( Espiritismo) # - c e 18 de abril - caderno doutrinario, divulgacao do espiritismo
Curso Regular de Espiritismo - bvespirita.combvespirita.com/Curso Regular de Espiritismo (Carlos...
Transcript of Curso Regular de Espiritismo - bvespirita.combvespirita.com/Curso Regular de Espiritismo (Carlos...
Curso Regular de Espiritismo
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
“Estabelecer-se-ia um Curso Regular de Espiritismo, no intuito de
desenvolver os princípios de Ciência e de propagar o gosto pelos estudos
sérios. O curso teria a vantagem de fundar a unidade de princípios, de
fazer adeptos esclarecidos, capazes de propagar as idéias espíritas e
desenvolver um grande número de médiuns. Considero este Curso,
elemento de influência capital sobre o futuro do Espiritismo”.
Allan Kardec - Obras Póstumas
APRESENTAÇÃO
Este Curso Regular de Espiritismo se destina aos trabalhadores
e freqüentadores do Teatro Espírita Leopoldo Machado - TELMA - da
cidade do Salvador, Estado da Bahia. Na elaboração do Curso, valemo-
nos, especialmente, dos ensinos dos Espíritos da Codificação,
subsidiados pelos lúcidos esclarecimentos Kardecistas, além de
substanciosas consultas a obras sérias de autores consagrados pelo
talento, versatilidade e visão coerente dos postulados espiritistas.
O Curso não objetiva formar eruditos conhecedores da Terceira
Revelação.
Destina-se, em princípio, oferecer aos interessados, noções
preliminares da Ciência Espírita, em seus aspectos primordiais. Caberá
a cada um, se assim o desejar, aprofundar-se nas questões aqui tratadas,
valendo-se, para tanto, da imensa e substancial bibliografia espírita e
afim. Podendo, nesse caso, contar com a orientação dos dirigentes do
TELMA.
Salvador, setembro de 2004.
Carlos Bernardo Loureiro
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Sumário 1ª Aula - O Espiritualismo: Retrospecto Histórico ....................................................................... 5
O Espiritualismo: Retrospecto Histórico .................................................................................. 5
Os Precursores Do Espiritismo ............................................................................................... 10
Glossário ................................................................................................................................. 13
2ª Aula Hydesville, 31 De Março De 1848: Inicia-Se Uma Nova Era Para A Humanidade. ...... 15
Hydesville, 31 De Março De 1848: ......................................................................................... 15
Os Fenômenos De Hydesville ................................................................................................. 16
Glossário ................................................................................................................................. 22
3ª Aula - As Mesas Girantes ....................................................................................................... 23
As Mesas Girantes .................................................................................................................. 23
As Mesas Girantes Na França ................................................................................................. 25
Manifestações Pioneiras Na Bahia E As Mesas Girantes No Brasil ....................................... 27
Glossário ................................................................................................................................. 30
4ª Aula - Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita Era Pré Kardeciana ............................. 31
Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita – Era Pré Kardequiana ................................... 31
A Bibliografia na França ...................................................................................................... 31
A Bibliografia Inglesa .......................................................................................................... 37
A Bibliografia Alemã - A Obra Do Dr. Justino Kerner ........................................................ 38
A Bibliografia na América Do Norte ................................................................................... 40
A Bibliografia na Itália ........................................................................................................ 43
Glossário ................................................................................................................................. 44
5ª Aula - Perfil Bibliográfico De Allan Kardec E Sua Iniciação No Espiritismo .......................... 45
Onde Nasceu Denizard Hipollyte Léon Rivail – Allan Kardec ................................................ 45
O Instituto Pestalozzi .............................................................................................................. 47
Denizard Rivail E O Magnetismo ............................................................................................ 50
Amélle Gabrielle Boudet Rivail .............................................................................................. 52
Allan Kardec Inicia-se no Espiritismo ..................................................................................... 53
Glossário ..................................................................................................................................... 58
6ª Aula - A Origem do Nome Allan Kardec ................................................................................ 58
Origem do nome Allan Kardec ............................................................................................... 59
O Pseudônimo Allan Kardec Motivo De Inquirição Judicial .................................................. 61
Glossário ................................................................................................................................. 65
7ª Aula - O Espírito de Verdade ................................................................................................. 66
O Espírito de Verdade ............................................................................................................. 66
Glossário ................................................................................................................................. 70
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
8ª Aula - O Livro dos Espíritos - As Bases de uma Nova Filosofia ............................................. 71
Introdução .............................................................................................................................. 71
O Livro dos Espíritos ............................................................................................................... 71
O Livro dos Espíritos Lança as Bases de uma Nova Filosofia ................................................ 74
Glossário ................................................................................................................................. 78
9ª Aula - Kardecismo e Espiritismo ............................................................................................ 79
Introdução .............................................................................................................................. 79
Kardecismo e Espiritismo ....................................................................................................... 82
A Revue Spirite ....................................................................................................................... 83
A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas ......................................................................... 86
Como se Realizavam as Reuniões na SPEE ............................................................................ 87
Glossário ................................................................................................................................. 89
10ª Aula - O Livro dos Médiuns .................................................................................................. 90
O Livro dos Médiuns ............................................................................................................... 90
Allan Kardec criou um Método Específico para investigar os Fenômenos ........................... 93
Auto-de-fé de Barcelona ........................................................................................................ 95
Viagem Espírita de 1862 ......................................................................................................... 97
Glossário ............................................................................................................................... 100
11º AULA - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO ............................................................ 102
O Evangelho Segundo o Espiritismo .................................................................................... 102
O Espírito Verdade ................................................................................................................ 104
Glossário ............................................................................................................................... 106
12º Aula - O Céu e o Inferno ..................................................................................................... 107
O Céu e o Inferno .................................................................................................................. 107
Glossário ............................................................................................................................... 109
13º Aula - A Gênese .................................................................................................................. 110
A Gênese ............................................................................................................................... 110
Glossário ............................................................................................................................... 114
14º Aula - A Desencarnação de Allan Kardec .......................................................................... 115
A Desencarnação de Allan Kardec ....................................................................................... 115
O Dólmen de Kardec ............................................................................................................. 120
Naitre, Mourir, Renaitre Encore Et Progresser Sans Cesse Telle Est La Loi. ....................... 121
Origem Da Sentença “Nascer, Morrer, Renascer ainda e progredir sem cessar, tal é a lei”.
............................................................................................................................................... 122
O Testamento Moral de Allan Kardec (Escrito alguns dias antes de sua desencarnação) . 124
Glossário ............................................................................................................................... 126
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
15ª Aula - Obras Póstumas ....................................................................................................... 127
Obras Póstumas .................................................................................................................... 127
As Cinco Alternativas da Humanidade ................................................................................. 131
Doutrinas Dogmáticas .......................................................................................................... 133
Doutrina Espírita ....................................................................................................................... 134
Glossário ................................................................................................................................... 135
16ª Aula – Conclusão ................................................................................................................ 136
Conclusão .............................................................................................................................. 136
Sugestão de Leitura Suplementar ............................................................................................ 142
1ª Aula - O Espiritualismo: Retrospecto Histórico
O Espiritualismo: Retrospecto Histórico
O Espiritualismo, quase tão velho como as primeiras almas que
habitaram a Terra, apareceu no mundo encoberto sob o véu do
Ocultismo. Foram as ciências que primeiro demonstraram a realidade de
um poder superior e invisível, e que deram nascimento às religiões que
alentaram no mundo antigo.
Se sondarmos o mistério do passado e das suas civilizações, se
passarmos por cima da lendária Atlântida e nos transpormos à eterna
China, ali vamos descobrir uma das mais velhas, civilizações
conhecidas, e os mais remotos testemunhos que essa longínqua
humanidade nos legou de suas relações com o invisível.
FO-HI, Imperador da China, vai para 5.500 anos, cita em um livro
Hi-King, obra dos mais altos conceitos metafísicos, outros filósofos e
outros sábios que deixaram àquelas já tão longínquas civilizações o fruto
da sua ciência adquirida desde tempos imemoriais, que traduz o grau de
sofisticação espiritual que atingiu o povo chinês. Segue-se a era de
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Confúcio que desenvolveu e aprofundou a doutrina de FO-HI. Nos seus
ensinamentos transparece o culto aos mortos, base da religião chinesa, a
garantir a plurimilenária crença na imortalidade. É no seio da família que
eles evocam seus maiores, lhe dirigem suas orações e queimam perfumes
e incensos ao mesmo tempo em que imploram, a sua proteção. As
concepções espiritualistas de Confúcio são continuadas por Lao-Tseu,
Filósofo e profundo pensador que proclamava: “Quem sabe não fala; fala
quem não sabe”. É através de seis estados que vão do homem simples ao
sábio, que Lao-Tseu vê a evolução do Homem para Deus, e conclui: “O
Homem chegado a esse estado venceu todas as provas e sua missão
terminou no coração do sol, e o sol não tem ação sobre ele, e é sem
esforço que se mantém nas alturas povoadas de imensuráveis astros”.
Passemos à índia. Antes da era védica, o mundo já possuía muitos
sagrados que iluminavam o caminho, e quando o homem precisou de
mais luz, apareceram, no momento próprio, os Vedas, os Avestas e os
livros do Grande Tao. Aparece Krisna, o grande impulsionador das
crenças hindus, pregando aos incrédulos e desprotegidos da sorte que a
vida feliz ou infeliz é o resultado das obras praticadas em vidas
anteriores, e que, para atingir a perfeição e a felicidade, é preciso
conquistar a ciência e a bondade e elevar-se na lei da caridade.
“Se tua alma sorri e canta na crisálida da carne - dizia Krisna - tua
alma está na Terra; se tua alma presta atenção nos tumultos do mundo e
se compraz no egoísmo e na luxúria, tua alma está na Terra, e a Terra, se
meada de ilusões e de abismos, é o grande teatro da Dor”1
1 Muitos séculos depois, Kardec escrevia em O Céu e o Inferno, obra quarta da Codificação do Espiritismo: “O sofrimento é inerente à Imperfeição. Toda imperfeição, assim como toda falta dela decorrente, traz consigo a própria sanção nas conseqüências
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Vem depois o Gautama Buda, que não hesita em abandonar a vida
faustosa que sua categoria de príncipe lhe facultava, para entregar-se à
missão de regenerar a Humanidade, por meio de uma nova expressão da
Lei.
Exilado da vida mundana, passou muitos anos meditando e
orando. Segundo a tradição, era na solidão das florestas do Himalaia que
Buda se comunicava com o invisível. Era uma alma notavelmente
espiritualizada, conquanto se deixasse embair por idéias e concepções
um tanto e quanto místicas. Segundo a sua lei, a causa do mal, da dor e
do renascimento (reencarnação) encontra-se concentrada no veneno do
desejo e da concupiscência.
A tolerância, o amor e a caridade constituem a base do Budismo.
As ciências espiritualistas não foram menos cultivadas no País dos
Faraós, onde os historiadores de todas as épocas vão beber preciosos
ensinamentos.
Terra de revelações mediúnicas como nenhuma outra no mundo,
legou, a posteridade, ensinamentos de profundo significado filosófico e
espiritual. “A luz que te rodeia é a Inteligência Divina. As traves são o
mundo material onde vivem os homens da Terra. Deus é o Pai. As almas
são filhas do Céu, e a sua passagem pela Terra, uma provação. Na
encarnação perdem a lembrança de sua origem celeste. Cativas da
matéria, inebriadas pela vida, precipitam-se como uma chuva de fogo na
volúpia, através do sofrimento, do amor e da morte onde gemem, e a vida
divina lhes parece um sonho.
naturais e inevitáveis, sem que haja necessidade de uma condenação especial para cada falta do indivíduo”.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
“Medita nesta visão: ela encerra o segredo de todas as coisas. O
véu do mistério encobre a grande verdade que tem de ser limitada no
desenvolvimento da inteligência: encobri-la aos fracos que os levaria à
loucura, escondê-la dos maus que dela fariam uma arma de destruição.
Que a Grande Verdade te penetre, guarde-a em teu coração, e que ela se
manifeste em tuas obras. A ciência será tua força, a lei o teu guia e o
silêncio o teu escudo”.
Foi no Egito que a Grécia se doutorou em ciências espiritualistas.
Berço das letras, das artes e das ciências, a Grécia introduziu, nos seus
templos, a doutrina secreta de Pitágoras, o iniciado dos templos egípcios.
Os princípios que Pitágoras lhe imprimiu eram os rígidos e austeros
princípios da doutrina iniciativa do Oriente. Ouçamos a linguagem com
que eram recebidos os iniciados na Grécia: “Ouve, dizia o Mestre, ouve
a verdade que é preciso esconder às multidões e que faz a força dos
santuários. Deus é único, e a divindade é eterna. Entraste com um
coração puro no seio do mistério. A hora solene chegou em que vai
penetrar até às fontes da Vida e da Luz. Aqueles que não tenham
penetrado as maravilhas do Invisível, escondido à maioria dos homens,
ficarão nas trevas da ignorância”.
Mas, como tudo tem a sua época, iam chegando os tempos em que,
da lenta e prudente ação, se ia passar ao reinado da Filosofia, à luz do
dia, com o aparecimento de Sócrates, imagem veneranda e figura
máxima do pensamento humano. Nascendo com a missão de revelar os
princípios da doutrina secreta, prega, por toda a parte, a sua crença em
Deus e na sobrevivência da alma. São notáveis suas teorias sobre a
condição humana, sobre a morte e sobre a vida: “Não é possível alcançar
a verdade - proclama o mestre de Platão - enquanto nos encontramos na
prisão da carne. A verdade só será possível à alma, quando se libertar
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
das correntes da carne. Essa libertação só se atinge pela morte. É depois
que ela se separa do corpo que adquire o pleno uso das suas faculdades,
porque já se não encontra perturbada pelos sentidos, pela dor, pela
volúpia, porque desligado de toda e qualquer relação com o corpo, atinge
a essência espiritual.
O sistema filosófico grego, ainda hoje estudado e ensinado em
todos os meios universitários do mundo, depressa ultrapassou as
fronteiras da Grécia e se projetou no íntimo das culturas ocidentais,
comum a força extraordinária. Mas os séculos transcorreram e o homem
tinha necessidade de uma fé maior e profunda. Começou a despontar a
luz do Precursor, escrituristicamente prenunciado; reencarna Elias com
o nome de João Batista. Cumpria-se a profecia. A voz que clama no
deserto prepara o caminho do Mestre Jesus. Convida os homens à
renovação moral. Surge a figura carismática de Jesus que inicia a maior
e inigualável revolução ética de que se tem memória. Declarasse
frontalmente contra a antiga Lei, profundamente ortodoxa, injusta, que
compromete a Inteligência Suprema. E o mundo assiste ao desabrochar
das leis divinas do Amor, da Tolerância e do Perdão das Ofensas.
O advento do Cristianismo trouxe à Humanidade a era da Luz e
da esperança, sustentada, de início, na Imortalidade e na Reencarnação
enunciadas pelo Cristo. Entretanto, a doutrina cristã foi adulterada, no
curso dos tempos, por religiões cujos líderes não eram diferentes
daqueles a quem o Mestre, com a coragem própria dos seres superiores,
advertia, com severidade, a ponto de proclamar, publicamente, que era
mais fácil uma prostituta entrar no Reino de Deus do que os sacerdotes!...
A adulteração da obra de Jesus foi mantida a ferro e fogo. A
intolerância e a prepotência atingiram índices alarmantes, e a
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Humanidade assistiu espantada e impotente ao entrechoque das paixões
e do arbítrio. Instalou-se o caos. Milhões de criaturas eram levadas às
masmorras fétidas dos mosteiros ou ardiam, vivas, em fogueiras
infamantes. Nasceu, em conseqüência, vigorosa reação: à submissão, à
fé cega, ao abuso, à insânia, opuseram-se as teorias do nada.
Iniciava-se a era do materialismo que vai de Molleschot e Lange
até os conceitos antimetafísicos de Augusto Conte. Era a negação da
alma, a apologia do nada. As faculdades intelectuais, a consciência e a
alma são produtos do organismo. A matéria é tudo e o ideal não existe.
Deus é uma utopia. O real é o corpóreo, e o psíquico é equiparado
exatamente ao material quando os processos da consciência são
identificados com os processos cerebrais, ou, por outras palavras, as
idéias estão na mesma relação com o cérebro como, por exemplo, a bílis
com o fígado, no dizer de Augusto Messer, na sua História da Filosofia.
E assim foi vivendo a Humanidade nessa luta constante por um
ideal que a guiasse, ideal onde encontrasse uma razão de ser para o
sofrimento e a dor, que têm como corolário a miséria moral. Em meio a
esse processo de descrédito e aspirações frustradas, em que as religiões
nada mais podiam oferecer, principalmente aos livres pensadores,
alforriados das peias do dogmatismo, surge a Doutrina Espírita, no
momento em que é lançado, em Paris, O Livro dos Espíritos. Este livro
restabelece em suas páginas dando-nos a tríplice estrutura do Espiritismo
como Ciência, Filosofia e Ética. Tais e extraordinários princípios serão
desdobrados e analisados neste Curso Regular de Espiritismo.
Os Precursores Do Espiritismo
Como vimos na aula anterior, os fatos referentes às revelações dos
Espíritos ou fenômenos mediúnicos remontam a mais remota
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
antigüidade sendo tão velhos quanto o aparecimento do homem na face
da Terra. E esses fenômenos sempre ocorreram entre todos os povos.
Modernamente, quando podemos situar melhor a fase precursora
do Espiritismo, destacam-se as figuras de Franz Anton Mesmer,
Emmanuel Swendenborg e Andrew Jackson Davis.
Franz Anton Mesmer, doutor em Medicina, em Viena, Áustria,
defendendo sua tese De Planetarum Inflexa (1765), as idéias de
Paracelso, sustentou que os astros exercem ação direta sobre os corpos
viventes, mediantes imponderável fluido que tudo penetra. Mais tarde,
surpreso com as curas obtidas com a aplicação do ímã e placas metálicas
sobre o corpo dos enfermos, acreditou haver descoberto que o ímã
(chamado pelos Físicos de magnete), posto em relação com o organismo
humano ou animal, podia agir sobre este no mesmo grau dos astros, por
meio de um fluido - particular a ele, ímã - o Fluido Magnético. Por
último, descobriu que certas pessoas podem exercer certas influências
sobre organismo de outras.
Afirmou que, analogamente ao Magnete, pudesse agir também as
mãos e os olhos de alguns indivíduos, mediante um fluído especial que
emana, à vontade, dos seus organismos. Combatido nas suas doutrinas,
em Viena, emigrou para Paris, em 1778. Na “Cidade Luz”, Mesmer
formulou mais explicitamente a sua tese sobre o fluido que se pode emitir
à vontade do organismo animal. E pela analogia que ele admitiu
reconhecer entre esse e o fluido do Magnete, em 1779, em uma famosa
Memória, denominou-o de Magnetismo Animal. Mas à expressão
Magnetismo Animal os admiradores de Mesmer preferiram o nome de
Mesmerismo, em honra e memórias de seu mestre, enquanto reservaram
a expressão - Magnetismo Animal – para indicar ou o fluído
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
propriamente dito ou o conjunto dos fatos dos quais se pretendia deduzir
a existência dele.
No século XIX, o mesmerismo desfrutou de grande popularidade
nos Estados Unidos da América do Norte, onde mesmeristas realizavam
verdadeiros espetáculos de ilusionismo e hipnose. Enquanto, porém, o
mesmerismo contribuía para a realização de uma série de fenômeno, o
swedenborguianismo caracterizava-se pela adoção de idéias nitidamente
filosóficas. Emmanuel Swendenborg, um dos gênios do século XVIII,
canalizou sua formidável versatilidade e arguta inteligência para as
coisas do Espírito, conquanto se deixasse influenciar por exacerbado (e
às vezes delirante) misticismo. Afirmava que recebia Deus, Cristo e
outros Espíritos menores. Tinha visões minuciosas do céu, do inferno e
de um reino hierárquico seis esferas espirituais em torno da Terra.
Swendenborg escreveu muitos livros sobre as suas experiências
espirituais. Não faltou quem o considerasse um louco. Houve, contudo,
quem levasse a sério suas concepções, fundando-se, daí, uma religião
baseada em suas mensagens. A versão americana dessa religião foi a
Igreja de Nova Jerusalém. Por volta de 1840, esta seita conseguiu
despertar o interesse pelo estudo dos ensinos swendenborguianos. A
maioria esmagadora dos espíritas não aceitava as idéias profundamente
místicas de Swendenborg, excetuando-se seu testemunho quanto à
sobrevivência da alma e sua visão dos reinos espirituais.
Mesmer e Swedenborg exerceram capital influência sobre um
homem chamado Andrew Jackson Davis que viria a ser conhecido como
o Vidente de Poughkeepsie e o João Batista do Espiritismo. Nascido
em 1826 em Orange County, Estado de Nova Yorque, Andrew Jackson
Davis foi uma criança doentia e infeliz. Sua mãe era analfabeta e
extremamente religiosa. Seu pai, um sapateiro, alcoólatra, maltratava-a
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
constantemente. Desde pequeno, Davis ouvia vozes, vozes dos Espíritos,
que o informavam sob vários assuntos. Anos mais tarde, descobriu que
possuía o dom da mediunidade. Os seus transes levavam-no a desvendar
os mistérios do Além. Em 1844, Davis declarou haver recebido a visita
dos Espíritos de Swendenborg e do médico grego Galeno. Seguiu-se uma
carreira de incríveis fenômenos: em transe, Davis diagnosticava doenças
e receitava tratamento, assim como aconteceu, muito mais tarde, com
Edgar Cayce, O Profeta Adormecido. Mesmo sem possuir qualquer
diploma (mal aprendera as primeiras letras) Davis, tornou-se
conferencista e escritor. Em 1847, aos 21 anos, publicou sua obra
principal, sob o título Os Princípios da Natureza, Suas Divinas
Revelações, e Uma Voz Para a Humanidade, Por e Através de Andrew
Jackson Davis, Vidente de Poughkeepsie e Clarividente. Este livro atraiu
a atenção do público norte-americano, especialmente os espíritas.
Nos anos de 1840, Davis predisse os acontecimentos de
Hydesville, declarando: “É verdade que os Espíritos comungam um
como outro enquanto um está no corpo e outro nas esferas espirituais”.
E acrescentou: “Dentro de pouco tempo esta verdade se apresentará sob
a forma de uma demonstração viva”. Em anotação datada de 31 de março
de 1848, Davis escreveu: “No alvorecer desta manhã, um hálito quente
passou pelo meu rosto e ouvi uma voz terna e forte, dizendo: ‘Irmão, o
bom trabalho começou - eis que nasce uma demonstração viva”. No dia
31 de março de 1848, a pequena Kate Fox pedia a um misterioso “ruído”
que respondesse a algumas perguntas...
Glossário2
2 Consulta ao Dicionário da Língua Portuguesa, de Francisco da Silveira Bueno; editado pelo Ministério da Educação e Cultura 1975.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Adulteração - ato de adulterar, falsificação.
Alforriado - liberto, livre.
Analogamente - ponto de semelhança entre coisas diferentes.
Apologia - discurso para justificar ou defender, elogio.
Arguta - de espírito vivo, sutil, engenhoso.
Aspirações - desejo veemente,
Carismática - Dom de graça divina.
Concupiscência - desejo exagerado de prazer, ambição.
Dogmatismo - imposição de idéias e princípios.
Escrituristicamente - relativo às Escrituras (Bíblia).
Imensurável - que não pode ser medido.
Imponderável - sutil, indefinido, impalpável
Infamantes - que infama, ofensivo, injurioso.
Iniciado - novato, discípulo.
Metafísica - parte da Filosofia que procura determinar as regras
fundamentais do pensamento.
Pejas - embaraço, impedimento.
Poughkeepsie - pequena cidade do interior de Nova Yorque.
Predisse - disse antecipadamente.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Remota – longínquo, distante.
Védica - relativo as Vedas (etnia do Siri Lanka).
Veneranda - que é digno de veneração, respeitável.
Utopia - nome de uma obra poética de Thomas Morus (1480-
1535); projeto irrealizável fantasia, lugar que não existe.
2ª Aula Hydesville, 31 De Março De 1848: Inicia-Se Uma Nova Era
Para A Humanidade.
Hydesville, 31 De Março De 1848:
Antes dos relatos históricos de Hydesville, cumpre registrar o que
aconteceu entre os Shakers.
Uma década anterior aos episódios de Hydesville, povoado norte-
americano de Rochester, Nova Iorque, uma seita religiosa, chamada
Sociedade Unida dos Crentes no Segundo Advento do Cristo, já
praticava a comunicação com os Espíritos. Os Shakers (os que agitam
ou dançam) apareceram na Inglaterra como dissidência dos Quakers. A
nova seita expandiu-se na América do Norte, onde, em 1826, já havia
dezoito comunidades.
Em agosto de 1837, iniciou-se um ciclo de notáveis atividades
entre os Shakers. Durante uma dança da comunidade de Watervlite,
Estado de Nova Iorque, um grupo de meninas começou a agitar-se e a
falar diferentes idiomas e dialetos. Na verdade, elas eram médiuns
naturais de xenoglossia (assim como ocorreu em Pentecostes),
manifestando, através do transe profundo, Espíritos de brancos e de
índios (peles-vermelhas). Os Shakers acreditavam, firmemente, na
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
imortalidade da alma e na sobrevivência da alma. As suas sessões eram
marcadas, sempre, pela presença de Espíritos, especialmente de
indígenas, encontrados no território norte-americano quando os
europeus chegaram trazendo morte e violência. Com o passar do tempo,
aproximando-se de 1848, essas manifestações espirituais foram
diminuindo de intensidade, tomando-se discretas, mas jamais
abandonadas.
Os Fenômenos De Hydesville
No povoado norte-americano de Hydesville, residia a família Fox,
de procedência escocesa, filiada à religião metodista. Chegou a
Hydesville e foi residir em uma casa cuja fama de mal assombrada era
notória na região. Os seus anteriores inquilinos queixavam-se de
constantes importunações, até então não devidamente identificadas. A
família Fox cria em almas do outro mundo: não relutou, portanto, em
residir onde muitas pessoas se recusavam a fazê-lo.3
Em começo de março de 1848, os moradores começaram a ouvir
os primeiros golpes de diversos pontos da habitação, como se fossem
dados por alguma pessoa brincalhona. E o estalo em móveis, pancadas
no teto e mais rumores esquisitos aumentavam diariamente, num
crescendo assustador ainda não observado.
Na noite de março de 1848, excederam aos de todos os dias e
noites anteriores. Foi impossível impedir a intromissão dos vizinhos e
demais moradores da cidadezinha. A casa encheu-se de curiosos e de
3 Os fenômenos ocorreram na casa dos Fox desde 1846, quando ali morava um certo Sr. Miguel Weckman. Uma noite ele ouviu estranhos ruídos na casa, vindos de várias partes, especialmente da porta da rua. Tais ruídos chegaram a um ponto tal que ele, com medo, abandonou a habitação. Era já o Espírito Carlos Rosma tentando se comunicar e contar o seu drama.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
interessados em descobrir os autores daqueles distúrbios. Ardilosos
recursos foram postos em prática e o misterioso barulho continuava
sempre. Depois de várias e inúteis tentativas para encontrarem o
causador do inqualificável procedimento, viram-se obrigados a desistir
do intento e recorrer a outras hipóteses.
Com a palavra a Sra. Fox que relatará o que aconteceu naquela
histórica noite de 31 de março de 1848: “Na noite de sexta-feira, 31 de
março de 1848, resolvemos ir para cama um pouco mais cedo e não nos
deixamos perturbar pelos barulhos: achava-me tão quebrada e com falta
de repouso que me sentia doente.
Eu apenas me havia deitado e a coisa começou como de costume.
E eu o distinguia de quaisquer outros ruídos jamais ouvidos. As meninas
que dormiam em outra cama do quarto ouviram as batidas e procuraram
fazer ruídos semelhantes, estalando os dedos.
“Minha filha menor, Kate, disse batendo palmas: ‘Sr. Pé-Rachado,
faça o que eu faço’. Imediatamente seguiu-se o som, com o mesmo
número de palmadas. Quando ela parou, o som logo parou.
“Então Margareth, a outra filha, disse brincando: ‘Agora faça
exatamente como eu. Conte um, dois, três, quatro’. E bateu palmas.
Então os ruídos se produziram como antes. Ela teve medo de repetir o
ensaio. Então Kate disse, na sua simplicidade infantil: ‘Oh! Mamãe, eu
já sei o que é! Amanhã é primeiro de abril e alguém quer nos pregar uma
peça.
Não era uma peça, pelo contrário, era a maior das verdades já
reveladas ao homem pelo próprio homem, livre do seu corpo físico.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Retomemos o relato da Sra. Fox: “Então perguntei: É um ser
humano que me responde tão corretamente? Não houve resposta.
“Perguntei: É um Espírito? Se for, bata duas vezes. Duas batidas
foram ouvidas assim que fiz o pedido.
