DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO DE SCRIPT PARA AVALIAÇÃO …

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(1) Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. Engenheiro Eletricista. (2) Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI. Professor Associado. DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO DE SCRIPT PARA AVALIAÇÃO DE ENERGIA INCIDENTE PELO MÉTODO IEEE STD 1584-2018 Edson Fernando Machado Sato (1) José Maria de Carvalho Filho (2) RESUMO Embora a utilização massiva da eletricidade na indústria tenha iniciado no final do Século XIX, o arco elétrico só foi reconhecido nos Estados Unidos como um dos perigos na eletricidade na Edição de 1995 da NFPA 70E. No Brasil, a Norma Regulamentadora Nº 10, publicada em 2004 e ainda vigente, deixa evidentes lacunas regulamentares para a gestão do risco de arco elétrico, que afeta principalmente os profissionais de operação e manutenção elétrica industrial. Este cenário começou a mudar com a publicação, em 2020, da NBR 16384, que introduziu requisitos mais objetivos para a segurança contra o arco elétrico, entre eles a necessidade da elaboração e manutenção de estudos de energia incidente conforme métodos reconhecidos, como o IEEE Std 1584. Um dos obstáculos para a realização destes estudos é a necessidade de software de cálculo específico, em função da dificuldade de resolução manual do método. Neste contexto, este trabalho apresenta um script de cálculo de energia incidente baseado na versão mais recente da IEEE Std 1584 (Edição de 2018), com código aberto desenvolvido em linguagem MATLAB, a ser utilizado por profissionais habilitados, tanto nos estudos elétricos gerais da instalação, como em análises de riscos de tarefas específicas de manutenção. O trabalho também faz uma síntese do processo de gestão do risco de arco elétrico e apresenta algumas aplicações do script desenvolvido, com o objetivo de contribuir para o aumento da visibilidade deste tema na comunidade técnica.

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(1) Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS. Engenheiro Eletricista. (2) Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI. Professor Associado.

DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO DE SCRIPT PARA AVALIAÇÃO DE ENERGIA INCIDENTE PELO MÉTODO IEEE STD 1584-2018

Edson Fernando Machado Sato (1) José Maria de Carvalho Filho (2)

RESUMO Embora a utilização massiva da eletricidade na indústria tenha iniciado no final do Século XIX, o arco elétrico só foi reconhecido nos Estados Unidos como um dos perigos na eletricidade na Edição de 1995 da NFPA 70E. No Brasil, a Norma Regulamentadora Nº 10, publicada em 2004 e ainda vigente, deixa evidentes lacunas regulamentares para a gestão do risco de arco elétrico, que afeta principalmente os profissionais de operação e manutenção elétrica industrial. Este cenário começou a mudar com a publicação, em 2020, da NBR 16384, que introduziu requisitos mais objetivos para a segurança contra o arco elétrico, entre eles a necessidade da elaboração e manutenção de estudos de energia incidente conforme métodos reconhecidos, como o IEEE Std 1584. Um dos obstáculos para a realização destes estudos é a necessidade de software de cálculo específico, em função da dificuldade de resolução manual do método. Neste contexto, este trabalho apresenta um script de cálculo de energia incidente baseado na versão mais recente da IEEE Std 1584 (Edição de 2018), com código aberto desenvolvido em linguagem MATLAB, a ser utilizado por profissionais habilitados, tanto nos estudos elétricos gerais da instalação, como em análises de riscos de tarefas específicas de manutenção. O trabalho também faz uma síntese do processo de gestão do risco de arco elétrico e apresenta algumas aplicações do script desenvolvido, com o objetivo de contribuir para o aumento da visibilidade deste tema na comunidade técnica.

