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Universitat Autnoma de Barcelona
Facultat de Cincies de la Comunicaci Departament de Periodisme i de Cincies de la Comunicaci
Programa de Doctorat en Comunicaci i Periodisme
TESI DOCTORAL
A influncia da
televiso nas
brincadeiras
infantis:
uma reflexo sobre a
cultura da violncia
Presentat per:
Regina Pacis Timb Ferreira
Dirigit per:
Dra. Rosario Lacalle Zalduendo Dra. Ins Slvia Vitorino Sampaio
Bellaterra Barcelona
2014
Universitat Autnoma de Barcelona
Facultat de Cincies de la Comunicaci Departament de Periodisme i de Cincies de la Comunicaci
Programa de Doctorat en Comunicaci i Periodisme
A influncia da televiso
nas brincadeiras infantis:
uma reflexo sobre a
cultura da violncia
TESI DOCTORAL
Presentat per: Regina Pacis Timb Ferreira
Dirigit per: Dra. Rosario Lacalle Zalduendo Dra. Ins Slvia Vitorino Sampaio
Bellaterra Barcelona 2014
O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me pe numa posio em face do mundo que no de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presena no mundo no a de quem a ele se adapta mas de quem nele se insere. a posio de quem luta para no ser apenas objeto, mas sujeito tambm da Histria.
Paulo Freire
Aos meus pais, Ortan e, em especial a minha me,
Terezinha, que me ajudou a desvendar o caminho e o
prazer das descobertas por via do estudo e do
conhecimento.
As minhas filhas, Flvia e Amlie, companheiras eternas de jornada.
Flvia, desde o comeo comigo nessa aventura. Minha companheira,
cmplice, smbolo de amor incondicional.
Amlie que se juntou a ns de forma to inteira, intensa e alegre, que ocupou
todos os espaos do que se chama felicidade.
E as luzes invisveis que direcionaram e inturam esse
estudo... Em nome de todas as crianas do mundo.
AGRADECIMENTOS
Embora ningum possa voltar atrs e fazer um novo comeo, qualquer um pode comear agora e fazer um novo fim
Chico Xavier
Agradeo a Deus, inteligncia suprema, causa primeira de todas as coisas, e a
todas as luzes espirituais que so a representao da presena de Deus na minha
vida.
tutora Rosario Lacalle Zalduendo, que aceitou meu convite e respondeu
sempre com enorme competncia, presteza e ateno, mesmo com o oceano
Atlntico a nos separar e com as dificuldades culturais e de idioma. Obrigada
pelo estmulo e por nunca ter deixado de acreditar.
tutora Ins Slvia Vitorino Sampaio, que acolheu esta investigao,
compartilhando conhecimento, tempo e ateno. Apresentou-me desafios, mas
tambm caminhos, alm de ofertar toda a sua experincia no sentido de
enriquec-la. Obrigada pelo acompanhamento rigoroso e pontual.
A todos os professores, colegas e funcionrios do Departament de Periodisme i
de Cincies de la Comunicaci de la Universitat Autnoma de Barcelona, que me
ensinaram acerca da importncia do rigor acadmico, da disciplina e da
perseverana.
A todas as diretoras de escolas pblicas e particulares, coordenadoras,
professoras e estudantes, pela aceitao da participao na pesquisa,
compartilhando experincias e vises de mundo.
Agradeo tambm a toda a minha famlia: meus pais, Ortan e Terezinha, que
foram a base da minha formao para o que sou hoje; e a meus irmos, Lis e
Emanuel, que sempre apoiaram todas as minhas escolhas. Meu cunhado,
cunhada, tios, tias, primos e primas, sobrinhos e sobrinhas.
Agradeo, em especial ao meu marido Alain, que, mesmo sem saber, levou-me a
esse doutorado em Barcelona, sendo, ao mesmo tempo, causa e consequncia
deste doutorado. Obrigada pela escuta, estmulo e apoio incondicional.
Agradeo famlia que reencontrei em Barcelona: Elvira, Gabi, Aline, Roman,
Tereza, Luciana, Mac-Dawison, Betnia, Carol, Bebeca, Marc, Cssio, Ansia,
Camila e Albert.
Aos meus amigos-irmos e amigas-irms, especialmente a Ldia Valesca e a
Jamile, que no mediram esforos, dando ajuda e acompanhando fase aps fase.
Tambm agradeo a ngela, minha sempre orientadora, Lara, Nadsa,
Matheus, Joo, Andra e Nut.
A todos os colegas, mais prximos ou mais distantes, mas que de alguma forma
contriburam no decorrer deste estudo.
Muito especialmente, sou grata a todas as crianas, que so a inspirao e motivo
principal deste estudo. Elas que sinalizam e simbolizam o meu trajeto de vida,
tantas vezes sinuoso, mas reto no sentido de no perder de vista o que importa
de verdade.
NDICE
PARTE 1 - INTRODUO ....................................................................... 27
1.1 Apresentao ................................................................................... 27
1.2 Hiptese ........................................................................................... 34
1.3 Objetivo ............................................................................................ 36
1.3.1 Objetivos especficos ............................................................................................................ 36
1.4 Justificativa ..................................................................................... 37
1.4.1 A televiso, a infncia e pesquisas ..................................................................................... 40
1.5 Tipo de estudo e metodologia ........................................................ 43
1.5.1 Amostra, corpus e anlise .................................................................................................... 45
1.6 Estrutura da investigao ............................................................... 46
PARTE 2 - A CONSTRUO HISTRICO-SOCIAL DO BRINCAR NA INFNCIA ...... 47
2.1 A construo social da infncia: alguns apontamentos ............... 47
2.2 A infncia brasileira e as heranas culturais - distintas e
misturadas ....................................................................................... 55
2.3 O brincar e o brinquedo da criana brasileira um aporte
de cores............................................................................................ 60
2.4 Entre brincadeiras e fantasias, o castigo e a violncia ................ 69
2.5 Sculos XIX e XX e os novos desafios para a infncia
brasileira .......................................................................................... 75
PARTE 3 - A CRIANA E A MDIA NA CULTURA CONTEMPORNEA ................. 81
3.1 A vivncia da infncia e os novos modos de brincar no
ambiente miditico .......................................................................... 83
3.2 A mdia da sociedade moderna no mundo infantil: breve
resgate ............................................................................................. 88
3.3 A centralidade da mdia televisiva ................................................. 93
3.4 A televiso e a infncia ................................................................... 97
3.5 Conversaes atuais sobre o direito da criana com
relao televiso no contexto do Brasil ................................... 103
PARTE 4 - CONSIDERAES INICIAIS SOBRE A PESQUISA .......................... 109
4.1 Ponto de partida: concepo, objetivos e mtodos .................... 110
4.2 A pesquisa - os sujeitos, os lugares e os caminhos .................... 112
4.2.1 Os sujeitos ............................................................................................................................. 112
4.2.2 Os lugares e os caminhos................................................................................................... 114
4.2.3 Escutando e abrindo caminhos ......................................................................................... 120
4.3 Instrumento de coleta: o questionrio ......................................... 124
4.4 Universo e amostra ....................................................................... 126
4.5 Reflexes sobre o processo de fazer ........................................... 131
PARTE5 - ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS .......................... 135
5.1 Tpico I - Perfil dos participantes da pesquisa ........................... 138
5.1.1 Perfil por sexo ....................................................................................................................... 141
5.1.2 Perfil por faixa etria ............................................................................................................ 141
5.1.3 Perfil por srie escolar......................................................................................................... 141
5.1.4 Classificao socioeconmica ........................................................................................... 143
5.2 Tpico II - Caracterizao da amostra ......................................... 145
5.2.1 Escola pblica e escola particular ..................................................................................... 145
5.2.2 Composio domiciliar ........................................................................................................ 146
5.2.3 Posse de itens ....................................................................................................................... 149
5.2.3.1 Posse de TV por assinatura 151
5.2.3.2 Tablet 154
5.2.3.3 Computador 156
5.2.3.4 Telefone celular 160
5.3 Tpico III Lazer e preferncia - o lugar da televiso ................ 164
5.3.1 Preferncia por tipos de lazer ............................................................................................ 166
5.4 Tpico IV Frequncia de uso ...................................................... 175
5.4.1 Rdio ...................................................................................................................................... 176
5.4.2 Revistas em quadrinhos ..................................................................................................... 176
5.4.3 Revistas em geral ................................................................................................................. 176
5.4.4 DVD ........................................................................................................................................ 177
5.4.5 MP3 ......................................................................................................................................... 177
5.4.6 Telefone celular .................................................................................................................... 177
5.4.7 Computador .......................................................................................................................... 178
5.5 Tpico V - A Televiso: frequncia de uso e aprazibilidade ....... 180
5.5.1 Frequncia de uso da TV .................................................................................................... 180
5.5.2 Aprazibilidade pela audincia a TV ................................................................................... 182
5.6 Tpico VI - Condies em que realiza a assistncia TV .......... 184
5.6.1 Local onde assiste TV ...................................................................................................... 184
5.6.2 Como assiste TV sozinho ou acompanhado? ........................................................... 185
5.6.3 Presena de TV no quarto .................................................................................................. 190
5.7 Tpico VII Audincia: preferncias e motivaes .................... 192
5.7.1 Preferncia de audincia na TV do que mais gosta .................................................... 192
5.7.1.1 Motivaes e argumentos 196
5.7.2 Preferncia de audincia na TV - do que menos gosta .................................................. 198
5.7.2.1 Motivaes e argumentos 200
5.7.3 Frequncia de audincia na TV ao que mais assiste .................................................. 202
5.7.4 Preferncia de audincia por canal de exibio.............................................................. 208
