaixo de 90 reais, um benefício mensal que variava dependendo do número de crianças na família. Bolsa
Alimentação ou Programa de Renda Mínima vinculada à Saúde, criado em 2001, através do fornecimento de um
benefício mensal para gestantes ou mães amamentando, crianças de 6 meses a 6 anos e 11 meses de idade,
pertencentes a famílias com renda abaixo de meio salário mínimo, ou para mães portadoras de vírus HIV.
Programa de Auxílio Gás, criado em 2002, um benefício a cada dois meses para ajudar a comprar o gás, para
famílias com uma renda menor do que meio salário mínimo cadastradas no Programa Bolsa Escola ou no
Cadastro Único dos Programas Sociais (SUPLICY, 2003).
5%
23%
61%
11%
Ruim
Regular
Bom
Ótimo
101
Quadro 2 - Políticas Públicas que foram evidenciadas na comunidade Barra da Espingarda
EDUCAÇÃO SAÚDE ÁGUA AGRICULTURA HABITAÇÃO SEGURANÇA
ALIMENTAR
MOBRAL
ESF
Adutora PRONAF PMCMV Fome Zero
MEB P1MC Bolsa Estiagem PNHR Bolsa Família
PETI P1+2 Programa de
Sementes
Selecionadas do
Governo do Estado
Projeto
SESP/CHAGAS Bolsa Estiagem
PNAE Água Para
Todos EJA
Arca das Letras42
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
5.3.4. Aposentadoria e pensão
Quanto ao recebimento de aposentadoria e pensão, 61% relataram que recebem e 39%
que não (ver Gráfico 23). Desses, 95% são aposentadorias, ou por idade ou por problemas de
saúde (invalidez), e apenas 5% são pensões.
Gráfico 23 – Recebimento de aposentadoria e pensão na comunidade
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Das famílias com aposentados, 50% tem apenas um beneficiado, 46% têm dois e 4%
tem três beneficiados.
42
Programa de Bibliotecas Rurais Arca das Letras do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e
iniciativa da Secretaria de Reordenamento Agrário do MDA (SRA), com o apoio do Banco do Brasil e programa
Fome Zero; foi criado em 2003, objetivando o incentivo da leitura no meio rural e, assim, contribuir para a
melhoria educacional dos moradores, através da implantação de bibliotecas, formação de agentes de leitura e
distribuição de acervos em comunidades de assentados da reforma agrária, beneficiários do Programa Nacional
de Crédito Fundiário, comunidades ribeirinhas, extrativistas, quilombolas, indígenas e pescadores.
61%
39% Sim
Não
102
5.4. CONSUMO DE BENS E SERVIÇOS
O consumo de bens e serviços no meio rural tem crescido significativamente nesses
últimos anos, atestando a modernidade no meio rural, fazendo com que este ofereça meios
para que a população permaneça no campo e dependa menos das cidades (GRAZIANO DA
SILVA, 1997). Portanto, o que se evidencia já há algum tempo é o aumento de poder de
compra dos residentes nas áreas rurais e a imitação dos modos de vida urbanos. Assim, os
meios de transporte agora são carros e motos, a comunicação já não se dá mais de vizinho
para vizinho, há a internet e televisão, já não se fazem mais trabalhos manuais e sim com o
uso de eletrodomésticos.
Quanto aos bens de consumo, todas as residências apresentam fogão a gás, ferro
elétrico, televisor e rádio (100%). A menor porcentagem foi de residências que possuíam
micro-ondas (25%) (ver Gráfico 24).
Gráfico 24 – Bens de consumo duráveis do domicílio
Fonte: Dados da pesquisa, 2014.
Nota: Questão fechada de múltipla escolha, com percentuais individuais; considerando as 44 residências da
amostragem.
Em relação ao acesso a serviços, na referida comunidade, podemos citar a circulação de
transportes, sobretudo, aos sábados, transportando os residentes para fazer a feira na cidade. A
própria comunidade também oferece o acesso à compra de alimentos, pela presença de duas
pequenas vendas (bodegas); e de botijões de gás e água mineral. E também um maior acesso
aos serviços da cidade devido à proximidade, em média 10 a 15 minutos de distância.
