Danilo Volochko
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA HUMANA
DANILO VOLOCHKO
A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital:
negcios imobilirios e financeiros em So Paulo
SO PAULO
2007
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DANILO VOLOCHKO
A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital:
negcios imobilirios e financeiros em So Paulo
Dissertao apresentada ao Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Geografia.
rea de Concentrao: Geografia Humana Orientadora: Prof. Dr. Ana Fani Alessandri Carlos
SO PAULO
2007
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Ficha Catalogrfica
Volochko, Danilo. A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital: negcios imobilirios e financeiros em So Paulo / Danilo Volochko ; orientadora Ana Fani Alessandri Carlos. So Paulo, 2007. 182 f. Dissertao (Mestrado Programa de Ps-Graduao em Geografia. rea de Concentrao: Geografia Humana) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo. 1. Produo do Espao. 2. Setor Imobilirio. 3. Capital Financeiro. 4. So Paulo. 5. Estratgias. CDD
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AGRADECIMENTOS
O trabalho ora apresentado no teria sido realizado sem a colaborao, ateno e
pacincia de diversas pessoas, ligadas tanto esfera acadmica quanto pessoal. Em
primeiro lugar, gostaria de agradecer os professores do Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo,
particularmente minha orientadora, a Prof. Dr. Ana Fani Alessandri Carlos. Sua
presena e empenho acadmico foram marcantes ao longo da pesquisa, e devo
principalmente a ela o que de mrito possa haver neste trabalho, como de resto em
minha formao terica na Geografia.
Agradeo Prof. Dr. Amlia Lusa Damiani por ter me acolhido no Grupo de
Estudos do Grundrisse e tambm em outros fruns de estudo. Minha rpida passagem
por tais grupos certamente contribuiu para preencher muitas de minhas lacunas
metodolgicas. Agradeo tambm pela oportunidade de cursar sua disciplina na Ps-
Graduao, e pelo aprendizado dela decorrente.
Devo agradecer Prof. Dr. Maria Mnica Arroyo e tambm a Adriano Botelho,
que com muita disposio se dedicaram leitura e argio do meu Relatrio de
Qualificao, trazendo reflexes fundamentais bem como materiais relevantes para o
aprimoramento da pesquisa.
Gostaria de agradecer ao Prof. Dr. Herv milien Ren Thry e Prof. Dr. Rita
de Cssia Ariza da Cruz pelos momentos agradveis e proveitosos que compartilhamos
atravs das atividades de monitoria e estgio supervisionado do Programa de
Aperfeioamento e Ensino (PAE).
Aos professores Glria da Anunciao Alves, Anselmo Alfredo, Heitor Frgoli
Jnior, ngelo Serpa, Luciana Lago, Pedro A. Vasconcelos, Maurcio de Abreu,
Roberto Lobato Corra, agradeo pelas discusses realizadas em encontros e
seminrios.
Agradeo tambm ao Prof. Dr. Lcio Kowarick pela oportunidade de aprender
um pouco mais sobre a viso sociolgica atravs do estudo de algumas de suas anlises
sobre a sociedade moderna na disciplina que cursamos sob sua responsabilidade.
Cabe um agradecimento especial aos pesquisadores e amigos do GESP Grupo
de Estudos sobre So Paulo e aos integrantes do Grupo dos Colquios Terico-
Metodolgicos realizados no Labur Laboratrio de Geografia Urbana. Considero
nossas atividades desenvolvidas nesses grupos seminrios, debates, reunies de
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pesquisa absolutamente centrais para o aprofundamento da discusso conceitual e das
categorias analticas a partir da preocupao em torno da teoria e do mtodo. Neste
sentido, agradeo Fabiana, Camila, Flvia, Flor, Paulinha, Renata, ao Rafael,
ao Svio, ao Jnior, ao Frederico, ao Andr, ao Alexandre, ao Felipe, ao Toms.
Agradeo a todos aqueles que se disponibilizaram em conceder entrevistas,
materiais e outras informaes para nossa pesquisa, entre eles: Lus Paulo M. Ferraz,
Alberto Ferrari, Antnio B. Bandeira, Milton M. Filho, Maria Olide Botelho, Carlos,
Gustavo F. Felizzola, Roglio Tolosa, Adolpho Lindenberg Filho, Janine Heineman,
Rosana, Caroline Santos, Simone, Jos Idelfonso Simes.
Cabe um agradecimento a Andr Gonalves pelo auxlio na elaborao
cartogrfica.
Agradeo FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
pelo importante apoio financeiro fornecido, que possibilitou a mais propcia condio
de trabalho e de dedicao pesquisa, bem como viabilizou, atravs das Reservas
Tcnicas, minha participao em encontros cientficos e tambm a aquisio de dados e
materiais utilizados na pesquisa. Agradeo pelos pareceres aferidos ao trabalho, os quais
nos auxiliaram no andamento da anlise.
Por fim, manifesto minha gratido minha famlia pelo apoio e compreenso,
em especial a meus pais, meu irmo e minha av. Reconheo tambm a imensa ajuda da
Ana Paula, que soube encarar com carinho meus muitos momentos de ausncia
dedicados a este trabalho.
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RESUMO
VOLOCHKO, D. A produo do espao e as estratgias reprodutivas do capital:
negcios imobilirios e financeiros em So Paulo. 2007. 182 f. Dissertao
(Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So
Paulo, So Paulo, 2007. A pesquisa trata do processo de urbanizao contemporneo da cidade de So Paulo,
tendo como foco de anlise a produo do espao atravs das estratgias reprodutivas
do capital financeiro articuladas ao setor imobilirio. Assim, privilegiou-se uma
reflexo sobre as aes econmicas que, ligadas ao plano poltico do Estado,
fundamentam sua reproduo na produo privada do espao residencial capitalista,
cuja lgica obedece aos nexos do valor-de-troca e da valorizao do solo urbano. O
contexto da economia financeirizada marca uma srie de novas relaes entre o grande
capital de origem imobiliria e as finanas, resultando em uma crescente abstrao do
espao como valor financeiro, vinculado e ao mesmo tempo tendente a se autonomizar
da esfera produtiva da construo civil. Assim, o setor imobilirio de ponta
encontra-se cada vez mais financeirizado, seja pela utilizao ampliada de instrumentos
de financiamento s suas atividades, como os Fundos de Investimento Imobilirio, seja
pela abertura de capital e emisso de aes em Bolsa de Valores, que impem inclusive
uma nova racionalidade para o imobilirio. Nesse processo, o setor imobilirio se
capitaliza, passando a gerenciar a construo e a voltar-se principalmente aos negcios
referentes incorporao de terrenos, como base do processo de valorizao do espao.
A pesquisa esteve centrada, num primeiro momento, na investigao emprica do caso
particular do Fundo de Investimento Imobilirio Panamby, sendo que, num segundo
momento, realizou-se uma reflexo sobre a atuao de algumas empresas do setor
imobilirio na totalidade de seus investimentos/lanamentos na cidade de So Paulo, na
qual buscou-se compreender as estratgias espaciais da atividade imobiliria articulada
esfera financeira e com a indstria da construo civil. Desse modo, pde-se conhecer
alguns movimentos da produo do espao urbano atravs da produo capitalista do
imobilirio residencial, como a estratgia da diversificao espacial dos
empreendimentos. Fundamentalmente, percebeu-se que a produo lgica do espao
como valor-de-troca, atravs da produo capitalista, enfrenta e muitas vezes vence
obstculos vindos da prtica socioespacial como elemento negativo desse processo. Palavras-Chave: Produo do Espao, Setor Imobilirio, Capital Financeiro, So Paulo, Estratgias
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ABSTRACT
VOLOCHKO, D. Production of space and the reproductive strategies of capital:
real estate and financial business in So Paulo. 2007. 182 f. Dissertation (Masters
Degree) School of Philosophy and Human Arts and Sciences of the University of So
Paulo, 2007. The research deals with the contemporaneous urbanization process of the city of So
Paulo, holding as focus of analysis the production of space through the reproductive
strategies of financial capital articulated to the real estate sector. Thus, a reflection upon
the economic actions that, connected to the States political plan, base its reproduction
upon the private production of capitalist residential space was pondered, which logic
obeys the senses of trade-value and of urban land valorization. The financed economy
context marks a series of new relations between the large capital deriving from real
estate and the finances, resulting in a growing abstraction of the space as financial
value, entailed and at the same time pending toward gaining its autonomy from the
productive sphere of the civil construction. Thus, the cutting edge real estate sector is
found ever further financed, whether by the widened use of financing instruments to its
activities, such as the Real Estate Investment Funds, or by initial public offers and
issuance of stock at Stock Exchange venues, which actually impose a new rationality to
the real estate sector. In this process, the real estate sector capitalizes and starts to
manage the construction and mainly prioritizes the business referent to real estate land
incorporation as basis of the space valorization process. The research was centered, at
first, on the empiric investigation of the particular case of the Panamby Real Estate
Investment Fund, being that, on a second instance, a reflection was cast forward about
the operation of some companies from the real estate sector in the totality of their
investments/launches in the city of So Paulo, in which it was sought after to understand
the space strategies of the real estate activity articulated with the financial sphere and
with the civil construction industry. In this sense, it was possible to learn about some
urban space production movements through the capitalist real estate residential
production, such as the space diversification strategy of the undertakings.
