Curriculo Cap 2

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Os Professores e o Currículo: Percepções e Níveis de Intervenção dos Professores do Ensino Básico no Desenvolvimento Curricular Isabel Lacerda Ferreira Lisboa, Novembro de 2010 Departamento de Educação e Ensino a Distância Mestrado em Supervisão Pedagógica

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curriculo do estado

Transcript of Curriculo Cap 2

  • Os Professores e o Currculo: Percepes e Nveis de Interveno

    dos Professores do Ensino Bsico no Desenvolvimento Curricular

    Isabel Lacerda Ferreira

    Lisboa, Novembro de 2010

    Departamento de Educao e Ensino a Distncia Mestrado em Superviso Pedaggica

  • ii

    Mestrado em Superviso Pedaggica

    Os Professores e o Currculo: Percepes e Nveis de Interveno

    dos Professores do Ensino Bsico no Desenvolvimento Curricular

    Isabel Lacerda Ferreira

    Dissertao apresentada para obteno de Grau de Mestre em Superviso Pedaggica

    Orientadora: Professora Doutora Maria Ivone Gaspar

    Lisboa, Novembro de 2010

  • i

    Agradecimentos

    Prof. Doutora Maria Ivone Gaspar pelas orientaes cientficas sempre

    pautadas por um rigor e exigncia exemplares. Pelo seu apoio e motivao constantes,

    pelo incentivo nos muitos momentos de desnimo, fazendo-me acreditar na

    concretizao deste projecto.

    Porque sem o seu profissionalismo e amizade este trabalho no teria sido possvel,

    o meu profundo e sentido agradecimento.

    Ao Lus e ao Francisco a quem dedico este trabalho.

  • ii

    Resumo

    Centramos este projecto de investigao na relao do professor com o

    desenvolvimento curricular procurando identificar o modo como esta se processa na

    prtica docente. Pretendemos, desta forma, conhecer o modo como interpretado o

    currculo por parte dos professores do Ensino Bsico bem como a que nvel se processa

    a sua participao no desenvolvimento curricular.

    As opes metodolgicas desta investigao passaram por um estudo de caso

    qualitativo privilegiando a abordagem descritiva e analtica. Para o inqurito por

    questionrio a amostra correspondeu a todos os docentes que leccionaram as disciplinas

    de Lngua Portuguesa, Matemtica e Cincias da Natureza do 3 ciclo do Ensino Bsico

    das escolas seleccionadas e para o inqurito por entrevista a amostra incluiu os

    coordenadores dos departamentos curriculares e os Presidentes dos Conselhos

    Executivos dessas escolas.

    No que diz respeito ao conceito de currculo, os contedos programticos

    assumem um papel de destaque sendo, frequentemente, associado ideia de plano de

    estudos.

    A participao dos professores nas diferentes fases de desenvolvimento dos

    projectos curricular e educativo de escola praticamente inexistente sendo apontadas

    diversas razes para o justificar, nomeadamente o carcter obrigatrio e burocrtico dos

    mesmos, a desmotivao, a dificuldade em existir um trabalho colaborativo entre os

    professores e o facto de considerarem que estes projectos nada acrescentam e/ou

    melhoram a sua prtica docente.

    Parece-nos haver ainda um longo caminho a percorrer no sentido da valorizao

    destes projectos e do envolvimento efectivo dos docentes nos processos de deciso,

    assumindo o seu papel de gestor curricular.

    Palavras-Chave: currculo, desenvolvimento curricular, projecto educativo, projecto

    curricular, participao

  • iii

    Abstract

    We focused this investigation project in the relationship between the teacher and

    the curriculum development, trying to identify how this happens in the teacher practice.

    This way, we intent to know how the curriculum is understood by the 7th to 9th grade

    teachers, as also in which level their participation in the curriculum development is

    proceeded.

    The methodological options of this investigation went through the study of a

    qualitative case, privileging the analytical and descriptive approach. To the inquiry by

    questionnaire, the sample included all the teachers who taught the subjects of

    Portuguese Language, Mathematics and Sciences of Nature from 7th to 9th grade of the

    selected schools and for the questionnaire by interview the sample included the

    Curriculum Department's Coordinators and the Headmasters of the School Board.

    In what concerns the concept of curriculum, the programmatic contents take a

    very important role being many times associated with the idea of studying schedules.

    The participation of teachers in the different phases of development of curriculum

    and educational school projects is nearly non existent, being several reasons pointed out

    to justify that, namely the obligatory and bureaucratic way of them, the lack of

    motivation, the difficulty in achieving a collaborative work among teachers and the fact

    that they consider these projects add nothing and/or don't improve their teaching

    practice.

    It seems to us that there is still a long way to go in order to value these projects

    and to achieve the effective development of teachers in the decision taking processes,

    assuming their role of the curriculum manager.

    Keywords: curriculum, curriculum development, educational project, curriculum

    project, participation.

  • iv

    ndice Geral:

    INTRODUO. .........................................................................................................................1

    CAPTULO 1: Perspectivas evolutivas da administrao educativa: do nvel central ao

    nvel local........................................................................................................................5

    1.1. Da administrao central escola como organizao. .......................................................6

    1.1.1. A evoluo do percurso. .............................................................................................8

    1.1.2. Descentralizao, autonomia e participao ..............................................................10

    1.1.3. De uma cultura de homogeneidade a uma cultura de diversidade ..............................11

    1.2. Da ideia de projecto construo de projectos: do projecto educativo de escola

    ao projecto curricular.....................................................................................................13

    CAPTULO 2: O currculo: diversidade de perspectivas conceptuais ........................................17

    2.1. O conceito ......................................................................................................................17

    2.2. Evoluo curricular ........................................................................................................24

    2.2.1. Reorganizao curricular do ensino bsico: enquadramento histrico .......................28

    2.3. Desenvolvimento curricular no mbito do sistema educativo portugus..........................36

    2.4. A escola - comunidade educativa e a construo das componentes curriculares

    regionais e locais (CCRL)..............................................................................................42

    2.5. Entre o paradigma uniformista e o paradigma da diferenciao curricular: a

    interveno e o papel dos professores no desenvolvimento curricular. ...........................44

    2.5.1. Participao e desenvolvimento curricular ................................................................45

    2.5.2. A relao do professor com o currculo.....................................................................48

    2.5. 3. Integrao das Componentes Curriculares Regionais e Locais, CCRL, nas

    propostas programticas das diferentes disciplinas.........................................................56

    CAPTULO 3: Metodologia......................................................................................................61

    3.1. Natureza da investigao. Procedimentos metodolgicos................................................61

    3.2. Caracterizao do estudo ................................................................................................66

    3.3. A Populao-alvo ...........................................................................................................68

    3.4. Tcnicas e Instrumentos de Recolha de dados.................................................................70

  • v

    3.4.1. O inqurito por questionrio .....................................................................................71

    3.4.1.1. A estrutura do questionrio. ..............................................................................73

    3.4.1.2. A testagem do questionrio. ..............................................................................74

    3.4.1.3. A aplicao do questionrio. .............................................................................74

    3.4.2. O inqurito por entrevista. ........................................................................................77

    3.4.2.1. A estrutura das entrevistas.................................................................................82

    3.4.2.2. A testagem das entrevistas ................................................................................82

    3.4.2.3. A aplicao das entrevistas................................................................................83

    CAPTULO 4: Discusso e anlise dos resultados.....................................................................85

    4.1. Inquritos por entrevista. ................................................................................................85

    4.1.1. Conceito de currculo................................................................................................87

    4.1.2. Participao dos docentes na concepo, gesto e avaliao do Projecto

    Educativo de Escola e Projecto Curricular de Escola. ....................................................92

    4.1.2.1. Projecto Educativo de Escola. ...........................................................................93

    4.1.2.2. Projecto Curricular de Escola ..........................................................................120

    4.1.3. Constrangimentos e possveis solues para uma participao efectiva dos

    professores no desenvolvimento curricular (questes 16 a 19). ....................................144

    4.2. Inqurito por questionrio.............................................................................................165

    4.2.1. Caracterizao pessoal e profissional ......................................................................166

    4.2.2. O conceito de currculo...........................................................................................167

    4.2.3. Participao no Projecto Educativo de Escola. ........................................................174

    4.2.4. Nveis de deciso curricular. ...................................................................................181

    4.2.5. Anlise Estatstica. .................................................................................................185

    CONCLUSES ......................................................................................................................194

    Referncias Bibliogrficas: .....................................................................................................201

    Legislao Referenciada: ........................................................................................................207

    ANEXOS.....................................................................................................................................i

  • vi

    ndice de Figuras e Grficos:

    Figura1: tringulo de foras da prtica pedaggica ... 53

    Grfico 1: Distribuio da pontuao obtida pelos diferentes elementos do

    currculo . 173

    Grfico 2: Participao dos docentes na elaborao/reformulao do PEE 174

    Grfico 3: Razes apontadas pelos docentes para a no participao no PEE 176

    Grfico 4: Modo de participao docente no PEE .... . 178

    Grfico 5: Razes apontadas pelos docentes para a participao na

    elaborao/reformulao do PEE .. 179

    Grfico 6: Contributo docente na elaborao do Projecto Educativo de

    Escola . 180

    Grfico 7: Trabalho desenvolvido ao nvel do departamento e grupo

    Disciplinar ... 182

    Grfico 8: Participao docente em aces desenvolvidas no contexto

    Turma .. 184

  • vii

    ndice de Quadros:

    Quadro 1: Sistematizao adaptada de M. C. Roldo ........ 57/8

    Quadro 2: Caracterizao pessoal e profissional dos entrevistados .. 86

    Quadro 3: Caracterizao pessoal e profissional dos inquiridos por questionrio 166/7

