DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's,...

25
Somanlu , v.1, nº 1, 2000..... 83 Vivemos hoje um momento bastante par- ticular na história da História do Brasil, onde o indiscutível avanço da produção acadêmica – tendo conseguido reforçar os espaços de institucionalização das pesquisas e publica- ções da área – continua esbarrando na dificul- dade de ampliar sua esfera de ação frente a um público leitor não acadêmico, ou mesmo, fren- te ao universo estudantil do 1º e 2º graus, onde a chamada história tradicional mantém-se teimosamente ativa. Esse descompasso pode ser percebido também na dificuldade com que os profissionais da área têm tentado anular, ou pelo menos refrear, as contínuas intenções gover namentais que buscam legitimar proje- tos con temporâneos de dominação, através de re cu perações mit ificadoras do passado na cio nal. Nesta perspectiva, não deixa de ser in- quie tanteo vigor com que formulações pouco críticas acerca do nosso passado – a idéia de “500 Anos de Brasil”, por exemplo – são coti- dianamente lançadas à população, seja por D De e v vi i c ce e- - r re e i in no o à à P Pr r o ov ví í n nc ci i a a: : t te en n s sõ õ e es s r r e eg gi i o on na a l li i s s t ta as s n no o G Gr r ã ão o- - P Pa ar r á á n no o c c o on nt t e ex xt t o o d da a e em ma an n c ci ip p a aç çã ão o p po ol l í ít t i i c ca a b br r a as s i il l e ei i r ra a 1 1 Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro* *Doutor em História, professor do Departamento de História e do Mestrado em Natureza e Cultura na Amazônia da Universidade do Amazonas. RESUMO O artigo busca recuperar um conjunto de tensões que marcaram o processo de adesão do Grão-Pará ao Império Brasileiro, mostran- do-o como contrário aos anseios de parte importante dos setores dominantes locais. Para tais setores, o novo processo de territoria- lização secundarizava a região e alijava as li- deranças locais dos espaços decisórios, além de obstaculizar os anseios de ascensão social. Articulados em torno de um grupo de políti- cos liberais, o discurso regionalista vai sendo lentamente ampliado ao longo da década de 1820 e estará na base das manifestações políti- cas que culminarão na Cabanagem. Palavras-chave: Amazônia, regionalismo, emancipação política. ABSTRACT This article seeks to analyze the set of ten- sions which marked the process of adhesion of Gran-Pará to the Brazilian empire. The results of this process is understood as having been con- trary to the desires of an important part of the dominant local sectors. For these sectors, the new territorial process placed the region in a secondary plane the national context, removed the local leadership from the place where deci- sions were made, and created obstacles to the desires of social ascension. Articulated around a group of liberal politician, this dissident seg- ment took on a regional discourse which slowly grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the seditious movement known as “Cabanagem". Key Words: Amazon Region, regionalism, political emancipation.

Transcript of DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's,...

Page 1: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 8833

Vivemos hoje um momento bastante par-ticular na história da História do Brasil, ondeo indiscutível avanço da produção acadêmica– tendo conseguido reforçar os espaços deinstitucionalização das pesquisas e publica -ções da área – continua esbarrando na dificul-dade de ampliar sua esfera de ação frente a umpúblico leitor não acadêmico, ou mesmo, fren -te ao universo estudantil do 1º e 2º graus, ondea chamada história tradicional mantém-seteimosamente ativa. Esse descompasso podeser percebido também na dificuldade com que

os profissionais da área têm tentado anular, oupelo menos refrear, as contínuas intençõesgover namentais que buscam legitimar proje-tos con temporâneos de dominação, atravésde re cu perações mitificadoras do passadona cio nal.

Nesta perspectiva, não deixa de ser in -quie tante o vigor com que formulações poucocríticas acerca do nosso passado – a idéia de“500 Anos de Brasil”, por exemplo – são coti -dianamente lançadas à população, seja por

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá nnoo ccoonntteexxttoo ddaa eemmaanncciippaaççããoo ppoollííttiiccaa bbrraassiilleeiirraa11

Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro*

*Doutor em História, professor do Departamento de História e do Mestrado em Natureza e Cultura na Amazônia daUniversidade do Amazonas.

RREESSUUMMOO

O artigo busca recuperar um conjunto de

tensões que marcaram o processo de adesão

do Grão-Pará ao Império Brasileiro, mostran-

do-o como contrário aos anseios de parte

importante dos setores dominantes locais.

Para tais setores, o novo processo de territoria -

lização secundarizava a região e alijava as li -

deranças locais dos espaços decisórios, além

de obstaculizar os anseios de ascensão social.

Articulados em torno de um grupo de políti-

cos liberais, o discurso regionalista vai sendo

lentamente ampliado ao longo da década de

1820 e estará na base das manifestações políti-

cas que culminarão na Cabanagem.

Palavras-chave: Amazônia, regionalismo,

emancipação política.

AABBSSTTRRAACCTT

This article seeks to analyze the set of ten-

sions which marked the process of adhesion of

Gran-Pará to the Brazilian empire. The results of

this process is understood as having been con -

trary to the desires of an important part of the

dominant local sectors. For these sectors, the

new territorial process placed the region in a

secondary plane the national context, removed

the local leadership from the place where deci-

sions were made, and created obstacles to the

desires of social ascension. Articulated around a

group of liberal politician, this dissident seg-

ment took on a regional discourse which slowly

grew in the decades of the 1820's, and became

on of the pillars the political manifestations

which culminated in the seditious movement

known as “Cabanagem".

Key Words: Amazon Region, regionalism,

political emancipation.

Page 2: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

intermédio da mídia eletrônica, seja por meiode projetos educacionais, como no caso atualdos PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacio -nais. Nestas formulações emerge constante-mente a idílica visão de um Brasil sem confli-tos e potencialmente próspero, um Brasil quese faz de forma harmônica e consensual a par-tir das contribuições diversas de seu povo,mas, um Brasil que também exige abnegação erecusa, uma vez que, em tais formulações, osdilemas pessoais e locais não devem jamais seinterpor diante do projeto nacional, tido comomaior e mais relevante. No en tanto, ao assimproceder, essa perspectiva escamo teia e omiteos conflitos étnicos, religiosos, regio nais e declasse, que sempre estiveram presentes nasociedade brasileira ao longo de toda a suahistória.

Por outro lado, a força de tais perspecti-vas só pode ser adequadamente compreendidase levarmos em conta que ela também serespalda num certo saber historiográfico pro-duzido na academia; o que significa dizer quemuitos historiadores brasileiros ainda mani-festam-se coniventes com um tipo de históriaque, modelada ao longo do século passado,centrou sua atenção na construção de umahistória nacional, a qual emergia “natural-mente” como fruto de pretensões políticasconsensuais entre os vários segmentos sociaisdos mais diversos espaços do país.

Nesse artigo, gostaríamos de salientar aartificialidade dessa construção discursivaque produz “consensos” e silêncios e unificauma memória da “nação” até mesmo onde elanão existe. Cen tra remos nossos argumentos narecuperação dos antagonismos que estiverampresentes num mo men to crucial da formaçãodo Estado Nacional Brasileiro, o de seu pro -cesso de Emancipação Polí tica, já que ele temsido investigado no interior da nossa historio -grafia em suas dimensões exclusivas de

oposição ao colonialismo lusitano. Da mesmaforma, a incorporação de novos espaços colo-niais à órbita do poder da Corte Brasileiraapós 1822 tem sido sistematicamente recupe -rada como conseqüência natural de um pro -cesso de reafirmação da nacionalidade repre-sada pelo jugo colonial português, sem refletirmais demoradamente sobre as conseqüênciasdessa nova espacialização para os diversosgrupos sociais presentes no interior dessevasto mundo colonial.

Trata-se, portanto, de buscar um rompi-mento com uma tradição historiográfica quealimentou interpretações nativistas da His tó -ria do Brasil,2 tarefa que nos impõe a adoçãode perspectivas diferenciadas, capazes de fla-grar outros antagonismos presentes naquelecontexto histórico. Re cu sando compreender oprocesso de emancipação política a partir daperspectiva unicista que elege a Corte do Riode Janeiro como o espaço exclusivo onde apolítica colonial (portuguesa e brasileira) eraproduzida e administrada, buscamos umolhar periférico que abrisse a possibilidadepara a recuperação de vozes, dilemas e ten-sões dissonantes produzidas e vivenciadas noGrão-Pará ao longo daquele momento. Naanálise do processo de eman cipação políticabrasileiro pouco espaço foi destinado para oacompanhamento das tensões internas, in -clusive para aquelas que desembocaram empropostas centrífugas e autonomistas. Nestesentido, acreditar que no início do séculoXIX as perspectivas do Grão-Pará passassempela vontade consensual de seus habitantesem estabelecer um atrelamento com o gover-no sediado no Rio de Janeiro, é desconside rartanto o peso de um passado de vida autôno-ma que as duas colônias de Portugal naAmérica (Brasil e Grão-Pará) vivenciaram aolongo de séculos, quanto as relações de poderque perpassavam o projeto de unificaçãonacional.

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.8844

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 3: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

De imediato, é preciso reconhecer que osdesdobramentos políticos que operaram nomundo colonial português nos primeiros anosdo século XIX, longe de entrarem no Parádeslocados do veio por onde fluía a vida colo-nial, materializavam-se no chão dos conflitosinternos e eram igualmente assimilados a par-tir das reelaborações que os diversos sujeitossociais da colônia produziam a partir de seusinteresses e perspectivas.

A mudança da Corte portuguesa para oRio de Janeiro é um destes acontecimentosque precisam ser também questionados a par-tir das expectativas que as elites políticas doGrão-Pará haviam adquirido ao longo doprocesso anterior de sua formação, sob penade se cair na visão equivocada de ver o Brasilcomo uma unidade política preexistente aoprocesso de sua própria constituição. A for-mação do Estado Nacional no Brasil transcen-deu a mera incorporação de territórios maisou menos dispersos (Províncias do Norte) àzona de influência e controle da Corte do Riode Janeiro, sendo antes um lento e intrincadoprocesso de mediações, conflitos e experi-mentações, só se consolidando na segundametade do século XIX (Carvalho, 1980: 20).

O que se quer enfatizar é que a vinda daCorte para o Rio de Janeiro despertou no Parásentimentos diversos que se mesclavam deforma ambígua. A euforia trazida aos setoresligados à produção para exportação, com aAbertura dos Portos (1808) e a assinatura dotratado comercial com a Inglaterra (1810), nãoconseguiu abafar os ressentimentos decor-rentes de um reforço no enquadramentosecundário que se passou a dar à regiãodurante toda a vigência do Reino Unido(Portugal, Brasil e Algarve).

Não há dúvida, no entanto, de que esteseventos foram impactantes tanto do ponto de

vista político quanto do ponto de vistaeconômico, significando possibilidades maio -res para a ampliação das margens de lucro dosproprietários paraenses,3 já que as limitaçõesdo controle monopolista imposta pelos nego-ciantes de Lisboa acabaram sendo bastanteatenuadas pela presença cada vez mais cons -tante de negociantes estrangeiros, principal-mente norte-americanos4 e ingleses.

