DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRECTIVO DA ENTIDADE … · sobre uma alegada cobrança indevida de ......
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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRECTIVO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde (doravante ERS)
conferidas pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro;
Considerando os objectivos da actividade reguladora da ERS estabelecidos no artigo 25.º
do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro;
Considerando os poderes de supervisão da ERS estabelecidos no artigo 27.º do Decreto-
Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/010/07;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo e sua tramitação prévia
1. Em 6 de Novembro de 2007, a ERS recebeu uma reclamação apresentada por E.,
sobre uma alegada cobrança indevida de cuidados de saúde prestados pela CMAS –
Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A. (doravante Clínica Arrifana), entidade com o
NIPC 501319956, com sede em Penafiel, registada na ERS sob o número 17502.
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2. Na sequência do processo de reclamação n.º REC_495/06 assim iniciado, e verificada
a necessidade de se proceder a uma averiguação mais aprofundada, o Conselho
Directivo da ERS, por despacho de 1 de Fevereiro de 2007, ordenou a abertura de
inquérito registado sob o n.º ERS/010/07.
3. Por deliberação do Conselho Directivo de 11 de Outubro de 2007, foi aprovado um
projecto de instrução à Clínica Arrifana, regularmente submetido, nos termos legais, a
audiência de interessados.
4. Em sede de diligências complementares requeridas pelo predito prestador, procedeu-
se à audição de responsáveis e funcionários da Clínica Arrifana, de onde resultou a
possibilidade de os comportamentos do prestador identificados em tal projecto de
instrução poderem assumir um carácter subjectivo mais lato.
5. Procederam-se, subsequentemente, a diligências oficiosas da ERS no sentido da
aquisição do conhecimento de mais factos relevantes, em prol de um esclarecimento
tão completo quanto possível da situação relativa ao prestador em causa,
designadamente no que respeita ao cumprimento dos seus deveres em face dos
beneficiários do subsistema ADSE, entidade com a qual a Clínica Arrifana possui
convenção.
6. Tudo visto, concluiu-se pela necessidade de elaboração de um novo projecto de
deliberação, em substituição daquele aprovado a 11 de Outubro de 2007, igualmente
submetido, nos termos legais, a audiência de interessados.
I.2.1 A exposição da utente E.
7. Nos termos da reclamação apresentada pela utente em questão, a Clínica Arrifana ter-
lhe-ia informado de um orçamento no valor de €1.975 para a realização de ortodontia
fixa ao seu filho de 14 anos, A., beneficiário da ADSE, mas que em momento
posterior, aquando do final de uma consulta do seu filho, lhe teriam informado que
para além daquele valor teria de pagar mais €450 pela rectificação do aparelho
superior realizada em Maio.
8. A Clínica Arrifana teve oportunidade de se pronunciar sobre tal reclamação, por carta
de 22 de Novembro de 2006, alegando que na consulta em questão, realizada a 12 de
Maio de 2006, o utente A. terá surgido praticamente sem o aparelho, tendo "perdido"
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os braquetes e o arco.
9. Mais referiu a Clínica Arrifana que teria, então, comunicado à Mãe do utente, aqui
reclamante e exponente, que o tratamento ao maxilar superior do seu filho teria de ser
recomeçado, ao que ela teria aceite e negociado o pagamento em 5 prestações. A
Clínica alegou ainda que na última consulta, a 27 de Outubro de 2006, a reclamante
teria referido que não entendia como é que tal havia acontecido ao seu filho,
concordando que alguém deveria pagar o novo aparelho, contudo não concordava ser
a própria a realizar esse pagamento.
10. A reclamante veio, por carta de 12 de Dezembro de 2006, refutar algumas alegações
proferidas pela Clínica Arrifana, nomeadamente que:
a) ao contrário do que foi exposto na carta da referida Clínica, o utente, A.
teria comparecido a todas as consultas mensais (juntando em anexo
fotocópia dos recibos de tratamento de Janeiro a Maio de 2006).
b) o médico havia referido que tinha rectificado o aparelho superior e que o
tratamento atrasaria 6 meses, mas que não lhe havia informado que teria
de suportar o custo do novo aparelho, esclarecendo ainda que compareceu
a todas as consultas posteriores, à excepção da consulta do dia 1 de
Setembro de 2006.
c) precisamente no final de tal consulta, de 1 de Setembro de 2006, a
assistente do médico da Clínica Arrifana informou o seu filho que faltavam
pagar 6 consultas,1 respeitante à importância do aparelho novo;
d) em função disso, solicitou a emissão de nova factura para a ADSE, uma
vez que se tratava de um aparelho novo. No entanto, o médico ter-lhe-ia
referido que não passaria novo recibo, porque esse nem seria o valor do
aparelho novo e a ADSE não paga um segundo aparelho;
e) não querendo pôr em risco a saúde e o bem-estar do seu filho, terá dado
continuidade aos tratamentos naquela Clínica e na consulta de 27 de
1 Note-se que de acordo com todas as cartas da Clínica Arrifana de Sousa, S.A. existe uma
contradição com as alegações proferidas pela reclamante, uma vez que a Clínica alega que
faltavam pagar 5 prestações de €75 cada (valor total de €375) e a reclamante afirma na carta supra
referida que faltavam pagar 6 prestações no valor de €75 (valor total de €450).
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Outubro de 2006, reiniciou o pagamento das prestações do valor
acrescentado.
I.2.2 Outras exposições de utentes apensas ao processo
I.2.2.1 Exposição de F.
11. O reclamante em causa, beneficiário da ADSE, tal como a sua filha, trouxe ao
conhecimento da ERS que a Clínica Arrifana de Sousa se terá recusado a aceitar o
cartão da ADSE da sua filha menor, C., em consulta realizada a um Sábado, dia 19 de
Janeiro de 2008.
12. Segundo o reclamante, ter-lhe-á em tal momento sido comunicado que a Clínica
Arrifana não aceitava o cartão da ADSE aos fins-de-semana;
13. Pelo que ao invés do encargo de beneficiário que lhe seria exigível, segundo as regras
de um tal subsistema, procedeu ao pagamento integral da consulta na qualidade de
“particular”.
I.2.2.2 Exposição da utente P.
