Desenredos Do Cinema Piauiense Moderno

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    Desenredos do cinema piauiense moderno:

    Segredos, de Robson Lima, entre Narciso e Nosferatu

    Agradecer ao convite do Prof. Raimundo Lima, ou, nesse momento, do ator Robson Lima,

    para falar sobre sua primeira iniciativa como cineasta como Segredos, e, mais ainda, pelo

    convite de fazer uma preleo sobre o cinema piauiense. Penso, no entanto, estar longe de

    ser a pessoa ideal para fazer isso, visto que no me considero um estudioso sobre cinema

    no m!imo, um apreciador de filmes. "e e!perimentais em super#$ a blockbustterscomo

    Vingadores. Antes de iniciar uma fala sobre o cinema piauiense, % necessrio estabelecer uma

    diferenciao pertinente entre cinema, visto como uma rede mais ampla de produo e

    circulao, e o filme, visto como um instrumento individual produtor de sentidos em tela.

    &o interior de uma 'ist(ria poss)vel do cinema brasileira, cinema e filme coe!istiram, por

    vezes estabeleceram dilogos e interte!tualidades, embora se tratem de dimens*es bastante

    diferentes. + conte!to mesmo de c'egada do cinema ao Piau) data do in)cio do s%culo , com a

    instalao das primeiras salas de cinema. "e acordo com a Prof- eresin'a /ueiroz, o

    cinema no Piau) c'ega envolto em discursos rivais0 de um lado, o discurso de que

    significava o advento da modernidade, fortemente presente na fala do intelectual 1igino2un'a, e de outro o discurso de que marcaria um acinte 3 religio, 3 moral e aos bons

    costumes da sociedade piauiense, conforme e!pressavam os intelectuais 2lodoaldo 4reitas

    e 5lias 6artins, o qual c'egava a c'amar o cinema de uma 7inveno do diabo8. "esde ento, as salas de cinema piauiense se mostram como espaos de divulgao de

    filmes variados, que, em geral, passavam com atraso em relao aos grandes centros do

    pa)s. 5ra poss)vel, na cidade de eresina, diferenciar estilos de sala de cinema de acordo

    com o preo de sua entrada, denotando diferenas sociais e de poder aquisitivo dos

    espectadores. + 2ine Ro9al, situado na Rua 2oel'o Rodrigues, representava na capital do

    Piau) um cinema elitizado, com entradas mais caras, onde passavam filmes de maior

    bil'eteria. Ap(s um bom tempo no Ro9al, esses filmes eram redirecionados para o 2ine

    Re!, localizado na Praa Pedro ::, considerado, dentro da l(gica elitista da cidade, um

    cinema de 7segunda categoria8, com entradas mais baratas, onde passavam filmes de

    7menor qualidade8, como faroestes italianos, filmes porn;s, arzan, etc. 5m Picos, o 2ine

    Spar

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    As primeiras produ*es verdadeiramente piauienses comeam a aparecer na cidade de

    eresina a partir da d%cada de =>?@, tanto no que diz respeito a um cinema comercial

    quanto ao que c'amamos de cinema e!perimental, rodado em cmeras de super#$. /uanto

    ao primeiro tipo, % poss)vel destacar, em =>?B, o lanamento de O Guru das Sete Cidades,de 2arlos Cini, cuDo enredo falava de um grupo de Dovens praticantes de magia negra que

    'abitavam as regi*es pr(!imas do Parque &acional de Sete 2idades, con'ecido pelos seus

    mist%rios e lendas m)ticas. A trama se passava, portanto, na regio de Piracuruca, alis

    min'a cidade, onde se desenvolvia o enredo romntico do filme. Se, por um lado, uma parcela do cinema piauiense buscava se voltar para o grande pEblico,

    usando o m!imo de qualidade t%cnica, se desenvolvia, no subterrneo das prticas

    art)sticas, um cinema e!perimental, rodado em cmeras de super#$. F nesse formato que

    surgir, em =>?B, uma par(dia ao Guru das Sete 2idades, na forma do filme de Antonio