Fundamentally, it was perceived that the logical production of space as trade-value
through capitalist production endures, and many times beats, obstacles deriving from
the social-spatial practice as a negative element of that process. Keywords: Production of Space, Real Estate Sector, Financial Capital, So Paulo, Strategies
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SUMRIO Apresentao...............................................................................................................................12 Consideraes iniciais............................................................................................................................14
Captulo 1: Caractersticas da urbanizao de So Paulo: formao dos mercados
fundirio e imobilirio e a problemtica espacial emergente 1. Elementos da urbanizao paulistana: industrializao, desenvolvimento dos negcios fundirios e
constituio da centralidade de valorizao imobiliria residencial....................................................20
2. Traos e transformaes da morfologia urbana de So Paulo: apontamentos e advertncia...............26
3. Da historicidade ao sentido da produo espacial na contemporaneidade..........................................29 Captulo 2: Contexto macro-econmico recente: hegemonizao financeira 1. Imposio (neo)liberal da financeirizao: alguns elementos (scio)econmicos..............................33 2. Ajustes do Sistema Financeiro Brasileiro: insero do pas na economia financeira
mundializada........................................................................................................................................39
3. Capital financeiro, imbricaes espaciais e acumulao......................................................................42 Captulo 3: Produo de uma nova espacialidade em So Paulo: caso do Panamby 1. Contedos financeiros do Panamby: um Fundo de Investimento Imobilirio nas margens (opostas) do
Rio Pinheiros........................................................................................................................................52
2. Descrio terico-geogrfica do Panamby: um fragmento da metrpole............................................60
3. Preparando o terreno para a ao financeira e imobiliria: negcios privados, negcio do Estado?...68 4. Um parntese necessrio sobre um caso recorrente: o Panamby luz de anlises precedentes, seu
movimento na pesquisa e dificuldades de anlise................................................................................72 Captulo 4: Consideraes sobre a produo imobiliria do espao sob as finanas 1. Complexidade do setor imobilirio e da produo da mercadoria espao.......................................77 2. Estratgias de venda do espao: caractersticas da presena e da dinmica imobiliria no Panamby (a
viso das comercializadoras)................................................................................................................81 3. Alavancagem financeira do imobilirio: estruturao atual das grandes empresas, abertura de capital
e atividade de incorporao do solo (a viso das incorporadoras/construtoras)..................................90
4. Reforando alguns pontos: incorporao da financeirizao e possveis derivaes.......................104 Captulo 5: Anlise e mapeamento da dinmica imobiliria em So Paulo 1. Mapeamento dos lanamentos imobilirios residenciais em So Paulo de 1992 a 2006 atravs do
recorte da atuao de algumas empresas............................................................................................110
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2. Estratgia da diversificao espacial (simultaneidade dos investimentos no espao) e a centralidade
de valorizao imobiliria residencial................................................................................................149
3. Movimento de concentrao/disperso/reconcentrao do capital financeiro em sua reproduo no
imobilirio..........................................................................................................................................155 Captulo 6: Reencontro do Panamby luz da pesquisa: esboando uma leitura (crtica) da
sua valorizao......................................................................................................................................157
Consideraes finais.................................................................................................................172
Bibliografia................................................................................................................................175
Anexos
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Lista de Figuras, Fotos, Grficos, Imagens, Mapas e Quadros
Figura 1: Estudo Esttico da Company........................................................................................99 Foto 1: Centro Empresarial de So Paulo.....................................................................................53 Foto 2: Panorama geral do Panamby........................................................................................61 Foto 3: Villaggio Panamby...........................................................................................................61 Foto 4: Altas Torres e o Parque Burle Marx................................................................................62 Foto 5: Ponte Joo Dias vista da favela da Peinha.......................................................................65 Foto 6: Av. Giovanni Gronchi......................................................................................................65 Foto 7: Paraispolis com prdios do Panamby ao fundo.............................................................66 Foto 8: Prdios de alto padro no Panamby..............................................................................82 Foto 9: Ruas intermitentes no Panamby.....................................................................................168 Foto 10: Ruas intermitentes no Panamby...................................................................................169 Foto 11: Ruas intermitentes no Panamby...................................................................................169 Foto 12: Ruas intermitentes no Panamby...................................................................................169 Foto 13: Padro de urbanizao do Panamby.............................................................................170 Foto 14: Perfil semi-precrio do arruamento em alguns pontos do Panamby............................170 Foto 15: Villaggio Panamby.......................................................................................................170 Foto 16: Obras no cruzamento...................................................................................................171 Grfico 1: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (grupo das empresas analisadas)..................................................................................................................161 Grfico 2: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (outro grupo de empresas)....................................................................................................................................161 Grfico 3: Oscilao do valor do m2 nos trinios no Paraso (US$)..........................................163 Grfico 4: Oscilao do valor do m2 nos trinios no Panamby (US$).......................................163 Imagem 1: Perfil urbano menos densificado da regio do Panamby e Morumbi........................62 Imagem 2: rea pertencente ao FII Panamby..............................................................................63 Imagem 3: Cruzamento Itapaina x Dna. Helena P. Moraes x Jos R. Urtiza...........................171 Imagem 4: Fronteira da valorizao?.........................................................................................173 Mapa 1: Situao do Panamby em relao ao Eixo Financeiro de So Paulo.............................54 Mapa 2: Municpio de So Paulo / Subprefeitura de Campo Limpo...........................................64 Mapa 3: Vila Andrade e outros distritos.......................................................................................64 Mapa 4: Ausncia de grandes avenidas ligando o Panamby s principais vias de circulao......................................................................................................................................86 Mapa 5: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1992...............................................................................................................................113 Mapa 6: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1993...............................................................................................................................115 Mapa 7: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1994...............................................................................................................................117 Mapa 8: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1995...............................................................................................................................119 Mapa 9: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1996...............................................................................................................................121 Mapa 10: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1997...............................................................................................................................123 Mapa 11: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1998...............................................................................................................................125 Mapa 12: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 1999...............................................................................................................................127
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Mapa 13: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2000...............................................................................................................................129 Mapa 14: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2001...............................................................................................................................131 Mapa 15: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2002...............................................................................................................................133 Mapa 16: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2003...............................................................................................................................135 Mapa 17: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2004...............................................................................................................................137 Mapa 18: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2005...............................................................................................................................139 Mapa 19: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. a Dez. de 2006...............................................................................................................................141 Mapa 20: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Adolpho Lindenberg................................................................................................144 Mapa 21: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Company..................................................................................................................145 Mapa 22: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Cyrela.......................................................................................................................146 Mapa 23: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Gafisa.......................................................................................................................147 Mapa 24: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez. 06 / Rossi.........................................................................................................................148 Mapa 25: Lanamentos Residenciais Verticais na Regio Metropolitana de So Paulo Jan. 92 a Dez...........................................................................................................................................154 Quadro 1: FIIs com cotas negociadas na BOVESPA.................................................................57 Quadro 2: Variao na cotao das aes....................................................................................92 Quadro 3: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (grupo das empresas analisadas)..................................................................................................................159 Quadro 4: Evoluo do valor mdio do m2 no Panamby de 1992 a 2006 (US$) (outro grupo de empresas)....................................................................................................................................160
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APRESENTAO
Escrever sobre o processo que estamos pensando significa organizar as idias
que compuseram, em diferentes momentos, um movimento de anlise. O esforo da
redao parece ser aquele de dar substncia concreta s idias, dispondo-as no texto no
aleatoriamente, mas de acordo com um mtodo. Assim, enfrentamos sempre
dificuldades quanto ao modo de disposio dos captulos, mesmo por que os fenmenos
analisados imbricam-se estruturalmente no plano da realidade.
No obstante a aparente linearidade cronolgica em relao organizao dos
captulos neste trabalho, a idia no foi partir da histria como gnese dos processos
observados presentemente, o que suporia uma linearidade no verificada na prtica. Foi
sempre a geografia da metrpole contempornea que norteou nossas breves incurses
pela histria, que visaram reconhecer alguns fundamentos econmicos presentes na
historicidade da urbanizao de So Paulo e que identificava a produo da cidade j
como a produo de um espao capitalista. Tratava-se de apreend-los (os fundamentos)
a partir dos processos presentes, entendidos como uma articulao dialtica entre os
elementos vindos da histria e aqueles postos pelo momento atual, em um processo
repleto de continuidades e descontinuidades. A perspectiva que orientou a organizao
dos captulos e a exposio das idias no trabalho foi aquela de tentar situar o
movimento que instaura logicamente a espacialidade no seio da historicidade de So
Paulo, e as novas implicaes produzidas atualmente. Com isso, abria-se a possibilidade
de se analisar um caso concreto (o Panamby) como produto da produo da
espacialidade lgica cujos fundamentos j vinham se constituindo em outros momentos.
Desse modo, nas consideraes iniciais so enunciadas algumas questes
metodolgicas face ao movimento atual e concreto da reproduo socioespacial. O
captulo 1 trata dos aspectos da constituio, em So Paulo, de alguns fundamentos da
reproduo capitalista do espao. O captulo 2 representa um salto para o presente, e
busca contextualizar o processo macro-econmico que envolve o processo estudado. No
captulo 3, o Panamby emerge anlise como expresso concreta que traz novos
matizes aos processos e fundamentos discutidos at ento. No captulo 4 nos
debruamos sobre as complexidades do setor imobilirio articuladas quelas da esfera
financeira, para no captulo 5 conhecer algumas estratgias espaciais do setor
imobilirio atravs de um amplo mapeamento de sua atividade nos ltimos 15 anos. Por
fim, apresentamos, no captulo 6 e nas consideraes finais, alguns elementos surgidos
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na pesquisa como expresso do embate entre a lgica (da valorizao) e sua
materializao espacial, comandada pela reproduo dos capitais financeiro e do setor
imobilirio.