    Quadro 4: Relao entre o conceito de currculo e a tomada de medidas no

    mbito do Departamento e/ou grupo disciplinar . 186

    Quadro 4.1: Relao entre o conceito de currculo e a planificao e adequao

    do plano de estudos .. 186

    Quadro 4.2: Relao entre o conceito de currculo e a adopo de medidas de

    gesto flexvel dos currculos .. 187

    Quadro 4.3: Relao entre o conceito de currculo e a identificao de

    necessidades de formao dos docentes . 187

    Quadro 5: Relao entre o conceito de currculo e a tomada de medidas

    no mbito do grupo turma .. 188

    Quadro 6: Relao entre o tipo de formao inicial e a tomada de medidas

    no mbito do Departamento e/ou grupo disciplinar .. 190

    Quadro 7: Relao entre o tipo de formao inicial e a tomada de medidas

    no mbito do grupo turma .. 190

    Quadro 8: Relao entre o tipo de formao especializada e a tomada de

    medidas no mbito do Departamento e/ou grupo disciplinar 191

    Quadro 9: Relao entre o tipo de formao especializada e a tomada

    de medidas no mbito do grupo turma 191

    Quadro 9.1: Relao entre as variveis tipo de formao especializada

    e tomada de medidas ... 192

  • viii

    ndice de Tabelas:

    Tabela1: distribuio da percentagem de coordenadores de acordo com os

    valores atribudos, numa escala de 1 a 10 114

    Tabela 2: distribuio da percentagem de PrCE de acordo com os valores

    atribudos numa escala de 1 a 10 ... 116

    Tabela 3: distribuio da percentagem de coordenadores de acordo com

    os valores atribudos numa escala de 1 a 10 ... 116

    Tabela 4: distribuio da percentagem de PrCE de acordo com os

    valores atribudos numa escala de 1 a 10 139

    Tabela 5: distribuio da percentagem de coordenadores de acordo

    com os valores atribudos numa escala de 1 a 10 .. 139

    Tabela 6: distribuio da percentagem de PrCE de acordo com os

    valores atribudos numa escala de 1 a 10 144

    Tabela 7: distribuio da percentagem de coordenadores de acordo

    com os valores atribudos numa escala de 1 a 10 ... 145

    Tabela 8: distribuio da frequncia e percentagem de inquiridos de

    acordo com a definio apresentada do conceito de currculo ... 167

  • ix

    Lista de Siglas:

    CCRL Componentes Curriculares Regionais e Locais

    CE Conselho Executivo

    CEF Curso de Educao e Formao

    CT Conselho de Turma

    DCN Departamento de Cincias Naturais

    DEB Departamento do Ensino Bsico

    DLP Departamento de Lngua Portuguesa

    DM Departamento de Matemtica

    DM/CN Departamento de Matemtica e Cincias Naturais

    EB 2,3 Escola Bsica com 2 e 3 ciclos

    L1 Escola 1 de Lisboa

    L2 Escola 2 de Lisboa

    L3 Escola 3 de Lisboa

    LBSE Lei de bases do Sistema Educativo

    ME Ministrio da Educao

    PALOP Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa

    PCA Percurso Curricular Alternativo

    PCE Projecto Curricular de Escola

    PCT Projecto Curricular de Turma

    PEE Projecto Educativo de Escola

    PIEF Programa Integrado de Educao e Formao

    PrCE Presidente do Conselho Executivo

    Q1,2, Questionrio 1, 2,

    SPSS Statistical Package for the Social Sciences

    TIC Tecnologias da Informao e Comunicao

    V1 Escola 1 de Viseu

    V2 Escola 2 de Viseu

    V3 Escola 3 de Viseu

  • 1

    Introduo.

    No domnio da investigao sobre as questes curriculares, cresce a discusso em

    torno de conceitos como a descentralizao, autonomia, participao, responsabilidade

    dos actores e elaborao de projectos, pelo que se tem vindo a assistir a um movimento

    progressivo de transferncia de poderes e funes do nvel nacional e regional para o

    nvel local, reconhecendo-se a escola como um lugar central de gesto e concedendo-se

    um aumento de participao da comunidade educativa no processo de deciso. Impe-se

    o papel da escola como geradora e executora de projectos bem como na procura

    constante de uma resposta curricular adequada a diferentes realidades, pblicos e

    situaes com que se depara.

    Neste contexto, as novas exigncias que a escola tem enfrentado, nos ltimos

    anos, tm contribudo para que o currculo tenha sido alvo privilegiado da ateno de

    autoridades, polticos, professores, especialistas e organizaes vrias, envolvidos no

    acto de educar bem como para a aquisio de uma maior consistncia e visibilidade

    (Leite, 2005: 81).

    Entendemos que um protagonismo maior das escolas, em relao ao currculo,

    exige um trabalho cooperativo entre os diferentes actores educativos no que diz respeito

    ao desenvolvimento do currculo na escola.

    Zabalza (2003: 46) refere que os papis curriculares da Escola e do Professor

    cruzam-se e complementam-se considerando a escola como uma unidade bsica de

    referncia para o desenvolvimento do currculo esboando as linhas gerais de

    adaptao do currculo s exigncias do contexto social, institucional e pessoal, e

    definindo as prioridades. Ser, porm, o professor a concretizar com a sua actuao

    prtica essas previses. E s ele poder adoptar as decises j antes referidas realizando

    a sntese do geral (programa), do situacional (programao escolar) e do contexto

    imediato (o contexto da aula e os contedos especficos ou tarefas).

    As escolas, e em particular os professores, tornam-se protagonistas na adequao

    do currculo nacional s realidades locais, o que emerge da necessidade de assumirem o

    papel de investigadores, decisores curriculares na concepo, desenvolvimento e

    avaliao de projectos intervindo de forma construtiva crtica e activa.

  • 2

    Reconhecendo a necessidade de um maior envolvimento por parte dos professores

    nas tomadas de deciso no processo de planificao e operacionalizao do currculo,

    isto , o seu desempenho no desenvolvimento curricular, parece-nos importante

    conhecer as percepes dos docentes acerca do conceito de currculo e desenvolvimento

    curricular e as implicaes, caso existam, que essas interpretaes tm na sua prtica

    lectiva. Por outro lado, parece-nos tambm pertinente conhecer o envolvimento dos

    docentes na construo das componentes locais do currculo e/ou o que os separa de

    uma participao efectiva.

    A nossa investigao centra-se na relao do professor com o desenvolvimento

    curricular procurando identificar o modo como esta se projecta na prtica docente.

    Pretende-se, desta forma, conhecer o modo como interpretado o currculo por parte

    dos professores do Ensino Bsico bem como a que nvel se processa a sua participao

    no desenvolvimento curricular.

    A fim de possibilitar a sua viabilizao, este estudo ser delimitado aos docentes

    do 3 ciclo do Ensino Bsico que leccionam as disciplinas de Matemtica, Portugus e

    Cincias Naturais no ano lectivo de 2007/2008, uma vez que reconhecemos a

    impossibilidade de abranger os docentes de todos os ciclos do Ensino Bsico bem como

    de todas as disciplinas e reas disciplinares. Assim, seleccionmos os docentes de trs

    escolas da regio de Lisboa e trs escolas do distrito de Viseu, abrangendo um total

    aproximado de sessenta inquiridos. Parece-nos ser importante incluir as disciplinas de

    Matemtica e Portugus por serem as nicas que so objecto de avaliao externa por

    parte do Ministrio da Educao, podendo-se-lhes atribuir a caracterstica de

    nuclearidade. A disciplina de Cincias Naturais foi seleccionada por ser parte integrante

    da rea de formao cientfica da investigadora.

    Tendo em conta os pressupostos enunciados, procuramos identificar as

    concepes e percepes que os docentes apresentam sobre currculo bem como os

    nveis de interveno no desenvolvimento curricular das disciplinas que leccionam.

    Formulmos uma questo central para o nosso estudo: Quais so as concepes de

    currculo defendidas pelos docentes do 3 ciclo do Ensino Bsico das disciplinas de

    Portugus, Matemtica e Cincias da Natureza e quais os nveis de interveno no

    respectivo desenvolvimento curricular?

    Decorrente desta questo de investigao, enuncimos duas hipteses relativas aos

    docentes:

  • 3

    - o nvel de interveno no desenvolvimento curricular est relacionado com o

    tipo de formao inicial recebido;

    - o conceito de currculo que expressam est de acordo com o respectivo nvel de

    interveno no desenvolvimento curricular.

    Definida desta forma a problemtica da investigao e tendo em conta o campo de

    estudo em que se situa, a grande finalidade deste trabalho verificar o confronto do

    professor na escola com o currculo (determinado conceito de currculo) pelo que

    enunciamos os principais objectivos a prosseguir:

    - Identificar as percepes dos professores do 3 ciclo do Ensino Bsico sobre o

    conceito de currculo;

    - Verificar os nveis de interveno/participao docente no Desenvolvimento

    Curricular;

    - Identificar problemas e possveis solues para uma participao efectiva dos

    professores na operacionalizao/implementao do currculo.

    Com estes objectivos procuramos investigar um grupo de professores quanto ao

    seu entendimento sobre o conceito de currculo, o seu posicionamento no

    desenvolvimento curricular e o papel que desempenham relativamente a este processo.

    Propomo-nos efectuar uma reviso da literatura visando a abordagem da

    problemtica conceptual de currculo, a evoluo do percurso da imagem da escola

    como organizao, bem como as questes relativas ao conceito e forma de participao,

    relativamente ao desenvolvimento curricular, tendo sempre presente a respectiva

    contextualizao na organizao curricular do terceiro ciclo do ensino bsico em

    Portugal.

    Tendo em conta estas consideraes, a presente dissertao compreende um

    primeiro captulo onde analisamos os conceitos de autonomia, descentralizao,

    participao e projecto inseridos no percurso evolutivo da escola como organizao.

    No captulo dois abordada a diversidade de perspectivas conceptuais do

    currculo, analisando-se a reorganizao curricular do ensino bsico e procurando-se

    integrar os conceitos referenciados anteriormente. Abordamos, tambm neste captulo,

    as componentes que consubstanciam o processo de desenvolvimento curricular, os

    diferentes contextos de deciso e os agentes que neles interferem.

    No captulo trs, apresentamos os propsitos e objectivos deste estudo, bem como

    os pressupostos que nortearam a metodologia da investigao, descrevendo-se a

  • 4

    metodologia utilizada, a natureza da investigao, a caracterizao do contexto e a

    populao do estudo, a tcnica e os instrumentos de recolha de dados, bem como o

    processo de anlise de dados. No quarto captulo tratamos da apresentao e discusso

    dos resultados em articulao com a reviso da literatura.