36
64 55
45
98
57
100
80
25
98
45
100 100 93 89
100 89 95
43
27
0
20
40
60
80
100
120
Per
centu
al (
%)
103
5.5. ESPAÇOS PÚBLICOS E PARTICULARES DE CONVIVÊNCIA
Quanto à disposição de espaços públicos e particulares existentes, a comunidade Barra
da Espingarda conta com uma casa de festas, o Campal da Barra, atraindo pessoas de várias
partes da região, que passou a realizar festas a partir de 1991 e voltou a funcionar em 2015.
Há dois campos de futebol, com jogos aos fins de semana e feriados, atraindo pessoas
de comunidades vizinhas e até da cidade para jogar, havendo também campeonatos locais. E a
Prefeitura está construindo uma quadra de esportes na comunidade, em frente à escola.
Uma capela, chamada de Capela Nossa Senhora da Conceição da Divina Misericórdia
(ver Figura 12) da paróquia de Santo Estevão, construída em 2000, que realiza missas
semanalmente e em datas religiosas, batizados e casamentos. Quanto à participação social dos
residentes, 93% dos entrevistados relataram ter alguma relação com a Capela, à maioria
participando das missas e outros participando da organização dos eventos da mesma, e 7%
relataram não fazer parte, pois eram evangélicos. Na comunidade também há aulas de
Primeira Comunhão e Eucaristia. Durante os meses de outubro a dezembro há novenas e
leilões em diversas residências espalhadas pela comunidade e até em comunidades vizinhas,
para a arrecadação de dinheiro para a Capela. Havendo também, até 2012, festividades com
animações que atraíam pessoas de várias localidades. Anteriormente à construção da capela,
não havia missas na comunidade, as pessoas tinham que se deslocar até a cidade; havendo
também terços nas residências, o que era considerado a diversão das famílias. Depois passou a
ter uma missa por mês na escola e só com a criação da capela, que as missas passaram a ser
frequentes.
Figura 12: Capela Nossa Senhora da Conceição da Divina Misericórdia.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
104
Outros espaços públicos são o Centro de Saúde Mãe Mariquinha e a Escola Municipal
Severino Paulino de Souza, que funciona do Ensino Infantil ao Ensino Fundamental II,
funcionando em dois turnos (matutino e vespertino), atende a própria comunidade e as que
são vizinhas. Também realizando festividades em datas comemorativas, como a festa de São
João, para a arrecadação de dinheiro para a escola, que atrai pessoas de diversas localidades e
a festa dos ex-alunos.
Uma quadra de esportes comunitária, em frente à escola, onde se realiza as atividades de
esporte e lazer.
A comunidade conta com duas lavanderias comunitárias (ver Figura 13), que se
configuram também como espaços públicos, conseguidas através da Associação Comunitária.
Apesar de apenas uma se encontrar em funcionamento, acaba facilitando a tarefa de lavagem
de roupas, que antes era feita no rio, riacho e barreiros ou transportando água em jumentos ou
carroças para as residências.
Figura 13: Lavanderias comunitárias.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
A Associação Comunitária da Barra da Espingarda (ver Figura 14), fundada em 1993,
com sede própria, e em fase de reforma das suas dependências. Sempre buscou o
desenvolvimento rural da comunidade, através de diversos projetos e parcerias com entidades.
Realiza reuniões mensais com sorteio de presentes para os participantes e também distribui
alimentos; abriga os encontros do GES (Grupo de Estudo Sindical) pelo STTR, implantado
em 2014, onde se realizam reuniões e orientações sobre vários temas, sendo o primeiro grupo
instalado na zona rural do município, pois a comunidade Barra da Espingarda é considerada
uma comunidade polo.
105
Figura 14: Associação Comunitária da Barra da Espingarda.
Fonte: Paloma Maiara de Souza, 2014.
Há também um bar, que também atrai pessoas de outras localidades e às vezes realiza
festas e dois parques de vaquejada, para treinamento.
5.6. SENSAÇÃO DE QUALIDADE DE VIDA E DESENVOLVIMENTO DA
POPULAÇÃO LOCAL
Considerando o que as entidades como Emater, Prefeitura, Sindicato, Associação e
DNOCS, fizeram pela comunidade, promovendo o desenvolvimento rural da mesma, 20%
acharam regular, 66% acharam bom e 14% acharam ótimo. Não houve respostas para a
categoria ruim.