A presença de comerciantes ingleses, porexemplo, criou descompassos na antiga corre-lação de forças, secundarizando, em algunscasos, os re presentantes da burguesia lusitana,cujos interesses apresentavam-se já bastanteenraizados na colônia. No entanto, a suprema-cia de elementos portugueses controlando ocircuito comercial do Pará continuou a ser umfato importante e, se após 1808 eles passarama sofrer a presença incômoda dos ingleses noramo da importação e exportação, não dei xa -ram nunca de monopolizar o pequeno comér-cio varejista em Belém e nas principais locali-dades da região, consolidando uma tradiçãoque se manteve mesmo após a Cabanagem.

O ocaso da burguesia comercial por-tuguesa no Pará não foi rápido e, muitomenos, completo, já que do ponto de vistapolítico é preciso reconhecer que eles conti -nua ram a atuar como força poderosa a partirde sua nova configuração. Além do mais, aentrada dos comerciantes estrangeiros, fragi -lizando seus interesses econômicos, levou-osa assumirem explícitas manifestações deinconformismo frente à nova situação coloniale reforçarem internamente, após 1823, as aspi-rações restauradoras da antiga ordem.

No plano econômico, a chegada de ingle-ses e norte-americanos, com seus recursos eposses, contribuiu para engrossar os segmen-tos abastados da Província e reavivar o comér-cio exportador, minimizando – ao menos em

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 8855

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 4: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

Belém e seus arredores – os efeitos da desar-ticulação econômica provocada no vastosertão amazônico pela adoção das medidas doDiretório Pombalino, entre 1757 e 1798. Comefeito, temos insistido na necessidade de rela-tivização dos resultados da ação pombalina nadesmontagem da estrutura econômica regio -nal, por entendermos que ela apresentou umaespacialidade diversificada, mostrando-sedramática nos locais mais afastados da capital– onde o número de aldeamentos coloniaischegou a se retrair de forma abrupta5 –, masfortalecendo as atividades eco nô micas – in -clu sive o incremento da produção agrícola –em Belém e seus arredores (rios Guamá, Ca -pim, Moju e Acará), locais onde começou aprosperar o pequeno, porém significativo, gru -po de fazendeiros e lavradores que, entre anos1820-40, estiveram na base das contradiçõespolíticas regionais.

De fato, as observações de Spix e Martiusconfirmam o aumento significativo no nú me -ro de brancos no Grão-Pará, ou pelo menos emBelém e seus arredores, por volta de 1820,uma vez que os naturalistas não puderamdeixar de notar que ali o número de habitantesda alta burguesia de sangue europeu puro[era] relativamente maior que em outrascidades de colonização portuguesa no Brasil(Spix e Martius, 1980: 25. Grifos nossos).Embora a crise econômica geral da colôniatenha sido também enfatizada, os dois via-jantes não deixaram de reconhecer o dinamis-mo econômico da capital da Província, razãopela qual, diziam eles, seus habitantes vanglo-riavam-se bastante, lembrando a amplitude desua pauta de exportações que incluía mais de40 itens. Em contraste com o caótico sertão, oviajante que olhasse apenas para Belém, pelomenos até o início dos anos 1820, não perce-beria grandes inquietações de sua elite no quese referia à pretensa situação de estagnação oumesmo de retrocesso econômico. Bem ao con-

trário, a tendência seria acabar reconhecendo,tal como fi zeram os naturalistas alemães, quetudo ali parecia “dar a impressão de uma vidadoméstica feliz”.6

Desta forma, chegou o Grão-Pará ao iní-cio da década de 1820 como uma região estru-turalmente modificada, expressando densida -des e contra dições muito mais complexas queas existentes há setenta anos. Havia experi-mentado uma expansão econômica impor-tante e recebido uma leva significativa deinvestimentos estatais, verticalizados princi-palmente em sua capital e arre do res. Noentanto, o início da década de vinte serviutambém como um marco do esgotamento detodo esse processo e da abertura de um perío-do acentua damente letárgico e repleto de agi-tações políticas de extrema gravidade.

Se as dimensões econômicas da regiãopare ciam até mesmo ter se ampliado com amudança da Corte para o Brasil, os siste má -ticos processos de rearticulação administra-tiva foram, por sua vez, mal recebidos, postoque as elites oligárquicas paraenses viram-selentamente alijadas dos centros decisóriosde poder, na mesma proporção em que iadimi nu indo sua representatividade no inte-rior do Reino. A política da Corte portugue-sa no Brasil, evitando criar protestos e dis-túrbios nas províncias do Sudeste, mantinhao fisco reduzido no Rio de Janeiro e SãoPaulo, enquanto sobretaxava as áreas maisdistantes, deixando cada vez mais evidenteque estava em curso um processo de margi -nalização das províncias do Norte. Não sepode esquecer, inclusive, que todos os gastoscom a montagem e manutenção das tropasportuguesas em Caiena (1809-1817) foramdeixados a cargo dos cofres públicos pa -raenses, atitude que motivou as autoridadeslocais a dobrar os impostos pagos pela po -pulação.

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.8866

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 5: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

O descontentamento com a nova situaçãoapareceu não só na forma de protestos emotins populares, mas também na recriaçãode um passado mitificado, que identificava operíodo da admi nistração do Marquês dePombal como a “época dourada” da região.Com efeito, a administração pombalina foisempre recuperada de forma positiva pelapopulação do Grão-Pará, que reconhecia terela centrado esforços para realizar o soergui-mento da região e torná-la um dos centrosprio ritários do Império Colonial Português.7

Com efeito, a reestruturação administra-tiva do Reino efetivada pelo Marquês afetoupositivamente a esfera de poder na região,com a extinção, em 1751, do antigo Estado doMaranhão (criado em 1621) em proveito donovo Estado do Grão-Pará e Maranhão, cujaconseqüência imediata foi a mudança da sede,de São Luís para Belém. O impacto maiordessa mudança materializou-se em investi-mentos de infra-estrutura que acabaram portransformar Belém numa cidade modernapara os padrões da época. Quando vinte e umanos mais tarde (1772) novo desmembramen-to foi efetivado – desta vez separando o Estadodo Maranhão (que incluía a Capitania doPiauí) do Estado do Grão-Pará e Rio Negro – aregião continuou a gozar de atenção especialpor parte do poder metropolitano.

Houve mesmo quem pensasse (e nãoforam poucos) que as pretensões de Pombalpara com a Amazônia eram ilimitadas. Quasecem anos depois do início da administraçãopombalina, Daniel Kidder lembrou do sonhoque a região havia acalentado “durante o go -verno do inteligente, mas ambicioso primeiroministro português, Marquês de Pombal, queacalentava a idéia maravilhosa de ver trans-ferido das margens do Tejo para as doAmazonas o trono de Portugal e seus do mí -nios”. (Kidder, 1980: 188. Grifos nossos).

Membro importante da expedição doBarão Langsdorff à Amazônia, HerculesFlorence tinha recolhido anos antes de Kidderdepoimentos de vários habitantes da regiãoque lembravam com grande saudosismo umaépoca em que o Grão-Pará gozava de umaatenção especial por parte do poder metropo -li tano. Na verdade, não importa muito se aproposta de criação do Vice-Reino do Grão-Pará te ve ou não base na realidade, o queimporta sobre ma neira é o fato dessa proposta(real ou imaginária) ter sido recolhida e assi -mi lada pelos habitantes da re gião, fato que opróprio Florence chegou a reco nhecer:

Contaram-me que o ilustre Marquêsde Pombal concebera sobre os desti-nos do Brasil e particularmente daProvíncia do Pará o plano maisextraordinário que jamais preocu-para o pensamento de um homem deEstado, plano que, realizado, não en -contraria igual na história senão a cé -lebre retirada dos hebreus do Egito(...)Na esperança de fundar o mais vastoImpério do mundo e querendo le -vantar-lhe a capital à margem domaior rio da terra, tinha o ministroescolhido a cidade do Grão-Pará emrazão de sua colocação sobre oAmazonas, cujo curso de milharesde léguas é caminho franco e abertopara os Andes, tornando-se os seusgrandes tributários outros tantosbraços de comunicação com aAmérica Meridional.Li uma memória escrita na qualvinha uma exposição desse gigan-tesco plano. Quimérico ou não, diz oautor, a ele deve a Província do Paráos progressos que fez no governo doMarquês de Pombal, vendo sua ca -pital enriquecida de grandes edifí-

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 8877

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 6: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

cios, tais como o palácio do governo,o teatro, o arsenal, etc... (Florence,1977: 308-9).

Deste ponto de vista, era natural que após1751 os grupos dominantes do Grão-Pará sesentissem prestigiados por um poder metro-politano que até então os havia relegado aoesquecimento. Agradava aos principais habi-tantes do Pará verem-se ligados diretamenteao Reino, sem ter de recorrer à sempre onerosamediação das autoridades e dos comerciantesde São Luís. Referindo-se ao momento da cria -ção do Estado do Grão-Pará e Maranhão, lem-bra Marilene Corrêa da Silva

que Belém passa a ser a sede daAmazônia Lusitana. Mas a diversi-dade econômica e fisiográfica desteEstado não comportava na adminis-tração do Vice-Reino do Brasil.Exigiam o estatuto de Vice-Reino,diretamente ligado a Lisboa, quepudessem dar conta dos espanhóis,dos franceses, dos índios resistentes.No Estado do Grão-Pará e Rio Negro,repousava o projeto da AmazôniaPortuguesa (Silva, 1989: 157).

Equiparado em status jurídico às demaiscolônias lusitanas, os habitantes do Grão-Parásentiram fortemente a mudança do Reino parao Rio de Janeiro e a posterior reincorporaçãodo Estado do Grão-Pará e Rio Negro (agorareduzido à mera condição jurídica de Pro vín -cia) ao Brasil. Além do mais, três séculos dedominação colonial portuguesa na região ser -viram para acentuar o já imenso isolamentogeográfico existente entre ela e as diversasáreas do Brasil Colonial. Pouca comunicaçãofoi feita antes de 1808 com o Rio de Janeiro,com a Bahia ou Pernambuco e mesmo depoisda emancipação política o comércio entrePará e Rio de Janeiro continuou inexpressivo.

Neste sentido, basta vizualizar o quadro de -monstrativo da movimentação do Porto de Be -lém em 1828, reproduzido na obra de IgnácioAccioli, para constatar que nem ao menos umúnico navio, dos cerca de 120 listados, apa -rece como tendo demandado do Rio de Janeiroou para lá se dirigindo (Silva, 1989: 154).

A diversidade econômica entre as duascolônias também era grande e dificultava umaaproximação de interesses entre os seus maisilustres moradores e representantes (as eliteseconômicas) e inviabilizava a formação decomposições políticas sólidas que fossemalém do nível meramente regional.

Mais grave, no entanto, foi o fato datransfe rência da Corte ter se processado nasbases em que ocorreu, com os cofres metro-politanos exauridos não só pelo esforço derealocação da nobreza palaciana no Rio, masprincipalmente pelo fato da produção açu-careira do Brasil – base sobre a qual se assen-tava a economia colonial – estar vivenciando,naquele momento, uma de suas crises maisagudas. Não fosse o bastante, havia ainda anecessidade de reconstrução do antigo Reino,totalmente devastado após a invasão dastropas francesas do General Junot.

