CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS … · Esquema no Tratamento da Personalidade...
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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM TERAPIAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS
DANIEL LAVORATO
CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA E DA TERAPIA DO ESQUEMA NO TRATAMENTO DA PERSONALIDADE NARCISISTA
SÃO PAULO 2016
DANIEL LAVORATO
CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA E DA TERAPIA DO ESQUEMA NO TRATAMENTO DA PERSONALIDADE NARCISISTA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para a obtenção do título de Especialista em Psicologia Clínica no Centro de Estudos em Terapias Cogntiivo-Comportamentais. Orientadora: Profa. Dra. Renata Trigueirinho Alarcon. Coorientadora: Profa. Msc. Eliana Melcher Martins
SÃO PAULO 2016
Fica autorizada a reprodução e autorização deste trabalho desde que citada a fonte. _______________________________________________________________ Lavorato, Daniel
Contribuições da Terapia Cognitiva e da Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista / Daniel Lavorato ; orientadora Profª Drª Renata Trigueirinho Alarcon. – São Paulo, 2016. 58 f. + CD-ROM; Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização – Centro de Estudos em Terapia Cognitivo Comportamental (CETCC)
1. Transtornos de Personalidade. 2. Transtorno de Personalidade Narcisista. 3. Transtorno de Personalidade Narcisística. 4. Terapia Cogntivo-Comportamental. 5. Terapia Focada no Esquema I. Lavorato, Daniel. II. Alarcon, Renata Trigueirinho
_______________________________________________________________
DANIEL LAVORATO
CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA COGNITIVA E DA TERAPIA DO ESQUEMA NO TRATAMENTO DA PERSONALIDADE NARCISISTA
BANCA EXAMINADORA
Parecer: ______________________________________________________
Prof. _________________________________________________________
Parecer: ______________________________________________________
Prof. _________________________________________________________
São Paulo, ______ de Dezembro de 2016.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e irmão, que estão sempre ao meu lado, incentivando-me a
crescer e dando o alicerce fundamental do amor incondicional. Sem eles nada disso
seria possível.
Aos meus amigos de ontem, hoje e sempre, principalmente aos que fiz nesta
Turma de Especialização, os quais me acolheram e sempre me ajudaram.
Agradeço à psicoterapeuta Priscila Rolim por estar auxiliando neste caminho
de ampliar minhas possibilidades.
À professora Renata Trigueirinho Alarcon, que acreditou no meu projeto,
acolhendo-o com prontidão.
À professora Eliana Melcher Martins, que com suas fascinantes aulas
transmitiu-me o encanto pela Terapia Cogntivo-Comportamental e pela Terapia
Focada no Esquema.
DANIEL LAVORATO
Nada do que é grande surge repentinamente, nem mesmo a uva, nem os figos. Se agora me disseres: Quero um figo, respondo-te: É preciso tempo. Antes de tudo, deixa virem as flores, depois que se desenvolvam os frutos e que amadureçam. Epícteto
LAVORATO. Daniel. Contribuições da Terapia Cognitiva e da Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista. 2016. 58 p. Trabalho de Conclusão de Curso. Pós-Graduação Lato Sensu em Terapias Cognitivo-Comportamentais. Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental.
RESUMO O presente trabalho tem por objetivo fazer um levantamento das atuais abordagens e técnicas cognitivo-comportamentais e da terapia do esquema no tratamento do transtorno de personalidade narcisista. Quais as contribuições das terapias cognitiva e focada no esquema para o tratamento do transtorno de personalidade narcisista constitui a problemática explorada nesta monografia. O método de pesquisa é o exploratório, fazendo uso da técnica de revisão bibliográfica. O trabalho conclui que tanto a terapia cognitivo-comportamental quanto a focada no esquema demonstraram colaborar de maneira efetiva no tratamento do transtorno de personalidade narcisística.
Palavras-chave: transtornos de personalidade, transtorno de personalidade narcisista, transtorno de personalidade narcisística, terapia cognitivo-comportamental, terapia focada no esquema.
Lavorato. Daniel. Contributions of Cognitive Therapy and Schema Therapy in the Treatment of Narcissistic Personality. 2016. 58 p. Completion of course work. Postgraduate Sensu Lato in Cognitive and Behavioural Therapies. The Center for Cognitive-Behavioral Therapy.
ABSTRACT
This study aims to survey current approaches and cognitive-behavioral techniques and schema therapy in the treatment of narcissistic personality disorder. What are the contributions of cognitive and focused therapies in the scheme for the treatment of narcissistic personality disorder is the issue explored in this monograph. The method of research is exploratory, using the literature review technique. Idem resumo The study concludes that both cognitive-behavioral and schema-focused therapy have been shown to collaborate effectively in the treatment of narcissistic personality disorder. Key words: personality disorders, narcissistic personality disorder, cognitive behavioral therapy, schema-fucused therapy, schema therapy.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................. 09
1.1 Sobre a Terapia Cognitivo-Comportamental .................................................. 09
1.2 Sobre a Terapia Focada no Esquema ............................................................ 15
1.3 Sobre a Personalidade e seus Trantornos ..................................................... 19
1.4 Sobre a Personalidade Narcisista .................................................................. 21
2. OBJETIVO ....................................................................................................... 26
3. METODOLOGIA .............................................................................................. 27
4. RESULTADOS ................................................................................................. 29
4.1 A Terapia Cognitiva no Tratamento da Personalidade Narcisista .................. 29
4.2 A Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista ............. 36
5. DISCUSSÃO ................................................................................................... 50
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 55
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 56
ANEXO ................................................................................................................ 58
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1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de, - por meio do método de pesquisa
exploratória com técnica de revisão bibliográfica -, fazer um levantamento das
contribuições das atuais abordagens e técnicas cognitivo-comportamentais e da
terapia focada no esquema para o tratamento do transtorno de personalidade
narcisista.
Quais as contribuições das terapias cognitiva e focada no esquema para o
tratamento do transtorno de personalidade narcisista constitui a problemática
explorada nesta monografia.
O problema foi delimitado na seguinte questão: As terapias cognitiva e
focada no esquema contribuem para o tratamento do transtorno de personalidade
narcisista?
A hipótese formulada é a de que as terapias cognitivas e do esquema, por
meio de técnicas de identificação e modificação de crenças e de esquemas
desadaptativos remotos, contribuem efetivamente para o tratamento do transtorno
de personalidade narcisista.
Quanto à metodologia utilizada, segundo seus objetivos mais gerais, a
presente pesquisa pode ser chamada de exploratória.
1.1 Sobre a Terapia Cognitivo-Comportamental
A prática psicoterapêutica da terapia cognitivo-comportamental fundamenta-
se em um grupo de ideias bem-desenvolvidas que são utilizadas para construir
planos de tratamento e guiar as ações do psicoterapeuta.
A terapia cognitivo-comportamental é uma linha que se fundamenta em dois
princípios:
1. As cognições controlam emoções e comportamentos;
2. Os comportamentos influenciam de forma profunda as cognições e
emoções (WRIGHT et al, 2008).
Os elementos cognitivos dessa visão foram percebidos pelos filósofos
estoicos Epíteto, Cícero, Sêneca, entre outros (BECK et al., 1979, apud WRIGHT,
2008). Epíteto, por exemplo, escreveu que “os homens não se perturbam pelas
coisas que acontecem, mas sim pelas opiniões sobre as coisas” (EPICTETUS 1991,
10
p.14, apud WRIGHT, 2008). Nas tradições do pensamento oriental, como o taoísmo
e o budismo, a cognição é apreciada como força fundamental na determinação do
comportamento (BECK et al., 1979; CAMPOS, 2002, apud WRIGHT, 2008).
A ideia de que um estilo saudável de pensamento pode diminuir a angústia e
aumentar o bem-estar é um tema comum em muitas culturas. O filósofo persa
Zoroastro fundamentou seu pensamento em três pilares básicos: pensar bem, agir
bem e falar bem. Benjamin Franklin, um dos pais da constituição norte-americana,
escreveu muito a respeito da construção de atitudes positivas, as quais ele
acreditava influenciarem de forma favorável o agir (ISAACSON, 2003, apud
WRIGHT, 2008). Entre os séculos XIV e XX, filósofos europeus – como Kant,
Heidegger, Jaspers e Frankl – deram continuidade na construção da ideia de que os
processos cognitivos têm influência significativa na existência dos homens (D.A.
CLARK et al., 1999; WRIGHT et al., 2003, apud WRIGHT, 2008).
Aaron Beck foi pioneiro no completo desenvolvimento de teorias e técnicas
para ministrar intervenções cognitivo-comportamentais a transtornos mentais. Suas
primeiras formulações focavam na influência do processamento de informações
disfuncional nos transtornos depressivos e ansiogênicos. Suas ideias foram
influenciadas pelo trabalho de vários analistas pós-freudianos como Adler, Horney e
Sullivan, bem como na teoria dos construtos pessoais de Kelly e na terapia racional-
emotiva de Ellis (WRIGHT, 2008).
Suas ideias e técnicas, construídas em colaboração com outros cientistas,
passaram a estender-se a uma ampla diversidade de quadros psiquiátricos, além da
depressão e da ansiedade, a saber: transtornos alimentares, esquizofrenia,
transtorno afetivo bipolar, dor crônica, insônia, abuso de substâncias, e transtornos
de personalidade (WRIGHT, 2008).
Os elementos comportamentais do paradigma da terapia cognitivo-
comportamental começaram nos anos 1950 e 1960, quando psicoterapeutas
começaram a aplicar as ideias de Pavlov, Skinner e outros behavioristas. Joseph
Wolpe e Hans Eysenck foram os primeiros a explorar o poder dos métodos
comportamentais, como a dessensibilização e o relaxamento. Conforme a terapia
comportamental crescia, diversos cientistas importantes, como Meichenbaum e
Lewinsohn começaram a integrar as ideias e técnicas cognitivas na clínica
psicoterapêutica. Eles reconheceram que a visão cognitiva somava contexto,
11
profundidade e compreensão às intervenções behavioristas. Desde a década de
1960, vem ocorrendo uma unificação das conceitualizações comportamentais e
cognitivas na terapêutica dos transtornos emocionais (WRIGHT, 2008).
Os principais componentes do paradigma cognitivo-comportamental são:
evento, avaliação cognitiva, emoção e comportamento. Neste paradigma, o
processamento de informações tem relevância fundamental, tendo em vista que o
indivíduo incessantemente avalia a importância dos eventos internos e externos, e
as cognições estão continuamente ligadas às reações afetivas. Por exemplo, uma
pessoa com transtorno de ansiedade social pode ter os seguintes pensamentos:
“Não saberei o que dizer... Todo mundo perceberá que estou nervoso... Vou parecer
esquisito... Irei travar e querer ir embora”. Em resposta a estes pensamentos,
surgem emoções e respostas fisiológicas como forte ansiedade, tensão física, e
excitação autonômica. Um possível comportamento diante de tais sensações
desagradáveis é faltar à festa. Todavia, a evitação da situação ansiogênica reforça
os pensamentos disfuncionais acima elencados, e suas crenças sobre ser incapaz e
vulnerável se fortalecem, estabelecendo assim um círculo vicioso. Tais crenças e
comportamentos reforçam-se mutuamente, mantendo o quadro da ansiedade social
(WRIGHT, 2008).
Conforme ensina Wright (2008, p.18):
O modelo básico de TCC é um construto usado para ajudar os terapeutas a conceitualizarem problemas clínicos e implementarem métodos da TCC específicos. Como um modelo de trabalho, ele é propositalmente simplificado para voltar a atenção do terapeuta para as relações entre pensamentos, emoções e comportamentos e, para orientar as intervenções de tratamento.
A terapia cognitivo-comportamental também reconhece a importância dos
processos biológicos na origem e terapêutica dos transtornos mentais. As
modificações cognitivas e comportamentais são moduladas por processos
biológicos, sendo que medicamentos psicofármacos e outros tratamentos biológicos
influenciam as cognições (WRIGHT, 2008).
Beck e seus colegas (BECK et al, 1979 apud WRIGHT, 2008) identificaram
três níveis fundamentais de processamento das informações: a consciência, os
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pensamentos automáticos, e os esquemas. A consciência é um estado de atenção
no qual as decisões podem ser tomadas de forma racional.
Os pensamentos automáticos são cognições que passam rapidamente pela
mente quando o indivíduo está numa situação, ou quando está relembrando
eventos. Este nível é mais profundo do que a consciência, e por isso normalmente
passa despercebido pela atenção consciente. Estas cognições não são
costumeiramente analisadas de forma racional pelo sujeito. Um grande número de
pesquisas confirmou que indivíduos com os mais diversos quadros psiquiátricos têm
uma alta frequência de pensamentos automáticos distorcidos (WRIGHT, 2008).