    Conclumos, tendo como referncia as questes e os objectivos que presidiram

    investigao, sugerindo algumas recomendaes para futuras reflexes ou eventuais

    estudos.

  • 5

    CAPTULO 1: Perspectivas evolutivas da administrao educativa: do nvel

    central ao nvel local.

    Tem surgido nas duas ltimas dcadas um fenmeno de redescoberta da escola e

    do seu desenvolvimento organizacional, da escola enquanto unidade organizacional,

    alterando significativamente o papel do Estado nos processos de deciso poltica de

    administrao da educao.

    Com efeito, tem vindo a assistir-se a um movimento progressivo de transferncia

    de poderes e funes do nvel nacional e regional para o nvel local, reconhecendo-se a

    escola como um lugar central de gesto e concedendo-se um aumento de participao da

    comunidade educativa no processo de deciso.

    Assim, tem-se verificado o esbatimento do centralismo burocrtico e

    progressivamente vai-se delineando um movimento de deslocalizao de competncias

    do centro para a periferia, fenmeno, por uns, globalmente chamado de descentralizao

    da educao (Costa, 1997) e, por outros, de desconcentrao territorial (Sarmento, 1999;

    Barroso, 1999b).

    Este movimento consubstanciado num novo regime de autonomia,

    administrao e gesto dos estabelecimentos da educao pr-escolar e dos ensinos

    bsico e secundrio (Dec.-Lei 115-A/98, de 4 de Maio, alterado pela Lei 24/99, de 22 de

    Abril e Dec.-Lei 75/2008, de 22 de Abril), propondo uma organizao da administrao

    da educao assente na descentralizao e no movimento de processos de construo da

    autonomia das escolas.

    A autonomia de escola passa pela capacidade da mesma se identificar e, por isso

    mesmo, de se diferenciar daquilo que a envolve. Mas, esta capacidade de se diferenciar

    implica que seja capaz de se relacionar e interagir com o meio que a envolve.

    Autonomia no significa independncia, mas sim interdependncia, pelo que a

    construo de identidade prpria pressupe a participao de todos os actores que

    interagem entre si. Esta nova significao da escola e do papel dos seus elementos e da

    comunidade onde se encontra inserida acompanhada pela identificao do conceito de

    currculo no s com os programas mas tambm com a ideia de projecto e de processo

    interactivo de construo.

  • 6

    O projecto educativo, como consequncia desta evoluo, surge como a expresso

    da identidade da escola. Ao possuir uma identidade prpria e ao relacionar-se com o

    meio envolvente, a escola tem de ter capacidade para responder aos problemas e

    desafios que advm dessa mesma relao. Por isso, como refere Carvalho et al. (1994),

    falar de projectos, evocar o projecto , nos nossos dias, nos discursos em geral e no

    discurso pedaggico em especial, uma constante e quase um inevitvel. Deste modo, no

    presente captulo vamos procurar encontrar, com base em diversos autores, um suporte

    para a compreenso e anlise de toda a temtica que envolve o estudo em referncia, a

    participao dos diversos elementos da comunidade educativa na construo das

    componentes regionais e locais do currculo. Assim, traamos uma perspectiva do papel

    da escola, enquanto organizao inserida no sistema educativo e o seu enquadramento

    no sistema administrativo portugus, tendo por pano de fundo os pilares da

    descentralizao, da autonomia, participao e projecto.

    1.1. Da administrao central escola como organizao.

    Tanto no nosso pas como noutros pases europeus, o sistema educativo foi alvo

    do controlo poltico por parte do Estado. Este concentrava em si todas as

    responsabilidades relativas educao, criando um sistema fortemente centralizado em

    que toda a organizao escolar era decidida centralmente, desde o nvel macro deciso

    quanto s grandes finalidades e ideais educativos a prosseguir nacionalmente, at ao

    nvel micro controle sobre o contedo programtico, organizao de grupo, tempos,

    espaos, mtodos e tcnicas a cumprir na sala de aula.

    Esta imagem de escola uniforme, monoltica porque padronizada e programada

    centralmente, entra em coliso com a grande diversidade e heterogeneidade de pblico

    escolar, designadamente com os seus interesses, expectativas, necessidades e vivncias.

    A crise da educao surgiu, essencialmente, do efeito perverso da massificao

    sobre a original vontade poltica e social de implementao de uma escola de massas,

    assente sobre duas ideologias de educao, a desenvolvimentista e a igualitarista (Pires,

    1988).

    Segundo este autor, a realidade veio demonstrar que, devido grande expanso

    dos sistemas de ensino motivado por estes dois pilares, desenvolvimentista e

    igualitarista, o ideal de educao para todos passa, por efeitos no desejveis, a

  • 7

    significar a mesma educao para todos. Uma educao uniforme, torna-se o caminho

    mais vivel para a necessidade crescente de atender ao crescimento exponencial dos

    sistemas educativos, mais pensados como sistemas de ensino.

    Numa tentativa de controlar o crescimento da organizao escolar, o poder

    poltico, numa rigidez institucional, passa a regular o sistema atravs de normas,

    concentrando os poderes atravs de um funcionamento administrativo burocratizado,

    controlando a escola atravs dos currculos uniformes (Azevedo, 2000).

    Esta organizao burocrtica, de cariz weberiana, caracterizada por uma forte

    centralizao onde o Estado, por meio dos seus servios centrais e exteriores, assegura

    todas as misses administrativas e onde todas as decises so tomadas ao nvel dos

    servios centrais. Os servios locais do Estado tm como nica tarefa executar as ordens

    ou instrues vindas do centro.

    Esta constatao conduziu ao desenvolvimento de formas de reestruturao da

    administrao central, numa perspectiva de mudana para a territorializao das

    polticas educativas e no numa desresponsabilizao do Estado em termos de

    interveno reguladora dessa mudana. Ou seja, a interveno do Estado, continuando a

    ser central, na criao de competncias igualizadoras de superviso e de regulao deve,

    contudo, tornar-se desconcentrada na forma de se articular com uma administrao local

    mais contextualizada, utilizando processos que se fundamentam numa perspectiva de

    lgica de desenvolvimento local, atravs de uma aprendizagem pessoal e organizacional

    desta lgica, por todos os actores educativos intervenientes (Sarmento, 1999).

    Como consequncia desta alterao das polticas educativas, o estabelecimento de

    ensino tem vindo, nos ltimos anos, a adquirir uma visibilidade social crescente e a

    conquistar uma cada vez maior autonomia no seio do sistema educativo. Como afirma

    Brrios (1999: 86), na actualidade parece existir um movimento que, quer em termos

    de investigao educacional, quer em termos de polticas e prticas educativas, valoriza

    as dimenses ecolgicas e contextuais, concebendo a escola-organizao como um

    espao privilegiado de formao, aprendizagem, desenvolvimento e inovao.

    A valorizao da escola-organizao implica a elaborao de uma nova teoria

    curricular e o investimento dos estabelecimentos de ensino como lugares dotados de

    margens de autonomia, como espaos de formao participada, como centros de

    investigao e de experimentao (Nvoa, 1995), passando pela criao de condies

    estruturais mais adequadas aos interesses, necessidades e expectativas da comunidade,

  • 8

    numa gesto mais democrtica de uma escola para todos, com todos e de todos

    concretizadas tanto na disponibilizao de recursos, como no modo de interveno

    educativa, interagindo com o meio social (Barroso et al., 2000: 84).

    1.1.1. A evoluo do percurso.

    Desde os finais da dcada de 80 que se tem assistido em vrios pases a uma

    alterao significativa do papel do Estado nos processos de deciso poltica e de

    administrao da educao.

    De um modo geral pode dizer-se que a alterao vai no sentido de transferir

    poderes e funes do nvel nacional e regional para o nvel local, constituindo este um

    parceiro essencial na tomada de deciso. Esta alterao afecta pases com sistemas

    polticos bastante distintos e tem no reforo da autonomia da escola uma das expresses

    mais significativas. So apresentados como argumentos a favor deste movimento

    progressivo de descentralizao e de delegao de poderes na sociedade (i) a maior

    eficcia (tanto em matria de definio de necessidades como de gesto de recursos) na

    resoluo de problemas, na medida em que, confiada esta tarefa s instituies locais,

    pela proximidade, elas possuem um melhor conhecimento da situao e esto em

    condies de encontrar solues rpidas, (ii) a maior participao dos cidados e (iii)

    uma melhor adequao entre a organizao do sistema e as particularidades locais e

    regionais.

    Barroso (1991) afirma que as caractersticas da administrao das escolas so

    fortemente influenciadas pelo maior ou menor grau de centralizao ou descentralizao

    da administrao do sistema, pelo que, apesar dos rgos serem muitas vezes

    semelhantes, quer na sua composio, quer nas suas funes genricas, as suas

    atribuies, competncias e modalidades de funcionamento podem ser bastante

    diferentes. Isto tanto mais pertinente quando se procede a uma anlise comparativa da

    administrao das escolas dos pases anglo-saxnicos1 com a dos pases da Europa

    central e do sul.

    De facto, na Europa confrontam-se, desde a instaurao dos modernos sistemas

    educativos, duas orientaes bsicas da orientao educativa: os sistemas

    administrativos anglo-saxnico e escandinavo, onde predomina uma forte 1 De notar que esta anlise assenta em estudos que analisam os dados at ao incio da dcada de 90, devendo-se ter presente que a Inglaterra tem sofrido uma alterao, no sentido inverso, a partir dessa data.

  • 9

    descentralizao local e cujos exemplos mais paradigmticos so a Inglaterra e a

    Dinamarca, e o sistema administrativo continental existente nos pases latinos e noutros

    pases germnicos onde predomina a centralizao (Fernandes, 1995).

    Barroso (1999a: 132) refere que, em termos formais, este movimento iniciou-se

    com as reformas da educao na Austrlia, no Reino Unido e na Nova Zelndia que

    instituram, entre os finais dos anos 80 e os meados dos anos 90, um sistema de gesto

    das escolas conhecido pela designao de self-management school ou local

    management school.