Quando pedimos que o entrevistado, considerando as comunidades rurais que ele tinha
conhecimento, relatasse sua opinião em relação à comunidade Barra da Espingarda ter um
desenvolvimento mais acentuado do que as outras comunidades, a grande maioria relatou que
a comunidade é mais desenvolvida. Apenas um dos entrevistados afirmou já ter morado em
uma comunidade com um desenvolvimento mais acentuado do que a Barra da Espingarda. Os
relatos mais significativos para essas afirmações foram: a proximidade em relação à cidade; a
alocação de recursos, programas e projetos; infraestruturas como escola, capela e UBS; a
facilidade de acesso aos serviços de saúde, educação e transporte; uma Associação
Comunitária participativa, que sempre buscou o desenvolvimento da comunidade; acesso a
cursos, onde os moradores sempre buscam se capacitar; acesso à água; festividades; e por ser
mais povoada. Muitos relataram que a comunidade tem um acesso mais rápido a variadas
coisas do que as outras comunidades.
106
É uma comunidade onde não se evidencia muitos casos de criminalidade, porém, um
dos casos mais graves de violência foi uma chacina que ocorreu em 2001, que ainda
permanece na memória da comunidade. A escola também solicitou rondas escolares feitas
pela Polícia Militar e há um residente na comunidade que é policial, garantindo assim, um
pouco mais de segurança. Quanto às reclamações, a mais relevante foi à falta de
oportunidades de emprego dentro da comunidade. A maioria dos entrevistados afirmou gostar
de morar na comunidade devido à relação com a natureza e os vizinhos, a tranquilidade e os
menores gastos em relação à cidade.
Atualmente a Associação Comunitária também está buscando a vinda de uma urna
eletrônica para a que as pessoas possam votar na própria comunidade.
A respeito do grau de satisfação com a comunidade: 32% afirmaram estar muito
satisfeitos, 68% afirmaram estar satisfeitos e nenhum entrevistado afirmou estar insatisfeito.
Em relação a se mudar para a cidade, 95% afirmaram que não pretendem e apenas 5%
afirmaram pretender. Isso demonstra um bom grau de satisfação com a comunidade.
107
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Desenvolvimento Rural de uma localidade, não está ligado apenas às atividades
econômicas desenvolvidas, mas, também a melhoria da qualidade de vida das populações
rurais, em termos de atividades agropecuárias e não agrícolas desenvolvidas, uma boa
condição de moradia, o acesso a bens e serviços, a educação, a saúde, ao crédito, ao lazer,
dentre outros.
Para Abramovay (2003, p. 21, grifo do autor) se “as regiões rurais tiverem capacidade
de preencher funções necessárias a seus próprios habitantes e também às cidades – mas que
estas próprias não podem produzir – então a noção de desenvolvimento poderá ser aplicada ao
meio rural.”
O presente trabalho buscou realizar uma análise do Desenvolvimento Rural e das
Políticas Públicas na comunidade Barra da Espingarda, município de Caicó/RN. Para isso
utilizamos uma amostragem de 50% dos domicílios abertos existentes, portanto, 44
domicílios foram considerados.
Quanto aos resultados da pesquisa, considerando a qualidade de vida na comunidade,
vimos que esta apresenta boas condições de moradia, 98% das residências são próprias e
muitas se inscreveram no PNHR para a reforma e também construção, o que aumentará o
número de residências na comunidade, isso também decorrerá da melhoria do acesso á água.
Porém um fator negativo é que a comunidade já chegou a ter cerca de 400 habitantes e hoje
conta apenas com 260.
Considerando a saúde, a comunidade desde a década de 1980, conta com uma UBS, e
com o decorrer dos anos fez com que a população utilizasse mais os serviços de saúde da
comunidade do que da cidade, porém, a UBS necessita de uma reforma para melhor atender
os moradores. Em 75% das famílias tem alguém que pratica atividades físicas, a mais
evidenciada foi a caminhada, mostrando que as pessoas têm uma consciência de práticas de
exercícios para melhorar a saúde. Quanto à educação, desde por volta da década de 1970, a
comunidade vem oferecendo diversos meios de acesso à educação, onde se evidenciou que
70% estudaram na comunidade e prosseguiram os estudos na cidade, e também vem
oferecendo cursos de capacitação ou formação, como o PRONATEC.