5.7.5 Personagem de TV favorito ................................................................................................ 211
5.7.5.1 Motivaes e argumentos 217
5.7.6 Personagem projetado/idealizado ..................................................................................... 222
5.7.6.1 Motivaes e argumentos 231
5.8 Tpico VIII A TV percepo sobre ensinamentos e
aprendizagem................................................................................. 232
5.8.1 Percepo de aprendizagem com a TV coisas boas ............................................... 232
5.8.2 Percepo de aprendizagem com a TV coisas ruins ............................................... 235
5.8.3 Imagem dos pais acerca da TV, com base na percepo das crianas....................... 239
5.9 Tpico IX Leituras da violncia na TV ....................................... 244
5.9.1 Avaliao da presena de violncia na TV ....................................................................... 244
5.9.2 Categorias de programas violentos .................................................................................. 246
5.9.2.1 Motivaes e argumentos 255
5.9.3 Audincia a programas violentos ...................................................................................... 260
5.9.4 Permisso dos pais .............................................................................................................. 263
5.9.5 Percepo da influncia da violncia da TV nas atitudes infantis, sob a
ptica das crianas .............................................................................................................. 266
5.9.5.1 Motivaes e argumentos 267
5.9.6 Personagem mais violento da TV ...................................................................................... 276
5.9.6.1 Motivaes e argumentos 280
5.10 Tpico X O espao das novelas e dos seus personagens
no cotidiano e no imaginrio infantil ............................................ 281
5.10.1 Aprazibilidade a audincia a novelas ................................................................................ 282
5.10.2 Preferncia por novelas ...................................................................................................... 286
5.10.2.1 Motivaes e argumentos 287
5.11 Tpico XI Preferncia por brincadeiras infantis e a
relao com a violncia da TV ..................................................... 289
5.11.1 Preferncia por brincadeiras na escola ............................................................................ 290
5.11.2 Percepo de brincadeiras violentas ................................................................................ 295
PARTE 6- CONCLUSES...................................................................... 301
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................... 329
APNDICES ...................................................................................... 345
ANEXOS .......................................................................................... 351
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Distribuio da populao por sexo e idade
Fortaleza-Cear-Brasil ..............................................................126
Tabela 2: Quantidade de meninos e meninas, por idade, na
cidade de Fortaleza-Cear - Brasil ..........................................139
Tabela 3: Distribuio dos alunos do ensino fundamental entre
escolas pblicas e particulares da Regio
Metropolitana de Fortaleza ......................................................139
Tabela 4: Classificao socioeconmica................................................143
Tabela 5: Classe socioeconmica e posse de TV por assinatura .......144
Tabela 6: Composio domiciliar e classe socioeconmica ...............147
Tabela 7: Nmero de irmos e tipo de escola ........................................149
Tabela 8: Penetrao da TV Paga na Amrica Latina ............................152
Tabela 9: Classe socioeconmica por tipo de escola e por
posse de TV por assinatura .....................................................153
Tabela 10: Posse de tablet ..........................................................................155
Tabela 11: Posse de computador ..............................................................156
Tabela 12: Frequncia de uso de computador por tipo de escola ........157
Tabela 13: Posse de celular ........................................................................160
Tabela 14: Tipo de lazer, por gnero e por srie escolar
Resposta mltipla .....................................................................167
Tabela 15: Preferncia por atividade no computador Resposta
mltipla .......................................................................................171
Tabela 16: Frequncia de uso do computador por tipo de escola ........179
Tabela 17: Assistncia a TV por gnero ................................................... 182
Tabela 18: Aprazibilidade em relao TV .............................................. 183
Tabela 19: Companhia para assistir TV .................................................... 186
Tabela 20: Tipo de companhia para assistir TV por tipo de escola
Resposta mltipla ................................................................. 189
Tabela 21: Presena de TV no quarto da criana.................................... 191
Tabela 22: Preferncia por assistncia na TV primeiras opes
nomeadas .................................................................................. 194
Tabela 23: Audincia a programas de TV primeiras opes
nomeadas .................................................................................. 205
Tabela 24: Preferncia por canal de TV, gnero e posse de TV
por assinatura ........................................................................... 209
Tabela 25: Personagem favorito da TV primeiras opes
nomeadas .................................................................................. 211
Tabela 26: Motivaes relacionadas preferncia por
personagens de TV por gnero .............................................. 220
Tabela 27: Motivaes relacionadas preferncia por
personagens de TV, por tipo de escola ................................. 221
Tabela 28: Projeo dos personagens de TV primeiras opes
nomeadas .................................................................................. 222
Tabela 29: Percepo de aprendizagem de coisas boas com a
TV, por tipo de TV e por posse de TV por assinatura .......... 235
Tabela 30: Percepo de aprendizagem de coisas ruins
apresentadas na TV, por tipo de escola e por posse
de TV por assinatura ................................................................ 237
Tabela 31: Imagem dos pais da TV, na opinio das crianas
primeiras opes nomeadas .................................................. 239
Tabela 32: Percepo da presena de violncia na TV, por tipo
de escola e por posse de TV por assinatura ........................ 245
Tabela 33: Percepo de presena de violncia na TV primeiras
opes nomeadas .....................................................................249
Tabela 34: Presena da violncia por tipo de escola, por posse
de TV por assinatura e por faixa etria ..................................251
Tabela 35: Percepo da presena de violncia na TV, por tipo
de escola e por posse de TV por assinatura .........................255
Tabela 36: Motivaes associadas percepo de presena de
violncia na TV, por tipo de escola e por posse de TV
por assinatura ...........................................................................259
Tabela 37: Audincia a programas violentos por gnero .......................261
Tabela 38: Permisso dos pais para assistncia a programas
considerados violentos pelas crianas, por tipo de
escola, por posse de TV por assinatura e por faixa de
idade ...........................................................................................264
Tabela 39: Motivaes sobre a percepo da influncia da
violncia da TV no comportamento dos amigos por
tipo de escola ............................................................................269
Tabela 40: Imitao de personagem ou cena de violncia da TV
pelos amigos, por gnero ........................................................274
Tabela 41: Imitao de personagem /cena de violncia da TV
pela prpria criana - primeiras opes nomeadas .............274
Tabela 42: Tipo de personagem ou cena de violncia da TV
imitao pela criana entrevistada .........................................276
Tabela 43: Personagem mais violento da TV primeiras opes
nomeadas...................................................................................278
Tabela 44: Aprazabilidade a audincia a novelas, tipo de escola,
por posse de TV por assinatura e por faixa etria ................284
Tabela 45: Principais motivaes da assistncia a novelas ..................287
Tabela 46: Preferncia por brincadeiras no intervalo das aulas na
escola por tipo de escola ..................................................... 293
Tabela 47: Preferncia por brincadeiras no intervalo das aulas na
escola por gnero ................................................................. 294
Tabela 48: Percepo de brincadeiras violentas praticada com
amigos por gnero e por tipo de escola ............................... 298
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Sexo ............................................................................................141
Grfico 2: Faixa etria ................................................................................141
Grfico 3: Srie escolar ..............................................................................141
Grfico 4: Tipo de escola ...........................................................................145
Grfico 5: Composio domiciliar ............................................................146
Grfico 6: Nmero de irmos ....................................................................148
Grfico 7: Posse de TV por assinatura .....................................................153
Grfico 8: Locais de acesso, no Brasil, Portugal e mdia
europeia .....................................................................................162
Grfico 9: Preferncia por tipo de lazer Resposta mltipla ................166
Grfico 10: Preferncia por atividades no computador Resposta
mltipla .......................................................................................170
Grfico 11: Preferncia por games Resposta mltipla ..........................172
Grfico 12: Preferncia por atividades nas horas vagas ou de
lazer ............................................................................................173
Grfico 13: Frequncia de audincia Rdio ............................................176
Grfico 14: Frequncia de leitura Revistas em quadrinhos .................176
Grfico 15: Frequncia de leitura Revistas em geral .............................176
Grfico 16: Frequncia de uso DVD ........................................................177
Grfico 17: Frequncia de uso MP3 .........................................................177
Grfico 18: Frequncia de uso Celular ....................................................177
Grfico 19: Frequncia de uso Computador ..........................................178
Grfico 20: Frequncia de assistncia a TV ............................................. 180
Grfico 21: Assistncia a TV ....................................................................... 181
Grfico 22: Local em que assiste TV ...................................................... 185
Grfico 23: Tipo de companhia para assistir TV Resposta
mltipla ...................................................................................... 188
Grfico 24: Preferncia de audincia na TV Resposta mltipla .......... 192
Grfico 25: Motivaes relacionadas preferncia pelos