1 INTRODUÇÃO O uso massivo da eletricidade na indústria teve início no final do Século XIX, em meio à 2a Revolução Industrial, após um episódio conhecido como a “Guerra das Correntes” [1] [2]. Nas décadas que se seguiram, expansão dos sistemas elétricos veio acompanhada dos acidentes. Enquanto o choque elétrico já era um fenômeno bem estudado na metade do Século XX, o arco elétrico como perigo ainda era tido como algo “misterioso” [3]. Diferentemente do curto-circuito, cuja falha geralmente fica restrita aos elementos integrantes do próprio circuito, o arco elétrico pode afetar o seu entorno, liberando energia descontroladamente, podendo atingir intensidade suficiente para destruir equipamentos e causar lesões pessoais severas ou até mesmo fatais, sendo o pessoal de operação e manutenção elétrica os indivíduos mais expostos. O primeiro método para estimação da magnitude e efeitos da energia do arco elétrico em pessoas só foi proposto na década de 80, fruto do trabalho teórico do engenheiro Ralph Lee [4]. No final dos anos 90, Doughty et al [5] propuseram um método experimental, que posteriormente foi expandido e deu origem, em 2002, à primeira edição da IEEE Std 1584 [6]. Esta norma ganhou uma nova edição no final de 2018 [7], na qual foi proposto um novo modelo matemático, aperfeiçoado, porém acompanhado de uma maior complexidade de cálculos, cuja solução manual do modelo torna-se praticamente inviável. Sob o aspecto legal no Brasil, o arco elétrico é apenas timidamente citado na Norma Regulamentadora Nº10 [8], publicada em 2004 e ainda vigente, uma irresolução que pode ter contribuído para o ainda pequeno reconhecimento deste perigo em vários setores. Em 18 de março de 2020, foi publicada a NBR 16384 [9], a primeira norma técnica brasileira sobre segurança em eletricidade a prescrever recomendações específicas a respeito da proteção contra arco elétrico, fato que pode se tornar um game changer na cultura da segurança contra o arco elétrico. Além da necessária mudança cultural para o desenvolvimento da percepção do risco de arco elétrico, as empresas normalmente enfrentam outros desafios para a efetiva gestão da segurança, como a necessidade de profissionais habilitados e especializados para a elaboração de estudo de energia incidente, e de ferramentas computacionais para que estes profissionais possam executar os cálculos. Este trabalho faz uma síntese da gestão do risco de arco elétrico, de modo a situar o estudo de energia incidente dentro deste contexto. Em seguida, alguns destaques do método IEEE Std 1584-2018 [7] são apresentados. A peça central deste trabalho é o desenvolvimento do script de cálculo de energia incidente. Por fim, são apresentadas aplicações, com o intuito de ilustrar as utilidades do script, como a possibilidade de realização de análises de sensibilidade, além da síntese de um estudo de energia incidente tradicional em um sistema real. Neste sentido, este trabalho visa contribuir para o aumento da visibilidade deste tema na comunidade técnica, e proporcionar uma opção de ferramenta de cálculo de energia incidente, a ser utilizada por profissionais habilitados, tanto nos estudos gerais da instalação, como em análises de riscos de tarefas específicas de manutenção.

2 A GESTÃO DO RISCO DE ARCO ELÉTRICO 2.1 Identificação das fontes de perigo Acidentes com arco elétrico podem acontecer em praticamente qualquer sistema de potência energizado. No entanto, é sabido que em sistemas com tensões nominais mais baixas a ocorrência de um arco elétrico sustentado é mais improvável, ainda que nenhuma norma estabeleça claramente qual é este limite. Recai sobre o profissional encarregado do estudo definir a sua abrangência. Em um sistema industrial, normalmente são considerados pontos de análise todos os nós ou barras entre os equipamentos que fazem parte do fluxo principal de distribuição de energia. Atenção especial deve ser dada aos pontos passíveis de operação, inspeção ou manutenção presencial humana enquanto energizados. Os equipamentos que costumam ser o foco das atenções quando o assunto é risco de arco elétrico em uma indústria são os conjuntos de manobra e comando. 2.2 Análise de riscos da intervenção A ISO 45001:2018 [10] define como risco de Segurança e Saúde Ocupacional a “combinação da probabilidade de ocorrência de eventos ou exposições perigosas relacionadas aos trabalhos e da gravidade das lesões e problemas de saúde que podem ser causados pelo(s) evento(s) ou exposição(ões)”. Deste modo, pode-se identificar que o processo de análise deve considerar dois elementos do risco: i. Probabilidade de ocorrência: Os motivos que podem originar um arco elétrico

são conhecidos. O que geralmente não se sabe é quando ele vai ocorrer. A estimativa de uma probabilidade numérica para a ocorrência de um arco elétrico durante um serviço pode ser considerada subjetiva e idiossincrática. Mesmo sendo, por definição, um componente necessário da análise de riscos, poucas fontes na literatura explicam como realizar uma estimativa da probabilidade de ocorrência de arco elétrico na prática. Uma das poucas referências é a norma americana NFPA 70E-2021 [11], que orienta a análise através de uma série de exemplos de tarefas comuns no dia a dia do trabalhador da área elétrica industrial que, combinados com a condição do equipamento, resultam em uma probabilidade de ocorrência binária: Não (não é provável) ou Sim (é provável).