    As alteraes, verificadas na Unio Europeia (UE), no domnio da administrao

    dos sistemas educativos permitem referenciar um movimento progressivo de

    descentralizao e de delegao de poderes na sociedade. Num estudo sobre as reformas

    do ensino obrigatrio entre 1984 e 1994 (Eurydice, 1997), nos pases da EU e da

    EFTA/EEA (Islndia, Lichtenstein e Noruega), constata-se que quase todos os pases

    abrangidos introduziram novas regulamentaes que deslocam o poder de deciso do

    Estado central para as autoridades regionais, locais ou municipais e destes para os

    estabelecimentos de ensino e, ao mesmo tempo, observa-se um aumento da participao

    da comunidade educativa no processo de deciso.

    De acordo com o referido estudo (1997: 29), em matria de autonomia escolar, a

    maior parte dos pases parecem propensos a delegar cada vez maiores responsabilidades

    administrativas, ou outras, s escolas. o que, por vezes, se chama gesto local da

    escola ou direco a partir da escola. Mais concretamente, nos ltimos anos foram

    introduzidas, em quase todos os sistemas educativos, medidas mais ou menos radicais

    destinadas a aumentar a autonomia decisional das escolas.

    Pode-se concluir que a diversidade das polticas de gesto local da educao e de

    reforo da autonomia das escolas oscila entre uma autonomia dura, de iniciativa de

    governos conservadores, com o objectivo expresso de introduzir a lgica do mercado na

    organizao e funcionamento da escola pblica, e uma autonomia mole em que as

    iniciativas so sectoriais e limitadas ao estritamente necessrio para aliviar a presso

    sobre o Estado, preservando o seu poder, organizao e controlo (Barroso, 1999b: 13).

    nesta autonomia mole que se situam pases como Portugal, em que essas

    polticas se inserem no quadro de processos mais vastos de descentralizao, com

    transferncia de poderes e recursos para as colectividades locais, aumento limitado de

  • 10

    competncias e remodelao dos rgos de gesto das escolas, elaborao de projectos

    educativos e instaurao de mecanismos de avaliao e prestao de contas.

    1.1.2. Descentralizao, autonomia e participao

    No quadro da administrao do sistema educativo portugus, a descentralizao

    assume um princpio de raiz constitucional que retomado pela Lei de Bases do

    Sistema Educativo LBSE Lei n. 46/86, de 14 de Outubro (Costa, 1997) e na qual se

    estabelece a descentralizao e a desconcentrao como princpios que esto na base da

    distribuio de competncias pelos diferentes nveis da administrao. De facto, so

    definidos como nveis de administrao do sistema educativo estruturas de mbito

    nacional, regional e local, que asseguram a sua articulao com a comunidade, mediante

    a participao de professores, alunos, famlias, autarquias, entidades representativas de

    actividades sociais, econmicas culturais e cientficas (LBSE, art. 43). Para Fernandes

    (1995), este artigo pressupe a existncia de trs tipos de colectividades de mbito

    progressivamente mais restrito (a comunidade nacional, a comunidade regional e a

    comunidade local) que, para alm de servios, tambm so intervenientes activos. Na

    opinio do referido autor, estas comunidades distinguem-se entre si pelo mbito

    geogrfico e pelos projectos educativos que suportam j que, no mesmo artigo da

    LBSE, se considera que as estruturas administrativas regionais e locais devem adoptar

    formas orgnicas de desconcentrao e descentralizao.

    Fernandes (1988: 107-113) de opinio que o modo como a LBSE aplica aqueles

    princpios no seu articulado permite distinguir quatro tipos de distribuio de poderes:

    - autonomizao institucional da funo administrativa do Estado, isto , a

    separao entre funes polticas (da competncia dos rgos polticos) e

    funes administrativas (da competncia dos rgos administrativos);

    - descentralizao funcional, isto , a transferncia de determinadas tarefas (de

    funes especficas) a organismos especializados;

    - descentralizao territorial, isto , transferncia de poderes para rgos de

    administrao do sistema educativo territorialmente localizados, dotados de

    autonomia e de competncias prprias (no dependentes hierarquicamente do

    poder poltico central) (Costa, 1997: 39);

  • 11

    - desconcentrao administrativa, isto , forma limitada de distribuio de

    poderes (pois as decises localmente tomadas carecem de autonomia

    relativamente ao poder central), cujas vantagens se situam basicamente ao

    nvel tcnico (Costa, 1997).

    Pelo que, conclui, ser o nvel administrativo regional o principal beneficirio da

    descentralizao consignada na LBSE. Em seu entender, a concepo de administrao

    da educao introduzida na LBSE assenta na descentralizao territorial das

    competncias (Fernandes, 1988: 111).

    O reconhecimento de que o nvel central no , nem pode ser, o nico quadro para

    pensar e decidir a educao (Macedo, 1999), denota uma nova concepo e

    posicionamento dos estabelecimentos de ensino enquanto organizaes dotadas de

    maior autonomia e com capacidade de deciso e inovao educativa, reforando, assim,

    o entendimento da escola enquanto unidade organizacional (Costa, 1997: 42).

    Barroso (1999b: 13) considera que, para que se possa devolver escola pblica o

    sentido cvico e comunitrio, torna-se necessrio que ao nvel da administrao central

    do Estado, do poder local e das escolas se criem estruturas, modos de organizao e de

    gesto que permitam e induzam uma aliana entre o Estado, os professores, os pais dos

    alunos e restante comunidade e o equilbrio da sua interveno.

    1.1.3. De uma cultura de homogeneidade a uma cultura de diversidade

    A eroso do paradigma do Estado Educador, o desenvolvimento de relaes

    horizontais de interdependncia entre instituies educativas e os parceiros locais e os

    movimentos para uma maior descentralizao das competncias, num contexto europeu

    e no apenas portugus, para as instituies locais (Fernandes, 1999), tem conduzido,

    cada vez mais, a uma conjugao de esforos de todos os parceiros societais do

    territrio nos processos educativos.

    A retrica da participao da comunidade educativa e da autonomia das escolas

    traduz-se, na prtica, pela existncia de estruturas, mecanismos e prticas participativas

    que integram professores, alunos, pais, pessoal no docente, elementos da autarquia e,

    eventualmente, elementos representantes das actividades de carcter cultural, artstico,

    cientfico, econmico e ambiental.

  • 12

    No obstante esta tendncia, parecem existir algumas dificuldades da escola face

    participao externa, naquilo que consideram ser o domnio prprio do exerccio

    profissional. Num estudo efectuado por Cabrito et al. (1995), ao identificarem as

    relaes da escola com o meio, nomeadamente, com outras instituies de ensino, com

    os agentes econmicos, com a Cmara Municipal e com os rgos descentralizados do

    poder central, encontram trs lgicas diferentes de relacionamento: (i) isolamento entre

    os vrios estabelecimentos de ensino em que se privilegiam as trocas unilaterais com o

    meio; (ii) dependncia face aos rgos do poder central e local de quem dependem

    hierarquicamente e, por outro lado, face aos actores sociais a quem atribuem a

    capacidade para resolver os problemas decorrentes da gesto quotidiana do universo

    escolar e (iii) cooperao nas relaes entre a escola e o espao local, que ganha forma

    em torno de iniciativas comuns.

    Recentemente, com a implementao do novo regime de autonomia,

    administrao e gesto das escolas e agrupamento de escolas (Dec.-Lei 115-A/98)

    sustenta-se o favorecimento da dimenso local das polticas educativas e da partilha de

    responsabilidade (Prembulo do Dec.-Lei). 2

    neste sentido que se orientam alguns princpios que norteiam a administrao

    das escolas, nomeadamente quando se fala em democraticidade e participao de todos

    os intervenientes no processo educativo e representatividade dos rgos de

    administrao e gesto das escolas, garantida pela eleio democrtica de representantes

    da comunidade educativa (Dec.-Lei 115-A/98, art. 4), o que estabelece um maior

    envolvimento dos parceiros sociais na gesto dos estabelecimentos escolares e na

    concepo dos respectivos projectos educativos.

    Da flexibilizao do sistema de ensino pblico atravs da afirmao de propsitos

    de descentralizao e autonomia dos estabelecimentos de ensino, espera-se que se

    desenvolvam intervenes educativas assentes, quer nas iniciativas individuais, quer em

    parcerias e pactos de cooperao de mbito local entre escolas, municpios e entidades

    privadas (Fernandes, 1999), possibilitando a emergncia de uma efectiva cultura de

    diversidade.

    2 De notar que, com a publicao do Dec.-Lei n. 75/2008, de 22 de Abril, criada a figura do director da escola, rgo unipessoal, que concentra grande parte da responsabilidade da execuo das polticas educativas locais.

  • 13

    1.2. Da ideia de projecto construo de projectos: do projecto educativo de

    escola ao projecto curricular

    Um projecto educativo de escola pode ser identificado como um alvo estratgico,

    uma ambio, uma viso do futuro assente em princpios, valores e polticas que se

    aplicam na aco educativa e pedaggica com os alunos, e cuja construo obriga

    existncia de consensos entre os diferentes elementos que constituem a escola,

    compatibilizando-se as normas nacionais e os projectos individuais e de grupo.

    Neste sentido, o projecto educativo de escola dever significar, antes de mais, a

    passagem de uma lgica estatal para uma lgica comunitria, uma construo da

    autonomia, uma atitude face ao futuro, um processo de planeamento e a existncia de

    lideranas capazes de coordenar a aco e gerir conflitos e divergncias, no quadro de

    uma gesto participativa. Para tornar possvel esta ideia de projecto necessrio que os

    elementos que constituem a organizao-escola se identifiquem com um conjunto de

    princpios, valores e polticas capazes de mobilizarem a aco da escola e orientem a

    tomada de deciso para a resoluo de problemas (Barroso, 1993: 23).