programas de TV Resposta mltipla .................................. 196
Grfico 26: Preferncia de audincia na TV - do que menos gosta
Resposta mltipla ................................................................. 199
Grfico 27: Desestmulos relacionadas audincia a programas
de TV Resposta mltipla ...................................................... 201
Grfico 28: Preferncia por audincia na TV por categorias pr-
definidas .................................................................................... 203
Grfico 29: Comparativo entre preferncia e assistncia a
programas de TV ...................................................................... 204
Grfico 30: Preferncia por canal de TV .................................................... 208
Grfico 31: Preferncia relativa aos personagens de TV por
gnero ........................................................................................ 215
Grfico 32: Personagem favorito da TV por categoria ............................ 217
Grfico 33: Motivaes relacionadas preferncia por
personagens de TV .................................................................. 218
Grfico 34: Projeo dos personagens de TV por gnero ................... 227
Grfico 35: Projeo dos personagens de TV por categoria ............... 230
Grfico 36: Motivaes relacionadas projeo por personagens
de TV .......................................................................................... 231
Grfico 37: Percepo de aprendizagem de coisas boas com a
TV ............................................................................................... 233
Grfico 38: Principais coisas boas apresentadas na TV ......................233
Grfico 39: Percepo de aprendizagem de coisas ruins com a
TV ................................................................................................235
Grfico 40: Principais coisas ruins apresentadas na TV .....................238
Grfico 41: Percepo da presena de violncia na TV ...........................245
Grfico 42: Percepo de presena de violncia na TV por
categorias pr-definidas Resposta mltipla .......................247
Grfico 43: Percepo de presena de violncia na TV por
categorias ..................................................................................247
Grfico 44: Motivaes associadas percepo de presena de
violncia na TV ..........................................................................256
Grfico 45: Audincia a programas violentos ...........................................261
Grfico 46: Permisso dos pais para assistncia a programas
considerados violentos pelas crianas .................................264
Grfico 47: Percepo de influncia da violncia da TV por
amigos e pela prpria criana .................................................266
Grfico 48: Motivaes sobre a percepo da influncia da
violncia da TV no comportamento dos amigos ..................268
Grfico 49: Motivaes sobre a percepo da influncia da
violncia da TV na criana entrevistada ................................271
Grfico 50: Comparativo sobre a imitao de personagem /cena
de violncia da TV .....................................................................273
Grfico 51: Personagem mais violento da TV ...........................................277
Grfico 52: Motivaes relativas aos personagens mais violentos
da TV ...........................................................................................280
Grfico 53: Aprazibilidade a audincia a novelas .....................................282
Grfico 54: Preferncia por novelas ...........................................................286
Grfico 55: Preferncia por brincadeiras no intervalo das aulas na
escola ........................................................................................ 290
Grfico 56: Percepo de brincadeiras violentas praticada com
amigos ....................................................................................... 295
Grfico 57: Tipo de brincadeira violenta praticada com amigos............ 295
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Pintura de uma famlia de nobres ingleses jogando ..............52
Figura 2: A Casa, 1870, de J. Champney Wells .......................................58
Figura 3: Vida de criana, criana de escola pblica, oito a 10
anos ..............................................................................................77
Figura 4: Vida de criana, criana de escola pblica, oito a 10
anos ..............................................................................................77
Figura 5: Vida de criana, criana de escola particular, oito a 10
anos ..............................................................................................78
Figura 6: Modelo de um parque de escola particular ...........................115
Figura 7: Modelo de quadra de escola particular ..................................116
Figura 8: Modelo I de uma quadra de escola pblica ...........................117
Figura 9: Modelo de ptio de escola pblica .........................................118
Figura 10: Modelo II de quadra de escola pblica ...................................118
Figura 11: Vida de criana - criana de escola pblica, oito a 10
anos ............................................................................................128
Figura 12: Vida de criana - criana de escola particular, oito a
10 anos .......................................................................................128
Figura 13: Mapa de localizao das escolas pblicas e
particulares onde foi realizada a pesquisa ............................131
LISTA DE SIGLAS
ANATEL Agncia Nacional de Telecomunicaes
CETIC Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informao e da
Comunicao.
DVD Digital Versatile Disc
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
GTA Grand Theft Auto
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IBOPE Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica
MMA Mixed Martial Arts
MP3 MPEG-1/2 Audio Layer 3
MPEG Moving Picture Experts Group
ONU Organizao das Naes Unidas
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
RMF Regio Metropolitana de Fortaleza
UFC Ultimate Fighting Championship
UnB Universidade de Braslia
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e
a Cultura
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
VCR Video Cassette Recorder
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 27
27
1 INTRODUO
1.1 Apresentao
Pelo que me lembre, sempre gostei de observar o funcionamento da natureza e
da vida; quando bem pequenina, escutando as histrias de assombrao e de
visagens da Badinha1, em noite de lua cheia, sem energia eltrica, na casa da
minha av. Depois, lendo as histrias de Barba Azul, de Ali Bab e os 40 ladres
ou de Joo e Maria e, posteriormente, escrevendo... Escrevendo histrias que
recontava para as crianas as descobertas de adulto. Tudo isso para que as
crianas entendessem de maneira mais fcil, divertida e afetiva um pouco do
mundo maior ou do mundo dos maiores.
Fui escrevendo histrias para crianas e, com os meus 18 anos, veio o primeiro
livro, o Jacar Bom Papo. Depois, com o passar dos anos, vieram outros
personagens da turminha da Floresta Encantada, formando uma coleo de
livros infantis, que receberam os seguintes ttulos: Lili e Lolita, Fil, a aranha
costureira, Zaz, a girafa amiga, A descoberta do Dr. Corujo , Sabia do Sabi?,
Mame da barriga... Mame do corao, entre outros.
Dessa forma, fui constituindo um espao que me aproximava, cada vez mais, da
diversidade de mundos infantis que descobri existir, como expresso nas palavras
da menina de oito anos, participante do grupo focal que realizei no perodo da
dissertao do meu mestrado, ao pedir que pintasse um quadro com o tema
1 Maria de Lourdes Campos, mais conhecida como Badinha, residente no interior do serto do Cear,
no municpio de Hidrolndia. Foi cuidadora de trs geraes da famlia Timb, especificamente dos meus avs Antenor Camelo Timb e Francisquinha Mouro de Aquino Timb, tratando sempre amorosamente a todos. Em 2013, completou 85 anos. At hoje, ainda gosta de contar suas histrias aos bisnetos (informao verbal).
28 Regina Pacis Timb Ferreira
28
mundo de criana tia, mas eu pinto o mundo de criana pobre ou mundo de
criana rica?
Fazendo uma trajetria labirntica, tal como Teseu com seu novelo de l,
buscando encontrar o caminho, fui chegando perto da minha criana interior e
descobrindo os meus anseios e desejos de vida, alguns idealizados, mais
aproximados dos contos de fadas, outros mais concretos, cheios de razo e
objetividade. Uma das descobertas que fiz foi a de que almejava contribuir com
o estabelecimento de um mundo sempre melhor para as crianas. Dessa forma,
acerquei-me de situaes que nem pareciam infantis - duras e cruas, mas sempre
no sentido de transform-las.
Realizando um trajeto de aproximao com as teorias acerca do universo infantil,
e, ao mesmo tempo, envolvendo-me com a prtica dos projetos sociais e
filantrpicos com crianas em bairros de periferia da cidade de Fortaleza, agora,
nesta tese, busco me aprofundar em leituras e autores, alm de pesquisas e
anlises que possam contribuir, em molde cientfico, com outro estudo sobre o
universo infantil.
Sob a ptica das crianas, buscando escutar o sujeito que fala, ou, simplesmente,
o sujeito que brinca, venho ouvir as crianas do nosso tempo, pobres ou ricas,
todas aquelas que brincam cercadas pelos aparatos da contemporaneidade,
sobretudo marcadas pela cotidianidade da televiso. Como nos aponta o autor
Gilles Brougre:
O brinquedo dotado de um forte valor cultural, se definirmos a cultura como o conjunto de significaes produzidas pelo homem. Percebemos como rico de significados que permitem compreender determinada sociedade e cultura. (2010:8).
A tese sob relatrio, que tem como ttulo A influncia da televiso nas brincadeiras
infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia investiga como as crianas
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 29
29
veem a influncia da violncia da televiso nas brincadeiras infantis. O objetivo
principal conhecer a ptica das crianas, nesse caso, aquelas de oito a 12 anos,
estudantes de escolas pblicas e particulares, de vrias zonas ou regies
demogrficas da cidade de Fortaleza, no Estado do Cear, no Nordeste do
Brasil.
A estrutura desta tese que compreende desde o levantamento de dados
secundrios, estudo bibliogrfico, pesquisa quantitativa e qualitativa,
interpretao, anlise dos dados e resultados est organizado em um total de
(seis) partes.
Em princpio este estudo traz a estrutura das partes integrantes do projeto de
tese, que foi o ponto de partida desta investigao. Assim sendo, constam: a
apresentao, hiptese da investigao, objetivos, justificativa, tipo de estudo e
metodologia e a estrutura da investigao.
Na Parte 2 desta pesquisa, A construo histrico-social do brincar na infncia, recobra
aspectos do passado, com o objetivo de contextualizar e compreender melhor o
modo como o conceito de infncia foi se edificando e como o brincar foi sendo
vivido e compreendido. Com efeito, aborda a formulao histrico-social da
infncia, tendo como fundamento alguns estudos antecedentes, destaque no
contexto internacional, para Aris, 1981; Heywood, 2004; Corsaro, 2011;
Buckingham, 2002, entre outros. No Brasil, entre diversos estudiosos dessa
temtica, dialogamos com Priore, 2007; Freyre, 2001; Altman, 2007;
Chambouleyron, 2007; Rizzini, 2008, entre outros. Como a nossa investigao
foi realizada no Brasil, tratamos de apresentar a criana brasileira, realizando uma
anlise descritiva da infncia nacional e suas heranas culturais, sempre distintas
e, ao mesmo tempo, misturadas. Nesse percurso, mantivemos como linha
condutora a compreenso e o entendimento do brincar e do brinquedo para
infncia, enfocado sob a ptica da formao do povo e da cultura brasileiros.