ii. Severidade dos efeitos: O segundo componente da análise do risco de arco elétrico é a estimativa da severidade dos seus efeitos, caso ele ocorra. Isso é feito através de um estudo de energia incidente.

2.3 Controle do risco de arco elétrico Como o risco é um conceito composto pela combinação de dois elementos, conforme definido em 2.2, a estratégia geral para o controle do risco de arco elétrico consiste na atuação sobre os aspectos gerenciáveis desses dois componentes. Desta maneira, as medidas de controle podem ser categorizadas conforme sua relação com os componentes do risco [12]:

i. Medidas baseadas na prevenção da ocorrência: Atuam no primeiro componente do risco, i.e., visam reduzir a probabilidade de que um arco elétrico ocorra;

ii. Medidas baseadas na mitigação de danos: Atuam no segundo componente do risco, i.e., visam reduzir os danos de um arco elétrico, se ele ocorrer. Este grupo pode ser subdividido em: a. Medidas passivas: São medidas que não influenciam a energia emitida

pelo arco elétrico, mas atuam para que ela não atinja ou não lesione o trabalhador. Tipicamente se baseiam na distância da fonte do arco, ou em barreiras de contenção posicionadas entre o trabalhador e o arco;

b. Medidas ativas: São medidas que visam reduzir a energia emitida pelo arco elétrico. Tipicamente se baseiam na redução de corrente ou da duração de arco.

As medidas de controle não são mutuamente exclusivas, elas podem ser combinadas com o objetivo de formar um sistema de camadas de proteção. 3 O MÉTODO IEEE STD 1584-2018 A IEEE Std 1584-2018 [7] é um guia que fornece modelos matemáticos para que os engenheiros de sistemas elétricos possam estimar a energia incidente (E) à qual os trabalhadores de uma planta industrial podem ser expostos durante o trabalho em equipamentos elétricos ou próximos a eles, e também determinar o limite de aproximação segura (AFB) no entorno desses equipamentos. Esses modelos matemáticos foram desenvolvidos empiricamente, sendo baseados tanto em análises estatísticas e ajustes de curvas a partir de dados de ensaios, como também no entendimento sobre a física do arco elétrico. Uma das principais mudanças introduzidas pela IEEE Std 1584-2018 [7] em relação à edição de 2002 foi correção do valor de energia incidente resultante de acordo com a disposição dos eletrodos (E.C.), conforme ilustrado na Figura 1, e de acordo com o tamanho do invólucro, quando existir.

VCB VCBB HCB VOA HOA

Figura 1 – Configurações de eletrodo (E.C.) da IEEE Std 1584-2018. Legenda: VCB: Eletrodos verticais, dentro de invólucro;

VCBB: Eletrodos verticais terminados próximo de barreira isolante, dentro de invólucro;

HCB: Eletrodos horizontais, dentro de invólucro; VOA: Eletrodos verticais, ao ar livre; HOA: Eletrodos horizontais, ao ar livre.

O método IEEE Std 1584-2018 [7] determina que a sequência de cálculos seja desenvolvida em dois ciclos. No primeiro ciclo, a energia incidente (EIarcmax) e o limite de aproximação segura (AFBIarcmax) são calculados baseados na máxima corrente de arco (Iarcmax). Entretanto, a maior corrente de arco não implica necessariamente no pior caso de energia incidente. Por isso, a norma define um fator de correção de variação de corrente (VarCf), que estima uma corrente de arco reduzida para avaliar seu efeito no tempo de atuação da proteção. Um segundo ciclo de cálculos deve ser realizado, seguindo os mesmos passos do primeiro ciclo, obtendo um valor de energia incidente (EIarcmin) e de limite de aproximação segura (Iarcmin) com a corrente de arco reduzida. O pior resultado entre os dois ciclos deve ser considerado o valor da energia incidente (E) e do limite de aproximação segura (AFB), conforme ilustrado na Figura 2.