14. A reclamante expôs que recorreu a uma consulta do Dr. Virgílio na Clínica Arrifana, no
passado dia 2 de Julho de 2007.
15. A entidade patronal solicitou à reclamante que apresentasse uma declaração da
existência de convenção entre a ADSE e o referido clínico, no âmbito da
documentação por tal entidade exigida para justificação de ausência ao serviço em
horário laboral.
16. A reclamante deslocou-se, imediatamente no dia subsequente (3 de Julho de 2007), à
Clínica Arrifana, em Lousada, para obtenção da referida declaração, tendo a Clínica
recusado a emissão da predita declaração.
17. Em resposta à reclamação, a Clínica Arrifana referiu que se tratou
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“[…] de uma marcação e realização de consulta relativamente à qual se
veio a verificar, já na própria tarde do dia 2/7, a impossibilidade, por motivos
imprevistos, de a mesma ser assegurada pelo Dr. Carlos Ferreira Gomes,
médico titular do acordo com a ADSE. Apenas por essa razão e dado o
carácter imprevisto da circunstância, a consulta veio a ser efectuada pelo
Dr. Virgílio Abreu, assim se evitando incómodos e deslocações inúteis para
a utente em causa.”2.
I.3. Diligências
18. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, as diligências de
obtenção de prova consubstanciadas
(i) no pedido de elementos à exponente E. de 14 de Fevereiro de 2007;
(ii) nos pedido de elementos à Clínica Arrifana de 14 de Fevereiro, 9 de Julho de
2007 e 10 de Abril de 2008;
(iii) em consulta e pesquisa do Sistema de Registo de Entidades Reguladas
(SRER) da ERS;
(iv) em consulta e pesquisa das listagens de entidades convencionadas da ADSE;
(v) em consulta e pesquisa das tabelas de preços em regime livre e em regime
convencionado da ADSE.
19. Em 3 de Dezembro de 2007, procedeu-se à audição das testemunhas arroladas pela
Clínica Arrifana aquando da sua pronúncia em sede da audiência de interessados.
20. Foram, ainda e com vista ao esclarecimento de factos, efectuadas diligências
complementares oficiosamente decididas pela ERS, tendo-se a este título
(i) solicitado informações e documentação à ADSE, através de pedido de
elementos de 10 de Dezembro de 2007;
(ii) verificado todos os processos de reclamação entrados na ERS, até Fevereiro
de 2008, que tivessem por entidade reclamada a Clínica Arrifana;
2 Cfr. carta da Clínica Arrifana de 03.08.2007 junta aos autos.
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(iii) verificado o corpo clínico da Clínica Arrifana e cruzamento de tais dados com
as listagens de entidades convencionadas da ADSE;
(iv) solicitado informações adicionais à Clínica Arrifana, através de pedido de
elementos de 10 de Abril de 2008;
(v) solicitado informações ao exponente F., através de pedido de elementos de 11
de Abril de 2008; e
(vi) solicitado informações à exponente P., através de pedido de elementos de 11
de Abril de 2008.
II. DOS FACTOS
II.1 – Factos relacionados com a Clínica Arrifana e com a(s) convenção(ões) com a ADSE
21. A Clínica Arrifana encontra-se registada na ERS sob o número 17502 e possui
instalações em Penafiel (na Rua Fonte do Carvalho, 4560-452 Penafiel), em Lousada
(na Rua de Santo António, 4620 Lousada), em Paredes (na Rua Dr. António Mendes
Moreira, nº 39, 4580-056 Paredes), em Alpendorada (Rua da Tapadinha, nº 11, 4575-
052 Alpendorada) e no Marco Canaveses (na Av. Avelino Ferreira Torres, 1520, 4630
Marco de Canaveses).
22. A ADSE celebrou convenções com a Clínica Arrifana no âmbito das seguintes
valências e locais de prestação:
(i) Radiologia
a. Rua Fonte do Carvalho, Penafiel
b. Praça Municipal, Penafiel
(ii) Medicina Física e de Reabilitação
a. Rua Fonte do Carvalho, Penafiel
b. Av. Avelino Ferreira Torres, Marco de Canaveses
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c. Rua de Santo António, Lousada
d. Praça Municipal, Penafiel
e. Rua Chãos, Marco de Canaveses
(iii) Actos de Estomatologia
a. Rua Fonte do Carvalho, Penafiel3.
23. Já relativamente aos actos de consulta para a valência de generalista (clínica geral), a
ADSE possui acordos com os clínicos e para os locais de prestação seguintes:
(i) Dr. António Jorge Nunes Ferreira Gomes
a. Rua Santo António, Lousada
b. Rua Fonte do Carvalho, Penafiel
(ii) Dr. Carlos Alberto Nunes Ferreira Gomes
a. Rua Santo António, Lousada
b. Rua Fonte do Carvalho, Penafiel4.
24. Por sua vez, os referidos clínicos integram igualmente o corpo clínico da Clínica
Arrifana, na valência de generalista (clínica geral)5;
25. Exercendo o primeiro a sua actividade nas instalações de Penafiel e Paredes da
Clínica Arrifana; e
26. Exercendo o segundo a sua actividade nas instalações de Penafiel, Lousada e
Paredes da Clínica Arrifana.
27. A Dra. M. pertence ao quadro da Clínica Arrifana, integrada na equipa de clínica geral
e exerce a sua actividade nas instalações de Penafiel e Paredes da Clínica Arrifana;
e, por último
3 Cfr. resposta da ADSE de 10 de Janeiro de 2008 ao pedido da ERS.
4 Cfr. Listagem de entidades convencionadas da ADSE (distrito do Porto) junta aos autos.
5 Cfr. apresentação da equipa médica de clínica geral da Clínica Arrifana junta aos autos.
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28. O Dr. Virgílio Abreu pertence ao quadro da Clínica Arrifana, integrado na equipa de
clínica geral e exerce a sua actividade nas instalações de Lousada da Clínica Arrifana.
II.2 – Factos relacionados com a exposição de E. relativa ao utente A.