    Estes princpios, valores e polticas que definem o projecto de escola so

    delimitados pela natureza e especificidade do acto educativo, organizado numa

    instituio concreta, no existindo em abstracto, sendo, deste modo, resultado de uma

    reflexo colectiva sobre o que a escola, quais as suas funes, os seus problemas e a

    forma de os solucionar, ou seja, uma reflexo orientada para o diagnstico e a aco.

    Ainda de acordo com Barroso (1993), por se tratar de um processo de construo

    de consensos o projecto educativo no dever ser desenvolvido pelo chefe do

    estabelecimento de ensino, ou pelo conselho executivo, ou por um grupo de professores

    ainda que com a colaborao de grupos de alunos, pessoal no docente, pais, etc. Antes,

    dever constituir um processo que atinja a globalidade da escola-organizao e

    comprometa todos os seus elementos, no se limitando a ser construdo atravs de

    processos de participao indirecta ou imposto hierarquicamente.

    Como afirma Antoine Prost (1985: 132) citado por Barroso (1993: 24), no h

    projecto sem consenso, pelo menos parcial, e no h consenso sem debate. Para que um

    projecto de escola seja vivel, preciso que obtenha um mnimo acordo por parte de

    todos os parceiros: professores, pessoal administrativo, pais e alunos. preciso portanto

  • 14

    que resulte de uma ampla discusso: a aprovao formal no conselho de escola

    necessria mas no suficiente. A elaborao do projecto exige a implicao do conjunto

    dos parceiros.

    Como todos reconhecem, esta construo do projecto educativo afigura-se

    complexa, sendo necessria a existncia de uma gesto participativa, o exerccio de uma

    liderana efectiva, informao e comunicao permanente e a formao de

    competncias para a sua elaborao e execuo, ou seja, para que se efective a

    construo de um verdadeiro projecto educativo de escola necessitamos de trs

    condies essenciais: querer, poder e saber (Barroso, 1993).

    A ausncia de participao nos projectos educativos de escola permite, segundo

    Costa (2003), tipificar alguns cenrios. Assim, poderemos estar em presena de um

    projecto-plgio sempre que este resulta de uma transposio e apropriao por

    determinada escola do projecto desenvolvido por outra organizao, do projecto do

    chefe como sendo um projecto da responsabilidade do rgo de gesto e no sujeito a

    discusso e negociao participada dos vrios elementos da comunidade educativa ou,

    por ltimo, do projecto sectrio se estivermos perante um projecto que se concentra

    apenas numa parte diminuta do todo, quer se trate de uma actividade ou de um grupo.

    Por sua vez, o projecto curricular define os objectivos, as actividades, as

    estratgias, os recursos e os processos de avaliao considerados adequados

    apropriao do conhecimento e realizao de novas aprendizagens, em domnios

    especficos, facilitadores do desenvolvimento global do aluno (Macedo, 1995: 110).

    O projecto curricular de escola, tal como o plano anual, o regulamento interno e

    os planos curriculares de turma, constituem documentos de planificao operatria que

    se destinam a concretizar o projecto educativo de escola. Como tal, ele deve

    desempenhar trs papis fundamentais: (i) traduzir num modelo de interveno

    didctica a concepo de educao assumida no projecto educativo da escola, (ii)

    confrontar o currculo prescrito com o projecto educativo da escola, fazendo a

    adequao daquele s caractersticas do contexto em que vai decorrer a aco educativa

    e (iii) dar unidade e coerncia s prticas curriculares na escola e garantir a interaco

    das actividades lectivas e no-lectivas (Carvalho et al., 1994: 87).

    Como consequncia, Zabalza in Canrio (1992) defende que o currculo adquire a

    sua expresso mais prxima do trabalho escolar atravs dos projectos curriculares da

    escola que representam a adaptao do programa oficial s caractersticas particulares

  • 15

    de cada escola, estabelecendo uma conexo entre currculo e projecto, sendo o primeiro

    encarado como um projecto formativo geral e a programao como um projecto

    curricular de escola.

    impensvel continuar a perceber o currculo de uma forma esttica, apenas

    como um plano, imutvel nos seus contedos, organizao e modelos de trabalho, a

    partir de um nico padro centralmente definido. neste sentido que a lgica de

    projecto curricular se deve sobrepor lgica da administrao nacional do currculo,

    equacionando-se vias diferenciadas dentre de fronteiras nacionalmente definidas e

    controladas, que conduzem a um maior sucesso ao nvel das aprendizagens curriculares

    (Roldo&Gaspar, 2007).

  • 16

  • 17

    CAPTULO 2: O currculo: diversidade de perspectivas conceptuais

    O currculo, sendo um conceito polissmico encerrando alguma ambiguidade, tem

    sido encarado, ao longo do tempo, de formas diferentes em funo do contexto social,

    econmico e cultural das diversas sociedades a que se destina. Como consequncia,

    assistimos emergncia de uma elevada diversidade de definies propostas

    influenciadas por mltiplos factores que vo desde a existncia de diferentes

    concepes de Homem e de Educao e assumpo de determinados paradigmas

    cientficos em detrimento de outros, at tenso terico-prtica entre currculo real e

    currculo oculto e no coincidncia efectiva entre o currculo real e o currculo

    prescrito ou formal.

    Assim, ao longo deste captulo iremos procurar sistematizar diferentes concepes

    de currculo dentro de um quadro de evoluo desse mesmo conceito, associado a

    diferentes concepes tericas. Abordaremos, de igual modo, questes relativas ao

    desenvolvimento curricular no sistema educativo portugus e a respectiva participao

    dos docentes, a reorganizao curricular no ensino bsico e a construo de

    componentes curriculares locais.

    2.1. O conceito

    O termo currculo tem sido usado com diferentes significados. Pacheco (1996),

    numa tentativa de enquadrar a diversidade de conceptualizaes deste termo, apresenta

    duas perspectivas. Na primeira, o currculo identificado com um plano estruturado e

    organizado de acordo com determinados objectivos, contedos e actividades consoante

    a natureza das disciplinas, cuja elaborao segue duas regras fundamentais: a previso e

    a preciso de resultados. O currculo corresponde, assim, a um plano geral que se

    pretende que seja posteriormente implementado respeitando as suas intenes iniciais.

    Na segunda perspectiva, o currculo representa o conjunto de experincias educativas

    vividas pelos alunos, possuindo, por isso, um elevado grau de indeterminao,

    identificando-se com a ideia de projecto, de edifcio em permanente construo e

    reformulao. Deste modo, o currculo, embora inclua um plano de aco pedaggica

  • 18

    previamente definido, permanece em aberto e dependente das condies da sua

    aplicao, no correspondendo a uma estrutura determinada.

    Segundo Pacheco (1996), a primeira perspectiva enquadra-se na tradio latino-

    europeia do currculo, sendo este termo usado como sinnimo de programa, por vezes

    de forma muito restrita, no sentido de uma simples listagem de contedos a tratar pelo

    professor. Parece ter sido esta a noo de currculo que marcou, at h relativamente

    pouco tempo, a lgica curricular no nosso pas. Apesar disso, segundo Ponte, Matos e

    Abrantes (1998), mantm-se a tendncia em identificar currculo com programa, no seu

    sentido mais restrito de listagem de contedos a leccionar pelo professor num

    determinado ano ou ciclo. Segundo os mesmos autores, esta tendncia corresponde a

    uma viso de currculo muito limitada e redutora (p. 18), sendo desejvel que os

    documentos curriculares contemplem, de forma articulada, os objectivos, os contedos,

    os mtodos e a avaliao.

    Na tradio anglo-saxnica, a segunda perspectiva de currculo alm de incluir o

    plano ou o programa, abrange tambm todo o conjunto de experincias educativas

    vividas pelos alunos (Pacheco, 1996).

    Esta definio de currculo, mais abrangente que a noo de programa, inclui

    orientaes sobre o ensino e indicaes para a sua implementao na prtica,

    contemplando objectivos, contedos, sugestes metodolgicas para o professor,

    materiais e formas de avaliao, tendo em conta o contexto do ensino e aprendizagem.

    Tambm parece ser nesta perspectiva, mais abrangente, que Roldo (1999) define

    currculo. Situando o conceito num quadro histrico-cultural, para esta autora o

    currculo consiste no conjunto de aprendizagens que, por se considerarem socialmente

    necessrias num dado tempo e contexto, cabe escola garantir e organizar (p. 24).

    Segundo Roldo (1999: 45), o programa constitui apenas um instrumento do

    currculo, ao definir e prever o seu desenvolvimento, a sua organizao e mtodos de

    aprendizagem, que podem ser alterados no sentido de se alcanarem as finalidades

    curriculares que lhes deram origem. O programa constitui, assim, apenas um meio de

    operacionalizao do conjunto de aprendizagens consideradas fundamentais por uma

    determinada sociedade. Esta noo de currculo delega escola a responsabilidade de

    organizar e assegurar o conjunto de aprendizagens que engloba, no s as decises

    tomadas ao nvel das estruturas polticas, como as decises ao nvel das estruturas de

    base do sistema educativo. Para Roldo (1999: 44), o currculo consiste num projecto

  • 19

    que reconstrudo e apropriado pela escola de acordo com o contexto, tendo em conta

    as grandes linhas definidas em termos nacionais. Para Pacheco (1996), mais do que um

    projecto, o currculo deve ser visto como uma construo permanente de prticas,

    resultante da interaco e confluncia de vrias estruturas (polticas, administrativas,

    econmicas, culturais, sociais, escolares...) na base das quais existem interesses

    concretos e responsabilidades compartilhadas (p. 20).

    So vrios os autores que defendem a existncia de mltiplas interpretaes para o

    conceito de currculo (Gimeno, 1998; Vilar, 1994; Pacheco, 1996; Roldo, 1999, 1999a;

    Roldo & Gaspar, 2007). Pacheco (1996), partindo do timo latino da palavra currculo,

    currere, vai analisando ideias de vrios autores de modo a chegar a um conceito mais

    elaborado do termo. Assim, ao termo currere, que significa caminho, jornada,

    trajectria, percurso a seguir, associa duas ideias fundamentais, sequncia ordenada e

    totalidade de estudos. Deste modo, o termo currculo poder ser entendido como o

    projecto que procura cumprir propsitos bem definidos.