    &oron'a 4il'o, m%dico e professor da H4P:, + Guru das Se!9 2idades. &o mesmo

    per)odo, &oron'a e um grupo de Dovens piauienses, dentre os quais se localizava o poeta

    orquato &eto, produziriam uma s%rie de filmes em formato super#$, tais como Ado e 5va

    do Para)so ao 2onsumo e "avid Iai Guiar, de "urvalino 2outo 4il'o, + error da

    Iermel'a, de orquato &eto, 6iss "ora, de 5dmar +liveira e 2orao 6aterno, de ico

    Pereira. A maior parte dos filmes do que 'oDe c'amamos de 5spectro orquato &eto

    possu)am uma narrativa que se e!pressava como ttica de guerra, um ol'ar micropol)tico,propondo enfrentamentos %ticos e est%ticos com o conservadorismo social e buscavam

    prticas de valorizao do deseDo, das identidades plurais de gJnero e de uma cidade

    praticada de maneira antinormativa. Hm pouco diferente do super#$ piauiense dos anos =>?@, cuDo foco seria uma busca pela

    localizao de Dovens odara, fragmentados, undergrounds, na d%cada de =>$@, o c'amado

    Grupo 6el de Abel'a, encabeado por Luis 2arlos Sales e Ialderi "uarte, produziria

    filmes com forte teor de cr)tica 3 sociedade e aos problemas pol)ticos da %poca. "e

    tendJncia engaDada no sentido macropol)tico, filmes comoPai Heri,Da Costa e Silva,

    Povo FavelaeEspao Marginal, que retratava o Piau) durante o governo Koo Captista

    4igueiredo, questionando, do ponto de vista 'ist(rico, a situao estudantil, econ;mica e

    governamental do pa)s. &as d%cadas de =>>@ e B@@@, o cinema piauiense gan'ava novos contornos, tanto no

    sentido de uma filmografia de fico, na qual % poss)vel citar os filmes de 2)cero 4il'o, tais

    como a com%diai !ue Vidae o dramaEntre o "or e a #a$%o, e o cinema documentrio,

    no qual se destaca tanto a produo dos filmes Cipriano e &" Corpo Subterr'neo, de

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    "ouglas 6ac'ado, quanto das produ*es Congos,Passos de Oeirases Escravas da M%e

    de Deus, de urea Pin'eiro, o Eltimo vencedor do PrJmio 5tnodoc do 2anal Crasil. &esse sentido, falar de Segredosguarda consigo uma imensa carga de mist%rio. + filme,

    desde seu t)tulo at% todas as tentativas de resguard#lo dos ol'ares curiosos da comunidade

    universitria, % algo enigmtico e, tal como diria "Davan, 7me confunde da cabea aos

    p%s8. &a medida em que fui convidado para falar de um filme que ainda no vi, me sinto

    como algu%m que vai fazer o prefcio de um livro que ainda no leu. Para pensa#lo, me

    ocorrem duas metforas, que dizem respeito a dois personagens ic;nicos do cinema

    brasileiro0 a metfora de &osferatu e a metfora de &arciso. &osferatu remete a orquato

    &eto, na medida em que esse protagonizara o super#$(os)eratu no *rasil, de :van

    2ardoso, e indica, em sua produo f)lmica e!perimental, as matrizes do pr(prio

    e!perimentalismo0 a busca por vampirizar os espaos socioculturais da cidade e o pr(prio

    cinema, a tentativa de 7gan'ar espao, conquistar espao, ocupar espao8. &arciso, por sua

    vez, foi a metfora utilizada pelo 'istoriador 4rederico +sanan Amorim Lima para se

    referir a Glauber Roc'a, que, travestido do ideal de um 2inema &ovo e de sua est%tica da

    fome, no se incomodou, e at% arrogou para si o protagonismo do que seria c'amado de

    cinema brasileiro moderno. /ual seria a proposta de SegredosM A busca por ocupar um espao e!perimental, tal como

    metaforizado na figura de &osferatu, ou espel'ar#se em si mesmo, tal como &arcisoMApenas o filme dir. 2omo falariam os romanos, a sorte est lanada0 alea Dacta est.