Beck formulou que existem erros típicos na lógica dos pensamentos
automáticos disfuncionais e de outras cognições, nas pessoas com transtornos
mentais ou de comportamento. Tais erros vão caracterizar estilos patológicos de
processamento de informações. Foram descritos por Beck e colaboradores (1979
apud WRIGHT, 2008) seis categorias principais de distorções cognitivas, a seguir
explicadas:
1. Abstração seletiva: chega-se a uma conclusão depois de examinar
apenas uma pequena parte das informações disponíveis. Dados
importantes são ignorados pela pessoa, a fim de confirmar a visão
tendenciosa e disfuncional sobre o evento;
2. Inferência arbitrária: chega-se a uma conclusão a partir de evidências
contraditórias ou na ausência de evidências;
3. Supergeneralização: chega-se a uma conclusão sobre um evento
isolado, e em seguida tal conclusão é estendida de forma ilógica a amplas
áreas da vida do sujeito;
4. Maximização e minimização: a relevância de aspectos negativos de um
evento é aumentada, enquanto que os aspectos positivos são
minimizados;
5. Personalização: eventos externos negativos são relacionados a si próprio
quando há pouca ou nenhuma evidência para isso;
6. Pensamento dicotômico: os julgamentos sobre si ou os outros são
separados em duas categorias opostas e extremas.
Já os esquemas são categorias de crenças nucleares que agem como
matrizes ou regras básicas para o processamento de informações. Eles permitem
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selecionar, filtrar, codificar e atribuir significados às informações vindas do ambiente
interno ou externo (WRIGHT, 2008).
Segundo Wright (2008,p.21), “Esquemas são princípios duradouros de
pensamento que começam a tomar forma no início da infância e são influenciados
por uma infinidade de experiências de vida...”.
Foi sugerido por D.A. Clark e colaboradores (1999 apud WRIGHT, 2008), que
há três grupos de esquemas: esquemas simples (regras sobre a natureza física do
ambiente, gerenciamento prático das atividades cotidianas, que podem ter pouco ou
nenhum efeito sobre a saúde mental); crenças intermediárias (regras condicionais
do tipo se-então, que influenciam a autoestima e a regulação emocional); e crenças
nucleares (regras globais e absolutas para leitura das informações do ambiente,
relativas à autoestima).
Conforme ensina Wright (2008, p.23):
[...] na depressão e em outros quadros, esquemas desadaptativos podem permanecer adormecidos até que um evento estressante da vida ocorra e ative a crença nuclear (BECK et al., 1979; D.A. CLARK et all, 1999; MIRANDA, 1992). O esquema desadaptativo é então fortalecido ao ponto no qual estimula e impulsiona o fluxo mais superficial de pensamentos automáticos negativos.
A terapia cognitivo-comportamental é uma terapia focada no problema
geralmente aplicada em um formato de curto prazo. Casos de depressão ou
transtornos de ansiedade descomplicados pode durar de 5 a 20 sessões. Todavia,
pode durar mais tempo em casos de condições co-mórbidas, sintomas crônicos ou
resistência à terapia. Esta abordagem foca-se no aqui-agora. Porém, é fundamental
ter uma perspectiva longitudinal para compreender o paciente e planejar sua
terapêutica. Conforme esclarece Wright (2008, p. 27): “[...] a atenção às questões
atuais ajuda a estimular o desenvolvimento de planos de ação para combater
sintomas como desesperança, desamparo, evitação e procrastinação”.
A formulação de caso guia cada intervenção, numa estratégia de tratamento
cuidadosamente pensada.
Esta abordagem faz uso do conceito de empirismo colaborativo para explicar
a relação terapêutica. Ambos trabalham como numa equipe investigativa,
formulando hipóteses acerca da precisão ou do valor de diversos pensamentos e
crenças. Em seguida, colaboram na elaboração de estilos de pensamento mais
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saudáveis e de habilidades de enfrentamento, além da reversão de padrões
desadaptativos de comportamento (WRIGHT, 2008).
Conforme esclarece Wright (2008, p.28):
Os pacientes também são incentivados a assumir responsabilidade na relação terapêutica. Eles são solicitados a dar feedback ao terapeuta, a ajudar a estabelecer a programação para as sessões de terapia e a trabalhar na prática das intervenções da TCC em situações da vida cotidiana.
A forma de questionamento utilizado nesta forma de terapia é denominada
debate socrático, e se expressa na forma de questões ao paciente que incentivem a
curiosidade e o desejo de investigar.
Segundo Wright (2008, p.28), “Uma forma especial de questionamento
socrático é a descoberta guiada, por meio da qual o terapeuta faz uma série de
perguntas indutivas para revelar padrões disfuncionais de pensamento...”.
A terapia cognitiva faz uso de modos de estruturação da sessão, tais como
fazer a agenda e pedir feedback, para maximizar a eficiência das sessões. A agenda
é elaborada para dar um sentido claro à sessão e possibilitar medir o progresso
(WRIGHT, 2008).
A psicoeducação tem papel fundamental na terapia cognitiva, e envolvem
situações da vida dos pacientes para ensinar os conceitos, ajudando assim na
adesão ao tratamento (WRIGHT, 2008).
A essência do tratamento está na identificação e modificação de
pensamentos e crenças desadaptativas, denominada genericamente de
reestruturação cognitiva. Para isso, além do questionamento socrático, muitos outros
métodos são utilizados, tais como: registros de pensamentos, identificação de erros
cognitivos, exame de evidências a favor e contra os pensamentos, listar alternativas
racionais, geração de imagens mentais, e role play. Estas técnicas são feitas na
terapia, e em seguida os pacientes são incentivados a fazer exercícios entre as
sessões para generalizar os aprendizados adquiridos durante as sessões para
situações do mundo real (WRIGHT, 2008).
Além da reestruturação cognitiva, são utilizadas técnicas comportamentais
para reduzir sintomas e promover mudanças positivas, tendo em vista que, para a
terapia cognitiva, a relação entre cognição e comportamento é uma estrada de mão
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dupla. Mudanças em um dos polos (cognição) costumam incentivar modificações no
outro (comportamento), e vice-versa (WRIGHT, 2008).
As técnicas comportamentais destinam-se basicamente a: romper padrões de
evitação ou desesperança; desenvolver habilidades de enfrentamento; diminuir
emoções dolorosas ou a excitação autonômica (WRIGHT, 2008).
Finalmente, a terapia cognitivo-comportamental visa o desenvolvimento de
habilidades para ajudar a prevenir a recaída.
Conforme elucida Wright (2008, p.30):
Aprender como reconhecer e mudar pensamentos automáticos, utilizar métodos comportamentais comuns, e implementar as outras intervenções descritas [...] podem ajudar os pacientes a lidarem futuramente com ativadores dos sintomas.
1.2 Sobre a Terapia Focada no Esquema
A Terapia Focada no Esquema surgiu dos desafios e dificuldades de Jeffrey
E. Young em lidar com pacientes portadores de transtornos de personalidade, além
de outros pacientes difíceis e crônicos, fazendo uso da terapia cognitivo-
comportamental tradicional formulado por Aaron T. Beck (YOUNG, 2003).
Tais dificuldades se deram fundamentalmente em razão de que os
pressupostos da terapia cognitivo-comportamental de curto prazo para os pacientes
poderem gozar de seus benefícios não estavam presentes em muitos pacientes de
Young e de seus colegas e supervisionados, principalmente os portadores de
transtornos de personalidade (YOUNG, 2003).
Estas suposições da terapia cognitivo-comportamental sobre os pacientes,
que os qualificariam para um bom prognóstico no uso das teorias e técnicas
beckianas, são: os pacientes têm acesso aos sentimentos com um breve
treinamento; os pacientes têm acesso a pensamentos e imagens com um breve
treinamento; os pacientes têm problemas identificáveis a serem focalizados; os
pacientes estão motivados a fazer tarefas de casa e a aprender estratégias de
autocontrole; os pacientes podem engajar-se em um relacionamento colaborativo
com o terapeuta dentro de poucas sessões; as dificuldades no relacionamento
terapêutico não são um foco maior de problemas; todas as cognições e padrões de
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comportamento podem ser modificados por análise empírica, discurso lógico,
experimentação, passos graduais e prática (YOUNG, 2003).
A terapia beckiana tradicional pressupõe alguma flexibilidade por parte dos
clientes, o que não se confirma na maioria dos transtornos de personalidade. Uma
de suas principais características é justamente a manifestação de traços de
comportamento rígidos e persistentes ao longo do tempo, vistos pelos pacientes
como corretos em si mesmos, ou seja, “ego-sintônicos” (YOUNG, 2003).
A terapia cognitivo-comportamental clássica supõe que os clientes possuem
acesso relativamente livre a pensamentos e sentimentos. Porém, em muitos
transtornos de personalidade predominam a evitação ou bloqueio de pensamentos e
sentimentos, por serem dolorosos (YOUNG, 2003).
A terceira característica marcante dos clientes com transtornos de
personalidade é o relacionamento interpessoal disfuncional persistente ao longo do
tempo. Conforme elucida Young (2003, p.14): “[...] três características dos
transtornos de personalidade – rigidez, evitação e dificuldades interpessoais de
longo prazo – fazem com que seja consideravelmente difícil aplicar a terapia
cognitiva de curto prazo [...]”.
Young e colaboradores propõem cinco construtos teóricos como uma
expansão do modelo cognitivo de curto prazo proposto por Beck: 1) Esquemas
Iniciais Desadaptativos, 2) Domínios de um Esquema, 3) Manutenção do Esquema,
4) Evitação do Esquema, e 5) Compensação do Esquema (2003, p.14).
Segundo Young (2003, p.15 e 16):
Os Esquemas Iniciais Desadaptativos se referem a temas extremamente estáveis e duradouros que se desenvolvem durante a infância, são elaborados ao longo da vida e são disfuncionais em um grau significativo. Esses esquemas servem como modelos para o processamento da experiência posterior.
Os Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) possuem seis características: 1)
são crenças e sentimentos incondicionais sobre si mesmo em relação ao ambiente,
verdades a priori, implícitas e aceitas como algo natural; 2) são autoperpetuadores
e, portanto, muito mais resistentes à mudança; 3) são disfuncionais de uma maneira
significativa e recorrente; 4) são ativados por eventos ambientais importantes para o
esquema em específico; 5) estão ligados a altos níveis de afeto, quando ativados; 6)
parecem ser o resultado do temperamento inato da criança interagindo com
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experiências disfuncionais cotidianas cumulativas com pais, irmãos e amigos
durante os primeiros anos de vida (YOUNG, 2003).
Até o presente momento foram identificados dezoito Esquemas Iniciais
Desadaptativos, os quais se agrupam em cinco amplos Domínios de Esquema, que
correspondem a necessidades evolutivas do desenvolvimento emocional da criança,
também chamadas de “tarefas desenvolvimentais” (YOUNG, 2003):
1) Desconexão e Rejeição: Abandono/Instabilidade; Desconfiança/Abuso;
Privação Emocional; Defectividade/Vergonha; Isolamento
Social/Alienação;
2) Autonomia e Desempenho Prejudicados: Dependência/Incompetência;
Vulnerabilidade; Emaranhamento/Self Subdesenvolvido; Fracasso;
3) Limites Prejudicados: Merecimento/Grandiosidade; Autocontrole e
Autodisciplina Insuficientes;
4) Orientação para o Outro: Subjugação; Auto-Sacrifício; Busca de
Aprovação e Reconhecimento;
5) Supervigilância e Inibição: Negativismo/Pessimismo; Inibição Emocional;
Padrões Inflexíveis/Crítica Exagerada; Caráter Punitivo.
Conexão é o sentimento de estar conectado a outras pessoas de maneira
estável e duradoura. Envolve intimidade, laços emocionais estreitos, e integração
(sentimento de pertencimento a um grupo). A aceitação envolve o sentimento de ser
digno de ser amado pelos outros, e merecedor de atenção, amor e respeito. Quando
as crianças não vivenciam um ambiente em que predominam as experiências de
conexão e aceitação, ficam propensas aos esquemas relativos a
Desconexão/Rejeição (YOUNG, 2003).
Autonomia é o sentimento de poder funcionar independentemente do mundo,
sem o contínuo apoio dos outros. Desempenho refere-se à capacidade de sair-se
bem na escola e no trabalho. Quando os pais não conseguem proporcionar um
ambiente que encoraje a autonomia, a criança fica propensa aos esquemas relativos
à Autonomia e Desempenho Prejudicados (YOUNG, 2003).
O domínio Limites Prejudicados refere-se à capacidade de disciplinar-se, de
controlar os próprios impulsos e de levar em conta as necessidades dos outros, tudo
isso em um grau adequado (YOUNG, 2003).
Esclarece Young (2003, p.24):
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Os Esquemas de Merecimento/Grandiosidade e Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes desenvolvem-se quando as crianças são muito mimadas pelos pais, elogiadas de forma exagerada, por suas realizações, têm liberdade para fazer tudo o que querem sem importar-se com as necessidades dos outros, não aprendem que os relacionamentos envolvem compartilhamento e reciprocidade, e não são ensinadas a lidar com a derrota ou a frustração.