30 Regina Pacis Timb Ferreira
30
Ainda a Parte 2, aborda a questo da violncia que permeia o mundo do brincar.
Utilizando como linha condutora a histria da infncia brasileira, que tematiza os
castigos e violncias, embora comum aos ncleos sociais naquela poca, tinham
intensidade e frequncia bem diferentes, a depender, sobretudo, da etnicidade e
da classe social da criana.
Nesse sentido, recorro ao pensador contemporneo Michel Foucault (1986), ao
acentuar que as luzes reivindicadoras da liberdade no sculo XVII foram as
mesmas que criaram formas disciplinadoras - uma tecnologia da docilizao e de
utilidade dos corpos. Os colgios, assim como as fbricas, as prises, os hospitais
e os quartis, so por excelncia espaos onde as tcnicas disciplinares criam
homogeneidade, o controle e a ordem, onde o corpo constitui mquina
multissegmentar. Concluo a Parte 2, aproximando-me do sculo XX e dos novos
desafios para a infncia brasileira.
Na Parte 3, A criana e a mdia na cultura contempornea, realizo breve
retrospecto histrico-analtico acerca do surgimento das diversas mdias e de
como influenciaram os novos modos do brincar, desde os livros infantis,
enfocados aqui como uma das primeiras mdias com as quais as crianas se
relacionavam, at chegar era televisiva. Ao abordar a vivncia da infncia e os
novos modos de brincar no ambiente miditico, considero a centralidade da
mdia na cultura contempornea que modifica to intensa e rapidamente a
relao de espao e tempo (GIDDENS, 1991), transformando as formas de
interao e os processos de relao das pessoas entre si e com o mundo.
Possivelmente, so as crianas aquelas que experimentam as maiores
transformaes na forma de viver nesse entorno miditico, que a um s tempo
amplia seus horizontes, expondo-as tambm a riscos. Assim sendo, enfoco,
ainda na Parte 3, os direitos da criana no que concerne comunicao, em
particular, abordando a televiso no contexto do Brasil, elaborando um resgate
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 31
31
acerca dos esforos do Estado e da sociedade brasileira, com vistas a proteger a
criana da exposio de contedos inadequados sua formao.
Na Parte 4, Consideraes iniciais sobre a pesquisa, procedo a uma descrio do
ensaio, problematizando os sujeitos, os lugares e o caminho percorrido durante a
investigao. Delineio os mtodos de investigao utilizados, sendo estes
quantitativos e qualitativos. Quantitativos, pela opo de obter dados percentuais
acerca dos hbitos cotidianos das crianas em relao s mdias, especialmente a
televiso, alm de levantar as preferncias das crianas de escola pblica e
daquelas de escola particular por programas e personagens televisivos, suas
motivaes de escolhas pelos diversos tipos de brincadeiras cotidianas na relao
com a violncia da televiso, estratificados por gnero, faixa etria, classe social e
srie escolar. Qualitativos, pela necessidade de obter respostas mais
aprofundadas, que dessem conta das interpretaes das crianas sobre os
processos pesquisados, alm da importncia de ter anlises integradas
quantitativas e qualitativas. Esse captulo expressa ainda, os contextos em que a
pesquisa foi realizada, as dificuldades, percalos e desafios, que me faziam,
algumas vezes, refletir sobre o fazer e refazer.
A Anlise e interpretao dos resultados so apresentadas na Parte 5, com a utilizao
de uma estrutura preliminar configurada por tpicos de anlise das informaes
levantadas com base no que foi coletado e no que se mostrou relevante no
decorrer da investigao. O objetivo dessa estruturao por tpicos da Parte 5
foi facilitar a organizao das ideias bsicas ou pontos-chave do estudo.
Inicialmente apresento o perfil do pblico participante da pesquisa, composto
por faixa etria, sexo, srie escolar e classificao socioeconmica. Em seguida,
trago ainda a caracterizao da amostra, que informa sobre aspectos relativos
composio familiar e posse de bens de consumo, alm de itens considerados
fundamentais para a anlise e conhecimento dos traos dos participantes da
32 Regina Pacis Timb Ferreira
32
pesquisa, tais como a posse de TV por assinatura, j que, alm de se tratar de um
estudo sobre televiso, o resultado acerca da posse de TV por assinatura elabora
corte por classe econmica.
Em seguida, direciono a perspectiva para questes associadas relao das
crianas com o lazer e com as mdias, em especial com a televiso. Creio ser
essencial conhecer as principais opes e preferncias de entretenimento das
crianas, visto que a relao com a mdia enfocada como uma possibilidade de
lazer pelas crianas. Alm disso, este um estudo sobre a relao da criana com
a televiso, portanto, imprescindvel considerar a questo dos hbitos e
cotidiano infantil.
Prossigo, na Parte 5 apresentando os resultados acerca da frequncia de uso de
mdias, tais como rdio, revistas em quadrinhos, revistas em geral,
computador/internet, telefone celular, DVD, MP3 e da televiso. Neste caso,
alm do conhecimento acerca da frequncia de uso, procuro analisar a
aprazibilidade pela audincia TV, enfatizando as condies em que se realiza
essa assistncia. A anlise se estende tambm s preferncias das crianas por
canais de TV, programas e personagens, bem como os principais argumentos
e/ou motivaes dessa preferncia. Trago tambm a percepo das crianas a
respeito da aprendizagem na audincia TV, seja nos aspectos positivos ou nos
negativos, alm da imagem dos pais acerca da televiso, tendo por base a
percepo das crianas.
Considerando a presena da violncia na TV, e com o propsito de
compreender que leitura as crianas fazem disso, minha ateno se amplia para o
exame das categorias de programas apontados como violentos pelas crianas,
alm dos personagens de TV que se tornam smbolos nesse aspecto. Ainda na
abordagem atinente s leituras que as crianas fazem da violncia na TV,
apresento um tpico especfico sobre as novelas, que alcanam elevado ndice de
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 33
33
audincia no Brasil, tambm entre crianas de oito a 12 anos, sendo apontadas
como fonte de contedos de violncia. No tpico acerca da influncia da
violncia da TV nas brincadeiras infantis, sob a ptica das crianas, apresento as
principais preferncias por brincadeiras infantis em geral e a percepo no
tocante s brincadeiras encaradas como violentas, buscando compreender suas
motivaes e elementos de atratividade ou repulsa.
Em decorrncia da amplitude da pesquisa e da diversidade de temticas que este
estudo engloba, elegi alguns tpicos ou itens para dar nfase na anlise, tendo
como critrio de seleo a relevncia da questo relativamente aos objetivos
principais da investigao.
As ideias fundamentais desta busca so identificadas nas Concluses, que refletem
minha apreciao crtica como pesquisadora luz das informaes adquiridas
com o estudo, seguidas pelas Referncias utilizadas ao longo da investigao.
Nelas, me remeto s fontes de consultas de dados, nos mbitos terico e
emprico, no tocante s obras consultadas, incluindo-se a as referncias oficiais e
eletrnicas. Finalmente, apresento, no campo Apndices, um conjunto de
instrumentos de coleta dos dados, tais como o questionrio e roteiro das
entrevistas em profundidade. No campo Anexos, apresento o termo de
consentimento livre e esclarecido, documento de autorizao dos pais, ou
responsveis, para a participao das crianas na pesquisa.
Assim sendo, espero que os resultados e anlises deste estudo, possam contribuir
para ampliar o conjunto de informaes acerca dessa temtica, alm de alargar o
entendimento e a compreenso das questes da infncia, televiso, violncia e
brincadeiras, oferecendo aprofundado conhecimento dessas questes nos dias
atuais, reforando a importncia da implementao de polticas pblicas que
atendam a necessidade de proteo e promoo da infncia no Brasil. Alm
disso, necessrio fomentar a participao social nos processos da discusso e
34 Regina Pacis Timb Ferreira
34
deciso dessas polticas, haja vista a necessidade do comprometimento e de luta
para a conquista de um sistema televisivo mais ajustado s reais necessidades da
infncia brasileira.
1.2 Hiptese
Partindo do entendimento de que a criana no uma categoria natural, nem
universal, determinada pela Biologia, mas que algo varivel, desde o ponto de
vista histrico, cultural e social (BUCKINGHAM, 2002), e que o significado de
infncia permeado por um processo constante de luta e negociao,
compreendo que o processo de construo social da infncia complexo e
multifacetado.
Detendo-me na infncia atual brasileira, posso asseverar que, alm do fato de
que as crianas veem TV, em uma mdia de trs a quatro horas por dia2, o
prprio ambiente onde alguns vivem est rodeado por uma atmosfera
mediatizada. Ressaltamos, ainda, o fato de que uma parcela expressiva da TV
brasileira de carter comercial/aberta dissemina contedos com intensa carga de
violncia3, portanto relacionando com a composio, a inter-relao ou
retroalimentao das ideias constitudas com suporte no que se chama de
violncia vivida y violncia mediatizada, conforme comentado por
Orozco:
Os efeitos da violncia televisiva se veem assim profundamente delineados a partir do que neste livro de denomina lucidamente a violncia da vida e dos diversos modos de relao das pessoas com a violncia mediada. Vista desse ponto, a casualidade no linear em nenhum dos sentidos, seno circular as violncias da vida alimentam as
2 Estudo realizado pela UNESCO, expresso no livro A criana e a mdia.
3 Fortaleza, Capital do Estado do Cear, cidade onde realizamos nosso estudo, a grade televisiva ocupa
102 horas semanais de programas policiais, nos mais diversos horrios do dia e da noite. Pesquisa de observao acompanhamento da programao televisiva.