Figura 2 – Fluxograma do Método IEEE Std 1584-2018.

Legenda: Voc: Tensão de circuito aberto [kV];

Ibf: Corrente de falta franca trifásica simétrica [kA]; E.C.: Configuração de eletrodo; G: Espaçamento entre eletrodos [mm]; Width: Largura do invólucro [mm]; Height: Altura do invólucro [mm]; Depth: Profundidade do invólucro [mm]; D: Distância de trabalho [mm]; VarCf: Fator de correção de variação de corrente de arco; Iarcmax: Corrente de arco máxima [kA]; Iarcmin: Corrente de arco mínima ou reduzida [kA]; tIarcmax: Duração de arco com Iarcmax [ms]; tIarcmin: Duração de arco com Iarcmin [ms]; CF: Fator de correção do tamanho do invólucro; EIarcmax: Energia incidente com Iarcmax [J/cm2]; EIarcmin: Energia incidente com Iarcmin [J/cm2]; E: Energia incidente – Pior caso [J/cm2]; AFBIarcmax: Limite de aproximação segura com Iarcmax [mm]; AFBIarcmin: Limite de aproximação segura com Iarcmin [mm]; AFB: Limite de aproximação segura – Pior caso [mm].

4 DESENVOLVIMENTO DE SCRIPT A aplicação do modelo matemático da IEEE Std 1584-2018, com todas as suas equações e tabelas de coeficientes, praticamente só é viável mediante o uso de alguma ferramenta computacional. Para este trabalho foi desenvolvido um script de cálculo, implementado linguagem MATLAB®, como parte de trabalho de pós-graduação. O código fonte, bem como a descrição completa do desenvolvimento e dos estudos de caso podem ser encontrados em [13]. Um script é uma das formas mais simples de programação, pois não tem argumentos de entrada ou de saída, sendo composto basicamente por um arquivo que contém uma sequência de comandos que são executados sempre que o script é chamado. Esses comandos podem ser operadores lógicos, funções nativas do ambiente de programação ou funções criadas pelo usuário. O script desenvolvido faz a leitura dos dados de entrada a partir de uma planilha em formato Microsoft® Excel e executa todos os passos necessários para o cálculo da energia incidente (E) e do limite de aproximação segura (AFB), conforme Figura 3. No meio do processo, há uma etapa iterativa obrigatória, em que o script salva numa planilha as correntes de arco (Iarc) calculadas e aguarda que o usuário informe a duração de arco (tarc) para cada uma destas correntes, após consultar os diagramas elétricos e o Estudo de Seletividade da Proteção.

Figura 3 – Diagrama de blocos do script desenvolvido.

O script foi numericamente validado pela comparação com os resultados dos exemplos resolvidos do Anexo D da IEEE Std 1584-2018 [7], com os resultados de exemplos resolvidos da literatura [14], e com os resultados de sistemas idênticos calculados por softwares comerciais [15]. O código fonte do script pode ser facilmente traduzido para outros ambientes de programação, inclusive gratuitos como a linguagem Julia [16].

5 APLICAÇÃO DO SCRIPT NA ANÁLISE DE SENSIBILIDADE Tendo sido desenvolvido com o código aberto, o script possui a flexibilidade de permitir a realização de estudos como análises de sensibilidade, utilizando os resultados calculados para realizar análises gráficas, funcionalidades que não são comuns nos aplicativos comerciais, voltados para a aplicação prática onde o principal interesse é determinar pontualmente a energia incidente na distância de trabalho e o limite de aproximação segura para 1,2 cal/cm2. Como exemplo das possibilidades de análise, a Figura 4 mostra a influência da configuração de eletrodo (E.C.) na energia incidente (E). Neste exemplo didático, todos os demais parâmetros foram mantidos idênticos.

Figura 4 – Influência da configuração de eletrodo na energia incidente.

• O invólucro tem um efeito amplificador da energia incidente, fato que pode

ser verificado comparando-se as configurações cujos eletrodos estão na mesma posição: EVCB > EVOA ou EHCB > EHOA.