Em consideração ao meio ambiente, não há poluição aparente nos corpos hídricos e as
pessoas estão se conscientizando cada vez mais que não se deve queimar, e sim, reciclar ou
depositar no container de lixo; ainda se verifica a degradação da vegetação e falta
conhecimento sobre o que é o meio ambiente e a importância de se conservá-lo, sendo
108
necessário, portanto uma campanha de conscientização em locais como a capela, a associação
dos moradores, a UBS e a escola. Outro problema a ser sanado é a falta de saneamento básico.
Quanto ao lazer na comunidade, ainda é carente de pontos de lazer, contudo, a quadra de
esportes que está sendo construída melhorará esta questão. Todas as residências da
comunidade apresentam vários tipos de acesso à água, assim como, todas têm água encanada
e há o abastecimento por carro-pipa, contudo, a qualidade da água deve ser melhorada.
Quanto às fontes de renda, a comunidade sempre esteve ligada às atividades
agropecuárias e extrativas, passando por bons momentos, atualmente devido às crises
econômicas e aos períodos de seca, assim como a modernidade, essas práticas diminuíram e
ficaram restritas à agricultura familiar e em sua maioria, masculinizada e restrita aos pais de
família. Quanto aos efeitos agrícolas e sociais ocasionados pela seca, não houve grandes
problemas relacionados ao acesso à água para o consumo humano, porém faltou água para os
animais e plantações, causando prejuízos econômicos para os agricultores.
As atividades não agrícolas na comunidade são hoje uma das principais fontes de
geração de renda. A geração de empregos na comunidade está em sua maioria na escola e
também há as pessoas que trabalham na cidade e moram na comunidade, caracterizando um
movimento pendular. No entanto, necessita-se aumentar a geração de emprego na
comunidade. Os programas sociais do Governo e as políticas públicas evidenciadas
melhoraram consideravelmente a qualidade de vida dos residentes. A aposentadoria e pensão
são outras fontes importantes de renda que permitem a permanência na comunidade. Há um
considerável consumo de bens e serviços, modernizando o modo de vida no campo e
garantindo o conforto necessário sem sair da comunidade.
A comunidade apresenta uma boa gama de espaços públicos e privados de convivência,
a maioria desses espaços está passando por reformas. E por fim, quanto à sensação de
qualidade de vida e desenvolvimento da população local, a maioria da população expressou
um alto grau de satisfação com a comunidade, expressando também que consideram a
comunidade com um desenvolvimento mais acentuado e aparente do que as demais
comunidades do entorno e das que eles têm conhecimento.
Nesse contexto, a comunidade Barra da Espingarda oferece grande parte das condições
que geram o desenvolvimento rural. Espera-se que, como esse trabalho, vários outros venham
a ser desenvolvidos e que tratem do desenvolvimento rural em comunidades rurais. Buscando
também levar essas informações para a população da área de estudo; ampliar o conhecimento
sobre a mesma e abrir novos horizontes para ampliar esse desenvolvimento.
109
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APÊNDICE A – ENTREVISTA APLICADA AOS RESIDENTES DA COMUNIDADE
BARRA DA ESPINGARDA
Período de realização das entrevistas: agosto e setembro de 2014.
DATA: ___/___/___
NOME (S) DO ENTREVISTADO (A): ___________________________________________
1) Natural da região: ( ) Sim ( ) Não. Se não, de onde e por que veio?
2) Desde quando o senhor (a) e sua família moram nesta propriedade?
3) O senhor (a) já ouviu algum relato de alguém que tenha morado na Barra da
Espingarda antes da construção do açude Itans ou mesmo depois da sua construção, sobre
como era à comunidade?
4) Composição familiar:
Gênero
(fem./mas.)
Relação com o
chefe (a)
Idade Tipo de trabalho Estado
civil
Escolaridade
CONDIÇÕES DE MORADIA:
5) Tipo de imóvel? ( ) de favor ( ) próprio ( ) alugado
6) Essa casa foi construída pelo SESP-CHAGAS: ( ) Sim ( ) Não
7) Como a propriedade ou terra foi obtida (herança, compra de parentes, compra de
terceiros, doação, doação DNOCS, posse provisória, atribuição)?