    Por outro lado, a partir do conjunto das diversas concepes do termo, este autor

    identifica duas definies que se assumem como as mais comuns. Uma de carcter

    formal, que identifica currculo como plano previamente planificado a partir de fins e

    finalidades e uma outra informal que o descreve como processo decorrente da aplicao

    do referido plano.

    Na primeira perspectiva, o currculo identificado como um conjunto de

    contedos a ensinar e como um plano de aco, correspondendo, deste modo, a um

    plano de estudos ou a um programa, estruturado e organizado a partir de objectivos,

    contedos e actividades e de acordo com a natureza de cada disciplina. Esta definio,

    identifica currculo com programa e considera que o currculo deve ser algo de bem

    planificado e implementado de acordo com as intenes previstas.

    Na segunda perspectiva, no obstante se continuar a considerar o currculo como

    um plano, este assume propsitos flexveis e refere-se ao conjunto de experincias

    educativas vividas pelos alunos no contexto escolar. Esta noo de currculo, bastante

    presente na tradio anglo-saxnica, engloba as decises ao nvel das estruturas

    polticas e ao nvel das estruturas escolares. Assim, importante a ideia de adaptao do

    propsito global do currculo ao contexto em que ele desenvolvido, valorizando o

    papel dos actores educativos e tendo em conta a importncia de considerar as suas

    experincias, saberes, atitudes e crenas.

  • 20

    Pacheco (1996) salienta que a sistematizao do significado de currculo passa

    sempre por analisar se ele deve representar:

    - o que se deve ensinar ou o que os alunos devem aprender;

    - o que se deve ensinar e aprender ou o que de facto se ensina e aprende na

    prtica;

    - o que se deve ensinar e aprender ou tambm o modo de o fazer (metodologias,

    mtodos e processos de ensino);

    - algo de preciso, especificado e acabado ou, pelo contrrio, algo aberto que se

    precisa e delimita ao longo da sua implementao.

    Considerando diferentes nveis de abrangncia para precisar o sentido em que

    usado o termo currculo, Ponte, Matos e Abrantes (1998) identificam um sentido

    restrito, em que o currculo entendido como a sequncia de disciplinas que integram

    um curso e, eventualmente, os contedos de cada uma dessas disciplinas, um sentido

    um pouco mais amplo, em que o currculo, para alm do aspecto anterior inclui ainda a

    definio das metodologias a adoptar, um sentido mais amplo em que o currculo pode

    ser considerado como o conjunto das aces educativas planeadas pela escola. Neste

    caso, o currculo um plano elaborado de acordo com o contexto em que ocorre e com

    os saberes, atitudes e valores de todos os intervenientes e, por ltimo, o entendimento de

    currculo como tudo o que os alunos aprendem, formal ou informalmente.

    Por outro lado, alternativamente procura do entendimento do significado de

    currculo como algo que deve conter determinadas caractersticas ou em que se torna

    necessrio precisar o nvel de sentido em que utilizado, pode ser mais relevante

    acentuar a ideia de que se trata de uma estratgia de aco educativa. Tal como refere

    DAmbrsio (1994: 22), o ponto crtico a passagem de um currculo cartesiano [que

    ilustra por meio de uma representao cartesiana tridimensional em que os eixos so os

    objectivos, os contedos e os mtodos]... a um currculo dinmico que reflecte o

    momento scio-cultural e a prtica educativa nele inserida. No entanto, pode ainda

    considerar-se que o modo como essa estratgia concebida, interpretada e praticada,

    constitui ainda uma caracterstica fundamental do que o currculo. Assim, chega-se

    ideia de currculo como praxis:

    Conceber o currculo como uma praxis significa que muitos tipos de aco intervm em sua configurao, que o processo ocorre dentro de certas condies concretas, que se configura dentro de um mundo de interaces

  • 21

    culturais e sociais, que um universo construdo no natural, que essa construo no independente de quem tem poder para constru-la (Gimeno, 1998: 21).

    Em consequncia, o currculo define-se a partir da actividade de mltiplos actores,

    com competncias e caractersticas de interveno diversa e que dispem de

    mecanismos de aco e deciso prprios. Alm disso, o currculo configura-se e precisa-

    se em diferentes nveis que no guardam dependncias estritas uns dos outros. So

    instncias que actuam convergentemente na definio da prtica pedaggica com poder

    distinto e atravs de mecanismos peculiares (Gimeno, 1998: 101).

    Vrios nveis de currculo, apresentados por vrios autores, clarificam esta forma

    de entender o currculo:

    - currculo enunciado: os documentos oficiais que supostamente traduzem as

    intenes dos autores;

    - currculo implementado: o modo como se concretizam as indicaes oficiais;

    - currculo adquirido: aquilo que de facto os alunos aprendem.

    Gimeno (1998) apresenta uma outra distino diferente desta anterior e que ajuda

    a clarificar sobre os diferentes tipos de decises e prticas que intervm em cada nvel

    de objectivao do currculo. Assim, este autor considera:

    - o currculo prescrito, concebido como o conjunto de prescries ou orientaes

    gerais definidas a nvel oficial;

    - o currculo apresentado aos professores, ou seja, o conjunto de materiais que

    so elaborados com o objectivo de traduzir para os professores o significado e os

    contedos do currculo prescrito;

    - o currculo moldado pelos professores, no sentido do modo como cada professor

    molda, com base na sua cultura profissional, as directivas oficiais e o currculo

    apresentado nos diversos materiais, guias e livros de texto;

    - o currculo em aco, ou seja, a concretizao curricular que ocorre na prtica

    da sala de aula;

    - o currculo realizado que diz respeito aos efeitos da prtica lectiva e que se

    traduz, principalmente, nas aprendizagens realizadas pelos alunos;

    - o currculo avaliado, ou seja, os aspectos do currculo que so avaliados. Estes,

    por diversas razes, tendem muitas vezes a incidir sobre determinadas

    componentes em detrimento de outras, condicionando o ensino do professor e a

    aprendizagem dos alunos.

  • 22

    O currculo , pois, uma prtica que se constri a partir de um processo contnuo

    de deciso que no pode ser separado dos contextos em que ocorre e dos actores

    educativos que nele intervm.

    Numa tentativa de sintetizar o que atrs foi referido, a partir de uma definio que

    inclua os vrios elementos que integram o significado de currculo, salientamos a que

    proposta por Pacheco (1996: 20):

    O currculo, embora apesar das diferentes perspectivas e dos diversos dualismos, define-se como um projecto, cujo processo de construo e desenvolvimento interactivo; que implica unidade, continuidade e interdependncia entre o que se decide ao nvel do plano normativo, ou oficial, e ao nvel do plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem. Mais ainda, o currculo uma prtica pedaggica que resulta da interaco e confluncia de vrias estruturas (polticas, administrativas, econmicas, culturais, sociais, escolares...) na base das quais existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas.

    Roldo (2003: 15) adopta uma perspectiva triangular do currculo que procura

    fazer interagir pelo menos estes trs nveis de abordagem do conceito: como facto, no

    seu formato prescritivo, que num dado momento traduz e corporiza o equilbrio possvel

    dos factores que nele intervm; como praxis, apropriada reflexivamente pelos seus

    actores, que se actualiza em prticas que o constroem e constantemente reformulam

    gerando novas tenses de forma interactiva; como interaco entre o explcito prescrito

    (facto) e o vivido (praxis), mediada pelas prestaes, reflexo e representaes dos seus

    actores, interaces que, por sua vez, se constitui ela prpria em objecto curricular.

    Tendo em conta o nfase colocado nas mltiplas concepes de currculo, Gaspar

    & Roldo (2007) apresentam uma sntese em torno de quatro grandes caractersticas

    contributivas para a construo do conceito de currculo. Assim, este conceito aparece

    centrado nos resultados da aprendizagem, nos contedos a ensinar, nos processos de

    aprendizagem e nos meios ou materiais para a aprendizagem.

    O conceito de currculo centrado na primeira destas caractersticas remete para

    uma listagem de enunciados de finalidades e objectivos a atingir pela escola (Gaspar &

    Roldo, 2007: 27), implicando uma funo de medio procurando atingir fins

    mensurveis e dar visibilidade ao produto, constituindo-se, deste modo, como uma

    sequncia de objectivos com acentuao nos resultados obtidos.

  • 23

    No segundo conceito o currculo associado com a ideia de matria a leccionar ou

    contedo programtico, consistindo num plano de estudos com carcter permanente.

    Segundo as mesmas autoras anteriormente citadas, o currculo, de acordo com esta

    perspectiva, consistir ento no conjunto de conhecimentos que faculta, capacidades e

    aptides que promove e desenvolve, competncias que proporciona e at valores que

    incute (2007: 27), sendo entendido como um programa de aprendizagem, uma lista do

    que necessrio aprender, assumindo-se como um plano para a aco. Assim, a sua

    funo predominante consistir na produo de saberes, no incremento da formao de

    perfis e na acumulao de cultura.

    No conceito de currculo associado aos processos de aprendizagem constatamos

    que ele igualmente um programa mas coloca em destaque os processos de

    aprendizagem, tendo como referente a experincia possibilitada pela aprendizagem

    desenvolvida que dever pressupor a que fora anteriormente adquirida (ibidem: 8)

    correspondendo ideia de um projecto que se constri e reconstri tendo como funes

    bsicas o desenvolvimento de caractersticas pessoais, a promoo de relaes sociais e

    o aparecimento de vivncias efectivas.

    Por ltimo, o quarto conceito remete-nos para o conjunto de materiais de estudo a

    utilizar para a aprendizagem. Nesta concepo o manual aparece como o material

    privilegiado a utilizar, tornando-se, a par de outros materiais, o meio que possibilita a

    visibilidade e aplicabilidade do currculo, cuja funo predominante , ento, o controle

    do conhecimento e da experincia.

    a partir do conceito de currculo centrado nestas quatro caractersticas,

    resultados da aprendizagem, contedos a ensinar, processos de aprendizagem e meios

    ou ambientes para a aprendizagem, que iremos definir a categorizao da anlise de

    contedo dos inquritos por questionrio e das entrevistas que faro parte dos nossos

    instrumentos de recolha de dados do presente estudo de investigao.