Para desenvolver um senso saudável de orientação para o outro, a criança
precisa ter pais que a encorajem a expressar apropriadamente suas necessidades e
respondam a essas necessidades sem indevida restrição, punição ou retirada de
apoio. Do contrário, a criança aprende a dar uma ênfase excessiva aos desejos, aos
sentimentos e às respostas dos outros, às custas de suas legítimas necessidades,
para obter amor, aprovação, manter a conexão, ou evitar retaliação. Este padrão
leva ao desenvolvimento dos esquemas relativos ao domínio Orientação Nociva
para o Outro (YOUNG, 2003).
Já em relação ao domínio da Supervigilância e Inibição, os pais que criam
problemas neste normalmente são severos, rígidos ou punitivos. Enfatizam de forma
intensa o desempenho, o dever, o seguimento de regras, o perfeccionismo, e a
evitação de erros. A vida pode perder a alegria e ficar caracterizada pela
preocupação e pessimismo. Nesse caso, a criança sente que para ser merecedora
de amor, precisa atingir um nível de desempenho extremamente elevado, o que
pode originar algum dos quatro esquemas deste domínio (YOUNG, 2003).
A Terapia do Esquema identifica três importantes processos de um esquema:
Manutenção, Evitação e Compensação.
A Manutenção do Esquema refere-se aos modos pelos quais os Esquemas
Iniciais Desadaptativos são reforçados. No nível cognitivo, isto se dá pelo destaque
ou exagero de informações que confirmem o esquema, concomitantemente à
negação ou minimização de informações que possam refutá-lo (abstração seletiva).
Tais processos são descritos por Beck como distorções cognitivas (BECK, 1967
apud YOUNG, 2003). No nível comportamental, a manutenção ocorre por meio de
padrões de comportamento autoderrotistas, como no caso da mulher com esquema
de subjugação que repetidamente se envolve com homens dominadores.
A Evitação do Esquema refere-se aos modos pelos quais o indivíduo evita
ativar o esquema inicial desadaptativo e, consequentemente, o contato com as
emoções extremamente desagradáveis que o acompanham. No nível cognitivo,
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pensamentos e imagens que possam acionar os esquemas são bloqueados,
esquecidos, ou simplesmente não se manifestam. No nível emocional, podem
ocorrer tentativas conscientes ou inconscientes de bloquear sentimentos associados
aos esquemas. Estas emoções simplesmente não são vivenciadas de forma direta e
consciente. No nível comportamental, os pacientes evitam situações que possam
evocar os esquemas iniciais desadaptativos (YOUNG, 2003).
A Compensação do Esquema refere-se aos modos pelos quais os esquemas
iniciais desadaptativos são supercompensados. Fundamentalmente os pacientes
adotam padrões de pensamento e comportamento diametralmente opostos ao
conteúdo de seus esquemas. “Por exemplo, alguns pacientes que experienciaram
uma significativa Privação Emocional na infância comportam-se de maneira
narcisista quando adultos” (YOUNG, 2003).
Elucida Young (2003, p.28):
A compensação do esquema, muitas vezes, é funcional até certo ponto, pois em vez de se comportar de modo a reforçar um senso de privação, alguns pacientes se esforçam ao máximo para atender a essas necessidades. Infelizmente, as tentativas podem passar dos limites e acabar sendo um tiro pela culatra. O paciente narcisista pode acabar afastando amigos, cônjuges e colegas, voltando novamente a um estado de privação.
1.3 Sobre a Personalidade e seus Transtornos
Conforme Bastos (1997b apud DALGALARRONDO, 2008, p.257),
personalidade é:
[...] o conjunto integrado de traços psíquicos, consistindo no total das características individuais, em sua relação com o meio, incluindo todos os fatores físicos, biológicos, psíquicos e socioculturais de sua formação, conjugando tendências inatas e experiências adquiridas no curso de sua existência.
Já Mecler (2015), conceitualiza a personalidade como o resultado da
combinação e da interação entre o temperamento, herdado geneticamente e
regulado biologicamente, e o caráter, que é a relação do temperamento com a
experiência ambiental (vivências e aprendizados).
Levando em conta tais definições, o que distinguiria uma personalidade
saudável de uma que poderia ser considerada patológica?
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Millon e Escovar (1996ª apud CABALLO, 2014) consideram que os
indivíduos:
[...] possuem uma personalidade normal, sã, quando manifestam a capacidade para enfrentar o ambiente de um modo flexível e quando suas percepções e comportamentos típicos estimulam o aumento da satisfação pessoal. Pelo contrário, quando as pessoas respondem às responsabilidades diárias de forma inflexível ou quando suas percepções e comportamentos têm como consequência um mal-estar pessoal ou uma redução das oportunidades para aprender e crescer, então podemos falar de um padrão patológico ou desadaptativo.
Para Schneider (1974, apud DALGALARRONDO, 2008, p. 268), o sujeito com
transtorno de personalidade apresenta duas qualidades básicas: sofre e faz sofrer a
sociedade; e não aprende com a experiência.
No transtorno da personalidade, há uma significativa desarmonia nos planos
intrapsíquico e interpessoal, e embora geralmente produza muito sofrimento para o
indivíduo e conviventes, tais transtornos não são facilmente modificáveis por meio
das experiências de vida, pelo contrário: tendem a permanecer estáveis ao longo do
tempo (DALAGOLARRONDO, 2008).
Segundo a atual classificação de transtornos mentais da OMS (1993), a
chamada CID-10, as diretrizes diagnósticas gerais aplicáveis a todos os transtornos
de personalidade são as seguintes:
Condições não diretamente atribuíveis à lesão ou à doença cerebral flagrante ou a outro transtorno psiquiátrico, satisfazendo os seguintes critérios:
(a) atitudes e condutas marcadamente desarmônicas,
envolvendo em várias áreas de funcionamento, p. ex.
afetividade, excitabilidade, controle de impulsos, modos de
percepção e de pensamento e estilo de relacionamento com
os outros;
(b) o padrão anormal de comportamento é permanente, de
longa duração e não limitado a episódios de doença mental;
(c) o padrão anormal de comportamento é invasivo e
claramente mal-adaptativo para uma ampla série de
situações pessoais e sociais;
(d) as manifestações acima sempre aparecem durante a
infância ou adolescência e continuam pela vida adulta;
(e) o transtorno leva à angústia pessoal considerável, mas isso
pode se tornar aparente apenas tardiamente em seu curso;
21
(f) o transtorno é usual, mas não invariavelmente associado a
problemas significativos no desempenho ocupacional e
social.
Caballo (2014, p.31) lista as seguintes características básicas de um
transtorno de personalidade: está profundamente enraizado e é de natureza
inflexível; é desadaptativo, especialmente em contextos interpessoais; é
relativamente estável ao longo do tempo; prejudica de forma significativa a
capacidade funcional do indivíduo; e finalmente, produz mal-estar no ambiente do
sujeito.
A CID-10 (1993) enumera oito transtornos específicos de personalidade:
paranoide, esquizoide, antissocial, emocionalmente instável (subdividido em tipo
impulsivo e borderline), histriônico, anancástico ou obsessivo-compulsivo, ansioso
ou evitativo, e dependente.
Já o DSM-V (2015) lista dez categorias específicas, reunidas em três grupos.
O grupo A congrega paranoides, esquizoides e esquizotípicos, chamado grupo dos
“excêntricos-esquisitos”. No grupo B estão os antissociais, borderlines, histriônicos e
narcisísticos, considerados os “dramáticos-emocionais-volúveis”. E o grupo C
contempla os evitativos, dependentes e obsessivo-compulsivos, ou seja, os
“ansiosos-temerosos”.
1.4 Sobre a Personalidade Narcisista
Conforme observa Caballo (2014, p.177):
Atualmente nossa sociedade favorece o individualismo [...] e o progresso [...] à custa dos esforços dos demais. Características como a segurança em si mesmo, a persuasão ou a competitividade constituem aspectos altamente valorizados hoje em dia, e se esses elementos dirigem-se à consecução de objetivos, a possibilidade de ser reforçados pela sociedade é muito elevada. Não importa que isso acarrete humilhação, menosprezo, subvalorização ou destruição de pessoas que não se adaptam ao estilo produtivo. [...] O estilo narcisista sabe utilizar essas tendências de nossa sociedade a seu favor e tirar proveito para progredir e avançar no terreno profissional.
Ainda, segundo tal autor, o termo narcisismo origina-se da mitologia grega,
que conta que o personagem Narciso, admirado por ser muito belo, foi impedido de
observar sua aparência, em troca de longevidade. Após rejeitar o amor dos outros,
22
acabou apaixonando-se por sua própria imagem refletida na água de uma fonte.
Terminou consumido em um desejo insatisfeito e transformou-se na flor que leva seu
nome (CABALLO, 2014).
Diversos autores basearam-se em tal mito para descrever comportamentos,
fases do desenvolvimento infantil, e um perfil de personalidade às vezes saudável,
às vezes patológico, tais como Havelock Ellis, Paul Nacke, Sadger, Freud, Reich e
Fenichel, mas enquanto entidade diagnóstica, tal transtorno surgiu principalmente
dos trabalhos dos psicanalistas da psicologia do self, como Kohut (CABALLO, 2014).
Qualidades como auto confiança e autoestima tornam os sujeitos sociáveis e
seguros, mas tais qualidades em exagero podem transformar o sujeito em alguém
arrogante e explorador, distorcendo suas avaliações e fazendo-os crer que suas
contribuições são muito mais valiosas do que são na realidade (CABALLO, 2014).
Elucidam Beck, Freeman e Davis (2005, p.207):
O transtorno da personalidade narcisista (TPN) é um amplo padrão de consideração distorcida, por si mesmo e pelos outros. Embora seja normal e sadio assumir uma atitude positiva em relação a si, as pessoas narcisistas exibem uma visão inflada de si mesmas, como especiais e superiores. Todavia, em vez de uma grande autoconfiança, o narcisismo reflete uma autopreocupação engrandecedora. O narcisista é muito ativo e competitivo ao buscar status, e sinais externos de status são utilizados como a medida do valor pessoal.
Mecler (2015) descreve tais pessoas como “caçadores de admiração”, e
informa tratar-se de sujeitos que estão sempre superestimando suas capacidades e
exagerando seus feitos. Querem sempre o primeiro lugar e só admitem qualidades
em si mesmos, além de terem a propensão a viver no mundo dos devaneios, onde a
glória, a fama e o prestígio são normais.
Campelos (2013) informa que foram identificados quatro aspectos da
descrição fenomenológica e taxonômica que são abordados na literatura do
narcisismo patológico: natureza do narcisismo (normal ou patológica), fenótipo
(grandioso ou vulnerável), expressão (ostensivo ou encoberto), e estrutura
(categoria, dimensão e protótipo).
Pincus et al. (2009 apud CAMPELOS, 2013), concluiu que:
...dois subtipos gerais de disfunção narcisista, categorizados como narcisista grandioso e narcisista vulnerável, poderiam sintetizar os vários graus fenotípicos que surgiram ao longo da literatura. O subtipo grandioso lida com uma desregulação da autoestima criando uma sensação exagerada de superioridade e singularidade e apresenta fantasias de grandiosidade. Estes indivíduos são manipuladores, assertivos, arrogantes,
23
dominantes, exibicionistas, apresentam falta de empatia e experienciam inveja intensa e agressividade como resultado da desregulação de afecto, normalmente apresentam pouco “insight”. O subtipo vulnerável é introvertido, reflecte uma grandiosidade insegura e defensiva que eclipsa sentimentos obscuros de inadequação, incompetência e afecto negativo. Também lidam com desregulação da autoestima, apresentando fantasias de grandiosidade, sentindo ao mesmo tempo vergonha intensa sobre as suas necessidades e ambições. O problema de afecto dominante neste subtipo é a vergonha em vez da inveja ou agressividade como no outro subtipo, eles evitam relações interpessoais devido à hipersensibilidade à rejeição e à crítica.
Dalgalarrondo (2008) caracteriza o indivíduo com tal transtorno da seguinte
forma:
1. Senso grandioso e irreal da própria importância. Pensa ter talentos especiais
e espera que reconheçam sua superioridade, sem que tenha feito algo
concreto para isso.
2. Voltado a fantasias de sucesso, poder, brilhantismo, beleza ou de um amor
ideal.
3. Crê que somente pessoas e instituições também excecionalmente especiais
possam estar à sua altura.
4. Necessita de muita admiração.
5. Explorador nas relações pessoais, buscando tirar vantagens dos outros para
atingir o sucesso.
6. Sem empatia por pessoas consideradas comuns.
7. Normalmente invejoso do sucesso alheio, tende a pensar que é objeto de
inveja.