• As configurações horizontais resultam em energia incidente maior do que as

verticais, com base no fato de que o arco elétrico “caminha” para as pontas do eletrodo, se afastando da fonte: EHCB > EVCB ou EHOA > EVOA.

• Uma barreira isolante posicionada ao final dos eletrodos tende a canalizar a

energia do arco para a direção do trabalhador exposto, aumentando a energia incidente com relação à configuração sem barreira isolante, mas não chegando ao nível dos eletrodos horizontais: EHCB > EVCBB > EVCB.

• Tomando como referência a configuração de menor energia incidente,

verifica-se que a simples modificação da posição do eletrodo para horizontal tem um efeito mais importante do que a inclusão do mesmo num invólucro: EHOA > EVCB > EVOA.

Outra possibilidade de análise de sensibilidade é traçar a curva da energia incidente em função da distância. Por padrão de norma, a energia incidente é calculada para a distância de trabalho (D), que possui valores padronizados de acordo com o tipo de instalação. A distância de trabalho representa a distância típica entre o arco e o peito e/ou rosto do trabalhador, e normalmente é para esta distância que os softwares comerciais costumam apresentar os resultados. Este tipo de flexibilidade pode ser particularmente útil em análises de riscos de intervenções de operação ou manutenção, em que se precise avaliar a energia incidente (E) em pontos diferentes da distância de trabalho do estudo ou, aplicando a lógica inversa, calcular a distância de aproximação permitida para o uso de uma determinada vestimenta de proteção com Classificação de Arco. Um exemplo de como pode ser feita a análise é ilustrado na Figura 5, com a curva gerada a partir dos dados de um sistema arbitrário.

Figura 5 – Influência da distância de trabalho na energia incidente.

O asterisco na Figura 5 indica o ponto de energia incidente para a distância de trabalho padronizada para um conjunto de manobra e comando de média tensão Classe 15 kV (914,4 mm). Distâncias menores do que 305 mm estão fora do escopo da norma, pois supõe-se que a nuvem de plasma pode se expandir até uma distância de 12 polegadas (305 mm) do centro do arco. Pelo gráfico pode-se notar que, à medida que se vai ao encontro da fonte do arco, a tendência exponencial indica que valores intoleráveis de energia incidente seriam atingidos para distâncias pouco abaixo de 305 mm. O script também facilita a geração de dados para realização de outras análises gráficas, como influência da duração de arco (tarc), do espaçamento entre eletrodos (G) ou das dimensões do invólucro na energia incidente.

6 APLICAÇÃO DO SCRIPT EM ESTUDO DE ENERGIA INCIDENTE REAL 6.1 Apresentação do sistema Neste capítulo será apresentada a síntese de um estudo de energia incidente de um conjunto de manobra e comando real de 480 V, cujo tag de identificação é PN-02. O estudo completo e detalhado se encontra em [13]. O PN-02 é alimentado a partir de dois painéis de 13,8 kV (PN-01A e PN-01B), através de dois transformadores abaixadores de 300 kVA (TF-01A e TF-01B), conforme indicado na Figura 6.

Figura 6 – Diagrama unifilar simplificado da subestação.

As colunas de entrada e interligação são do tipo CDC (Centro de Distribuição de Cargas), com disjuntores abertos e extraíveis, enquanto as colunas de saída são do tipo CCM (Centro de Comando de Motores), com unidades funcionais do tipo gaveta. O sistema de proteção elétrica conta com dispositivos que se comunicam em rede de automação elétrica dedicada, baseada na norma IEC 61850. O PN-02 também conta relés de arco dedicados, cada um com sensor do tipo regional (fibra desencapada) que cobre metade da barra.

6.2 Levantamento dos dados mecânicos/construtivos Não existe uma ordem obrigatória para a coleta de dados, eles podem ser definidos na ordem mais conveniente para quem realizar o estudo. Para efeitos didáticos, sugere-se iniciar pelos dados mecânicos ou construtivos, a saber: a. Definição dos compartimentos a serem avaliados; b. As dimensões de cada compartimento; c. A configuração de eletrodo (E.C.) de cada compartimento; d. O espaçamento entre eletrodos (G) de cada compartimento; e. A distância de trabalho (D) a ser considerada em cada compartimento. Como um conjunto de manobra e comando pode ter diversos tipos de compartimentos, cada um com características construtivas próprias (Figura 7), que podem resultar em diferentes níveis de energia incidente, é necessário definir os tipos que serão avaliados, de modo a simplificar a análise.