    Temos abertura para vrias conceptualizaes do currculo, assumindo o conceito

    plural integrado por estes quatro referentes que se cruzam entre si.

    Assim, aceitando essa diversidade de conceptualizaes do currculo, assumimos

    a proposta de Roldo e Gaspar (2007: 29), as quais defendem que o currculo ,

    sobretudo, um plano, completado e reorientado por projectos, que resulta de um modelo

    explicativo para o que deve ser ensinado e aprendido, compe-se ento de: o que, a

    quem, porqu e quando vai ser oferecido, como e com que oferecido.

  • 24

    2.2. Evoluo curricular

    Mas no basta mudar os currculos para inovar em educao. importante partir

    da anlise dos problemas que afectam as prticas curriculares de modo a conseguir

    propor alternativas para a inovao. No caso do nosso pas, so particularmente

    relevantes os seguintes quatro aspectos problemticos: (1) viso do currculo como

    programa a cumprir, tendo o manual escolar como o mediador todo-poderoso que o

    interpreta; (2) tendncia da escola para intervir por meio de prticas uniformes e

    homogneas; (3) viso do professor como executor acrtico e consumidor de currculo; e

    (4) tendncia para que a escola seja uma instituio fechada e desligada das

    necessidades e problemas do meio. Algumas alternativas para a inovao passam por

    ampliar o conceito de currculo, entendido como um projecto integrado que articula e

    fundamenta as actividades promovidas pela escola, atravs da participao dos

    professores em processos de desenvolvimento curricular e pelo maior protagonismo e

    responsabilizao da escola na construo e adequao do currculo (Alonso, 1994).

    A necessidade de repensar o modo como se entende o currculo foi reconhecida

    pelo prprio Ministrio da Educao que durante o ano lectivo 1996/97 lanou o

    Projecto Reflexo Participada sobre os Currculos do Ensino Bsico. Nos documentos

    discutidos no mbito deste projecto (Ministrio da Educao, 1996) defende-se uma

    concepo de currculo mais abrangente, entendendo-o como um projecto de promoo

    de aprendizagens participado pelos seus gestores e agentes os professores (Ministrio

    da Educao, 1996: 6). Integrando-se nas tendncias tericas de currculo defendidas

    em vrios pases ocidentais, tambm em Portugal comeou a ganhar fora um conceito

    de currculo oficial como um documento de referncia mais do que como documento

    normativo e uma viso do professor como o principal responsvel pela gesto e

    desenvolvimento do currculo. Anteriormente procurou-se apresentar um conjunto de ideias que

    progressivamente confluram numa definio de currculo que salienta os aspectos que

    intrinsecamente esto contidos e constituem o significado deste conceito. Neste ponto,

    uma vez que consideramos que a compreenso de determinado conceito est igualmente

    ligada ao conhecimento do modo como ele evoluiu, apresentamos uma breve

    caracterizao da evoluo do currculo ao longo das ltimas dcadas.

  • 25

    Nesta breve apresentao da evoluo do conceito de currculo teremos em conta

    um conjunto de factores de natureza diversa que a influenciaram destacando-se, entre

    estes, os de ordem social, poltica, os relacionados com a construo dos saberes

    cientficos, bem como os que se prendem com as diversas teorias educativas.

    Foi com naturalidade que assistimos, no incio do sculo passado, ao

    estreitamento das relaes entre as questes curriculares e o desenvolvimento social,

    contribuindo para que as instituies escolares respondessem, em grande parte por meio

    do currculo que propem, aos valores e necessidades sociais, econmicos e polticos de

    um determinado contexto social. Deste modo, compreende-se que estes factores de

    natureza social e poltica sejam considerados com importante relevncia, influenciando

    a evoluo curricular. Um outro factor que naturalmente influencia o currculo escolar

    a evoluo dos saberes cientficos, influncia esta que se consubstancia, embora no

    necessariamente de uma forma imediata, na introduo de novos contedos, noutras

    formas de abordar contedos j inseridos no currculo, na menor nfase dada a alguns

    dos que eram habitualmente trabalhados ou na recomendao de privilegiar novas

    metodologias.

    Por ltimo, todo o conjunto de aspectos que compreendem o objecto das teorias

    educativas, isto , o que se conhece acerca do modo como o aluno aprende e como pode

    estruturar a sua aprendizagem, constituindo-se, igualmente, como factores que

    influenciam a evoluo curricular. De facto, as diferenas que se verificam entre uma

    perspectiva que encara o aluno como um sujeito passivo a quem se transmite

    conhecimento e uma viso que o encara como um sujeito activo e responsvel pela

    construo do seu prprio saber, coloca em evidncia o modo como este aspecto pode

    assumir-se como um importante factor da evoluo curricular.

    O conceito de currculo evidencia um conjunto de relaes que o vo moldando e

    fazendo evoluir, relaes do currculo com a sociedade e os seus valores inerentes e

    ainda com as concepes de homem, mundo e informao (Pacheco, 1996: 18).

    No entanto, para caracterizarmos, em termos gerais, a evoluo curricular ao

    longo do sculo passado, consideramos fundamentalmente a prevalncia da influncia

    dos factores sociedade, saberes cientficos e teorias educativas. Deste modo, podemos

    afirmar que, nas primeiras dcadas do sculo anterior, sobretudo nos Estados Unidos, se

    viveu um perodo em que ao nvel curricular se verificava uma incidncia nas prticas e

    em que se valorizavam os princpios de formao integral do aluno, salientando-se a

  • 26

    importncia do desenvolvimento das capacidades e competncias dos alunos, a

    preocupao em proporcionar um ambiente de aprendizagem assente na auto-descoberta

    e na auto-construo do seu prprio conhecimento dando-se maior nfase ligao da

    aprendizagem s necessidades prticas da vida de todos os dias. Esta tendncia

    curricular assentava, em grande parte, nas ideias de John Dewey e visava ultrapassar as

    concepes tradicionais de escola do sculo anterior com o objectivo de a modernizar

    compatibilizando-a com uma sociedade marcada por grandes clivagens e diversidades

    (Roldo, 1999a).

    Em meados do sculo, a tnica curricular deslocou-se para o paradigma do

    racionalismo acadmico, para a dimenso dos saberes que emerge em parte como

    reaco alegada insuficincia de preparao acadmica oferecida pelas escolas de

    inspirao progressista, e em larga medida pela agudizao da competio cientfico-

    tecnolgica, onde a organizao do currculo se centrava nas disciplinas.

    Ao nvel curricular destacada a valorizao dos saberes cientficos, cabendo

    escola e aos professores um papel, fundamentalmente, de transmissores de saberes e de

    preparao para a vida futura. Esta perspectiva geral entendida de modo muito

    diferente por duas correntes. Para uma primeira corrente, associada ao New Academic

    Reform Movement dos anos 60 e 70 e em que desempenhou um papel importante o

    trabalho de Jerome Bruner, os currculos deviam ser actualizados de forma a integrar os

    recentes desenvolvimentos cientficos. Uma segunda corrente, de cariz behaviorista,

    seguiu uma linha muito diferente, introduzindo ao nvel do currculo uma grande

    tecnicidade na planificao e avaliao do ensino (Roldo, 1999a). As ideias de Tyler,

    em que se destaca a valorizao dos objectivos educacionais e a sua introduo no

    design e na implementao do currculo, so suportadas pelo trabalho desenvolvido por

    Bloom relativo taxionomia dos objectivos educacionais (Freitas, 2000) e enquadram-

    se numa concepo behaviorista do ensino.

    A partir dos finais dos anos sessenta, verificamos o afastamento do pndulo do

    paradigma do racionalismo acadmico com valorizao da dimenso do saber e das

    questes tcnicas relacionadas com a aprendizagem, colocando-se o foco no aluno e nos

    seus interesses. Assim, preconiza-se uma grande flexibilidade e abertura do currculo,

    que deve centrar-se em temas de interesse dos alunos e de actualidade social,

    defendendo-se uma abordagem integradora do conhecimento focada em problemas reais

    (Roldo, 1999a).

  • 27

    Nos finais dos anos setenta, tendo em conta o baixo nvel de conhecimentos

    supostamente causado pelos currculos baseados na relevncia para os alunos dos temas

    abordados, o pndulo volta a deslocar-se para os saberes, verificando-se a necessidade

    de garantir, por meio do currculo, o domnio de conhecimentos bsicos e defendendo-

    se uma aprendizagem mais sistematizada.

    No final do sculo, podemos observar que a evoluo curricular marcada por

    influncias que integram elementos de vrias correntes no domnio do currculo, onde

    podemos identificar uma linha de pensamento baseada nas ideias de Dewey (defesa de

    um currculo centrado no aluno como pessoa e como cidado), outra com a perspectiva

    do Academic Reform Movement (salientando a importncia dos saberes enquanto

    preparao cientfica e prtica que permita fazer frente s exigncias da sociedade

    actual) e, por outro lado, podemos igualmente observar a influncia das ideias de Bruner

    e dos Behavioristas uma vez que se valoriza o mtodo de descoberta e a importncia de

    compreender e usar o mtodo cientfico bem como se verifica a integrao de tcnicas

    baseadas na perspectiva estmulo-resposta (Roldo, 1999a).

    Para Roldo (1998), esta perspectiva abrangente abarca diversas correntes e marca

    a evoluo do currculo nas sociedades ocidentais no final do sculo passado. Comporta

    necessariamente vrias contradies entre as quais se destacam a ambivalncia do

    currculo escolar decorrente da necessidade de se ajustar a mudanas sociais

    extremamente rpidas e, em simultneo, ser um factor de coeso e identidade social, a

    tenso entre um currculo enquanto percurso scio-cultural e enquanto percurso

    individual de desenvolvimento e crescimento. Por ltimo, constata-se a necessidade de,

    por um lado, indicar um conjunto de intenes e metas que no se esgotam em nenhum

    corpus curricular e, por outro, considerar o nvel de eficcia, traduzido na necessidade

    de garantir resultados teis para os indivduos e para as sociedades.