29. O utente A., filho da exponente E., é beneficiário da ADSE com o número (…);
30. Tendo a Clínica Arrifana celebrado uma convenção com a ADSE, que entrou em vigor
em 04.03.1993, com o objecto de “(…) prestação de cuidados de saúde (…) aos
beneficiários da ADSE, no âmbito da estomatologia (…)”6 , ao utente foram prestados
cuidados de saúde na vertente de entidade convencionada da ADSE.
31. A Clínica Arrifana enviou cópia de todos os recibos emitidos ao utente, tendo
igualmente referido que nunca houve nenhuma recusa sua na emissão de um recibo
do 2º aparelho superior para os efeitos tidos por convenientes7.
32. De igual forma, a exponente enviou à ERS cópia dos recibos e facturas enviadas por
esta, em nome do utente, para a ADSE (os mesmos que a Clínica Arrifana enviou
para a ERS).
33. A ERS questionou a Clínica Arrifana sobre a razão de ser da cobrança sucessiva de
montantes de €75 ao utente, bem como sobre a natureza dos mesmos, tendo a
Clínica Arrifana esclarecido que “a inexistência de menção ao aparelho colocado em
Maio de 2006, deve-se ao facto da [exponente] ter optado por pagar esse valor em
cinco prestações de €75 nas consultas de controlo de aparelho fixo seguintes”8.
34. Afirmou ainda a Clínica que “o acordo existente para a prestação de serviços de
Medicina Dentária entre Clínica Médica Arrifana de Sousa e a ADSE, não contempla a
colocação de Aparelhos Ortodontia”, conforme tabela que juntou em anexo à sua
resposta e integrada nos autos.
6 Cf. n.º 1 do artigo 1.º do Acordo entre a Direcção-Geral de Protecção Social aos Funcionários e
Agentes da Administração Pública (ADSE) e a Clínica Arrifana de Sousa, Lda., junto aos autos.
7 De acordo com carta enviado à ERS em 26 de Fevereiro de 2007.
8 Conforme já mencionado em resposta da Clínica Arrifana, que deu entrada na ERS em 28 de
Novembro de 2006.
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35. Assim, constata-se que:
a) O utente A. foi sujeito a um tratamento de ortodontia tendo-lhe sido
colocado aparelho ortodontico fixo na Clínica Arrifana;
b) Posteriormente efectuou diversas consultas de controlo de aparelho fixo;
c) A Clínica Arrifana tem convenção com a ADSE para “estomatologia (actos)”
a qual inclui o acto ortodontia – controlo de aparelho fixo a que
corresponde o código 1879;
d) O acordo existente entre a Clínica Arrifana e a ADSE não contempla
contudo a colocação de “Aparelho Ortodontia”9;
e) Foram cobrados ao utente e por este pagos diversos recibos no valor de
€75 com o descritivo “Ortodontia – controlo de aparelho fixo 1879”;
f) O encargo do beneficiário previsto na tabela do regime convencionado da
ADSE para o acto “Ortodontia – controlo de aparelho fixo 1879” é de €3,94;
g) A Clínica Arrifana, confirma a cobrança de um montante no valor total de
€375 (que foram divididos em cinco parcelas de €75), destinado a pagar o
segundo aparelho superior colocado ao filho da utente.
36. Da análise dos recibos enviados pela exponente constata-se, assim, que foram
efectuados vários pagamentos no valor de €75 desde o início do tratamento a que foi
sujeito o seu filho;
37. Contendo tais recibos o descritivo correspondente a “Ortodontia – controlo de
aparelho fixo 1879”, no valor de €75.
38. Acontece que aquele descritivo diz respeito à Tabela da ADSE do regime
convencionado;
39. E ao qual corresponde um encargo do beneficiário no valor de €3,9410.
9 Vide resposta da Clínica Arrifana que deu entrada na ERS em 3 de Agosto de 2007. 10 Cfr. tabela de preços em regime convencionado da ADSE junta aos autos.
10
40. Assim sendo, não se compreende porque razão a entidade reclamada cobrou ao
utente o valor de €75.
41. Note-se que segundo a própria ADSE os actos de “ortodontia – controlo de aparelho
fixo estão contemplados na convenção [com a referida Clínica] (código 1879) e
deveriam ser facturados ao abrigo da mesma, respeitando, todavia, os limites
estabelecidos (24/1 ano civil).”11.
42. Pelas razões supra referidas, e considerando que os recibos emitidos pela reclamada
correspondem a uma consulta de controlo de aparelho fixo, e estando esta abrangida
pela convenção celebrada entre a reclamada e a ADSE, apenas deveriam ter sido
cobrados por consulta €3,94, e não €75 conforme consta dos mesmos. Neste caso
terá a reclamada que devolver à reclamante os valores pagos indevidamente.
43. Se, pelo contrário, os valores em causa tiverem sido cobrados a titulo de prestações
devidas pela colocação de um aparelho fixo, contrariando assim os recibos emitidos
pela Clínica Arrifana, não deviam então os mesmos fazer menção ao acto “controlo de
aparelho fixo” – nem deveriam conter o código correspondente ao regime
convencionado da ADSE;
44. Mas sim ao acto “colocação de aparelho fixo” (para o qual a Clínica Arrifana não tem
convenção) -, devendo para o efeito ser entregue o recibo ao utente.
45. Já em sede da anterior audiência de interessados, a Clínica Arrifana referiu ter
existido apenas “um erro na menção que fez constar dos recibos emitidos à utente.” “E
tal erro foi possível na medida em que, sendo a utente beneficiária da ADSE, o
sistema acabou por assumir o código do acto susceptível de comparticipação.”
46. Segundo a Clínica, o valor cobrado ao utente dizia respeito “ao pagamento do
segundo aparelho superior colocado ao filho da utente”, de onde se pode inferir que
apenas em relação aos cinco últimos recibos foi apresentada justificação relativa aos
valores cobrados.
II.3 – Factos relacionados com a exposição de F. relativos à utente C.
47. A utente C., filha do exponente, é beneficiária da ADSE com o número (…).
11 Conforme resposta da ADSE de 17 de Janeiro de 2008.
11
48. A utente deslocou-se, juntamente com o exponente seu Pai, à Clínica Arrifana, em
Penafiel, no dia 19 de Janeiro de 2008, que correspondia a um Sábado, com o intuito
de ser examinada por um clínico da mesma.