“Então, eu disse: se for um Espírito assassinado, dê duas batidas.
Estas foram dadas instantaneamente, produzindo um tremor na casa”.
Soube-se, depois, que o autor daquelas manifestações era o
Espírito de um certo Carlos Rosma. Há autores que denominaram o
Espírito batedor de Carlos Ryan, bufarinheiro de profissão, que teria sido
assassinado em 1832, aos 31 anos de idade. Averiguou-se,
posteriormente, que a influência pessoal das meninas Margareth (14
anos de idade) e Kate (11 anos de idade) auxiliaram a produção dos
fenômenos.
A celeuma que levantou nos Estados Unidos em torno da
comunicação com os mortos foi de tal monta que as autoridades abriram
um inquérito para apaziguar ânimos contrariados. Numerosos cidadãos
viram-se envolvidos em escandalosos processos por sustentarem que nos
fenômenos físicos havia intervenção da alma dos mortos. O testemunho
dos fatos, porém, triunfou em todos os inquéritos e debates públicos
verificados naquela época. As medidas coercitivas postas em prática
para impedir a divulgação dos acontecimentos deram resultados
contraproducentes.
A população de Hydesville ficou dividida. Alguns acreditavam na
sinceridade da família Fox, outros, porém, manifestaram a sua descrença
e hostilidade. Os mais exaltados, aterrados com a presença do demônio,
falavam em incendiar a casa depois de liquidar os seus habitantes. Os
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Fox, temerosos, refugiaram em Rochester, em casa da Sra. Fish,
professora de Música. Julgaram que tudo ficara para trás, inclusive os
fenômenos. Puro engano. Eles recomeçaram em Rochester e eram, até,
mais intensos. Luzes estranhas iluminavam as janelas, os móveis
rangiam e se mexiam sozinhos, objetos voavam pelos cômodos da casa.
Em julho (1848), distinguiu-se uma forma branca que rastejou, se
elevou e desapareceu. Uma mão humana, isolada, passeou pelo ar como
uma ave e roçou pelas faces dos assistentes gelados de terror e
desapareceu. Tais fenômenos e muitos outros ganharam o mundo.
No livro Modem Spiritualism, Its Facts and Fanaticism
(Boston, 1855), relatava-se: “A desordem tornou-se tão grande que a Sra.
Fish não conseguiu continuar a dar lições de música e tornou-se
impossível ocupar-se em casa, das lides domésticas”.
Foi, então, que o incrível aconteceu, conforme declarou uma das
irmãs Fox - Lea Underhill (nome de casada - no seu livro The Missing
Link in Modem Spiritualism (Nova Iorque, 1855): “(...) os Espíritos,
intimados a não importunarem mais os vivos, fizeram saber que toda a
sua barafunda tinha um único objetivo: era chegada a hora de dar a
conhecer a verdade ao mundo inteiro”.
Em novembro de 1848, os Espíritos avisaram que iriam partir, em
virtude da poderosa e persistente resistência que impunham à família
Fox.
Alexandre Aksakof, em seu livro Animisme e Spiritisme
(1900), esclarece:
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
“As manifestações acabaram efetivamente; durante vários dias
não se ouviu bater uma única pancada. Mas, deu-se uma mudança brusca
nas idéias dos membros da histórica família; eles sentiram um profundo
desgosto por terem sacrificado as considerações mundanas um dever que
lhes tinha sido imposto em nome da verdade, e, quando a pedido de um
amigo, as pancadas se fizeram ouvir novamente, foram saudadas com
alegria.
“Parecia que recebíamos velhos amigos - escreveu Lea Underhill
amigos a que antes não tínhamos. Sabido dar o devido valor”.
“Tendes um dever a cumprir. - disseram, então, os Espíritos -
Queremos que torneis público as coisas de que sois testemunhas”.
Os invisíveis traçaram, eles próprios, o plano de operação que
deveriam adotar, com mais minuciosos pormenores: era preciso alugar o
grande salão público Corinthian Hall; os médiuns, deviam subir ao
estrado em companhia de alguns amigos; as pessoas designadas para ler
a conferência eram: G. Willes e C. W. Capron, devendo este último fazer
o histórico das manifestações; um comitê composto por cinco pessoas
designadas pela assistência devia fazer investigações nesta matéria e
redigir um relatório que seria lido na reunião seguinte. Os Espíritos
prometiam manifestar-se de modo a serem ouvidos em todo o salão. Esta
proposta dos Invisíveis foi rejeitada sumariamente. Eles propuseram,
então, fazer as reuniões espiritualistas em salões de casas particulares.
Eles se manifestariam e mostrariam as vias terrenas da paz e da
Felicidade.
Pelo que consta, os Espíritos nunca ameaçaram os Fox; revelaram-
se dóceis e amáveis. Pediam desculpas pela desordem e pelo medo que
causavam nas pessoas através das manifestações físicas.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Com o passar do tempo, as reuniões se sucederam em diversos
círculos familiares, a tal ponto que se decidiu atender aos anteriores
apelos dos Espíritos, organizando-se uma grande reunião pública, que se
realizou a 14 de novembro de 1849, perante centenas de pessoas, no
Corinthian Hall, de Rochester. Foi considerável o sucesso deste
movimento, suscitando o aparecimento de muitos círculos espíritas.
Fizeram-se inúmeras sessões sem os devidos cuidados, dando ensejo a
extravagância de todos os quilates. Abriram-se, de par-em-par, as portas
da fascinação e as conseqüências foram as mais deploráveis.
Mais de meio século depois dos acontecimentos de Hydesville,
descobrisse o local onde fora sepultado o corpo de Carlos Rosma. A
revolucionária notícia publicada pelo Boston Journal, lançava luzes
definitivas às obscuras controvérsias sobre o assunto. Eis o que o referido
jornal divulgou, em sua edição de 23 de novembro de 1904: “Foram
encontrados na casa habitada pelas irmãs Fox, em 1848, restos do
homem que se supunha ter sido a causa dos ruídos que se ouviram pela
primeira vez na citada casa, vindo este achado a dissipar as últimas
sombras de dúvida que podiam pairar sobre a veracidade do que
afirmavam ambas as irmãs Fox quanto à comunicação espírita.
“As irmãs Fox declararam que haviam estabelecido comunicação
com o Espírito de um homem, o qual informara ter sido assassinado e
sepultado na parte inferior da habitação, que fica entre o assoalho e o
solo. Repetidas escavações, levadas a efeito para encontrar o cadáver,
deram um resultado incompleto, pelo que não pôde obter-se a prova
concludente daqueles relatos.
A nova descoberta e a almejada confirmação realizaram-na uns
escolares, que penetraram no porão da casa de Hydesville, de onde as
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
irmãs Fox tinham ouvido os estranhos ruídos. Guilherme H. Hyde,
proprietário da casa, mandou fazer minuciosa inspeção, encontrando-se
o esqueleto humano, quase completo, entre a terra e os escombros de
uma parede da adega meio destruída. Esse esqueleto, sem dúvida
nenhuma, era do vendedor ambulante assassinado, segundo se diz, há
cinqüenta anos num aposento da moradia e, em seguida, enterrado
naquele sitio”.
De qualquer sorte, as manifestações dos Espíritos na grande nação
americana descerraram o véu que, por tantos séculos, cobriu a nudez da
verdade. Nove anos depois da memorável noite de 31 de março de 1848,
era lançado, em Paris, por iniciativa de Denizard Hippolyte Léon Rivail
(Allan Kardec), O Livro dos Espíritos.
Glossário
Advento - vinda, chegada.
Bufarinheiro - vendedor ambulante de bugigangas, espécie de
mascate.
Metodista - seita protestante fundada pelo teólogo inglês John
Wesley (17031791), em Oxford, no século XVIII.
Pentecostes - entre os judeus, festa em memória do dia em que
Deus entregou a Moisés as tábuas da Lei. Entre os cristãos,
acontecimento que se celebra cinqüenta dias após a Páscoa, em
comemoração ao dia em que os apóstolos falaram em transe mediúnico,
línguas por eles completamente desconhecidas.
Quaker - do inglês to quaker, tremer. Seita fundada no século
XVII por um jovem sapateiro inglês George Fox, e difundida
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
principalmente na Escócia e nos Estados Unidos da América. Os
quakers, que se põem sob inspiração direta do Espírito Santo, repelem
toda organização eclesiástíca para viver à espera do Cristo, no silêncio,
na prece, na pureza moral integral e na prática rigorosa da solidariedade.
Setecentista - relativo ao setecentismo ou ao século XVIII, isto é,
que tem início no ano 1700.
Xenoglossia - falar, em estado de transe, em línguas estrangeiras.
Para alguns autores, o termo deveria abranger a escrita em língua
estrangeira e glossolalia apenas para fala. Sobre este último termo,
Ernesto Bozzano utiliza-o, apenas, para definir o fenômeno de fala de
línguas não existentes inventadas pelos sensitivos. Charles Richet
emprega, tão somente, o vocábulo xenoglossia. Deve-se concordar que
falar línguas estrangeiras em transe seria um fenômeno muito mais
expressivo que escrever, porque envolve a entonação, a pronúncia, a
audição, etc.
3ª Aula - As Mesas Girantes
As Mesas Girantes
Após os estrondosos acontecimentos verificados na cidadezinha
de Hydesville, eclodiram as manifestações dos Espíritos através das
mesas girantes (table-moving). Bastava que se colocassem ao redor de
uma mesa, em cima da qual se punham as mãos. Levantando um de seus
pés, a mesa dava (enquanto se recitava o alfabeto) uma pancada toda vez
que fosse proferida a letra que servisse ao Espírito para formar as
palavras.
Emma Hardinge Britten, em History of Modem Americam
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Spiritualism, de 1870, informa: “Há que notar que a mesa não se
limitava a levantar-se sobre um pé para responder às perguntas que se
faziam; movia-se em todas as direções, girava sob os dedos dos
experimentadores, às vezes se elevava no ar, sem que se descobrissem
as forças que a tinham suspendido.”
Segundo o relato do Prof. Paul Gibier (Diretor do Instituto de
Microbiologia de Nova York), em seu livro O Espiritismo, a moda das
mesas girantes e falantes, por volta de 1850, tomou de assalto as cidades
norte-americanas, atraindo a atenção de eminentes pesquisadores. Em
1852, W. Briyant, B. K. Bliss, Edward e Davis A. Wells, professores da
Universidade de Harvard, publicaram um manifesto, que se tornou
célebre, apoiando, com os seus testemunhos, a autenticidade dos
movimentos e elevação da mesa, sem que para isso entrasse em jogo
qualquer agente físico conhecido.
O fenômeno das mesas girantes chegou à Europa e se disseminou
pela Inglaterra, Alemanha e França. O Dr. Arthur Conan Doyle, o
criador de Sherlock Holmes, afirma em seu livro História do
Espiritismo (Ed. Pensamento), que eram intensas na cidade inglesa de
Keighley as manifestações espirituais por meio de mesas, sob o controle
de Dr. David Watherhead, que fundaria, mais tarde, o primeiro jornal
espírita inglês o Yorkshire piritual Telegraph. O movimento se
propagou por outras regiões da Inglaterra, tornando-se familiares as
experiências com as mesas, publicando-se, em conseqüência, uma
espécie de manual sobre o inusitado assunto sob o título: Pratical
Instructions in Table-moving, With Pyhysical Demonstration,
impresso em 1853, pela editora londrina Hippolyte Bailliere. Na
Alemanha, o ambiente já estava mais ou menos preparado para acolher
o fenômeno das mesas girantes, graças ao trabalho realizado pelo Prof.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Justinus Kerner, uma das glórias literárias daquele país. Escreveu a
histórica obra A Vidente de Prevost (Die Sererin von prevost) e
diversos outros trabalhos sobre sonambulismo e magnetismo, publicados
na cidade de Stuttgard, de 1824 a 1852. As primeiras ocorrências de
mesas girantes na Alemanha aconteceram em Brémen, às margens do rio
Weserfato que seria largamente noticiado pela Gazeta de Augsburgo,
edição de 04 de abril de 1853.
Informa, a propósito, Zêus Wantuil, autor do trabalho As Mesas
Girantes, Ed. FEB: “Influentes e sábias autoridades do mundo cultural
alemão entregaram-se a observações junto às mesas girantes, atestando,
indiscutivelmente, os fatos, sobressaindo-se, dentre elas, professores da
famosa Universidade de Heidelberg”. A paixão pelo fenômeno das
mesas girantes chegou a tal ponto que, em meados de 1853, circulava,
em Brémen, um jornal hebdomadário sob o sugestivo título: As Mesas
Girantes e os Espíritos Batedores.
As Mesas Girantes Na França
Na França, notícias sobre essas manifestações dos Espíritos eram
divulgadas com certa ênfase pelos jornais Le Pays, e especialmente, no
L’Illustration (maio de 1853). O Marquês Eudes Mirville, em sua obra
Question des Espirits, informa que o padre Luíz Eugênio Maria
Bautain, doutor em Medicina e em Direto, foi a primeira autoridade
científica da França a pesquisar o fenômeno das mesas girantes. Em sua
obra Avis aux Chrétiens sur les Tabelas Toumantes et Parlantes, par
un Eclésiastique, dada a lume em 1853, o padre Bautain afirma: “Vi
mesas girarem sob a aplicação da mão humana, sem nenhum esforço
muscular da parte do operador, e mesmo contra a sua vontade firme de
abortar a experiência... Ouvia-as falar à sua maneira... Vi, ouvi, toquei,
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
apalpei e me assegurei, por todos os meios possíveis, de que ali não havia
nem fraude nem ilusão. Se a lógica quer que a indução de forma
nenhuma se estenda além dos fatos observados, esta também exige que
aquela vá até o último limite desses fatos, e aí esgote o assunto. Ora, há
ali fenômenos de pensamento, de inteligência, de razão, de vontade, de
liberdade (quando as mesas recusam a responder)... e às causas deles os
filósofos sempre chamaram Espíritos ou almas... Mas que Espíritos? É
Indubitável, em primeiro lugar, que esses Espíritos vêem e sabem de
coisas que ignoramos e que não podemos ver... Os Espíritos em questão
percebem, portanto, mais, e mais longe que nós, e se não o fazem sem
serem entes infalíveis, eles vêem coisas do outro mundo e do nosso,
coisas que nós outros não percebemos...”
Um outro prelado não menos famoso também se voltou, com
inusitado interesse, para o fenômeno das mesas girantes: Henri
Lacordaire (1802-1861), talentoso orador dominicano, que fez época no
púlpito de Notre Dame, Paris, escreveu, em junho de 1853, à madame
Swetchine, Correspondence Avec Madame Swetchine: “Tendes visto
girar as mesas? Ouvisteas falar? Não me interessei vê-Ias girar, por ser
um fato muito simples, mas eu as tenho ouvido e feito falar. Elas me
dizem coisas notabilíssimas sobre o passado e o presente... Em todos os
tempos houve maneiras mais ou menos extravagantes para se comunicar
com os Espíritos. Somente outrora é que se fazia mistério desses
processos, como se fazia mistério da Química; a justiça, por execuções
terríveis, impelia para o esquecimento essas estranhas práticas. Hoje,
graças à liberdade de cultos e à imprensa universal, o que era secreto
tornou-se uma fórmula opular. Talvez assim, através dessa divulgação,
Deus queira proporcionar o desenvolvimento das forças materiais, a fim
de que o homem não se esqueça, à vista das maravilhas da mecânica, que
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
há dois mundos contidos um no outro: o mundo corpóreo e o mundo dos
Espíritos”.
Manifestações Pioneiras Na Bahia E As Mesas Girantes No Brasil
Conforme relato da pesquisadora Lúcia da Silva, em sua obra
Memórias Históricas do Espiritismo na Bahia, pórtico da história do
Espiritismo no Brasil, data da primeira metade do século XIX a primeira
notícia oficialmente documentada sobre a perseguição à pessoas que
conversavam com os mortos. Tudo aconteceu na Bahia. A autora registra
a existência de uma queixa assinada por José Joaquim dos Santos, Juiz
municipal, datada de 24 de maio de 1845 e dirigida ao tenente-general
Presidente da Província, oficializando o provável início de um processo
contra pessoas que faziam reuniões espíritas noturnas no Distrito de
Mata de São João. Não são citados os nomes dos envolvidos nem se sabe
se houve continuidade do processo. Eis o teor do histórico documento
reproduzido na grafia atualizada:
“Ao chegar a este termo, fui informado de que no Distrito de Mata
de São João (na Bahia), repetem-se reuniões noturnas em casa certa a
pretexto de se ouvirem revelações de almas de mortos que se fingem
aparecer com número crescido de concorrentes, assim como que dessas
revelações que ai fingem, começam a aparecer intrigas que podem
comprometer a paz das famílias.
Oficiei, no dia 24 do corrente (maio de 1845), ao Delegado do
termo, o Subdelegado do Distrito a dar começo ao necessário processo,
se qualquer deles não o tiver já encetado em vista do Regulamento nº.
120, art. 62, 1° e 3ª parágrafos e arts. 64, 129 e 130.
Darei conta a V. Ex.ª. de quanto for ocorrendo e do resultado final.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Ds. Ge. A V. Ex.ª. Abrantes
24 de maio de 1845.
Ilmo. Sr. Tem. General Presidente da Província
(Ass) Joaquim dos Santos
Juiz Municipal”.
“Pela data do documento” - acrescenta a pesquisadora Lúcia da
Silva - “comprova-se que as sessões espíritas eram realizadas na Bahia,
antes mesmo dos acontecimentos de Hydesville, ou seja três anos antes
da ocorrência dos fenômenos provocados pela mediunidade das irmãs
Fox. Só não ficou esclarecido qual o método empregado pelos baianos
no intercâmbio com os Espíritos”.
Por volta de 1853, a Corte Imperial do Rio de Janeiro começou a
se agitar diante do fenômeno das mesas girantes, fato então divulgado
pelo Jornal do Comércio, a partir de sua edição de 14 de junho de 1853.
Um outro jornal brasileiro, O Diário de Pernambuco, cuja publicação
se iniciara no Recife em 7 de novembro de 1825, punha o povo
nordestino a par das manifestações dos Espíritos através, especialmente,
das mesas girantes. O Diário de Pemambuco chegou a traduzir e
publicar matéria da Revue des Deux Mondes (maio de 1853), com
destacada chamada na página de rosto.
Surgiu até um trabalho (o primeiro no gênero no Brasil) em 1853,
de autoria do Dr. Olegário Ludgero Pinho, primeiro propagador da
Homeopatia em Pernambuco, sob o título Magnetismo, onde relata as
experiências realizadas, em sua casa, com as mesas girantes, embora
atribuísse os fenômenos às forças magnéticas...
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Em agosto de 1863, O Cearense, fundado em Fortaleza, Ceará,
1846, transcrevia, sobre os fenômenos das mesas girantes, trechos de
artigos publicados em periódicos europeus, como La Presse, La Patrie,
O Correio de Lyon e outros. Relatava, por outro lado, as experiências
realizadas na capital do estado com as famosíssimas mesas girantes.
No Jornal das Famílias, de junho de 1863 (dois anos antes da
fundação, na Cidade do Salvador, do primeiro centro espírita do Brasil,
por iniciativa de Luís Olímpio Teles de Menezes), periódico que se
publicava na Capital do Império (Rio de Janeiro), o ilustre cônego
Francisco Bernardino de Souza deu à luz interessante artigo intitulado
Spiritus, Qui Vadit, Redil? Au Non? (O Espírito que vai, volta? Ou
não?), em que são descritas manifestações espíritas, algumas observadas
na Bahia. Esse artigo foi transcrito no primeiro órgão de propaganda
espírita em nosso País, fundado por Luís Olímpio Teles de Menezes: O
Eco de Além Túmulo, numa colaboração do Dr. Inácio José da Cunha,
professor, àquela época, da Faculdade de Medicina da Bahia, que
afirmou, a respeito: “A justeza e a imparcialidade com que nesse
mencionado artigo são apreciados os fatos de manifestação d’além
túmulo, a descrição que deles é feita, cheia de todas as belezas de um
estilo magnífico, empenharmos em transcrevê-lo em sua íntegra. Eis um
trecho, a título de ilustração, do artigo do cônego Bernardino de Souza:
“Na análise dos fenômenos da alma quanta coisa não escapa a
nossa compreensão, ou antes, que vem a ser a alma humana? Quem por
ventura a definiu, senão manifestação dos seus efeitos? Não devemos
lançar na conta de burlas e falsidades tudo quanto de extraordinário se
nos conta ou vemos, e que a ciência não tem dados para explicar...”
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Os Espíritos superiores preparavam, no Brasil, o advento do
Espiritismo, que aconteceria na predestinada Cidade do Salvador, por
iniciativa de um intelectual baiano, Luís Olímpio Teles de Menezes,
com justíssima razão denominado, pelo menos, pelo coordenador do
Curso regular de Espiritismo, de o Kardec Brasileiro. Detalhes sobre a
vida e obra do ilustre pioneiro serão oferecidos e debatidos em aula
subseqüente.
Glossário
Inusitado – esquisito, não usual.
Sonambulismo – em um estado de sono ou meio acordado
produzido espontânea ou artificialmente, no qual as faculdades
subconscientes tomam o lugar da consciência e dirige o corpo para um
agir errático (andar dormindo) ou para ações altamente intelectuais
(solução de problemas). Ele sempre começa como um sonho exagerado
e se desenvolve numa espécie de personalidade secundária.
Magnetismo – é uma força que se irradia de todos os corpos. O
magnetismo foi denominado Magnetismo Terrestre, quando trata da
força atrativa e repulsiva que possui o globo terrestre; Magnetismo
Animal, quando estuda a força emanada dos seres animados;
Magnetismo Pessoal, quando serve de comunicação com os seres
humanos. O poder magnético é, enfim, a manifestação da força
magnética, porém esta força não se manifesta sempre. As experiências e
os exercícios são os únicos meios de desenvolver-se esta manifestação.
“O melhor magnetizador” – esclarece o celebre naturalista François
Deleuze – “é aquele que possui um bom temperamento, um caráter ao
mesmo tempo tranqüilo e firme, aliados à paciência e à faculdade de
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
concentrar sua atenção e seus esforços, e que, enquanto magnetiza, se
ocupa unicamente do que faz.
Indução – ação de induzir. Raciocínio que vai do particular ao
geral. A indução desempenha um papel fundamental nas ciências
experimentais.
Homeopatia – Sistema terapêutico pelo qual os doentes são
tratados através do agente determinante de uma afecção análoga àquela
que se tenta curar. A homeopatia começou a ser usada e propagada na
Alemanha por Cristian Friedrich Samuel Hahnemann, médico alemão
nascido em Meissen, saxônia, 1755 – Paris, 1843. Combatido em seu
país, encontrou a consagração em Paris. Foi ao desencarnar um dos mais
assíduos Espíritos à mesa de mestre Allan Kardec.
Advento – Chegada, Começo.
4ª Aula - Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita Era Pré
Kardeciana
Bibliografia Sobre A Fenomenologia Espírita – Era Pré Kardequiana
A Bibliografia na França
Na França, destaca-se, em primeiro plano, a figura de Alphonse
Cahagnet que, em 1847, publicou o primeiro tomo de Archanes de Ia
Vie Future Devoilés, fundando, nos fins de 1848, por inspiração do
Espírito Emmanuel Swendenborg, a Sociedade dos Magnetizadores
Espiritualistas. Esta Sociedade, a partir de 1852, seria conhecida sob
nova denominação: Sociedade dos Estudantes Swendenborguianos.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Alphonse Cahagnet trabalhou com médiuns que, mais tarde, iriam
colaborar com Allan Kardec na feitura da obra codificada. Utilizava-se
(como se utilizaria, posteriormente, Allan Kardec) do sistema de
pergunta aos seres invisíveis que ofereciam as respectivas respostas
sobre os mais variados.
Em 1850, Alphonse Cahagnet publicou Sanctuary of
Spiritualism, ou Étude de I’ame Hunaine et ses Rapports Avec
I’Univers d’Aprés le Somnambulisme et L’Extase, Paris. E, em 1851,
Lumiere des Morts.
Antes de Alphonse Cahagnet, ressalta-se a figura de Joseph
Phillippe François Deleuze que, em 1813, no primeiro volume de sua
obra Histoire Critique du Magnetisme Animal, afirma: “Todos os
sonâmbulos, deixados livres nas crises, se dizem esclarecidos e
assistidos por um ser que lhes é desconhecido”.
Em 1834, Deleuze lançou, em Paris, a obra Memories sur la
Faculté de Prevision.
Seguem-se os seguintes autores: Marquês Eudes de Mirville, autor
dos livros Des Sprits, et de Leurs Manifestation Fluidiques (1834) e
Questions des Esprits, ses Progrés dans la Science, que realizou
históricas pesquisas no Presbitério de Cideville, obtendo resultados
surpreendentes sobre a presença e a comunicabilidade dos Espíritos no
mundo corpóreo. Foram, provavelmente, as primeiras manifestações, no
gênero acontecidas na França, sob os auspícios da faculdade mediúnica
- ressalte-se - de duas crianças que moravam naquela residência
paroquial.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Deve-se observar, entretanto, que o Marquês Eudes de Mirville,
embora não tenha negado a autenticidade dos fenômenos, atribuiu sua
ocorrência ao demônio. As manifestações dos Espíritos assumem um
extraordinário impulso. Vários artigos surgiram na imprensa francesa
sobre essas manifestações.
Entre os artigos, assinala-se o sob o título: Les Tables
Toumantes, Les Femmes Pirquettantes, Les Chapeauxqa
Pivotantes, Les Pendules Intelligentes (maio de 1853), do abade
Francisco Moigo, publicado no Cosmos - Revue Hebdomadaíre des
Progés des Sciences, fundada por B. R. Monfort: Já que as mesas
dançantes, corredoras, falantes, transpuseram o limiar do Santuário da
Academia das Ciências, sob o título admiravelmente ambicioso;
Influência da Ação Vital e da Vontade sobre a Matéria Inerte, temos de
abrir-lhe as páginas do Cosmos, e nós o fazemos com muito gosto,
bastante felizes em poder, afinal, dar asas a esta verdade cativa, que se
revoltava a ponto de querer quebrar-nos os dedos.
Nos anos de 1853 e 1856, foram lançadas as seguintes obras:
- Table qui Dance et Table qui Répont (Paris), de M. Guillard
(1853);
- De Ia Sorcellerie Moderne en Amérique (Paris), de Comte de
Laroche (Heron, 1853);
- La Dance des Tables. Phénomenes Pisichologiques
Demonstré, (Paris), de Félix Rouband, 1853;
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
- Étude Du Magnétisme Animal Sous Le Point De Vue D’une
Histoire Ou Magnétisme et D’un Mot sur Rotation des Tables
(Paris), de Baragnon, 1853;
- Avis aux Chrétiens sur les Tables Toumantes et Parlantes, do
Padre Louis e Marie Bautaim, a primeira autoridade científica e
eclesiástica da França a tratar das mesas girantes, 1853;
- Du Somnanbulisme, des Tables Toumantes et des Médiuns,
Considerées dans Leurs Rapports avec Ia Theologie et Ia Physique;
Examen des Opinions dé M. M. Mirville et de Gasparin, par L’abbé
Almignana, Cousteur en Droit Canonique, Théologien, Magnetiste
et Médium, de Jean B. Almignana, 1853.
- De Ia Baguette Divinatoire du Pendule dit Explorateur et des
Tables Toumantes, au Point de Vue L’histoire, de Ia Critique et le
Méthode Esperimentale (Paris), de Miguel de Chevreul, sábio francês,’
da Academia de Ciência de Paris. Fragmentos deste livro foram levados,
pelo autor, ao conhecimento da Academia de Ciência de Paris, onde
afirmava que todos os fenômenos de movimento de corpos inertes,
embora pareçam obedecer à leis misteriosas, são apenas, charfatanarias,
ou manifestações dos nossos pensamentos por intermédio dos órgãos e
sem o concurso explícito da vontade.
- L’ame de la Terre et Les Tables Toumantes, (Paris), de J.
A.Gentil, 1854.
- Les Tables Tournantes, du Sumaturel en General e des
Espirits (2 volumes), do Conde Agénor Etienne Gasparin, 1854.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Parece-nos oportuno tecer alguns comentários sobre o Conde
Agénor Etienne Gasparin.
Em 12 de maio de 1853, chegava à redação do Journal de Genéve
(Suiça), uma longa carta do Conde Agénor Etienne Gasparin, publica da
na edição de 26 de maio daquele ano. Essa missiva causaria grande
repercussão nos meios cultos da Europa, por se tratar, o autor, de um dos
expoentes da cultura do Velho Continente. Agénor de Gasparin rebate,
na carta, as afirmações do físico e astrônomo francês Jean Bernard Lyon
Foulcaut (1819-1868), veiculadas no Journal des Débats, onde felicita as
Academias por estas não terem dado nenhuma atenção às mesas girantes.
- Revue des Deux Monde, (Paris), 1854.