8. Arrogante.
Segundo o DSM V (apud MECLER, 2015), o transtorno de personalidade
narcisista apresenta nove características que devem ser consideradas para o
diagnóstico:
1. Sensação grandiosa quanto à própria importância;
2. Fantasias de sucesso ilimitado, na vida profissional e na amorosa;
3. Crença de ser alguém único e especial;
4. Demanda excessiva por atenção;
5. Certeza de possuir direitos exclusivos;
6. Carência de empatia;
24
7. Tendência a ser explorador nas relações interpessoais;
8. Comportamento arrogante e insolente;
9. Propensão a ter inveja e se sentir alvo de inveja.
Já a CID-10 (1993), no trecho em que descreve os transtornos específicos da
personalidade, denominado F60, refere-se ao transtorno de personalidade narcisista
como “F60.9 Transtorno de personalidade não especificado”, não chegando a
descrevê-lo.
Millon e Everly (1994 apud Caballo, 2014), apontam três fatores ambientais
que, isoladamente ou combinadamente, aparentam relacionar-se com o
desenvolvimento de tal transtorno desde os primeiros anos de vida.
O primeiro fator é a indulgência parental e supervalorização, ou seja, o fato
de que alguns pais consideram seus filhos um presente divino e os adorem de tal
modo que não os deixam assumir responsabilidades em casa e os convencem de
que tudo o que fazem ou dizem sempre é perfeito. Dessa forma a criança aprende
que é especial, que deve ser tratada de modo diferenciado sem ter de fazer nada
para isso, e que pode esperar a sujeição de pessoas consideradas inferiores, e
elogios por quaisquer coisas que faça (MILLON&EVERLY, 1994 apud CABALLO,
2014).
O segundo fator são os comportamentos exploradores apreendidos,
segundo o qual, a citada criança, ao sair deste lar indulgente e supervalorizador, cria
expectativas pelas quais, se não for tratada de maneira semelhante, desenvolve
habilidades para manipular e explorar, e para receber a atenção que imagina
merecer (MILLON&EVERLY, 1994 apud CABALLO, 2014).
O terceiro fator é o status de filho único. Se a criança não desenvolve o
senso da responsabilidade social que aprenderia caso tivesse irmãos, e ainda é
vista pelos pais como um presente de Deus, são potencializados os dois fatores
anteriores (MILLON&EVERLY, 1994 apud CABALLO, 2014).
Esclarecem Beck, Freeman e Davis (2005, p.211):
Um esquema de si mesmo como carente de ser especial e superior para escapar à inferioridade pode se desenvolver de diversas maneiras. Tendências narcisistas podem ser herdadas (Livesley, Jang, Schroeder e Jackson, 1993) e moldadas por pais que supercompensam sentimentos de inferioridade ou insignificância. Em vez de aprender a aceitar e dominar sentimentos normais e temporários de inferioridade, essas experiências são
25
vistas como ameaças a serem derrotadas, principalmente pela aquisição de símbolos ou validação externos.
Beck, Freeman e Davis (2005) ensinam que a existência de talentos, dons,
qualidades ou posições especiais, socialmente valorizados, provocam respostas
sociais que fortalecem a crença de superioridade. Estar associado a grupos que
pregam ideias de exclusividade e superioridade e criticam pessoas de fora também
reforçam tal crença.
As experiências de causar má impressão, sentir-se mal, perder uma posição
especial ou deparar-se com limites são percebidas como ameaças à autoimagem,
denominada “insulto narcísico”. Quando isso ocorre, o narcisista reage com raiva e
defensividade, podendo demonstrar surpreendente desconsideração pelas outras
pessoas (BECK; FREEMAN; DAVIS, 2005).
Na revisão bibliográfica serão abordadas as teorias e técnicas elaboradas
pela Terapia Cognitiva de Beck e pela Terapia do Esquema de Young para tratar
deste transtorno.
26
2. OBJETIVO
O presente trabalho tem o objetivo de fazer um levantamento das atuais
abordagens e técnicas da terapia cognitivo-comportamental terapia do esquema no
tratamento do transtorno de personalidade narcisista.
27
3. METODOLOGIA
Quanto à metodologia utilizada, segundo seus objetivos mais gerais, a
presente pesquisa pode ser chamada de exploratória.
Conforme ensina Gil:
[...] têm como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Seu planejamento tende a ser bastante flexível, pois interessa considerar os mais variados aspectos relativos ao fato ou fenômeno estudado. A coleta de dados pode ocorrer de diversas maneiras, mas geralmente envolve: 1. levantamento bibliográfico; 2. entrevistas com pessoas que tiveram experiência prática com o assunto; e 3. análise de exemplos que estimulem a compreensão (SELLTIZ et al., 1967, p. 63). Em virtude dessa flexibilidade, torna-se difícil, na maioria dos casos, "rotular" os estudos exploratórios, mas é possível identificar pesquisas bibliográficas, estudos de caso e mesmo levantamentos de campo que podem ser considerados estudos exploratórios. Pode-se afirmar que a maioria das pesquisas realizadas com propósitos acadêmicos, pelo menos num primeiro momento, assume o caráter de pesquisa exploratória, pois neste momento é pouco provável que o pesquisador tenha uma definição clara do que irá investigar. (GIL, 2010, p.15)
A presente monografia problematiza a questão de quais seriam as
contribuições das terapias cognitiva e focada no esquema para o tratamento do
transtorno de personalidade narcisista.
Tal estudo se justifica em razão do crescimento de diagnósticos de
transtornos de personalidade, incluindo o transtorno de personalidade narcisista.
Cientificamente este trabalho intenta ser uma humilde contribuição para a
ampliação do campo de saber das terapias cognitivo-comportamentais.
O tipo de pesquisa utilizada, no tocante aos seus objetivos, é a exploratória,
uma vez que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema,
tornando-o mais explícito.
O procedimento técnico para a coleta de dados é o delineamento
bibliográfico, eis que é desenvolvida com base em material já elaborado oriundo de
diversas fontes, constituído principalmente de livros de referência sobre o assunto.
O trabalho realizado é monográfico. É estudado o tema em particular, de
suficiente valor representativo e que obedece a rigorosa metodologia, investigando o
28
assunto não só em profundidade, mas em seus aspectos mais relevantes para este
autor.
Para o levantamento dos dados foram utilizadas as seguintes palavras-chave
em português: transtornos de personalidade, transtorno de personalidade narcisista,
transtorno de personalidade narcisística, terapia cognitivo-comportamental, terapia
focada no esquema.
Procurou-se fazer o levantamento bibliográfico baseado em publicações
nacionais e de período recente, tendo como base de dados pesquisas publicadas
nos sites Scielo, Pubmed, Google Acadêmico, Periódico Capes e livros.
Os critérios de inclusão nesse estudo foram trabalhos realizados com
pacientes com transtorno de personalidade narcisista e que foram tratados ou pela
terapia cognitivo-comportamental desenvolvida por Aaron T. Beck, ou pela terapia
focada no esquema desenvolvida por Young.
Os critérios de exclusão para a presenta pesquisa foram trabalhos que não
fizeram uso das teorias e técnicas da terapia cognitiva e da terapia do esquema.
29
4. RESULTADOS
4.1 A Terapia Cognitiva no Tratamento da Personalidade Narcisista
Caballo (2014) elucida que os instrumentos específicos de avaliação deste
transtorno são: a Escala de Traços Narcisistas (Narcissistic Trait Scale, NTS;
Richman e Flaherty, 1987), o Inventário da Personalidade Narcisista (Narcissistic
Personality Inventory, NPI; Raskin e Hall, 1979), o Inventário Multifásico de
Narcisismo de O’Brien (O’Brien Multiphasic Narcissism Inventory; O’Brien, 1987), ou
a escala de Narcisismo do MMPI.
Segundo Beck, Freeman e Davis (2005, p.213): “A crença central do
transtorno da personalidade narcisista é de inferioridade e insignificância. [...] De
outra forma, a crença manifesta é uma atitude compensatória de superioridade...”.
Quando em processo terapêutico, tal paciente deseja ser admirado por qualidades
especiais, porém resiste a analisar sentimentos de inferioridade, preferindo ver a
causa de seus problemas como exterior.
Beck, Freeman e Davis (2005) listam as seguintes crenças intermediárias ou
suposições condicionais mais comuns no paciente narcisista: Evidências de
Superioridade, Relacionamentos como Instrumentos, Poder e Merecimento,
Preservação da Imagem, Contribuições Meritórias e Afeto.
O sujeito narcisista crê que certas circunstâncias ou recursos concretos
são evidência e validação de superioridade, prestígio especial e valor. Por isso,
crê que precisa ter sucesso para provar o seu valor e que, caso não o possua, isso
significaria que ele não possui nenhum valor ou importância. Sua autoestima pode
se degradar se tais sinais exteriores estiverem comprometidos ou inatingíveis
(BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
Os outros sempre são vistos como objetos ou instrumentos na busca de
admiração e prestígio. Se de alguma maneira podem ajuda-lo a progredir, serão
primeiramente idealizados, e depois descartados. Mas se forem percebidos como
comuns (o que para eles significa inferioridade), serão repelidos. Beck, Freeman e
Davis (2005) explicam que “O valor dos outros está em como podem servi-lo ou
admirá-lo”.
30
O poder e o merecimento são vistos como evidência de superioridade.
Para demonstrar poder, o narcisista pode modificar limites, tomar decisões
isoladamente, controlar os outros e determinar exceções a regras que se aplicam a
pessoas comuns. Outra suposição é a crença de que não precisa seguir as regras e
leis normais, como as da ciência e da natureza. Por isso, pode ignorar evidências de
riscos, por se achar uma exceção, e que por isso irá se safar. E o “isso” pode ser
usar drogas, dirigir sem cuidado, comer demais, comprar demais, abusar emocional
ou sexualmente de alguém, ou então agredir alguém.
Elucidam Beck, Freeman e Davis (2005, p.211):
Outras expectativas normais, como se comprometer com um casamento, podem ser evitadas ou causar ressentimento, com base na crença de que “deveria ser fácil para mim, eu não deveria precisar me esforçar dessa maneira”. O paciente narcisista também supõe, como condição de poder, que “as pessoas devem satisfazer as minhas necessidades” e que “as necessidades dos outros jamais devem interferir nas minhas”. Assim, ele tende a viver as situações sentindo-se automaticamente merecedor de gratificação pessoal. A partir de exemplos simples, como tomar para si o melhor lugar, o bife maior ou o melhor quarto, [...] a afirmação de suas necessidades parece ignorar totalmente as necessidades alheias.
O narcisista crê que “imagem é tudo”, pois ela é a proteção de seu valor
pessoal, e por isso confirmar e manter sua imagem é uma preocupação primordial, e
ele se vê sempre exposto. Não causar admiração pode ser motivo de perturbação,
gerando dúvidas sobre seu valor pessoal. Tal crença por vezes atinge àqueles que
são vistos como extensão do sujeito, como esposa e filhos, os quais, caso não
causem boa impressão, podem ser ridicularizados, punidos ou atormentados pelo
narcisista (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
O portador deste transtorno costuma supor que faz contribuições
meritórias aos outros, exagerando as necessidades alheias e seus próprios
méritos. “Eles precisam de mim” e “Estou prestando um favor a eles” podem
justificar ações que são mais autogratificantes ou exploratórias. Ver a si mesmo
como um benfeitor generoso pode permitir a negação de riscos ou danos a terceiros
(BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
Na personalidade narcisista, há superestimação das consequências
negativas de emoções como tristeza, culpa e incerteza, que são vistas como
fraquezas pessoais que ameaçam sua autoimagem positiva. De outra forma, os
riscos associados à raiva ou autoadmiração incontrolados são minimizados ou
31
negados. Conforme Beck, Freeman e Davis (2005, p.216): “...com frequência, tem
baixa tolerância à frustração e espera não só ter os seus desejos gratificados, mas
também permanecer em um estado regular de reforço positivo”.
Esclarecem Beck, Freeman e Davis (2005, p.217):
Os indivíduos narcisistas são muito ativos em suas tentativas de reforçar crenças auto-engrandecedoras e evitar experiências de desconforto ou vulnerabilidade. Eles têm sonhos grandiosos e buscam a fama, o amor ideal romântico ou o poder. [...] O objetivo disso é obter admiração, demonstrar superioridade e se tornar invulnerável à dor ou à perda da estima. Há pelo menos três tipos de estratégias que expressam essa orientação para a ação.
Tais estratégias são: de Auto-Reforço, de Auto-Expansão e de Autoproteção.
Pela estratégia de Auto-Reforço o sujeito narcisista busca reforçar seu
poder e importância pedindo um feedback elogioso ou demonstrando
comportamento arrogante, e condescendente com subordinados. É como se
dissesse: “Vejam como sou importante e influente!” (BECK, FREEMAN e DAVIS,
2005).