Figura 7 – Vista frontal com os compartimentos do PN-02.

Devem ser levantadas as dimensões de cada compartimento, que pode ser feito através de consulta aos desenhos mecânicos, ou por inspeção (Figura 8), neste caso sendo recomendada a desenergização do equipamento, o que em algumas indústrias só ocorre em grandes paradas de manutenção. Em último caso, podem ser utilizadas as dimensões padronizadas sugeridas na norma.

Height Width Depth

Figura 8 – Levantamento das dimensões dos invólucros do PN-02.

A configuração de eletrodo (E.C.) é provavelmente o parâmetro mais subjetivo a ser determinado, pois as configurações definidas pela norma são básicas, e correlacioná-las a um sistema real (Figura 9) pode requerer uma análise cuidadosa. Nesta etapa, o responsável pelo estudo deve conhecer a influência de cada configuração no resultado, conforme discutido no Capítulo 5, para poder definir a mais adequada.

Cabos de Entrada Disjuntores Demarradores Cabos de Saída

VCB HCB HCB HCB

Figura 9 – Determinação da configuração de eletrodo (E.C.) do PN-02. O espaçamento entre eletrodos também é um parâmetro que requer análise para a sua determinação. Por necessidades construtivas, o espaçamento entre os condutores não é constante ao longo do conjunto de manobra e comando, portanto, é recomendado focar nos pontos mais prováveis de ocorrência de arco elétrico (Figura 10). Em último caso, podem ser utilizados os espaçamentos padronizados sugeridos na norma

Figura 10 – Determinação do espaçamento entre eletrodos (G) do PN-02.

Estudos baseados na versão anterior da norma (Edição de 2002) precisam ser complementados com estes parâmetros que não eram utilizados no modelo, o que pode tornar a atualização do estudo para a Edição de 2018 extremamente trabalhosa.

6.3 Levantamento dos dados elétricos/operacionais Entre as informações elétricas ou operacionais necessárias, cita-se: a. Os modos de operação do sistema, particularmente importante para

sistemas com mais de um alimentador, que pode implicar e diferentes níveis de curto-circuito e diferentes performances do sistema de proteção;

b. A corrente de curto-circuito trifásico simétrico eficaz (Ibf) para cada modo de operação. Esta informação deve vir de um Estudo de Curto-Circuito;

c. A definição dos cenários de falha que serão estudados, onde cada cenário é a combinação entre os possíveis locais de ocorrência de arco e os modos de operação possíveis;

d. Esquemas elétricos funcionais, especificações técnicas dos dispositivos de proteção (relés e disjuntores) e Estudo de Seletividade da Proteção, para determinação da duração de arco (tarc) para cada cenário avaliado.

A Figura 11 reúne de forma esquemática várias das informações necessárias para o estudo, como a localização dos sensores de luz e de corrente, as linhas de comando entre os relés e os disjuntores, com os tempos de atuação dos dispositivos, os sinais entre relés para transferência de trip etc.

Figura 11 – Diagrama unifilar com esquema de proteção.

Este desenho é didático, foi gerado apenas para este trabalho. Ele não existe na documentação oficial do sistema. Na prática, estas informações geralmente estão espalhadas em vários documentos.

6.4 Execução do script Após o levantamento das informações apresentadas nos itens 6.2 e 6.3, inúmeros cenários podem ser definidos. Felizmente, quando um sistema possui características idênticas entre os lados A e B, em outras palavras, quando os dois lados possuem o mesmo nível de curto-circuito, os mesmos equipamentos e dispositivos de proteção, os mesmos diagramas unifilar e funcional, os mesmos ajustes etc., o estudo pode ser simplificado em poucos cenários que representam todas as situações. A Tabela 1 apresenta estes cenários, já no formato de entrada do script.