-Vie Dictée D’outro-Tombe: Jeanne Dárc par Elle-Même,
(Paris), 1853, Ermance Dufaux, médium que trabalhou com Allan
Kardec.
Ermance Dufaux, com a idade de 14 anos, escreveu a vida de
Joanna D’ Arc.
Observa, a propósito, Allan Kardec na Revue Spirite, de janeiro
de 1858: “(...) não seria nos livros clássicos que iria encontrar
documentos íntimos, dificilmente encontradiços nos arquivos da época.
Sabemos que os incrédulos farão sempre mil e uma objeções; mas, para
nós, que vimos a médium operar, a origem do livro que não pode ser
posta em dúvida.
E prossegue: “Posto que a faculdade da senhorita Dufaux se presta
à evocação de qualquer Espírito, de que nós mesmos fizemos prova em
comunicações pessoais que nos foram transmitidas, sua especialidade é
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
a História. Ela escreve do mesmo modo a de Luiz XI e a de Carlos VIII,
que como Joanna D’ Arc, serão publicadas.
- Moeurs et Pratiques des Daemons ou des Esprits Visiteurs,
D’aprés Les Autorités de L’eglise; des Auters Payens, les Faits
Contemporains; de Gougenot des Mousseaux. A obra foi lançada em
Paris, em 1854. A visão de Gougenot des Mous seaux não difere daquela
esposada pelo Marquês de Mirville, conquanto aquele seja mais
radicalmente católico do que este. O livro de Des Mousseaux foi
recebido com júbilo pela revista Civitta Cattolica. Os argumentos
levantados pelo autor contra as manifestações dos Espíritos se basearam
nas Escrituras, sempre dentro daquela ética unilateral e tendenciosa.
- La Realité des Esprites et Phénoméne Merveilleux de Leur
Écriture Direct, (Paris), 1857, do Barão L. de Guldenstubbé. Este livro
relata as inúmeras experiências realizadas pelo Barão desde 1856, sobre
escrita direta.
As pesquisas do Barão de Guldenstubbé atraíram a atenção de
Robert Dale Owen, que foi a Paris com o objetivo de observar, de viso,
os fenômenos de escrita direta, a que os ingleses chamam de
independent writting.
- Études et Lectures sur les Sciences D’observation, (Paris),
1856, de Jacques Babinet, físico e astrônomo francês, para quem os
fenômenos provocados pelos Espíritos se subordinariam à sua teoria dos
movimentos nascentes. Essa teoria foi criticada por Agénor Gasparin.
Escreveu um livro Des Tables Tournantes, du Surnaturel en Géneral
et des Esprits, onde afirmara a realidade das mesas girantes (conquanto
negue a participação dos Espíritos), considerando como um fenômeno
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
puramente físico. Por sua vez, a obra de Gasparin foi criticada por
Eugênio Nus, achando-a “o mais curioso edifício de contradições”.
- Le Monde Esprit, (Paris), de Gérard de Caudemburg, 1857.
- La Clef De La Vie, de Victorien Sardou e Pradel.
Aos vinte anos, Victorien Sardou, que seria, mais tarde, um dos
maiores dramaturgos europeus, iniciou criteriosas experiências com as
mesas girantes, com o filósofo holandês Tiedman-Manthése. Victorien
Sardou nasceu em Paris a 05 de setembro de 1833 e desencarnou a 05 de
setembro de 1908. Era filho do escritor Antoine Léandre Sardou. Casou-
se com a atriz Mlle. De Brecourt (1858). Tornou-se amigo íntimo de
Allan Kardec, freqüentando as sessões da Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas, onde lhe aflorou a mediunidade pictórica, através da
qual recebeu magníficos desenhos do autor espiritual Bernard Palissy.
Em 1905, Victorien Sardou, já famoso dramaturgo, entrevistado
pelo jornal parisiense Liberté, declarou: “(...) fui um dos primeiros a se
declarar espírita, em uma época em que não havia mérito nenhum em
fazer-se semelhante confissão”.
Além de ser um dos pioneiros do Espiritismo, a Victorien Sardou
atribuiu-se o mérito de ser o primeiro a utilizar um texto dramático na
divulgação dos princípios espíritas.
A Bibliografia Inglesa
- Le Dictionnaire Universal, de Maurice Lachâtre, 1856, onde há
um trabalho assinado por A. A. Morim sobre as mesas girantes.
Embora a França se tenha colocado, na Europa, na vanguarda das
pesquisas espíritas, divulgando-as através de um número considerável
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
de obras, na Inglaterra a bibliografia a respeito é pequena, porém
substancial.
Surge, de início, em Londres, no ano de 1851, o livro
Somnambolism and Psychism, de D. Haddock. É um estudo sobre
Emma Harding Britten, notável médium inglesa, autora do livro History
of Modem American Spiritualism.
- Table Tumíng, the Deví/’s Modem Masterpíece, (Londres), de
N. S. Godfrey, 1853.
- Atheneum, (Londres), trabalho de Miguel Faraday, físico inglês,
sobre as mesas girantes, julho de 1853.
- Thoughts on Sataníc Influence, or Modern Spírítualísm
Consídered, Londres, de Charles Cowm, 1854.
- New Exístence of Man Upon Earth, (Londres), de Robert
Owen, 1855.
- Apparition a New Theory, (Londres), de Newton Crosland,
1856.
A Bibliografia Alemã - A Obra Do Dr. Justino Kerner
Em 1829, Justino Kerner, poeta, filósofo e doutor em Medicina
Pública, na Alemanha, editou o livro Die Seherin Von Prevorst
Uberdas Inners Leben des Menschen und Uber des Hereinragem
Einer Gesterwewelt in Die Unsere, relatando e comentando os diversos
fenômenos através da mediunidade de Frau Frederica Hauffe, que
chegou a Weinsberg, em novembro de 1826, tornando-se sua paciente.
Exibia aterrorizantes sintomas, frutos de sua força mediúnica. Os
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
trabalhos de Kerner com Frederica Hauffe eram realizados com a
colaboração de outros estudiosos.
O livro do Dr. Justino Kerner causou uma revolução na Alemanha
em 1829, não faltando os detratores de plantão, especialmente quando,
anos depois (1842), a revista Deux Mondes, que se editava em Paris,
tecia os mais elogiosos comentários à obra do pesquisador alemão,
considerando-o como dos mais estranhos e mais conscienciosamente
pesquisados, sobressaindo-se a tudo quanto foi escrito sobre tal matéria.
Seguiram-se na Alemanha, algum tempo depois de lançado o Die
von Prevorst, os discutidíssimos fenômenos de Bergzabern (1852),
cidade da Baviera Renana, provocados por fantasma batedor (Klopferle).
A casa do alfaiate Pedro Sanger, onde os fenômenos ocorriam, foi
invadida por uma multidão de curiosos.
A causa instrumental desses fenômenos era a menina Felipa
Sanger, que terminou sendo internada, absurdamente, numa casa de
saúde em Frankenthal.
Este caso seria relatado na Revue Spirite, de 1858, transcrito por
Allan Kardec do Jornal de Bergzabem.
Em 1845, surge o livro de autoria de Barão Karl von
Reichenbach,editado em Brancheweig, na Alemanha:
- Physikallishen - Physiologische Untersuchemgem Uber Die
Dynamide der Magnetismus, der Elektricitat, der Varme, der
Uchtes der Krystallisation, der Chemismus in Thren Bezichungem
zur Lebenskrafy.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
A Bibliografia na América Do Norte
Nos Estados Unidos da América do Norte, destacam-se, em
primeiro plano, as obras de Andrew Jackson Davis, entre os quais,
destacam-se:
- The PrincipIes of Nature, her Divine, Revelation (1847),
recebida em transe, vaticinava as comunicações ostensivas dos Espíritos,
evidenciando a sobrevivência do Ser após a morte. Foi justamente o que
aconteceu com os históricos fenômenos ocorridos, em 1848, na casa da
família Fox, na cidadezinha de Hydesville, condado de Wayne, Nova
Yorque.
- Death and After Life e The Spírit Book, (1848).
- Adin Ballow - An Exposition of View Respecting the
Principal Facts, Causes and Peculiarities Involved in Spirits
Manifestations, (1852).
G. W. Sanson, que adotou o pseudônimo de Traverse Oldifield,
publicou:
- The Daimonion or the Spiritual Medium in Literature, /
Ilustrated by the History of its Uniform Misterious Manifestations
When Unduly Excited, (Boston), 1852.
- Philosophy of Misterious - Agents, Human and Mundane, or
the Dynamic Law and Relatíons of Man, Embrancing the Natural
Philosophy of Phenomena Styled: Spiritual Manifestations,
(Boston), 1853, de E. C. Rogers. Nesta obra, os fenômenos eram
atribuídos ao od, quer dizer, a um agente físico, fluídico, que emanaria
de diversas partes do sensitivo, e que, unindo-se às emanações
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
universais, produziriam as manifestações. Mais tarde, H. C. Rogers
mudou completamente de idéia e converteu-se ao Espiritismo, chegando
a assumir o cargo de redator-chefe da revista espírita inglesa Light.
- The Spiritual Telegraph, (1853/54), de S. B. Brittan.
- Spiritualism, (Nova lorque), 1853, de John W. Edmonds e
George T. Dexter.
- Epitome of Spirit Intercourse, (Boston), 1853,de Alfred
Cridge.
- The Christian Spiritualist, (periódico), 1854.
- Modern Spiritualísm, (1855), de E. W. Capron.
- The Missing Link in Modern Spiritualism, (Nova lorque),
1855, de E.
Leah Underhill (uma das três irmãs Fox).
Em 1853, editava-se a obra A Discussion af the Facts and
Philosophy of Ancient and Modern Spiritualism, por S. S. Britan e B.
W. Richmond. Este livro contém as 48 cartas trocadas por esses dois
escritores, nos jornais norteamericanos The Tribune e The Spiritual
Tefegraph, sobre os fenômenos espíritas.
Em 1855, o Dr. Robert Hare, professor de Química da
Universidade da Pensilvânia, dava à lume os frutos das suas experiências
com os Espíritos:
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Experimental Investigation of the Spirit Manifestations,
Demonstrating the Existence of Spirits and their Communion with
Mortals.
A Associação Americana para o Progresso da Ciência,
renegou, com apupos, o relatório do professor Robert Hare, sobre os
fenômenos espíritas; disseram que o assunto era indigno...
Sobre o episódio, Sir Arthur Conan Doyle acrescentou que o
relatório do professor Robert Hare provocou uma desgraçada
perseguição ao venerável cientista. Entretanto, aqueles mesmos sisudos
acadêmicos que rejeitaram os resultados das pesquisas do ilustre
professor da Pensilvânia, envolveram-se em animado debate sobre o
porquê de galos cantarem entre a meia-noite e uma hora da manhã...(?)
Entre 1853 e 1855, foi lançada, em dois volumes, a obra
Spiritualism, de autoria do juiz John Worth Edmonds, da Suprema
Corte de Nova Iorque, em colaboração com o govemador Na tahniel P.
Tallmadge e com o Dr. George T. Dexter.
O juiz Edmonds exerceu notável influência no contexto das
investigações da fenomenologia espirítica nos Estados Unidos da
América do Norte. Fez parte, juntamente com a médium Emma Harding,
da Society for the Diffusion of Spiritual Knowledge, fundada em
junho de 1854, na cidade de Nova lorque. Aí, se apresentava, em sessões
abertas ao público, a médium Katie Fox, então com 15 anos de idade.
As convicções espiríticas do juiz Edmonds datam de janeiro de
1851:
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
“Era um período - conta no artigo publicado no New York
Courrier (01/08/1853) - em que me havia subtraído às relações sociais
e trabalhava sob grande depressão de espírito. Dedicava todo meu tempo
livre a leituras sobre a morte e a sobrevivência do homem. No curso de
minha vida, eu tinha ouvido do púlpito, a esse respeito, tão contraditórias
e chocantes doutrinas, que dificilmente saberia em que acreditar. Não
podia, mesmo que o quisesse, crer naquilo que não entendia;
ansiosamente, buscava saber-se, depois da morte, poderíamos encontrar
aqueles a quem tínhamos amado e em que circunstâncias. Fôra
convidado por uma amiga a assistir às batidas de Rochester. Aceitei
mais para lhe ser atencioso e para matar uma hora de tédio. Pensei
bastante naquilo a que assisti e resolvi investigar o assunto e descobrir o
que era aquilo. Se fosse uma mistificação, uma ilusão, eu supunha poder
averiguar. Durante cerca de quatro meses, dediquei, pelo menos duas
noites por semana e, às vezes mais, em testemunhar fenômenos em todas
as suas fases”.
O juiz Edmonds investiu, realmente, na questão, aproveitando
todas as oportunidades que lhe ofereciam para a esgotar a sua raiz.
“Por fim - concluiu - a prova veio e com tal poder que nenhum
homem equilibrado lhe poderia negar fé”.
A Bibliografia na Itália
Na Itália, onde despontaram médiuns notáveis, em que se destaca
Eusápia Palladino, foram escritas várias obras no período pré-
kardeciano, das quais assinalamos as seguintes:
- Del Mondo Degli Spirit e Della Efficacia nell Universo
Sensible, (Torino), 1851, de Giacinto Femi.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
- Nuovo Scoperte sui Tavoli e Corpi Semoventi e Metodo
Perbene Esperienze, (Pisa), 1853, de G. Pellegrini
Glossário
Fenomenologia - entende-se por fenomenologia e estado geral dos
fenômenos. Quando dizemos fenomenologia espírita é claro que nos
referimos ao conjunto de fenômenos que constituem o objeto do
Espiritismo. Então, fenomenologia espírita vem a ser a parte da doutrina
espírita que trata do seu aspecto experimental ou científico, que diz
respeito aos fenômenos filosófico, que interpreta os fenômenos e lhes
estuda as leis e as naturais consequências morais que decorrem de ambos
os aspectos. Vê-se, pois, que o Espiritismo é um conjunto, e seus
aspectos se completam, não podendo ser separados. Nenhum dos
aspectos, por se só, constituiria a Doutrina Espírita.
Charlatanarias – certas manifestações espíritas prestam-se muito
facilmente à imitação, mas, por terem sido exploradas, como tantos
outros fenômenos, pelo charlatanismo e a prestidigitação, seria absurdo
concluir que elas não existam. Para quem estudou e conhece as
condições normais em que elas podem ser produzidas, é fácil distinguir
a imitação da realidade. A imitação, de resto, jamais poderia ser
completa e só pode enganar o ignorante, incapaz de perceber as nuances
características de verdadeiro fenômeno.
Escrita direta – é o fenômeno de efeitos físicos que consiste na
escrita que o Espírito, sem ajuda das mãos do médium, faz diretamente,
com lápis, tinta ou giz, ou sem estes materiais, sobre papel, lousa etc.
Allan Kardec acentua que o fenômeno é obtido espontaneamente sem o
concurso da pena ou do lápis e sem nenhum contato.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
OD – radiação fisiológica humana, visível e fotografável. O
estudo do od se deve ao Barão Karl Von Reichenbach, que tratou dele
pela primeira a vez na sua obra publicada em 1845, em Branschweig, na
Alemanha. A expressão od é, segundo alguns autores, de origem
hebraica e significa – sentido que damos preferência. Há quem admita
que ela vem do árabe ainda outros do grego odos, etimologia mais aceita,
significando via, caminho, meio.
Mediunidade pictórica - faculdade de pintar quadros ou elaborar
desenhos oriundos de artistas desencarnados. Os médiuns de pintura ou
de pictografia que antes eram raros, pelo menos no Brasil, atualmente
proliferam em várias partes do País. Por eles se comunicam Espíritos dos
clássicos da pintura, de várias épocas. São trabalhos que devem ser
examinados cuidadosamente antes de lhes conferir autenticidade.
5ª Aula - Perfil Bibliográfico De Allan Kardec E Sua Iniciação No
Espiritismo
Onde Nasceu Denizard Hipollyte Léon Rivail – Allan Kardec
Lyon é uma cidade do Sul da França, situada na confluência dos
rios Ródano e Saôna. Sua origem remonta ao tempo dos fenícios, sendo
o seu nome original, Lugdunum, de origem celta. Sua tradução: “colina
do sol nascente”. Ocupada em 43 a.C. pelas legiões romanas de Munatio
Plancus, tornou-se, em pouco tempo, o centro político e administrativo
das Gálias Romanas. Foi importante centro cristão, sendo o seu primeiro
Bispo, Potino, martirizado em 177 em d.c., durante as perseguições de
Marco Aurélio, justamente com Átalo de Pérgamo, Vétio Epágato,
Pôntico e outros notáveis seguidores do cristianismo nascente. Em 1793,
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
por ter-se colocado ao lado dos realistas, durante a Revolução Francesa,
foi condenada à demolição pelo governo revolucionário, fato que não se
concretizou. Mas, centenas de seus cidadãos foram mortos cruelmente,
evidenciando que, toda a revolução, por mais nobres que tenham sido
seus ideais primevos, sempre descamba no arbítrio e na prepotência.
Nesta cidade de grande tradição política e espiritual, nasceu em 03
de outubro de 1804, Denizard Hippolyte Léon Rivail, na Rua Sala,
número 76, às 19 horas.
Eis o extrato da certidão de nascimento:
“Aos 12 do vendemiário do ano XIII, ato do nascimento de
Denizard Hippolyte Léon Rivail, nascido ontem à noite às 19 horas, filho
de Jean Baptiste Antoine Rivail, homem de leis, juiz, e de Jeanne
Duhamel, sua esposa, domiciliados em Lyon, Rua Sala, 76.
“O sexo da criança foi reconhecido como masculino.
“Testemunhas, de maior idade: Syriaque Fréderic Dittmar, diretor
do estabelecimento de águas minerais da Rua Sala, mediante
requerimento do médico Pierre Radamel, Rua Saint Dominique, 78.
“Lida a ata, as testemunhas assinaram, bem como o prefeito da
divisão meridional.
“O Presidente do Tribunal.
“Ass. Mathieu”.
Um ano depois, a 15 de junho de 1805, o pequeno Denizard
Hippolyte foi batizado na igreja de Saint-Denis de Ia Croix Rousse.
Nessa época, a igreja não pertencia à cidade de Lyon, mas a de Bresse.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Eis o extrato do registro de batismo. Curiosamente, mudaram,
neste documento, o nome do futuro Codificador do Espiritismo:
“Aos quinze dias do mês de junho de mil oitocentos e cinco
(1805), foi batizado, nesta paróquia, Hippolyte Léon Denizard, nascido
em Lyon em três de outubro de mil oitocentos e quatro (1804), filho de
Jean Baptiste Antoine Rivail, magistrado, e de Jeanne Louise Duhamel,
sendo padrinho Pierre Louis Perrin e madrinha Suzanne Gabrielle Marie
Vernier, domiciliados na Vila de Bourg.
“Assinado: Barthe, padre-cura”.
O futuro Codificador dos princípios espíritas recebeu, desde o
berço, um nome honrado e respeitado na comunidade de Lyon. Grande
número de seus antepassados se tinha distinguido na advocacia e na
magistratura, por seu talento, saber e escrupulosa probidade. Parecia que
o jovem Rivail deveria onhar, também ele, com os louros e as glórias de
sua ilustre família. Assim, porém, não aconteceu, porque, desde o
começo da sua juventude ele se sentiu atraído para as Ciências e a
Filosofia.
O Instituto Pestalozzi
Denizard Rivail fez em Lyon os seus primeiros estudos. Com a
idade de dez anos, seus pais o enviam a Yverdun, cidade da Suiça do
Cantão de Vaud, situada na extremidade do Lago Neuchâtel, a fim de
completar sua educação no Instituto ali instalado em 1805, pelo
professor Johann Heirinch Pestalozzi (1746-1827), cujo aposto lado
pedagógico já se revelara em Neuhof, Stan e Berthoud.
O Instituto de Yverdun, que funcionava no Castelo construído
pelo Duque de Zahringen, nos idos anos de 1135, seria durante quatro
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
lustros, na concepção do acadêmico português Souza Costa, “a Belém
da natividade escolar”. O notável pensador e filósofo alemão Johann
Fitche, que conheceu o Instituto Pestalozzi, declarou, nos célebres
Pestalozzi “Discursos à Nação Alemã”, pronunciados no inverno de
1807-1808, que a reforma da educação devia tomar, por ponto de partida
o método de ensino de Pestalozzi. E acrescentava: “Do Instituto de
Pestalozzi espero a salvação da Alemanha”.
Roger de Guimps, em sua História de Pestalozzi, de as Pensée
et de son Oeuvre, traça um perfil da metodologia pestalozziana que
prevalecia em Yverdun:
“Os alunos gozavam de ampla liberdade; as portas do Castelo
permaneciam abertas o dia todo, sem porteiras. Podia-se sair e entrar a
qualquer hora, como em toda a casa de uma família simples, e as crianças
quase não se prevaleciam disso. Elas tinham, em geral, dez horas de aula
por dia, das seis da manhã às oito da noite, mas cada lição só durava uma
hora e era seguida de pequeno intervalo, durante o qual ordinariamente
se trocava de sala. Algumas dessas lições consistiam em ginástica ou em
trabalhos manuais, como cartonagem e jardinagem. A última hora da
jornada escolar, das sete às oito da noite, era dedicada ao trabalho livre;
as crianças diziam: “On travaille pour Pestalozzi soi”, e Castelo de
Yverdun entre 1805 e 1825 elas podiam, a seu bel-prazer, ocupar-se de
desenho ou de geografia, escrever a seus pais ou pôr em dia seus
deveres”.
As inúmeras e revolucionárias atividades pedagógicas de
Yverdun, explicam a razão do renome mundial que gozava o Instituto de
Pestalozzi. Gabriel Compayré, em sua obra Pestalozzi y La Educación
Elemental, acrescenta que em Yverdon não havia castigos nem
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
recompensas. Pestalozzi não queria a emulação nem o medo. Só admitia
disciplina do dever, ou melhor, a da afeição, do amor. Além de
receberem excelente preparo físico, intelectual e moral, os escolares
eram igualmente educados para a vida em sociedade, de modo a poderem
enfrentar o mundo em qualquer situação ou circunstância. Sobre o
Instituto de Yverdun pode-se consultar, além das obras citadas, a de
autoria de Marc Antoine Julien (1775-1848): Exposé de la Méthode
d’éducation de Pestalozzi; de Augustin Cochin: Pestalozzi, sa Vie, ses
Oeuvres, ses Méthodes d’lstruction et d’Education, além do
Dictionnaire de Pédagogie et d’lnstruction Primaire, do prêmio
Nobel da Paz de 1927, o pedagogo francês Ferdinand Buisson (1841-
1932).
O jovem Denizard Rivail, ao qual o destino reserva o inexcedível
missão, logo se revelou um dos discípulos mais fervorosos do ilustre
pedagogo suíço. Dotado da avidez do saber e de agudo espírito
observador, adquiriu, desde cedo, o hábito da investigação. Seu
interesse, por exemplo, pela Botânica leva-o, por vezes conforme relato
da pesquisadora Anna Blackwell4 - a passar um dia inteiro nas
montanhas próximas de Yverdun, com sacola às costas, à procura de
espécimes para seu herbário. Aliando, a tudo isso, irresistível inclinação
para o estudo dos complexos problemas do ensino, Rivail cativou a
simpatia e a admiração do velho mestre, deste se tornado, anos mais
tarde, eficiente colaborador. Os exemplos de beneficência e amor ao
próximo vividos por Pestalozzi, a quem os alunos chamavam “Pai
Pestalozzi”, segundo assinala Roger de Guimps, norteariam, para
sempre, a existência do futuro Codificador do Espiritismo. Aliás, até
mesmo aquele “bom senso”, que Flammarion atribui a Kardec, foi
4 Prefácio de sua tradução inglesa (1875) de O Livro dos Espíritos.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
cultivado e avigorado com as lições recebidas no Instituto de Yverdun,
onde também desabrocharam as idéias que, mais tarde, o colocariam na
classe dos homens progressistas e dos livres pensadores.
“Naquele Instituto viveu Rivail - como acrescenta André Moreil -
num pequeno universo humano, que o marcou para sempre, e a figura do
mestre veio a ser para ele a própria imagem do chefe que dirige e educa
os homens”.
Percebe-se, então, porque a vida de Allan Kardec, que se identifica
com a fundação do Espiritismo prático, não é compreensível sem a vida
escolar de Denizard Hippolyte Léon Rivail.
Denizard Rivail E O Magnetismo
Quando o discípulo de Pestalozzi chegou a Paris, teve a sua
atenção despertada para o Magnetismo, a que o Marquês de Puységur,
juntamente com o naturalista François Deleuze, havia imprimido nova
feição, ao modificarem substancialmente os metódos de Franz Anton
Mesmer, doutor em Medicina pela Universidade de Viena (Austria), daí
resultando na descoberta do sonambulismo provocado5. Rivail,
5 O Magnetismo era conhecido completamente desde a mais alta Antiguidade. Formava uma parte da antiga Magia ou Ciência Total dos sábios de outrora. Os livros sagrados dos antigos cultos, os hieróglifos do Egito e as figuras Simbólicas da Índia, nos mostram o emprego que os curadores faziam dos passes, das massagens e da sugestão verbal. Entre os hebreus, vemos Elias fazer voltar a vida o filho de Sulamita, por meio de insuflações e massagens. Lemos nos Reis, Capítulo XXVII, que Saulo consultava a pitonisa ou sonâmbula de Endor. Os fenômenos do Magnetismo, seus processos e sua teoria atravessaram os tempos, no meio de grandes vicissitudes; porém, apesar das perseguições, encontramo-los, quase intactos, na época da renascença (séculos XV e XVI). Os meios e processos empregados no Magnetismo, desde a mais remota Antiguidade, são os mesmos que foram descobertos pelos rnagnetizadores modernos. Contudo, é flagrante que os antigos conheciam melhor que nós a prática e a teoria. Para eles, os diversos ramos da ciência eram inseparáveis. Paracelso teria sido um dos poucos a praticar o Magnetismo conforme os ensinamentos dos mestres do passado. Por isso mesmo, suas curas eram maravilhosas e jamais puderam ser igualadas. O Magnetismo
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
referindo-se, com justo entusiasmo a esses magnetistas franceses,
destaca a figura ilustre e sábia do Barão Du Potet, que, desde 1825,
tomara-se o chefe da Escola Magnética na França, tendo ido mais longe
que seus predecessores na aplicação do Magnetismo à terapêutica. Este
é justamente o ângulo que mais impressionou a Rivail, que com o tempo
pôde inteirar-se bem da força magnética que todos os seres humanos têm
em graus diversos, vindo a ser, ele próprio, “experimentado
magnetizador”, segundo revela o seu mais dileto discípulo Pierre Gaetan
Leymarie, na Revue Spírite de 1871. Leymarie lembraria, ainda, pela
Revue Spírite de 1886, que o mestre lionês conheceu as pesquisas do
padre português José Custódio de Farias (o abade Farias) e lhe
reconhecia o notório valor. O abade Farias, iniciado nas práticas do
Magnetismo pelo Marquês de Puysérgur, a quem dedicou seu livro De
La Cause du Somneíl Lucíde, ou Étude de Ia Nature de I’Homme
(1891), considerando-se seu mestre, foi o precursor do Hipnotismo de
James Braid, médico britânico (1795-1860).
Afirma Anna Blackwell, em sua obra já citada, que Rivail tomou
parte ativa nos trabalhos da Sociedade de Magnetismo de Paris, a mais
importante da França. Ele, porém, ficaria equidistante das rivalidades
doutrinárias que haviam surgido entre os magnetizadores parisienses.
Tendo adquirido sólidos conhecimentos de Magnetismo, ciência
que ele mais tarde, em diferentes ocasiões, demonstrou possuir notória
profundidade ao elaborar o corpo doutrinário do Espiritismo, foi capaz
de perceber, logo ao início de suas observações pessoais junto às “mesas
girantes”, a íntima interação entre o Espiritismo e o Magnetismo, a ponto
de Paracelso é a vida universal. Para ele tudo é vivente; a vida que existe nos metais, como nas plantas, pode ser transmitida destes ao homem e a atração que o imã (magnete) exerce sobre o ferro.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
de ele mesmo afirmar: “Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo
e do êxtase às manifestações espíritas, não há senão um passo; sua
conexão é tal, que é, por assim dizer, impossível falar de um sem
falar do outro.”
Amélle Gabrielle Boudet Rivail
Vale-se a pena registrar, aqui, o velho jargão: “por trás de um
grande homem há sempre uma grande mulher.”
No caso de Allan Kardec destaca-se o trabalho silencioso
incansável de sua esposa, Amélie Gabrielle Boudet Rivail. Ela nasceu
em Thiais, comuna do Departamento Parisiense de Valde-Marie, aos 2
do Frimário do ano IV, segundo o Calendário Republicano então vigente
na França, e que corresponde a 23 de novembro de 1795.
Filha única de Julien-Louis Boudet, proprietário e tabelião,
homem bem sucedido na vida e de Julie-Louise Seigneat de Lacombe,
recebeu, na pia batismal, o nome de Amélie-Gabrielle Boudet.