8) Qual é a área da sua propriedade?
9) Infraestrutura da moradia: ( ) Banheiro ( ) Cozinha ( ) Sala ( ) Quarto ( ) Varanda
10) A residência tem energia elétrica? ( ) Sim ( ) Não
11) Quais as benfeitorias ou instalações da propriedade?
( ) Casas de empregados
( ) Currais de gado
( ) Estábulo
( ) Galinheiro
( ) Galpões/armazéns
( ) Pocilgas/chiqueiro
( ) Poços artesianos
( ) Cisterna
Outros (especificar):
12) Bens de consumo:
( ) Automóvel ( ) Batedeira
( ) Moto ( ) Ferro elétrico
( ) Bicicleta ( ) Televisor
( ) Freezer ( ) Aparelho de DVD
( ) Geladeira ( ) Aparelho de som
( ) Máquina de lavar roupa ( ) Rádio
( ) Fogão a gás ( ) Parabólica
118
( ) Fogão à lenha ( ) Telefone fixo
( ) Micro-ondas ( ) Celular
( ) Liquidificador
13) O senhor (a) considera ter qual condição de moradia, em termos de abastecimento de
água, energia elétrica e bens de consumo?
Ruim Regular Boa Ótima
EDUCAÇÃO:
14) As pessoas dessa casa têm ou tiveram acesso aos serviços de educação? Da própria
localidade ou da cidade?
15) Qual sua opinião sobre a educação oferecida e a escola (as) na comunidade e na cidade
mais próxima?
16) Os residentes fizeram cursos de capacitação/formação? Quais? Onde?
SAÚDE:
17) Os membros da família têm ou tiveram acesso aos serviços de saúde? Da própria
localidade ou da cidade?
18) Os membros da família praticam esportes e atividades físicas? Quais?
19) De onde vem à água para o uso e consumo? Qual a forma de tratamento da água?
20) Qual o destino do lixo? ( ) Queima ( ) Container ( ) Reciclagem
21) Qual o destino dos dejetos humanos (fossa simples, fossa séptica, direto no solo, direto
nos cursos de água)?
MEIO AMBIENTE:
22) O senhor (a) acredita ser necessário conservar os corpos de água e a vegetação da sua
propriedade e da comunidade? Por quê?
LAZER:
23) Aonde o senhor (a) e sua família praticam atividades de lazer? Com que frequência?
ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS E EXTRATIVAS:
24) Em sua propriedade há:
( ) Agricultura ( ) Pecuária ( ) Atividades extrativas (madeira, areia, mel, plantas medicinais)
Especificar: ________________________________________________________________
25) Seus filhos trabalharam ou trabalham nessas atividades? O senhor (a) deseja que seus
filhos continuem a trabalhar na agricultura? Alguém continuará a trabalhar na propriedade
quando o senhor (a) não puder mais?
26) O senhor (a) contrata mão-de-obra (permanente ou temporária) para ajudar na
propriedade?
27) O senhor (a) possui ou usa máquinas ou equipamentos para uso agrícola (Capinadeira
de tração animal; Arado de tração animal; Arado de tração mecânica; Trator; Roçadeira
manual e roçadeira mecânica manual; Enxada, facão, Carroça; Forrageiras; Pulverizador
costal manual; Ordenhadeira; Resfriador de leite; Motor-bomba; Bomba de água)?
28) Como vocês preparam o solo para o cultivo (adubo, semente selecionadas, etc.)?
119
ATIVIDADES NÃO AGRÍCOLAS:
29) Quais as atividades não agrícolas desempenhadas pelos residentes?
30) Qual a principal razão que levou os membros da família a trabalhar nas atividades não
agrícolas?
31) Os membros de sua família que trabalham em atividades não agrícolas (fora ou dentro
da propriedade) fornecem algum tipo de ajuda nas atividades agrícolas da propriedade?
FONTES DE RENDA:
32) Quais são os animais que o senhor (a) possui nesta propriedade? São voltados para: ( )
criação ( ) venda. Para quem vende?