49. Foi, efectivamente, consultada pela Dra. M., a qual pertence ao quadro da Clínica
Arrifana, integrada na equipa de clínica geral e exerce a sua actividade nas
instalações de Penafiel e Paredes da Clínica Arrifana12.
50. Aquando do pagamento do acto, a funcionária da Clínica Arrifana presente informou o
exponente que “(…) a Clínica não aceitava o cartão da ADSE aos fins-de-semana mas
apenas de 2.ª a 6.ª feira (desde que não seja também feriado) e apenas das 08h00 às
20h00, e que teria que pagar a consulta por inteiro (€ 34,00) (…)”13.
51. Consequentemente, e ao invés do encargo de beneficiário que lhe seria exigível
segundo a tabela da ADSE, o exponente procedeu ao pagamento integral da consulta
e na qualidade de “particular”, no montante de € 34,0014.
52. Sucede que tal utente já havia anteriormente recorrido aos serviços da Clínica
Arrifana, designadamente aquando da realização de uma consulta de clínica geral em
19 de Outubro de 2002;
53. Que igualmente correspondia a um Sábado;
54. Tendo-lhe sido, em tal ocasião, cobrado o montante de € 3,99 corresponde ao
montante devido enquanto encargo de beneficiário da ADSE15;
55. Sendo outrossim de destacar que tal recibo foi emitido pela Clínica Arrifana e apenas
contendo a identificação da mesma enquanto entidade prestadora do serviço que deu
azo à cobrança;
56. Embora ostente, ainda assim, a referência à ADSE enquanto entidade financiadora da
utente.
12 Cfr. cópia do recibo da consulta enviada à ERS pelo exponente.
13 Cfr. reclamação apresentada pelo exponente, junta aos autos.
14 Cfr. cópia do recibo da consulta enviada à ERS pelo exponente.
15 Cfr. cópia do recibo da consulta enviada à ERS pela Clínica Arrifana.
12
II.4 – Factos relacionados com a exposição de P.
57. A utente P. é beneficiária da ADSE com o número (…).
58. A utente procedeu à marcação de uma consulta de clínica geral com o Dr. Virgílio
Abreu, na Clínica Arrifana, em Lousada;
59. Sendo certo que “(…) aquando da marcação da mesma foi pedido consulta somente
para esse médico, aliás nunca me foi posta a questão de ser atendida por outro
médico”16.
60. No seguimento de tal marcação, à utente foi prestada uma consulta de clínica geral
pelo Dr. Virgílio Abreu, nas instalações da Clínica Arrifana em Lousada, no passado
dia 2 de Julho de 200717.
61. A utente pagou por tal consulta o montante de € 3,99, a título de encargo de
beneficiário da ADSE18;
62. Tal como assinou o Modelo 14 da ADSE, do qual consta a referência a uma consulta
de clínica geral no dia 2 de Julho de 2007, um encargo de beneficiário no montante de
€ 3,99 e um montante de encargos da ADSE de € 14,47.
63. O recibo entregue à utente foi emitido pela Clínica Arrifana e contendo a identificação
da mesma;
64. Sendo que aquele que foi entregue à utente contém a identificação do clínico como
“Dr. Carlos Ferreira Gomes”;
65. Embora a segunda via desse mesmo recibo enviado à ERS pela Clínica Arrifana já
não contenha a identificação de qualquer clínico, fazendo menção apenas a “Consulta
de Clínica Geral”.
66. Por outro lado, o referido Modelo 14 da ADSE, utilizado para o envio pelo prestador
convencionado à ADSE no âmbito da facturação dos encargos da ADSE, não se
16 Cfr. resposta da exponente de 24 de Abril de 2008, junta aos autos.
17 Cfr. resposta da exponente de 24 de Abril de 2008, junta aos autos.
18 Cfr. cópia do recibo da consulta enviada à ERS pela exponente.
13
encontrava preenchido na parte relativa à identificação do clínico e seu código no
momento da sua assinatura pela utente e beneficiária da ADSE19.
67. Porém, em resposta ao pedido de elementos da ERS de 10 de Abril de 2008, a Clínica
Arrifana juntou cópia do referido Modelo 14 da ADSE já preenchido com a
identificação do clínico, sendo que o mesmo é identificado como “Dr. Carlos Ferreira
Gomes”.
68. O Dr. Virgílio Abreu pertence ao quadro da Clínica Arrifana, integrado na equipa de
clínica geral e exerce a sua actividade nas instalações de Lousada da Clínica Arrifana.
69. O Dr. Virgílio Abreu não tem convenção com a ADSE, tal como a própria Clínica
Arrifana não possui convenção com a ADSE na valência de Clínica Geral20.
70. A entidade patronal solicitou à reclamante que apresentasse uma declaração da
existência de convenção entre a ADSE e o referido clínico, no âmbito da
documentação por tal entidade exigida para justificação de ausência ao serviço em
horário laboral.
71. A reclamante deslocou-se, imediatamente no dia subsequente (3 de Julho de 2007), à
Clínica Arrifana, em Lousada, para obtenção da referida declaração, tendo a Clínica
recusado a emissão da predita declaração.
72. Enquanto explicação do sucedido, a Clínica Arrifana referiu que se tratou “[…] de uma
marcação e realização de consulta relativamente à qual se veio a verificar, já na
própria tarde do dia 2/7, a impossibilidade, por motivos imprevistos, de a mesma ser
assegurada pelo Dr. Carlos Ferreira Gomes, médico titular do acordo com a ADSE.
Apenas por essa razão e dado o carácter imprevisto da circunstância, a consulta veio
a ser efectuada pelo Dr. Virgílio Abreu, assim se evitando incómodos e deslocações
inúteis para a utente em causa.”21.
73. Como já referido, para os actos de consulta para a valência de generalista (clínica
geral), a ADSE possui acordos com os clínicos e para os locais de prestação
seguintes:
19 Cfr. cópia do referido Modelo 14 enviada à ERS pela exponente.
20 Cfr. resposta da ADSE em 17 de Janeiro de 2008.
21 Cfr. carta da Clínica Arrifana de 03.08.2007 junta aos autos.
14
(i) Dr. António Jorge Nunes Ferreira Gomes
a. Rua Santo António, Lousada
b. Rua Fonte do Carvalho, Penafiel
(ii) Dr. Carlos Alberto Nunes Ferreira Gomes
a. Rua Santo António, Lousada
b. Rua Fonte do Carvalho, Penafiel22.