Aliando, desde cedo, grande vivacidade e forte interesse pelos
estudos, destacou-se pelos seus dotes morais e intelectuais. Tornou-se
professora de Letras e Belas Artes, desenvolvendo, pari passu, Amélie
Gabrielle Boudet inata tendência para a poesia e o desenho. Deu à luz
várias e importantes obras, destacando-se Contos Primaveris, 1825;
Noções de Desenho, 1826; O Essencial em Belas Artes, 1828.
Vivendo em Paris, no mundo das Letras e das Artes, conheceu
Denizard Rivail, ilustre pedagogo, com quem se casou. Em 6 de
fevereiro de 1823, firma-se o contrato de casamento. Ela era nove anos
mais velha do que ele, mas aparentava a mesma idade do marido.
Amélie, ou Gabi, como a chamava Denizard Rivail, foi companheira
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
dedicada e solícita de toda uma vida. Retraiu-se, no recesso do lar, para,
deliberadamente, servir àquele que sabia estar à testa do mais
revolucionário empreendimento científico e filosófico, não apenas de
sua época, mas de todas as épocas. Allan Kardec cumpriria, no plano
físico, os desígnios superiores preconizados por Jesus, o que lhe conferia
um papel histórico de inexcedível importância.
Allan Kardec Inicia-se no Espiritismo
Em 1854, Denizard Hippolyte ouve falar pela primeira vez das
“mesas girantes”, através do Sr. Fortier, magnetizador, com o qual
entrara em relações para os seus estudos sobre o Magnetismo.
O Sr. Fortier diz-lhe um dia:
“Eis uma coisa mais do que extraordinária: não somente
magnetizam uma mesa, fazendo-a girar, mas também a fazem falar;
perguntam coisas e ela responde”.
Denizard Hippolyte replica:
“Isto é outra questão: acreditarei quando puder ver com os meus
próprios olhos e quando me provarem que uma mesa tem um cérebro
para pensar, nervos para sentir e que pode tornar-se sonâmbula. Por
enquanto, seja-me permitido dizer que tudo isso me parece um conto
para fazer dormir em pé”.
Assim começava a vida espírita do discípulo de Pestalozzi: pela
mais absoluta descrença! Tal era a princípio o estado de ânimo do futuro
Codificador do Espiritismo, não negando coisa nenhuma por parti-pris,
mas pedindo provas e querendo ver e observar para crer.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
No ano seguinte - era começo de 1855 -, Rivail encontrou-se com
o Sr. Carlotti, seu amigo há vinte e cinco anos, que discorreu acerca de
fenômenos espíritas durante mais de uma hora. O Sr. Carlotti era corso,
de uma natureza ardente e enérgica. Afirma Rivail sobre o amigo: “Eu
tinha sempre distinguido nele as qualidades que caracterizam uma
grande e bela alma, mas desconfiava de sua exaltação. Ele foi o primeiro
a falar-me da intervenção dos Espíritos, e contou-me tantas coisas
surpreendentes que, longe de me convencer, aumentou minhas dúvidas.
‘Você um dia será um dos nossos’ disse-me ele. ‘Não digo que não’
respondi-lhe - Veremos isso mais tarde’”.
Pelo mês de maio de 1855, Rivail visitava a casa da sonâmbula
Sra. Roger. Lá encontrou o Sr. Patier e a Sra. Plainemaison, que lhe
falaram desses fenômenos no mesmo sentido que o Sr. Carlotti. O Sr.
Patier era funcionário público, de uma certa Idade, homem muito
instruído, de um caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada,
isenta de todo entusiasmo, produziu em Rivail uma viva impressão; e
quando ele lhe fez oferecimento para que assistisse às experiências que
tinham lugar em casa da senhora Plainemaison, na rua Grange-Bateliére,
n° 18, aceitou prontamente. A sessão foi marcada para a terça-feira6 de
maio, às 20 horas.
“Foi ai - informa Rivail - pela primeira vez que fui testemunha do
fenômeno das mesas girantes, que saltavam e corriam, e isso em
condições tais que a dúvida não era possível.
“Ai vi, também, alguns ensaios muito imperfeitos de escrita
mediúnica em uma ardósia com o auxílio de uma cesta. As minhas idéias
estavam longe de se haver modificado, mas naquilo havia um fato que
6 Esta data ficou em branco no manuscrito de Allan Kardec
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
deveria ter uma causa. Entrevi, sob essas aparentes futilidades e a espécie
de divertimento que com esses fenômenos se fazia, alguma coisa de sério
e como a revelação de uma nova lei, que a mim mesmo prometi
aprofundar.
“A ocasião se ofereceu antes de observar mais atentamente do que
o tinha podido fazer. Em um dos serões na casa da Sra. Plainemaison fiz
conhecimento com a família Baudin, que morava, então, na rua
Rochehouart. O Sr. Baudin me fez oferecimento no sentido de assistir às
sessões hebdomadárias que se efetuavam em sua casa, e às quais eu fui,
desde esse momento, muito assíduo”.
Foi ai que Rivail fez os primeiros estudos sérios de Espiritismo,
aplicando a essa nova ciência, como até então o tinha feito, o método da
experimentação. Jamais formulou teorias preconcebidas: observava
atentamente, comparava, deduzia as conseqüências; dos efeitos
procurava remontar às causas, pela dedução, não admitindo como válida
uma explicação senão quando ela podia resolver todas as dificuldades da
questão. Foi assim que procedeu sempre em seus trabalhos anteriores.
Rivail compreendeu, desde o princípio, a gravidade do trabalho que iria
empreender. Entreviu, nesses fenômenos, a chave do problema tão
obscuro e tão controvertido do passado e do futuro, a solução que havia
procurado toda a sua vida; era, em uma palavra, uma completa revolução
nas idéias e nas crenças; preciso, portanto, se fazia agir com
circunspecção e não levianamente; ser positivista e, não, idealista, para
se não deixar arrastar pelas ilusões.
Um dos primeiros resultados das observações de Rivail foi que os
Espíritos outra coisa não sendo senão as almas dos homens, não tinham
nem a soberana sabedoria, nem a soberana ciência; que seu saber era
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
limitado ao grau do seu adiantamento, e que sua opinião não tinha senão
o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o
começo, evitou-lhe o grave escolho de crer na sua infalibilidade e lhe
preservou de formular teorias prematuras sobre o dizer de um só ou de
alguns.
Só o fato da comunicação com os Espíritos, o que quer que eles
pudessem dizer, provava a existência de um mundo invisível ambiente:
já era um ponto capital, um imenso campo franqueado às investigações,
a chave de uma multidão de fenômenos inexplicados. O segundo ponto,
não menos importante, era conhecer o estado deste mundo, seus
costumes, etc. Cedo, Rivail percebeu que cada Espírito, em razão de sua
posição pessoal e de seus conhecimentos, lhe desvendava, apenas, uma
fase do plano onde se encontrava, exatamente como se chega, como um
todo, a situação de um País, interrogando-se os seus habitantes,
pertencentes a todas as classes e de todas as condições, podendo cada
um nos ensinar alguma coisa, e nenhum deles podendo, individualmente,
nos ensinar tudo. Cumpre ao observador formar o conjunto, com o
auxílio dos depoimentos colhidos de diferentes lados, colecionados,
coordenados e confrontados entre si. Rivail, pois, agiu para com os
Espíritos como o teria feito com os homens; eles foram para ele, desde o
menor até o mais elevado, meios de colher informações e não
“reveladores predestinados”.
A estas informações pinça das em Obras Póstumas7, convém
acrescentar que, a princípio, Rivail, longe de ser entusiasta dessas
manifestações, e absorvido por suas próprias preocupações, esteve a
7 Obras Póstumas, publicado 22 anos depois do lançamento de A Gênese 1868, apresenta vários trabalhos de Allan Kardec que nunca haviam aparecido em livro. Este livro representa o testamento doutrinário do Codificador do Espiritismo.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
ponto de as abandonar, o que talvez tivesse feito, se não fossem as
insistentes solicitações dos Srs. Carlotti, René Tailandier, membro da
Academia de Ciências, Thiedeman-Manthese, Victorien Sardou, pai e
filho, e Pierre-Paul Didier, livreiroeditor, que acompanhavam, havia
cinco anos, o estudo desses fenômenos e tinham reunido cinqüenta
cadernos de comunicações diversas, que eles não conseguiam pôr em
ordem.
Conhecendo as vastas e raras aptidões de síntese de Rivail, esses
pesquisadores lhe enviaram os cadernos, pedindo-lhe que deles tomasse
conhecimento e os pusesse em termos. Este trabalho era árduo e exigia
muito tempo, em virtude das lacunas e obscuridades dessas
comunicações. O sábio enciclopedista lançou-se à obra; tomou os
cadernos, anotou-os com cuidado, após atenta e circunspecta leitura;
suprimiu as repetições e pôs, na respectiva ordem, cada ditado, cada
relatório de sessão; assinalou as lacunas a preencher, as obscuridades a
aclarar, e preparou as perguntas necessárias para chegar a esse resultado.
“Até então - diz ele próprio - as sessões em casa do Sr. Baudin não
tinham nenhum fim determinado; propus-me ai fazer resolver os
problemas que me interessavam sob o ponto de vista da Filosofia, da
Psicologia e da natureza do Mundo Invisível. Comparecia a cada sessão
com uma série de questões preparadas e metodicamente dispostas; eram
respondidas com precisão, profundeza e de um modo lógico. Desde esse
momento, as reuniões tiveram um caráter muito diferente; entre os
assistentes encontravam-se pessoas sérias que tomaram por isso um vivo
interesse. A princípio eu não tinha em vista senão minha própria
instrução; mais tarde, quando vi que tudo isso formava um conjunto e
tomava as proporções de uma doutrina, tive o pensamento de o publicar
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
para instrução de todos. Foram essas questões que, sucessivamente
desenvolvidas e completadas, fizeram a base de O Livro dos Espíritos.
Glossário
Os celtas - grupo de povos que ocuparam parte da Europa antiga
entre os quais se incluíam os gauleses.
Lastro – período de cinco anos.
Emulação – competição, rivalidade.
Herbário - coleção de plantas secas conservadas entre folhas de
papel para estudos botânicos.
Hipnotismo - coleção de fenômenos que constituem o sono
artificial provocado por sugestão em certas pessoas predispostas. Em
1841, um médico inglês, James Braid, de Manchester, criou uma outra
teoria dos fenômenos magnéticos, sob a denominação genérica de
HIPNOTISMO. As experiências de Charles La Fontaine, pelas quais se
interessou vivamente, vergaram-no ao estudo. Seguiu, porém, uma rota
diferente daquela traçada por Frans Anton Mesmer, e em conseqüência
disso, conseguiu sintetizar uma outra causalidade que origina, por vezes,
efeitos muito semelhantes, não exatamente iguais, aos provocados pelo
magnetismo animal.
6ª Aula - A Origem do Nome Allan Kardec
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Origem do nome Allan Kardec
Em Vida e Obra de Allan Kardec8, André Moreil afirma que, certa
noite, Zéfiro, Espírito protetor de Denizard Hyppolite Léon Rivail,
informou havê-lo conhecido numa existência anterior, quando, na época
dos druidas, viveram nas Gálias, Disselhe que o seu nome era, então,
Allan Kardec “A partir desse momento - comenta Moreil - Denizard
Rivail já não existe”.
A missão recebida, a título de líder doutrinário de uma ciência
ditada pelos Espíritos, obrigaram-no a renascer como Allan Kardec O
novo nome lhe pareceu revestido de valor quase esotérico.
Os “druidas” eram sacerdotes celtas, Os celtas, povos
antiquíssimos, de origem indo-germânica, empreenderam grandes
migrações desde os tempos pré-históricos, percorrendo toda a Europa,
desde as Ilhas Britânicas até a Ásia Menor Mas, por volta do ano 250
antes do Cristo, quando atingiram o clímax do seu poder, estavam
fixados principalmente nas Gálias.
Embora sua linguagem e os fundamentos da sua cultura já
estivessem estruturados desde sete séculos antes da nossa era, jamais se
organizaram, politicamente, sob qualquer forma de governo, Apenas
uma poderosa e mística força os unia à casta sacerdotal, que mantinha
íntegros os preceitos religiosos e as raríssimas tradições do mundo celta.
Esses sacerdotes eram os druidas, reverenciados pelas tribos onde quer
que fossem. Dedicavam-se à Teologia, à Filosofia, à Magistratura.
Conduziam todo um povo, cujas crenças se fundamentavam na
8 La Vie e1 L’Ouvre d’Allan Kardec, de André Moreil, foi lançada, em Paris, por Editions Sperar, 1961, sendo editada no Brasil pela Eclcel, com Tradução de Miguel Maillet.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Imortalidade da alma e na Reencarnação, além de admitir,
serenamente, a Comunicabilidade com os Espíritos.
A revista Reformador reproduziu, em francês, a carta que
Denizard Hyppolite Léon Rivail escreveu ao Sr. Thiedman-Manthése,
em 27 de outubro de 1857, relativamente ao pseudônimo que adotara:
“Duas palavras ainda a propósito do pseudônimo. Direi, primeiramente,
que neste assunto lancei mão de um artifício, uma vez que, dentre 100
escritores, há sempre os 3/4 que são conhecidos por seus nomes
verdadeiros, com a só diferença de que a maior parte toma apelidos de
pura fantasia, enquanto que o pseudônimo Allan Kardec guarda uma
certa significação, podendo eu reivindicá-lo como o próprio em nome da
Doutrina Espírita”.
O certo é que, ao adotar o pseudônimo Allan Kardec, o professor
Rivail deu valioso testemunho, não somente de fé, mas igualmente, de
humildade, pois seu nome civil era dos mais ilustres da França. Ele
descendia de antiga e tradicional família, cujos membros brilharam na
Advocacia e na Magistratura.
Denizard Rivail foi um dos mais destacados discípulos de
Pestalozzi e, depois, conselheiro influente nas reformas do ensino
levadas a efeito na França e na Alemanha. Poliglota, dominava, além do
francês, o alemão, o inglês, o latim e o grego. Verteu, para o alemão,
obras importantes, como as de Fénelon (François de Salignac de la
Mothe, nascido em 1651 e desencarnado em 1715), destacando-se
Telêmaco, epopéia romanesca em prosa, inspirada na Odisséia, de
Homero.
Não resta a menor dúvida que o autor de Traité de l’Education
des Filles, obra clássica da pedagogia francesa, exerceu significativa
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
influência sobre Allan Kardec, aprimorando-lhe o espírito e contribuindo
para alcançar, depois, a posição de liderança de uma Doutrina que viria
revolucionar os pensamentos político, filosófico, religioso e científico,
não só de sua época, mas de épocas posteriores.
O Pseudônimo Allan Kardec Motivo De Inquirição Judicial
Cinco anos após a desencarnação de Allan Kardec, a Revue
Spirite, então sob a direção de Pierre-Gäetan Leymarie, publicou uma
série de reportagens sobre fotografias de Espíritos, ilustrando-as com
fotos de pessoas que posaram para os fotógrafos médiuns Edouard
Buguet e o americano Alfred-Henri Firman. Junto aos retratos, por força
da faculdade mediúnica de ambos os profissionais, apareciam vultos
nítidos de amigos ou parentes falecidos.
A Sra. Amélie Boudet Rivail, viúva do Mestre Allan Kardec,
submeteu-se a uma sessão de fotos, aparecendo, em uma delas, a figura
inconfundível do Codificador do Espiritismo, ostentando uma
mensagem, em francês, com o seguinte teor:
“Chese femme: Veillez sur notre medium Buguet: de faux Spirites
le tracassant en ce moment. Lui seul est le urai. C’est surtout lui Qui fera
prosperer notre doctrine. Leymarie doit I’aider. Je suis avec vous.
Courage et adieu. 14 novembre 74. Allan Kardec”. (Querida esposa:
protegei nosso médium Buguet. Falsos espíritas o embaraçam neste
momento. Ele só é verdadeiro, e, especialmente, para desenvolver nossa
doutrina. Leymarie deve ajudá-lo. Estou com todos vós. Coragem e
adeus. 14 de novembro de 1874. Allan Kardec.)
A viúva de Allan Kardec fôra ao estúdio de Buguet com a intenção
de obter uma foto de seu pai; mas, para sua maior surpresa, surgiu a
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
figura de um velho conhecido. Na segunda tentativa, a imagem era a de
Allan Kardec. Leymarie fôra com ela e sabia, desta vez, que ela desejava
um retrato do seu marido. Quanto ao texto, impresso na foto, era de tal
forma reduzido, que não se poderia afirmar, positivamente, de quem
fosse.
A Revue Spirite garantia que a letra era de Allan Kardec,
sendo reconhecida, também, por várias pessoas, depois de
examinada meticulosamente.
Com a divulgação do fato e da foto na Revue Spirite, levantou-se
a idéia da fraude, sendo denunciada pelo Sr. Lombard, officier de paix,
junto ao Gabinete do Chefe de Polícia.
No dia 16 de junho de 1875, Quarta-feira, instaurava-se um
processo que se tornaria famoso: Procés des Spirites, movido, em Paris,
pelo Ministério Público, contra Buguet, Firman e Leymarie. Este
processo foi fruto da intolerância e da prepotência. As próprias
autoridades policiais, contrariando os nobres princípios da Justiça
Francesa, investiram, desrespeitosa e arbitrariamente, contra os
acusados, como se estivessem, frente a frente, com cruéis assassinos.
Nem sequer a viúva de Allan Kardec, que prestou declaração apenas
como testemunha, teve o tratamento devido à sua nobre posição do
interrogatório a que fôra submetida, constam as seguintes perguntas e
respostas, relativas ao pseudônimo do Codificador:
- Juiz Millet - Afinal, em que época o Sr. Rivail adotou o nome de
Allan Kardec?
- Sra. Rivail - Por volta da década de 1850.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
- Juiz Millet - Onde buscou ele este nome? Num manual de
bruxaria?
- Sra. Rivail - Não sei o que o senhor pretende dizer
- Juiz Millet - Nós conhecemos as origens dos livros do seu
marido; ele se valeu, sobretudo, de um manual de bruxaria de 1522; de
um outro livro intitulado Alberti... e outros.
- Sra. Rivail - Todos os livros do meu marido foram criados com
a ajuda de médiuns e das evocações. Não conheço nenhum dos livros a
que o senhor se refere.
- Juiz Millet - Nós os conhecemos; o nome Allan Kardec que o
seu marido adotou é o nome de uma grande floresta da Bretanha9. A
senhora erigiu a seu esposo um túmulo no Pere-Lachaise e nele colocou
o nome de Allan Kardec; está convencida de que ele foi o que disse ter
sido?
- Sra. Rivail - Eu creio que não se deve gracejar sobre isso. Não é
agradável ver rir de tais coisas.
- Juiz Millet - Nós não estimamos as pessoas que se apropriam de
nomes que não lhes pertencem, escritores que pilham obras antigas, que
ludibriam o espírito público.
Sra. Rivail - Todos os literatos usam pseudônimos. Meu marido
nada pilhou
9 O Juiz Millet, incorreu em equívoco; não sendo tão grande a tal floresta não mereceu o registro nos compêndios de Geografia, nem nos dicionários e enciclopédias.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
- Juiz Milet - Foi um compilador, não um literato; um homem que
fez magia negra ou branca. A Sra. Rivail protestou, por escrito, pela
forma deselegante e anti-ética manifestada pela autoridade judicial, que
deveria, por dever de justiça, proceder com isenção de ânimo. Dir-se-ia
que o juiz Millet estava agindo mais como católico do que como
magistrado. Aliás, todo o julgamento foi uma farsa, evidenciando-se a
intervenção insidiosa das forças clericais.
Eis, na íntegra, o protesto, justíssimo, da ilustre viúva do mestre
de Lyon: “Declaro que o Sr. Presidente da Sétima Câmara convencional
não me deixou livre para desenvolver o meu pensamento, pois em meu
interrogatório, introduziu reflexões estranhas ao debate e desejou
ridicularizar o Sr. Rivail, conhecido como Allan Kardec, fazendo dele
um simples compilador e negando o seu título de escritor. Protesto
energicamente contra essa maneira de interrogar e solicito ser ouvida
novamente, porque é costume na França respeitar as senhoras, sobretudo
quando tem cabelos brancos. Não se deveria interromper-se e mandar
assentar-se, após ter se divertido com o que considero intocável, ou seja,
o direito de ter feito construir um túmulo para meu companheiro de
provações, para o esposo estimável e honrado por homens do mais alto
valor”.
Homens como Jesus, Sócrates e Kardec, construíram-se em
contundentes libelos nas sociedades onde viveram, desafiando o poder e
os preconceitos pela sua integridade moral, bom senso e fulgurante
inteligência. Na verdade, os contemporâneos desses Espíritos de escol
não estavam realmente estruturados para entendê-los e aceitá-los como
seres que estavam realmente acima da mediocridade humana...
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Glossário
Zefiro – (Esta expressão significa vento brando e agradável). È o
nome que o espírito protetor de Kardec atribuiu a si mesmo. É
provavelmente um pseudônimo.
Druidas – Nome dos primitivos sacerdotes das Gálias e Bretanha.
Constituíram uma classe sacerdotal, eram também doutores e adivinhos.
Indo-Germânica – Termo que os filólogos alemães empregavam
com o sinônimo de indo-europeu. Observação: a expressão Indo é de
origem sânscrita, que dava nome a antiga civilização que ocupou o
Afeganistão, o Paquistão e a Índia.
Esotérico – Qualificação dada, nas escolas dos antigos filósofos, à
sua doutrina secreta.
Telêmaco – (Aventuras de) Obra de Fénelon composta apara a
educação do Duque de Borgonha (1699). A obra é inspirada na
“Odisséia” de Homero, poeta Grego que teria vivido 850 anos antes de
Jesus.
Officier de paix – Oficial de paz.
Próoces de Spirites – Processo dos Espíritos.
Peré Lachaise – Cemitério onde se construiu o dólmen de Allan
Kardec.
Insidiosa – Traiçoeiro, pérfido.
Libelos – Denúncias.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
7ª Aula - O Espírito de Verdade
O Espírito de Verdade
No dia 25 de março de 1856, estava Allan Kardec em seu gabinete
de trabalho, em via de compulsar as comunicações dos Espíritos e
preparar o livro primeiro da Codificação, quando ouviu ressoarem
pancadas repetidas no tabique; procurou sem descobrir, a causa disso, e
em seguida voltou ao trabalho. Sua esposa, Amélie, entrando no
gabinete, por volta de dez horas ouviu os mesmos ruídos; procuraram,
ambos, mas sem resultados, de onde podiam eles provir. Moravam,
então, na rua dos Mártires, n° 28, no segundo andar, ao fundo10.
No dia seguinte, em uma sessão familiar na casa da família
Baudin, Kardec contou o fato e solicitou uma explicação:
Pergunta - Ouviste o que acabei de contar; podeis dizer-me qual é
a causa dessas pancadas que se produziram com tanta persistência?
Resposta - Era o teu Espírito familiar.
Pergunta - Com que intuito manifestava-se ele desta forma?
Resposta - Queria entrar em comunicação contigo.
Pergunta - Podeis dizer-me quem é ele e o que quer de mim?
Resposta - Podes perguntar-lhe diretamente, porque ele está aqui.
10 Da comunicação do Espírito através de batidas (tiptologia), fica uma pergunta: seria Kardec médium de efeitos físicos? Parece que sim.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Pergunta - Meu Espírito familiar, quem quer que sejas, agradeço-
vos ter vindo visitar-me; quereis dizer-me quem sois?
Resposta - Para ti, o meu nome será A Verdade, e todos os meses
estarei aqui, durante um quarto de hora a tua disposição.
Pergunta - Ontem, ao bater enquanto eu estava trabalhando,
tínheis algo especial para me dizer?
Resposta - O que eu tinha de te dizer relacionava-se com o
trabalho que estamos fazendo; o que escrevias não me agradava e eu
queria que parasses.
Comentário de Kardec: “Eu estava escrevendo justamente a
respeito dos meus estudos sobre os Espíritos e as suas manifestações”.
Pergunta - A vossa desaprovação referia-se ao Capítulo que estava
escrevendo ou ao conjunto do trabalho?
Resposta - Referia-se ao Capítulo de ontem; relê-lo hoje à noite e
descobrirás teus erros e corrija-os.
Pergunta - Eu não estava mesmo muito satisfeito com esse
Capítulo; por isso hoje o refundi. Agora está melhor?
Resposta - Está melhor, mas ainda não está bom. Lê da terceira à
trigésima línha e encontrarás um grave erro.
Kardec informa: rasguei o que tinha feito ontem.
Resposta - Não tem importância. O que rasgaste não impede que
o engano persista. Lê outra vez e perceberás.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Pergunta - O nome Verdade que assumiste tem alguma relação
com a verdade que eu procuro?
Resposta - Talvez; pelo menos é o guia que te protegerá e te
ajudará.
Pergunta - Posso evocar-vos em minha casa?
Resposta – Sim, para que eu te ajude pelo pensamento; mas quanto
às respostas escritas em tua casa, não as poderá conseguir ainda por
muito tempo.
Pergunta - Podereis vir mais de uma vez por mês?
Resposta - Sim, mas apenas prometo uma vez por mês, até nova
ordem.
Pergunta - Tendes animado alguma personalidade conhecidaneste
mundo?
Resposta - Eu já disse que, para ti, eu serei A Verdade, este nome
para ti quer dizer discrição. Não saberás nada mais por enquanto.
Dois meses após esse diálogo entre Allan Kardec e o Espírito de
Verdade, ambos se reencontram. servindo de médium ajovem Aline C.:
“Meu bom Espírito - disse Kardec - desejaria saber o que pensais
da missão que me foi atribuída por alguns Espíritos; rogo que me digais
se se trata de uma prova para o meu amorpróprio. Nutro, como sabeis, o
maior desejo de contribuir para a propagação da Verdade; mas, do papel
de simples trabalhador àquele de missionário-chefe, a distância é grande
e eu mal entendo o que possa justificar a minha escolha para tão
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
relevante encargo, de preferência a tantos outros possuidores de maiores
talentos e qualidade”.
“Confirmo - respondeu o Espírito de Verdade - o que te foi dito,
mas convido-te a muita discrição, a fim de seres bem sucedido. Mais
tarde saberás de muitas coisas que te explicarão o que hoje te surpreende.
Não te esqueças de que podes ser bem sucedido, mas que também podes
falhar. Neste último caso, alguém te substituirá, pois, os desígnios de
Deus não repousam sobre a cabeça de um só homem; isto seria o meio
de fazê-lo malograr. Tua missão se justifica pela obra cumprida; no
entanto, ainda não fizestes. Se conseguires levá-la a bom termo, os
homens saberão apreciá-la mais cedo ou mais tarde, pois é pelos frutos
que se conhece a qualidade da árvore”.
No livro Kardec, as Irmãs Fox e Outros, o ilustre pesquisador e
confrade Jorge Rizzini dedica um considerável espaço, do primeiro
Capítulo, ao exame da especiosa questão. Afirma que “O insigne
Espírito de Verdade” é uma individualidade. Reporta-se a primeira
mensagem que este transmitiu em 1856, em Paris, pelas irmãs Baudin,
quando revelou a Allan Kardec: “Para ti eu me chamarei A Verdade!”
Jorge Rizzini observa que a Entidade não escreveu “nós” e sim,
conforme se lê em Obras Póstumas: - “Eu me chamarei A Verdade!”
“Outra prova de sua individualidade - observa o autor – está no
fato de que seu pseudônimo aparece nos prolegômenos de O Livro dos
Espíritos entre os nomes de Sócrates, Platão, Fénelon, Santo Agostinho,
Erasto, etc.”
Em seguida, cita uma sessão mediúnica dirigida por Kardec,
realizada na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas - SPEE,
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
quando se manifestou o Espírito Jobard, ex-presidente de honra desta
instituição e amigo do Codificador.
A certa altura do diálogo com Jobard, Kardec perguntou:
“ - Vede os Espíritos que aqui se encontram conosco?”
- Vejo sobretudo, Lázaro e Erasto. Depois, mais distanciada, o
Espírito de Verdade”.
Com base neste diálogo, afirma Jorge Rizzini que o Espírito de
Verdade é, só poderá ser uma individualidade e, não, pseudônimo de
uma coletividade.
Quanto à idéia de que o Espírito de Verdade é o Cristo, eis o que
destaca Rizzini: “Não. Se fosse, jamais teria dito aos Apóstolos: (...) Eu
rogarei ao Pai e Ele vos enviará outro Consolador, para que fique
convosco: o Espírito de Verdade!’”
As argumentações do autor de Kardec, Irmãs Fox e Outros é um
tanto e quanto longa. Sugerimos aos leitores interessados que adquiram
a obra, onde encontrarão maiores detalhes sobre o assunto.
Glossário
Compulsar – Examinar, pesquisar.