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CONSIDERAES INICIAIS
Aqueles que se debruam sobre o entendimento da realidade social na
contemporaneidade deparam-se inequivocamente com uma questo de fundo, segundo a
qual o movimento desta mesma realidade tende sempre a avanar, no espao-tempo da
prtica cotidiana das sociedades, em relao ao movimento de sua apreenso/elaborao
terica. Em outras palavras, a realidade sempre se antecipa teoria, ao conceito,
tornando-os relativos, datados. De um lado, somente atravs da manifestao emprica
(fenomnica) que apreendemos objetivamente a realidade social e seus processos. De
outro, tais processos, na condio de sua natureza essencialmente social, no guardam
em seu conjunto um sentido nomottico que os explique ou uma linearidade cclica
operada por relaes de causalidade direta , apresentando-se, antes, como um campo
de determinaes e possibilidades que compem uma complexidade real e analtica
aberta e dinmica.
Como a realidade um processo contnuo de transformaes, existiria assim um
constante descompasso entre a ocorrncia dos processos no espao-tempo social e sua
compreenso/explicao pelos pesquisadores que, como ns, esto interessados em
desvend-los no momento mesmo em que eles esto acontecendo. Dar conta de uma
explicao para o que a est, buscando apreender no mtodo o sentido e o movimento
tendencial: este parece ser o desafio das anlises do mundo atual no mbito das
Cincias Humanas. Esta dificuldade que o mtodo deve ajudar a superar , tende a
transformar-se, todavia, em uma verdadeira defasagem analtica, na medida em que a
teorizao se mostrar alienada em relao qualidade dos contedos propriamente
sociais. Assim, encontramos, no raro, premissas metodolgicas na Geografia Humana
cincia parcelar que estuda a geografia da sociedade que tomam elementos formais
caros a inteligibilidades analticas de outras cincias (Exatas, Biolgicas), tais como
linearidade, equilbrio, sistema, modelo. Nossa pesquisa se quis precisamente o outro
disso.
Se tomarmos o simples exemplo do contexto em que vivemos, marcado pela
mundialidade, vemos que a prpria concepo do mundial nega tais elementos e
premissas formais, j que o mundial no pode resolver-se como totalidade, para a
anlise social, estabelecendo a somatria de tudo o que h. Significa dizer que o
mundial (e mais ainda o mundo moderno) impe, no plano da prtica, a fragmentao
de muitas linearidades e sistemticas que se constituram nas relaes espao-tempo
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15
advindas do tempo histrico, apoiando sua reproduo tambm em descompassos,
desigualdades, descontinuidades e rupturas contraditrias com a
homogeneizao/hegemonizao produzida no plano lgico pelo capitalismo global. O
prprio capitalismo enquanto definidor de uma totalidade abarcando o mundial permite
situ-lo como uma enorme complexidade (lgica e real) que se reproduz por meio de
desequilbrios, e no atravs de equilbrios. Quanto a isso, nossa pesquisa situa-se na
tentativa de compreender os fundamentos da produo do espao na e para a reproduo
lgica espao econmico do capital e espao poltico do poder estatal e dialtica
espao social da vida humana.
Em relao ao trabalho que ora apresentamos, o ritmo frentico das
transformaes envolvendo as dinmicas e os sujeitos investigados foi parcialmente
responsvel por alguns ajustes e desvios oriundos das atualizaes verificadas no
prprio movimento concreto destes contedos. Por vezes, quando julgvamos ter
chegado a um entendimento deste ou daquele aspecto de uma determinada dinmica no
incio e mesmo ao longo da pesquisa, ele parecia desempenhar um sentido diferente do
inicial na fase de finalizao do trabalho de campo1. Por isso, a prpria obsolescncia
relativa dos contedos da realidade estudada imprimiu uma atmosfera de inacabamento
neste trabalho, que se volta mais particularmente anlise da produo do espao
urbano capitaneada pelos nexos reprodutivos da economia, analisando a urbanizao
recente da metrpole de So Paulo pela mediao das atividades e operaes dos
capitais na esfera imobiliria e financeira.
O prprio desenvolvimento da pesquisa nos conscientizou que a finalidade
ltima do trabalho foi a de alinhavar um duplo movimento: buscar compreender os
contedos da urbanizao contempornea da metrpole de So Paulo, elucidando ao
menos em parte alguns aspectos e fundamentos da produo do espao e da reproduo
socioespacial sob a hegemonizao econmica, para com isso aprimorar terico-
metodologicamente nossa anlise. Porm talvez mais do que isso, a motivao foi a de
construir, a partir do existente, um caminho de anlise que revelasse uma orientao e
um movimento possvel da virtualidade, compondo um caminho terico capaz de abrir
um horizonte propositivo de contedos diferenciais queles preponderantes.
Entendemos que um problema posto para o processo de pesquisa, na Geografia
Humana, consiste no enfrentamento de embates que so permanentemente repostos
1 Como por exemplo o recente movimento de substituio dos mecanismos de captao financeira (como os Fundos de Investimento Imobilirios) pela abertura do capital de algumas empresas na BOVESPA.
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entre a nossa compreenso terica a propsito dos novos fenmenos envolvendo a
produo do espao e o prprio movimento concreto de reproduo da totalidade social
enquanto prtica socioespacial. Destarte, os fundamentos terico-metodolgicos a partir
dos quais construmos nossas hipteses so confrontados realidade prtico-sensvel,
atravs da mediao do exerccio da investigao emprica, o que frequentemente
reconduz algumas hipteses a inevitveis ajustes, acomodaes, desvios (relativos),
reformulaes ou reconsideraes.
Outra questo ou problema se remete escolha de uma dimenso ou nvel
analtico atravs do qual torne-se possvel dar incio ao processo de pesquisa. Na
medida em que reconhecemos nveis intrincados da prtica social, como o poltico, o
econmico, o social, fomos percebendo que tais nveis, absolutizados em si mesmos ou
tomados genericamente, se mostram incapazes de conduzir a anlise na direo de um
movimento pertinente de totalizao. Por isso, reconhecemos como necessrio o
artifcio analtico de decomposio terica relativa dos nveis, pelo qual cada nvel
separado do outro para ser analisado mais profundamente. Dialeticamente, quanto mais
profundamente analisamos um nvel isolado da prxis, mais evidente parece se tornar
sua inseparabilidade e sua condio essencialmente relacional com os demais nveis.
neste sentido que pensamos os nveis como momentos da anlise que busca encontrar,
ao se debruar sobre um determinado nvel, suas mediaes com outros nveis,
situando-o para alm de si mesmo em um movimento possvel de totalizao do real.
Essa questo apareceu para nossa pesquisa como o imperativo de estabelecer um
ponto de partida, um nvel inicial para o estudo atravs do qual poderamos entrever
mediaes mais centrais capazes de apontar processos mais gerais. Esta preocupao
envolveu uma srie de entendimentos e posicionamentos particulares a respeito da
Cincia Geogrfica em seu aparato terico-conceitual, bem como em relao s
possibilidades terico-metodolgicas para a anlise do real. Neste sentido, a prpria
materialidade do processo cujos nexos mais abstratos buscvamos compreender estava
posta como uma questo para nossa anlise geogrfica. Vale ponderar que a
materialidade, embora fortemente associada espacialidade, no pode ser confundida
como sinonmia desta, sob pena de reduzirmos tanto uma quanto a outra. Entendemos,
em primeiro lugar, que a materialidade como preocupao analtica revela uma postura
filosfica de investigao do mundo, o materialismo2, que parte da realidade concreta
2 Fugiria aos propsitos deste trabalho uma discusso pormenorizada sobre as demais possibilidades relativas s posturas e mtodos de investigao cientfica e seus diversos matizes, como o idealismo ligado ao positivismo ou ao
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dos sujeitos reais e concretos, lembrando MARX em direo abstrao, para tornar a
voltar ao concreto pensado e assim reiniciar o movimento. Podemos dizer que a
Geografia, por sua vez, est voltada tradicionalmente para anlises de processos que de
alguma forma remetem ao espao, mas nem por isso podemos dizer que tais anlises
sejam imediatamente materialistas. O desafio parece ser ainda maior: inscrever nas
muitas espacialidades tericas e prticas o problema do sentido do espao para a
concretizao dos processos sociais estudados, que neste entendimento passariam ao
estatuto de processos socioespaciais. Desse modo, a reflexo geogrfica do mundo
social passaria por outra reflexo, aquela sobre as implicaes do espao na reproduo
deste mundo enquanto materialidade existente.
Juntamente s questes da anlise da materialidade enquanto postura filosfica e
da compreenso geogrfica dos termos do conceito e da realidade do espao, aliam-se
algumas questes metodolgicas relativas aos contedos da problemtica estudada: o
processo de urbanizao da sociedade e do espao. A conduo da nossa reflexo
fundada na idia de que o movimento de compreenso da urbanizao da metrpole de
hoje supe o tratamento dos conflitos que escondem/revelam contradies, que assim
se colocariam como fios condutores da anlise sobre a sociedade e o espao urbanos.