74. Assim, segundo a própria Clínica Arrifana, a consulta realizada à utente não foi
prestada pelo profissional de saúde Dr. Carlos Ferreira Gomes – médico titular do
acordo com a ADSE – mas sim pelo Dr. Virgílio Abreu23;
75. E a própria utente veio esclarecer, em resposta a pedido de informação da ERS que
solicitava, entre outros elementos, cópia do recibo da consulta, que “(…) Junto cópia
da venda a dinheiro já referida, que só agora, com o vosso pedido, reparei que o
nome que consta como clínico é o Dr. Carlos Alberto Nunes Ferreira Gomes, que à
data nunca realizei consulta com ele”24.
III. AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
III.1 – Das pronúncias dos interessados
76. A presente decisão foi precedida da necessária audiência escrita de interessados, nos
termos do art. 101.º n.º 1 do CPA, tendo sido chamados a pronunciar-se,
relativamente ao projecto de deliberação da ERS, os exponentes, a Clínica Arrifana e
o Dr. Carlos Ferreira Gomes.
77. Relativamente aos exponentes, apenas E. se pronunciou, substantivamente reiterando
a sua exposição inicial;
22 Cfr. Listagem de entidades convencionadas da ADSE (distrito do Porto) junta aos autos.
23 De acordo com carta enviada à ERS e à utente de 3 de Agosto de 2007.
24 Cfr. resposta da exponente de 24 de Abril de 2008, junta aos autos.
15
78. Pelo que da sua audiência não resultam factos ou razões susceptíveis de alterar o
sentido da decisão proposta.
79. A Clínica Arrifana pronunciou-se e, em suma,
(i) reiterou os argumentos aduzidos aquando da sua pronúncia ao anterior
projecto de deliberação no que respeita à exposição de E.; e
(ii) apresentou as razões pelas quais o exponente F. não terá podido fazer uso
da qualidade de beneficiário da ADSE; e
(iii) manifestou estranheza pela referência à exposição da utente P., uma vez
que o processo de reclamação que havia corrido termos já se acharia
encerrado.
80. Entende assim, quanto à exposição de E., ter existido apenas “um erro na menção
que fez constar dos recibos emitidos à utente.” e que “(…) tal erro foi possível na
medida em que, sendo a utente beneficiária da ADSE, o sistema acabou por assumir
o código do acto susceptível de comparticipação.”.
81. Segundo a Clínica, o valor cobrado à utente dizia respeito “ao pagamento do segundo
aparelho superior colocado ao filho da utente”, de onde se pode inferir que apenas em
relação aos cinco últimos recibos foi apresentada justificação relativa aos valores
cobrados;
82. Alegando ainda que a utente não fez qualquer outro pagamento relativo a tal
colocação “a qual não é susceptível de comparticipação e sempre teria, portanto, de
ser pago pela utente”.
83. A Clínica Arrifana de Sousa alega que, nunca apresentou junto da ADSE “qualquer
pedido de pagamento relativamente ao que aqui está em causa”, tal como nunca se
recusou a entregar à utente o recibo de colocação do aparelho, para que esta
pudesse ser reembolsada pela ADSE.
84. Já relativamente à exposição de F., veio a Clínica Arrifana alegar que a utente sua
filha não pôde ser atendida pelo médico convencionado (Dr. Carlos Ferreira Gomes),
por este não se encontrar a dar consulta em tal dia.
85. Sobre a exposição da utente P., e para além da já referida manifestação de
estranheza pelo facto de o processo de reclamação que havia corrido termos já se
16
achar encerrado, a Clínica Arrifana nada referiu ou alegou.
86. Por último, refira-se que o Dr. Carlos Ferreira Gomes, regularmente notificado para o
fazer, não se pronunciou sobre o projecto de deliberação.
III.2 – Análise das pronúncias dos interessados
87. Quanto à pronúncia de E., já se referiu que a mesma reiterou a sua exposição inicial;
88. Pelo que da sua audiência não resultam factos ou razões susceptíveis de alterar o
sentido da decisão proposta.
89. Sobre os argumentos aduzidos pela Clínica Arrifana, refira-se desde já a discordância,
no que respeita à exposição de E., quanto à admissibilidade da cobrança, por parte de
tal Clínica, do valor de €75 para consultas de controlo de aparelho fixo.
90. Como já foi referido supra, analisando os recibos emitidos à utente verifica-se que
foram efectuados vários pagamentos no valor de €75 desde o início do tratamento a
que foi sujeito o seu filho e não apenas a partir do segundo aparelho ortodontico
superior colocado.
91. A Clínica Arrifana de Sousa assenta a sua interpretação no facto dos recibos nunca
poderem corresponder a consultas, na medida em que as “consultas de estomatologia
são de valor muito inferior” e que quando a Clínica apresenta um orçamento a um
utente para colocação de aparelho fixo inclui sempre toda a assistência posterior de
controlo que se mostre necessária.
92. Sucede, porém, que existem vários recibos emitidos entre a data 11/01/2005 e
07/07/2007 que fazem menção ao controlo de aparelho fixo no valor de €75, e que
não têm qualquer relação com as 5 prestações efectuadas para o pagamento do
mencionado segundo aparelho ortodontico superior.
93. Tendo a Clínica convenção com a ADSE para controlo de aparelho fixo, não se
percebe qual o motivo para existirem, para além das 5 supostas prestações do
segundo aparelho fixo pelo menos mais 15 recibos no valor de €75 com o descritivo
de controlo de aparelho fixo.
94. Face a todo o exposto, conclui-se que das observações apresentadas pela Clínica
17
Médica Arrifana de Sousa, S.A., nada resultou susceptível de conduzir a uma
alteração do sentido de decisão anteriormente proposto.
95. Já relativamente ao facto de a exposição apresentada P. ter sido objecto de uma
decisão de arquivamento no processo de reclamação que correu termos, cumpre
esclarecer que tanto não obsta ou impede que a ERS deixe de considerar tais factos
se os mesmos se vierem, como in casu, a revelarem-se importantes no âmbito das
suas atribuições regulatórias.