Por meio da estratégia de Auto-Expansão o narcisista busca acumular
símbolos de status, perfeição e poder, como posses materiais, realizações,
reconhecimento, ou um estilo de vida diferenciado, ainda que isso importe em
atividades arriscadas (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
Já a estratégia de Autoproteção visa repelir ameaças à auto-imagem
grandiosa, tais como avalições não lisonjeiras, discordâncias ou críticas diante de
plateias ou pessoas tidas como importantes. Tais tipos de comentários podem
provocar explosões de raiva, devido a experiência de insulto narcísico que tais
pessoas vivenciam (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
No início do tratamento, tais pessoas costumam se opor à mudança, negando
terem problemas, os quais são externalizados a outras pessoas e circunstâncias.
Algo precisa mudar, mas não eles! (CABALLO, 2014).
Nas entrevistas de avaliação, o candidato a paciente com este transtorno
tende a menosprezar o profissional por julgá-lo sem experiência, conhecimento ou
inteligência suficientes para compreendê-lo. O vínculo é estabelecido depois de um
período considerável de tempo, no qual o terapeuta consegue atenuar os ares de
grandiosidade do narcisismo (CABALLO, 2014).
32
De forma alternativa, o paciente pode tentar deslumbrar o terapeuta e usar a
lisonja para atraí-lo para o seu grupo de pessoas “excepcionais”.
Ensinam Beck, Freeman e Davis (2005, p.219):
Os terapeutas podem ficar desanimados se esperarem um processo tranquilo de aplicação de técnicas cognitivas. Os pacientes narcisistas possuem problemas significativos que interferem na colaboração, incluindo ausência de insight e um foco de mudança externo. [...] É provável que se sintam merecedores de um tratamento especial e desprezem recomendações concretas e habituais. Eles esperam se sentir melhor, sem esforço ou risco, e podem se ressentir da expectativa de colaboração.
É importante elogiar e apoiar suas atitudes positivas, para atender suas
expectativas de relacionamento e manter o engajamento no processo terapêutico,
mas de forma estratégica intentando reforçar comportamentos desejados (BECK,
FREEMAN e DAVIS, 2005).
O psicoterapeuta pode sentir repulsa ou desgosto como reação a atitudes
imorais ou exploradoras do paciente narcisista. Ou então pode ficar encantado pela
lisonja deste sujeito aparentemente tão sagaz e poderoso. Ambas as respostas
ameaçam a integridade do tratamento, e exigem a atenção do profissional (BECK,
FREEMAN e DAVIS, 2005).
Caballo (2014, p.190), indica algumas das etapas usadas na terapia cognitiva
para a mudança do paciente narcisista:
1. A mudança de distorções cognitivas que o paciente tem sobre si mesmo
(p.ex., “Sou único e especial e ninguém chega a meus pés”) por outros
pensamentos mais realistas (p. ex., “Toda pessoa é, de algum modo,
única e especial. É possível ser humano, como todo o mundo, sem
deixar de ser único”).
2. A reestruturação por meio de imagens pode ser útil para remover as
imagens narcisistas e substituí-las por fantasias que ponham a ênfase
nas gratificações e prazeres cotidianos que estão ao alcance da mão.
3. A hipersensibilidade à avaliação pode ser abordada por meio da
dessensibilização sistemática e, como exercício específico, o paciente
pode pedir feedback a determinadas pessoas.
4. Detenção e distração do pensamento para acabar com os hábitos de
pensamento sobre o que os outros estão pensando.
5. Treinamento em empatia, com representação e inversão de papéis e
estabelecimento de modos alternativos para lidar com os outros.
6. Utilização das técnicas precisas para a intervenção sobre problemas
específicos, ou associados, como maus-tratos verbais ou físicos,
assédio sexual ou comportamentos de beber ou gastar em excesso. Em
caso de problemas conjugais ou com familiares, é possível utilizar a
terapia de casal ou a terapia familiar.
33
De acordo com Beck, Freeman e Davis (2005), há três áreas-alvo
importantes da personalidade narcisista a serem trabalhadas:
1. Melhora das habilidades de conquista de objetivos e exame do significado
do sucesso;
2. Consciência dos limites e perspectivas dos outros;
3. Exame de crenças sobre valor pessoal e emoções, bem como a
elaboração de alternativas construtivas.
Diversos instrumentos da terapia cognitivo-comportamental podem ser úteis:
gráficos em formato de pizza para pensarmos em termos mais amplos e para
estabelecer prioridades; role-play para aumentar a empatia; procedimentos de
gradação e revisão de opções para atenuar reações emocionais exageradas a
situações de “insulto narcísico”; estabelecimento de objetivos e persistência em
tarefas progressivas para tratar o excessivo foco nas fantasias; a descoberta
guiada pode ser usada para explorar crenças e suposições de grandeza, e buscar
alternativas mais adaptativas; a hipnoterapia cognitiva para mudança de
esquemas (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
Conforme Beck, Freeman e Davis (2005, p.220):
Já que os pacientes com TPN temem se expor aos seus sentimentos de inferioridade, devemos fazer o mais rápido possível uma lista concreta de problemas, com base nas dificuldades específicas apresentadas por eles. A ambivalência em relação a estar em terapia pode ser tratada examinando-se os prós e os contras de aproveitar a terapia como uma maneira de lidar com os problemas da lista. [...] Conforme o rapport se desenvolve [...] um instrumento estruturado como o Personality Belief Questionnaire (PBQ) é útil para avaliar crenças narcisistas específicas e sua intensidade. [...] A seguir podem ser exploradas possíveis modificações de crenças centrais.
Conquistar grandes objetivos é fundamental para o senso de valor do
narcisista, porém é provável que o grande esforço e a frustração inerentes a estas
experiências provoquem sentimentos negativos a respeito de si mesmo. A
verdadeira maestria e realização são muitas vezes atrapalhadas por presunção,
excesso de confiança na fantasia, expectativas grandiosas rígidas e esforço
insuficiente. “Mesmo quando existem grandes realizações [...] o significado derivado
desse sucesso continua a ser problemático, pois ele é a medida do valor individual”
(BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).
Quando o paciente apresenta como problema o fracasso de expectativas e
sonhos, é possível supor que as ruminações comparativas, a minimização da
34
necessidade de esforço e o desprezo por resultados parciais sejam causados por
expectativas inflexíveis de grandes realizações (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005,
p. 221).
Quando surgem inveja e raiva por não ter conseguido o que fantasia ser seu
direito, uma abordagem útil é concordar quanto às vantagens para o paciente, e
simultaneamente avaliar custos e benefícios do atual comportamento e discutir
alternativas que possam resolver o problema (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p.
221).
Elucidam Beck, Freeman e Davis (2005, p.220):
Se o rapport terapêutico estiver suficientemente bem-estabelecido, o terapeuta talvez queira explorar o raciocínio por trás das crenças de merecimento, questionando delicadamente essa posição e explorando o significado associado à renúncia disso. O que se perde, realisticamente, quando se faz alguma concessão? O que poderemos ganhar se desistirmos de alguma coisa?
Um objetivo fundamental é ajudar o paciente narcisista a melhorar suas
habilidades de intimidade: ouvir, empatizar, importar-se e aceitar a influência dos
sentimentos dos outros. Limites a serem enfocados são os de natureza física,
sexual, social e emocional dos outros, assim como os limites de atenção a si mesmo
e aos demais. Além do mais, julgamentos e comparações podem ser apontados
como “violação de limites emocionais”, e sugeridas como alternativas mais
empáticas uma descrição não-avaliativa e a aceitação (BECK, FREEMAN e DAVIS,
2005.
A inflexibilidade nos julgamentos e decisões e as crenças disfuncionais sobre
si mesmo e os sentimentos constituem outro grupo de questões a serem focadas na
terapia (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).
Aceitar influências e mudar de opinião podem ser entendidos como sinais de
fraqueza ou perda de poder. É preciso explorar alternativas a essas ideias. Por
exemplo: até pessoas confiantes e bem-sucedidas mudam de posição, quando
certas coisas estão em risco (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
Quanto aos sentimentos e emoções, o narcisista crê que deve sentir-se à
vontade, feliz e confiante o tempo todo. Alguns pacientes creem que sentir-se mal
significa que são pessoas incapazes e inadequadas, e que pessoas confiantes e
especiais nunca têm de lidar com emoções negativas como decepções, medo,
tristeza ou ansiedade (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).
35
Conforme Beck, Freeman e Davis (2005, p.220):
O primeiro passo para a aceitação de experiências emocionais pode ser simplesmente oferecer validação e apoio empático. Segundo, convém salientar que a expectativa de afeto positivo ininterrupto é diretamente autoderrotista, pois cria um contexto em que qualquer sentimento negativo é uma ameaça à autoestima. Além disso, o terapeuta pode chamar a atenção para as atitudes de desprezo ou rejeição do paciente, em relação a certas emoções, observando a natureza avaliativa desses pensamentos automáticos, como “Sou burro e fraco por me sentir magoado” ou “É intolerável que eu não me sinta feliz o tempo todo”. Essas afirmações avaliativas podem também ser exploradas em termos de vantagens e desvantagens de manter a crença, bem como das vantagens e desvantagens de uma posição alternativa, por exemplo acreditar que a gama de emoções é normal e humana, inclusive uma parte da vitalidade e do desafio de viver.
O paciente narcisista normalmente acredita que é muito importante ser
admirado, e caso não seja, seu valor pessoal é duvidoso. Por isso é preciso
examinar e testar tal crença disfuncional por meio do debate socrático e outras
técnicas cognitivas e comportamentais, bem como fortalecer crenças mais
adaptativas, como possíveis fontes alternativas de autoestima. O terapeuta pode
sugerir uma lista de crenças para ajudar o paciente a considerar as possibilidades e
tirar proveito delas (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005, p. 221).
Beck, Freeman e Davis (2005) listam as seguintes possíveis crenças para
aumentar a autoestima por meio de experiências de compartilhar e pertencer:
“Posso ser humana como qualquer outra pessoa, e ainda ser especial.”
“A autoestima pode vir de participar e pertencer.”
“É bom fazer coisas simplesmente para se divertir, construir
relacionamentos ou contribuir para os outros, sem pensar em
reconhecimento.”
“Eu posso ser comum e feliz.”
“Há recompensas em ser um membro da equipe.”
“Os relacionamentos são experiências, não símbolos de status”.
“A opinião dos outros pode ser válida e útil, mesmo quando nos
incomoda.”
“Todo o mundo é especial de alguma maneira.”
“A superioridade e a inferioridade entre as pessoas são julgamentos de
valor e, portanto, sempre sujeitos à mudança.”
36
“Eu não preciso de constante admiração e status especial para existir e
ser feliz.”
“Eu posso me sentir bem sendo como outras pessoas, em vez de
sempre ter de ser melhor.”
“O status só será a medida do meu valor, se eu acreditar que isso é
verdade.”
Para manter o progresso adquirido em terapia, convém manter contato com o
paciente em um combinado de consultas periódicas, ainda que tais sessões não
ocorram com grande frequência. Este contato tem o poder de apoiar a persistência
de esforços funcionais e pensamentos adaptativos, além de identificar alguma
possível regressão aos padrões anteriores de grandeza. É possível identificar
prováveis dificuldades e preparar um resumo personalizado de instrumentos úteis,
discutidos em terapia (BECK, FREEMAN e DAVIS, 2005).
4.2 A Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista
O enfoque da Terapia Focada no Esquema para os pacientes portadores de
transtorno de personalidade narcisista se baseia nos modos. Tal abordagem
permite construir uma aliança terapêutica com as partes do paciente que lutam por
saúde, e ao mesmo tempo combater as partes disfuncionais, ou seja, as que
produzem isolamento, autodestruição e o prejuízo de outras pessoas (YOUNG,
KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Conforme explicam Young, Klosko e Weishaar (2008, p.48), “Os modos de
operação dos esquemas são os estados emocionais e respostas de enfrentamento –
adaptativos e desadaptativos – que vivenciamos a cada momento”.
Ainda, segundo Young, Klosko e Weishaar (2008, p.48)
Nossa definição revisada de modo de esquema: são os esquemas ou operações de esquemas, adaptativos ou desadaptativos, que estão ativos no indivíduo no momento. Um modo de esquema disfuncional é ativado quando esquemas desadaptativos ou respostas de enfrentamento específicos irrompem em forma de emoções desagradáveis, resposta de evitação ou comportamentos autoderrotistas que assumem o controle do funcionamento do indivíduo.