Espírito Verdade – O Paracleto: o Consolador.
Malograr – Fracassar.
Especiosa – Ilusório, enganar.
Insigne – Notável, célebre.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
8ª Aula - O Livro dos Espíritos - As Bases de uma Nova Filosofia
Introdução
A Codificação Espírita se apresenta como um todo homogêneo e
conseqüente. “Caem por terra - afirma o Prof. José Herculano Pires - as
tentativas de separar um ou outro livro do bloco da Codificação, como
possível expressão de uma forma diferente de pensamento”.
Em um estudo mais amplo e aprofundado, é possível evidenciar-
se o desenvolvimento de certos temas fundamentais que, questionados
em O Livro dos Espíritos, vão ter a sua solução compatível nas obras
posteriores. E o que se constata, por exemplo, com as ligações do
Cristianismo e o Espiritismo, que se definem e encontram ínquestionável
coerência em O Evangelho Segundo o Espiritismo, ou com o problema
sempre controvertido da origem do Homem, que encontra a sua
elucidação definitiva nas páginas de A Gênese, ou, ainda, as questões
mediúnicas esclarecidas e justificadas nas páginas de O Livro dos
Médiuns, e as concepções teológicas e escriturísticas que mereceram
lúcidos e revolucionários esclarecimentos em O Céu e o Inferno.
O Livro dos Espíritos
O Livro dos Espíritos, teve sua primeira edição lançada a 18 de
abril de 1857, por E. Dentu Libraire, localizada no Palais Royal, Galerie
D’ Orleans, n° 13, Paris. Continha uma Introdução ao Estudo da
Doutrina Espírita, onde eram estabelecidos os pressupostos doutrinários,
científicos e filosóficos, e refutadas várias críticas, bem como os
Prolegômenos, onde eram apresentadas, sinteticamente, as instâncias do
Mundo Espiritual para elaboração do Livro. Toda a obra era composta
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
de perguntas e respostas, colocadas em colunas. O número total de
perguntas e respostas era 501. As matérias se distribuíam em três livros,
assim formados:
Livro Primeiro - Doutrina Espírita.
Composto de 10 capítulos.
Livro Segundo - Leis Morais.
Composto de 11 capítulos.
Livro Terceiro - Esperanças e Consolações.
Composto de 03 capítulos.
Após os assuntos, vinha um Epílogo, Notas - que eram
esclarecimentos ao texto -, um índice dos capítulos - Table de Chapitres
-, e um índice alfabético - Table Alphabetique.
Em março de 1860, apareceu a segunda edição de O Livro dos
Espíritos. Representava uma refundição total da primeira edição, sem
mudar os princípios nela expostos:
Introdução
Prolegômenos
Livro Primeiro - As Causas Primárias.
Quatro capítulos com um total de 17 subcapítulos.
Livro Segundo - Mundo Espírita ou dos Espíritos.
Onze capítulos com um total de 64 subcapítulos
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Livro Terceiro - Leis Morais.
Doze capítulos com um total de 15 subcapítulos.
Livro Quarto - Esperanças e Consolações.
Dois capítulos com um total de 15 subcapítulos.
Conclusão
Índice
Desapareceram o Epílogo, as Notas e o índice Alfabético. O
número de perguntas e respostas subiu para 1.018.
“Com este livro - afirma o Prof. José Herculano Pires – raiou para
o mundo a Era Espírita. Nele se cumpria a promessa evangélica do
Consolador, do Paracleto ou Espírito de Verdade. Dizer isto equivale a
admitir que O Livro dos Espíritos é o código de uma nova fase da
evolução humana. E é exatamente essa a sua posição na História do
Pensamento” (ln: Introdução à 39ª dição da LAKE).
Esse Código de uma nova fase da evolução humana não seria,
como tal, reconhecido. Rejeitaram-no sem contemplação, considerando
o mestre de Lyon, um visionário, um nefelibata. Entretanto, o discípulo
maior de Pestalozzi era homem de caráter frio e severo, observava os
fatos e das observações identificou as leis que os regem; foi o primeiro
que, a propósito desses fatos, estabeleceu uma teoria e construiu um
corpo de doutrina regular e metódica: Demonstrando que os fatos,
falsamente chamados “sobrenaturais”, são sujeitos a leis, subordinou-os
à 102 categoria dos fenômenos da Natureza, e fez ruir, assim, o último
reduto do maravilhoso, que é uma das causas da superstição.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
O Livro dos Espíritos, pois, vai de encontro, simultaneamente, às
teses dos doutores do Templo e das Academias. De um lado, punha por
terra todo o patrimônio de superstição e de tendenciosas postulações
exegéticas; e, de outro lado, établir lês fondements d’ une philosophie
rationelle, degagée dês prejugés de I’ esprit de systheme, o que, em
suma, contrariava a ortodoxia científica e filosófica.
O Livro dos Espíritos Lança as Bases de uma Nova Filosofia
Segundo Dante Morando (in Pedagogia), citado pelo educador
espírita Ney Lobo (in: Filosofia Espírita da Educação, FEB), uma
filosofia que, em última análise, não serve para o melhoramento do
homem é não só inútil e abstrata, senão falsa. Acrescentaria, à concepção
do pedagogo espanhol, que a Filosofia objetiva dá, à pessoa, a noção dos
fins últimos das coisas, não apenas para torná-la sábia, mas sobretudo,
para fazê-la melhor. O Prof. Herculano Pires vai, até, mais longe,
afirmando que o Espiritismo, mediante a sua filosofia, promove a
renovação integral do homem, não simplesmente na sua expressão
individual e transitória, mas na sua permanente expressão coletiva.
Na verdade, a Filosofia Espírita é essencialmente revolucionária,
transformista por excelência, uma autêntica filosofia da ação. Uma
filosofia, sem embargo, evolutiva que clama por seu desenvolvimento e
adaptação aos novos tempos. Deve-se observar, contudo, que tal
filosofia nada tem de utópico, contemplativo ou sonhador. Prática, por
excelência, ela é a filosofia da inquietação que incita à eterna conquista
do melhor; da luta que se esteia no trabalho consciente e nos impele a
construir; do dinamismo que, por sua vez, impede-nos de estacionar,
proíbe-nos o descanso improdutivo e o devaneio estéril.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
André Moreil, em La Vie et Lóuvre d’Allan Kardec (Editions
Sperar, Paris, 1961), faz a seguinte pergunta, após tecer algumas
considerações sobre a Filosofia Espírita: É possível classificar esta
filosofia entre as doutrinas idealistas?
Ele próprio responde: “Sabemos que, para Platão, o nosso mundo
é a cópia do mundo invisível das idéias puras. Este confronto entre a
perfeição e o mundo sublunar é idêntico nas duas filosofias (a espírita e
a platônica); mas é tudo: ai termina a semelhança. Com efeito, as idéias
platônicas não têm individualidade; na medida em que são gerais e que
fecundam casos particulares, são essenciais... Ao contrário, os Espíritos
são almas dos seres que já tiveram existência própria. Além disso,
conservam a sua individualidade. Compreende-se, então, porque o
idealismo espírita não é realmente, um idealismo. Entre os dois mundos,
existe a penetração efetiva e não relação platônica”.
E finaliza o ensaísta Moreil: “Em outras palavras, o mundo dos
Espíritos não está separado do mundo corporal e visível. Não há, pois,
dicotomia, nem ruptura ou fosso intransponível Para o Espiritismo, o
mundo do Espírito é, portanto, um só: o visível é a sua face encarnada,
o invisível, o reverso desencarnado”.
Enquanto isso, Humberto Mariotti lembra que a Filosofia Espírita
é evolucionista, porque admite a transformação nos aspectos essenciais
do Ser, encarando a ligação existente entre todas as coisas.
Mas como o Espiritismo realiza essa ligação?
Fá-lo ao demonstrar a união que existe entre os três reinos da
Natureza, pois sabemos que, no invisível, o Ser essencial parte do
mineral, que depois se instala no vegetal e, ao desempenhar o processo
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
necessário, a Essência passa ao reino animal e deste ao hominal. Daí
deverá passar ao espiritual. Eis aí o caráter dialético do Espiritismo.
Espiritismo Dialético é obra do pensador argentino Manuel S.
Porteiro. A sua concepção dinâmica dos seres e das coisas permitiu-lhe
entrever que tudo se acha em movimento e em permanente
transformação. Afastou-se desse Espiritismo narrativo de fatos repetidos
e compreendeu como Allan Kardec, que, em vez de fenômeno, devia
utilizar, ontologicamente falando, o noúmeno da mediunidade. Verificou
que o Espiritismo é uma ciência espiritual que determina uma ciência
social. Quer dizer: compreendeu que o Espiritismo, além de ser um
fenômeno científico, é uma nova interpretação do Homem e seu destino
espiritual e ético relacionado com o processo social e histórico da
humanidade.
À semelhança de Allan Kardec, M. S. Porteiro pensou no homem
como Espírito que encarna e desencarna e se instala na Sociedade para
transformar através de seu progresso e evolução, compreendendo,
igualmente, que o Espiritismo extrai o Espírito do fundo dos seres e das
coisas, como viva realidade que, mediante a sua evolução palingenésica,
movimenta a História, dando ao seu processo verdadeira
intencionalidade teleológica.
O autor de Espiritismo Dialético viu que as coisas estão ligadas
entre si por Lei de Causalidade e que nada ocorre na Sociedade e na
Natureza sem determinação por noúmeno espiritual, advertindo, assim,
que tudo está sujeito a movimento incessante e criador e que os próprios
espíritos encarnados agem ligados causalmente com os homens e demais
seres e coisas.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
A sua concepção dialética se encontra firmada, com precisão
filosófica, na obra Espiritismo Dialético, editada em Buenos Aires, no
dia 25 de agosto de 1936.
“Neste livro - afirma Humberto Mariotti - Porteiro coloca a
Filosofia Espírita nos mais elevados planos ideológicos da cultura no
Mundo Moderno, o que chamou a atenção de quem se arriscou a
considerar o Espiritismo uma ‘filosofia primária’ baseada em larvas e
cascões astrais e, na ordem sociológica, uma superstição de
conseqüências patológicas”.
E conclui: “Todos esses conceitos ruíram ante essa obra,
infelizmente pouco conhecida”.
Nesse livro se põem em confronto o materialismo dialético e
histórico e o espiritualismo espírita e palingenésico. Mas as duas grandes
realidades do Universo - Matéria e Espírito -, irreconciliáveis até há
pouco, harmonizam-se ali, considerando que os dois elementos se
sintetizam, dando um conhecimento integral do Homem e da História.
O processo das idades em sua fase histórica e espiritual é analisado
pelo pensador argentino, de acordo com a concepção kardecista, para
entroncar numa filosofia social criadora e humanista. Isto demonstra que
o conteúdo da Doutrina Espírita está na própria essência da Natureza,
razão pela qual o seu destino histórico não poderá ser desvirtuado pelos
que ainda sentem preconceitos a respeito do Espiritismo.
O pensamento dialético do Espiritismo não admite a imobilidade
nem a estática na vida do Espírito e dos povos e considera que tudo está
em movimento e em marcha para novos estádios morais e sociais. Para
o Espiritismo Dialético, o Homem é um ser que se transforma
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
continuamente, ampliando a compreensão de tudo que o rodeia e
elevando a consciência às mais puras esferas do Universo.
“De grau em grau - afirma M. S. Porteiro - e sem nunca retroceder;
o Espírito encarnado e desencarnado, através de incessante dialética
palingenésica, avança para novas situações, sem se deter,
definitivamente, em ponto nenhum do progresso”.
Dir-se-ia, porém, que o conceito dialético do Espiritismo é
inovação doutrinária, o que não é verdadeiro. O analista espírita utiliza-
se do método dialético (não se deve esquecer que a dialética é, apenas,
um método) para encarar os grandes temas do Espiritismo com a
precisão exigida pelo Mundo Moderno. Entretanto, é necessário
reconhecer que esse método está contido na Filosofia Espírita desde a
publicação, em Paris, de O Livro dos Espíritos. Diria, a propósito, o
próprio M. S. Porteiro: “Não é, como se poderia supor, uma inovação
sistemática, fundamental, da Filosofia Espírita: é a própria Doutrina
tratada dialeticamente à luz da ciência moderna e em concordância com
os fenômenos da natureza e da vida e muito especialmente com os da
psicologia e da história”.
Glossário
Nefelibata – quem anda nas nuvens, visionário, sonhador.
Dicotomia – Divisão em dois.
Dialética – maneira de filosofar que procura a verdade por meio e
oposição e conciliação de condições lógicas e históricas.
Noùmeno – segundo Kant, tudo que se amolda a nosso espírito se
torna objeto de experiência possível, ou seja, o que aparece e pode ser
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
apreendido por nossa sensibilidade, cujas intuições e intelecto ordena,
segundo suas categorias; a palavra fenômeno (phai+noùmeno) traduz
aquilo que é apresentado ou se oferece ( é a coisa em si).
Teleogismo - conjunto das especulações que se aplicam à noção
de finalidade às causas finais.
9ª Aula - Kardecismo e Espiritismo
Introdução
No momento em que era dado a lume a 1ª edição de O Livro dos
Espíritos, Allan Kardec adverte (vide Revue Spirite, 1858):
“Este trabalho, como indica o seu título, não é absolutamente uma
doutrina pessoal, mas o resultado dos ensinamentos dos próprios
Espíritos sobre os mistérios do mundo em que estaremos um dia, e sobre
questões que interessam à Humanidade. Eles nos dão, de alguma sorte,
o Código da Vida, traçando-nos o caminho da bem-aventurança. Não
sendo este livro fruto de nossas próprias idéias - pois tínhamos, sobre
muitos pontos importantes, maneiras de ver muito diferentes - nossa
modéstia não ficaria vituperada pelos elogios”.
E, no histórico discurso aos espíritas da cidade de Lyon, onde
nasceu, já lançada a segunda edição do Livro, mas se referindo à
primeira, pondera (vide Revue Spirite, 1860):
“Se no livro tem algum mérito, eu seria presunçoso se me
glorificasse disso, pois a doutrina que ele encerra não é absolutamente
criação minha; toda a honra do benefício que ele tem proporcionado
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
reverte aos Espíritos superiores que o ditaram e que se dignaram de
servir-se de mim. Posso, assim, ouvir elogios sobre ele, sem ficar ferida
a minha modéstia nem exaltar o meu amor-próprio. Se quisesse
prevalecer-me dele, teria certamente reivindicado a elaboração do Livro,
em vez de o atribuir aos Espíritos. E se alguém duvidasse da
superioridade daqueles que cooperaram na sua feitura, bastaria
considerar a influência que vem exercendo em tão pouco tempo, apenas
pelo poder da lógica, sem se recorrer a nenhum meio material próprio a
provocar a curiosidade”.
Na segunda edição, mundialmente conhecida, que se tornou
definitiva, o papel de Allan Kardec é preponderante:
“Preferimos esperar a reimpressão do Livro para fundir tudo
juntamente, e aproveitamos o ensejo para introduzir, na distribuição das
matérias, outra ordem mais metódica, ao mesmo tempo em que
escoimamos tudo quanto importava em duplicidade”.
Afirma, a propósito, o Dr. Canuto Abreu no Preâmbulo da
tradução da primeira edição de O Livro dos Espíritos, lançada no Brasil
em 1857, pela Companhia Editora Ismael, em comemoração ao primeiro
centenário da obra: “O discípulo tornara-se Mestre; nivela-se o aprendiz
com os instrutores. Julga, critica, distingue, seleciona; inspira-o o
Espírito de Verdade: ‘A proteção desse Espírito acrescenta Kardec – cuja
superioridade eu estava tão longe de imaginar; com efeito jamais me
faltou. Sua solicitude e a dos Espíritos sob suas ordens se estenderam a
todas as circunstâncias de minha vida” (Obras Póstumas).
A posição de igualdade entre os Instrutores invisíveis, que
resultava do alto nível moral de Allan Kardec, chegava a ponto de
permitir-se, não raras vezes, controvérsias, críticas, com o objetivo de
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
esclarecer questões em que as respostas dos Espíritos não ofereciam
cabal evidência.
“Deve-se ter em mira - esclarece Kardec - a Verdade! A crítica,
portanto, deve ser prazerosamente aceita pelos Espíritos, quando são
superiores, pois de duas uma: ou estão absolutamente seguros sobre o
ponto em estudo e podem, sem nenhum constrangimento, aprender
conosco. A instrução pode ser recíproca, se os encarnados quiserem
instruir-se com os Espíritos, na medida em que estes concordarem em
instruir-se com os encarnados” (Trecho do discurso de Allan Kardec,
em Bordeaux, no ano de 1863).
O psicólogo e jornalista Jaci Régis, em seu artigo A Tarefa de
Allan Kardec num Mundo em Mudança, inserido no livro Vida e Obra
de Allan Kardec (Edicel), parecendo perfilhar a linha de pensamento do
Dr. Canuto Abreu, afirma: “Alguns espíritas, talvez para reforçar a
natureza extraterrestre da origem do Espiritismo, insistem em diminuir a
tarefa de Kardec, dizendo que ele foi ‘apenas’ o secretário dos Espíritos.
Ainda dentro de uma concepção unilateral da vida, fazem uma dicotomia
inflexível entre os Espíritos e os homens, atribuindo aos segundos a
posição puramente subalterna. A tal ponto vai essa distorção que
esquecem que antes de encarar, o homem pertencia a esse pretenso
Olimpo e para ele voltará após a desencarnação. Kardec desmistificou o
plano espiritual (para desespero dos ocultistas ortodoxos) ao estabelecer
que a comunhão entre homens e Espíritos, através da Mediunidade, está
no rol das faculdades naturais e ao mostrar que, no estádio da nossa
evolução, o plano espiritual é, ainda, um pouso temporário onde
ingressamos paulatinamente, à medida que vencemos os
condicionamentos do processo evolutivo, que nos liga ao círculo das
forças físicas como veículos de manifestação e aprendizado.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Kardecismo e Espiritismo
A propósito das afirmações de Canuto Abreu e de Jaci Régís,
sobre a efetiva participação de Kardec no contexto da Codíficação do
Espiritismo, julgamos oportuno e interessante auscultarmos a opinião do
Prof. José Herculano Pires. Eis, de forma condensada, o que ele escreveu
no Anuário Espírita, de 1972, editado pelo Instituto de Difusão
Espírita, de Araras, São Paulo.
O que é Kardecísmo? Seria alguma coisa oposta ou pelo menos
diferente do Espiritismo?
Pode-se aceitar a expressão Kardecismo não como substitutiva de
Espiritismo, mas como corolária. Pode-se usar a palavra Kardecismo
como designação, não da Doutrina dos Espíritos, mas da orientação de
Kardec no trato dos problemas espirituais. Assim, Kardecismo exprime
uma atitude, uma posição que é típica de Allan Kardec, jamais adotada
por qualquer outra personalidade para enfrentar os problemas humanos.
A dificuldade em tornar essa diferença popularmente é que se leva a ter
escrúpulo em usar a palavra Kardecismo, particularmente numa fase de
confusões como a que o Movimento Espírita vivencia atualmente.
Os lineamentos do Kardecismo, porém, só se definem no
Espiritismo. As linhas de observação e de pesquisa seguidas por Allan
Kardec o levaram, naturalmente, ao encontro da Doutrina Espírita. Esse
encontro resultou na fusão dos lineamentos do Espiritismo (como
doutrina estabelecida pelos Espíritos e elaborada por Kardec). A posição
de Kardec, foi única, embora tendo os paralelismos já citados, porque
ele não se limitou a um confronto de doutrinas, mas realizou todo um
processo de investigação científica tomando a criatura humana (e não
suas doutrinas) como objetivo essencial.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
As linhas metodológicas de Kardec se fundiram com as linhas
doutrinárias do Espiritismo: O Kardecismo é o instrumento de
descoberta do Espiritismo. A Ciência Espírita surgiu do trabalho de
Kardec e revelou o mundo espiritual. Mas o processo de revelação é de
dupla natureza: espiritual (ou divino) quando os Espíritos superiores
ensinam; humana (ou terrena) quando são os homens que descobrem e
revelam princípios correspondentes a leis naturais. Exemplos: os
Espíritos informam a Kardec que existe a reencarnação (revelação
divina), mas Kardec pesquisa e prova a reencarnação através da
mediunidade e do animismo (revelação humana); os Espíritos ensinam
que as comunicações mediúnicas também se verificam entre vivos, não
só entre mortos e vivos, e Kardec comprova essa verdade através das
pesquisas. Parece que não é difícil compreendermos agora as relações
entre Kardecismo e Espiritismo. E, também as distinções.
A Revue Spirite
Um ano após a publicação de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec
chegou a conclusão de que seria necessário editar uma revista mensal e
fundar uma Sociedade de pesquisas Espíritas. Assim, o ano de 1858
ficou assinalado, na história do Espiritismo, como marco de lançamento
da Revue Spirite e a fundação da Sociedade Parisiense de Estudos
espíritas – (SPEE).
O primeiro número da Revue saiu a 1° de janeiro de 1858. Essa
revista iniciaria, em terras francesas, preliminarmente, e depois em
vários países da Europa, a difusão sistemática da nova Doutrina dos
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Espíritos. E a sua história é contada por Allan Kardec em Obras
póstumas11.
Em princípio, ao lhe acudir a idéia de fundação de uma revista, o
que seria, certamente, um meio notável de penetração dos postulados
espíritas na sociedade, levou-a ao conhecimento dos Espíritos tutelares
da Codificação. E o encontro se verificou na residência do casal Dufaux,
em Paris, quando Allan Kardec expõe, ao Espírito que se manifestou pela
Sra. Dufaux, os seus planos, solicitando orientação. O comunicante
ponderou que a idéia era boa, mas seria preciso deixá-la amadurecer
mais. Kardec, porém, insiste, argumentando que outros poderiam
antecipar-se, no que o Espírito retrucou, simplesmente: “Adiantate!”
Mas o Codificador, apesar de seu desejo imediato de lançar a
revista, faltava-lhe tempo, bem como recursos financeiros, para a
concretização do importante empreendimento. Nesse instante, o
Espírito, sentindo a grandiosidade do objetivo, passou a o incentivar,
animando-o a seguir em frente. E assim procedeu Allan Kardec,
redigindo, ele próprio, o primeiro número, sem prevenir a ninguém,
lançando-a a 1° de janeiro de 1858.
Não possuía a revista, um só assinante. “Editei-a – informa Kardec
- exclusivamente por minha conta e não tive do que me arrepender,
porque o êxito excedeu a minha expectativa”. (Obras Póstumas).
Tornou-se, a revista, um dos mais significativos instrumentos de
difusão do Espiritismo, coadjuvando a tarefa dos espíritas franceses;
11 Obras Póstumas apresenta vários trabalhos de Allan Kardec que nunca haviam aparecido em livro. Este livro, em verdade, representa o testamento doutrinário do Codificador do Espiritismo. Foi publicado vinte e dois anos após o lançamento de A Gênese por iniciativa de sua viúva.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
tendo à frente o Mestre de Lyon, no trabalho incansável de socializar os
nobres ordenamentos do Espiritismo.
Em pouco tempo, a Revue Spirite impunha-se vitoriosa, no âmbito
do Movimento Espírita da França e nos demais países em que passou a
circular.
Dava o Codificador, assim, mais uma prova inequívoca do amor à
causa do Mestre Jesus, lutando, com suas próprias forças e parcos
recursos, para a consolidação do ideário espiritista, embora com
inauditos sacrifícios. Mas, os bons e esclarecidos Espíritos, sob a égide
do Paracleto, sempre estavam a seu lado, infundindo-lhe confiança e,
sobretudo, a certeza de que a missão em que estava empenhado lhe fôra
atribuída por desígnio superior. E Allan Kardec, com a humildade que
caracteriza os Espíritos de escol, jamais prescindiu do auxílio do Alto.
Estas são as suas palavras comoventes, dirigidas ao Senhor:
“Senhor, se vos dignastes a lançar os olhos sobre mim, para
satisfazer os vossos desígnios, seja feita a vossa vontade. A minha vida
está em vossas mãos, disponde do vosso servo”.
O termo Parakleto é vulgarmente transliterado para Paráclito ou,
ainda, Parácleito, ou é traduzido como consolador, advogado,
defensor. Etimologicamente, o vocábulo é formado de Para (ao lado de,
junto de) e de Klêtos (chamar), Parákleto é aquele que é chamado para
junto de alguém: o evocado. Esse evocado é o Espírito de Verdade.
O termo Parácleito é encontrado nos escritos joaninos, XIV: 15 a
17 e 26. “Se me amais, guardais os meus mandamentos. E eu rogarei ao
Pai, e Ele vos mandará outro Consolador, para que fique eternamente
convosco, o Espírito de Verdade, a quem o mundo não pode receber,
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
porque não o vê nem o conhece. Mas vós o conhecereis, porque ele ficará
convosco e estará em vós. Mas, o Consolador, a quem o Pai enviará em
meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que
vos tenho dito”.
O Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador Prometido:
o conhecimento das coisas.
A Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas
Até o dia 1° de abril de 1858, as reuniões espíritas se realizavam
na residência de Allan Kardec, na rua dos Mártires. A jovem Ermance
Dufaux era a principal médium. “Ora, o salão de Allan Kardec - informa
André Moreil - não comportava mais de 15 pessoas. Os adeptos
organizaram-se, então, em sociedade, e procuraram novo local. Mas era
necessária a autorização das autoridades policiais. O Senhor Dufaux,
amigo do prefeito, encarregou-se de obtê-la. Dufaux conseguiu, em
menos de 15 dias, a autorização”.
A Sociedade, que se expandia dia a dia, reunia-se todas as terças-
feiras num local da Galeria de Valois, no Palais Royal. Uma ano
depois, a 1° de abril de 1859, a SPEE mudou-se para a Galeria
Montpensier, num salão do restaurante Douix, transferindo as reuniões
das terças-feiras para as sextas-feiras. Foi somente em 1860 que a SPEE
se instalou na passage Saint’Anne, nº. 59. Após a instalação da SPEE,
Allan Kardec lança-se ao trabalho. No encerramento do ano social –
1858/1859 - da Sociedade, cujo boletim foi publicado na Revue Spirite,
o Codificador relembra as condições que determinaram que a instituição
procurasse uma sede apropriada. Agradece aos companheiros de ideal
por tê-lo encarregado de dar aos trabalhos da SPEE uma direção
metódica e uniforme. Indica, mesmo, a duração que terão seus trabalhos:
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
10 anos. Isto constitui exatíssima premonição, porquanto Allan Kardec,
terminando sua obra, desencarnou 10 anos mais tarde.
Como se Realizavam as Reuniões na SPEE
O objetivo da Sociedade não consistia, apenas em desenvolver a
pesquisa em torno dos princípios da Ciência Espírita; ia muito mais
longe: estudava as suas naturais conseqüências.
Quanto às evocações, a sua técnica revestia-se de aspecto um tanto
inédito. A sala mantinha-se no escuro a fim de que a aura dos presentes
fosse bem vista (hoje, a Ciência Biofísica pôde fotografar o rastro
esbranquiçado, deixado pelo corpo humano em noite escura, e que se
explica pelas ondas de energia calorífica do corpo, precisamente pelas
emanações infravermelhas). A Assembléia se colocava em atitude de
recolhimento, murmurava uma prece a Deus para que Ele permitisse a
vinda do Espírito evocado. Todos os assistentes seguravam-se pelas
mãos, lembrando a cadeia da união de certas lojas maçônicas. Entoavam-
se cânticos. Era tudo Ciência e Música (é de lembrar-se o profundo amor
de Allan Kardec pela Música), exaltação de alma, pureza moral e
espiritual.
Após essas preliminares, é que a sessão se iniciava12. E
perguntamos: haveria fenômenos de efeitos físicos nessas reuniões?
12 Ignorando, provavelmente, que a música fazia parte integrante das sessões da SPEE, à época de Kardec, um grupo de ilustres espíritas brasileiros participaram, no Rio de Janeiro, em 1944 (em plena Segunda Guerra Mundial) de um Inquérito sobre se teria cabimento ou não a Música nos atos espíritas. As opiniões foram divergentes. Desse histórico Inquérito, tomaram parte: Deofindo Amorim, Leopoldo Machado, Carlos Imbassahy, Arnaldo S. Thiago, Randolpho Penas Ribas e outros. O Inquérito foi publicado pelo jornal Vanguarda, do Rio de Janeiro, para integrar o terceiro volume das edições Lar de Jesus, de Nova Iguaçu-RJ.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
As críticas não faltaram a esse tipo inovador de comunicação com
os mortos. Allan Kardec e os integrantes da SPEE passaram a ser alvo
de ataques e chacotas. O Codificador tomara por norma de conduta não
responder a essas provocações. Entretanto, quando o adversário portava-
se com lisura e boa fé, ele respondia com o seu proverbial equilíbrio e
bom senso: “Apesar do ridículo que lançais sobre um assunto muito mais
sério do que pensais - disse ele a um certo Oscar Commettant, que tinha
escrito no jornal Siécle contra o Espiritismo - tenho o prazer de
reconhecer que, embora-atacando princípios, salvaguardais as
conveniências pela urbanidade das formas”.