96. Efectivamente, as reclamações apresentadas pelos utentes visam, primacialmente,
permitir o exercício do direito à reclamação, que a todos cabe, e auxiliar a uma
resolução rápida de eventuais situações que possam merecer mera adequação ou
correcção, em prol dos utentes reclamantes.
97. Nesse âmbito, à ERS cabe garantir que quer o reclamante, quer o prestador
reclamado se pronunciam sobre a situação objecto de reclamação, e sempre que o
utente entenda que foi objecto de esclarecimento ou se acha satisfeito ou conformado
com a situação ou suas explicações, será a reclamação arquivada.
98. Coisa distinta é o facto de a ERS dever conhecer todos os factos que se manifestem
úteis ou necessários ao exercício dos seus objectivos e atribuições regulatórias;
99. Como, aliás, bem fica demonstrado nos presentes autos.
100. Por outro lado, as exposições apresentadas por F. e P. acham-se ligadas pela
mesma questão essencial, a saber, a da utilização, em benefício da Clínica Arrifana e
de clínicos que na mesma exercem as suas actividades, de acordos celebrados com a
ADSE por prestadores de cuidados de saúde a título individual – in casu do acordo
celebrado pelo Dr. Carlos Alberto Nunes Ferreira Gomes -, que ademais não
correspondem àqueles que efectivamente prestaram os cuidados de saúde;
101. Razões pelas quais se considera que das observações apresentadas pela Clínica
Médica Arrifana de Sousa, S.A. relativamente a tais duas últimas exposições,
igualmente nada resultou susceptível de conduzir a uma alteração do sentido de
decisão anteriormente proposto.
18
IV. DO DIREITO
IV.1 – Enquadramento geral
102. De acordo com o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, a
ERS tem por objecto a regulação, a supervisão e o acompanhamento, nos termos
previstos naquele diploma, da actividade dos estabelecimentos, instituições e serviços
prestadores de cuidados de saúde.
103. As atribuições da ERS, de acordo com o art. 6.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 309/2003,
de 10 de Dezembro, compreendem “a regulação e a supervisão dos
estabelecimentos, instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde, no que
respeita ao cumprimento das suas obrigações legais e contratuais relativas ao acesso
dos utentes aos cuidados de saúde, à observância dos níveis de qualidade e à
segurança e aos direitos dos utentes”, constituindo atribuição desta Entidade
Reguladora, nos termos do n.º 2 alínea a) daquele preceito legal, “defender os
interesses dos utentes”.
104. Constitui objectivo da ERS, em geral, nos termos da alínea c) do art. 25.º n.º 1 do
Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro “assegurar os direitos e interesses
legítimos dos utentes”.
105. Por outro lado, e nos termos da alínea a) do n.º 2 daquela norma, refira-se que
incumbe ainda à ERS “zelar pelo respeito da liberdade de escolha nas unidades de
saúde privadas”.
106. A Clínica Arrifana é um operador, para efeitos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º
309/2003, de 10 de Dezembro, e encontra-se devidamente registada no Sistema de
Registo de Entidades Reguladas (SRER) da ERS, encontrando-se sujeita aos poderes
de supervisão desta entidade reguladora.
IV.2 – Enquadramento da exposição relativa ao utente A.
107. Analisados os factos supra expostos, resulta desde logo que ao utente A., filho da
exponente E., foi cobrado indevidamente um montante correspondente à diferença
entre o valor pago (vários recibos de €75) e o valor estabelecido na Tabela do Regime
Convencionado da ADSE (€3,94).
19
108. Na verdade, e quanto a tal utente, da cobrança de montantes que excedem o valor
estabelecido nas tabelas da ADSE, resulta
(i) um desrespeito dos preços convencionados, que viola não somente os
direitos dos utentes que à ERS cabe defender ao abrigo do disposto da
alínea c) do n.º 1 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de
Dezembro; como
(ii) uma lesão dos interesses legítimos dos utentes, designadamente, o
interesse fundamental da transparência nas relações com os utentes,
transparência essa que se apresenta como instrumental do direito à
informação e do direito à liberdade de escolha – cfr. Base XIV da Lei de
Bases da Saúde.
109. Na realidade, da celebração de convenção com a ADSE (ou qualquer outro
subsistema) resulta como limite ao valor a cobrar aos utentes beneficiários da ADSE o
preço convencionado;
110. Bem como um dever de respeito pelas regras e âmbito material de tal convenção;
111. Pelo que de um não cumprimento do mesmo decorre, necessariamente, uma lesão
dos direitos dos utentes beneficiários da ADSE, a qual tendo por objectivo a protecção
social dos Funcionários e Agentes da Administração Pública no domínio dos cuidados
de saúde25, é a entidade que assegura, a tais utentes, consultas de clínica geral e de
especialidade26.
112. Uma tal lesão é, desde logo, de carácter financeiro, uma vez que os beneficiários da
ADSE têm o direito a receber, no regime convencionado, os cuidados de saúde, no
âmbito do subsistema e através de prestadores convencionados com o mesmo,
mediante o pagamento dos encargos que aos mesmos compete e determinados pelo
próprio subsistema;
25 Cfr. n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro, com as alterações
introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30 de Dezembro.
26 Cfr. alínea a) do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de Fevereiro, com as alterações
introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30 de Dezembro.
20
113. Tendo, aliás, a Clínica Arrifana assumido a obrigação de que, perante si “Os
beneficiários da ADSE deverão suportar, pelos tratamentos efectuados, os encargos
definidos na tabela anexa ao presente acordo”27;
114. Isto é, apenas e somente os encargos de beneficiário estabelecidos na Tabela da
ADSE;
115. E não um qualquer preço que a Clínica livremente entenda estabelecer.
116. Consequentemente, os utentes são lesados na medida em que em vez de pagar o
encargo de beneficiário da ADSE, paguem um valor superior ao preço do acto
praticado.
117. Por outro lado, os utentes de um dado subsistema são igualmente lesados quando
um prestador não cumpra as regras próprias estabelecidas por tal subsistema a que
livremente aderiu;
118. E que pode conduzir, a final, a uma redução da cobertura que normalmente teria
direito enquanto beneficiário do subsistema.