33) O senhor (a) produz produtos derivados (leite, queijo, ovos)? Quais? Para o consumo
ou venda? Para quem vende?
34) A propriedade possui horta ou pomar? Quais as frutas e verduras produzidas? Para o
consumo ou venda?
35) Há outros produtos fabricados ou beneficiados na propriedade (artesanato, roupas,
etc.)? São para o consumo ou venda? Para quem vende?
36) Já tiveram outras atividades produtivas nesta propriedade? ( ) Sim ( ) Não. Quais?
37) Recebeu ou recebe alguma ajuda de programas do Governo? Quais?
38) Alguém da casa recebe aposentadoria ou pensão?
39) A família do senhor (a) já recebeu ou recebe remessas de dinheiro enviadas por
parentes?
40) Possuem outros rendimentos? Quais?
41) Como o senhor (a) considera a situação da sua renda familiar para viver em boas
condições?
Ruim Regular Boa Ótima
42) Alguém da residência já fez empréstimos ao banco? ( ) Sim ( ) Não. Em caso de sim,
que tipo de empréstimo? Por que optou pelo empréstimo? Tiveram dificuldade para quitar a
dívida?
SECA:
43) Quais os problemas que a seca trás para o senhor (a)? A situação econômica da família
piorou com a seca?
44) Recebe ou já recebeu Garantia Safra?
45) O senhor (a) ou algum membro da família já foram cadastrados nos programas de
emergência? De que modo?
46) As medidas tomadas em relação à seca na comunidade, ao longo desses anos, tem
agradado o senhor (a)? ( ) Sim ( ) Não, Por quê?
47) O que poderia ser feito para resolver o problema da seca na comunidade?
PARTICIPAÇÃO SOCIAL:
48) Participação social da família:
( ) Associação Comunitária da Barra da Espingarda. Quantos membros da família fazem
parte? Desde quando? Quais os benefícios que a Associação trouxe para a sua família?
( ) Cooperativa. Qual (s)?
120
( ) Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Caicó (STTR). Quantos membros
da família são sócios? Desde quando? Quais os serviços oferecidos pelo Sindicato que a sua
família utiliza ou utilizou (aposentadoria, assistência jurídica, serviços odontológicos)?
( ) Pastoral da criança. Desde quando? Quais os benefícios que trouxe para a sua família?
( ) Igreja
( ) Time de futebol
( ) Escola Municipal Severino Paulino de Souza
( ) Outras entidades
49) Considerando a participação social, os membros da família participam das eleições e
reuniões dessas entidades, ou seja, das decisões sobre a comunidade?
50) Como o senhor (a) considera a presença de entidades (EMATER, associação,
sindicato, prefeitura, entre outros) que favorecem o desenvolvimento rural na comunidade:
Ruim Regular Boa Ótima
51) O senhor (a) recebeu ou recebe assistência técnica (Sindicato, Secretaria Municipal de
Agricultura, EMATER, DNOCS)? Em que? O que achou: ( ) Boa ( ) Ruim
52) O senhor (a) já recebeu ou recebe as sementes selecionadas da EMATER (Instituto de
Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte)?
53) O senhor (a) ou outros membros da casa estão cadastrados no DAP (Declaração de
Aptidão do PRONAF)?
54) O senhor (a) tem ou já teve alguma relação com o DNOCS (Departamento Nacional
de Obras Contra as Secas)? De que tipo (contrato de renda ou vazante)?
55) O senhor (a) compra milho da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)?
Desde quando?
56) O senhor (a) considera o acesso a políticas públicas (como o PRONAF, Bolsa-Família,
entre outras) como:
Ruim Regular Boa Ótima
COMUNIDADE BARRA DA ESPINGARDA:
57) Considerando as comunidades que o senhor (a) conhece e também as que são vizinhas,
o senhor (a) considera a comunidade Barra da Espingarda mais desenvolvida em relação às
outras? Por quê?
58) O que mais o senhor (a) gosta nessa comunidade?
59) Qual o grau de satisfação do senhor (a) em relação à comunidade Barra da Espingarda:
( ) Muito satisfeito
( ) Satisfeito
( ) Insatisfeito
60) O senhor (a) ou alguém da sua família pretende se mudar para a cidade? Por quê?