Como já salientamos, o resultado imedia-to dessa conjuntura assaz desfavorável foi aopção por sobretaxar com impostos e con-tribuições compulsórias as áreas mais afas-tadas da nova sede, evitando-se com isso oinconveniente de tumultos e levantes (noCentro-Sul) que colocassem em risco a pre-sença (física, inclusive) da Corte no Rio deJaneiro. Com efeito, o peso fiscal aumentousobremaneira, a ponto de os comerciantes deBelém terem que desembolsar, em 1820, asoma de 70:000$000 réis apenas para pagar osimpostos de exportação cobrados pelo Estado(Spix e Martius, 1980: 32), o que representava,

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.8888

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 7: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

para o contexto paraense, uma soma bastanteelevada. No inte rior amazônico, os gover -nadores da Capitania do Rio Negro também seesmeraram em implementar medidas fiscaisonerosas. Arthur Reis comenta que durante aadministração de José Joaquim Vitório daCosta (1806-1818) foram criados “impostosescorchantes, desanimando as tentativas agrí-colas”8.

Correram também por conta da Provínciado Pará boa parte das despesas de manutençãoda anexação da Guiana Francesa, num esforçoque incluiu, além de capitais, o envio detropas da região, muitas vezes arregimentadasde forma arbitrária e compulsória. A anexaçãoprolongada de Caiena (1809-1817) impôs aoGrão-Pará sacrifícios grandiosos que afetaramo conjunto da sociedade. Neste particular, odepoimento de Baena não deixa margens paradúvidas: “O povo se queixa e murmura aeminência do preço da farinha de mandioca; aqual é devida a grande saca que dão para aconquista de Caiena a este precioso artigo dealimento do homem” (Baena, 1969: 278). Aavalia ção é a mesma para os estudiosos con-temporâneos desse período, tendo CiroFlamarion Cardoso lembrado que “os efeitosimediatos da conquista da Guiana Francesaforam catastróficos para o Pará”, e que porforça des se envolvimento, ficou bastante“precário o es tado do abastecimento de Beléme do Pará em geral, e das finanças militaresparaenses, que a aventura veio abalar...”(Cardoso, 1984: 154-5).

Partindo desse contexto, torna-se forçosoreconhecer que havia tensões de sobra paraque no Pará os grupos oligárquicos domi-nantes canali zassem seus anseios e insatis-fações para dentro do debate mais geral sobrea montagem e reestruturação do Império noBrasil, no início da década de 1820. Comefeito, associado ao recrudescimento econô -

mico ocorrido nas primeiras décadas do sécu-lo XIX, o acirramento da luta política duranteo processo de emancipação e as tensões que seestabeleceram entre as posturas centralizado-ras e regionalistas manifestas no interior dorecém-criado Império Brasileiro engendraramuma ambiência de insatisfações, onde gruposeconômicos cujo poder parecia esvair-se nocontexto das novas estruturas políticas doImpério elevavam o tom de suas críticas até olimite do enfrentamento armado.

O debate político aberto no Pará ao longoda década de 1820, recuperando os tradi-cionais anta gonismos entre “reinóis” e “na -cionais”, tendia a ir adquirindo densidades eproporções cada vez maiores e mais dramáti-cas. No entanto, ele não deve ser entendido deuma forma isolada, como se as contradiçõesentre as duas correntes políticas emanassemunicamente da consolidação de uma “cons -ciência nacional” entre os “brasileiros doPará” em confronto com as pretensões restau-radoras dos portugueses.

Tomados isoladamente, os termos “cons -ciência nacional” e “brasileiros do Pará”diziam muito pouco para a imensa maioria dapopulação regional – em especial para diver-sos grupos indígenas que ainda mantinham-seem luta por sua integridade física e étnica – esua insistente utilização pelos propagandistasda emancipação política deve passar peloentendimento de que tais termos serviamantes como construções discursivas habil-mente trabalhadas pelas elites em suas dis-putas por poder e prestígio. Não se quer dizercom isso que eram idéias de todo abstratas oumesmo vazias de conteúdo, mas é difícilacreditar que sua incorporação se fizesse deforma “natural” e homogênea em todo o con-junto da população paraense. Da mesmaforma, sua utilização pela historiografia comose fossem valores universalmente aceitos e

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 8899

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 8: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

inquestionáveis no âmbito do Grão-Pará temservido apenas para escamotear o fato de quea emergência de uma “consciência nacional”expressava uma situa ção muito específica degrupos socioeconômicos locais e que sua uti-lização no interior dos discursos políticos dosliberais paraenses, por vezes, encobria situa -ções conflituosas no seio de uma sociedadeque percebia a sua incorporação em um con-texto nacional não só de forma ambígua, masaté mesmo pessimista.

Partindo desta hipótese, é possível argu-mentar no sentido de que a Cabanagem (revol-ta popular que agitou o Grão-Pará ao longo dadécada de 1830), melhor que qualquer outroepisódio da história regional, expressou essapercepção dos fatos e, em certa medida,traduziu em luta os sentimentos pessimistasde parte dos segmentos dominantes no Parápara com o novo Império do Brasil. Se dentreos três governantes cabanos (Félix Malcher,Francisco Vinagre e Eduardo Angelim) asidéias de rompimento com o Império nãoforam incorporadas explicitamente, não sig-nifica que elas tenham deixado de estar pre-sentes enquanto possibilidade, tanto nos dis-cursos quanto nas práticas daquelas lideran -ças rebeldes.

Por outro lado, as tensões entre nação eregião contribuem também para clarificar astensões e oposições que se estabeleceramentre os diversos grupos rebeldes que pro-duziram a Cabanagem, transformando o movi-mento numa verdadeira luta autofágica. Comefeito, em seus discursos e práticas, os trêspresidentes cabanos – mantendo vínculosestreitos com os segmentos economicamentedominantes, a quem pareciam representar –,aca ba ram por externar um conjunto de idéias(bastante difuso, é verdade) que guardavadiferenças não tão sutis entre as suas aspi-rações e aquelas que estavam sendo colocadas

na cena política pelos segmentos mais popu-lares presentes na revolta.

Além de contribuir para o esclarecimen-to das ações rebeldes, a análise destes discur-sos tem permitido romper com as perspectivasde unicidade do movimento cabano, mostran-do-o como plural e multifacetado. Nesse sen-tido, a compreensão da atuação política deproprietários e fazendeiros paraenses naCabanagem tem passado, necessariamente,pela constatação de que seus interesses eopiniões não se encaixavam nas ações maisviolentas e radicais do “populacho”. A açãopolítica dessa facção (dos segmentos domi-nantes) no Pará, radical no caminho escolhidopara a ação (a conquista do poder pela forçadas armas), mostrou-se sempre tímida ao esta-belecer críticas às molas de sustentação dasociedade imperial, não questionando seria -mente os privilégios das classes dominantes, aquem insistentemente discursavam, prome-tendo garantir posses e propriedades.9

No entanto, o que mais nos interessanesse artigo é enfatizar que a trajetória dessafacção dissidente deu grande ênfase às tensõesregionais, que aparecem nos discursos dospresidentes cabanos como sendo um dos prin-cipais vetores de seus protestos e reivindi-cações. Elas se materializaram em críticas aotratamento dispensado à Província pelo gover-no imperial, marginalizando a importância e aparticipação do Grão-Pará no contexto nacio -nal que então se abria. Um exemplo desse tra -tamento estaria, segundo as lideranças caba -nas, na constante imposição de uma burocra-cia dirigente (Presidente da Província, Co -man dante das Armas e juízes de Direito) total -mente descompromissada com os interesseslocalizados no Pará, o que dificultava umaarticulação pontual entre a força do poderpúblico provincial e as aristocracias locais,sempre necessitadas desse tipo de respaldo.

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.9900

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 9: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

Queixavam-se também da perda de poder erepresentação no âmbito mais restrito domunicípio, por força do fechamento de inú -meras Câmaras Municipais. Por fim, cobravamdas autoridades do Império uma maior fideli-dade às lides nacionais e a conseqüenteexclusão dos “adotivos” (portugueses), dospostos de direção e gerenciamento do poderprovincial.

As tensões que opuseram negociantes eproprietários continuaram existindo ao lon -go de toda a década de 1820, muito em boraos percalços do processo de emancipação –mantendo ainda livre e prestigiada a atuaçãodos portugueses radicados na Província –tenham fornecido munições para que os gru-pos dominantes nacionais, ancorados numforte discurso nativista, mantivessem umaatuação política vigorosa, pressionando asautoridades provinciais despa chadas peloImpério (Presi dente e Coman dante dasArmas) no sentido de que estas lhes con-cedessem um tratamento compatível com amaior representatividade que julgavam teralcançado com a adesão do Pará ao Brasilapós 1823.

No Pará, da mesma forma que nas demaisprovíncias do Brasil, as propostas exaltadasde expropriação e deportação dos “adotivos”foram re freadas de imediato sob os auspíciosda Corte do novo Império, já que, de resto, elepróprio fora viabilizado a partir da manu ten -ção no poder de um rei português, cujas pre-tensões de controle político sobre a antigametrópole também não haviam desaparecido.A historiografia deste período deixou regis -trado como este “arranjo”, característico daemanci pação política brasileira, manteve vivaa possibilidade de uma “recolonização” eaguçou os ânimos entre as diversas facçõespolíticas do novo Império.

Mesmo que a conjuntura do período tor-nasse tal possibilidade uma peça puramenteficcional, foi intenso o engajamento demons -trado pelos setores descontentes com aEmancipação, que no Grão-Pará eram nume -rosos e ativos. Além do mais, o confuso jogode aliciamento e sedução do Monarca que sefazia nos bastidores palacianos serviram paraaproximá-lo perigosamente dos interessesportugueses. Estes, por seu turno, souberamaproveitar as oportunidades abertas por talaproximação, o que desagradava as liderançasnativistas. Neste sentido, ao reconhecer quetoda a “história do primeiro reinado não [fora]mais que o longo desfilar de choques entre opoder absoluto do imperador e os nativistas”,Caio Prado Júnior (1986: 60) enfatizava quedesde julho de 1823 até a abdicação, a “reaçãoportuguesa” ganhou corpo e se fez notar commaior ênfase. Sua opinião era a de que:

Sem o incômodo de câmaras hostis àsua política pôde o partido portu -guês manejar o poder a seu gosto.Suprimiu a liberdade de imprensa,encheu os cargos públicos de apa -niguados, enquanto abertamente fa -vorecia os interesses que re pre sen -tava. (...) Tal era a atitude do grupoque no poder ia assim desfrutando asvantagens do mando, enquanto es -perava pela hora propícia de reunirnovamente o país à antiga metrópole(Ibidem: 62).

Os presidentes e comandantes das Armasdespachados pelo Império para admi nis -trarem as províncias do Norte, e em especial oPará, longe de buscarem acomodar os inte -resses conflitantes das elites locais, subesti-maram esses antagonismos e procuraramimpor-se unicamente amparados na legitimi-dade que a nomeação imperial conferia aosseus cargos, numa atitude que desagradava,

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 9911

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 10: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

muitas vezes, o conjunto das facções políticaslocais. Estas, no entanto, pressionavam paraconseguir manifestações explícitas de apoio –em geral através de nomeações para ocupar oscargos do primeiro escalão provincial –, umavez que só com o beneplácito do poder centralconseguiriam alcançar posições hegemônicasno nível local.