119. Claro está, tanto é o que se verifica quando um prestador cobre ao utente valores
superiores ao encargo de beneficiário que seria devido;
120. Mais igualmente quando pratique, e agindo ainda como se de uma entidade
convencionada se tratasse, actos que não se achem incluídos na convenção que
celebrou com o subsistema em causa.
121. Consequentemente, e nos termos do artigo 25.º, n.º 1 al. c), do Decreto-Lei n.º
309/2003, de 10 de Dezembro, o comportamento descrito da Clínica Arrifana
relativamente ao utente A. põe em causa os direitos e interesses legítimos dos
utentes, quer na medida em que os preços administrativamente fixados nas Tabelas
do Regime convencionado da ADSE não foram respeitados, quer na medida em que a
Clínica, agindo ainda como se de uma entidade convencionada se tratasse, praticou
actos que não se acham incluídos na convenção que celebrou com a ADSE.
27 Cfr. n.º 1 do artigo 4.º do acordo celebrado entre a Clínica Arrifana e a ADSE, junto aos autos.
21
IV.3 – Enquadramento das exposições relativas aos utentes C. e P.
122. Já relativamente aos factos relativos às exposições apresentadas por F. e P., as
mesmas acham-se ligadas pela mesma questão essencial, a saber, a da utilização,
em benefício da Clínica Arrifana e de clínicos que na mesma exercem as suas
actividades, de acordos celebrados com a ADSE por prestadores de cuidados de
saúde a título individual – in casu do acordo celebrado pelo Dr. Carlos Alberto Nunes
Ferreira Gomes -, que ademais não correspondem àqueles que efectivamente
prestaram os cuidados de saúde.
123. Repare-se que a Clínica Arrifana, através do seu colaborador Dr. Virgílio Abreu,
procedeu, relativamente à utente P., como se de uma entidade convencionada com a
ADSE para a valência de generalista (clínica geral) se tratasse, na medida em que
cobrou à utente o valor de €3,99, o qual corresponde ao valor do encargo do
beneficiário previsto na tabela do regime convencionado da ADSE; e
124. Deu a assinar à utente o Modelo 14 da ADSE, do qual consta a referência a uma
consulta de clínica geral no dia 2 de Julho de 2007, um encargo de beneficiário no
montante de € 3,99 e um montante de encargos da ADSE de € 14,47;
125. Sendo certo que, em tal momento da assinatura do Modelo 14 pela utente, o
mesmo não se achava preenchido na parte da identificação do prestador.
126. Por outro lado, o recibo entregue à utente foi emitido pela Clínica Arrifana e
contendo a identificação da mesma;
127. Sendo que aquele que foi entregue à utente contém a identificação do clínico como
“Dr. Carlos Ferreira Gomes”.
128. Ora, da segunda via desse mesmo recibo enviado à ERS pela Clínica Arrifana já
não consta a identificação de qualquer clínico, apenas surgindo a menção a “Consulta
de Clínica Geral”.
129. E o referido Modelo 14 da ADSE, enviado pela Clínica Arrifana à ERS, que é
utilizado para o envio à ADSE no âmbito da facturação dos encargos da ADSE, já se
encontrava preenchido com a identificação do clínico, sendo que o mesmo é
identificado como “Dr. Carlos Ferreira Gomes”.
130. Porém, não foi tal profissional de saúde, aliás detentor da convenção com a ADSE
22
- e cujo nome surge no recibo entregue à utente, bem como no Modelo 14
apresentado à ADSE -, a prestar o cuidado de saúde ao utente;
131. Não tendo tido a utente, em momento algum durante a prestação de serviços de
saúde, conhecimento da real situação de ausência de acordo, na valência de clínica
geral, entre a Clínica Arrifana ou entre o concreto clínico que lhe prestou os serviços e
a ADSE;
132. Nem tampouco da falta de correspondência entre o prestador individual que
efectivamente prestou os cuidados de saúde e o prestador que lhe emitiu o recibo,
bem como à ADSE.
133. E note-se que a exposição apresentada por F. demonstra que a Clínica Arrifana se
comportou, também em tal situação, como se de uma entidade convencionada com a
ADSE para a valência de generalista (clínica geral) se tratasse;
134. Tanto sendo o que claramente resulta do facto de a funcionária da Clínica Arrifana
presente ter informado o exponente que “(…) a Clínica não aceitava o cartão da ADSE
aos fins-de-semana mas apenas de 2.ª a 6.ª feira (desde que não seja também
feriado) e apenas das 08h00 às 20h00, e que teria que pagar a consulta por inteiro (€
34,00) (…)”28;
135. Ou seja, a qualquer utente que se dirija à Clínica Arrifana em dias úteis e no
referido horário, e independentemente do concreto clínico geral que preste a consulta
– e in casu não foi, igualmente, um dos clínicos que possuem convenção com a ADSE
para tal valência a prestar a consulta -, a Clínica agirá como se de uma entidade
convencionada se tratasse.
136. De todo o exposto resulta então e também que
(i) ao fazer uso, em seu benefício, de acordos celebrados com a ADSE por
prestadores de cuidados de saúde a título individual, que ademais não
correspondem àqueles que efectivamente prestaram os cuidados de saúde; e
(ii) ao omitir da falta de correspondência entre o prestador que efectivamente
prestou os cuidados de saúde e os prestadores, individuais e colectivos, que
emitiram os recibos à ADSE,
28 Cfr. reclamação apresentada pelo exponente, junta aos autos.
23
a Clínica Arrifana, bem como os restantes prestadores de cuidados de saúde
envolvidos estarão a lesar os interesses legítimos dos utentes, designadamente, o
interesse fundamental da transparência nas relações com os utentes, transparência
essa que se apresenta como instrumental do direito à informação e do direito à
liberdade de escolha – cfr. Base XIV da Lei de Bases da Saúde.