Observa-se que Allan Kardec era sensível à urbanidade das
formas, isto é, à educação. Mas, também, sabia ser irônico: “Para certas
pessoas, é lamentável que não se possa pôr os Espíritos em garrafão para
observá-los à vontade”.
Recebia, por outro lado, na SPEE, mensagens de várias partes do
mundo, incentivando-o a prosseguir na abençoada tarefa de divulgar, por
todos os meios lícitos, a Doutrina dos Espíritos.
Um correspondente de Lima (Peru), por exemplo, assim lhe
escreveu:
“Estimadíssimo Senhor Allan Kardec,
Vosso O Livro dos Espíritos acompanha-me em minha solidão,
etc... Foi assim que pude traduzir algumas passagens do livro aos
selvagens descendentes dos incas.
A idéia de reviver sobre a Terra parece-lhes muito natural e um
deles me declarou um dia:
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
- Será que, depois de mortos poderemos renascer entre os brancos?
- Certamente, respondi.
- Então, talvez sejas um dos nossos parentes?
- É possível.
- É talvez por isso que és bom e que te amamos?
- Também é possível.
- Então, quando nos defrontarmos com um branco não devemos
lhe fazer mal, porque, talvez, seja um dos nossos irmãos?”
O missivísta assim termina sua carta: “Com certeza admirareis,
como eu, esta conclusão, partida da boca de um selvagem e o sentimento
de fraternidade que surgiu nele, ao assimilar a ética transcendental da
reencarnação”.
Os casos que sucederam na Sociedade de Estudos Espíritas de
Paris são realmente notáveis. E tudo vem contado, em estilo cativante e
objetivo, na Revue Spirite. O trabalho de Allan Kardec na SPEE,
juntamente com seus companheiros de ideal, é um luminoso capítulo à
parte no processo de consolidação do Espiritismo neste sofrido plano de
provas e expiações, a que chamamos, simplesmente, Terra.
Glossário
Bem-aventurança – Felicidade completa.
Vituperada – Insulto, ofensa, injúria.
Escoimamos – Livrar de impurezas e defeitos.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Preâmbulo – Início.
Controvérsias – Polêmica, divergência de opiniões.
Dicotomia – Divisão em dois.
Corolária – Proposição que se deduz imediatamente de outra já
conhecida. Consequência necessária e evidente.
Lineamentos – traço, produção de uma linha, primeiros contornos,
esboço.
Animismo – Estado em que opera o espírito do médium.
Postulados - Princípios cuja admissão é necessária para
estabelecer uma demonstração.
Olimpo – Maciço montanhoso da Grécia. Os gregos antigos nele
localizavam a morada dos deuses.
10ª Aula - O Livro dos Médiuns
O Livro dos Médiuns
O Livro dos Médiuns foi precedido de um pequeno trabalho
elaborado por Allan Kardec, sob o título Instruções Práticas Sobre as
Manifestações Espíritas, contendo “explicação completa das condições
necessárias para a comunicação com os Espíritos e os meios de
desenvolvimento da faculdade mediúnica”.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Esta obra é, por ordem cronológica, a segunda da Codificação
Espírita, publicada em 1858, ano de fundação da Sociedade Parisiense
de Estudos Espíritas - SPEE - e da Revista Espírita.
Em agosto de 1860, Allan Kardec, através da Revista Espírita,
fazia seus eleitores saberem: “Esta obra Instruções Práticas Sobre as
Manifestações Espíritas está inteiramente esgotada e não será
reimpressa13. Substitui-la-á novo trabalho, ora no prelo, e que será muito
mais completo e diversamente planificado.
Esse novo trabalho era O Livro dos Médiuns, lançado em Paris
no dia 15 de janeiro de 1861, apresentado por Allan Kardec como a
continuação de O Livro dos Espíritos. É o livro básico da Ciência
Espírita, um tratado de mediunidade indispensável a todos que se
interessam pela boa realização de trabalhos mediúnicos e pelo
desenvolvimento das pesquisas espíritas.
A tese fundamental de O Livro dos Médiuns é a existência do
perispírito, elemento de ligação entre o Espírito e o corpo físico14.
Essa ligação, de natureza vibratória, é o princípio da mediunidade.
Deve-se deduzir que a mediunidade é uma condição natural do Homem,
uma faculdade da espécie humana, que se revela em dois campos
paralelos de fenômenos: os anímicos, decorrentes das atividades do
13 Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas foi reeditada em 1925, por iniciativa do mecenas Jean Meyer, um dos maiores incentivadores no campo da divulgação das idéias espíritas. A obra foi traduzida para o português por Caibar Schutel, levando em conta a sua importância doutrinária e, sobretudo histórica. 14 À luz da Filosofia Espírita o Homem é uma entidade ternária. Está constituído de Espírito, perispirito e corpo. O perispirito é o instru mento de natureza dialética, pois é por ele que o Ser desenvolve as propriedades latentes. Portanto, sendo constituído ternariamente, o Homem parece responder aos três tempos dialéticos, embora seja no perispírito que, por ação evolutiva, se fixam todos os graus alcançados pelo Espírito.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
nosso próprio Espírito, e os mediúnicos motivados pelas relações
naturais entre os Espíritos encarnados e desencarnados. A despeito de a
faculdade mediúnica ser tão antiga no mundo, porquanto surgiu com o
primeiro homem que pisou sobre a Terra, ela só veio a ser estudada,
racionalmente, pelos homens de ciência, com o advento da Doutrina
espírita. As pesquisas metapsíquicas, e mais tarde as parapsicológicas,
embora impulsionadas por objetivos outros, nada mais fizeram, ao final
que referendar os princípios estabelecidos em O Livro dos Médiuns.
A verdade é que a matéria prima da Metapsíquica é a
fenomenologia espírita. Os fenômenos são os mesmos: a nomenclatura
é que é diferente. Os metapsiquistas, tendo à frente o Dr. Charles Richet,
tentam explicá-los pelo animismo; todavia, alguns dos metapsiquistas
lealmente confessaram que, muitas vezes, só a hipótese espírita os pode
explicar. A Metapsíquica e a Parapsicologia, na realidade, representam
esforços científicos para a explicação dos fenômenos provocados pelo
Espírito, encarnado ou desencarnado. Não importa, que a Parapsicologia
rejeite o Espiritismo e, até mesmo, o despreze. O que importa realmente,
é que ela prossiga nas suas investigações, pois estas, cedo ou tarde, a
levarão ao conhecimento da realidade espiritual. Afinal de contas, tanto
o Espiritismo como a Parapsicologia, a despeito de se encontrarem em
campos opostos, visam, em última instância, à descoberta da verdade
sobre a natureza humana.
Apesar de escrito há mais de um século, O Livro dos Médiuns é
atual. Isto quer dizer que as teorias explicativas dos fenômenos,
formuladas por Allan Kardec, com a inestimável contribuição dos
Espíritos, permanecem irretorquíveis.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Allan Kardec criou um Método Específico para investigar os Fenômenos
Allan Kardec criou um método específico para investigação dos
fenômenos espíritas, apoiando-se, em princípio, na premissa básica de
que não há efeito sem causa e de que um efeito inteligente é
necessariamente determinado por uma causa inteligente. Verificou, de
pronto, que os fenômenos mediúnicos apresentavam características
próprias que escapam ao controle humano, transcendendo as dimensões
físicas, sem contudo deixarem de ser naturais. Reconheceu que o agente
inteligente se identificava como sendo o Espírito de homens e de
mulheres que tinham vivido na Terra, em alguma época, próxima ou
remota, assumindo esta ou aquela personalidade, podendo manifestar-se,
no plano corpóreo, por intermédio de um sensitivo ou médium que
fornece os recursos energéticos e indispensáveis às manifestações.
Dos resultados de suas observações conclui que: (...) “os Espíritos,
não sendo senão as almas dos homens, não tinham nem a soberana
sabedoria, nem a soberana ciência; que o seu saber era limitado ao grau
de seu adiantamento, e que a opinião deles não tinha senão o valor de
uma opinião.”
Esse racional e lúcido procedimento possibilitou a Allan Kardec
evitar o grave escolho de crer na infalibilidade dos espíritos,
preservando-o de formular teorias prematuras sobre a opinião de um só
ou de alguns. Outro ponto não menos importante era o de conhecer o
estado do Mundo dos Espíritos. Cedo, observou cada Espírito, em razão
de sua posição pessoal e de seus conhecimentos. O processo se
possibilitou desvendar aspectos importantes do mundo espiritual,
exatamente como se chega a conhecer o estado de um país, interrogando
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
os integrantes de todas as classes sociais, podendo cada qual ensinar
alguma coisa e nenhum deles podendo, individualmente, ensinar tudo.
Allan Kardec, prosseguindo em suas investigações, baseou-se,
também, no princípio da concordância observada nas informações e
ensinamentos dados pelos Espíritos comunicantes, servindo-se de
grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares.
Sustentado nesta constatação, proclamou que a força do Espiritismo
repousa na universalidade dos ensinos dos Espíritos.
Ainda que as manifestações dos Espíritos, provocadas ou
espontâneas, não dependessem da vontade humana, Allan Kardec
preocupou-se em exercer o controle através de uma rigorosa análise
comparativa das mensagens recebidas submetendo-as ao crivo da razão,
do bom-senso e da lógica, apoiando-se no conhecimento científico
existente, não as aceitando como ensinamentos definitivos mas, sim,
passíveis de novas definições ao longo da história humana.
A posição de Allan Kardec era transparente e positiva. O
Espiritismo nascia como ciência, dentro dos quadros da evolução
científica, e, ao mesmo tempo, assumia uma posição epistemológica
realista, criticando os desvios individualistas à realidade objetiva.
Em suma: Allan Kardec estruturou a Ciência do Espírito e instituiu
a pesquisa mediúnica, porque “a mediunidade é a janela aberta no
paredão dos fenômenos materiais para mostrar uma nesga do infinito aos
homens imantados no finito”.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Auto-de-fé de Barcelona
Às 10 horas e 30 minutos do dia 09 de outubro de 1861, sobre a
colina da Cidade de Barcelona, na Espanha, foram queimados 300
volumes, em brochura, sobre o Espiritismo, por ordem do Bispo Dom
Antônio Palaú y Thermens.
Tudo começou quando Allan Kardec, atendendo ao pedido do Sr.
Maurício Lachâtre, escritor e editor estabelecido em Barcelona, remeteu-
lhe exemplares de O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns,
coleções da Revista Espírita, totalizando 300 volumes. A expedição
fôra feita através do correspondente do Sr. Maurício Lachâtre em Paris,
e sem a menor infração dos regulamentos, segundo declaração do
próprio Codificador.
Chegados os livros em Barcelona, foram cobrados do destinatário
os direitos de importação. Antes, porém, de serem liberados, deveriam
ser deferidos pelo citado bispo que, na Espanha, detinha o poder de
fiscalização de livros. Considerados atentatórios aos dogmas da Igreja
Católica, foram apreendidos e condenados à cremação em praça pública
pelo carrasco.
A execução da sentença foi marcada para o dia 09 de outubro de
1861.
Foram inúteis as reclamações feitas ao cônsul em Barcelona,
pleiteava-se a reexpedição dos volumes para a França, atendendo assim,
às normas então em vigor, aplicáveis a casos semelhantes. O Sr. Lachâtre
consultou Allan Kardec quanto à possibilidade de apelar-se para a
instância superior, visando à revogação da sentença. O Codificador,
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
embora entendesse conveniente deixar a causa à revelia, julgou acertado
consultar o seu guia espiritual:
P. - (Ao Espírito Verdade) Sem Dúvida não ignorais o que se
passou em Barcelona com relação às obras espíritas; tereis a bondade de
dizer-me se convém tentar o processo de restituição?
R. - Tens o direito de reclamar a devolução das obras e certamente
as terás de volta desde que faças a reclamação por intermédio do
Ministério das Relações Exteriores da França; a minha opinião, porém,
é que maior bem resultará do autode-fé, que da leitura de alguns
volumes. A perda material será grandemente compensada pela
repercussão que terá o ato da queima dos livros - o que ocorrerá para a
propagação da Doutrina. Compreendes quanto uma perseguição tão
ridícula e tão retrógrada pode fazer progredir o Espiritismo na Espanha.
As idéias espalhar-se-ão com tanto mais rapidez, as obras serão
procuradas com tanto maior avidez, quanto maior for o escândalo da
condenação.
De fato. Após o auto-de-fé, a Doutrina Espírita difundiu-se, não
só na Espanha, mas em toda a Europa. Todos queriam saber o que havia
naqueles livros para justificar a sua incineração, em público, pelos já
decadentes senhores da morimbunda Inquisição espanhola, de tristíssima
memória.
Todavia, o auto de fé de Barcelona não aconteceu por acaso ou
mesmo pelo arbítrio do clero espanhol, temeroso de ver propagar-se uma
Doutrina que redivivia o Cristianismo. Ele foi arquitetado pelas altas
esferas espirituais, utilizando-se da natural aversão que os padres
votavam ao Espiritismo. Comprovam-no as diversas comunicações
obtidas espontaneamente na Sociedade Espírita de Paris. Eis um trecho
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
de uma dessas mensagens, ditada em 19 de outubro de 1861, por um
Espírito que não se identificou: “Era preciso que alguma coisa abalasse
violentamente certos Espíritos encarnados para que se decidissem a
ocupar desta grande Doutrina que há de regenerar o mundo.
“Nada se perde na Terra e por isso nós, que inspiramos o auto-de-
fé de Barcelona, sabíamos que por aquele meio obrigaríamos a dar um
grande passo adiante...”
E concluiu: “Eis porque hoje, e por vontade nossa, a retaguarda da
Inquisição fez o seu último auto-de-fé”.
Em 09 de julho de 1862, nove meses depois do auto-de-fé,
desencarnava Dom Antônio Palaú y Thermens. Dias depois,
manifestava-se a um dos médiuns da Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas. Ao final de sua mensagem impregnada de arrependimento,
rogou: “Orai por mim; orai porque é agradável a Deus a oração que a Ele
dirige o perseguido a bem do perseguidor... O que foi bispo e que agora
mais não é do que um penitente”.
Na colina em que se perpetrou o auto-de-fé, construiu-se um belo
jardim, cobrindo de flores o chão onde incineraram as obras espíritas.
Em 1888, a cidade de Barcelona era sede do Primeiro Congresso Espírita
Internacional.
Viagem Espírita de 1862
No ano de 1862, Allan Kardec empreende viagem de difusão da
Doutrina Espírita por cidades francesas e aos espíritas de Lyon e
Bordeaux, a maioria constituída de operários. Profere magníficos
discursos sobre os fundamentais problemas da sociedade de sua época.
É um verdadeiro tratado de Sociologia com profundas conotações morais
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
e espirituais. Em certo trecho de uma das suas oratórias, Allan Kardec
fala da problemática interação Homem/Sociedade, com seus conflitos e
aspirações: “(...) as ciências, as artes, as indústrias atingiram um alcance
até hoje desconhecido. Se a satisfação que delas se tira satisfaz a vida
material, deixa um vazio na alma: ele aspira a qualquer coisa superior;
sonha com melhores instituições, deseja a vida, a felicidade, a justiça
para todos...”
Expõe, assim, de maneira sucinta, os preceitos básicos sobre os
quais deveria assentar-se a organização social, mas que ainda não
houvera conseguido o Homem daquele tempo e, sejamos realistas, do
nosso tempo também, estabelecer o seu primado. Mas, o Codificador
adverte: “(...) como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e,
sobretudo, com o egoísmo imperante?”.
De fato. O egoísmo parece ser a pedra de toque das dissensões
humanas, não apenas em termos das relações interpessoais, mas,
notadamente, no plano da coexistência internacional. As desarmonias
sociais do “século das luzes” são ainda uma constante no nosso século,
tendo por base o egoísmo, em sua marcha deletéria no tempo e no
espaço, que estiola as consciências e embrutece os corações.
Prosseguindo em sua inspirada alocução, refere-se Allan Kardec
aos que “tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes,
supuseram encontrar o remédio para o mal em certas doutrinas sociais”.
Reporta-se de uma maneira muito simples, sem se utilizar de uma
fraseologia tecnicista, mas, sobretudo, acessível às concepções
socialistas então em voga, que floresceram na Inglaterra, com Robert
Owen, e que se estenderiam à França e a alguns países da Europa
Ocidental, com uma intensidade que provocou espanto e temor,
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
principalmente nas classes dominantes. Esses sistemas preconizavam,
entre outras revolucionárias medidas, “a comunidade de bens para que
todos tenham a sua parte”.
Argumenta Allan Kardec que: “Tudo isso é muito sedutor para
aquele que, não tendo nada, vê, antecipadamente, a bolsa do rico passar
ao fundo comunal, sem cogitar que a totalidade das riquezas postas em
comum, criaria uma miséria geral ao invés de uma miséria parcial; que
a igualdade estabelecida hoje, seria rompida amanhã pela mobilidade da
população e a diferença entre aptidões; que a igualdade permanente de
bens supõe a igualdade de capacidade e de trabalho”.
Naturalmente, os propugnadores da teoria visavam, tão somente,
como esclarece Allan Kardec: “(...) a organização da vida material e de
uma maneira proveitosa a todos”.
Contudo conclui: “(...) a comunidade é a abnegação mais completa
da personalidade. Ela requer o devotamento mais absolutamente... Ora,
o móvel da abnegação e do devotamento é a Caridade, isto é o amor ao
próximo”.
E finaliza: “Entretanto, é preciso reconhecer que a base da
caridade é a crença; que a falta de crença conduz ao materialismo, e o
materialismo ao egoísmo”.
As ponderações kardecianas vêm ao encontro das críticas
formuladas por Karl Marx aos socialistas cujos planos de reformular as
condições materiais das sociedades foram por ele considerados utópicos.
De acordo com a história, os sistemas sociais não se podem modificar à
vontade. E argúi o autor de O Capital: “Os sistemas sociais não são mais
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
que um reflexo dos seus substratos econômicos, e por isso não se podem
mudar, a menos que se opere uma mudança nesses substratos”.
Em suma, a interpretação econômica de Marx sugere que um
sistema de sociedade mais perfeito só pode desalojar um sistema
defeituoso a seu tempo próprio, quando se estabelecem certas condições
e a sociedade alcança certo grau de desenvolvimento econômico.
Justamente neste ponto é que ambos os grandes pensadores divergem.
Para Allan Kardec, a estabilidade social repousaria nas virtudes
morais, no mais supremo grau tendo como ponto de partida o elemento
espiritual. E arremata: “Sem Caridade não há instituição humana estável.
E não pode haver Caridade nem Fraternidade, na verdadeira acepção do
termo, sem a Crença”.
A igualdade tão sonhada pelos homens, desde a comunidade
apostólica da Casa do Caminho (vide Atos dos Apóstolos), e até muito
antes, sempre teve em vista o bem-estar material, olvidando-se por
ignorância ou por preconceito, os anseios naturais de progresso
espiritual, neste plano e, acima de tudo, nas esferas imponderáveis.
Entretanto, e por paradoxal que possa parecer, as desigualdades sociais
possibilitam ao Homem adquirir a postura moral e intelectual de que
carece no processo de ascensão espiritual em que se acha,
determinísticamente, engajado.
Glossário
Mecenas - Por alusão a Mecenas, conselheiro de Augusto
(Imperador Romano), diz-se daquele que protege os escritores, artistas e
os sábios.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Dialética - Arte de argumentar em que se procura a verdade por
meio de oposição e conciliação de contradições.
Premissa - Ponto de que se parte para armar um raciocínio.
Sensitivo - Pessoa com aptidões paranormais, se emprega,
normalmente como sinônimo de médium.
Escolho - Obstáculo.
Crivo da razão - Fazer passar por crivo, isto é, peneirar, joeirar.
Epistemológica - Estudo do grau de certeza do conhecimento
científico em seus diversos ramos, especialmente para apreciar seu valor
para o espírito humano.
Brochura - Livro não encadernado.
Retrógrada - Contrário ao progresso, ultrapassado, obscurantista.
Moribunda - Que está a morrer.
Perpetuou - Realizar, cometer.
Interação - Influência recíproca.
Dissensões - Divergências.
Pedra de toque - Fundamento.
Móvel - Causa, motivo.
Auto-de-fé - Cerimônia promovida pela inquisição destinada ao
suplício de pessoas e queima de publicações contrárias ao Catolicismo.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Dogmas - Ponto fundamental de uma doutrina religiosa ou
filosófica apresentado como certo e indiscutível.
Metapsíquica - Vocábulo criado por Charles Richet, que tem por
“objetivo os fenômenos mecânicos ou psicológicos devido a forças que
parecem ser inteligentes, ou a poderes desconhecidos latentes na
inteligência humana” (Traite de Métapsychique, edição de 1922).
11º AULA - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
O Evangelho Segundo o Espiritismo
O livro terceiro da Codificação Espírita foi lançado, em Paris, em
abril de 1864, por iniciativa de Allan Kardec, com o seguinte título:
Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Este título foi depois
modificado, e é hoje O Evangelho Segundo o Espiritismo15, com a
explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o
Espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida.
Ao longo de sua preparação, os Espíritos reveladores
prognosticaram a Kardec, na noite de 09 de agosto de 1863:
“Esse livro de Doutrina terá considerável influência, pois que
explana questões capitais, e não só o mundo religioso encontrará nele as
15 No momento em que Allan Kardec dava a lume a primeira edição de O Evangelho Segundo o Espiritismo, a Sagrada Congregação do Index (uma organização prosaica) incluía no seu catálogo as obras de Allan Kardec sobre o Espiritismo. Causou estranheza, no ambiente espírita, o não ter sim tomada essa decisão (ridícula) mais cedo, mas logo compreenderam que a obra terceira da Codificação (que desmistificava os milagres) serviu de espora à iniciativa da Igreja Católica. Resultado: as obras espíritas passaram a ser procuradas avidamente pelo público. Muitas livrarias em Paris puseram-nas em maior evidência na suas vitrines.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
máximas que lhe são necessárias, como também a vida prática das
nações haurirá dele instruções excelentes” .
Mais tarde a 14 de setembro de 1863, Kardec recebeu uma
comunicação em que seu guia declarava:
“Com esta obra, o edifício começa a libertar-se dos andaimes e já
podemos ver-lhe a cúpula a desenhar-se no horizonte. Continue, pois,
sem impaciência ou fadiga, que o monumento estará pronto na hora
determinada”.
O prefácio à obra é de autoria do Espírito Verdade, que assim se
expressa:
“Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos céus, como um
exército imenso que se movimenta ao receber a ordem de comando,
espalham-se por toda a face da Terra. Semelhantes às estrelas cadentes,
vêm iluminar o caminho e abrir os olhos cegos.
“Eu vos digo, em verdade, que são chegados os tempos em que
todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido para
dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.
“As grandes vozes do céu ressoam como o toque da trombeta e os
coros dos anjos se reúnem. Homens, nós vos convidamos para o divino
concerto; que vossas mãos tomem a lira, que nossas vozes se unam, e,
num hino sagrado, se estendam e vibrem de um extremo do Universo ao
outro.
“Homens, irmãos amados, estamos juntos de vós. Amais também
uns aos outros e dizei, do fundo de vosso coração, fazendo a vontade do
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Pai que está no céu: ‘Senhor! Senhor!’ E podereis entrar no reino dos
Céus”.
O Espírito Verdade
O livro suscitou expressiva repercussão entre os adeptos e
simptizantes do Espiritismo, alcançando, de imediato, sucessivas
edições em francês, sendo traduzido para várias línguas. No Brasil, a
obra foi traduzida pelo Dr. Joaquim Carlos Travassos, médico e homem
público, sendo lançada em 1876, pela livraria B. L. Garnier, do Rio de
Janeiro.
Daí em diante, o Espiritismo, no seu aspecto religioso, se expandiu
extraordinariamente ensejando a fundação de inúmeras instituições
voltadas para a assistência social, inspiradas na máxima: Fora da
Caridade não há Salvação16.
Guillon Ribeiro escreveu, a propósito:
“(...) Se legítimo é no Espiritismo o caráter científico, dado que
suas teorias se arrimam em vasta fenomenologia, cuja realidade e sentido
se comprovam pela observação e pela experimentação científica,
essencial, fundamental e mais proeminente é o seu caráter religioso,
porquanto confirmando, desenvolvendo e clareando os ensinos do
Cristianismo, mediante aquela fenomenologia e as revelações
decorrentes dela, entre os seus objetivos capitais se encontra, resumindo-
os, o de restituir ao termo ‘religião’ o significado exato, o da dupla
16 A realidade brasileira sempre se ofereceu propícia à caridade material, ao mostrar o quadro de miséria e fome de grande parte da população. Os espíritas, inspirados na máxima ‘Fora da Caridade não há Salvação’, iniciaram um trabalho, no Brasil, desde os primórdíos da Doutrina, voltado, com inusitada ênfase, para o assistencialismo, descuidando-se da divulgação dos princípios espiritistas.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
ligação que o amor à Deus e ao próximo, síntese da Religião, estabelece
entre a criatura e o criador” (In: Religião, de Carlos Imbassahy).
Deve-se observar que Allan Kardec não examina todos os
versículos dos Evangelhos. Ele realiza um trabalho seletivo, pondo à
margem os componentes históricos e lendários que se prestam a uma
gama de desencontradas e sectárias interpretações. Assim, dividiu as
matérias extraídas dos Evangelhos em cinco partes:
1) Os atos comuns da vida do Cristo;
2) Os milagres;
3) As profecias;
4) As palavras que serviram para o estabelecimento dos dogmas
da Igreja Católica;
5) O ensino moral.
Quanto à Quinta parte, O Ensino Moral, eis o pensamento de
Allan Kardec:
“Todo mundo admira a moral evangélica; todos proclamam a sua
sublimidade e a sua necessidade; mas muitos o fazem confiando naquilo
que ouviram ou apoiados em algumas máximas que se tomaram
proverbiais, pois poucos a conhecem a fundo e são menos ainda os que
a compreendem e sabem tirar-lhes as conseqüências. A razão disso está,
em grande parte, nas dificuldades apresentadas pela leitura dos
Evangelhos, ininteligíveis para a maioria. A forma alegórica e o
misticismo intencional da linguagem levam a maioria a lê-los por
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
descargo de consciência e por obrigação, como lêem as preces sem as
compreender, o que vale dizer sem proveito.
“Para evitar esses inconvenientes reunimos nesta obra os trechos
que podem constituir, propriamente falando, um código de moral
universal, sem distinção de cultos”.
Allan Kardec ainda afirma que: “O Evangelho Segundo o
Espiritismo é para uso de todos; cada qual pode nela encontrar os meios
de conformar sua conduta à moral do Cristo”.
Glossário
Prognosticaram - Predizer, prenunciar.
Máximas - Princípio geralmente admitido em qualquer arte ou
ciência, afirmação geralmente feita em forma de conceito.
Desmistificavam - Desfazer uma mistificação, denunciar um erro.
Fenomenologia - Tratado sobre os fenômenos.
Versículos - Divisão de artigos ou parágrafos.
Sectárias - Que pertence a uma seita. Ao sectarismo sempre se
opôs o espírito de tolerância.
Proverbiais - Que diz respeito a provérbio / notório, conhecido.
Alegórica - Expressão de uma ideia através; de uma imagem.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
12º Aula - O Céu e o Inferno
O Céu e o Inferno
A Revue Spirite de setembro de 1865 publicava em sua seção
bibliográfica, a notícia do lançamento do quarto livro da Codificação
Espírita: O Céu e o Inferno. Dois capítulos foram publicados
antecipadamente na Revue Spiríte de janeiro de 1865 - o capítulo sob o
título A Apreensão da Morte e o sob o título Onde é o Céu, no número
de março do mesmo ano. No mês de setembro, a obra é posta à venda,
inserindo-a na Revue um resumo de seu prefácio.
Afirma-se que estava dado o golpe de misericórdia nos dogmas
fundamentais da teologia católica. Em O Céu e o Inferno, Allan Kardec
reafirma o caráter científico do Espiritismo. As concepções
antiquíssimas de céu e inferno, pregadas, insensatamente, pela teologia
dogmática, assumiram, na obra kardequiana, uma dimensão jamais
cogitada. Ali estava a explicação racional do após a morte oferecida com
naturalidade pelos Espíritos.
À proporção em que os livros kardequianos iam sendo lançados,
os mitos religiosos, baseados em idéias absurdas e fantasiosas, iam por
“água abaixo”. Daí, a monumental reação ao Espiritismo e ao
Codificador. Sentiam, os corifeus da teologia dogmática (que então
imperava na Europa), que o edifício que construíram, através dos
séculos, à revelia dos ensinamentos luminosos dos Evangelhos, iria
fragorosamente por terra, caso não adotassem imediatas providências.