Tabela 1 – Dados de entrada. Name Config Voc_kV Ibf_kA Gap_mm WkD_mm H_mm W_mm D_mm

Cabos_Entrada VCB 0,48 10,51 30 609,6 770 550 400 DJ-02AB HCB 0,48 10,51 30 609,6 350 300 400 DJ-02C HCB 0,48 10,51 30 609,6 350 300 400 Gaveta_TP HCB 0,48 10,51 36 457,2 270 550 400 Gaveta_Dem HCB 0,48 10,51 36 457,2 130 550 400 Cabos_Saida HCB 0,48 10,51 36 457,2 2100 390 400 Barras VCB 0,48 10,51 36 457,2 2100 550 200

Quando iniciado, o script calcula as correntes de arco máximas e mínimas, gerando as planilhas indicadas na Tabela 2 (a) e (b), respectivamente. Cabe ao engenheiro responsável analisar o desempenho da proteção, inserindo as durações de arco para cada caso nas colunas identificadas como “T_ms”. A utilização de proteções com tempo definido, como relés de arco, facilita a análise.

Tabela 2 – Correntes de arco e duração de arco. (a) Correntes máximas (b) Correntes mínimas

Name Config Iarcmax_kA T_ms Name Config Iarcmin_kA T_ms Cabos_Entrada VCB 7,886445507 787 Cabos_Entrada VCB 6,914412889 787 DJ-02AB HCB 7,510111106 102 DJ-02AB HCB 6,474063101 102 DJ-02C HCB 7,510111106 81,5 DJ-02C HCB 6,474063101 81,5 Gaveta_TP HCB 7,319780098 81,5 Gaveta_TP HCB 6,309988969 81,5 Gaveta_Dem HCB 7,319780098 81,5 Gaveta_Dem HCB 6,309988969 81,5 Cabos_Saida HCB 7,319780098 81,5 Cabos_Saida HCB 6,309988969 81,5 Barras VCB 7,731585242 81,5 Barras VCB 6,778639706 81,5

Após comando para continuar a sequência de cálculos, o script calcula a energia incidente (E) e o limite de aproximação segura (AFB) considerando as correntes de arco máximas e mínimas, e informa qual é o pior caso, conforme indicado na Tabela 3.

Tabela 3 – Resultado (pior caso). Name Config Voc_kV WorstCase Iarc_kA Tarc_ms E_calcm2 AFB_mm

Cabos_Entrada VCB 0,48 IarcMax 7,886445507 787 8,340433842 2050,964873 DJ-02AB HCB 0,48 IarcMax 7,510111106 102 2,193723791 820,55811 DJ-02C HCB 0,48 IarcMax 7,510111106 81,5 1,752828323 734,6966838

Gaveta_TP HCB 0,48 IarcMax 7,319780098 81,5 3,269817496 749,1357806 Gaveta_Dem HCB 0,48 IarcMax 7,319780098 81,5 3,269817496 749,1357806 Cabos_Saida HCB 0,48 IarcMax 7,319780098 81,5 3,042257318 722,9832582

Barras VCB 0,48 IarcMax 7,731585242 81,5 1,256392116 470,5294333

Este passo encerra o cálculo de energia incidente. Inicia-se então, a etapa de análise crítica dos resultados. Caso sejam obtidos valores intoleráveis, medidas adicionais precisam ser tomadas para redução do risco.

7 CONCLUSÃO O objetivo principal deste trabalho foi desenvolver e disponibilizar para a comunidade técnica um script de cálculo de energia incidente baseado na edição mais recente da IEEE Std 1584. O código do script está publicado em [13]. O desenvolvimento das aplicações para demonstrar as capacidades do script proporcionaram reflexões mais importantes que o resultado numérico do estudo, entre os quais pode-se citar: • A aplicação do modelo matemático, num primeiro momento, intimida pelo

uso de equações extensas e pouco intuitivas, complementadas por várias tabelas com dezenas de coeficientes. Entretanto, após a conclusão do desenvolvimento do script de cálculo, uma tarefa puramente lógica e computacional, é que a parte mais complexa do trabalho ocorre: a aplicação do método. Muito além de um mero cálculo computacional, a avaliação da energia incidente é um estudo de proteção amplo: envolve a busca de informações do estudo de curto-circuito, do estudo de seletividade da proteção, de dados construtivos e até operacionais do sistema. Mais do que uma simples coleta de dados, este processo envolve análise técnica para determinar adequadamente vários parâmetros que não são muito evidentes.