37
São observados três modos básicos que caracterizam a maioria dos
pacientes com este transtorno (além do modo adulto saudável, que o terapeuta tenta
fortalecer):
1. Criança solitária
2. Auto-engrandecedor
3. Autoconfortador desligado
Os esquemas centrais da personalidade narcisista são privação emocional
e defectividade, que constituem o modo criança solitária. Já o esquema de
arrogo/merecimento trata-se de uma hipercompensação para os esquemas de
privação emocional e defectividade, e também integra o modo auto-engrandecedor
(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O modo criança solitária quase sempre possui o esquema de privação
emocional junto com a estratégia de enfrentamento da hipercompensação. Para
compensar tal esquema, o narcisista passa a se sentir merecedor (esquema de
arrogo/merecimento atuando por hipercompensação), exigindo muito e dando
pouco em troca às pessoas mais próximas. Como possuem a expectativa de
privação, portam-se de modo exigente para garantir a satisfação de suas
necessidades (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Normalmente o esquema de defectividade integra a personalidade narcisista.
Por sentir-se defeituoso, não permite a aproximação de outras pessoas,
manifestando ambivalência em relação à intimidade, pois a deseja, mas sente-se
desconfortável frente a ela, afastando-a quando começa a recebe-la. Isto demonstra
o conflito entre os esquemas de privação emocional e defectividade. Enquanto a
privação o motiva a aproximar-se das pessoas, a defectividade o motiva a se afastar
delas. Acredita que a exposição de qualquer defeito seu é humilhante e provocaria a
rejeição (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Quando o paciente narcisista não consegue atingir padrões elevados em
público (esquema de padrões inflexíveis/crítica exagerada como
hipercompensação à defectividade), sente-se inferior e envergonhado. Tais
fracassos em geral vão causar depressão e outros sintomas, como ansiedade e
transtornos psicossomáticos. Além do mais, os fracassos costumam produzir novos
esforços de hipercompensação (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
38
Na prática, os nomes dos modos são adaptados a cada paciente. Podemos
chamar a criança abandonada de “criança rejeitada”, “criança ignorada” ou “criança
inadequada”. O auto-engrandecedor pode ser chamado de “competidor”, e o
autoconfortador desligado de “viciado em excitação” (YOUNG, KLOSKO,
WEISHAAR, 2008).
Young, Klosko e Weishaar (2008) observam também outros esquemas
presentes na personalidade narcisista:
Desconfiança/Abuso
Isolamento Social/Alienação
Fracasso
Autocontrole/Autodisciplina insuficientes
Subjugação
Busca de aprovação/reconhecimento
Padrões inflexíveis/Postura hipercrítica
Postura punitiva
Já Behary (2011), lista os seguintes esquemas típicos associados ao
narcisismo, comentado-os:
Privação emocional: Ninguém jamais satisfará suas necessidades.
Desconfiança/abuso: As pessoas só são simpáticas porque desejam
algo dele.
Defecctividade/vergonha: O narcisista se sente indigno de ser amado
e se envergonha de si mesmo.
Subjugação: Controlar ou ser controlado. Deseja o controle.
Padrões rígidos: Deve sacrificar o prazer para fazer as coisas com
perfeição. A espontaneidade ameaça seu sentimento mascarado de
inadequação.
Merecimento/grandiosidade: É a marca registrada do narcisista. Se
sente especial quando é tratado de forma diferente dos outros.
Encobre o sentimento de defectividade.
Autocontrole insuficiente: Recusa-se a aceitar limites e tem baixa
tolerância ao desconforto.
39
Busca por aprovação: Está buscando constantemente o status e a
admiração. Hipercompensa a solidão e a defectividade.
Em estudo recente apresentado por Isoppo (2012), que demonstra a
manifestação de esquemas desadaptativos remotos em situação clínica de uma
paciente com transtorno de personalidade narcisista, por meio da aplicação da
terapia focada no esquema, fazendo uso do Inventário de Esquemas de Young, os
esquemas mais destacados na paciente foram: inibição emocional, padrões
inflexíveis, desconfiança/abuso, abandono, grandiosidade/arrogo.
Quanto ao modo criança solitária, pode-se afirmar que tais pacientes
sentem-se crianças solitárias somente valorizadas quando engrandecem seus pais.
Pelo fato das necessidades afetivas da criança não terem sido supridas, o narcisista
costuma sentir-se vazio e só. O vínculo mais profundo entre o terapeuta e o paciente
é com este modo (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Este modo carrega a crença do paciente de que ele não merece amor. É
comum tais pacientes crerem que obtiveram sucesso além de suas capacidades
reais. Acreditam que de algum modo enganaram os outros ou tiveram uma incrível
sorte. Sentem no íntimo que não conseguem corresponder às expectativas dos
outros em relação a eles (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Para o narcisista, o oposto de ser especial é ser “na média”. Ser mediano,
normal, comum é sinônimo de fracasso, de ser um “nada”. Esta é a plena
manifestação da distorção cognitiva denominada “pensamento tudo-ou-nada” ou
“pensamento dicotômico”. Ou se tornam o centro das atenções, maravilhosos e
admiráveis, ou são um nada. Isto é consequência da aprovação condicional que
receberam na infância. Se não forem especiais, não serão amados, não terão
companhia, e ficarão sozinhos (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O modo criança solitária é ativado geralmente pela perda de alguma fonte de
afirmação ou status especial. Quando tal modo é ativado, o narcisista tenta voltar
aos outros dois modos o quanto antes: auto-engrandecedor ou autoconfortador
desligado, já que vivenciar a criança solitária é muito doloroso, pois desperta
sentimentos de tristeza, humilhação, e até aversão a si mesmo (YOUNG, KLOSKO,
WEISHAAR, 2008).
40
Quanto ao modo auto-engrandecedor, este é uma manifestação do
esquema de arrogo/merecimento, e funciona como uma hipercompensação para o
modo criança solitária e seus esquemas de privação emocional e defectividade.
Neste modo, o narcisista é arrogante, competitivo, abusivo e busca o status. O
narcisista vivencia este modo na maior parte do tempo (YOUNG, KLOSKO,
WEISHAAR, 2008).
De acordo com Young, Klosko e Weishaar (2008, p.321)
Como a criança solitária (em geral) se sente defectiva, o auto-engrandecedor tenta demonstrar superioridade. Nesse modo os pacientes portam-se de maneira ávida por admiração e apreciam criticar os outros. Têm tendecia a comportamentos competitivos... [...] O esquema também se manifesta por meio de comportamentos que evitam intimidade, como expressar raiva sempre que se sente vulnerável e controlar o fluxo da conversa, afastando-o de material emocionalmente revelador...
O esquema de arrogo/merecimento leva à postura autocentrada e egoísta
do paciente, insensível aos sentimentos dos outros, despreocupado com
necessidades e direitos alheios, e sentindo-se “especial”. Insiste em fazer tudo o que
deseja, independente do custo a outras pessoas (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR,
2008).
No modo auto-engrandecedor, o narcisista apresenta os seguintes
estilos de enfrentamento: agressividade e hostilidade; dominação e assertividade
excessivas; busca de reconhecimento e status; manipulação e exploração. Nem
todos os pacientes narcisistas vão manifestar estilos de enfrentamento tão extremos.
Há um espectro que vai do relativamente benigno ao maligno. Em um extremo, o
paciente é um sociopata, e no outro, ele é auto-absorto, mas capaz de sentir carinho
e empatia por algumas pessoas (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Quando usam de agressividade e hostilidade, agridem as pessoas que não
atendem suas necessidades emocionais (contrapondo-se ao esquema privação
emocional) ou as pessoas que questionam algumas de suas compensações, o que
pode ameaçar a máscara de superioridade (que serve para contrapor o esquema de
defectividade). Quando usam de dominação e assertividade excessivas, é para
intimidar os outros com o objetivo de manter o controle das situações. Quando
buscam status e reconhecimento, é para obter a admiração alheia, e compensar o
esquema de defectividade. Quando usam de manipulação e exploração, é para
usar os outros em gratificação própria. Sentem-se merecedores para compensar
41
sentimentos de privação emocional. Conforme Young, Klosko e Weishaar (2008, p.
322) “(Na verdade, vários esquemas são hipercompensações narcísicas: arrogo,
padrões inflexíveis, busca de reconhecimento)”.
Quanto ao modo autoconfortador desligado, esclarecem Young, Klosko e
Weishaar (2008, p.322)
Enquanto estão com outras pessoas, os pacientes com transtorno da personalidade narcisista geralmente estão no modo auto-engrandecedor. Quando estão sós, desconectam-se da admiração resultante da interação com outros, costumam passar ao modo autoconfortador desligado, no qual fecham suas emoções realizando atividades que, de alguma forma, os confortam ou desviam sua atenção daquilo que sentem. [...] sem outros indivíduos para os enaltecer, o modo criança solitária os aflige. Começam a se sentir vazios, entediados e deprimidos. Na ausência de fontes externas de afirmação, a criança abandonada começa a emergir. O modo autoconfortador desligado consiste em uma forma de evitar o sofrimento da criança solitária.
O modo autoconfortador desligado pode assumir várias formas, todas elas
para evitar os esquemas de defectividade e privação emocional, como
comportamentos realizados de forma aditiva e compulsiva: vício pelo trabalho, jogar,
investir especulativamente em ações, esportes perigosos, sexo promíscuo,
pornografia ou sexo pela internet, drogas, em suma, atividades que produzam
estimulação e excitação. Às vezes, o narcisista pode envolver-se com atividades
solitárias mais autoconfortadoras do que estimulantes, como jogos de computador,
comer em excesso, ver tv, ou fantasiar (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
É importante diferenciar o esquema de arrogo no paciente narcisista do
esquema de arrogo primário em pacientes sem esse transtorno de personalidade.
No narcisismo, o esquema de arrogo é secundário, pois surge como
hipercompensação aos esquemas de privação emocional e defectividade. São
pacientes frágeis, que acabam procurando terapia porque uma de suas fontes de
hipercompensação desabou. Já os pacientes com arrogo primário ou puro, não são
frágeis em sua autoestima. Foram crianças simplesmente mimadas, com pais que
estabeleceram poucos limites, e não exigindo que respeitassem os sentimentos e
direitos alheios. Não se sentem emocionalmente privadas, rejeitadas, solitárias ou
defectivas. Portanto, o arrogo nesse caso não tem caráter compensatório (YOUNG,
KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Existem quatro métodos essenciais para avaliação do transtorno de
personalidade narcisista. O primeiro deles é a observação do comportamento do
42
paciente durante as sessões de terapia. No início do processo terapêutico, os
sintomas mais comuns são comportamentos de arrogo: cancelar sessões de última
hora ou chegar atrasado e ainda assim esperar ter uma sessão completa, questionar
as credenciais do terapeuta a fim de se certificar se ele é “bom o suficiente” para
atendê-lo, tentar impressioná-lo comentando sobre seus dons e feitos, esperar
retornos imediatos de seus telefonemas, pedir horários não-razoáveis com
frequência, reclamar do consultório, idealizar o terapeuta para depois desqualificá-lo
etc. Outro sinal é a tendência a culpar os outros por seus problemas. E um último
sintoma é que o paciente não demonstra empatia, principalmente por pessoas
significativas, incluindo o psicoterapeuta (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O segundo método de avaliação é observar a natureza do problema
apresentado incialmente e o histórico do paciente. Um motivo comum para
busca de tratamento são crises de natureza pessoal ou profissional, porque alguém
importante para eles os rejeita ou reprova como efeito de seu próprio
comportamento autocentrado. Eventualmente procuram tratamento porque alguém
os forçou a isso: parceiros ou outros parentes, chefes, o sistema judicial. Outro
motivo para buscar a terapia é uma sensação de vazio. Ainda que tenham sucesso,
resta um vácuo que não está preenchido: as necessidades emocionais não-
satisfeitas da criança solitária. São vidas carentes de vínculos íntimos e
espontaneidade (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O fracasso na vida pessoal e/ou profissional é outro motivo comum para
busca de tratamento. O paciente falhou em alguma área da vida que servia de
hipercompensação, e agora experimenta humilhação e falta de ânimo. Ele procura
ajuda para reconstruir suas fontes de hipercompensação, mas o terapeuta não pode
apoiar isso, pois precisa aliar-se não ao modo auto-engrandecedor, mas sim aos
modos criança solitária e adulto saudável (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR,
2008).
Outras vezes, o narcisista procura tratamento em decorrência de problemas
com o modo autoconfortador desligado: vício em jogos, abuso de drogas, álcool,
sexo irresponsável, e outras ações impulsivas e compulsivas (YOUNG, KLOSKO,
WEISHAAR, 2008).
43
A insatisfação com o casamento é também outro motivo para a busca da
terapia: por exemplo, podem querer ajuda para decidir se deixam um casamento
para ficar com a amante (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O terceiro método de avaliação é observar a descrição de sua infância e a
sua resposta a exercícios com imagens mentais. Normalmente o narcisista não
consegue responder com precisão a questões que busquem explorar temas mais
profundos de sua infância. É comum que se oponham a participar de exercícios com
imagens sobre a infância que envolvam emoções dolorosas (com exceção da raiva),
pois resistem a mudar para o modo criança solitária (YOUNG, KLOSKO,
WEISHAAR, 2008).