Pensamos que as contradies efetivam/expressam diversos processos socioespaciais na
metrpole, projetando-se na vida cotidiana e envolvendo-nos todos simultaneamente em
mltiplas situaes contraditrias: realizaes e privaes, reconhecimentos e
estranhamentos, encontros e separaes, possibilidades e impossibilidades,
espontaneidades e programaes. A urbanizao contempornea estende e aprofunda
estas contradies no bojo do processo de reproduo socioespacial na metrpole,
colocando concretamente no plano da prtica espacial diversos processos que devem
ser tratados enquanto questes terico-metodolgicas no mbito das nossas pesquisas
em Geografia Urbana. O reconhecimento analtico das contradies oferece um quadro
dialtico de anlise do processo urbano.
Mas e o ponto de partida da anlise? Sobre isso, pensamos que a eventual
potncia terica da anlise seria dada na medida do estudo da potncia prtica dos
nveis concretos da realidade socioespacial, que segundo entendemos so comandados
pela racionalidade da reproduo de toda uma economia. Neste sentido, a elucidao
dos processos que fundam uma (em parte real, em parte ideolgica) crise urbana cuja
historicismo (conservador, relativista), as abordagens fenomenolgicas, matemticas, bem como do prprio pensamento marxista (estruturalista, historicista, racionalista, etc.), entre outros.
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expresso apreendida pela proliferao de conflitos de toda ordem, expressos ou no
na paisagem representa para ns a anlise das contradies que parecem fundamentar
essa crise essencialmente a partir da lgica reprodutiva do capital no espao. Esta
centralidade poderosa do nvel econmico no se colocava para ns exatamente como
um processo indito, mas como novas configuraes espaciais dadas pelos
aprofundamentos do desenvolvimento das relaes eminentemente fundadas na lgica
capitalista relativamente produo da metrpole.
Com efeito, pode-se olhar para todas as direes na cidade, mas, s vezes,
existem algumas formas espaciais que insistem em no deixar muitas opes para o
olhar. primeira vista, somos ento impelidos a not-las, e rapidamente assimilamos
sua presena imponente. Mas, passado algum tempo, resta-nos ou desviar nosso olhar
para outras direes e outras formas, ou fixarmos ainda mais nosso interesse sobre
aquelas que estamos observando; foi este o nosso caso quando nos deparamos com o
Panamby. Por outro lado, ele tambm estava imerso em nosso interesse geogrfico por
compreender o movimento dos contedos hegemnicos (econmicos e polticos) e o
sentido da materializao espacial para sua reproduo; nesta condio, o Panamby
deve ser tomado tambm como produto de um recorte terico que busca fundamentar-se
concretamente para compreender a finalidade pela qual a lgica dos contedos
capitalistas se lana na produo do espao, assim como as contradies que o prprio
espao a prtica espacial parece gerar nesse processo.
Sobre isso, temos que considerar que a lgica econmica no se instala no
espao sem gerar conflitos. A prpria metrpole, lugar onde fervilham os conflitos e
onde se podem ler as possibilidades, irrompe como um campo de luta entre os interesses
privados (que no se confundem com aspiraes subjetivas, j que se tratam de aes de
classe) e aqueles interesses da coletividade, da maioria da populao que vive as
negatividades urbanas para alm da sub-cidadania: a violncia do desemprego, da
represso policial e da criminalidade, ou a violncia da sobre-explorao do trabalho e
das enormes distncias percorridas quando o emprego existe, a incluso precria em
relao apropriao da cidade e das suas centralidades simblicas, culturais e de lazer.
A metrpole de hoje constitui-se como uma exterioridade em relao ao homem
comum, ao homem de todos os dias, ao homem annimo porm irredutivelmente
presente nas ruas.
Portanto, a escolha por iniciar o processo de pesquisa pelo nvel econmico-
poltico no ignorou o sentido diferenciado do espao para os diferentes nveis da
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prtica social. Com efeito, existe uma diferena poderosa entre o sentido do espao para
o capital e seu sentido social mais amplo: do uso improdutivo e da realizao da
humanidade do homem atravs da apropriao. A apropriao do espao pelo uso dos
sentidos do corpo contraditria ao seu encerramento na propriedade privada do solo,
forma social atravs da qual o capital evidencia seu domnio territorial. Enquanto a
propriedade revela o sentido da forma da troca e do espao produzido como mercadoria,
a apropriao revela o sentido do uso e da obra. Esta revela a cidade como lugar por
excelncia da realizao do humano, da centralidade social e ldica do espao, e se
coloca como fundamental caso se queira atravs da crtica radical confrontar a
produo capitalista do espao. O universo representado pela vida cotidiana como nvel
social da praxis, apesar de no ter sido explorado nesta pesquisa diretamente, esteve
sempre presente, no como plano especfico da anlise, mas como perspectivao.
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CAPTULO 1:
Caractersticas da urbanizao de So Paulo: formao dos mercados fundirio e
imobilirio e a problemtica espacial emergente
1. Elementos da historicidade da urbanizao paulistana: desenvolvimento
dos negcios fundados na produo do espao urbano e a constituio da
centralidade de valorizao imobiliria residencial
A configurao urbana da cidade de So Paulo como uma metrpole j estava
latente no momento em que despontava a atividade de produo industrial, nas
primeiras dcadas do sculo XX. A industrializao exercer um papel importante para
as transformaes nas maiores cidades brasileiras, pois faz com que o pas,
principalmente a partir de meados do sculo XX, se transforme rapidamente de um pas
predominantemente agrrio em um pas virtualmente urbano, trazendo inmeras
transformaes quantitativas, entre as quais se destaca o acelerado processo de
crescimento populacional nas grandes cidades3. A indstria potencializa o crescimento
de cidades como So Paulo, devido a um processo de concentrao e centralizao que
implica, seja em termos da aglomerao da fora-de-trabalho, da necessidade de
escoamento das matrias-primas para o centro produtor que ela mesma acaba por se
tornar, ou pela proximidade em relao ao mercado consumidor.
Este processo de constituio industrial da cidade de So Paulo, responsvel pela
induo acelerada do seu crescimento e urbanizao, tem sua gnese, no entanto, em
uma acumulao ainda originria de uma atividade agrria: a produo cafeeira voltada
exportao. Em que pesem as discusses envolvendo as diferentes teorias e hipteses
que se propem a explicar os fundamentos do processo de industrializao brasileiro,
parece inegvel que a atividade cafeeira tenha desempenho um papel de vulto, no
permanecendo, portanto, alheia ao advento industrial. Em relao s caractersticas da
imbricao da atividade cafeicultora com a industrializao em So Paulo e no Brasil
3 As mudanas quantitativas por si s j expressavam transformaes mais profundas de cunho qualitativo que j vinham ocorrendo, como as transformaes nas relaes de trabalho que passam do regime escravista ao trabalho livre e ao assalariamento no final do sculo XIX e nas relaes de propriedade com a expropriao no campo causada em grande parte pela Lei (n601) de Terras de 1850, que desvinculava a propriedade de sua posse passando a vincul-la a um ttulo , transformaes estas que sinalizavam a instaurao da relao capitalista como relao de produo que viria a ser predominante no Brasil.
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nas primeiras dcadas do sculo XX, SCHIFFER (2004: 83) destaca a sobreposio de
estruturas e elementos geogrficos entre estas atividades: [...] A indstria aparece na economia nacional nesse perodo como alternativa de inverso de capital, imbricadamente vinculada produo agrria, pois a maior parte do capital investido provinha dos latifundirios e comerciantes atacadistas de caf. So Paulo apresentava-se como o locus natural da industrializao brasileira, j que registrava a existncia de relaes de produo com base no trabalho assalariado junto a uma ocupao territorial contnua do interior paulista, graas ao traado e abrangncia de sua rede ferroviria. Essa rede possibilitava um conjunto de cidades interligadas entre si e com a capital, propiciando o escoamento sem entraves da produo interiorana e favorecendo o alargamento do mercado regional. Fatores esses que seriam significativos no processo de industrializao que se aceleraria a partir dos anos de 1930.
A geografia das estruturas de circulao e fluidez das mercadorias no territrio
paulista, voltadas originariamente atividade cafeeira e que passaram mais tarde a
servir ao processo industrial da cidade de So Paulo, est articulada a outras
mudanas scio-econmicas, como a disponibilizao de capitais para investimentos
fruto do assalariamento que vai liberando a necessidade de imobilizao de recursos
para a compra e venda dos escravos. Esta disponibilidade, segundo BRITO (2000), vai
ser importante, em particular, para tornar, gradativamente, os imveis urbanos
importantes opes para investimentos.
J BOTELHO (2005) chama a ateno para o que LANGENBUCH (1968)
caracteriza como os primeiros sinais em relao perspectiva de valorizao do solo
urbano na cidade de So Paulo: o desmembramento, via loteamentos, das antigas
chcaras que circundavam a rea central. A prpria industrializao nascente faz com
que haja um crescimento demogrfico e econmico atravs do aumento das atividades
comerciais, em parte decorrentes da instalao na cidade tanto da crescente mo-de-obra
imigrante quanto dos proprietrios rurais. Este movimento de concentrao
populacional vai pressionando um aumento da demanda geral por imveis, sejam eles
pequenos e distantes (para os operrios), sejam espaosos, suntuosos e prximos do
centro (para as elites do caf e da indstria em ascenso). Neste sentido, os negcios
com imveis passam a figurar inclusive como aplicao segura em relao oscilao
da economia cafeeira muito suscetvel aos preos internacionais , denotando,
segundo as idias de BRITO (2000), a formao do carter da terra urbana como reserva
de valor, naquele momento.