Além do mais, havia por parte dos “exal-tados” a dúvida quanto a amplitude das trans-formações que a adesão ao novo impériopoderia significar para a Província. O mínimoque tais setores almejavam era uma mudançana correlação de forças que lhes fosse favorá -vel, o que, no entendimento des ses grupos, sóseria possível de ser mensurado com atitudesefetivas de fidelidade à causa nacional porparte dos novos governantes. Por outro lado, orompimento com Portugal significava, paraestes setores, que a composição da burocraciaestatal deveria também realinhar-se, abrindoespaços aos “nacionais” da Província.

Por mais modesto que fosse, a ocupaçãode um posto na burocracia provincial repre-sentava uma diferenciação de status frente aos“homens de ínfima classe”, além de seremtidos como importantes para a conquista decargos administrativos na Corte. Mais impor-tantes ainda eram os cargos legislativos, umavez que pressupunham algum tipo de posse,manifesta na percepção de uma renda mínimaanual. Essa situação privilegiada servia tantopara satisfazer o desejo de reconhecimentopúblico dos segmentos emergentes, quantopara lhes assegurar uma condição de cidada-nia que passava ao largo da enorme casta deexcluídos da qual buscavam orgulhosamentese diferenciar. O naturalista Henry Bates, aolembrar que em 1858 a recém-criada Provínciado Amazonas contava com apenas 55.000indivíduos, e que Barra (Manaus), sua capital,não passava de 4.500 habitantes, re gistrou,

com certa ironia, a importância desmedidaque na Amazônia se atribuía a ocupação doscargos da burocracia, ao afirmar que

para governar essa pequena popu-lação formou-se na capital um nu -meroso quadro de altos funcio ná rios,os quais, apesar da infindá vel sériede des ne ces sárias formalida des comque os brasi leiros cercam os seusatos administrativos mais simples etriviais, quase nada têm a fazerdurante a maior parte do tempo(Bates, 1979: 134).

De qualquer forma, a emancipação frenteà metrópole portuguesa gerou no Pará umafragilização temporária das esferas decisórias,um vácuo de poder que abriu para os setorespolíticos locais mais ou menos organizadosum espaço para a experimentação, permitin-do-lhes testar suas forças de persuasão epressão no contexto da nova ordem. Comosalientou Octávio Cintra:

Dadas as condições da época, eranatural que o poder privado co -mandasse extensas áreas das rela -ções sociais e preenchesse os vaziosda autoridade pública na imensidãodo país. Como em outras sociedadesem estado similar de desenvolvi-mento, a manutenção da lei e ordemno interior não podia ser, senãominoritária e excepcional men te, fru -to da presença atual ou po tencial doEstado (Cintra, 1974: 33).

O primeiro alvo a que se lançaram osproprie tários paraenses foram as CâmarasMunicipais, principalmente as do interior,onde as possibilidades de controle efetivopas saram a ser maiores, tanto pela maior re -presentatividade dos proprietários nativos

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.9922

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 11: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

nestas localidades, quanto pelo fato de que aseleições, nesses espaços, acabavam sempretranscorrendo com maior autonomia frente àpressão manipuladora do governo central,que, em seu relacionamento com o Pará, man-teve-se tradicionalmente ligado (até meadosde 1830) aos negociantes portugueses.

A persistência do municipalismo na vidapolítica brasileira, revigorando o poder dasCâmaras, respondia diretamente às necessi-dades dos grupos oligárquicos provinciais demanterem um canal aberto de interlocuçõescom as instâncias deliberativas hierarquica-mente superiores e, no âmbito local, reforçarseus mecanismos de controle do poder frenteaos setores sociais submetidos ao seu controledireto.10

Era natural, portanto, que este espaçopolítico se mantivesse ao longo do PrimeiroReinado como um foco permanente de tensõescom o executivo provincial que, ao longodesse período, tendeu sem pre a atuar autono-mamente em relação aos grupos oligárquicosdo Pará. Estes, fortalecidos nas Câmaras após1823, passaram imediatamente a pressionar oprimeiro presidente nomeado para a Pro vín -cia. A posse de José de Araújo Roso, filho deabastado comerciante português, mas nascidono Pará, foi recebida pelos proprietários epolíticos nativos como um reconhecimentotardio do Império ao esforço demonstradopelos paraenses nas lutas pela adesão eacabou ensejando uma atua ção vigorosa eimpositiva por parte deles. Amparando-se emtais suposições, impuseram restrições à indi-cação do Comandante das Armas, o BrigadeiroJosé Inácio Borges, que com a aquies cência deAraújo Roso, e contrariando ordens expressasdo Imperador, não tomou posse. Roso admitiuainda a permanência de um Conselho deGoverno ilegítimo – órgão que pela lei deverialhe coadjuvar –, cuja eleição fora manipulada

com grave dano aos dispositivos legais exis-tentes (Reis, 1985: 93). Não tardaria, no en -tanto, a manifestar-se o afastamento entre es -tes setores e o governo provincial. Para tanto,bastaram os rumores de que estava havendoarticulações entre alguns políticos nacionalis-tas exaltados do Pará (como Batista Campos)com os líderes da Confederação do Equadorpara que o presidente, recorrendo à força dasarmas, sufocasse as manifestações de crítica eprotestos que vinham à tona pela imprensa.

As indicações posteriores não obtiverammais a simpatia dos políticos exaltados, quesob a lide rança do Cônego Batista Campos,passaram a denunciar a um só tempo os des-mandos administrativos das autoridades e odescompromisso da Corte com a causa na cio -nal, uma vez que as indicações continuavam arecair sobre “servidores leais do passado”(Ibidem: 103).

Essa sintonia entre as maiores autori-dades provinciais com o projeto político cadavez mais centralizador posto em prática nofinal do Primeiro Reinado persistiria mesmoapós a emergência de algumas propostasdescentralizadoras adotadas pelo governoregencial, como a reestruturação administrati-va encaminhada pelo Código do Pro cessoCriminal, de 1832. Tais propostas foram exe-cutadas no Pará de uma forma autoritária,desvirtuadas de suas intenções iniciais, colo-cando os presidentes da Província na contra-mão dos inte res ses localizados da aristocraciarural paraense. Nesse sentido, o governo pro -vincial a cargo de José Joaquim Machado deOliveira colocou em execução, em maio de1833, a reestruturação administrativa provin-cial (divisão da Província em Comarcas eTermos). Amparando-se na redução numéricade alguns núcleos populacionais, a novadivisão administrativa imposta à Provínciaclaramente restringiu a força das municipali-

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 9933

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 12: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

dades ao proceder uma retração no númerototal de Termos e de Comarcas, cuja conse-qüência foi a correlata redução do número decolégios eleitorais da Província e o fechamen-to de um número elevado de Câmaras Mu -nicipais e cargos de vereação.

O desânimo tomou conta das inúmerasloca lidades rebaixadas em situação jurídica,que perdiam dessa forma o instrumento bási-co (as Câmaras Municipais) por onde podiamminimamente ex pressar demandas específi-cas que, muitas vezes, eram conquistadasardu amente. Recuperando o caráter precocedas “manifestações autonomistas” da Capi ta -nia do Rio Negro, Arthur Reis lembrava quealguns núcleos coloniais da região já haviamrecorrido diretamente ao Rei de Portugal, D.João VI, não só reivindicando a condição deProvíncia à região, mas também o predica-mento de vila para algumas localidades.Mesmo aquelas que já possuíam tal predica-mento, reivindicavam maior autonomia. Bar -celos, por exemplo, exigiu do mo nar ca a cria -ção de uma junta de Fazenda, posto que, sóassim sua “libertação seria completa” (Reis,1989: 151).

Conjugada às pressões localistas, aeconomia paraense – já fortemente estancadado interior amazônico desde o início do sécu-lo XIX – sucumbe por volta de 1820 ante a vio-lenta crise que faz despencar não só as expor-tações, mas também a produção destinada asubsistência. A saturação das relações espolia-tivas que mantiveram, de um lado, a prosperi-dade de fazendeiros, proprietários e nego-ciantes e, de outro, a degradação e miséria doenorme contingente de despossuídos, aguçoua resistência indígena e fez explodir, nas vilase cidades, a rebeldia popular.

Aos exaltados – enquanto parte da eliteregional – impunha-se cada vez mais a neces-

sidade de dar explicações aos setores popu-lares acerca da crescente carestia da vida,materializada na elevação astronômica dopreço dos gêneros alimentícios de primeiranecessidade. Com isso, a flagrante decadênciaregional passou a ser de imediato interpretadacomo o resultado, não das contradições inter-nas da sociedade amazônica, mas do descasodo governo imperial, cada vez mais insensívele alheio à situação de marginalização a que oPará, sob seu domínio, viu-se reduzido.Reproduzia-se entre “centro” (Governo Im pe -rial) e “periferia” (Província), as mesmas ten-sões que internamente se estabeleceram entreas várias áreas da Província (o desejo autono-mista do alto Amazonas frente ao Pará, porexemplo), agora em escala bem mais elevada.Este momento marca o fortalecimento de con-flitos os mais variados que opõem cada vezmais os interesses regionais aos do EstadoNacional em formação. A alienação do Paráera sentida até mesmo pelas autoridades en -viadas do Rio de Janeiro. Arthur Reis lembraque quando em julho de 1831 Bernardo Joséda Gama tomou posse do cargo de Presidenteno Pará, “sentiu que a província não se inte-grara ainda ao sistema nacional”, afirmandoque ela parecia “não pertencer ao Império doBrasil” (Reis, op. cit.: 105). Essas tensões efe-tivamente não eram exclusivas do Grão-Pará ejá havia se manifestado anteriormente em ou -tras províncias do Brasil:

Esse espírito localista podemos ob -servá-lo não apenas nos movimentosarmados, mas na própria atitude dosde putados brasileiros às cortes por-tuguesas. Estavam em jogo os inte -resses da na ção e cada bancadaprovincial se esf or çava por agitarproblemas que lhe eram peculiares,denotando, dessa forma, tal di ver -sidade de opiniões, o que o próprioFeijó exclama: “Não há aqui man-

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.9944

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 13: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

datários do Brasil; os americanosneste recinto re presentam exclusiva-mente as províncias que os ele ge -ram” (Rodrigues, 1959-60: 57).

Ao findar a década de 1820, a propagan-da contra o autoritarismo do Monarca mani-festava-se nas diversas províncias de formafranca e, em algumas, ensejou mesmo ideaisseparatistas. No Pará, se a idéia de um rompi-mento com a ordem imperial não chegou amostrar-se atrativa – mesmo no seio da facçãonacional exaltada –, o republicanismo,11 porsua vez, criou adeptos (como Batista Campos)que não encontrando espaço franco para fazervingar este anseio passou a manifestar-se empropostas federativas e claramente descentra -li zadoras.