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 35
35
televisivas que por sua vez recarregam estas de maneira que os efeitos so acumulativos [].(Apud Martn-Barbero 2004:421).
Por outro lado, enfatizo a concepo de que a criana um sujeito ativo, que
elabora, reelabora e se apropria dos sentidos por intermdio das vivncias com a
experincia mediada, ainda que se reconhea que h um jogo de foras
internas convivendo com inumerveis contradies e conflitos, em um
movimento de resistncia e recriao, prprio do pblico receptor, que interatua
e negocia com o global, interpretando e refazendo as culturas globais por via dos
filtros intermedirios das experincias e dos significados locais, recriando e
(re)significando seu mundo local, muitas vezes com a inteno de modificar as
prprias percepes.
Tendo como pano de fundo o panorama mostrado, esta investigao se articula
em torno da hiptese de que as crianas tendem a se apropriar dos contedos
que veem na TV, tidos como violentos, e incorpor-los em suas brincadeiras
infantis, sendo capazes de identificar a existncia dessa suposta referncia, ainda
que nem sempre reconheam os contedos violentos nos mesmos termos que os
adultos.
Nesse sentido, Brougre assinala que
A cultura ldica incorpora, tambm, elementos presentes na televiso, fornecedora generosa de imagens variadas. Seria inverossmil se a brincadeira da criana no se alimentasse da televiso e de seus efeitos. (2010: 56).
Assim sendo, fundamental aclarar o que espero com a investigao e quais
perguntas encontraro respostas, especialmente, do que se mostra como sendo a
ptica da criana acerca do significado de crescer sob a influncia da televiso e
as repercusses em suas brincadeiras cotidianas.
36 Regina Pacis Timb Ferreira
36
1.3 Objetivo
O objetivo deste estudo , sobretudo, escutar o sujeito que fala, ou melhor, ouvir
a criana que brinca, nesse caso, crianas de oito a 12 anos, estudantes de escolas
pblicas e de escolas particulares, estratificadas por gnero e srie escolar, de
vrias zonas ou regies demogrficas da cidade de Fortaleza, no Estado do
Cear, Nordeste do Brasil, acerca do modo como compreendem a influncia
da violncia exibida na TV nas brincadeiras infantis. Procuro compreender
se elas reconhecem tais contedos como violentos, se os reproduzem em suas
brincadeiras e como analisam a influncia dessa violncia em suas interaes
grupais.
1.3.1 Objetivos especficos
a. Conhecer o espao que as mdias ocupam no cotidiano das crianas
pesquisadas, em especial a televiso, considerando a peculiaridade dos
seus contextos socioeconmicos e culturais.
b. Conhecer as suas preferncias acerca de canais, programas e personagens,
alm das motivaes atreladas a essas escolhas.
c. Identificar contedos televisivos que as crianas pesquisadas entendem
como violentos.
d. Conhecer as preferncias infantis em termos de brincadeiras, buscando
identificar se e como se relacionam com contedos televisivos apontados
como violentos.
e. Promover uma reflexo em torno da contribuio dos meios, em
particular, da televiso, para a promoo de uma cultura de paz e
igualdade para todas as crianas.
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 37
37
1.4 Justificativa
Desde o seu surgimento, nos anos 1950, at os dias atuais, a televiso uma das
mdias de maior destaque na sociedade brasileira, no apenas por sua posio
central no lazer com das famlias, mas, sobretudo, por sua participao na
consolidao de crenas, valores e smbolos da cultura nacional.
No Brasil, a mdia televisiva trouxe consigo uma srie de mudanas nas
estruturas de poder econmico, social e poltico do Pas, pois o incio dessa nova
mdia situa-se no contexto de um perodo de crescimento industrial, apontando
ainda grande movimento de migrao das zonas rurais para as reas urbanas,
alterando as formas de recomposio da hegemonia burguesa, com a ampliao
da concentrao de renda. nessa mesma dcada, especificamente em 1955, que
Juscelino Kubitschek, eleito presidente do Brasil, apresenta o seu plano
desenvolvimentista, comprometendo-se a fazer o Brasil avanar, lanando como
slogan 50 anos em 5. Tudo isso marca esse perodo de intensas mudanas
estruturais no Brasil, contribuindo e acelerando tambm o movimento de
consumo de produtos de mdia.
Com efeito, a TV se desenvolveu e se estendeu velozmente nas mais diversas
regies, o que permitiu estender rapidamente o seu raio de influncia.
Se nos primrdios da TV brasileira, em 1950, existiam apenas 100 aparelhos receptores no Pas, quatro anos depois do seu lanamento, em 1954, este nmero passou para 120 mil unidades. Na dcada de 70, foram mais de 6 milhes de unidades. Em 2002, este nmero j alcanava a casa dos 43.1 milhes, subindo para mais de 59 milhes de domiclios ao final do ano de 2011. (ABERT, 2013. p. 25).
Assim, com o advento da televiso, vieram mudanas de hbitos nas famlias,
dentro e fora dos domiclios. A TV ganhou a centralidade da sala de estar, ou
seja, de forma concreta, passou a ocupar espao na casa, seguido pelo aumento
38 Regina Pacis Timb Ferreira
38
no nmero de televisores dentro de um mesmo domiclio, entre outros aspectos,
mas tambm pela forma simblica que adquire, como sublinha Silverstone:
Los espacios del compromiso meditico, los espacios de la experiencia meditica, son a la vez reales y simblicos. Dependen de la ubicacin y las rutinas que definen nuestra posicin en el tiempo y el espacio. Las rutinas que marcan las realidades del movimiento y la estasis en nuestra vida cotidiana. Las rutinas que definen los sitios de y para consumo meditico. Sentados delante de la pantalla o frente al teclado. En un espacio personal, privado, pero tambin, como lo hemos visto, en un espacio pblico. (2004:139).
Na realidade brasileira atual, a televiso permeia o cotidiano de crianas,
adolescentes e adultos em geral, em nveis variados, a depender de fatores como
a idade, classe social e/ou condies de acessos aos meios de comunicao. De
acordo com o IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, em 2000,
87,9% dos domiclios tinham um aparelho de rdio em casa, 87,2% de
televisores e 83,4% de geladeiras. J no ltimo dado do PNAD 20114, os
televisores esto presentes em 97,2% dos domiclios brasileiros, as geladeiras em
95,8% e a presena de rdios caiu para 83,4%.
Salientamos a capacidade de penetrao e fora da TV tambm na cidade de
Fortaleza, capital onde realizei a pesquisa, pois os aparelhos de TV esto
presentes em 97,9% das residncias, enquanto que geladeiras em 94,8%, isto , o
nmero de domiclios particulares que tm pelo menos um aparelho de televiso
em casa supera o dos que tm geladeira, e isso ocorre desde a dcada de 1980.
Tais dados evidenciam o apreo inequvoco por essa mdia no Pas.
4 Esse estudo faz parte da Pnad - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios, que investiga dados sobre populao, migrao, educao, emprego, famlia, domiclios e rendimento. Foram ouvidas 358.919 pessoas em 146.207 domiclios. O IBGE indica que a populao residente em 2011 no Pas era de 195,2 milhes, sendo 54,2 milhes na regio Nordeste, e em Fortaleza, que a capital onde realizei este estudo, tem aproximadamente, 3,7 milhes de habitantes.
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 39
39
Ainda de acordo com pesquisa do IBOPE5 sobre de consumo de TV aberta,
realizada em 2012, os brasileiros assistiram uma mdia de cinco horas 26
minutos por dia na TV aberta. J pesquisa realizada tambm pelo IBOPE6, de 12
de outubro a 6 de novembro de 2013, com o ttulo de Hbitos de Consumo de
Mdia pela populao brasileira, mostra que a mdia de uso da web de segunda
a sexta-feira de trs horas e 39 minutos, mais do que o tempo dedicado
televiso, que de trs horas e 29 minutos. Cabe ressaltar um dado importante
dessa pesquisa: apenas 3% dos entrevistados relata no assistir nunca televiso
e, no caso da Internet, 53% dos entrevistados afirmaram no ter o hbito de
acessar a WEB.
Essa pesquisa indica ainda sobre o tempo que os brasileiros dedicam escuta do
rdio, que de trs horas e sete minutos, e aos jornais impressos, que de uma
hora e cinco minutos.
Por consequente, analiso que os nmeros dessa recente pesquisa do IBOPE
indicam tendncia de crescimento da Internet, maior pulverizao das mdias em
geral ou, ainda, a utilizao da Internet para acesso a contedos das outras
diversas mdias, tais como a TV, o rdio e os jornais impressos.
Retomando assim, o foco na anlise da mdia televisiva, expresso a ideia de que,
embora com a queda da audincia da TV pelos brasileiros, e a crescente
priorizao da Internet, fica evidente, ainda, a ampla capacidade de penetrao
da televiso nos lares em geral 97% dos brasileiros declaram que assistem
TV, inclusive ou mais intensamente, nos segmentos infantil e juvenil.