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Ainda segundo BRITO (2000) (referida por BOTELHO, 2005: 125), os bons
rendimentos do mercado imobilirio e o incentivo oficial aos planos de adequao
material dos ncleos urbanos motivaram o surgimento de empresas urbanizadoras, que
lidavam tambm com a compra e venda de terrenos. Nestas companhias, j se
verificavam algumas prticas corporativas que se consagrariam nos dias de hoje, como a
reunio de capitais individuais em sociedades annimas visando a atividade
urbanizadora construo de equipamentos urbanos como redes de iluminao, esgoto,
arruamentos, loteamentos, entre outros bem como parcerias e combinao de
diferentes atividades por uma mesma empresa ou de empresas interligadas.
Assim, a cidade comea a expandir-se espacialmente para as vrzeas e colinas do
espigo central, e o antigo ncleo urbano vai transformando-se em um centro de
negcios, ocorrendo, como refere BOTELHO (2005: 127), o incio de uma
diferenciao funcional na cidade. Nesta diferenciao, os bancos, as pequenas oficinas,
o comrcio e os escritrios tornam-se dominantes na rea central, e as residncias
expandem-se para bairros novos, a leste para as terras baixas do Tamanduate para
constituir os bairros operrios Brs, Mooca, Belenzinho (estudados por ANDRADE,
1991) e oeste para as colinas, formando bairros residenciais luxuosos Campos
Elseos, Higienpolis e bem mais tarde a regio da avenida Paulista. Neste momento,
surgem tambm os arruamentos distantes e isolados como Santana, Vila Prudente e
Ipiranga , que se constituam amplamente na expectativa de valorizao futura em
funo da expanso espacial da cidade, portanto compondo o que viria a se consagrar
como especulao imobiliria.
Sobre a expanso urbana da cidade de So Paulo entre as dcadas de 1925 a
1950, PETRONE (1975: 241 e 242)4 aponta: [...] No rumo do Norte, a cidade atravessou o Tiet, pontilhou aqui e ali na grande vrzea e foi ocupar extensas reas ao p da Serra da Cantareira. (...) Entretanto, o avano nessa direo foi relativamente pequeno (...) No rumo de Oeste, a cidade ligou-se definitivamente Lapa e, mesmo, a ultrapassou, graas ocupao da zona marginal das vias frreas e radial Avenida gua Branca (...) Para Leste, o velho subrbio da Penha tambm foi alcanado pelos tentculos da cidade (...) margeando os trilhos da Central do Brasil, como ainda a radial Avenida Celso Garcia (...) multiplicaram-se os bairros de aspecto modesto, moradia da populao operria. (...) foi propriamente o Brs que se expandiu, levando os limites da cidade a uma distncia de 10km
4 Este artigo foi reproduzido da obra A Cidade de So Paulo no segundo quartel do sculo XX, in Aroldo de Azevedo (org.), A Cidade de So Paulo (1958), vol. II, pp. 141-160 para o livro Comunidade e Sociedade no Brasil: leituras bsicas de introduo ao estudo macro-sociolgico do Brasil (FERNANDES, F. (org.), 1975.), de onde retiramos a citao.
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do centro. Para Sudeste, (...) o Ipiranga viu-se ligado cidade e, mais alm, novos bairros surgiram preparando a marcha no rumo de So Caetano e Santo Andr. (...) Para o Sul, a metrpole emitiu o seu mais longo tentculo, pois conseguiu alcanar o velho ncleo de Santo Amaro (...) A linha de bondes, as estradas de rodagem, a construo das represas da light, tudo isso concorreu para que numerosos bairros residenciais de classe mdia e algumas indstrias fossem ali se instalar.
A constituio dos bairros residenciais para as famlias tradicionais e para a
burguesia, com a crescente expanso da valorizao fundiria em direo sudoeste do
centro, compe o que poderamos chamar de uma centralidade de valorizao
imobiliria residencial. Tal centralidade residencial tradicional estava inserida, por sua
vez, no movimento de expanso urbana analisado por PETRONE (op. cit):
[...] No rumo Sudoeste (...) verificou-se uma expanso bem diversa (...); nem as vias de comunicao, muito menos as indstrias podem explic-la, mas, to-somente, o reflexo da prosperidade econmica do Estado e da prpria Capital. Iniciado o loteamento, ainda no primeiro quartel do sculo, e introduzidos os indispensveis melhoramentos, que o terreno brejoso ou acidentado exigia, desenvolveram-se, sem demora, bairros residenciais finos (...) o Jardim Amrica, o Jardim Europa, o Pacaembu, o Sumar. (...) As despesas realizadas com aqueles melhoramentos s poderiam elevar o custo de seus terrenos, ocasionando uma natural seleo no que se refere aos seus habitantes.
Segundo ROLNIK (2001: 21), referida por BOTELHO (2005: 129), a dinmica
residencial em So Paulo apia-se, desde os seus primrdios, em uma diferenciao que
ao mesmo tempo social e geomorfolgica. Como escreve em relao aos Campos
Elseos e Higienpolis:
[...] O espao que historicamente concentra valores imobilirios altos, o comrcio mais elegante, as manses e apartamentos mais opulentos, o consumo cultural da moda e a maior concentrao de investimentos pblicos. Na Primeira Repblica, a imagem dessa topografia social feita de colinas secas, arejadas e iluminadas de palacetes que olham para as baixadas midas e pantanosas, onde se aglomera a pobreza.
Muito cedo podemos observar, neste sentido, a formao e mesmo a prematura
consolidao de um mercado imobilirio e fundirio na cidade de So Paulo, constitudo
por negcios envolvendo a construo e comercializao de casas operrias e palacetes,
oficinas, estabelecimentos comerciais e industriais, bem como de loteamentos de antigas
glebas. O adensamento do centro expande-se para as reas residenciais adjacentes,
incorporando inclusive uma nova e estratgica forma de valorizao do capital: a
verticalizao, baseada na multiplicao vertical do solo em diversos pavimentos, como
mostra o trabalho de SOMEKH (1997). Sobre a verticalizao relacionada dinmica
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socioespacial do centro e das reas residenciais em So Paulo no auge da atividade da
produo industrial, so elucidativas as descries feitas por BASTIDE (1975: 255)5:
[...] A cidade poderia ter-se estendido horizontalmente apenas, mas o alto preo dos terrenos obrigou-a a erguer-se verticalmente. [A cidade de So Paulo] compreende um centro de negcios, com grandes lojas, escritrios industriais e de advogados, clnicas particulares, bancos, cinemas, locais de divertimento, e, em torno deles, os bairros residenciais. Antigamente, a classe abastada preferia localizar-se nos bairros mais afastados (...); primeiro surgem as casas cercadas de grandes parques, depois aparecem as cidades-jardim, como o Jardim Amrica e o Jardim Europa. Mas as dificuldades de circulao fizeram refluir os indivduos da periferia para o centro, que o local de trabalho. E as casas do centro, para responder a esta nova necessidade, precisaram transformar-se em arranha-cus. Arranha cus de apartamentos prximos de arranha-cus de empresas ou de escritrios.
Nota-se que o processo de verticalizao e sua racionalidade, iniciada no centro
e voltando-se primeiramente para atender as atividades comerciais e de servios, vai
sendo incorporada tambm para a moradia das classes mais abastadas. A relao de
proximidade entre o local de moradia e o local de trabalho, to fortemente presente nos
dias de hoje6, vai sendo constituda como uma prpria caracterstica da expanso urbana
ao longo da prpria histria da urbanizao paulistana. Naquele momento, observa-se
que a centralidade de valorizao imobiliria residencial vai se espraiando ao redor e em
funo da centralidade terciria do prprio centro histrico. Quando a funo terciria
presente no centro histrico passa a necessitar de novos espaos, migrando em grande
parte em direo Av. Paulista (cf. CORDEIRO, 1978), pode-se dizer que o mesmo vai
ocorrendo em relao ao movimento da valorizao imobiliria residencial. Segundo
consideraes de VILLAA (1978), as camadas de alta renda puxam o centro para
prximo delas, compensando com isso seu movimento de deslocamento e afastamento
em relao ao centro/centralidade constitudos.
Aos poucos alguns bancos importantes e sedes de grandes grupos empresariais
comearam a se deslocar para a regio da Bela Vista, mais propriamente para o divisor
de guas (o Espigo Central), onde se situa a avenida Paulista. Mais tarde, a partir da
dcada de 1970, o arquiteto Carlos Bratke investe pesadamente na compra de terrenos
na vrzea do Rio Pinheiros, na regio das avenidas Lus Carlos Berrini e Faria Lima (cf.
FUJIMOTO, 1994; FRGULI JR, 2000 e FIX, 2001), atraindo grandes empresas
(algumas multinacionais) para os novos edifcios de escritrios. Evidentemente este
5 In: FERNANDES, F. (org.), 1975 (op. cit). 6 Devido a algumas circunstncias, entre elas uma dificuldade que j se anunciava poca e permanece atualmente: os longos e demorados trajetos entre a casa e o trabalho.
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deslocamento do eixo financeiro produz uma valorizao fundiria em torno da
Marginal do Rio Pinheiros, principalmente aps o processo de modernizao da
cidade atravs da retificao dos rios Tiet e Pinheiros (cf. SEABRA, 1987) nas dcadas
de 1930 e 1940, quando inicia-se a ocupao mais sistemtica das vrzeas pela
implantao do sistema virio.