Finalmente, o quarto método de avaliação consiste na aplicação do
Questionário de Esquemas de Young e de outros instrumentos de avaliação
(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
De acordo com Young, Klosko e Weishaar (2008, p.331 e 332)
Encontramos um perfil constante em pacientes com transtorno de personalidade narcisista no Questionário de Esquemas de Young. Geralmente, eles apresentam altos escores em arrogo, padrões inflexíveis e autocontrole/autodisciplina insuficientes, e baixos escores em quase todo o resto. Esse perfil atesta o poder desses pacientes para a hipercompensação e evitação. Em grande parte, não estão conscientes de seus esquemas de privação emocional e defectividade, assim como outros esquemas.
Estes pacientes normalmente costumam ser capazes de identificar o lado
negativo do tratamento recebido pelos pais na infância por meio do Inventário
Parental de Young. Também costumam ter pontuações altas no Inventário de
Compensação de Young, já que apresentam muitas ações compensatórias
(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Conforme elucidam Young, Klosko e Weishaar (2008, p.335):
O objetivo principal do tratamento é fortalecer o modo adulto saudável do paciente, a partir do modelo oferecido pelo terapeuta, capaz de fazer reparação parental da criança solitária e de lutar com os modos auto-engrandecedor e autoconfortador desligado. Almeja-se maior vulnerabilidade com menos hipercompensação e menos evitação. Mais especificamente, o objetivo do tratamento é auxiliar o paciente a construir um modo adulto saudável para:
1. Ajudar a criança solitária a se sentir cuidada e compreendida, e a
cuidar e empatizar com outras pessoas.
2. Confrontar o auto-engrandecedor de forma que o paciente abdique
da necessidade excessiva de aprovação e trate os outros com
base na reciprocidade, à medida que a criança solitária receber
mais amor verdadeiro.
44
3. Ajudar o autoconfortador desligado a abrir mão dos comportamentos
aditivos e evitativos e substitui-los por amor verdadeiro, auto-
expressão e vivência de sentimentos.
O psicoterapeuta auxilia o paciente a constituir relações íntimas autênticas,
primeiramente com o próprio terapeuta e depois com pessoas próximas. Conforme a
criança solitária recebe amor e empatia, o paciente vai perdendo a necessidade de
substituir o amor verdadeiro por admiração, e de se comportar com os outros de
modo desqualificativo ou egoísta. Os modos auto-engrandecedor e autoconfortador
desligado vão gradativamente diminuindo e desaparecendo. Em suma: o foco
fundamental desta terapia está nos relacionamentos íntimos, tanto com o terapeuta
quanto com as outras pessoas significativas na vida do paciente (YOUNG, KLOSKO,
WEISHAAR, 2008).
A seguir são descritas as etapas graduais do processo psicoterapêutico com
pacientes narcisistas, baseadas nas posturas e intervenções do terapeuta (YOUNG,
KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Primeiramente, o terapeuta toma as atuais queixas do paciente como
base para a ação terapêutica. Ou seja: se esforça para manter o paciente em
contato com o seu sofrimento emocional (vazio interior, sentimentos de defectividade
e solidão), pois assim que o sofrimento desaparece, o paciente abandona o
tratamento. O desconforto emocional pode servir de base para manter o paciente
motivado a continuar a terapia e tentar mudar. O terapeuta também trabalha com os
efeitos indesejados do comportamento narcisista do paciente, como a rejeição das
pessoas amadas e reveses profissionais, além de outras perdas e consequências
negativas inevitáveis caso não ele mude (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O psicoterapeuta constitui um vínculo com a criança solitária. Na relação
terapêutica, o profissional tenta criar um espaço em que o paciente se sinta cuidado
e valorizado incondicionalmente (sem ter de ser perfeito ou especial), e no qual ele
cuide e valorize o terapeuta, sem que este também tenha de ser “perfeito” ou
“especial”. O narcisista normalmente não tem consciência de seus problemas com a
intimidade. Na relação terapêutica, ele começa a perceber o quão difícil é aproximar-
se das pessoas. Em contraste com o pai ou com a mãe, que alimentavam o modo
auto-engrandecedor, o terapeuta apoia a criança solitária, e ajuda o paciente a
suportar a dor de estar nesse modo, sem mudar para os outros modos. Por meio da
45
“reparação parental limitada”, o terapeuta oferece um antidoto parcial aos esquemas
do paciente. A mensagem é: “É com você que me preocupo, e não com seu
desempenho ou aparência.” (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
Com tato, o psicoterapeuta confronta o comportamento arrogante ou
desafiador do paciente narcisista. Conforme explicam Young, Klosko e Weishaar
(2008, p.337):
Mais cedo ou mais tarde, a maioria dos pacientes com transtorno de personalidade narcisista começa a tratar seus terapeutas da mesma forma como trata a todas as pessoas – com ar de superioridade ou desafiadoramente. O paciente começa a desvalorizar o terapeuta. É importante que ele o enfrente quando isso acontece, ou perderá o respeito do paciente. [...] É importante que o terapeuta enfrente o paciente, mas por meio do confronto empático. Ele pode dizer coisas como:
‘Sei que você não tem intenção de me machucar, mas quando fala comigo assim, parece que está tentando fazer isso.’ ‘Quando você fala comigo nesse tom de voz, me sinto distante de você, mesmo que saiba que você está chateado e precisa contar comigo.’ ‘Quando fala comigo de forma tão degradante, você faz com que eu me afaste, e dificulta que eu dê o que você precisa.’
Com tato, o psicoterapeuta comunica seus direitos sempre que o
paciente narcisista os ferir. Young, Klosko e Weishaar (2008), indicam algumas
diretrizes para estabelecer limites ao paciente narcisista:
1. O terapeuta empatiza com o ponto de vista narcisista e com
discernimento confronta o arrogo. Ou seja, o terapeuta demonstra que
entende suas razões, mas comunica que seu comportamento afeta os
outros.
2. O terapeuta não se defende ou reage aos ataques quando o paciente o
desvaloriza. O terapeuta não se perde no conteúdo dos ataques, mas
se concentra no processo do que está ocorrendo, no fato de que o
paciente o desqualifica para evitar suas próprias emoções.
3. O terapeuta afirma seus direitos de maneira não-punitiva.
4. O terapeuta não permite que o paciente o intimide para que faça algo
que não queira fazer.
5. O terapeuta estabelece que a relação terapêutica é mutua e baseada
na reciprocidade, e não em um princípio do tipo “senhor e escravo”.
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6. O terapeuta procura evidências de vulnerabilidade e as aponta cada
vez que ocorrem.
7. O terapeuta se coloca acima dos incidentes e solicita que o paciente
explore a motivação subjacente às afirmações baseadas em arrogo,
auto-engrandecedoras, desvalorizadoras ou evitativas. Ao invés de se
envolver com o conteúdo das discussões, ele foca a forma como o
paciente se comporta e efeito desse comportamento sobre os outros.
8. O terapeuta busca temas narcísicos comuns e os aponta ao paciente:
comportamento competitivo, arrogante, superior, comentários
condenatórios e avaliativos, afirmações que enfatizem aparência ou
desempenho e não qualidades internas como amor e realização.
9. O terapeuta nomeia as afirmações que parecem representar os modos
auto-engrandecedor ou autoconfortador desligado.
O terapeuta demonstra vulnerabilidade, para mostrar que é aceitável ser
vulnerável. Ao invés de parecer perfeito, o terapeuta reconhece sua vulnerabilidade,
dizendo quando seus sentimentos foram feridos na sessão, e admitindo erros
prontamente. De modo geral, é melhor que os terapeutas mostrem vulnerabilidade à
medida em que as sessões avançam, e não nas primeiras sessões, pois isso pode
ser interpretado como sinal de fraqueza para lidar com seu comportamento difícil
(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O terapeuta introduz a noção de modo criança solitária. Young, Klosko e
Weishaar (2008, p. 344), explicam:
O terapeuta sugere ao paciente que, em seu íntimo, há uma criança solitária – uma parte nuclear do paciente que se sente vulnerável, assustada, inadequada e perdida. O terapeuta reforça a vulnerabilidade do paciente, ao mesmo tempo em que continua a apontar os modos auto-engrandecedor e autoconfortador desligado.
O terapeuta explora as origens infantis dos modos por meio do trabalho
com imagens mentais, especialmente o modo criança solitária. Quando o paciente
já estiver consciente dos modos, o profissional passa a explorar suas origens
infantis. Antes deve ser superada a resistência do paciente em relação a este
exercício (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
47
O terapeuta faz trabalho com modos com o paciente, ou seja, o auxilia a
identificar e dar nomes aos seus modos e, após isso, a criar conversas entre eles
(YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O terapeuta explora as funções de adaptação dos modos de
enfrentamento. Por exemplo, ao auxiliar o paciente a ter acesso ao modo
autoconfortador desligado (já devidamente nomeado), o terapeuta o ajuda a
compreender que tal modo existe para tirar o foco dos sentimentos de vazio, solidão
e tristeza do modo criança solitária. E também ajuda a aprofundar essa
compreensão: o autoconfortador desligado não gosta muito de outras pessoas, não
gosta de pensar em seus problemas, não gosta de pensar nos motivos pelos quais
faz o que faz. Isso cria conexão emocional entre o paciente e seus modos (YOUNG,
KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O terapeuta ensina os modos a negociar nos diálogos de esquema. Esta
é uma função do modo adulto saudável: orientar negociações entre os modos. O
modo adulto saudável tem por escopo superar os modos auto-engrandecedor e
autoconfortador desligado na função de proteger a criança solitária, e suprir suas
necessidades emocionais (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
O terapeuta faz a conexão entre a criança solitária e os atuais
relacionamentos íntimos do paciente. Young, Klosko e Weishaar (2008, p. 352),
esclarecem, ao comentar o atendimento a um paciente narcisista chamado Carl
(cujos modos Carl Desligado representam os modos autoconfortador desligado e
auto-engrandecedor, e Carlzinho representa a criança solitária) casado com
Danielle:
O terapeuta ajuda a criança solitária a se conectar com pessoas importantes por meio de imagens. O Dr. Young trabalha para convencer o Carl Desligado a deixar o Carlzinho emergir frente à Danielle, para dar e receber amor. Isso também é benéfico para o Carl Desligado, porque amor constitui algo que ele deseja ainda mais do que jogar e vencer. Em nosso modelo, os modos de enfrentamento desadaptativo – nesse caso, o autoconfortador desligado e o auto-engrandecedor - também querem amor. Esses modos não estão presentes para ferir o paciente, e sim para protege-lo. Quando convencidos de que a criança solitária esta a salvo, permitem que ela se mostre.
O terapeuta auxilia o paciente no processo de generalização de
mudanças alcançadas em terapia, para a vida fora dela. O final do processo
psicoterapêutico consiste em ajudar o paciente a generalizar os avanços, a partir da
48
relação terapêutica e dos exercícios com imagens nas sessões. O terapeuta auxilia
o paciente a escolher pessoas dispostas ao cuidado mútuo e ao vínculo afetivo. E o
estimula a permitir que a criança solitária apareça nesses relacionamentos, para dar
e receber amor verdadeiro. Young, Klosko e Weishaar (2008, p. 353),
complementam: “A fim de ajudar os pacientes a estender as mudanças obtidas na
terapia a seus relacionamentos externos, a terapia de casal costuma ser um recurso
útil, sobretudo nesta etapa do tratamento”.
O terapeuta introduz no início do tratamento estratégias cognitivo-
comportamentais, que podem ajudar o paciente nas fases de avaliação e
mudança. As tarefas de casa são essenciais para ajudar o paciente a superar seus
estilos de evitação e hipercompensação que perpetuam seus esquemas
desadaptativos. Young, Klosko e Weishaar (2008, p. 353), ensinam: “Ao anotar seus
pensamentos automáticos quando incomodados, os pacientes podem aprender a
identificar e corrigir distorções cognitivas”. As distorções mais comuns a esse tipo de
paciente são:
1. Pensamento “tudo-ou-nada”. Os recursos da terapia cognitiva auxiliam
o paciente a corrigir esta distorção que se dá no modo auto-
engrandecedor: “Sou especial e o centro das atenções ou não valho
nada e sou ignorado”.
2. Distorções sobre ser desvalorizado e privado por outros. O terapeuta
sugere um teste de realidade quando os pacientes se sentem
afrontados e afirma o princípio da reciprocidade nas relações: não
devem esperar dos outros aquilo que eles próprios não se dispõem a
dar.
3. Perfeccionismo. O terapeuta ajuda o paciente a indagar-se sobre seu
perfeccionismo, estabelecendo expectativas mais realistas para o seu
desempenho e o dos outros.
4. Supervalorizar a gratificação narcísica em detrimento da satisfação
interior. O paciente é auxiliado a avaliar as vantagens e desvantagens
de enfatizar o status em detrimento do amor verdadeiro e da auto-
expressão.