5 Estudo que informa sobre o tempo mdio dirio que os brasileiros passam assistindo TV.
Disponvel em Acesso em 28 nov. 2013. 6 Estudo realizado pelo IBOPE sobre Hbitos de Consumo, em 2013, sobre o tempo dirio que os
brasileiros passam assistindo TV, ouvindo rdio e acessando internet. Disponvel em http://adnews.com.br/midia/brasileiro-passa-mais-tempo-na-web-do-que-vendo-tv. Acesso em 07 mar. 2013.
http://adnews.com.br/midia/brasileiro-passa-mais-tempo-na-web-do-que-vendo-tv
40 Regina Pacis Timb Ferreira
40
Assim, relevante o desenvolvimento de estudos que alimentem e atualizem,
constantemente, dados e informaes sobre o modo como os diversos grupos
sociais lidam com as mdias, especialmente a televiso, ampliando o
conhecimento sobre ela, assim como a respeito das implicaes dessa intensa
exposio aos contedos simblicos nela disseminados.
Cabe reafirmar que este estudo assume uma perspectiva scio-histrica e
cultural, em sua anlise da televiso e sua relao com a infncia, em especial no
modo de compreender a violncia televisiva e a relao com as brincadeiras
infantis.
Alm dos grandes avanos tecnolgicos, que deixam a maioria das crianas
fascinadas, a exemplo dos brinquedos eletrnicos, games em geral, inclusive
telefones celulares, computadores e tablets, outros fatores sociais, culturais e
histricos tambm possuem papel decisivo na transformao do brincar das
crianas. Dentre eles, cabe mencionar a perda de espao livre com crescimento
das cidades, a reduo ou ausncia de locais pblicos voltados para o lazer, a
insero da mulher no mercado de trabalho, entre outros. Nos ltimos anos no
Brasil, nota-se o confinamento das crianas e adolescentes em seus domiclios,
tendo se acentuado pela falta de segurana e aumento da violncia. Esses pontos
repercutiram, transformando o mundo das crianas, principalmente a relao
com o brincar.
No prximo tpico, deter-me-ei em pesquisas acerca da TV e da infncia, na
inteno de ampliarmos o conhecimento da temtica na contextura
internacional, contudo sem nos distanciarmos do foco no Brasil.
1.4.1 A televiso, a infncia e pesquisas
Tomando como base estudo da UNESCO sobre mdia, conduzido durante os
anos de 1996 e 1997 com mais de 5.000 alunos de 12 anos de idade, de 23 pases,
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 41
41
incluindo: frica do Sul, Alemanha, Angola, Argentina, Armnia, Brasil, Canad,
Costa Rica, Crocia, Egito, Espanha, Fiji, Filipinas, Holanda, ndia, Japo,
Maurcio, Peru, Qatar, Tadjiquisto, Togo, Trinidad e Tobago, e Ucrnia
(GROEBEL, 2002: 70-71), as crianas passam em mdia de trs a quatro horas
dirias diante da TV, chegando, em alguns pases e/ou segmentos de pblicos a
sete horas dirias, sobretudo nas classes mais empobrecidas (se analisarmos por
estratos sociais). Esse perodo praticamente equivalente ao tempo que passam
na escola portanto, em muitos lares, ainda a televiso que interage, intensa e
cotidianamente, com as crianas.
Como informa Brougre (2010), a televiso a fonte de imagens e contedos
mais amplamente compartilhados, acrescentando que as crianas reproduzem o
que veem na TV, mas tambm ressignificam o que sentem, a brincadeira
permite a criana apropriar-se de certos contedos da televiso. (BROUGRE,
2010:60). Destaca, assim, em sua abordagem, o papel ativo das crianas na
relao com as formas comunicacionais, pois a criana passa do papel de
expectador passivo a expectador ativo, manipulando e recriando o brincar,
as brincadeiras e os personagens da TV.
Parcela expressiva de pases, tais como Canad, Inglaterra e Sucia, se preocupa e
estuda, em vrios nveis, a problemtica do desenvolvimento social das crianas,
inclusive no que diz respeito s capacidades de alfabetizao tecnolgica.
Observam que as diferenas de acesso ou de nvel de percepo e conscincia
das mensagens audiovisuais produzem disparidades nos modos de circulao do
ver e do saber (MARTN-BARBERO, 2004).
Assim sendo, constata-se maior necessidade de estudos para o conhecimento e
compreenso do funcionamento da audincia infantil, pois, como enfatiza
Orozco,
42 Regina Pacis Timb Ferreira
42
La audiencia infantil es una de las ms preocupantes en el sentido que es una audiencia vulnerable, en tanto que los nios estn en un proceso intensivo de formacin, estn formando su capital cultural, sus competencias comunicativas, y por ello son muy receptivos a todo lo que les viene a su entorno. (2003: 4).
No Brasil, as pesquisa mais voltadas para os estudos de recepo televisiva, com
o reconhecimento do receptor como sujeito ativo, superando o modelo focado
estritamente nos meios e/ou efeitos, bem como as pesquisas no campo das
mediaes, so desenvolvidas, principalmente, segundo a perspectiva dos
Estudos Culturais Latino-Americanos, destacando-se Jsus Matn-Barbero,
Nstor Garca Canclini e Guilermo Orozco Gmez.
Segundo Nilda Jacks (1999), no Brasil, so poucos pesquisadores que se
dedicam ao estudo da recepo dos meios de comunicao e estes no esto
ligados a centros de pesquisa reconhecidos por esta linha de investigao. A
autora enfatiza ainda as dificuldades para realizao das pesquisas e falta de
articulao e integrao entre centros, linhas de pesquisas e pesquisadores. A
despeito disso, contudo, a autora sublinha que, desde a dcada de 1990 at os
dias atuais, foram desenvolvidos importantes estudos por diversos pesquisadores
brasileiros, justamente no campo da recepo, infncia e mdia.
Alguns autores/pesquisadores brasileiros ganham destaque, no somente, no
cenrio nacional, mas tambm internacional, tais como a prpria Jacks, 1999;
Fantin, 2006; Pacheco, 1985, Sampaio, 2004, entre outros.
Por mais que haja esforos de pesquisadores e instituies para a realizao de
pesquisas e estudos sobre esse tema, no entanto, sempre sero poucos com a
amplitude das demandas, especialmente ante a ligeireza com que a tecnologia
avana e em razo da grande pluralidade de signos e maneiras como se
exprimem os formatos em comunicao, alm da diversidade com que as
crianas inventam e reinventam a relao com as mdias. Esse um panorama de
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 43
43
grandes desafios para os mais diversos setores da sociedade, especialmente para
pais, educadores, professores e comunicadores.
1.5 Tipo de estudo e metodologia
Esta investigao enquadra-se no mbito dos estudos sobre televiso, violncia,
infncia e brincadeiras. Nesse sentido, busco conhecer sobre a influncia da
violncia da televiso nas brincadeiras infantis, sob a perspectiva das crianas.
Dada a natureza da investigao, combino dois recursos metodolgicos, um de
carter quantitativo e outro qualitativo, utilizados, sucessiva ou simultaneamente,
a depender das fases da pesquisa.
Nem o questionrio de levantamento, nem o grupo focal se constituem no caminho rgio para a pesquisa social. Este caminho pode, contudo, ser encontrado atravs de uma conscincia adequada dos diferentes mtodos, de uma avaliao de suas vantagens e limitaes e de uma compreenso de seu uso em diferentes situaes sociais, diferentes tipos de informaes e diferentes problemas sociais. (BAUER, GASKELL E ALLUM, 2002:22).
Neste estudo quantitativo, predomina o foco nos nmeros e percentuais, com a
apresentao de grficos, planilhas, tabelas e quadros comparativos. Aclaro a
noo de que a opo por obter dados quantitativos encontra-se,
fundamentalmente, na necessidade de conhecer os hbitos cotidianos e
preferncias por programas e personagens de TV das crianas em relao s
mdias, especialmente, a televiso. Alm disso, como esta tese tem como objetivo
estudar o modo como crianas de oito a 12 anos, estudantes de escolas pblicas
e de escolas particulares, de vrias zonas demogrficas da cidade de Fortaleza,
compreendem a influncia da violncia exibida na TV nas brincadeiras infantis,
considero importante que os resultados sejam estratificados por gnero, faixa
etria, srie escolar e classificao socioeconmica, permitindo categorizaes e
realizao de cruzamentos adicionais.
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44
Por outro lado, avalio como fundamental a necessidade de fazer observaes
tendo em conta a vivncia das crianas, alm de dar espao para a expresso e
para fala, pois muito se diz sobre as crianas, no entanto se faz necessrio que
elas prprias se expressem.
A pesquisa com a criana tambm um modo de compreendermos criticamente a produo cultural de nossa poca, e os lugares sociais que adultos e crianas ocupam nesse processo de criao. Portanto, na relao dialgica e alteritria do adulto com a criana que encontramos o fundamento terico-metodolgico da pesquisa sobre a interao da criana com a televiso, tendo o ldico como linguagem mediadora dessa relao. (SALGADO, PEREIRA, SOUZA, 2005:10)
As autoras dessa citao sublinham no artigo Pela tela, pela janela: questes
tericas e prticas sobre infncia e televiso, a importncia do pesquisador
compreender o que as crianas compreendem, o que implica a priorizao do
espao da expresso pela criana.
Assim sendo, na busca de compreenso dos sentidos que as crianas conferem
ao que vivenciam em suas recreaes, com base no que veem na TV, optei
tambm pelo estudo qualitativo. A pesquisa qualitativa permite se enveredar pelo
universo simblico, possibilitando a obteno de opinies mais aprofundadas,
ensejando a apreenso de referncias, valores e crenas mais subjetivas,
conhecendo suas motivaes, representaes e os sentidos estabelecidos sobre
suas prticas.