Pelos mesmos motivos, logo cedo a pro pa -ganda nativista que havia erigido os portugue-ses em alvo prioritário da indignação popularfoi sendo transferida para as figuras prove-nientes das províncias do Sul do país, fato queexplicaria a concepção larga como o termoestrangeiro era empregado no Pará em plenaCabanagem. Segundo observação de EmileCarrey, viajante francês, o termo estran gei rosignificava, na linguagem de Belém, os euro -peus ou americanos do norte e todos osbrasileiros das outras províncias. O mesmoautor externou diversas vezes essa contradição.Na primeira delas, através das palavras atribuí-das ao Juiz de Direito do Pará. Este, contrariadopor uma deliberação do Presidente da Provín -cia, teria afirmado: “de modo nenhum deixareiinvadir as minhas atribuições por um es -trangeiro do Rio de Janeiro". Por fim, Carreypõe na boca de um de seus personagens aseguinte afirmação: É muito melhor serestrangeiro do que Para ense! Mas estes se -nhores do Rio de Janeiro, entendem-se todosperfeitamente com os da Europa (Carrey, 1862:123 e 140. Grifos nossos).

Esse conjunto de atitudes ressentidaspara com a Corte do Rio de Janeiro fez comque os deputados paraenses reforçassem noParlamento Imperial as críticas de abandono edescaso que proliferavam entre os habitantesda região e criticassem o enquadramentosecundário reservado ao Pará. Tanto é assim,que em 1837 um deputado paraense reverbe -ra va essa crítica, ao afirmar: “Tão infeliz é estaProvíncia que a sua representação nacionalnão corresponde àquilo que devia ser, pois éapenas uma pequena representação de trêsmembros, e essa mesma está mutilada”(Annaes, 1837: 9). De igual forma, no momen-to em que o governo do Rio de Janeiro enca mi -nhava um conjunto de medidas para combateros Cabanos, o Visconde de Goyanna externavasua insatisfação ao dizer que enfim a “Cortedo Rio de Janeiro se lembra de dar uma medi-da séria para o Pará, porque há muitos anosestá aquela Província abandonada” (Annaes,1835: 36). Suas conclusões foram ainda maisperemptórias: “Apesar de os tempos antigosserem menos circunspectos que os da consti-tuição, o Pará mereceu mais conside ração dogoverno desse tempo que do tempo cons -titucional, em que tem sido inteiramenteabandonado” (Ibidem).

Por seu turno, a burocracia política impe-rial, mesmo reconhecendo a necessidade daadoção de reformas que atendessem a estaspretensões, não apoiava projetos que levassemdemasiadamente longe a descentralizaçãopolítica, temerosa de que ela ensejasse um for-talecimento do poder local que colocasse emrisco a manutenção da unidade, o que de fatoacabou por acontecer ao longo do períodoregencial (Cintra, op. cit.: 32-5). É neste con-texto, quando as contradições afloradas noseio da elite paraense pareciam não encontrarmais alternativas senão o recurso às armas,que assume o governo da Província, a 2 dedezembro de 1833, Bernardo Lobo de Souza, a

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 9955

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 14: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

quem a historiografia regional, una ni me -mente, cunhou adjetivos assaz depreciativos:

O presidente revela-se o atrabi liá rio,o intolerante, o tirano mais temidoda Amazônia. Manda perse guir,prender, espancar, assassinar, quan-tos não soletrem pela sua cartilhapolítica. Semeia ódios em seu redor.Alimenta com os seus desregramen-tos a grande fogueira da anti patiapopular... E vai nessa marcha desa -gregadora até o abismo da Re vo lução(Cruz, 1942: 59).

Naquele momento, ninguém pareceuencarnar melhor que ele a figura do podercentral. As agitações provinciais, principal-mente no Norte e no Nordeste do país, co -meçavam a sair do controle das autoridadesprovinciais, e Lobo de Souza, experiente napassagem pela governança de várias provín-cias, decide não deixar espaço para que, noPará, a insatisfação popular ameaçasse aordem ins titucional. Seus atos, coadjuvadospela ação incisiva do Comandante das Armas,Joaquim José da Sil va Santiago, foram marca-dos por um autoritarismo acerbo, com fortesdoses de truculência. Em pas te lou jornaisoposicionistas, expediu ordem de pri são aosdesafetos e procedeu incorporações às milí-cias de forma arbitrária e, por vezes, punitiva.

Se os atos arbitrários de Silva Santiago eLobo de Souza igualavam-se em truculênciacom os perpetrados por Grenfell – o carrascodo brigue “Palhaço” – em 1823-24, agora, noentanto, a conjuntura diferenciada não ofavorecia. Quando decidiu, finalmente, porfim às defecções dos proprietários paraenses,já que, em seu entendimento, estas tinham tor-nado a administração provincial ingoverná -vel, Lobo de Souza fechou definitivamente ocanal que o colocava na posição de media dor

das contradições internas, e a perseguição quepassou a empreender contra alguns políticosabastados (como o proprietário Félix Mal -cher), deixou claro para estes setores que ocontrole da vida provincial só se viabilizaria apartir do assalto armado às instituições. Hámuito que a política partidária do Pará se faziacom armas na mão – corroborando uma ten -dência, de resto, manifesta em outras regiõesdo Brasil – e, assim, era natural que nummomento de extremo acirramento das con-tradições no seio da aristocracia dirigente, aforça das armas fosse novamente mobilizada.

Malcher reunira em torno de si pessoascomo Eduardo Angelim e os Irmãos Vinagre(que haviam sido anteriormente foreiros emuma de suas propriedades e depois transfor-maram-se em pequenos proprietários); comoJoão Aranha e seus irmãos (grandes fazen-deiros do Acará) e, finalmente, o mais desta-cado dos políticos liberais do Pará, o CônegoBatista Campos que, na condição de deputadomais votado, assumira a prerrogativa de ser oVice-Presidente da Província. Outra pessoa dedestaque que gravitava em torno de Malcherera Lavor Pa pagaio – jornalista cearense radi-cado no Maranhão –, que havia chegado aoPará para editar um jornal de cunho pan-fletário e radical – o Sentinela Mara nhense naGuarita do Pará – em parceria com Ba tistaCampos. Refugiara-se na fazenda de Malchertão logo soube que o Presidente Lobo deSouza decidira pelo fechamento do jornal e aprisão de seus idealizadores. O grupo doAcará produzia uma forte pressão e incomo-dava cada vez mais o Governo Legal. A le -genda trazida na primeira página do Sen ti nelaMaranhense dava bem a dimensão da ampli-tude e do perigo que a crítica ao governo(provincial e imperial) havia chegado:

Sem rei existe um povoSem povo não há nação;

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.9966

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 15: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

Os brasileiros só queremFederal constituição.

(Apud: Hurley, 1936: 240).

As forças legais destacadas para o rioAcará entraram logo em confronto armadocom as hostes de Malcher. O fervor das ani-mosidades deu à repressão um exacerbadocaráter vingativo, fazendo com que as forçasprovinciais não só prendessem e isolassemMalcher na Fortaleza da Barra, mas tambémdestruíssem e incendiassem toda a sua pro-priedade. Seus correligionários, no entanto,tendo escapado às investidas da força repres-sora, mantiveram-se na ativa e articularam atomada de Belém, o que ocorreu a 7 de janeirode 1835, data que para a maioria dos historia -dores do tema configura o marco inicial daCabanagem.

A tomada institucional do poder peloslibe rais paraenses abriu a possibilidade paraque os insurgentes manifestassem mais enfati-camente seus descontentamentos com aordem vigente. Na justificativa de seus atos,emerge com insistência o argumento de quecombatiam a tirania de um go verno “estran -geiro” que oprimia a nacionalidade latente no“patriótico povo do Pará”. Julgavam tambémser esta a causa do congraçamento dos diver-sos setores da sociedade paraense com os seusatos rebeldes. Assim, a ata do ConselhoProvincial que aclamou Félix Malcher como onovo Presidente da Província do Pará regis -trou que “o povo e a tro pa” tomaram tal medi-da por que “estavam cansados de sofrer porcausa da prepotência e arbitrariedades que[Bernardo Lobo de Souza] praticou em todosos atos de seu governo”.12

Dessa forma, cunhavam na figura deLobo de Souza a responsabilidade pela exis -tência das práticas violentas que tinham mar-

cado, em regra, as atitudes de todos os admi -nis tradores coloniais e dos governos da Pro -víncia desde a adesão ao Império em 1823.Um exemplo dessas práticas seria o recruta-mento arbitrário, transformado em toda adécada de 1820 num mecanismo corriqueiroque, muitas vezes, encerrava em si um caráterpunitivo. No ofício que Malcher encaminhouao ministro do Im pério, Antônio PintoChichoro da Gama, em 27 de janeiro de 1835,queixava-se que o antigo governador mandou“fazer um recrutamento despótico e capri-choso, sem respeito às isenções legais, como éa de ser filho único, caso em que se achava umsobrinho do referido [Batista Campos] vice-presidente”.13

Lembravam também que as nomeaçõesdos Presidentes de Província pelo Império fre-qüentemente recaíram sobre indivíduos nasci-dos no antigo reino, o que sempre causavacomoções políticas e vivos protestos dosfilantropos. Ao relatar a che gada de um novoPresidente a Belém, Carrey comentava que “aCâmara Provincial começou logo no diaseguinte a fazer-lhe oposição, só porque vinhado Rio de Janeiro”, e concluía: “Aqui é esta aregra”. Em outra passagem, Carrey insiste notema ao afirmar que a primeira tarefa de umPresidente de Província no Pará era tentar“conquistar as boas graças da assembléiaprovincial, a qual, a despeito do Rio deJaneiro, fazia e desfazia os presidentes, comooutrora Warwick os reis da Inglaterra” (Carrey,op. cit.: 129 e 139. Grifos nossos).

Quando, no entanto, o Império nomeou oMarechal Manuel Jorge Rodrigues, que eraportuguês de nascimento, para assumir aProvíncia – à época já conflagrada e sob adireção de Francisco Pedro Vinagre – e, deigual forma, nomeou o inglês John Taylorcomo Comandante da Esquadra Imperial quecapitaneava a reação militar, o discurso rebel -

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 9977

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 16: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

de manifesto nas proclamações dirigidas “aoscidadãos paraenses” passou a incorporar commaior ênfase o viés nativista:

Paraenses! A parte sã dos filhos dorico Amazonas está voltada à perse -guição e ao extermínio como acimadisse. Todas as leis do Estado vio-ladas; a Constituição do Império cal-cada ao chão por esse marechal quese intitula Presidente legal; ingratosestrangeiros provocando os nossosbrios, fazendo a polícia da cidade,governando a nossa terra! Que des-graça! Que imoralidade! Que degra -dação e vergonha!14

O que chama a atenção é o fato desteapelo nativista que se dirigia ao “povo” não seter manifestado com tanta intensidade nosdocumentos expedidos para outros interlocu-tores, em especial para a Regência ou para asautoridades que a representavam. Era umclaro apelo aos setores populares, com quem osegmento dominante dissidente buscava es -trei tar vínculos de coesão social, extrema-mente difíceis de serem estabelecidos quandose leva em conta a forte estrutura espoliativa esegregadora sob a qual se assentava a socie -dade amazônica.