49
Podem ser elaborados cartões como lembretes das consequências
negativas do comportamento narcisista e dos efeitos positivos da prática da
“bondade amorosa”. O terapeuta sugere experimentos comportamentais para
investigar os efeitos dos comportamentos arrogantes nas relações íntimas. A
técnica da seta descendente é útil para auxiliar o paciente na identificação das
crenças inconscientes que causam sua busca de gratificação narcísica. Entre
sessões, os pacientes leem cartões para lembrar o que aprenderam no trabalho
cognitivo. Outro experimento comportamental é sugerir ao paciente que fique
alguns momentos sozinho, sem recorrer a nada para distraí-los ou estimula-los, a
fim de conhecer e compreender a criança solitária. Nesse caso, pensamentos e
sentimentos são anotados e levados para discussão em terapia. Em situações
sociais, os pacientes podem realizar experimentos nos quais resistem a passar ao
modo auto-engrandecedor, e focam em serem observadores, ou em escutar outras
pessoas. Finalmente, e provavelmente o mais importante, o paciente trabalha para
desenvolver seus relacionamentos íntimos. Realizam exercícios de dar carinho a
outras pessoas e praticar empatia (YOUNG, KLOSKO, WEISHAAR, 2008).
50
5. DISCUSSÃO
Muito embora o transtorno de personalidade narcisística não seja
propriamente uma novidade no campo da psicopatologia, e considerando que a
terapia cognitiva inaugurada por Beck e colaboradores na década de 1960 vem se
desenvolvendo rapidamente em pesquisas ao longo das últimas décadas, - gerando
inclusive outras abordagens para enfrentamento dos desafios da clínica
psicoterapêutica -, ainda assim durante a presente pesquisa foram encontrados
poucos artigos em português abordando o tratamento cognitivo deste distúrbio. Os
trabalhos de maior peso estão publicados nas obras literárias de Beck, Freeman e
Davis (2005) e de Young, Klosko e Weishaar (2008), os quais serviram de principal
referência para o presente estudo.
A terapia cognitiva, no caso dos transtornos de personalidade em geral e
neste transtorno em específico, teve de passar por adaptações, tendo em vista que
tal patologia é crônica e deveras resistente, integrando o modo de ser do sujeito (sua
personalidade). Este na maioria das vezes não faz a menor ideia das causas
cognitivas dos problemas que o afligem, tendo em vista que faz grande uso das
estratégias da hipercompensação e da evitação, para não entrar em contato com a
dor emocional subjacente a suas crenças centrais.
Neste caso, a duração da terapia cognitivo-comportamental beckiana é maior
do que as terapias para psicopatologias mais comuns, e exige um treinamento mais
aprofundado por parte do terapeuta, além de terapia pessoal, pois não é incomum
sentimentos de ojeriza ou encantamento com esse tipo de paciente, que acabam
comprometendo a integridade do tratamento. É comum que o paciente narcisista
ative crenças disfuncionais em seus terapeutas.
De modo geral, a terapia cognitiva irá fazer uso dos mesmos conceitos e
instrumentos utilizados em qualquer terapia beckiana: entrevista e instrumentos
objetivos de avaliação, conceitualização cognitiva do caso, plano de tratamento,
sessões estruturadas, agenda de sessão, debate socrático, descoberta guiada,
registros de pensamentos disfuncionais, imagens mentais, role play, gráfico em
forma de pizza, estabelecimento de objetivos etc.
Todavia, a experiência de Beck e seus colaboradores permite afirmar
algumas especificidades que integram a estrutura cognitiva do paciente narcisista, a
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saber: sua crença central de inferioridade e insignificância, bem como a crença
manifesta de superioridade.
Olhando tal estrutura cognitiva com mais proximidade, podem-se localizar
algumas crenças intermediárias bastante comuns, como: a crença de que algumas
circunstâncias e recursos são evidência de superioridade; a crença de que os outros
são instrumentos na busca de admiração, prestígio e satisfação pessoal; a crença
de que o poder e o merecimento são evidência de status especial; a crença de que
“imagem é tudo”; a crença de que o paciente faz muitas contribuições meritórias aos
outros; a crença de que emoções negativas como tristeza, culpa e incerteza são
evidências de fraqueza pessoal;
Para reforçar suas crenças auto-engrandecedoras e evitar experiências
desconfortáveis ou de vulnerabilidade, o narcisista adota estratégias de auto-reforço
buscando refoçar seu poder e importância ao pedir feedbeck elogioso ou sendo
arrogante, auto-expansão ao buscar acumular símbolos de status, e autoproteção
para repelir ameaças à autoimagem grandiosa.
As três áreas-alvo fundamentais na personalidade narcisista, a serem
trabalhadas em psicoterapia são: a melhora das habilidades de conquista de
objetivos e exame do significado do sucesso; a consciência dos limites e
perspectivas dos outros; e o exame de crenças sobre valor pessoal e emoções, bem
como a elaboração de alternativas mais saudáveis.
Tendo em vista que este paciente teme expor suas crenças de inferioridade, a
terapia cognitiva adota a estratégia de fazer uma lista de problemas concretos a
serem atacados com base em suas queixas, a fim de mantê-lo motivado a continuar
no processo terapêutico.
Suas expectativas rígidas quanto a grandes realizações precisam ser
flexibilizadas em terapia, já que costumam causar ruminações comparativas, a
subestimação da necessidade de esforço e o desprezo por resultados parciais.
Necessário também se faz explorar o raciocínio por detrás das crenças de
merecimento, outro tipo de cognição muito rígida nos narcisistas.
Outro foco a ser atacado é a rigidez nos julgamentos e decisões, além da
crença de que sentimentos negativos (com exceção da raiva) são típicos de pessoas
fracassadas.
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Assim como na terapia do esquema, é de fundamental importância ajudar o
paciente a desenvolver habilidades de intimidade e empatia, além da noção de
limites dos outros.
Finalmente, é essencial explorar o significado do sucesso e da admiração,
além da influência destas em sua autoestima. Neste caso o terapeuta pode debater
crenças mais funcionais com o paciente, para que este vá aos poucos
enfraquecendo a crença de que, caso não conquiste grande sucesso e admiração,
seu valor pessoal é duvidoso.
Já a Terapia Focada no Esquema foca seu trabalho com pacientes narcisistas
nos modos de operação dos esquemas.
Três são os modos fundamentais que caracterizam este tipo de paciente,
além do modo adulto saudável: a criança solitária (ativa os esquemas de privação
emocional e defectividade/incapacidade de ser amado), o auto-engrandecedor (ativa
o esquema de arrogo/merecimento) e o autoconfortador solitário (ativa o esquema
de autodisciplina/autocontrole insuficientes). Na prática, os nomes dos modos são
adaptados a cada paciente.
Estes dois últimos modos têm a função de proteger o paciente (ainda que
disfuncionalmente) do sofrimento da criança solitária. Tal proteção se dá pelos
estilos de enfrentamento da hipercompensação e da evitação, que caracterizam tais
modos disfuncionais. Pela expectativa de privação, o narcisista já se coloca de modo
exigente para garantir a satisfação de suas necessidades. E quando não está na
presença dos outros, o modo autoconfortador surge para impedir que eclodam os
esquemas de privação e defectividade, que produzem sentimentos de solidão,
tristeza e vazio.
Os esquemas de privação emocional e defectividade põem o paciente
narcisista em situação de ambivalência quanto à intimidade, pois ele a deseja e a
repele, por medo da rejeição que seria causada pela exposição de seus “defeitos”
numa situação de muita proximidade pessoal.
Quando não consegue atingir níveis elevados de desempenho em público
(exigência demandada pelos esquemas de arrogo e de padrões inflexíveis de
realização), tal paciente sente-se fracassado e deprimido. Os fracassos costumam
levar a novos esforços de hipercompensação.
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São observados também outros esquemas na personalidade narcisista:
desconfiança, isolamento, fracasso, autocontrole/autodisciplina insuficientes,
submissão, busca de aprovação, postura punitiva.
O vínculo mais profundo entre terapeuta e paciente se dá no modo criança
solitária. Tal modo expressa a crença do paciente de que não merece amor. Quando
a criança solitária se manifesta, o modo auto-engrandecedor tenta demonstrar
superioridade.
O esquema de arrogo leva à postura egoísta do paciente e à insensibilidade
quanto aos sentimentos alheios. Tal esquema está presente no modo auto-
engrandecedor, que irá apresentar os seguintes estilos de enfrentamento:
agressividade e hostilidade; dominação e assertividade excessivas; busca de
reconhecimento e status; manipulação e exploração.
Já o modo autoconfortador desligado irá se manifestar de forma a evitar a
criança solitária por meio de comportamentos aditivos, compulsivos, de natureza
mais estimulante (drogas, sexo, investir em ações, jogos de azar, esportes radicais),
ou por meio de comportamentos mais propriamente autoconfortadores (jogar no
computador, ver tv, comer, fantasiar).
Há quatro métodos básicos de avalição do paciente: observar seu
comportamento nas sessões, observar a natureza da queixa inicial e o histórico,
observar a descrição da infância e a resposta a exercícios de imagens mentais,
aplicar o Questionário de Esquemas de Young e outros instrumentos.
O objetivo do tratamento é auxiliar o paciente a construir um modo adulto
saudável para: ajudar a criança solitária a se sentir cuidada e compreendida;
confrontar o auto-engrandecedor de forma que o paciente abdique da necessidade
excessiva de admiração; ajudar o autoconfortador desligado a abrir mão dos
comportamentos aditivos e evitativos.
O processo terapêutico se dá com o terapeuta realizando gradualmente as
seguintes intervenções:
1. Toma as atuais queixas do paciente como base para a ação
terapêutica;
2. Introduz estratégias cognitivo-comportamentais para ajuda-lo nesta
fase de avaliação e mudança;
3. Constitui um vínculo com a criança solitária;
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4. Confronta o comportamento arrogante ou desafiador do paciente;
5. Comunica seus direitos sempre que o paciente narcisista os ferir;
6. Demonstra vulnerabilidade, para mostrar que é aceitável ser
vulnerável;
7. Introduz a noção de modo criança solitária;
8. Explora as origens infantis dos modos por meio do trabalho com
imagens mentais;
9. Faz trabalho com modos com o paciente;
10. Explora as funções de adaptação dos modos de enfrentamento;
11. O terapeuta ensina os modos a negociar nos diálogos de esquema;
12. Faz a conexão entre a criança solitária e os atuais relacionamentos
íntimos do paciente;
13. Auxilia o paciente no processo de generalização de mudanças
alcançadas em terapia, para a vida fora dela.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tanto a terapia cognitivo-comportamental desenvolvida por Beck e
colaboradores, quanto a Terapia Focada no Esquema desenvolvida por Young e
colaboradores demonstraram colaborar, cada qual a seu modo e de maneira efetiva,
no tratamento do transtorno de personalidade narcisística.
Ambas as abordagens demandaram adaptações para o tratamento do
transtorno de personalidade narcisista, tendo em vista os desafios e dificuldades no
atendimento deste tipo de paciente.
É importante salientar que, muito embora a terapia focada no esquema seja
uma adaptação da terapia cognitivo-comportamental para pacientes com transtornos
de personalidade e outros casos difíceis, tendo construído uma metodologia própria
para tratar a personalidade narcisista, ainda assim tal abordagem não prescinde dos
métodos e técnicas cognitivo-comportamentais beckianos já consagrados por ampla
pesquisa científica ao longo das últimas décadas.
Finalmente, o autor esclarece que não se trata de esgotar o tema, mas abri-lo
a novas pesquisas, tendo em vista que dados empíricos acerca do tratamento deste
transtorno são escassos em comparação aos produzidos na investigação de outras
psicopatologias, não permitindo ainda um consenso na comunidade científica.
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REFERÊNCIAS
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57
YOUNG, Jeffrey E.; KLOSKO, Janet S.; WEISHAAR, Marjorie E. Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras; tradução Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2008.
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Termo de Responsabilidade Autoral
Eu, Daniel Lavorato, afirmo que o presente trabalho e suas devidas
partes são de minha autoria e que fui devidamente informado da responsabilidade
autoral sobre seu conteúdo.
Responsabilizo-me pela monografia apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso de
Especialização em Terapia Cognitivo Comportamental, sob o título “Contribuições da Terapia
Cognitiva e da Terapia do Esquema no Tratamento da Personalidade Narcisista”, isentando,
mediante o presente termo, o Centro de Estudos em Terapia Cognitivo-Comportamental (CETCC),
meu orientador e co-orientador de quaisquer ônus consequentes de ações atentatórias à
"Propriedade Intelectual", por mim praticadas, assumindo, assim, as responsabilidades civis e
criminais decorrentes das ações realizadas para a confecção da monografia.
São Paulo, _____ de Dezembro de 2016.
___________________________ DANIEL LAVORATO