137. E não se pode olvidar que um utente recorrerá aos serviços de um prestador em
função da sua reputação ou da existência de uma determinada convenção (ou
simultaneamente em função cumulativa destas duas características), as quais serão,
em qualquer caso, relevantes na escolha do utente;
138. E seguidamente à escolha e recurso a um prestador de cuidados de saúde,
estabelecer-se-á uma relação contratual de confiança com o mesmo, a qual
subentende uma necessidade de transparência na integralidade dos pressupostos
subjacentes à mesma.
139. Ou seja, o utente terá que obter do prestador toda a informação necessária, sob
pena de lesão, directa ou indirecta, actual ou potencial, do seu direito fundamental e
constitucionalmente consagrado de acesso aos cuidados de saúde;
140. Bem como uma lesão dos direitos do utente ao consentimento informado e
esclarecido (al. b) e e) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde) e,
consequentemente, do direito de escolher livremente o agente prestador de cuidados
de saúde (al. a) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde), na medida que o
utente procurou um bem/serviço (prestação de cuidados de saúde) com uma
determinada reputação e em função de um determinado pressuposto (de que possuía
convenção com a ADSE) inexistente;
141. O comportamento das entidades em causa poderia ainda ter, potencialmente,
posto em causa os interesses financeiros da utente P., caso a entidade financiadora
(ADSE) se recusasse a pagar os cuidados de saúde praticados por uma entidade
diferente daquela que emitiu o recibo e que com ela celebrou uma convenção.
142. Dito de outro modo, a utente poderia ter sido lesada na medida em que em vez de
pagar o encargo de beneficiário da ADSE, teria que pagar na totalidade o preço do
acto praticado.
143. Assim, e nos termos do artigo 25.º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10
24
de Dezembro, entende-se que
(i) os comportamentos descritos da Clínica Arrifana violaram os direitos e
interesses legítimos da utente C.;
(ii) os comportamentos descritos da Clínica Arrifana e do Dr. Carlos Alberto
Nunes Ferreira Gomes violaram os direitos e interesses legítimos da utente
P..
IV.4 Conclusão
144. Tudo visto, e nos termos do artigo 25.º, n.º 1 al. c), do Decreto-Lei n.º 309/2003, de
10 de Dezembro, considera-se que o comportamento descrito da Clínica Arrifana
relativamente ao utente A. põe em causa os direitos e interesses legítimos dos
utentes, quer na medida em que os preços administrativamente fixados nas Tabelas
do Regime convencionado da ADSE não foram respeitados, quer na medida em que a
Clínica, agindo ainda como se de uma entidade convencionada se tratasse, praticou
actos que não se acham incluídos na convenção que celebrou com a ADSE.
145. Por outro lado, considera-se igualmente, e sob a mesma égide, que os
comportamentos descritos da Clínica Arrifana, traduzidos numa ausência de
transparência na integralidade dos pressupostos subjacentes à relação entre
prestador e utente, lesiva
(i) quer do direito de acesso aos cuidados de saúde;
(ii) quer dos direitos do utente ao consentimento informado e esclarecido e,
consequentemente, do direito de escolher livremente o agente prestador de
cuidados de saúde
violaram os direitos e interesses legítimos da utente C..
146. Por último, considera-se ainda que, sempre nos termos do artigo 25.º, n.º 1, al. c)
do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro, os comportamentos descritos da
Clínica Arrifana e do Dr. Carlos Alberto Nunes Ferreira Gomes relativamente à utente
P., na medida em que assentaram
(i) numa ausência de transparência na integralidade dos pressupostos
25
subjacentes à relação entre prestador e utente;
(ii) na utilização de acordos celebrados com a ADSE por prestadores de
cuidados de saúde a título individual, que ademais não correspondem
àqueles que efectivamente prestaram os cuidados de saúde; e
(iii) na falta de correspondência entre o prestador que efectivamente prestou os
cuidados de saúde e os prestadores, individuais e colectivos, que emitiram
os recibos à ADSE,
violaram os direitos e interesses legítimos da utente.
V. DECISÃO
147. Face a todo o exposto, o Conselho Directivo da ERS delibera, nos termos e para
os efeitos do preceituado nos artigo 27.º e 36.º do Decreto-Lei n.º 309/2003, de 10 de
Dezembro, emitir uma instrução, dirigida à Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A. e
ao Dr. Carlos Alberto Nunes Ferreira Gomes, nos seguintes termos:
a) Em todos os actos praticados pela Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A.,
ao abrigo da convenção com a ADSE, devem ser cobrados os valores
estabelecidos na Tabela do Regime Convencionado da ADSE e devem ser
emitidos correctamente (incluindo a descrição exacta do acto praticado) os
recibos correspondentes.
b) O descritivo dos recibos emitidos pela Clínica Médica Arrifana de Sousa,
S.A. deve fazer menção ao(s) acto(s) de saúde praticado(s).
c) Deverá ser reembolsado pela Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A. ao
utente A. o valor que venha a corresponder à diferença entre o montante
pago e o valor efectivamente devido por aplicação do disposto nas alíneas
a) e b) supra.
d) A Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A. não pode, quando aja ainda como
se de uma entidade convencionada se tratasse, praticar actos que não se
achem incluídos na convenção que celebrou com a ADSE;
e) A Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A. não divulgará, por qualquer meio,
possuir acordo com a ADSE para a prestação de cuidados de saúde
26
relativamente a valências ou actos não cobertos pelo acordo efectivamente
existente;
f) A Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A., seja directamente ou através de
qualquer dos seus colaboradores clínicos, não fará recurso, em qualquer
situação, a acordos ou convenções de que não seja parte.
g) O Dr. Carlos Alberto Nunes Ferreira Gomes deverá cessar, ou fazer
cessar, de imediato qualquer comportamento por qualquer outra entidade
ou pessoa, individual ou colectiva, directa ou indirectamente ligado à
utilização da convenção que detém com a ADSE.
h) A Clínica Médica Arrifana de Sousa, S.A. e o Dr. Carlos Alberto Nunes
Ferreira Gomes devem dar conhecimento à ERS, no prazo máximo de 30
dias após a notificação da presente deliberação, de todas as acções
adoptadas para cumprimento da presente instrução.
148. Da presente deliberação será dado conhecimento à ADSE.
149. A presente decisão será publicitada no sítio oficial da Entidade Reguladora da
Saúde, na Internet.
Porto, 7 de Agosto de 2008
O Conselho Directivo