Mais relevante ainda é o fato de que aprojeção que faziam sobre as figuras de JohnTaylor e Manuel Jorge Rodrigues derivava dopapel igualmente opressor e tirânico que osgrandes negociantes do Pará (portugueses, eapós 1810, ingleses) desempenhavam frenteaos diversos segmentos da sociedade para -ense. Portanto, a mensagem que o Grupo doAcará enviava aos segmentos populares erade que a presença dos estrangeiros (não sóTaylor ou Rodrigues, mas todo o comércioanglo-lusitano) além de emperrar o progresso

econômico da região, impedia o reconheci-mento e o conseqüente aproveitamento dosprincipais talentos da região nos postos degerenciamento, não só da Província, mas detodo o Im pé rio. Em outra proclamação, assi-nada conjuntamente pelos líderes do Grupodo Acará, voltavam os dissidentes a manifes-tar seu incon formismo com o tratamento dife -ren cia do que o Império concedia aos estran -geiros:

Dois estrangeiros, a saber, um que épresidente e comandante das armasda Província, e o outro chefe deesquadra, gozam das honras debrasileiros adotivos! O primeiro, queé Marechal, chama-se Manuel JorgeRodrigues, e deixou o umbigo nasterras de Portugal; o segundo, JoãoTaylor, nascido em Inglaterra edesertor da marinha daquela nação,alcançou no país de Santa Cruz oposto de chefe de esquadra!15

O apelo à adesão dos populares ficavamais evidenciado com a utilização de algunssímbolos da resistência destes segmentos;símbolos agora reapropriados e postos aoserviço da “salvação da pátria”, no discursonativista das lideranças cabanas: “vivam osdescendentes dos Ajuricabas e Nheengaíbas!”,dizia uma das proclamações de EduardoAngelim.16 Como já se faziam presentes naProvíncia inúmeras explosões de protestosnitidamente populares, muitas vezes o alicia-mento das massas envolvia cartadas maisousadas, porém perigosas. Numa sociedademarcada pela expressiva predominância deindivíduos submetidos à diversas formas detrabalho compulsório, somente a promessa deconstituição de uma sociedade de “homenslivres” poderia viabilizar essa participação, etalvez por isso Eduardo Angelim tenha feitouso do termo em mais de uma ocasião.

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.9988

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 17: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

O viés liberal perpassava os discursos dado cumentação cabana, materializado na pos-tura condenatória do arbítrio do poder absolu-to, na defesa do constitucionalismo e do fe -deralismo, sendo este claramente uma reivin-dicação que buscava dar maior autonomia àsfacções políticas provinciais dissidentes esem força suficiente para exercer uma pressãoeficaz sobre o governo central. A crítica esbo -çada por Eduardo Angelim, quando da no -mea ção do Marechal Manuel Jorge Rodriguespara go vernador da Província, deixa trans-parecer essa aspiração:

Saibam, pois, o governo geral e oBrasil inteiro que os paraenses nãosão rebeldes; os paraenses queremser súditos, mas não querem serescravos, principalmente dos por-tugueses; os paraenses querem sergovernados por um patrício para -ense, que olhe com amor para as suascalamidades, e não por um por-tuguês aventureiro como o MarechalManuel Jorge; os paraenses queremser governados com a lei e não comarbitrariedades; estão todos com osbraços abertos para receber o gover-no nomeado pela Regência, mas queseja de sua con fiança, aliás estespreferem morrer no campo de bata -lha a entregar de novo seus pulsos àsalgemas e grilhões do despotismo; seo governo da corte teimar em subju-gar-nos pela força, nós teimaremosem dar-lhe provas do valor de umpovo livre que esquece a morte quan-do de fen de sua liberdade.17

Numa aparente contradição com a opçãopela tomada do poder através da luta armada,quase todas as proclamações eram finalizadascom palavras de ordem que remetiam para umideário francamente reformista: “Viva a nossa

santa religião católica romana. Viva a liber-dade brasileira dos homens livres. Vivam osbriosos paraenses. Viva a constituição federal.Viva o Senhor D. Pedro II. Vivam todos os bra -sileiros patriotas”.18

Como se percebe em seus pronunciamen-tos, nenhum dos três governadores cabanos,Malcher, Vinagre e Angelim, demonstroudesejos de ver rompidos os laços de subordi-nação da Província ao Império, muito emboratenham manifestado sutilmente essa possibi -lidade.19 Havia mesmo por par te deles a neces-sidade de enfatizar o contrário, que seusesforços estavam ligados à manutenção dessevínculo, reconhecendo constantemente aautoridade legal não só do Imperador Pedro II,mas também da Regência. Em carta ao GeneralSoares d'Andréa, Angelim chegou a insinuarque a idéia separatista estivesse sendo fomen-tada a partir de pressões e interesses estran -geiros. Esta lembrança, no entanto, apenasservia de base para que ele reforçasse seu com-promisso com a manutenção dos laços de su -bordinação:

(...) eu ansiosamente desejo ver V.Exª dirigindo as rédeas do governo, ea não ser a incerteza de segurança, euo faria neste momento por obedecera S. Majestade Imperial, cuja efí gietem sido evidentemente adorada adespeito de to das as vantagens pro-metidas logo no princípio da re vo -lução por alguns agen tes estran gei -ros, que me patentearam a ne ces si -dade de ligar-me a seus Estados.20

Se a proclamação de posse de Malchersolicitava à Regência que não nomeasse maisnenhum governante para aquela Província atéque se consumasse a maioridade do Impe -rador, Vinagre e Angelim assumiram prome-tendo entregar a Pro víncia ao primeiro presi-

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 9999

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 18: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

dente que chegasse a Belém indicado poraquele poder. O que parece ser apa ren tementeinquietante é o fato de os presidentes cabanosterem esboçado sistemática oposição àsnomeações posteriores ao 7 de janeiro de 1835(Manuel Jorge Rodrigues e Soares d’Andréa),mesmo enfatizando que suas pretensões nãopassavam pelo rompimento com a ordemimperial. A incongruência é de fato aparente,se percebermos a insistência na nomeação de“um patrício”, de alguém que fosse da “confi-ança” dos proprietários paraenses. Trata-se,portanto, de uma imposição dos gruposoligárquicos periféricos desejosos de verem-sereconhecidos (e assim prestigiados e for ta le -cidos no âmbito local) pelas oligarquias loca -lizadas no Sul do país e que desde 1822 dita -vam as normas do projeto nacional.

A fala de Angelim, acima destacada,deixava entrever também um outro receio ementregar o controle da Província. A “incertezade segurança” que os fazia resistir era devidatambém aos impas ses que se estabeleceramem torno da impossibilidade de concessãoimediata de uma anistia aos revoltosos.Cientes da radicalidade do ato que os haviaguindado aos postos de comando da Pro -víncia, marcado pelo assassinato sumáriotanto do Presidente legal (Lobo de Sousa),quanto do Co man dante das Armas (SilvaSarmento), os governantes cabanos não quise -ram entregar-se sem a prévia garantia doperdão, o que seria submeter-se a uma puni -ção vigorosa, incluindo-se aí a adoção da penacapital. Não se pode descartar, inclusive, quetenha sido este o fato que gerou a oposiçãointerna ao governo de Malcher, cuja ambiçãodesmedida era manifestada na vontade de ver-se reconhecido e referendado na presidênciada Pro vín cia por parte do poder regencial.

O recurso à concessão de anistia para a“pacificação” dos ânimos exaltados nas várias

províncias do Brasil havia sido bastante cor-riqueiro desde a Independência, já tendo sidousado no próprio Pará por Grenfell (1823),durante as lutas em prol da emancipaçãopolítica e adesão ao novo Império. Ocorre, noentanto, que a debilidade crescente do podercentral frente à avalanche de sedições e pro-nunciamentos regionais, levou a Regência arever as medidas políticas que favoreciam aspropostas descentralizadoras e federativas(contidas no Ato Adicional de 12 de agosto de1834) e também a proceder de modo maisduro com as províncias insurgentes, enviandotro pas para impor a ordem, recusando-se aceder nas negociações com as lideranças rebe-ladas.

No Pará, a mediação estabelecida entre asautoridades legais e os presidentes “intrusos”para por fim à revolta tendia cada vez mais auma busca desesperada pelo perdão por partedestes últimos. Em carta ao general Andréa,Angelim lamentava a “infeliz dissensão” queos havia levado ao poder e estabeleciacondições para entregar a Província. Nenhu -ma mudança na política imperial, nenhumamodificação na estrutura social e econômicavigente, nada disso foi exigido. Queria apenasuma anistia geral e a garantia de que não sofre-ria ne nhum mal. Eis os termos no qual suaproposta foi esboçada:

1ª. Sendo o último meio de salvar aProvíncia uma anistia geral, espe -ramos que V. Exª a publique com asegurança necessária, pondo emliberdade todos os presos que seacham a bordo e lançando um véusobre os males passados que já hojesão irremediáveis;2ª. Anuindo a nossa rogativa deveráprestar-nos uma garantia que mostrenão ofender pessoa alguma que estejacompro metida na presente revolta,

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.110000

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 19: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

não de ven do todavia persuadi r-se deque a nos sa força atual se acheenfraquecida, pois que temos à nossadisposição todo o Alto e Bai xoAmazonas, como V. Exª já hojesaberá, e se for preciso provaremos.21

A ameaça esboçada no final do últimoitem não era mais que um jogo de cena paradespistar a real situação que estavamenfrentando à frente de uma imensa massa deinsurgentes que não lhes reconhecia lideran -ça. Esse descompasso entre o que deveria sero governo dos revoltosos e a base do movi-mento que lhe negava direção, serviu de pre-texto para uma atuação francamente rea-cionária. Francisco Vinagre e, principalmente,Eduardo Angelim passaram de imediato atomar medidas que, ao invés de fazer a revol-ta avançar (seja para que direções tencio -nassem), visavam sua interrupção. A tibiezade seus atos derivava da grande limitação pro-gramática de seus objetivos, buscando unica-mente no recurso às armas, assumir melhoresposições de barganha frente a um poder cen-tral que se mostrava igualmente fraco e semdireção.

Com a “parada no carro revolucioná -rio”,22 materializada em fins de 1834, e o con-seqüente endurecimento das relações entre opoder central e provincial, as oligarquias dis-sidentes do Pará perceberam que o caminhotrilhado na busca de seus objetivos reformis-tas as colocavam numa incômoda situação de“foras da lei”, inviabilizando as possibili-dades de uma posterior assimilação enquantoelite dirigente. O remédio (a tomada do poderpelas armas) que os proprietários paraensespensaram ter encontrado para adequar seuspro blemas de ascensão social, transformou-sede imediato em veneno cada vez mais amargoe letal.

Mais grave ainda para esses setores, erater que responder pelos estragos causadospela revolta popular que lhe escapara ao con-trole e que, já ativa no interior, ganhava tam-bém a capital e se manifestava cada vez maisde forma autônoma. As articulações existentesentre os membros da elite dissidente e os seg-mentos populares mais empobrecidos daregião não foram muito além do jogo desedução materializado através de chavõesnativistas e palavras de ordens impregnadasde conceitos sempre vagos e imprecisos, comoo de liberdade e cidadania.