Iniciou-se, então, um processo de desgaste à Doutrina e à Kardec,
levantando-se contra os dois tremendas e infundadas acusações. Os
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
púlpitos, além dos órgãos de imprensa tendenciosos, eram os tribunos de
que se valiam os “representantes de Deus na Terra” para atacar, sem
escrúpulos, o magnífico trabalho dos “mortos”, que retornavam, com
inusitada lucidez, para dizer que continuavam vivos, depois da morte,
preservando, incólumes, seus caracteres morais e intelectuais.
No capítulo I, de O Céu e o Inferno - O futuro e o Nada, Kardec
propõe:
“Nós vivemos, nós pensamos, nós agimos - eis o que é positivo. E
nós morremos - o que não é menos certo. Mas ao deixar a Terra para
onde vamos? No que nos transformamos? Estaremos melhor ou pior?
Seremos ainda nós mesmos ou não mais o seremos? Ser ou não ser - esta
é a questão. Ser para todo o sempre ou nunca mais ser. Tudo ou nada.
Viveremos eternamente ou tudo estará acabado para sempre? Vale a
pena pensarmos em tudo isso?”
Essas premissas kardequianas expressas de uma forma direta e
objetiva, resumem o próprio conteúdo do livro. Para dirimir tais e
preliminares dúvidas, Kardec evoca os seres invisíveis, e, juntos, vão
lançando luzes na escuridão da ignorância e da credulidade cega.
Kardec ilustra as suas revolucionárias idéias com um caso que
evidencia a força do niilismo sobre as consciências humanas a despeito
dos poderosos condicionamentos religiosos:
“Um jovem de dezoito anos sofria de uma doença cardíaca que foi
declarado incurável. O veredicto da ciência havia sido: pode morrer
dentro de oito dias ou de dois anos, mas não passará disso. O jovem ficou
sabendo e logo abandonou o estudo e se entregou aos excessos de toda
espécie. Quando lhe mostravam quanto essa vida era perniciosa para a
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
sua situação, ele respondia: ‘Que me importa, desde que só tenho dois
anos de vida? De que me valeria cansar a mente? Gozo o tempo que me
resta e quero me divertir até o fim!’”
Eis a conseqüência lógica do niilismo. Mas se esse jovem fosse
espírita poderia responder:
“A morte só destruirá o meu corpo, que abandonarei como uma
roupa usada; mas eu, Espírito, continuarei a viver. Eu serei, numa vida
futura, o que fizer de mim mesmo nesta vida. Nada do que eu tenha
adquirido em qualidades morais e intelectuais se perderá, porque isso
representa uma conquista para o meu adiantamento. Toda a imperfeição
de que houver me livrado será um passo importante no caminho da
felicidade, minha ventura ou minha desgraça futura depende da
utilização de minha existência presente. É pois de meu interesse
aproveitar o pouco tempo que me resta, evitando tudo o que possa
diminuir as minhas forças”.
Qual dessas duas doutrinas será preferível?
A verdade é que, enquanto o materialismo apóia a morte como fim
último e irreversível, o Espiritismo luta para conscientizar o Homem
quanto ao valor da vida. Finalmente, o Espiritismo, relembrando os
ensinos de Jesus, revive para a Humanidade a verdade de que o Espírito
independe da matéria, preexiste e sobrevive à morte física, estando todos
sujeitos à lei do progresso infinito.
Glossário
Bibliografia - Descrição e conhecimento dos livros / relação de
obras consultadas pelo autor de um determinado trabalho.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Inserir - Introduzir, implantar, intercalar.
Teologia - Doutrina a cerca das coisas divinas.
Infundadas - que não tem fundamento ou alicerce.
Púlpitos - Tribuna onde se pregam nos templos os oradores sacros.
Incólumes - São e salvo, ileso.
Caracteres - Caráter, temperamento / Letras escritos, tipo de
impressão.
Mitos - Fato, passagem dos tempos fabulosos, tradição que sobre
a forma de alegoria deixa evidente um fato natural, histórico ou
filosófico.
Niilismo - Descrença completa, redução a nada.
Ventura - Sorte, destino, felicidade.
Dirimir - Solucionar, resolver / tirar dúvida.
13º Aula - A Gênese
A Gênese
A 06 de janeiro de 1868 era lançado, em Paris, o livro A Gênese,
os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo (La Gênese les
Miracles et ies Predictions Selon le Spiritism) assinado por Allan
Kardec. O novo livro era como o coroamento de um grandioso trabalho
desenvolvido por mais de uma década, desde o lançamento de O Livro
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
dos Espíritos, pedra fundamental da Doutrina Espírita. Esclarece
Kardec:
“Esta obra é um complemento das aplicações do Espiritismo sob
um ponto de vista especial. O material estava pronto, ou, pelo menos, já
elaborado, há muito tempo, aguardando o momento de ser publicado.
Convinha, primeiramente, que as idéias que lhe iam servir de base
chegassem ao amadurecimento e, além disso, levar em conta a
oportunidade das circunstâncias. O Espiritismo não possui mistérios nem
teorias secretas. Tudo nele deve ser revelado de modo claro, a fim de que
todos possam julgá-lo com conhecimento de causa. Mas... cada coisa
deve vir a seu tempo, para vir com segurança. Uma solução dada
irrefletidamente, antes da elucidação completa da questão, seria causa de
retardamento ao invés de progresso. No presente caso, a importância do
assunto impôs-nos o dever de evitar qualquer precipitação”.
O primeiro capítulo de A Gênese trata dos caracteres da
Revelação Espírita. Em seu “caput”, Kardec pergunta:
“Podemos considerar o Espiritismo como a revelação? Nesse
caso, qual o seu caráter? Em que está fundada a sua autenticidade? Por
quem e de que maneira ela foi feita? A Doutrina Espírita é uma revelação
no sentido teológico da palavra, quer dizer, é ela, sob todos os aspectos,
o produto de um ensinamento oculto vindo do alto? É ela absoluta ou
suscetível de modificação? Trazendo aos homens a verdade toda pronta,
a revelação não teria como efeito impedi-las de fazer uso de suas
faculdades, já que lhes poupara o trabalho da investigação? Qual pode
ser a autoridade do ensinamento dos Espíritos, se eles não são infalíveis
e superiores à Humanidade? Quais são as verdades novas que eles nos
trazem? O homem precisa de uma revelação e não pode encontrar em si
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
mesmo e em sua consciência tudo o que lhe é necessário para se
governar? Tais são as questões sobre as quais cumpre ater-se o sentido
da palavra revelação: revelar, do latim revelare. Cuja raiz é velum, véu,
significa literalmente sair de sob o véu e no sentido figurado: descobrir,
dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida! Em sua acepção
vulgar mais geral, diz-se de qualquer coisa ignorada que é esclarecida,
de qualquer idéia nova que abre caminho para aquilo que não se sabia”.
Desse ponto de vista, todas as ciências que nos esclarecem sobre
os mistérios da Natureza são revelações, e pode-se dizer que há para nós
uma revelaçao incessante. A astronomia revelou-nos o mundo astral que
não conhecíamos: a Geologia a formação da Terra; a Química: a lei das
afinidades; a Fisiologia: as funções do organismo, etc. Copérnico,
Galileu, Newton, Laplace, Lavousier são reveladores.
O caráter essencial de toda revelação deve ser a Verdade.
O Espiritismo, tendo-nos dado a conhecer o mundo invisível, a
natureza e o estado dos seres que o habitam e, por conseqüência, o
destino do Homem depois da morte, é uma verdadeira revelação, na
acepção científica da palavra.
Pela sua natureza, a revelação espírita tem um duplo caráter: ela
provém simultaneamente da revelação divina e da revelação humana.
Provém da primeira, no que seu advento é providencial, e não o resultado
da iniciativa e de um intento premeditado do Homem. Provém da
segunda, pelo fato de que esse ensino não é privilégio de nenhum
indivíduo, mas é dado a todos pela mesma via. Em resumo, o que
caracteriza a revelação espírita é que sua fonte é divina, e que a
elaboração é o resultado do trabalho do homem.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Quanto ao modo de elaboração, o Espiritismo procede exatamente
do mesmo modo que as ciências positivas, quer dizer, ele aplica o
método experimental. Apresentam-se fatos de uma nova ordem que não
se podem explicar pelas leis conhecidas; ele os observa, compara-os,
analisa-os e, remontando dos efeitos às causas, ele chega à lei que os
rege; depois, ele deduz suas conseqüências e procura suas aplicações
úteis. Não estabelece nenhuma teoria preconcebida. Assim, não colocou
como hipóteses nem a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o
perispírito, nem a reencarnação, nem nenhum dos princípios da
Doutrina; ele concluiu pela existência dos Espíritos quando essa
existência sobressaiu com evidência da observação dos fatos. Não foram
os fatos que vieram posteriormente confirmar a teoria, mas a teoria que
veio subseqüentemente explicar os fatos. É, pois, rigorosamente exato
dizer que o Espiritismo é uma ciência de observação, e não o produto da
imaginação.
Nos capítulos seguintes Kardec debate o problema da existência
de Deus, do Bem e do Mal, do Instinto e da Inteligência e da mútua
destruição dos seres vivos, que tanto perturba o espírito humano; do
papel da Ciência na gênese, da Uranografia Geral17, Esboço Geológico
da Terra, Revoluções do Globo, Gênese Orgânica e Espiritual, Gênese
Moisaica, os Fluídos, os Milagres dos Evangelhos e Os Tempos são
Chegados. Este último Capítulo trata da nova geração que habitará a
Terra na Era Nova, quando a Humanidade, tendo necessidades e
aspirações mais amplas, mais elevadas, compreende o vazio das idéias
das quais está farta e a incapacidade das instituições para a sua
felicidade. Da adolescência ela passa a idade viril. O passado já não mais
17 Este capítulo foi extraído de uma série de comunicações ditadas por Galileu Galilei, na Sociedade Espírita de Paris, entre 1862 e 1863 através do então jovem médium Camille Flammarion. que seria, mais tarde, uma das glórias da Astronomia.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
satisfaz seus novos anseios. Não pode ser mais conduzida pelos mesmos
meios, não mais se contenta com ilusões e prestígio. A sua razão mais
amadurecida exige alimentos mais substancíosos. O presente é
demasiado efêmero. Ela sente que o seu destino é mais vasto e que a vida
corpórea é demasiado restrita. Finalmente, o progresso moral, secundado
pelo progresso intelectual, irmanará os homens numa mesma crença,
alicerçada nas verdades eternas...”.
O Capítulo derradeiro de A Gênese é - no dizer de Hermínio
Miranda “uma janela panorâmica aberta para o futuro”.
Dir-sei-a que Kardec, pressentindo o final de sua existência
corpórea, quis deixar registradas, nessa obra, palavras de esperança, de
esclarecimento e de consolo à Humanidade, sempre perdida em suas
delirantes concepções!
Glossário
Década - Série de dez; dezena; espaço de dez anos.
Elucidação - Esclarecimento, explicação.
Caput - Início de um artigo ou sentença.
Susceptível - Que facilmente se ofende; melindroso.
Acepção - Sentido em que se emprega um termo; significado.
Preconceber - Conceber antecipadamente; idear com antecipação.
Viril - Varonil ou próprio do homem; esforçado, enérgico.
Efêmero - Passageiro, transitório.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Advento - Vinda, chegada.
14º Aula - A Desencarnação de Allan Kardec
A Desencarnação de Allan Kardec
Denizard Hippolyte Léon Rivail, Allan Kardec, nascido em Lyon,
em 3 de outubro de 1804, desencarnou aos 65 anos, em Paris, passage
Saint-Anne, 59, 11 a circunscrição, que pertencia ao “rondissement” e
Maire de Ia Banque, no dia 31 de março de 1869. A causa da morte
deveu-se ao rompimento de um aneurisma. O professor estava de
mudança para a Vila Sêgur. Madame Allan Kardec (à época com 74
anos) tinha estado ocupada em encaixotar louças e cristais, as camas já
tinham sido desmontadas e saíra às compras, como qualquer dona de
casa. Foi quando um mensageiro do livreiro Pierre Paul Didier veio em
busca de alguns números da Revista Espírita. Kardec, de chinelos e
envolto em seu chambre, ergueu-se para entregar o pacote e caiu
fulminado sobre a sua familiar mesa de carvalho18.
Em carta datada de 31 de março de 1869, o Sr. E. Muller, grande
amigo do Codificador, relata ao confrade Sr. Finet a desencarnação de
Allan Kardec:
18 Desde os primeiros anos do Espiritismo, Allan Kardec havia comprado, com o produto de suas obras pedagógicas, 2.666 metros quadrados de terreno na Avenida Ségur, atrás dos Inválidos, em Paris. Tendo essa compra esgotado os seus recursos, ele contraiu um empréstimo de 50.000 francos com o Banco Foncier, destinado á construção, nesse terreno de seis casas pequenas, com jardim. Alimentava a esperança de recolher-se a uma delas na Vila Ségur, tornando-a, depois de sua morte, num asilo onde seriam recolhidos, na velhice, os defensores indigentes do Espiritismo.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
“Sozinho, em sua casa, Kardec punha em ordem seus livros e
papéis para a mudança que se vinha processando e a pretendia terminar
no dia seguinte (1º de abril). Seu empregado, aos gritos da criada e do
mensageiro de Didier, acorreu ao local, ergueu-o... nada, nada mais!
Delanne (pai de Gabriel Delanne) acudiu com toda a presteza,
friccionou-o, magnetizou-o (passes), mas em vão. Tudo estava acabado.
Venho vê-lo. Penetrando a casa, com móveis e utensílios diversos
atravancando a entrada, pude ver, pela porta aberta da grande sala de
sessões, a desordem que acompanha os preparativos para a mudança de
domicílio; introduzido numa pequena sala de visitas, que conheceis bem,
com seu tapete encarnado e seus móveis antigos, encontro a Sra. Kardec
assentada no canapé, de face para a lareira; ao seu lado, o Sr. Delanne;
diante deles; sobre os colchões colocados no chão, jazia o corpo, restos
inanimados daquele que todos amamos... parecia repousar docemente e
experimentar a sua e serena satisfação do dever cumprido.
Tudo isso era triste; entretanto, um sentimento de doce quietude
penetra-nos a alma...”
Uma segunda carta de E. Muller, constitui precioso documento
histórico sobre os trâmites que se sucederam após a desencarnação de
Allan Kardec:
“Paris, 04 de abril de 1869.
Amigos (espíritas de Lyon):
Curvado, abatido, começo apenas a despertar de emoção muito
natural.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Pareceu-me ter estado a sonhar; todavia, tal não ocorreu e não
posso ter o consolo de uma ilusão. Tudo é realidade, verdade brutal
sancionada por um fato. Mas sou feito de molde a que meu pensamento
não pode se acostumar à idéia de que ele já não existe. - Que ele já não
existe: compreendeis bem o que minha pena deseja dizer? Pois o que
penso meu coração desmente o que ela exprime. Entretanto, é bem
verdade! Sexta-feira nos dirigimos ao campo de repouso, conduzindo os
seus despojos carnais e o lúgubre ruído da terra cobrindo o seu caixão
repercutiu em ecos no meu coração. Que vos direi? Que sofri e não
chorei?
Minha intenção, após a realização da cerimônia fúnebre era a de
vos escrever logo em seguida; porém, o meu pensamento e o meu
organismo abatido não permitiram que meu coração tivesse esse doce
consolo; eu não pude fazê-lo! Eis, todavia, na medida em que minhas
lembranças podem ser exatas, as circunstâncias da cerimônia:
Precisamente ao meio dia (2 de abril de 1869) o cortejo se pôs a
caminho. Um carro mortuário modesto, abriu-o arrastando, docemente
comprimida, a multidão numerosa composta por aqueles que puderam
se encontrar nessa homenagem ao Codificador do Espiritismo. O
acompanhamento fúnebre foi conduzido por Sr. Levent, vice-presidente
da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Vinham, em seguida, os
médiuns, a Comissão, a multidão de amigos e simpatizantes, os
interessados de toda espécie; os empregados e as pessoas desocupadas
fechavam o cortejo - ao todo mil ou mil e duzentas pessoas.
O carro fúnebre seguiu pela Rua de Grammont, atravessou os
grandes “boulevards”, a Rua La Fitte, Notre-Dame-des-Lorrettes, a Rua
Fontaine, as avenidas exteriores de Clichy e penetrou no cemitério de
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Montmatre com a multidão que o seguia. Bem longe, no fundo, mais
longe ainda, nos limites do cemitério, uma vala escancarada aguardava
o seu ocupante, e os curiosos romperam as filas para ouvir os discursos
(pobres criaturas). As cordas do coveiro envolveram o esquife que
desceu lentamente ao fundo da sepultura. Um grande silêncio se fez. O
vice-presidente da SPEE se aproximou da vala e sua voz emocionada,
convicta, em nome da Sociedade, solicitou ao extinto o prosseguimento
de seus conselhos e lhe disse não um adeus, mas um até breve. Camille
Flammarion, sobre um pequeno cômoro, ai existente, tomou a palavra
em nome da Ciência unida ao Espiritismo, e, de enérgica maneira,
afirmou, aos olhos de todos, a fé que o animava. Em seguida foi a vez de
Alexandre Delanne, que, falando em nome de nossos irmãos da
província, prometeu ao Espírito Allan Kardec que todos seguiríamos a
rota por ele tão laboriosamente traçada. Um quarto e último discurso foi
pronunciado por nosso confrade, o Sr. Barrot. Cada orador, dirigindo-se
ao Espírito Allan Kardec, lhe dizia: “Velai por nós, velai por vossas
obras, vós que hoje possuís toda a liberdade”.
Nada nas palavras desses oradores lembrava essas tristes orações
fúnebres que fazem o coração desesperar por suas palavras: “Adeus, eu
não te verei nunca mais”. Longe de nós esse triste e absurdo pensamento;
o Espiritismo, além das concepções humanas que sustentam as religiões
fornece-nos a certeza da sobrevivência do ser e da preservação de seus
caracteres morais e intelectuais. Todos os discursos sobre a tumba do
mestre terminaram por animadoras palavras, imbuídas por inabalável
convicção imortalista: “Até logo, querido amigo de nossos corações, até
nos revermos na Espiritualidade! Que possamos, como tu, cumprir com
a missão que Deus nos confiou neste plano de provas e expiações”.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Em seguida a multidão se dispersou, retomando aos seus afazeres
ou às suas reflexões. A Sociedade deveria se reunir na Rua Sant’ Anne
para solicitar uma evocação: assim sendo os seus membros
individualmente para lá voltaram sem demora19.
Muito vosso, Muller”
Todos os jornais da época se ocuparam com a morte de Allan
Kardec e procuraram medir-lhe as conseqüências. Eis o que escreveu o
Sr, Pagès de Noyez, no Journal de Paris, de 03 de abril de 1869:
“Aquele que por longo tempo ocupou o mundo científico e
religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec chamava-se Rivail e morreu
na idade de 65 anos. Vimo-lo deitado em um simples caixão, no meio da
sala de sessões que há tantos anos presidia; vimo-lo com o semblante
calmo, sereno, como se extinguem aqueles a quem a morte não
surpreende e que, tranquilos quanto ao resultado de uma vida honesta e
laboriosamente preenchida, imprimem como que um reflexo da pureza
de sua alma sobre o corpo que abandonaram”.
E prossegue:
“Resignados pela fé baseada na razão e pela convicção da
imortalidade da alma, inúmeros discípulos tinham vindo lançar um
derradeiro olhar àqueles lábios descorados que ainda na véspera lhes
falavam a linguagem do Espírito. O presidente da Sociedade Parisiense
19 Conta André Moreil em Vida e Obra de Allan Kardec como era de prever e por intermédio de diversos médiuns, o Espírito Allan Kardec dita algumas instruções: ‘Como posso agradecer, meus senhores, os bons sentimentos e as verdades eloquentemente expressas sobre os meus despojos mortais? Certamente não duvidais que ali estava presente e me sentia profundamente feliz e sensibilizado pela comunhão de pensamentos que nos unia de coração e de Espírito. Recomendo aos amigos que se mantenham no bom caminho do Espiritismo.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
de Estudos Espíritas está morto; mas o número de adeptos cresce todos
os dias, os corajosos pregadores da imortalidade e da reencarnação
proliferam na França e em várias partes do mundo, para o desespero da
ortodoxia religiosa. O Espiritismo, realmente, é arauto de uma Nova Era
neste mundo de tantos sofrimentos e incompreensões. A figura de Allan
Kardec se confunde, sem embargo, com a dos grandes construtores da
felicidade humana”.
O Dólmen de Kardec
Após as exéquias de Allan Kardec, reuniram-se os membros
efetivos da SPEE e decidiram mandar construir um monumento que
simbolizasse o reconhecimento dos espíritas à memória do mestre.
Estabeleceu-se, com a concordância de Madame Allan Kardec,
que o monumento seria simples e que recordasse o pseudônimo gaulês.
Pensaram, então, nas edificações sepulcrais célticas. Essas construções,
que despertam a atenção dos estudiosos, cobrem uma parte ponderável
do solo bretão, atingindo a Europa Ocidental, a bacia do mediterrâneo, o
Irã, a Líbia, a Índia, o Extremo Oriente, pressupondo que seu uso era
universal. Projetada, pois, a construção do dólmen, confiaram esse
trabalho ao escultor francês Charles-Romain Capellaro, expositor
premiado nos salões parisienses, desde 1860, e que era simpático às
concepções espíritas. Adquiriu-se no Cemitério do Pere-Lachaise em
terreno situado na confluência da 44ª divisão e a uma altitude onde se
descortina toda a necrópole.
Concluída a obra, exumaram-se os despojos de Allan Kardec (que
estavam no cemitério de Montematre) sendo transladado para a sua nova
morada. No dia 31 de março de 1870, pelas duas horas da tarde, os
espíritas franceses inauguravam o monumento dolmênico, erguido em
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
memória do Codificador do Espiritismo. O túmulo, de impressionante
simplicidade, fala aos olhos e à alma a linguagem dos séculos
desaparecidos, evocando a lembrança das antigas gerações que
consagraram, por seu culto e por suas sepulturas, as crenças
reencontradas pelo Espiritismo modemo.
Na inauguração do dólmen de Kardec, discussaram, emocionados,
os confrades Levent, Desliens, Leymarie e Guilbert.
O monumento sepulcral do mestre de Lyon é constituído de três
pedras de granito bruto, em posição vertical (esteios), sobre as quais
repousa uma quarta pedra tubular (mesa) em suave declive, de modo a
delimitarem, todas elas, um espaço (câmara), de cujo centro se eleva um
pedestal quadrangular, igualmente de granito, no topo da qual está
colocada a herma, em bronze, de Allan Kardec, executada por Capellaro.
Na face dianteira do referido pedestal lêem-se as seguintes inscrições:
“Foundateur de Ia Philosophie Spirite -Tout effet a une cause. Tout effet
intelligent a une cause intelligent. La puissance de Ia cause est en raison
de Ia grandeur de I’effet - 3 October 1804 - 31 Mars 1869”.
No bordo frontal da pedra, que pesa seis toneladas, e serve de teto,
se inscreveu o apotegma que sintetiza, magistralmente, a Doutrina
kardequiana de justiça e progresso:
Naitre, Mourir, Renaitre Encore Et Progresser Sans Cesse Telle Est La Loi.
Nesse mesmo Dólmen foi sepultado, em 1883, o corpo da
veneranda companheira do Codificador, gravando-se, na face esquerda
do pedestal que sustenta o busto de Kardec, o nome da viúva, Amélie
Gabrielle Boudet, seguido das respectivas datas de nascimento e
desencarnação.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
O cemitério de Pêre-Lachaise, fundado em 1804, é uma das
necrópoles mais visitadas de Paris e do mundo. É um verdadeiro museu;
abriga verdadeiras obras de arte, da arte sepulcral, em homenagem a
inúmeras celebridades que refulgiram, com talento e maestria, no campo
da política, da música, da literatura, do teatro da filosofia, da guerra e do
Espírito. Um dos túmulos mais, visitados, senão o mais visitado, é o de
Kardec, sempre cheio de flores, ali depositadas, diariamente, por uma
multidão de admiradores oriundos não só da França, mas de diversas
partes do mundo. Encontrar-se diante do túmulo do Codificador do
Espiritismo, é como voltar ao passado, a uma era de fantásticas
realizações no campo sempre fértil e misterioso do Espírito. É estar
diante de toda uma formidável e enigmática cultura, de que Allan Kardec
fez parte, preparando-se como druida para a magnífica e intransferível
missão de sintetizar, em grandiosa doutrina, as mais legítimas e fecundas
aspirações do Ser eterno.
Origem Da Sentença “Nascer, Morrer, Renascer ainda e progredir sem cessar, tal é
a lei”.
No Dólmen de Allan Kardec se insculpiu uma sentença admirável,
que encerra a própria essência ética e filosófica do Espiritismo: Naitre,
mourir, renaitre encore et progresser sans cesse, telle est la loi.
O verbo “viver”, encontrado em alguns escritos, não integra a
frase original, acrescentada por alguém, no Brasil, há muito tempo,
pretendendo - quem sabe? - completar a inspirada sentença.
Há quem garanta que a frase é de Kardec. Parece que ela teria sido
da lavra de um dos discípulos do Codificador do Espiritismo. Entretanto,
ela é encontrada em diferentes escritos, de diversos autores, em diversas
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
datas. Ei-la na obra Cle de la Víe, de Louis Michel, organizada por C.
Sardou e L. Pradel Editores, Paris, datada de 1° de agosto de 1857:
“Saturées de I’aimant, divin, de I’amour divin, des provision
divines de toute nature, les âmes solairies, par cet aimant, par cet amour,
par tous ces divers agents célestes, front naitre, livre, circuler,
evolutionner, et, par les âmes de ces derniêres front joir des mêmes
avantages Ia plus abcure image de Diue elle-Même, I’homme rest,
ancore, en dehors de I’unité; dês qu’il consent à s’y preter un peur”.
Em discursos pronunciados pelo Sr. Sabó, no dia 14 de outubro de
1861, na Reunião Geral dos Espíritos em Bourdeaux na presença de
Kardec:
“(...) pour aller à lui, faut naitre, mourir et ranaitre jusqu’à ce qu’on
soit arrivé aux limites de la perfection (...) (Revue Spíríte, 1861).
Ainda se pode citar, aqui, a tradução que Camille Seldon
(pseudônimo de Élise Krinitz) fez do romance de J. W. Goethe: Díe
Waheverwandtschaften, 1809. Na segunda tradução, sob o título Les
Affínítes Électíves, publicada em Paris pelos Editores G. Charpentier e
E. Fasguelle, com prefácio da tradutora, datado de janeiro de 1872,
registra-se, na pagina 78, esse período de discurso que um pedreiro
proferira no lançamento da pedra fundamental de uma casa:
“Naitre pour mourir, mourir pour renaitre, telle est Ia loi
universelle. Les hommes sont soumis à bien plus forte raison leurs
travaux”.
Deve-se esclarecer que esta frase não consta, em verdade, do
original alemão do romance de Goethe, que apenas fala de efêmera
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
passagem das coisas deste mundo inteiramente de acordo com o original
alemão está a tradução, em português, feita e 1948, por Conceição G.
Sotto Maior, editada pelos irmãos Pongetti.
Será que Camille Seldon teve conhecimento da sentença
insculpida no Dólmen de Kardec? Parece que não. Na verdade, a notável
sentença havia muito andava no ar e fora “soprada”, acredita-se, aos
ouvidos da tradutora.
O Testamento Moral de Allan Kardec (Escrito alguns dias antes de sua
desencarnação)
A Revue Spirite dedicou sua edição de 1° de maio de 1887 às
comemorações do aniversário de desencamação de Allan Kardec,
realizadas no dia 03 de abril daquele mesmo ano, junto à tumba do
Codificador no Pére-Lachaise, em Paris.
Na oportunidade, discursou, dentre outros, Pierre-Gäetan
Leymarie, destacando-se os trechos a seguir:
“Allan Kardec, em seus derradeiros pensamentos, aqueles que ele
não pôde retocar, registra que sofreu a paixão que animou os homens de
sua equipe; cansado da luta, fatigado pelas insinuações malévolas,
desiludido, ele deixou a Sociedade de Estudos que criara, após exonerar-
se do cargo de presidente, não pretendendo dedicar-se a coisas estáveis
senão depois de um ano de repouso. Sobre um terreno da Vila Ségur,
desejava construir uma casa de trabalho com uma sala de reuniões;
carecia de homens de boa vontade, instruídos, modestos, empregados
residentes e pagos, que, sob a vista de uma direção, dessem seguimento
ao trabalho espírita. Fala de 30.000 francos de rendimentos para começar
a pôr seu plano em ação, e de uma soma superior mais tarde;
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
infelizmente, os que deviam ajudar financeiramente esqueceram suas
promessas...”