Estudo integrado com a utilizao da pesquisa quantitativa e da pesquisa
qualitativa confere mais robustez a um estudo que se prope analisar a
percepo das crianas sobre o que veem na televiso e nos programas
televisivos, e sua relao com as brincadeiras infantis, consideradas sob o foco
nos contedos violentos.
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 45
45
No decorrer deste estudo, procuro elaborar anlises globais e especficas, de
forma integrada, utilizando como base os resultados coletados por meio de
mtodos diversos, recorrendo ainda fundamentao de conceitos, estudos e
argumentos de pesquisadores e autores diversos, a exemplo de Postman, 1990;
Steiberg; Kincheloe, 2001; Buckingham, 2002; Corsaro, 2011; Brougre, 2010;
Matin-Barbero, 1997; Orozco, 2004; Lacalle, 2013; Sampaio, 2008; Garca
Galera, 2008; Tornero, 2008; Pinto, 2000; Ponte, 2012, entre outros. Utilizo
ainda pesquisas e referncias com dados comparativo-analticos, tais como a
pesquisa realizada pela UNESCO sobre mdia, as pesquisas realizadas pelo
Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informao e da Comunicao
CETIC.br, tal como a TIC Kids online Brasil 2012, as pesquisas da PNAD -
Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios, que investiga dados sobre
populao, migrao, educao, emprego, famlia, domiclios e rendimento no
Brasil, dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, entre
outras pesquisas de mestrado e doutorado realizadas na rea ou estudos
transversais.
1.5.1 Amostra, corpus e anlise
Entrego ao longo dessa investigao, diversos mtodos e tcnicas de pesquisas,
assim descritos:
a. pesquisa quantitativa - face a face com crianas, realizada em
domiclios e em escolas pblicas e particulares da cidade de Fortaleza,
Cear, Brasil, somando um total de 402 questionrios;
b. pesquisa qualitativa - com a aplicao de seis entrevistas em
profundidade com diretoras, coordenadoras e professoras de escolas
pblicas e particulares;
46 Regina Pacis Timb Ferreira
46
c. observao do recreio nas escolas com a realizao de rodas de
conversa com as crianas;
d. levantamentos de dados secundrios junto a instituies pblicas e
pesquisa na Internet; e
e. elaborao de cruzamentos adicionais e anlises globais e especficas e
integradas, tendo como base os resultados coletados por meio dos
vrios mtodos, e tambm elaborao de fundamentaes com base
em referncias, informaes e dados comparativo-analticos de
resultados de vrios estudos e pesquisas anteriores.
1.6 Estrutura da investigao
Com o objetivo de o leitor poder se situar no estudo acerca do modo como as
crianas pesquisadas compreendem a influncia da violncia exibida na TV nas
brincadeiras infantis, esta investigao se organiza em duas grandes partes.
O primeiro bloco desta tese, integrada pelas trs primeiras partes, elabora um
resgate sobre a construo histrico-social da infncia, o modo como foi se
constituindo a relao da criana com a mdia nas ltimas dcadas e o estado da
questo nos dias atuais, conferindo destaque relao da criana com a televiso,
os contedos violentos nela exibidos e as brincadeiras infantis. O segundo bloco
expressa, em mais trs partes, o percurso metodolgico, a anlise e interpretao
dos resultados da pesquisa e as concluses sobre a influncia da violncia da
televiso nas brincadeiras infantis, sob a perspectiva das crianas, distribudo em
onze tpicos, conforme os temas.
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 47
47
2 A CONSTRUO HISTRICO-SOCIAL DO BRINCAR
NA INFNCIA
Neste captulo, procedo a alguns apontamentos e repasses acerca da construo
histrico-social da infncia e de como o conceito e a histria da infncia foram
constitudos e apropriados no decorrer do tempo. Em adio, abordei a
compreenso e o entendimento acerca do brincar e do brinquedo para a infncia
e seu processo de formao na relao com a cultura brasileira.
2.1 A construo social da infncia: alguns
apontamentos
Mas ser que escrever existe por si mesmo? No. Escrever apenas o reflexo de uma coisa que pergunta.
Clarice Lispector
Em meio s grandes transformaes e mudanas econmicas, polticas, sociais e
culturais que compuseram a histria da humanidade, o conceito de infncia
conferiu paulatinamente diversos significados, enfoques e dimenso nova.
Considerando a complexidade de recuperar essa temtica em uma perspectiva
histrica internacional, j que a histria da criana aparece imbricada com outros
estudos e temas relacionados ou interligados, sobretudo no Continente Europeu,
onde esses estudos comearam mais cedo e de forma bem atenta - pretendo
focalizar aqui, muito mais a histria da criana brasileira. Com o objetivo apenas
de situar o tema com uma perspectiva alargada, no entanto, destaco aqui, pela
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relevncia, sobretudo as pesquisas dos historiadores Philippe Aris (1981) e
Colin Heywood (2004). Alm deles, recorro a outros interlocutores, com o
objetivo de identificar um conjunto de pontos que envolvem o universo infantil.
Inegvel para compor esse quadro a contribuio da abordagem histrica do
livro L Enfant et la vie familiale sous lancien rgime, de 1960. As pesquisas de
Philippe Aris, reunidas na obra citada, causaram tanto impacto na poca que
passaram a ser uma das principais referncias para qualquer texto ou livro
publicado no mundo ocidental sobre infncia, inclusive no Brasil.
Uma das grandes revelaes desse autor foi a de que o mundo medieval ignorava
a infncia e que esta s teria sido descoberta no sculo XVII. Com base nos
estudos das artes, o autor analisou a infncia como desconhecida ou, pelo
menos, no representada, a no ser pela diferena de tamanho entre criana e
adulto. Em outras palavras a criana era vista como um adulto em miniatura.
Aris (1981:50) afirma que (...) provavelmente no havia lugar para a infncia
naquele mundo, referindo-se ao contexto histrico medieval, ao indicar que,
naquele perodo da humanidade, no havia separao ntida entre os universos
adulto e infantil.
Nesse estudo sobre a histria da infncia, v-se que inclusive a significao da
palavra enfant tinha sentido ambguo:
A palavra enfant, nos Miracles Notre-Dame, era empregada nos sculos XIV e XV como sinnimo de outras palavras tais como valets, valeton, garon, fils, beau fils: ele era valeton corresponderia ao francs atual ele era um beau gars (um belo rapaz), mas na poca o termo se aplicava tanto a rapaz um belo valeton como a uma criana ele era um valeton, e gostavam muito dele... o valez cresceu. (ARIS, 1981: 41).
Aprofundando suas anlises, Aris (1981) argumenta que a ausncia de figuras de
crianas das artes representa, alm da falta de espao da infncia na sociedade, a
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ausncia de entendimento e compreenso da existncia da fase da infncia na
linha da vida humana. Nesse sentido, esclarece:
At por volta do sculo XII, a arte medieval desconhecia a infncia ou no tentava represent-la. difcil crer que essa ausncia se devesse incompetncia ou falta de habilidade. mais provvel que no houvesse lugar para a infncia nesse mundo. (P.50).
O ingls Colin Heywood, em seu livro Uma Histria da Infncia (2004),
considera tambm que a infncia pode ser compreendida como um construto
social, que ir variar de acordo com a poca e o lugar. Inclusive os termos
infncia e criana so compreendidos de maneira diferente, estando
condicionados por fatores intervenientes, vinculados a questes culturais,
econmicas, filosficas e religiosas. Segundo o autor,
[...] palavras para criana, como puer, kneht, fante, vaslet, ou enfes. Eram muitas vezes desviadas para indicar dependncia ou servido. Sendo assim, elas tambm poderiam se aplicar a adultos. Bem como a jovens (...) o termo criana poderia usar para algum de 15 anos como de 3 anos. Conclui-se que a infncia (assim como a adolescncia) durante a Idade Mdia no passou to ignorada, mas foi definida de forma imprecisa, e, por vezes, desdenhada. (P.29).
O autor destaca que houve momentos fundamentais de mudana no decorrer da
histria, quando a infncia era (re)descoberta cada vez ou mais de uma vez, a
depender das variadas condies ou circunstncias, fossem elas materiais ou
culturais (HEYWOOD, 2004:35), tais como Pierre Rich, que escreve na
dcada de 1960, que entre os sculos VI e VIII, o sistema monstico
redescobriu a natureza da criana e toda a sua riqueza, a que o historiador
David Herlihy faz referncia acerca de uma infncia doce e sagrada, que
ocorre no sculo XII ou, ainda, que a infncia foi descoberta mais uma vez,
durante os sculos XVI e XVII, quando C. John Sommerville sustenta que
(HEYWOOD, 2004:36), um interesse permanente pelas crianas na Inglaterra
comeou com os puritanos, que foram os primeiros a se questionar sobre a
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natureza e o seu lugar na sociedade, pois, sendo um movimento de reforma,
tinha grande interesse em conquistar outras geraes, notando ainda que, nos
sculos XV e XVIII, a Europa viu surgir e crescer o capitalismo, e com ele, o
aparecimento de alguns pais que comeavam a obter bens, e que se
preocupavam com a forma como os filhos iriam manter suas heranas. Nesse
sentido, comearam a investir na formao de habilidades para que os filhos,
sobretudo os homens, obtivessem sucesso nos negcios e no comrcio.