A cidade do caf vai caminhando para configurar-se em grande metrpole
industrial j no final dos anos 1960, apoiando fortemente sua expanso espacial na
centralidade da dinmica de valorizao/desvalorizao fundiria, em um processo
autofgico (cf. idias de Ana Fani A. CARLOS) e incessante de ocupao, construo,
destruio e reconstruo. Este movimento de voracidade e velocidade da produo e
reproduo espacial da cidade muito bem descrito por BASTIDE (op. cit.: 257):
[...] Eis porque [So Paulo] tambm uma cidade em construo, na qual se termina uma casa cada quarto de hora, e onde, talvez, se destrua outra cada meio hora; em que se abrem grandes avenidas, que alguns anos depois preciso alargar, devido ao nmero crescente de automveis (...). Com o desenvolvimento dos arranha-cus, as antigas canalizaes de gua, de gs, de esgotos no so mais suficientes (...) A cidade abre-se em valetas, em fossos (...), abismos em que arquejam homens sujos de terra ao lado de andaimes em que os pedreiros parecem brincar com os tijolos.
A presena do Estado na valorizao do espao urbano certamente no
desempenha um peso menor quele das primeiras empresas privadas de construo e
urbanizao. Ela pode at ser parcialmente apreendida em algumas das citaes
anteriores, precisamente quando relacionam os vetores de expanso espacial da cidade
aos sistemas virio, de bondes e ferrovirio, que induzem as ocupaes pelas facilidades
de circulao, e tambm atravs das normatizaes e regulamentaes referentes s
novas ocupaes, as obras pblicas de melhoramentos urbanos. Desta forma, podemos
dizer que o Estado tem participado da urbanizao e do fortalecimento dos mercados
imobilirio e fundirio paulistanos por meio de intervenes macias no espao, como
se notabilizaram, por exemplo, as administraes municipais e estaduais de Prestes
Maia (1938-45), Adhemar de Barros (1958-61), Faria Lima (1965-69) e Paulo Maluf
(1969-71 e 1993-96), relativamente aos investimentos no sistema virio da cidade de
So Paulo.
assim que no curso de sua urbanizao, a cidade de So Paulo produz uma
gama de processos sados de seu prprio crescimento e desenvolvimento, e que pelo
menos at a dcada de 1970 estiveram francamente associados sua industrializao.
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Entre alguns destes processos, que so aqui apenas elencados, encontram-se:
metropolizao, suburbanizao, periferizao, expanso de loteamentos irregulares,
autoconstruo das periferias, favelizao, encortiamento do centro. A partir da dcada
de 1980, parece haver uma mudana nas estratgias (inclusive internacionais) de
acumulao, o que ir influenciar sobremaneira os processos de produo capitalista da
urbanizao, propondo uma configurao espacial marcada por uma relativa
desindustrializao (e desconcentrao industrial) e pelo recrudescimento do setor
tercirio da economia; por um alargamento da produo imobiliria residencial e
comercial , marcada pela seletividade espacial dos investimentos que passam cada vez
mais a incorporar a participao de capitais de origem financeira; pela proliferao da
segregao com a produo dos condomnios fechados e fortificados; pela continuidade
da espoliao urbana e expulso das populaes empobrecidas para os limites do
urbano, e por outros aprofundamentos de processos cujas origens so anteriores.
2. Traos e transformaes da morfologia urbana de So Paulo: apontamentos
e uma advertncia
Caberia, neste momento, uma reflexo sobre algumas caractersticas da
urbanizao paulistana, considerando o fato de que esta no se restringe, desde o seu
incio, a uma histria exclusivamente endgena, j que agrega, em sua constituio,
elementos exgenos oriundos das relaes e articulaes histricas do Brasil com outros
pases, desde a poca colonial at hoje.
Como vimos anteriormente, a histria do crescimento mais contundente da
cidade e sua exploso em metrpole est ligado mais diretamente a sua industrializao.
Porm, no podemos desconsiderar o fato de que a gnese urbana de So Paulo no
esteve ligada atividade industrial, e sim a outras atividades ou funes, como a
religiosa (aldeamentos jesuticos) e logo em seguida a funo (de entreposto) comercial.
No faremos a esta altura uma discusso sobre os elementos e condies histricas que
conduziram sua formao motivada por tais ou quais funes ou atividades, bastando
lembrar que So Paulo ser marcada por uma organizao espacial (e depois tambm
por um urbanismo) inspirados e at certo ponto assemelhados em algumas cidades
europias, evidenciando desde cedo uma concentrao e uma densidade de ocupao
elevadas de sua mancha urbana. Arriscamos dizer que esta morfologia do tecido
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urbano de So Paulo, at ento centralizada e mononuclear, esteve mais ligada funo
comercial que a cidade desempenhava at o final do sculo XIX e incio do sculo XX.
Mas seria possvel imaginar que o advento da industrializao e o grande
crescimento econmico dela oriundo tenham sido capaz de alterar, de algum modo, as
caractersticas morfolgicas da sua urbanizao? Em que medida h uma transformao
na urbanizao de So Paulo atravs da sua industrializao, e como esse processo
poderia ser reconhecido em termos de mudanas espaciais?
Um caminho possvel para responder estas questes seria pensarmos que as
indstrias no se instalaram nas reas centrais por razes e caractersticas especficas
das suas atividades, como por exemplo a necessidade de grandes espaos para facilitar a
circulao da numerosa mo-de-obra e o escoamento das mercadorias , o que nos faz
supor que estas indstrias auxiliaram na induo do desenvolvimento das ligaes
sistemas de transporte entre as reas mais perifricas, onde se instalaram, e o ncleo
central, estimulando inclusive a ocupao das reas intermedirias. A circulao fsica
passa a ganhar relevncia a partir da indstria e da industrializao, que provocam um
crescimento econmico implicado, por sua vez, em um crescimento espacial. Isto pode
ter contribudo para que os planejadores e governantes de So Paulo tenham se
inspirado principalmente a partir dos anos 30 e 40 do sculo passado em um modelo
de urbanizao marcante nas cidades norte-americanas, cujo padro de ocupao
espacial foi (e ) notadamente baseado na massificao do automvel e na abertura de
grande nmero de vias, sejam avenidas, rodovias ou auto-estradas. Este padro
caracteriza a urbanizao norte-americana como policentralizada e mais difusa, se
comparada europia.
Sobre a urbanizao das cidades na Amrica do Norte, debruaram-se muitos
planejadores, arquitetos, urbanistas, empreendedores, gegrafos, socilogos e
economistas. Peter HALL (1988), por exemplo, assinala que este processo esteve (e
est) relacionado, nos Estados Unidos, massificao do automvel j nos anos de 1930
registrando a influncia que sobre isso desempenhou Henri Ford que estimularam a
criao das chamadas Parkways. Estas objetivavam limpar as zonas urbanas degradadas
promovendo um acesso rpido ao subrbio, onde passaram a habitar as classes mdias,
fundamentando na auto-estrada uma nova forma de ocupao urbana, que, composta de
uma paisagem viria, apoiava seu modelo de crescimento urbano na motorizao
privada em contraposio ao desenvolvimento dos transportes pblicos.
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Nesta mesma direo, encontram-se as idias de Jacques LVY (s.d), segundo
as quais as cidades da Amrica do Norte baseiam sua estruturao no par
automvel/pavilho7, em uma fuga do centro (e eclipse da rua) que representa valores
e prticas individualistas, nas quais a disperso em superfcie com ligaes pontuais
deve ser assegurada por uma eficiente circulao material. Assim, habitar zonas de fraca
densidade significou a estratgia individual legtima dos norte-americanos em relao s
possibilidades de sociabilidade postas pelo fenmeno espacial da cidade e do urbano,
potencialmente geradores de encontros aleatrios de contedos diferenciais.
Interessante notar que Claude Lvi STRAUSS, entre outros (BASTIDE,
MONBEIG), estabelece, em sua passagem por So Paulo, uma comparao entre a
cidade e a urbanizao europias e aquela norte-americana; esta ltima, segundo
STRAUSS, estaria exercendo uma influncia sobre a cidade brasileira, principalmente
sobre So Paulo. Ele escreve (1981: 89-90; apud FRGOLI JR, 2000: 198):
[...] A passagem dos sculos representa uma promoo para as cidades europias; para as americanas, a simples passagem dos anos uma degradao (...) so construdas para poderem renovar-se com a mesma velocidade com que foram erguidas (...) Certas cidades da Europa adormecem suavemente na morte; as do Novo Mundo vivem febrilmente uma doena crnica: eternamente jovens, nunca so todavia saudveis.
Evidentemente no postulamos a hiptese de que a cidade de So Paulo tenha se
convertido completamente em uma cidade cujas caractersticas fossem as mesmas
daquelas presentes nas cidades norte-americanas ou que tivessem feito coisa
semelhante em relao s cidades europias , mas tambm refutamos a idia de que
este mesmo processo tenha passado despercebido no curso da urbanizao paulistana,
principalmente a partir da segunda metade do sculo XX.
Assim, anunciamos uma advertncia: no se trata de comparar modelos
(europeu, americano) que tenham sido adotados e aplicados parcial ou completamente,
mas sim de reconhecer a complexidade da urbanizao no Brasil, que apresenta uma
imbricao de elementos caractersticos tanto da urbanizao concentrada e centralizada
verificada nas cidades dos pases da Europa, como elementos ligados urbanizao
mais dispersa e policentralizada de influncia norte-americana. Tais elementos e
caractersticas articulam-se na histria urbana da metrpole de So Paulo, que agrega,
por sua vez, elementos geogrficos, sociolgicos, polticos, culturais, econmicos
7 O termo pavilho em francs designa uma casa afastada do centro, no subrbio.
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prprios de sua historicidade, que a produz enquanto uma cidade brasileira, perifrica e
subdesenvolvida. Tudo isto define um campo de complexidades acerca de sua
problemtica urbana, que no pode nem deve ser negligenciado pelas anlises urbanas.