Se enquanto frente de oposição a umpoder que – de forma diferenciada – os subju-gava e tolhia suas aspirações, essa articulaçãofoi eficaz, conseguindo agrupar grande núme -ro de despossuídos sob o controle e direçãodos proprietários dissidentes, mais difícil foimantê-la a partir da concretude dos atos, jáque, ao contrário das palavras, estes pres ta -vam-se de forma menos eloqüente às posiçõesdissimuladas. Assim, cada gesto do novo go -ver no servia como um referencial para a ação(favorável ou contrária) das camadas popu-lares.

Os limites modestos dessa articulaçãoafloraram de pronto nos primeiros dias daconquista de Belém, através das procla-mações que chamavam o “povo” à ordem e àobediência. Na manhã do dia 9 de janeiro de1835, Félix Malcher, recém-empossado,lançou proclamação “aos comerciantes”,solicitando que abrissem suas portas, assegu-rando-lhes ainda que seriam “respeitadasescrupulosamente as suas propriedades edireitos, tendo sido já dadas as providênciasnecessárias para conter o povo que se achaem armas nesta ca pital”.23

Por imaginarem que seus objetivos repre-sentavam os mesmos almejados pelo conjunto

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 110011

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 20: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

dos setores populares, as proclamações dospresidentes cabanos procuravam passar para oconjunto dos revoltosos a idéia de que seusintentos já haviam sido alcançados com o atode deposição das autoridades legais e a toma-da da capital da Província. Ao “povo emarmas”, cabia apenas a obediência às autori-dades, o respeito às leis e o recolhimento. “Idegozar de paz no seio de vossas famílias”, diziaMalcher, cinco dias após sua posse. “Largai asarmas, tomai os instrumentos agrícolas parafelicitar a indústria e o comércio”, concluía omesmo Malcher, apontando, sem rodeios, otipo de en qua dramento socioeconômico pre-tendido pelo governo “revolucionário” paraaqueles setores subalternos.24

Mais do que um movimento popular traí-do – uma vez que a articulação levada a cabopelo Grupo do Acará não conseguira aglutinarsob sua capa o conjunto dos rebeldes paraen -ses –, o que se tem aqui é o flagrante esgota-mento de uma proposta alternativa de poderpor demais limitada em seus objetivos. Comas defecções ocorridas no seio dessa articu-lação reformista, era natural que as manifes-tações autônomas dos setores populares ga -nhassem um novo impulso e passassem aincomodar mais seriamente os segmentosdomi nantes, inclusive os dissidentes que sehaviam alojado no poder.

Tanto por força destas contradições pro-fundas, quanto pelo desejo de demonstrar aosrepresentantes legais da Regência que o movi-mento sedicioso no qual estavam envolvidosalém de possuir um caráter pacífico e ordeiro,nada tinha a ver com as “desordens” ocorridasna base, Malcher, Vinagre e Angelim passarama travar ferozes embates com a dissidência po -pular, acusando-a de ter sido culpada por to -dos os atos violentos até então ocorridos, nu -ma clara tentativa de atenuar o peso da culpaque haviam contraído com a tomada do poder.

Não só em palavras à Regência os repre-sentantes da elite dissidente procuraram ma -ni festar o intenso estranhamento que existiaentre eles e as bases da revolta popular emcurso. Recorreram, freqüentemente e sempudores, à força das armas para sufocar as pre-tensões mais ambiciosas dos que se apresen-tavam na cena política da Província. Todos ostrês presidentes cabanos recorreram aos adje-tivos depreciativos para referir-se aos popu-lares insurgentes: “vagabundos”, “desor-deiros” e “malvados” são os termos mais fre-qüentes. Angelim, afirmando ter se esforçadopara “manter a ordem e desterrar a anarquia”esboçou de forma mais cristalina o modocomo as agitações na base eram sufocadas, aodizer que punia “com fuzil alguns malvadosque me acompanhavam”.25

Anos mais tarde (1865), já tendo comple-tado inclusive a pena de degredo que aRegência havia lhe imputado, Angelim con-tinuou negando a existência de maioresenvolvimentos entre sua administração e osmovimentos de contestação que se espalha -vam entre os segmentos mais populares daProvíncia. Enfaticamente negava participaçãonos atos do “populacho” e lembrava aos“incautos” que o acusavam que ele jamaistransigira com as ações insurgentes da plebe,havendo mesmo recorrido à violenta repres -são. Por fim, dizia enfaticamente que a seumando fora

fuzilado em frente ao palácio do go -verno o célebre Joaquim Antônio,oficial da milícia rebelde, que tinhauma força de mais de 500 homens eproclamava uma liberdade a seujeito, incluída a de escra vos emgeral. Isso depois de ser provado oseu crime em conselho de guerra. Foifuzilado em frente ao palácio do go -verno um preto, chefe de insurreição

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.110022

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 21: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

do rio Guamá logo que chegou à ca -pital. Foi morto à surra em frente aopalácio do governo um mulato,escravo do portu guês Nogueira,dono da fábrica de urucu em Igarapé-mirim, por ter traído a seu senhor elavado as mãos em seu sangueinocente. (...) Um célebre Patriotapor tal conhecido e da seita deJoaquim Antônio, foi morto emMuaná. Insur gindo-se os escravos noAcará e noutros distritos, ordenei ameu irmão Geraldo Francisco No -gueira para que os fizesse conter atéentrarem na obediência e ordem. Ematos de resistência foram mortosalguns, e outros surrados e entre guesa seus senhores (...)26

Nos estertores de seu governo, Angelimesmerou-se no papel de repressor das “turbas”e grupos populares que, armados e de formaautônoma, atuavam na cidade envolvendo-seem saques e pilhagens. Mais do que isso, fezquestão de relatar esse seu empenho repres -sivo ao próprio general Soares d'Andréa, aquem insistentemente rogava interceder juntoà Regência pela concessão da anistia. Quandoem 10 de maio de 1836 decidiu finalmenteretirar-se da cidade, manteve ali uma forçadestinada unicamente a reprimir a atuaçãodos bandos de “mal-intencionados” que porvezes ameaçavam as famílias ali existentes.27

A saída de cena dos proprietários dissi-dentes fez refluir a força do movimento popu -lar que crescera amparado na instabilidadepolítica, fruto das distensões senhoriais. Nãoo fez desaparecer, no entanto, posto que elecontinuaria a manifestar-se, prioritariamente,nas áreas mais distantes da capital, no vastosertão amazônico, onde havia sido gestado ese manifestado pioneiramente.

Tamanha foi a distância apresentadapelos diversos segmentos em luta na Ca -banagem, e tão claramente ela se manifestavana fala de seus supostos líderes, que é forçosoreconhecer que os historiadores da Cabana -gem parecem ter sucum bido à força vigorosado discurso oficial sobre o conjunto do movi-mento. Ou seja: ao recuperar as falas da lega -lidade como as únicas capazes de ex pressar averdadeira face do movimento,28 a historio -grafia tendeu a acompanhar acriticamente avisão do poder, que identificava como cabanostodos os que, no Pará, se haviam lançado àrevo lução, nivelando “por baixo” seus prota -gonistas.

Perceber a revolta popular deslocada docontexto e dos emblemas trazidos para aCabanagem pelos segmentos dominantes dis-sidentes não diminui nem desmerece a atua -ção popular no movimento. Reconhecer paraalém da pretendida harmonia animosidadesirreconciliáveis entre a “base” e “seus” gover-nantes não é mero artifício iconoclasta, é antesde tudo o desejo de trabalhar com os popu-lares a partir de uma atitude descolonizadora,que recupera os limites e as dimensões de suaautonomia, mesmo onde estas se apresentampor demais estreitas e modestas.

Não se quer impor à imagem constituídados “heróis cabanos” (Malcher, Vinagre eAngelim) o seu reverso, mas somente recupe -rar que seus atos de “heroísmo” só o forampara os que, como eles, combateram o mesmocombate frente a um inimigo comum; e nãopara os que, por suas mãos, foram martiriza-dos. Por várias vezes os cabanos oriundos daplebe recusaram aceitar uma direção que selhes impunha de cima para baixo, forjandosuas pró prias lideranças, a quem, inclusive,não atri buíram o papel de “heróis”. Se acasosuas lutas acabaram por engendrar persona -gens compatíveis com tal adjetivação, então é

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 110033

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 22: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

preciso reconhecer que eles permaneceramem silêncio, perdidos nos escombros de umahis tória oficial.

De fato, quando em maio de 1936, os re -presentantes do Instituto Histórico e Geográfi -co do Pará promoveram as comemorações do“centená rio” da Cabanagem, o movimento,anteriormente tido como ação de bárbaros eselvagens, reaparece valorizado como lutapela libertação nacional. O nativismo cabanoelege ali seus representantes (Batista Campos,Angelim, Malcher), agora exaltados comoheróis nacionais. No entanto, silencia acercadas desilusões dessas lideranças com um pro-jeto de Brasil que não entendia o Grão-Parácomo igual às demais regiões do país, daí aênfase de Angelim em argumentar: “os para -enses querem ser súditos, mas não querem serescravos”.

A verdadeira ode ao nativismo cabanotambém suprimiu as contradições internas do

movimento e ignorou que para grande parteda população regional (índios, negros emestiços) a luta pela construção da “naçãobrasileira” não tinha o menor sentido ourelevância. Talvez tenha sido o francês EmileCarrey quem melhor abstraiu esse sentimento,ao narrar o encontro de um grupo de cabanoscom uma embarcação de um fazendeiro para -ense que fugia da revolta. Carrey lembra que olíder do grupo cabano tentou, em vão, contera fúria de seus seguidores e preservar a vidado proprietário. Levantando-se para os seus,argumentou: Este não é português, é bra si leirocomo nós, mas seus comandados tinhamoutra compreensão dos fatos: “Não, não! É umfazendeiro. Morra como os ou tros!” (Carrey,op. cit.: 305-6). Assim, para tais grupos, arevolta passava longe das tensões nativistas eregionalistas das oligarquias paraenses, sendoantes encarada como uma oportunidade derecriação mítica da terra sem males, onde afigura do opressor (fosse português oubrasileiro) era de todo indesejada.

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.110044

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 23: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 110055

NNOOTTAASS

1 – Este artigo resume posições desenvolvidas aolongo dos capítulos 3 e 4 de minha tese de doutorado, NosSubterrâneos da Revolta: trajetórias, lutas e tensões naCabanagem, defendida em junho de 1998 no Programa deEstudos Pós-Graduados da PUC-SP.

2 – Veja-se a crítica a essa tradição em: Silva,Rogério Forastieri da. Colônia e Nativismo: a históriacomo “biografia da nação”. São Paulo: Hucitec, 1997.

3 – A utilização aqui dos termos proprietários enegociantes recupera nomenclaturas bastante usuaistanto na lite ratura quanto na documentação de época e,de forma bastante genérica, identificam os grupos domi-nantes regionais, cujas pos ses de plantéis de escravosafricanos – muito mais do que a de terras – era tida comoum dos mais importantes critérios de estratificaçãosocioeconômica. Aos primeiros é atribuída uma maiorvinculação com os mecanismos de exploração econômicados produtos regionais, fossem eles extrativos (drogas dosertão) ou agrícolas (arroz, café, etc.). Já no último caso, ouso do termo negociante parece se aplicar de forma restri-tiva apenas aos grandes exportadores e importadores(quase todos reinóis), diferenciando-se do termo maisgenérico e impreciso de comerciantes, que incorporavainclusive o pequeno comércio varejista.