Para Buckingham (2002), que tambm reconhece essa dimenso construda do
conceito de infncia, a criana no uma categoria natural, nem universal,
determinada pela Biologia; algo varivel, desde o ponto de vista histrico,
cultural e social. Seu significado permeado por um processo constante de luta e
negociao. O autor esclarece:
La infancia es un trmino cambiante y relacional, cuyo significado se define primordialmente o principalmente, por su oposicin a otro trmino cambiante: madurez. (P.19).
Estudos acerca da histria da infncia alertam, ainda, para a compreenso da
criana, situando-a em uma fase plena, singular e prpria, superando o
entendimento que permaneceu, durante muitos sculos, da infncia como uma
fase incompleta do ser humano, quando necessidades como o brincar e os
brinquedos no eram consideradas importantes ou sequer eram percebidas ou
observadas. Destaca Jobim e Souza (2003) a importncia de que a criana amplie
o lugar de um ser que participa da construo da histria e da cultura do seu
tempo. Assinala:
Ao negarmos uma compreenso de uma criana que a desqualifica como algum incompleto, quer dizer, algum que se constitui num vir-a-ser distante do futuro, privilegiamos situ-la no espao em que o tempo se entrecruza entre presente, passado e futuro, rompendo desse modo com a noo de tempo vazio e linear que flui numa direo nica e preestabelecida. (P.159).
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51
Imbricado nos estudos acerca da compreenso da infncia est o entendimento
acerca do prprio ato de brincar, ou seja, o comportamento que acompanha o
ser humano, especialmente, na fase inicial da vida. Segundo os estudos de Walter
Benjamin (1987:253), na brincadeira que est a origem de todos os hbitos.
Comer, dormir, vestir-se, lavar-se, devem ser inculcados no pequeno ser atravs
das brincadeiras.
Heywood (2004) destaca que, desde a Idade Mdia, as crianas conseguiam
improvisar brinquedos ou brincadeiras com suporte em objetos da casa ou da
natureza, tais como boneca de pano, cavalinhos de pau feitos de galhos de
rvores, so exemplares de brinquedos que sobreviveram ao tempo. O autor
reconhece, pois, que no somente as crianas de famlias em boas condies,
mas os filhos de famlias pobres no eram necessariamente privados de
diverso. (P125).
As comprovaes desses hbitos ou comportamentos infantis so ilustradas por
meio das artes - pinturas e desenhos, obviamente que, mais largamente, das
famlias mais abastadas. O livro O Mundo Domstico, de Charles Boyle (1994:75),
traz a foto de um leo de 1594, em que retrata uma famlia de nobres ingleses,
em que as crianas maiores jogam xadrez e as crianas menores jogam cartas.
Vemos, portanto, que, mesmo na Idade Mdia, algumas crianas j se
apropriavam ou lhes era concedido a permisso para ingressar, nesse caso, no
mundo dos jogos.
52 Regina Pacis Timb Ferreira
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Figura 1: Pintura de uma famlia de nobres ingleses jogando
Fonte: O Mundo Domstico, de Charles Boyle (1994:75)
Vale ressaltar que, como postula Johan Huizinga (2007), em seu livro Homo
Ludens, o jogo7 uma categoria inteiramente primria da vida, o jogo forma
especfica de atividade, como forma significante, como funo social. (2007:6).
Dentro uma perspectiva socioantropolgica, o jogo fornece o significado da vida
social para o grupo. O jogo apontado como algo universal e intrnseco a toda a
humanidade. Assim sendo, as pesquisas nos contam e nos mostram que os jogos
e as brincadeiras acompanham a infncia, antes mesmo do seu descobrimento,
j que a dimenso ldica algo inerente ao ser humano.
Assim como Huizinga (2007), muitos foram os estudiosos, que, com seus
legados, deixam contribuies que vo enriquecendo as pesquisas e estudos.
Importante deixar assinalados os estudos transversais no campo da Histria,
Sociologia, Filosofia, Psicologia, Psicologia, Biologia, Pedagogia, e ainda em
outras reas, que vo contribuindo com suas perspectivas e falas para
reconhecimento da existncia de muitas infncias.
7 O verbo jogar no se diferencia do verbo brincar em diversas lnguas, tais como play na lngua inglesa
e jouer no francs.
A influncia da televiso nas brincadeiras infantis: uma reflexo sobre a cultura da violncia 53
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Segundo William A. Corsaro (2011), em seu livro Sociologia da Infncia , havia
quase uma total ausncia de estudos sobre crianas at a metade do sculo IX,
no entanto, nos ltimos 40 anos, essa realidade mudou. O autor destaca como
contribuies importantes, nesse perodo recente, os estudos de Lloyd DeMause
(1974), que oferece uma teoria psicognica da histria, pela qual as mudanas
histricas nas concepes e no tratamento das crianas resultam da transmisso
parental das prprias ansiedades e de problemas psicolgicos na interao com
os filhos (apud CORSARO 2011: 79), detalhando acerca de uma infncia que
cresceu acompanhada de maus-tratos. Defendia esse pesquisador a ideia de que
havia um padro, desde as molstias at os descuidos com a infncia do Perodo
Medieval at os cuidados mais humanitrios e carinhosos com as crianas dos
dias atuais. J Pollock (apud CORSARO 2011), com seu livro Forgotten Children
desafia algumas concepes do trabalho de Aris, defendendo a ideia de que a
busca pela histria da infncia deve ocorrer com base em fontes primrias mais
diretas. Assim sendo, ele realiza seus estudos tendo como fonte, sobretudo,
dirios, autobiografias e fontes histricas. Pollock defende a noo de que as
crianas tinham muito do cuidado parental, indicando que abusos ou crueldade
com as crianas no eram to comuns. Ganha destaque tambm como estudo
mais atual o livro de Barbara Hanawalt, Growing Up in Medieval London (1993),
(apud CORSARO 2011), que coleta informaes sobre a vida das crianas e
jovens londrinos nos sculos XIV e XV. O foco desse estudo acerca do
tratamento dado s crianas e qualidade de vida, mas que ressalta e desafia
outros estudos medievais, que tendem a afirmar que a criana era somente
maltratada ou que no havia lugar para as brincadeiras, jogos ou brinquedos.
Segundo Corsaro (2011:85), as descries detalhadas de Hanawalt sobre as
brincadeiras, jogos e envolvimento das crianas em rituais e celebraes pblicas,
demonstram que as crianas criavam e participavam de cultura de pares j no
sculo XIV. J a realidade da vida, desde o trajeto at o cotidiano das crianas
escravas nos Estados Unidos pesquisada por Lester Alston e David Wiggings
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(apud CORSARO 2011) que descrevem a realidade dura das crianas escravas,
que, embora vivessem em seus grupos familiares, recebiam tratamento agressivo
ou violento to logo atingiam a idade de 13 anos, momento em que eram
encaminhadas para o trabalho nos campos base de chicotadas. Vale notar ainda
que,
Embora as crianas escravas tambm participassem frequentemente de jogos e brincassem com as crianas brancas da fazenda, um sistema de castas frequentemente se operava dentro do mundo do faz conta de crianas escravas e crianas brancas, da mesma forma como acontecia com os afazeres cotidianos da comunidade da fazenda. (WIGGINGS, 1985:184 apud CORSARO, 2011:88).
Note-se que havia, inclusive nas brincadeiras, a representao do poder e do
modelo fazendeiro ou capataz pelas crianas brancas. J havia tambm, no
entanto, alguma resistncia, pois as crianas escravas se orgulhavam de sempre
vencer as crianas brancas nas brincadeiras verbais ou disputas fsicas.
Essas pesquisas recobradas do tempo devem ser vistas aqui com o objetivo de
fundamentar discusses que possam emergir nesse estudo; outras vezes, podem
me ajudar a compor uma espcie de atmosfera ou clima, permitindo-me captar
um pouco das concepes, ideais ou imagens de um tempo no vivido, mas que
me permite, acima de tudo, ingressar nos conceitos, mundo e histria da
infncia.
Aps essa contextualizao, prossigo, abordando as especificidades da infncia
brasileira, fundamentando e ampliando a compreenso um pouco mais acurada
acerca das razes e heranas do Brasil e suas marcas na formao da infncia
brasileira.
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2.2 A infncia brasileira e as heranas culturais -
distintas e misturadas
Apesar da pouca documentao acerca dos infantes no incio da colonizao
brasileira, uma vez que os registros entre Brasil e Portugal revelam que a criana
era mencionada apenas de forma secundria, procurarei rebuscar um pouco
dessa histria, a fim de buscar compreender os rumos percorridos pela infncia
nesse Pas.
Medos, ingnuos e infantes so trs das expresses utilizadas para
definir a criana em documentos referentes vida social no Brasil, nos primeiros
sculos de colonizao, mais especificamente, no perodo entre Colnia e
Imprio (Del Priore, 2007:84).
Foi na fase quinhentista que a infncia comeou a ser descoberta, mesmo que
lentamente e por caminhos tortuosos e desiguais. J nesse tempo, coexistiam
muitas infncias os filhos dos ndios, dos negros e dos brancos, universos que
pareciam estritamente apartados, seja pela cor da pele, pela origem, lngua,
sobrenome ou pela classe social a que pertenciam. Eles, contudo, estavam
entrelaados por algo comum: a idade.
Foi a Igreja Catlica, especificamente com a Companhia de Jesus, ordem
missionria e depois tambm ordem docente, quem inicialmente olhou para
a criana brasileira. Mesmo que com objetivos e interesses especfi