    Este mesmo autor, caracterizando as polticas curriculares do final do sculo XX

    em Portugal, sintetiza:

    As mudanas sociais, culturais e polticas da ltima dcada do sculo XX vieram confrontar os sistemas educativos com a necessidade de responder de forma diferente diversidade de pblicos, expanso da escolaridade e presso social para um aumento de eficcia educativa. neste contexto que se situam as mudanas nas polticas curriculares ocorridas em muitos pases na dcada em causa, caracterizadas no essencial por uma gesto da aco curricular e educativa centrada nas escolas, mais autnoma, mais estratgica

  • 28

    e mais adequada aos contextos. Nesta linha se insere, em Portugal, a Reorganizao Curricular do Ensino Bsico (Roldo, 2005)

    2.2.1. Reorganizao curricular do ensino bsico: enquadramento histrico

    O acesso generalizado ao ensino em Portugal, durante o final do sculo XX,

    esteve directamente associado evoluo econmica, cultural e sociopoltica, como

    alis o esteve noutros pases, se bem que com alguns anos de antecedncia. Roldo

    (2000) afirma que deste acesso generalizado de todos, cultural e socialmente diferentes,

    a uma escola que estruturalmente se mantm idntica, decorrem problemas de

    reprovao e abandono. A situao piora medida que cada vez maior a miscigenao

    de culturas, etnias, lnguas, etc., com os seus cdigos culturais e de comunicao

    especficos. Com o desenvolvimento da sociedade dita da informao torna-se

    necessria uma revoluo face aos tradicionais acessos, construo e circulao de

    saberes, face a uma globalizao econmica, cultural e poltica que acentuou as tenses

    e clivagens sociais.

    Deste modo, a dialctica entre unidade/diversidade, entre projecto comum e

    variabilidade, complexidade e pluralismo das realidades e necessidades educativas

    torna-se assim o grande desafio da escola bsica actual (Alonso, 2000a: 37). Sobre o

    que aconteceu na dcada 1985-1995 em Portugal, Afonso (1998) argumenta que aponta

    mais no sentido de um neoliberalismo educacional mitigado, resultante das presses

    contraditrias exercidas por diferentes grupos e classes sociais que participaram, directa

    ou indirectamente, na definio da poltica educativa, do que no sentido da assuno

    inequvoca de todos os traos e dimenses que, em outros pases, tm sido considerados

    expressivos e definidores das polticas da nova direita (ibidem: 232). As primeiras

    tentativas de mudana da situao caracterizaram-se pela acomodao, se as

    metodologias tentavam orientar-se para os interesses dos alunos, tambm se exigia

    menos quanto aos chamados contedos, em favor das dimenses processuais e

    atitudinais, exigindo-se um desempenho menos elevado (da a introduo dos objectivos

    mnimos, apoio pedaggico acrescido, etc.).

    Do reconhecimento efectivo de que os currculos uniformes no podem dar

    resposta a estes problemas (Freitas et al., 2001), de que o papel das escolas tem de ser

  • 29

    reforado no plano curricular e organizacional e de que necessria a diferenciao

    curricular ao nvel dos contedos, dos processos e dos mtodos de ensino, depende o

    modo como se procede ao reforo da profissionalidade dos professores, assumidos

    como verdadeiros especialistas de ensino, detentores de competncias profissionais de

    anlise e reflexo fundamentada sobre as situaes concretas de cada aprendente,

    possuidores e produtores de saber que sustenta decises contextualizadas e permite

    reexaminar a aco, para agir e interagir com cada situao de aprendizagem o mais

    adequadamente possvel (Roldo, 2000: 130-131). A Lei de Bases do Sistema

    Educativo (Lei n. 46/86, de 14 de Outubro) e o Decreto-Lei n. 286/89 (acompanhado

    pelo Despacho Normativo n. 98-A/923 de 20 de Junho, alterado pelo Despacho

    Normativo n. 644-A/94 de 13 de Setembro) pareciam ser portas abertas mudana nas

    escolas (Alonso, 1998), mas o currculo continua a ser entendido como o programa das

    diferentes disciplinas apesar das tentativas da rea-Escola que ficaram aqum do

    esperado, levando a um crescente questionamento do insucesso da reforma curricular

    que assentou numa perspectiva tecnicista, compartimentada e voluntarista que a

    informou e que estava sustentada numa viso determinista da mudana, e numa lgica

    de separao entre concepo e execuo (Alonso, Peralta & Alaiz, 2001: 13).

    De facto, no rompeu com os modelos curriculares assentes em racionalidades

    tcnico-cientficas, nem conseguiu distanciar-se do paradigma do currculo pronto a

    vestir de tamanho nico (Formosinho, 1987), um dos dilemas organizacionais da

    escola de massas (Costa, Ventura & Dias, 2002). O Livro branco da Comisso

    Europeia sobre a educao e a formao (1995) chama a ateno para a mundializao

    da economia e das mudanas, a sociedade da informao e comunicao e o

    desenvolvimento de uma civilizao cientfica e tcnica, e o Relatrio da UNESCO

    sobre a educao para o sculo XXI Educao, um tesouro a descobrir (Delors,

    1996) que coloca a educao durante toda a vida (life-long learning) no centro das

    atenes da sociedade, organizando-se em torno de quatro grandes pilares: o aprender a

    conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver em comum e o aprender a ser. O Pacto

    Educativo para o Futuro (de Maio de 1996), apresentado pelo Ministrio da Educao 3 Que introduz a avaliao aferida sobre a qual Afonso (1998: 232) argumenta, Num momento em que, sobretudo no discurso poltico, as referncias ao profissionalismo e profissionalidade docente parecem fazer crer na sua existncia real, quando, de facto, ainda no podem ser consideradas etapas socialmente consolidadas, nem dimenses identitrias suficientemente interiorizadas que garantam a sua irreversibilidade, a presena da avaliao aferida no deixa de poder constituir-se como um factor constrangedor da autonomia profissional.

  • 30

    Portugus, assume essas mesmas linhas como prioritrias. neste contexto que surge a

    discusso generalizada proporcionada pelo Departamento da Educao Bsica durante o

    ano lectivo de 1996/97, Reflexo Participada sobre os Currculos do Ensino Bsico,

    levando o debate s escolas e aos professores. Desta discusso surgiu a necessidade da

    construo do currculo nacional apoiada na articulao do desenvolvimento de

    competncias de sada do ensino bsico com os saberes de referncia. O Relatrio do

    projecto reflexo participada sobre os currculos do ensino bsico afirma a necessidade

    de que a mudana curricular desejvel s pode realizar-se com a plena

    responsabilizao de docentes e escolas pela gesto do currculo o que no tem sido

    prtica na tradio e cultura do sistema educativo portugus, nem na experincia

    profissional da classe docente (Roldo et al., 1997: 89).

    De facto, h que gerir o medo de se ser responsvel e autnomo (Freitas et al.,

    2001), caso contrrio, em nome da autonomia relativa de que dispe e que sempre

    dispuseram, alguns professores a possam utilizar justamente para inviabilizar esta

    autonomia, recusando, sob as mais subtis formas de actuao e de argumentao,

    praticar uma verdadeira cultura de gesto curricular e uma cultura interdisciplinar

    atravs do trabalho colaborativo (Vieira, 2001: 21).

    Foram, aps o diagnstico, implementadas medidas de combate excluso,

    nomeadamente os currculos alternativos, a constituio de territrios educativos de

    interveno prioritria e os cursos de educao e formao profissional inicial; em

    simultneo foram lanados o Programa de Expanso e Desenvolvimento da Educao

    Pr-Escolar e o novo regime de autonomia, administrao e gesto das escolas. Neste

    contexto de maior capacidade de deciso relativamente ao desenvolvimento e gesto das

    diversas componentes do currculo e a uma maior articulao entre elas, com o

    Despacho 4848/97 (de 7 de Julho) foi lanado s escolas o desafio de poderem

    experimentar os seus prprios caminhos no mbito da Gesto Flexvel do Currculo,

    inscrita no regime de autonomia das escolas Decreto - Lei n. 115-A/98 , confirmado

    atravs do Despacho 9590/99 de 14 de Maio que revogou o anterior.

    Deste modo, na base da orientao das polticas educativas mais recentes,

    sobressai um modelo descentralista-centralista que, por um lado, perspectiva as escolas

    como locais de (re)construo do currculo e, por outro, reafirma o papel da

    administrao central na sua configurao (Pacheco, 2000: 28). So criados espaos

    destinados integrao de saberes, aquisio de diferentes processos de trabalho,

  • 31

    aquisio de valores e atitudes, nomeadamente com o Projecto Interdisciplinar, o Estudo

    Acompanhado e a Educao para a Cidadania. O Ministrio da Educao refere que

    estas medidas educativas [DEB (1999), Gesto flexvel do currculo], visam

    nomeadamente:

    (1) promover uma nova prtica curricular, assumida, gerida e avaliada pelas

    escolas, no contexto de um currculo nacional que enquadre as competncias

    essenciais;

    (2) incentivar a adopo de estruturas de trabalho em equipa entre professores de

    diferentes reas disciplinares e de diferentes ciclos;

    (3) contribuir para o desenvolvimento profissional dos professores, alargando e

    reconhecendo a sua capacidade de deciso em reas chave do currculo;

    (4) encorajar a reflexo sobre a natureza e funes das diversas tarefas escolares.

    Mais frente, o mesmo documento afirma que os professores tm um papel

    decisivo na estruturao e operacionalizao do processo de gesto de gesto flexvel do

    currculo. Um elemento essencial da aco dos professores a sua capacidade para

    trabalharem de modo colaborativo, valorizando as estruturas de gesto curricular da

    escola e intervindo em diversas instncias (p. 6), nomeadamente os Conselhos de

    Turma, enquanto Director de Turma em articulao com os restantes professores, nos

    Departamentos Curriculares e na articulao com a Comunidade Educativa.

    No que diz respeito aos professores, o Documento orientador das polticas para o

    ensino bsico educao, integrao, cidadania (ME, 1998), referindo-se ao papel da