• O fato de o método estabelecer uma avaliação por compartimento contribui

para evitar que o sistema seja tratado simplesmente como um barramento genérico, deixando lacunas perigosas como a interpretação de que todos os compartimentos têm o mesmo risco. Este maior detalhamento dos resultados, que demanda mais esforço de engenharia para quem realiza o estudo, não se traduz necessariamente em complicação para a gestão de segurança do sistema. Para o sistema do estudo de caso, uma empresa que possui implementado o uso de vestimenta de proteção de uso diário com Classificação de Arco 11 cal/cm2, a priori não necessita de vestimenta adicional para serviços neste sistema (evidentemente, o conjunto deve ser complementado com outros EPIs, conforme análise de riscos).

• Profissionais envolvidos tanto na especificação de conjuntos de manobra e

comando quanto na manutenção de sistemas de proteção contra arco elétrico devem se conscientizar para a importância de projetar e de manter o desempenho do sistema com relação à proteção contra arco elétrico, pois a falha de um único componente pode inviabilizar a proteção para algum cenário de falha, aumentando a energia incidente para níveis intoleráveis.

8 REFERÊNCIAS [1] C. L. Sulzberger, “Triumph of AC - from Pearl Street to Niagara,” IEEE

Power and Energy Magazine, vol. 1, nº 3, pp. 64-67, 2003.

[2] C. L. Sulzberger, “Triumph of AC, part 2 - The battle of the currents,” IEEE Power and Energy Magazine, vol. 1, nº 4, pp. 70-73, 2003.

[3] T. E. Browne Jr, “The Electric Arc as a Circuit Element,” Journal of The Electrochemical Society , vol. 102, nº 1, pp. 27-37, 1955.

[4] R. H. Lee, “The Other Electrical Hazard: Electric Arc Blast Burns,” IEEE Transactions on Industry Applications, vol. 18, nº 3, pp. 246-251, 1982.

[5] R. L. Doughty, T. E. Neal e H. L. Floyd II, “Predicting Incident Energy to Better Manage the Electric Arc Hazard on 600-V Power Distribution Systems,” em 45th IEEE IAS Petroleum and Chemical Industry Committee Annual Conference (PCIC), Indianapolis, 1998.

[6] Institute of Electrical and Electronics Engineers, IEEE Std 1584-2002 – IEEE Guide for Performing Arc-Flash Hazard Calculations, New York: IEEE, 2002.

[7] Institute of Electrical and Electronics Engineers, IEEE Std 1584-2018 – IEEE Guide for Performing Arc-Flash Hazard Calculations, New York: IEEE, 2018.

[8] BRASIL, Norma Regulamentadora No 10, Brasília: MTPS, 2016.

[9] Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT NBR 16384 – Segurança em eletricidade – Recomendações e orientações para trabalho seguro em serviços com eletricidade, Rio de Janeiro: ABNT, 2020.

[10] International Organization for Standardization, ISO 45001:2018 – Occupational health and safety management systems – Requirements with guidance for use, Geneva: ISO, 2018.

[11] National Fire Protection Association, NFPA 70E - Standard for Electrical Safety in the Workplace - 2021 Edition, Quincy: NFPA, 2021.

[12] S. Faried e W. Hakelberg, “Arc Flash - IEEE 1584-2018, NFPA 70E 2018, & OSHA Final Rule Highlights and Arc Flash Mitigation Technologies,” em 2019 IEEE-IAS/PCA Cement Industry Conference (IAS/PCA), St Louis, 2019.

[13] E. F. M. Sato, “Desenvolvimento e Aplicação de Script para Avaliação de Energia Incidente pelo Método IEEE Std 1584-2018,” Monografia do Curso de Especialização em Proteção de Sistemas Elétricos, Universidade Federal de Itajubá, 2021.

[14] J. C. Das, Arc Flash Hazard Analysis and Mitigation, Hoboken: John Wiley & Sons, 2021.

[15] ARCAD INC, “ArcAdvisor,” ARCAD INC, [Online]. Available: https://app.arcadvisor.com/about. [Acesso em 14 06 2020].

[16] Julia, “The Julia Programming Language,” [Online]. Available: https://julialang.org. [Acesso em 13 08 2021].