Em seguida, Pierre-Gäetan Leymarie transcreve as reflexões de
Allan Kardec, escritas dias antes de desencamar:
“Não me incumbe, decerto, fazer o inventário do bem que fiz; mas
num momento em que tudo parece esquecido, é permitido, creio eu,
evocar à minha lembrança que minha consciência me diz que nenhum
mal fiz a ninguém, que fiz todo bem que pude; e, se alguma ingratidão
me foi feita, não poderá ser para mim motivo para também fazê-la. A
ingratidão é uma das imperfeições da Humanidade, e como nenhum de
nós está isento de reproches, devemos fazer aos outros o que fazemos a
nós próprios, a fim de podermos dizer, como Jesus: ‘Quem estiver sem
erro que atire a primeira pedra’. Continuarei, portanto, a fazer todo o
bem que puder, mesmo aos meus inimigos, porque o ódio não me cega
e eu os terei sempre à mão para livrá-los de um mau passo, se a ocasião
se apresentar. Compreendo uma crença que nos manda fazer o bem pelo
mal, por mais forte razão, o bem pelo bem. Não entenderei jamais que
nos prescrevam fazer o mal pelo mal. A paixão é má conselheira, que
nos cega e nos leva a cometer somente atos irrefletidos que
lamentaremos mais tarde. Há poucos exemplos, creio eu, de pessoas que
se felicitam pelo que fizeram num primeiro momento de exaltação”.
Leymarie, após a leitura, comenta:
“Estas palavras do mestre, meus irmãos em Espiritismo, merecem
ser, meditadas. Nossa Sociedade Científica de Espiritismo as adota
integralmente, e recomenda a todos os seus membros e a todos os
espíritas, sem exceção, que sejam tolerantes e brandos, perseverantes e
lógicos, como foram o Sr. e a Sra. Allan Kardec”.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Na mesma solenidade, o Espírito Cáritas deu, através da
mediunidade de Laurent de Faget, a seguinte comunicação:
“Vós louvais um homem, o colocais o escudo da probidade. Sabeis
bem como ele mereceu as homenagens que se lhe tributam, que linha de
conduta observou, que benefícios espargiu sobre a Humanidade.
“Por que louvais Allan Kardec? Porque ele rasgou o caminho que
trilhais, porque foi ele o pioneiro convicto e infatigável de vossa querida
Doutrina, colocada entre o falso espiritualismo, que degrada a verdade e
o materialismo que a encobre”.
Glossário
Aneurisma - Dilatação circunscrita da parede de uma artéria.
Esquife - Caixão de defunto.
Cômoro - Pequena elevação de terreno.
Descoradas - Desbotadas.
Ortodoxia - Que está de acordo com uma doutrina definida; que é
rígido em suas convicções.
Arauto – Porta-voz.
Exéquias - Cerimônia fúnebre.
Bretão - Habitantes da Bretanha, na França.
Dólmen - Monumento druida, pré-histórico.
Necrópole - Cemitério.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Exumar - Ato de desenterrar um cadáver.
Apotegma - Dito ou palavra memorável; sentença, provérbio.
Insculpir - Gravar.
Lavra - Autoria.
Tumba - Túmulo, sepultura.
Inventário – Registro.
Reproches - Censura, reprovação.
Probidade - Honestidade, retidão de caráter.
Confraria - Irmandade.
Neoclassicismo - Tendência artística e literária que defendia o
retorno da arte e da literatura do Renascimento.
Laico - Aquele que é estranho ou alheio a um determinado
assunto.
Masdeismo - Religião da Pérsia século VIII, A. C.
15ª Aula - Obras Póstumas
Obras Póstumas
Informa Zêus Wantuil que a Revue Spírite de 1889, nos números
de 15 de junho e de 1º de julho, respectivamente às páginas 383 e 416, o
gerente comunica aos leitores que “Oeuvres Posthumes” aparecerão
brevemente.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Em 1º de outubro desse mesmo ano, página 608 da Revue Sprite,
H. Joly informa que “Ouvres Posthumes” está no prelo (sous presse).
Acontece que um surto de gripe grassava em Paris nesse ano de
1889, e foi esse acontecimento que retardaria a saída não só de “Ouvres
Posthumes”, como também de outros livros, incrusive “Compte Rendu
du Congrés Spirite et Spiritualiste Internacional”, de 1889, que estava
prometido para aquele ano e só foi lançado em abril de 1890.
Na Revue Spírite de abril de 1890, apareceu, afinal, na coluna
intitulada “Ouvrages Nouvellement Parus” (obras recentemente
surgidas) as “Ouvres Posthumes” de Allan Kardec, ao preço de 3fr.50.
Tal informação foi repetida algumas vezes no mesmo ano de 1890.
Não se sabe se “Obras Póstumas” realmente saiu em abril ou em
maio de 1890. Pierre Gaetan Leymarie, na Revue Spírite de agosto de
1890, ao comentar um artigo publicado em “le Parisien”, diz em nota de
rodapé:
“Ouvres Posthumes”, 6° volume de Allan Kardec que acaba de
aparecer, 3 fr-50, com porte franco; 3 fr com porte franco para os
assinantes da Revue, assim como os cinco volumes precedentes.
Seja nesse ou naquele mês, a 1ª edição francesa saiu mesmo em
1890, embora não haja no frontispício nenhuma data que assinale o
lançamento.
A segunda edição francesa apareceu, também, em 1890, conforme
consta no Catalogue Général des livres imprimés de la Bibliothéque
National e, Paris, tomo II (1899), coluna 324, edição esta igualmente
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
editorada, como a primeira, sob os auspícios da Société de Libraire
Spirite.
Tanto interesse despertou “Ouvres Posthumes” entre os estudiosos
da Doutrina Espírita, já em número expressivo em nosso País, que o Dr.
Adolfo Bezerra de Menezes, então Vice-Presidente da Federação
Espírita Brasileira, tomou a si a tarefa de traduzi-la para o Português,
publicando-as em fascículos. O primeiro fascículo saiu em janeiro de
1891 sendo a sua edição patrocinada pelo Centro da União Espírita do
Brasil.
Sob a forma de livro, somente em 1892, a Tipografia Moreira
Maximino & Cia., do Rio de Janeiro, imprimiria, in-8° “Obras
Póstumas”, traduzida da 1ª edição francesa pelo Dr. Bezerra de
Menezes.
Em 1900, revisada e em nova composição, era dada a lume, no
Rio de Janeiro, pela Livraria Psychica, a 2ª edição em idioma português.
Mais tarde, o Dr. L. O. Guillon Ribeiro realizou uma nova
tradução de “Obras Póstumas”, num português irrepreensível.
“Obras Póstumas”, toda ela organizada por Pierre-Gäetan
Leymarie, contém no princípio, uma biografia de Allan Kardec,
reproduzida da Revue Spírite de maio de 1869, seguida do discurso
pronunciado pelo ilustre astrônomo Camille Flammarion junto ao
túmulo do mestre Allan Kardec, no cemitério de Montmartre20.
20 O discurso de Camille Flammarion não consta do corpo original de “Obras Póstumas”. Foi nele incluído, conforme o Prof. J. Herculano Pires, por conveniência do momento.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Na primeira parte agrupam-se vários escritos inéditos de Allan
Kardec, dos quais não se sabe qual o melhor e mais eloqüente,
destacando-se “As Cinco Alternativas da Humanidade”. A segunda
parte é constituída de extratos do “Livro das Previsões e Revelações
Concernentes ao Espiritismo”, como era o título original do
manuscrito composto por Allan Kardec, que tencionava dar lhe
publicidade, se não fora colhido pela morte súbita, em 1869.
Este apontamento está na Revue Spirite de 15 de março de 1887,
e neste mesmo número é dada uma informação de que as notas que
formaram o “livro” estavam guardadas no cofre da “Sociedade
Anônima do Espiritismo” desde 1875, ano em que a viúva Allan
Kardec as entregou à referida sociedade, juntamente com a
correspondência kardequiana e outros manuscritos espíritas
considerados importantes.
Ainda na segunda parte, a obra apresenta curioso e instrutivo
histórico da vida missionária de Kardec como o Codificador por
excelência, vindo em seguida o Projeto de 1868 e a tão comentada
Constituição do Espiritismo, a última expressão do pensamento do
mestre lionês. Foi nesse ponto que a “morte corpórea o deteve”, como
escreveu Pierre-Gäetan Leymarie.
A verdade é que “Obras Póstumas” representa o testamento
doutrinário de Allan Kardec. Reúne os seus derradeiros escritos e as
anotações iniciais, destinadas a servir, mais tarde, para a elaboração da
História do Espiritismo, que ele não pôde escrever.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
As Cinco Alternativas da Humanidade
São cinco as alternativas da Humanidade, segundo expressa Allan
Kardec em “Obras Póstumas”, resultantes das doutrinas do
materialismo, do panteísmo, do deísmo, do dogmatismo e do
Espiritismo. Cada uma dessas alternativas acha-se resumida na
apreciação de Kardec, em tudo comparado, à luz dos conhecimentos de
que a Humanidade dispõe.
Doutrina Materialista
Segundo esse sistema, o Homem é um ser material. Sua
inteligência é uma propriedade da matéria. Nasce e morre com o corpo
físico. Não há que cogitar de coisa nenhuma, nem antes do nascimento,
nem após a morte do corpo21.
Conseqüências: não se cogita do futuro. O homem deve gozar de
tudo que possa, enquanto permanece vivo, porque as afeições e os laços
morais desaparecem com a morte. Cada um deve viver para si da melhor
maneira possível. É estupidez qualquer sacrifício em favor dos outros,
uma vez que também eles desaparecerão para sempre. O Bem e o Mal
são meras convenções. A lei civil é a única a ser obedecida, por
conveniência de todos. Os materialistas são intolerantes, admitindo o
21 “Ao degradar-se os átomos, materialistas da estirpe de Büchner, Haeckel e Huxley, seriam hoje - como assinala o Dr. Sérgio Vale – “generais inativos e reformados, por falta de munição bélica - a matéria. A base das suas especulações desapareceu do mercado mundial. Quem o diz e quem o prova não é a Espiritualidade; é a Ciência. Que faremos dos materialistas e dos seus dogmas? Nem sequer podemos arquivá-los, piedosamente, tal como enterramos os corpos dos nossos mortos”.” Rodopiam hoje - conclui o Dr. Sérgio Vale - nos espaços infinitos, decompondo-se cada vez na ciranda interminável dos motos verticosos...”
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Deusmatéria como o Ser Supremo a ser obedecido e todos os interesses
materiais como os únicos dignos de consideração.
Doutrina Panteísta
Esse sistema admite a existência de um princípio inteligente,
independente da matéria, extraído do todo universal, ao nascer o homem.
Ao morrer, o princípio inteligente (alma) volta ao todo, desaparecendo a
individualidade.
Determinada corrente panteísta admite a conservação da
individualidade, por tempo indefinido, somente voltando à massa
universal após ter chegado à perfeição.
Conseqüência: sem o princípio da individualidade, seja num ou
noutro caso, desaparece a consciência de cada ser e, por conseguinte, a
responsabilidade.
Doutrina Deísta
Há duas categorias de deístas: os independentes e os
providencialistas.
Os independentes crêem em Deus, Criador de todas as coisas, que
estabeleceu suas leis para todo o Universo, as quais funcionam por si
mesmas, sem que o Criador não mais ocupe com nenhuma forma de
providência. Assim, as criaturas fazem o que querem e podem.
Conseqüência: o deísmo independente é o despertar e o cultivo
do orgulho em seus seguidores, por se julgarem senhores absolutos de
seus destinos.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
O deísta providencialista admite não só a existência de Deus e o
seu poder criador, como crê na sua contínua e permanente intervenção
junto à criação, nem se submete ao dogmatismo das religiões.
Doutrinas Dogmáticas
Para elas a alma é criada por Deus por ocasião do nascimento do
Ser. Admitem a sobrevivência e a individualidade, após a morte, mas
não há progresso das almas, que conservam eternamente as qualidades
intelectuais e morais adquiridas durante a sua única existência na Terra.
Os maus são condenados eternamente aos castigos do inferno. Os
bons são recompensados com a visão de Deus e a vida no céu. A
condenação ou a absolvição, por toda a eternidade, fica sujeita a um juízo
final, quando se dará a separação definitiva dos condenados e dos efeitos.
Deus cria, também, os anjos, ou as almas privilegiadas, que não
precisam ser submetidas a trabalhos para chegarem à perfeição.
Conseqüências: as doutrinas dogmáticas, produtos da elaboração
mental de diversos fundadores de religiões, interpretando livros
sagrados, não dão solução lógica a inúmeras questões que sempre
preocuparam o espírito humano, tais como:
a) Por que nascem os homens ora bons, ora maus, uns inteligentes,
outros néscios?22
22 Anuncia-se, na atualidade, o descobrimento dos genes da inteligência. Os pesquisadores ligados à engenharia genética acreditam que o problema dos seres inteligentemente bem dotados estaria resolvido. Falta, então, serem descobertos os genes da burrice, o que explicaria o problema dos seres menos dotados...
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
b) Que sorte terão as crianças que morrem em tenra idade e qual o
destino dos idiotas e cretinos que não têm plena consciência de suas
ações?
c) Por que as inferioridades e defeitos de nascença do Ser?
d) Onde a justiça no tratamento dos selvagens e do homem
civilizado, se eles não escolheram onde nascer?
e) Por que a criação privilegiada dos anjos, sem necessidade de
enfrentarem as provações rudes, em contraste com as outras criaturas?
Doutrina Espírita
Contrapondo-se às doutrinas anteriormente resumidas, com suas
contradições e dogmas impróprios, a doutrina dos Espíritos responde à
todas as indagações formuladas e apresenta soluções às aparentes
injustiças da Criação. Parte ela da existência de Deus, “a inteligência
suprema, causa primária de todas as coisas”.
O princípio inteligente (Espírito) independe da matéria (resposta
ao materialismo).
A alma é individual, preexistente e sobrevive ao corpo. Todas as
almas criadas partem de uma mesma origem, todas simples e ignorantes,
mas submetidas ao progresso contínuo: Portanto não existem privilégios,
sendo os anjos seres que chegaram à perfeição depois de escalar todas as
etapas da evolução. Todas as almas gozam de liberdade de escolha de
seus caminhos, em incessante evolução.
A vida corpórea nos mundos materiais é uma fase transitória para
o Espírito. A vida normal é a vida espiritual, livre do envoltório material.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
O progresso se dá tanto no estado corpóreo quanto no estado livre do
Espírito.
A existência do Espírito no corpo físico acontece tantas vezes
quantas necessárias para atingir superior estádio evolutivo. Quando
atingido, num mundo, o máximo de evolução possível, deixa-o para
passar a outro mundo mais adiantado.
A felicidade ou infelicidade relativas, dependem do progresso
moral e intelectual. Todo mal praticado redunda em autopunição, mas há
sempre para todos, a possibilidade de reabilitação. Portanto, não há
punição eterna.
As almas dos cretinos e idiotas são da mesma natureza das dos
outros encarnados, apenas cerceadas pelas deficiências do organismo,
pelos abusos da inteligência em vidas pregressas. As crianças que
morrem cedo podem ser Espíritos com larga experiência adquirida em
vidas anteriores. A morte prematura pode ser complemento de prova,
não as eximindo de futuras expiações de suas responsabilidades.
Allan Kardec ao traçar o perfil das cinco alternativas da
Humanidade não pretendeu esgotar-lhes as suas fundamentais
características. Ele oferece ao leitor de Obras Póstumas um conjunto
de considerações sustentadas em análises criteriosas. Ao ressaltar a
primazia da doutrina que codificou, quis, acreditamos, demonstrar que
ela pode, por si só, atender às mais justas aspirações do Ser.
Glossário
Surto - Impulso, arrancada / Epidemia, irrupção.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Auspícios - Sob os auspícios de alguém, sob a sua proteção, com
o seu apoio. Sob felizes auspícios, sob os melhores auspícios, com muita
probabilidade de êxito.
Materialismo - Posição filosófica que considera a matéria como a
única realidade e que nega a existência da alma, de outra vida e de Deus.
Deísmo - Sistema dos que acreditam em Deus mas rejeitam toda
revelação.
Néscio - Ignorante, estúpido.
Estádio - Fase, época, período de um processo.
Pregressas - Que aconteceu anteriormente.
Prematura - Que nasce antes do tempo normal; que amadurece
antes do tempo; temporão; precoce.
Primazia - Superioridade; primado; prioridade.
Ser - Tudo que possui existência.
16ª Aula – Conclusão
Conclusão
Substituir a fé cega em uma vida futura, pela certeza inabalável,
resultante de verificações científicas, eis o inestimável serviço prestado
por Allan Kardec à Humanidade. Introduzir a luz da observação e mesmo
da experimentação, em domínio até então reservado às obscuras e
intermináveis discussões filosóficas, era fazer obra de mestre, era
quebrar as velhas molas do pensamento, injetar sangue novo no antigo
espiritualismo, renovar a Psicologia, indicando-lhe outro caminho mais
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
fecundo, e preparar a mais rica colheita de novos conhecimentos de que
se tem notícia nesses dois mil anos.
Semelhante revolução intelectual provoca sempre tempestades. O
Espiritismo foi combatido por numerosos adversários, por estar em
oposição a quase todas as opiniões reinantes, pois que suas experiências
demonstram a falsidade das teorias materialistas, a insuficiência dos
sistemas espiritualistas, que desconhecem a verdadeira natureza da alma,
e os erros dos ensinos religiosos relativos à origem e ao destino do
princípio pensante. Prodigalizaram-lhe também insultos, zombarias,
anátemas. Mas, levado pela irresistível força oriunda da observação
científica, o Espiritismo despreza os ultrajes e, respondendo com fatos
aos sofismas de seus contraditores, lança por terra os obstáculos
acumulados em sua trajetória, e dia a dia conquista novos adeptos nas
próprias fileiras de seus adversários. Quando inteligências como as de
William Crookes, Russel Wallace, Oliver Lodge, F. Zolner, Cesare
Lombroso, F. Myers, Richard Hodgson, Paul Gibier, Emesto Bozzano,
Camille Flammarion se vêem obrigadas a reconhecer a incontestável
realidade das relações entre vivos e mortos, a gente se sente em boa
companhia e, assim, nem as calúnias, nem os clamores rancorosos dos
detratores da nova verdade serão capazes de impedir-lhe o triunfo
definitivo.
A verdade é que o túmulo deixou de nos causar horror, porque ele
é agora a porta que se abre para um mundo novo onde a vida é mais
suave que a daqui. A alma humana, em resposta aos negadores da
sobrevivência, se revela após a morte com a mesma atividade que tivera
na Terra, mostrando-se, até, na chapa fotográfica a esses doutores que
jamais conseguiram encontrá-la sob os seus escalpelos. Extraordinário
prodígio ao reconstruir ela, temporariamente, um corpo físico
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
semelhante ao que possuía na vida terrena, e esta corporificação
momentânea é o mais peremptório argumento susceptível de destruir os
erros grosseiros do materialismo. A comunhão constante com a
Humanidade desencarnada confirma a nossa imortalidade pessoal e
permite-nos, outrossim conhecer, sem vacilação, a verdadeira natureza
da alma, levantando-se uma ponta do véu que ocultava sua origem e seus
destinos.
Que liberdade e que reconforto para o pensamento humano ao não
se sentir mais desalentado pelos dogmas tão terrificantes como os do
pecado original e das penas eternas! Que alívio concebermos o Ser
Supremo sem aquelas feições de justiceiro implacável, a condenar ao
suplício sem fim as miseráveis e fracas criaturas que somos nós.
Felizmente a realidade é mais nobre e mais grandiosa que essas sombrias
invenções da Teologia. A sorte da nossa eternidade futura não se decide
nos curtos instantes de uma vida terrestre, ondulação mal perceptível no
imenso oceano das idades.
A lei de evolução do princípio espiritual, cuja execução se
processa por vidas sucessivas, permite-nos compreender o motivo das
desigualdades morais e intelectuais que separam os filhos de um mesmo
pai, a razão da existência, no mesmo globo, de selvagens e povos
civilizados, de idiotas ao lado de gênios que são a glória da nossa raça.
É pelos incontestáveis e concordantes testemunhos dos que vivem no
espaço que sabemos não existir nem inferno nem paraíso e que somos os
únicos artífices do nosso futuro. E lentamente, através de esforço
ininterrupto, que desenvolvemos nosso Ser espiritual, que ampliamos
nossa inteligência, que penetram em nós os sentimentos do justo, do
belo, do bem, e desaparecem os obscuros instintos do egoísmo, das
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
paixões, das iniquidades e dos vícios, para darem lugar ao sentimento de
fraternidade que nos aproxima desta causa primária que é toda Amor.
Allan Kardec, através de suas conversas com os Espíritos, não só
deduziu toda essa nobre doutrina filosófica, senão que sua atenção foi
ainda atraída para as manifestações extra-corpóreas da alma encarnada.
O mestre de Lyon conheceu todos os fenômenos psíquicos, rotulados
hoje com novos nomes e, classificando-os, determinou-lhes as causas. A
transmissão do pensamento que, com o nome de Telepatia, obteve
grande repercussão nos· nossos dias, foi estudada em O Livro dos
Espíritos e em A Gênese. A possibilidade do desdobramento do ser
humano está indicada em O Livro dos Médiuns, com provas suficientes,
e os casos muito interessantes de clarividência que se verificaram no
passado, no presente e que se apreciarão no futuro, foram longa mente
descritos na Revue Spirite.
É ainda a Allan Kardec que devemos as primeiras e precisas
noções a respeito do perispírito, corpo inseparável da alma. Inumeráveis
observações, feitas sobre as aparições de vivos e de mortos, afirmam, de
maneira categórica, a sua existência.
O conhecimento desse organismo suprafisiológico faz do
Espiritismo uma doutrina original, distinguindo-o nitidamente do
espiritualismo religioso ou filosófico. O princípio inteligente não é mais
uma abstração ideal, vaga entidade incorpórea; é um ser concreto,
possuidor de sentidos especiais apropriados ao meio em que é chamado
a viver após a sua partida da Terra, isto é, no Espaço. Certas faculdades
superiores da alma, tais como a telepatia e a clarividência têm,
evidentemente, a sua sede fora do cérebro, de vez que este é estranho às
suas manifestações. Provavelmente é no perispírito que vamos encontrar
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
suas condições de existência, pois que se faz preciso a emancipação da
alma para que elas se exerçam.
Quanto mais estudarmos esse organismo superior, melhor lhe
compreenderemos a importância para explicar certo número de
problemas biológicos. A experimentação espírita tem uma utilidade de
primeira ordem nesse particular, porquanto se toma indispensável
submeter a exame científico a natureza e as propriedades deste corpo
fluídico, para melhor lhe apreciarmos a ação durante a vida e após a
morte.
As materializações dos Espíritos são fenômenos que põem em
evidência esse mecanismo perispiritual que dá à alma o poder de se
apresentar diante de nós com os atributos anatômicos e fisiológicos da
criatura terrestre. Se um Ser dos Espaços é capaz de reconstituir
momentaneamente a forma típica que tivera na Terra - recebendo do
médium parte ponderável de sua substância (o ectoplasma) não será
descabido supormos que a alma opera de maneira idêntica no
nascimento, porém, lentamente, segundo as leis da gestação, para que
sua união com o corpo material seja durável. O ensino dos Espíritos,
nesse ponto, está em concordância com a opinião de Claude Bernard23,
que claramente viu que a construção, a manutenção e a reparação de um
organismo vivo não revelam leis físico-químicas.
“Vemos - afirma ele - aparecer na evolução do embrião um
simples esboço do Ser antes de qualquer organização. Os contornos do
23 Claude Bernard: fisiologista francês (1813-1878), fundador da medicina experimental, teve, por suas idéias e seus métodos, influência considerável no domínio da pesquisa científica. Sua obra capital Introductíon à J’étude de Ia medicine experimentale recordações de existências anteriores, ou à predição de reencarnações que mais tarde se verificam tais como anunciadas.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
corpo e os órgãos do Ser permanecem detidos a princípio, iniciando-se
as bases orgânicas provisórias que servirão de aparelhos funcionais
temporários do feto.
“Ainda não se distingue nenhum tecido. Toda a massa se constitui
apenas de células plasmáticas e embrionárias. Mas neste bosquejo vital,
está traçado o desenho ideal de um organismo ainda invisível para nós,
que assinala a cada parte e a cada elemento o seu lugar, sua estrutura e
suas propriedades”.
E, mais adiante, o ilustre fisiologista precisa ainda seu pensamento
nestes termos:
“O que é essencialmente do domínio da vida e que não pertence
nem à Física, nem à Química, nem a coisa nenhuma, é a idéia diretriz
desta ação vital. Em todo o gérmen vivo há uma idéia diretriz que se
desenvolve e se manifesta pela organização. Durante toda a sua duração
o Ser fica sob a influência dessa mesma força vital criadora, e a morte
chega quando ela não se pode realizar... é sempre a mesma idéia que
conserva o Ser, reconstituindo as partes vivas, desorganizadas pelo
exercício ou destruídas por acidentes ou enfermidades”.
Nós que sabemos por experiência que a alma sobrevive à morte,
que a vemos reedificar, temporariamente, o corpo anatomicamente
semelhante àquele que possuía na Terra, estamos autorizados a supor que
o perispírito, sob a influência do Espírito, contém a idéia diretriz que
preside à edificação do corpo físico, de vez que o perispírito possui ainda
este poder de reconstrução após a morte.
Não é tudo. Se a alma é o arquiteto de seu envoltório terrestre,
possível será tirar-se desse fato uma confirmação da lei de reencarnação.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
Se é exato que o feto resume, nas primeiras semanas de vida intra-
uterina, todas as etapas percorridas pelos seres vivos depois da célula
inicial; se, além disso, temos ainda em nós órgãos atrofiados, vestígios
dos que foram úteis aos nossos ancestrais, deve-se concluir que o
perispírito, que responde por essas formas desaparecidas e que
aperfeiçoa e modela a matéria, passou, outrora, pelas organizações
inferiores onde elas existiram; pois que, sem isso, ele, o perispírito, não
poderia engendrá-los. Seguindo essa direção, os Espíritos poderão
encontrar, no estudo do ser humano, novas provas desta grande e
magnífica verdade das vidas sucessivas, que já possui em seu ativo toda
uma coleção de fatos relativos às recordações de existências anteriores,
ou à predição de reencarnações que mais tarde se verificam tais como
anunciadas.
Os fatos espíritas receberam a consagração do tempo, resistiram a
todos os métodos críticos a que foram submetidos, e, em nossos dias,
com a evolução operada nas teorias científicas, vêmo-las convergir para
as que Allan Kardec e os Espíritos sempre ensinaram.
Sugestão de Leitura Suplementar
- “Enciclopédia de Parapsicologia, Metapsíquica e Espiritismo” -
3 volumes João Teixeira de Paula. Cultural Brasil Editora Ltda. 3°
edição.
- Coleção da Revista “Estudos Psíquicos”, fundada em Lisboa,
Portugal, por Maria Gonçalves Duarte Santos – volumes referentes à
décadas de 1950 e 1960.
- Os livros da Codificação do Espiritismo e “Obras Póstumas”
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
- “Viagem Espírita em 1862” em que se relatam os
pronunciamentos de Allan Kardec a diversos grupos espíritas franceses
- Edições “O CLARIM”.
- “ALLAN KARDEC” - Pesquisa Biobibliográfica e Ensaios de
Interpretação. Zêus Wantuil e Francisco Tbiesen. Edições FEB – 3ª
Edição.
- “Memórias Históricas do Espiritismo na Bahia”. Lúcia Silva.
Edições TELMA - 1ª edição
- “Afinal Quem Somos?” Pedro Granja. Editora Brasiliense Ltda
- 4ª edição.
- Resumo da Doutrina Espírita. Gustave Geley. LAKE - 3ª edição.
- Allan Kardec e o Espiritismo. Chrysanto de Brito. Editora ECO
- 1ª edição.
- Noções Básicas da Doutrina Espírita” . Alberto Pavam - 1ª
edição
- “O Espiritismo”. Paul Gibier. Edições FEB – 3ª edição 196 ::
- “Revista Educação Espírita”. Coordenação José Herculano Pires.
EDICEL - 7 volumes
- “O Fenômeno das Mesas Falantes” José Lhomme Edições ECO
- Ia edição em português
- “Ponderações Doutrinárias”. Deolindo Amorim. Edições FEB –
1ª edição.
Carlos Bernardo Loureiro – Curso Regular de Espiritismo
- “Vida e Obra de Allan Kardec”. André Moreil. EDICEL – 1ª
edição.
- “O Espiritismo e as Doutrinas Espiritualistas”. Deolindo
Amorim. Livraria Ghignome Editora - 33 edição
- “As Mesas Girantes e o Espiritismo”. Zêus Wanteil. Edições
FEB.
- “Elucidações Kardecistas”. Carlos Bemardo Loureiro. Livraria
Espírita. “Alvorada” – 2ª edição.
- “O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária”.
Canuto Abreu. Edições LFU – 1ª edição. Enciclopédia Consultada:
“Novíssima Enciclopédia Delta Larousse”. Editora Delta S/A.