4 – A presença de um número relativamente grandede norte-americanos no Pará depois de 1810 é menciona-da por diversos viajantes que passaram pela região. Noinício dos anos 1840, logo após a Cabanagem, esse con-tingente ainda era significativo e despertou a admiraçãodo missionário Daniel Kidder: “Encontramos no Parádiversos norte-americanos que se dedicavam a atividadescomerciais e ofícios manuais, constituindo a maior colô-nia dessa nacionalidade existente no Brasil, salvo a doRio de Janeiro”. Kidder, D. Reminiscências de Viagens ePermanências nas Províncias do Norte do Bra sil. BeloHorizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1980, p. 183.

5 – Veja-se os argumentos apontados por MoreiraNeto, C. A. Índios da Amazônia: de maioria a minoria,1750-1850. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 37-42.

6 – Spix e Martius, 1980: 23. Com relação a relevân-cia do comércio paraense nas duas primeiras década doséculo XIX, cabe conferir: Barata, M. “A Antiga Produçãoe Exportação do Pará”. Formação Histórica do Pará.Belém: UFPA, 1973, p. 293-330 e Alden, Dauril. OSignificado da Produção de Cacau na Região Amazônicano Fim do Período Colonial. Belém: UFPA (NAEA/FIPAM), 1974.

7 – Esta era também a opinião do mais importantehisto ria dor da região, Arthur Cezar Ferreira Reis, que noPrefácio ao livro de Manuel Nunes Dias, salientava:“Fixando a atenção no extremo norte do Brasil, temos de

convir que Sebastião José dispensou à região uma atençãotoda especial”. Dias, M. N. Fomento e Mercantilismo: aCompanhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778).2 v., Belém: UFPA, 1970, v. 1, p. 19.

8 – Em outra passagem, o autor enfatiza que estesimpostos recaíam sobre as camadas populares: “Os im -postos subiram excessivamente, como o das fintas sobre afarinha”. Reis, A. C. F. História do Amazonas. 2ª ed. BeloHorizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989, p. 150.

9 – Para uma visão de conjunto do movimento sobessa perspectiva, indico minha tese de doutorado: Pinheiro,L. B. S. P. Nos Subterrâneos da Revolta: trajetórias, lutas etensões na Cabanagem, defendida em junho de 1998 noPrograma de Estudos Pós-Graduados da PUC-SP.

10 – Veja-se os argumentos apresentados porQueiroz, M. I. P. “O Mandonismo Local na Vida PolíticaBrasileira”. Estudos de Sociologia e História. São Paulo:Anhembi, 1957, p. 202.

11 – Já durante o processo de emancipação, mani-festaram-se em Belém idéias republicanas, atiçando osmais exaltados. Arthur Reis, por exemplo, foi um doshistoria dores regionais que procurou asseverar o caráterfranco assumido por aquela propaganda. Referindo-se aBatista Campos, ele afirma: “Com o regresso do sacerdote,principia a falar-se sem rebuços, novamente, em Re pú -blica”. Reis, A. C. F. “Grão-Pará e Maranhão”. In HistóriaGeral da Civilização Brasileira, p. 96.

12 – Ata do Conselho Provincial de 7 de janeiro de1835. Citada por: Raiol, D. A. Motins Políticos: ou históriados principais acontecimentos políticos da Província doPará desde o ano de 1821 até 1835. 3 vols. Belém: UFPA,1969, p. 550-1.

13 – Citado por Raiol, p. 562-3.

14 – Proclamação de Eduardo Nogueira Angelimaos paraenses, em 29 de julho de 1835. Citado por:RAIOL, p. 814-15. Os grifos são nossos.

15 – Proclamação “aos Paraenses”, de 14 de agostode 1835, assinada por Antônio Pedro Vinagre, EduardoFrancisco Nogueira Gavião, Manuel Antônio Nogueira,Manoel José da Silva Paraense, André Pinto de Araújo eAmazonas e Geraldo de Oliveira Vinagre. Citado por:Raiol, p. 832-4.

16 – Proclamação aos “corajosos paraenses,valentes defensores da Pátria e da liberdade”, datada de23 de agosto de 1835. Citado por: Raiol, p. 925-6.

17 – Exposição de motivos de Eduardo Angelim, de25 de outubro de 1835. Citado por: Raiol, p. 939. Os gri-fos são nossos.

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......

Page 24: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

18 – Proclamação de Angelim aos paraenses, de 25de agosto de 1835. Citado por: Raiol, p. 933-4.

19 – Num único ofício, o emitido por FranciscoVinagre em 24 de abril de 1835, fizeram os governantescabanos uma amea ça de romper com o Império. Naquelemomento, Vinagre re queria a retirada da esquadra coman-dada por Pedro da Cunha, e di zia contar com a coopera -ção daquele oficial “para que o Pará se não elimine dasprovíncias do Brasil”. Citado por: RAIOL, p. 647-8.

20 – Carta de Eduardo Angelim ao General Soaresd’Andréa, de 30 de abril de 1836. Citado por: Raiol, p.952.

21 – Ofício ao General Soares d’Andréa, de 26 deabril de 1835. É assinado por Eduardo Angelim e pordiversos comandantes militares e chefes de pontosrebeldes. Citado por: Raiol, p. 948-9.

22 – O termo foi empregado por Octávio Tarquínio deSouza para designar o momento em que o avanço das refor-mas de cunho liberal foi refreado em função do medo deque elas estivessem fomentando movimentos separatistase, portanto, colocando em perigo a ordem impe rial. Para oautor, mesmo para um liberal como Bernardo Pereira deVasconcelos, defensor de reformas, prosseguir nessas mes-mas reformas “seria sacrificar a ordem, tornando impossí -vel sequer a realização daquilo que se conseguira; nãoparar, e até, não retroceder, importaria em atacar a unidadedo vasto Império”. Souza, O. T. Bernardo Pereira deVasconcelos: História dos Fundadores do Império doBrasil, v. V. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988, p. 133.

23 – Proclamação de Malcher aos comerciantes, de9 de janeiro de 1835. Citado por: Raiol, p. 553.

24 – Proclamação, de 12 de janeiro de 1835. Citadopor: Raiol, p. 556.

25 – Carta de Eduardo Angelim ao General Soaresd’Andréa, de 30 de abril de 1836. Citado por: Raiol, p.952.

26 – Citado por: Raiol, p. 934.

27 – Ofício de Eduardo Angelim ao general Soaresd’Andréa, de 10 de maio de 1836. Citado por: Raiol, p.959-60.

28 – Exemplo maior desta postura está na obra deJorge Hurley, que se deliciava com os ofícios d’Andréa.Ressaltando o “seu estilo, ungido de sadio humorismo”,afirmava ter “vontade de transcrever, na íntegra, a maiorparte de suas preciosas produções”. Em outro trecho pordemais ilustrativo afirmava: “Essa é a versão verdadeirasobre a prisão de Eduardo Angelim. Merece-nos inteira féhistórica porque saiu, exatamente, dos documentos ofi -ciais e foi descrita pelo general Soares d’Andréa”. HUR-LEY, J. “Traços Cabanos”. Revista do IHGP nº 10, 1936, p.10 e 33.

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000.110066

LLuuííss BBaallkkaarr SSáá PPeeiixxoottoo PPiinnhheeiirroo

Page 25: DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa ...€¦ · grew in the decades of the 1820's, and became on of the pillars the political manifestations which culminated in the

SSoommaannlluu, v.1, nº 1, 2000..... 110077

RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS BBIIBBLLIIOOGGRRÁÁFFIICCAASS

ANNAES do Parlamento Brasileiro: Câmarados Senhores Deputados. 1835, Tomo Se -gundo, p. 36. (Sessão de 6 de julho de1835).

ANNAES do Parlamento Brasileiro: Câmarados Senhores Deputados. 1837, Tomo Se -gundo, p. 9. (Sessão de 1º de julho de1837).

BAENA, A. L. M. Compêndio das Eras daProvíncia do Pará. Belém: UFPA, 1969.

BATES, H. W. Um Naturalista no Rio Ama -zonas. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:Edusp, 1979.

CARDOSO, C. F. S. Economia e Sociedadeem Áreas Coloniais Periféricas: GuianaFrancesa e Pará (1750-1817). Rio deJaneiro: Graal, 1984.

CARREY, E. Os Revoltosos do Pará. Lisboa:Tipografia do Futuro, 1862.

CARVALHO, J. M. A Construção da Ordem: aelite política imperial. Rio de Janeiro:Campus, 1980.

CINTRA, A. O. “A Política Tradicional Bra -sileira: uma interpretação das relações en -tre centro e periferia”. In: BALÁN, J.(Org.). Centro e Periferia no Desen vol -vimento Brasileiro. São Paulo: Difel, 1974.

CRUZ, E. Nos Bastidores da Cabanagem.Belém: Tipografia da Revista de Veteri ná -ria, 1942.

FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial doTietê ao Amazonas, de 1825 a 1829. SãoPaulo: Cultrix, 1977.

HURLEY, J. A Cabanagem. Belém: InstitutoLauro Sodré, 1936.

KIDDER, D. Reminiscências de Viagens ePermanências nas Províncias do Norte doBrasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:Edusp, 1980.

PRADO JÚNIOR, C. Evolução Política doBrasil. 15ª ed. São Paulo: Brasiliense,1986.

RAIOL, D. A. Motins Políticos: ou históriados principais acontecimentos políticosda Província do Pará desde o ano de 1821até 1835. 3 vols. Belém: UFPA, 1969.

REIS, A. C. F. “O Grão-Pará e o Maranhão”.In: HOLANDA, S. B. (Org.). História Geralda Civilização Brasileira. Tomo II, v. 2, 5ªed. São Paulo: Difel, 1985.

________. “História do Amazonas”. 2ª ed.Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:Edusp, 1989.

RODRIGUES, L. M. P. “Espírito Regionalistade Movimentos Revolucionários Brasi -leiros na Primeira Metade do SéculoXIX”. Separata do Anuário da Faculdadede Filosofia “Sedes Sapientiae” da PUC-SP, nº 17 (1959-60), São Paulo.

SILVA, I. A. C. Corografia Paraense: oudescrição física, histórica e política daProvíncia do Grão-Pará. Bahia: Tipo gra fiado Diário, 1833.

SILVA, M. C. O Paiz do Amazonas. São Paulo,1989. Dissertação (Mestrado em CiênciasSociais) – Pontifícia Universidade Cató li -ca de São Paulo, 1986.

SPIX, J. B. e MARTIUS, C. F. P. Viagem PeloBrasil, 1817-1820. Belo Horizonte: Ita -tiaia; São Paulo: Edusp, 1980.

DDee vviiccee--rreeiinnoo àà PPrroovvíínncciiaa:: tteennssõõeess rreeggiioonnaalliissttaass nnoo GGrrããoo--PPaarráá......