Alm disso, no se trata igualmente de estabelecer tipologias ou nomenclaturas
classificatrias para as cidades a partir de supostos padres morfolgicos, como por
exemplo a de cidade compacta em contraposio a uma cidade (ou urbanizao)
dispersa. Estes tratamentos, segundo entendemos, permanecem presos exclusivamente
no plano da forma, frequentemente abandonando o debate sobre seus contedos
complexos e dinmicos; contedos estes que inclusive fundamentam a produo das
diversas formas espaciais presentes na metrpole contempornea. Assim, as mudanas
nos traos e na morfologia urbana de So Paulo revelam, acima de tudo, mudanas no
plano dos processos, os quais devem ser investigados.
3. Da historicidade ao sentido da produo espacial na contemporaneidade
Diante das consideraes feitas at aqui situadas no plano da historicidade, que
nos apresenta retrospectivamente alguns fundamentos da urbanizao paulistana , no
podemos deixar de notar que as mudanas quantitativas trazidas pelo advento industrial
trouxeram implicaes qualitativas profundas para a cidade. Nos dizeres de
LEFEBVRE (1991: 7; 21):
[...] A prodigiosa expanso das trocas, da economia monetria, da produo mercantil, do mundo da mercadoria que vai resultar da industrializao, implica uma mudana radical. [...] A indstria e o processo de industrializao assaltam e saqueiam a realidade urbana pr-existente, at destru-la pela prtica e pela ideologia. (...) a industrializao se comporta como um poder negativo da realidade urbana: o social urbano negado pelo econmico industrial (...). A realidade urbana, na e por sua prpria destruio, faz-se reconhecer como realidade scio-econmica.
Neste momento podemos situar o que Lefebvre chama de processo de imploso-
exploso da cidade constituda no ritmo da histria8, cuja exploso se traduz em grande
parte por sua extenso espacial desmesurada e fragmentada. A metrpole e o urbano so
8 Evidentemente Lefebvre est analisando as transformaes vividas no mundo europeu, e seria no mnimo extemporneo transpor diretamente um quadro analtico referenciado em outra realidade, considerando a historicidade de forma linear. Por outro lado, seria negligente desconsiderar as similaridades e continuidades presentes no processo histrico, que muitas vezes tende a repetir algumas dinmicas, obviamente de modo diverso e particularizado. Por isso, pensamos que os limites da universalidade do conhecimento devem sempre ser atualizados, revistos e superados (nunca desconsiderados) por uma anlise crtica ao prprio conhecimento da qual tributria.
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gestados no seio desta cidade estilhaada em pedaos mais ou menos homogneos, mais
ou menos hierarquizados. Seguindo este raciocnio, a indstria, elemento que induz e
transforma a urbanizao, passa a ser por ela comandada. Deste modo, vo se
estabelecendo os termos da urbanizao mais contempornea da metrpole de So
Paulo pari passu com os termos da centralidade e generalizao do capital como relao
social dominante. Segundo DEK (2004: 12):
[...] As condies de produo nas reas urbanas nas cidades so agora as da virtual totalidade da economia, e as condies de vida nas aglomeraes urbanas so as da maioria da populao. Acima de tudo, as aglomeraes urbanas constituem a base das transformaes futuras da sociedade e tambm de sua economia.
Pensamos que a anlise do espao urbano e fundamentalmente de sua produo
social pode fornecer elementos preciosos para situar o movimento e o sentido da
historicidade hoje, revelando potencialmente os sentidos das aes e relaes humanas
materializadas. O espao, atualmente includo francamente nas dinmicas do mercado
imobilirio e financeiro, bem como presente na reproduo da racionalidade do Estado,
coloca-se quase inteiramente subsumido forma geral da mercadoria como lgica
abstrata da troca que retalha o espao atravs da propriedade privada para realizar sua
compra e sua venda. Neste sentido, a reflexo sobre os problemas da produo do
espao se refere, no limite, reflexo sobre o mundo moderno, que situa sua reproduo
ampla e estrategicamente na espacialidade. Apontando na mesma direo, CARLOS,
DAMIANI & SEABRA (1999: 8) indicam que:
[...] A complexidade da atividade social e o sentido econmico predominante incluem internamente o espao cada vez mais como objeto, produto e mercadoria, redefinindo o sentido do espao no plano da prtica social.
O espao carregaria assim atualmente um duplo sentido, concreto e abstrato, em
um mundo de realizao de abstraes concretas, como o Estado e o dinheiro. A
produo deste espao abstrato estaria ligada ao pleno desenvolvimento do mundo da
mercadoria como lgica abstrata que se espacializa realizando-se atravs do espao.
Caberia a ns gegrafos a compreenso do fenmeno espacial e urbano na
modernidade, que inclusive passaria pela constituio de uma sociedade urbana (e
capitalista) como fundamento da mundialidade. O sentido estratgico da produo do
espao para a reproduo econmico-poltica e social comea a ser esclarecido no
momento do aprofundamento analtico daqueles nveis da prtica social constitutivos
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do espao. mister considerar, conforme as idias de MARTINS (in: CARLOS,
DAMIANI & SEABRA (orgs.), 1999: 24) que:
[...] sob o capitalismo, com a generalizao da forma mercadoria, que se explicita a tendncia da produo do espao nos marcos da troca de mercadorias. preciso, ento, considerar o que ocorre no curso de um processo onde a lgica caracterstica e fundante do mundo das mercadorias, e as concepes que a norteiam, se estende ao espao, capturando-o e encerrando-o (...), transformando-o num novo hierglifo, a ponto de conformar uma problemtica especfica do espao.
O prprio espao, erigido nestes termos, no est livre das contradies que se
desdobram a partir da lgica dominante que pretende hegemoniz-lo e reproduz-lo
visando reproduzir-se a si mesma, assegurando com isso a espacialidade como forma de
domnio territorial das relaes sociais de produo essencialmente capitalistas. Uma
das principais contradies que se levantam do espao refere-se barreira
desempenhada pela propriedade privada da terra base da reproduo territorial do
capital para a continuidade da valorizao crescente do solo. Uma vez instaurada a
propriedade do solo, estabelece-se um domnio exclusivo ou um monoplio de uso, o
que pode colocar-se na contramo das estratgias das novas e futuras produes
espaciais em momentos posteriores. Outras contradies do espao esto na ordem do
dia para as realizaes capitalistas, inclusive para o mais rs-do-cho do espao, como
a distncia e os sistemas de circulao9. Neste sentido, compreendemos que o espao
produzido ao mesmo tempo como possibilidade e barreira reproduo dos capitais.
Nossas reflexes mais incisivas a propsito do espao, apoiadas nas formulaes
terico-metodolgicas do filsofo e socilogo francs Henri LEFEBVRE, certamente
foram e so problematizadas por nossa referncia em torno de conceitos e categorias
analticas prprias da Geografia. neste sentido que entendemos o espao como sendo
produto, condio e meio da realizao das relaes sociais (CARLOS, 1994). O espao
condio geral da reproduo material da sociedade, sendo ao mesmo tempo seu
produto, j que, de acordo com Lefebvre, as relaes sociais se realizam concretamente
enquanto relaes espaciais, o que abre caminho para o entendimento do espao
tambm enquanto meio (mediao) da realizao social. Pensamos que esta orientao
supera (sem negar) a noo de espao como palco, mera localizao, enfim, como
simples receptculo da trama social. Contudo, como j dissemos, este entendimento
9 Uma ateno especial ser dada para estas contradies no desenvolvimento da nossa argumentao ao longo do trabalho.
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possibilita inclusive uma releitura crtica destas dimenses mais clssicas da
Geografia situao, localizao, circulao, distncia luz da complexidade do
fenmeno espacial no mundo moderno, como foi o caso para nossa pesquisa.
Estas consideraes sobre a relao materialidade/espacialidade e sua realizao
contraditria no processo de urbanizao contemporneo, compem um delineamento
analtico que sintetiza nosso entendimento sobre a espacialidade como dialtica da
materialidade produzida/produtora do processo social.
em parte destes entendimentos que decorrem nossa escolha pelo nvel
econmico-poltico como momento inicial de entrada na complexidade da urbanizao
atual na/da metrpole paulistana. Partimos da idia que sua urbanizao recente
permitia situar os limites relativos da produo industrial e as estratgias espaciais de
reproduo do capital financeiro dialeticamente articuladas esfera produtiva, atravs
do setor imobilirio e da indstria da construo civil. Isto se manifestava como uma
intensa movimentao imobiliria de produo de novos espaos na metrpole de So
Paulo pelos agentes econmicos notadamente pelo setor imobilirio e financeiro ,
como o Panamby deixava mais ou menos evidente. Tnhamos em vista que a grande
metrpole industrial brasileira, ao diminuir a preponderncia da sua atividade industrial,
caminhava para um outro momento de sua constituio, agora enquanto uma metrpole
dos negcios (cidade mundial?), centro de gesto das transaes nacionais e
internacionais entre os capitais financeiros, alm claro, de se caracterizar por ser um
centro de turismo de eventos (feiras, negcios), de cultura, de lazer, de comunicaes e
transportes, entre outros.
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CAPTULO 2:
O contexto macro-econmico recente: hegemonizao financeira
1. Imposio (neo)liberal da financeirizao: alguns elementos
(scio)econmicos
Podemos afirmar, sem ressalvas, que vivemos recentemente pelo menos a
partir das duas ltimas dcadas do sculo XX e primeiros anos do sculo XXI um
perodo de recrudescimento do iderio liberal (surgido no sculo XIX), notadamente nas
esferas da economia e da poltica, reverberando inclusive no campo da cultura das
representaes e ideologias que produzem uma dimenso simblica das relaes sociais,
regidas cada vez mais por formas de sociabilidade leais aos valores liberais do
individualismo competitivo. O que nos interessa, todavia, para os propsitos de nossa
pesquisa, identificar e problematizar os principais nexos do princpio liberal para a
conformao do sentido da economia e da poltica atuais, que, chamadas de
neoliberais, caminham na direo/tentativa de uma homogeneizao/hegemonizao
escala mundial.
Jos Lus FIORI (1999) nos apresenta um caminho analtico bastante frtil para
a compreenso daquilo que se passou e do que ainda se passa em termos da
reproduo econmica e poltica nos dias de hoje. As idias deste item so amplamente
apoiadas nas suas consideraes sobre a relao entre os Estados nacionais, as moedas e
a questo do desenvolvimento do capitalismo, principalmente do capitalismo de
finanas ou financeiro. Tambm nos baseamos nas discusses propostas pelo grupo de
estudo dos Grundrisse10, assim como em algumas consideraes de Franois
CHESNAIS (1998). Deste modo, o contedo que se segue possui o sentido de uma
exposio e anlise das principais idias destes autores.
Em primeiro lugar, haveria a necessidade de se considerar alguns antecedentes
para a melhor contextualizao do perodo econmico e poltico recentes. Estes
antecedentes servem como iluminadores daquilo que vir a se constituir posteriormente,
j que sinalizam a direo das transformaes ocorridas. Assim, o fim do padro-ouro,
no perodo da I Guerra Mundial e no entre Guerras, j assinala a instaurao do novo
sistema monetrio internacional dlar-ouro, que ficar conhecido como sistema de
10 Grupo que se rene semanalmente no LABUR/DG/FFLCH/USP Laboratrio de Geografia Urbana da USP sob a coordenao da Prof. Dra. Amlia Lusa Damiani.
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Breton Woods. Este novo sistema concilia a paridade fixa entre as moedas com a
autonomia das polticas monetrias nacionais, sob a hegemonia, contudo, da
benevolncia capitalista dos Estados Unidos, que o pas detentor da moeda que
passa a substituir o ouro como padro de converso internacional. Uma conjuntura
geopoltica favorvel propiciou um perodo de grande desenvolvimento e crescimento
econmico nos pases centrais, e mesmo fora deles, fornecendo ao padro-dlar a
flexibilidade que o padro-ouro no teve (cf. FIORI, 1999).
mais precisamente a partir da dcada de 1970 que se dar a insero incisiva
dos pases perifricos em uma retomada do princpio do liberalismo econmico, no
contexto de uma nova economia poltica internacional. Durante este perodo, vrias
teses foram formuladas por diversos pensadores e escolas a respeito da questo do
desenvolvimento capitalista nas diferentes naes, como foi o caso da CEPAL11,
principalmente para a discusso e coordenao das polticas voltadas para as formas de
se alcanar o desenvolvimento econmico da regio latino-americana. Diversas teses
marcaram o pensamento econmico nesta poca de transformaes, dentre as quais uma
em particular parece ter se arraigado mais profundamente, principalmente entre os
economistas e governantes de vis liberal e conservador. Tratam-se das teses do
economista Charles KINDLEBERGER (1973), lembradas por FIORI (1999), que
apoiavam-se em trs idias bsicas: 1) o equilbrio da economia capitalista s ocorrer
se houver um nico pas estabilizador que garanta uma moeda internacional estvel; 2) a
ameaa estabilidade do sistema econmico est associada atuao dos chamados
pases free-riders, que so aqueles pases que ameaam a hegemonia do pas
estabilizador, competindo paralelamente (regionalmente) com sua economia; e 3) o
declnio do poder hegemnico do pas estabilizador corresponde deteriorao dos
bens pblicos que este oferece comunidade internacional.
Estas idias foram amplamente criticadas, na dcada de 1980, pela comunidade
acadmica, alm de mostraram-se igualmente insuficientes pelo prprio desenrolar da
realidade econmica que se seguiu. Assim, em contraposio primeira tese, colocava-
se a dvida de que a Inglaterra tivesse promovido a construo de um sistema de livre
comrcio ou a adeso dos demais pases ao padro-ouro, j que o comportamento dos
pases hegemnicos at ento estava mais atrelado ao seu prprio interesse nacional.
Contra a segunda tese colocava-se a idia de que as crises sistmicas foram endgenas
11 Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe.
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sociedade econmica hegemnica, e negando a terceira tese assentava-se a idia de que
o fim do sistema de Breton Woods no enfraqueceu mas tornou, pelo contrrio, ainda
mais forte o poder dos Estados Unidos no sistema monetrio e financeiro internacional.
As teses de KINDLEBERGER (1973) encontrariam ainda um breve flego em
relao a um dos aspectos do panorama que decorre do final da Guerra Fria: o arbtrio
de uma s potncia hegemnica os Estados Unidos que constri e sustenta uma
ordem internacional baseada em um conjunto de regimes e instituies regionais e
globais, e tambm em uma poltica econmica e cambial agressiva. indiscutvel o fato
de que os Estados Unidos arbitram isoladamente o sistema monetrio internacional,
promovendo uma prtica de abertura e desregulamentao de economias nacionais e
regionais, propalando o livre-comrcio como sinonmia de democracia e incentivando a
convergncia das polticas macroeconmicas, alm de atuar como campo seguro s
crises financeiras internacionais. Este pas, que deve ser reconhecido como uma
potncia completa ou de primeira grandeza, detm um poder incontestvel no plano
industrial, tecnolgico, militar, financeiro e cultural (de massa). No entanto, por outro
lado, este arbtrio da superpotncia norte-americana no garantiu uma estabilidade
economia mundial, j que o momento atual de grande instabilidade sistmica e est
ligada revoluo financeira que acompanhou a consolidao e o funcionamento do
novo sistema econmico e cambial.
Podemos reconhecer dois momentos ou conjunturas que aceleram as decises
responsveis pela instalao da nova ordem internacional (cf. FIORI, 1999). Em um
primeiro momento, na virada dos anos 80, a vitria poltica das foras conservadoras na
Inglaterra, nos EUA e Alemanha, e posteriormente no incio dos anos 90 com a
dissoluo do mundo socialista e o fim da Guerra Fria. Este contexto propicia a volta ao
poder do princpio liberal e a generalizao das polticas liberais conservadoras nos
pases capitalistas, que apregoam a abertura e a desregulamentao dos mercados do
trabalho e do dinheiro. O capital financeiro passa a ocupar o primeiro plano atravs de
blocos de poder formados por seus Estados nacionais competindo por novos territrios
econmicos, delimitados no mais pelas barreiras comerciais, mas pela credibilidade de
suas moedas e dos sistemas de pagamento. Mas, por outro lado, segundo DAMIANI
(coord. Grupo Grundrisse) (2006: 39 e 40)12: [...] Uma outra forma de falar sobre isso dizer que o capital financeiro (...) domina o mundo econmico de hoje; definindo-se
12 O Futuro do Trabalho: elementos para a discusso das taxas de mais-valia e de lucro.
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assim enquanto capital financeirizado, que se reproduz miticamente atravs de uma bolha financeira, pois o capital produtivo se reduz drasticamente. Portanto, o domnio do capital financeiro no somente uma nova face da riqueza, ele representa a crise da riqueza real, ele (...) diz representar o capital produtivo, mas no chega produo (...), no produz riqueza real (valor). (...) O capital tenta adiar o aprofundamento da crise, transferindo a produo, o comrcio e a fora de trabalho disponvel para outros pases, investindo nestes lugares (...), impondo a lgica das finanas internacionais. Portanto, a crise transportada para todo lugar.
Com isso, verifica-se uma descompartimentalizao dos mercados financeiros e
do cmbio, dos ttulos pblicos e privados, das aes, dos imveis e dos commodities,
impelindo uma onda de internacionalizao financeira que voltil porque
impulsionada pela flutuao cambial, que impe limites estreitos s polticas
econmicas e s taxas de crescimento das economias nacionais. As conseqncias para
as classes trabalhadoras nos pases perifricos como o Brasil so o desemprego, a
demisso de funcionrios pblicos e a perda das liberdades constitucionais em
detrimento dos oramentos estveis e moedas slidas. De acordo com as idias de
DAMIANI (coord. Grupo Grundrisse) (2006: 40):
[...] O que ocorre que este Dinheiro Financeiro pago com o endividamento do Estado, sem, portanto, ter realizado valor atravs do trabalho. Quando o Capital Financeiro retira-se do territrio nacional, o Estado e a sociedade ficam com a dvida e com a crise social.
No plano das relaes internacionais e interestatais, observa-se a consolidao
de uma ordem geopoltica hierarquizada, comandada pela capacidade de arbtrio militar
e monetrio da superpotncia norte-americana e pelo surgimento da Unio Europia
(UE) e sua moeda, o euro. Ainda no sabemos ao certo se a UE ir se posicionar