CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO INTANGÍVEL
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Gestão e Desenvolvimento, 17-18 (2009-2010), 3-26
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO
OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO INTANGÍVEL
Albino Lopes1
Resumo: A cultura organizacional tornou-se um dos temas mais
correntes dos congressos, textos e palestras das escolas de gestão, no
decurso dos últimos 30 anos, sem que o tema se encontre, entretanto,
devidamente desocultado para os profissionais e para os estudiosos
da matéria. A sua popularidade, como moda em gestão, emergiu nos
anos 80, a partir da interpretação feita por estudiosos americanos do
sucesso da gestão japonesa, como resultado da adaptação às
contingências nacionais dos princípios anglo-saxónicos da condução
científica dos negócios, e em particular do taylorismo associado à
medição da qualidade. Neste artigo são passados em revista os
principais autores e é proposta uma definição e uma grelha de leitura
integradas, a fim de se poder ler, numa única matriz interpretativa as
determinantes da cultura nacional, profissional e organizacional.
Optou-se, assim, por reverter a tendência natural para a polissemia
dos temas mais complexos, procedendo, naturalmente, a opções,
questionáveis a diversos títulos. A proposta reflecte a nossa convicção
de que, numa era marcada pela diferenciação organizacional, a
cultura desempenha um papel integrador, substituindo figuras mais
arcaicas de construção da coesão interna, no seio das organizações
como é o caso da hierarquia ou do mercado. A partir de alguns
estudos empíricos propõe-se, ainda, uma chave de leitura da cultura
organizacional portuguesa, caracterizando-a com base numa
abordagem preferencialmente clínica e etnográfica. Arrisca-se, enfim,
uma ideia/valor âncora da cultura organizacional portuguesa.
Designamo-la de cultura adaptativa em lugar de apontar a cultura de
regras como suporte do edifício cultural das organizações
portuguesas. As virtualidades desta âncora cultural, integrando a
capacidade de empatia e a inventividade dos portugueses, apesar da
fraca apetência para o planeamento e gestão por processos, podem
conduzir-nos, como povo, na senda da esperança de fazer dela, um
1 Professor Associado com Agregação ISCSP-UTL. E-mail: [email protected]
Albino Lopes
4
dos activos intangíveis mais determinantes da gestão das pessoas no
nosso país.
Palavras-chave: cultura organizacional; integração pela cultura; activo
intangível.
Abstract: The organizational culture has become one of the most
recurring topics in the congresses, texts and lectures of the business
schools, in the course of the last 30 years, without the subject having
been, however, properly unveiled to the professionals and the scholars
that work on it. Its popularity, as management fad, emerged in the
1980s, from the interpretation of American scholars on the success of
the Japanese management, as a result from the adaptation to the
national contingencies of the Anglo-Saxon beginnings of the scientific
management of businesses, and, in particular, of the Taylorism
associated to the measurement of quality. In this paper, the main
authors are reviewed and it is proposed an integrated definition and
reading grid, in order to be able to read, within a single interpretative
matrix, the determinants of the national, professional and
organizational culture. It was, thus, opted to revert the natural
tendency to the polissemic of the more complex subjects, proceeding,
naturally, to questionable options at various titles. The proposal
reflects our conviction that, in an era marked by the organizational
differentiation, the culture plays an integrating role, substituting more
archaic figures of construction of internal cohesion, within the
organizations, as is the case of the hierarchy or the market. From a
few empirical studies it is proposed, also, a reading key of the
Portuguese organizational culture, characterizing it on the basis of an
approach preferentially clinical and ethnographic. It is risked, at last,
an anchor idea/value of the Portuguese organizational culture. We
designate it as adaptive culture instead of pointing towards the culture
of rules as support of the cultural edifice of the Portuguese
organizations. The virtualities of this cultural anchor, integrating the
ability of empathy and the inventiveness of the Portuguese, due to the
weak appetence towards the planning and management by process,
may lead us, as a people, in the quest of the hope of making that
cultural anchor one of the intangible assets more determining of the
management of people in our country.
Keywords: organizational culture; integration by culture; intangible asset.
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO
INTANGÍVEL
5
INTRODUÇÃO E PROBLEMA
Gerir é produzir bens e serviços com e pelas pessoas, sendo determinante
conhecer os processos e as tarefas (e outras dimensões tangíveis) a executar mas,
sobretudo, conhecer as pessoas e a cultura que elas mobilizam para os poderem
realizar. Torna-se, assim, incontornável estudar a cultura das organizações, como
um activo intangível mas mobilizável, bem como dos profissionais que nelas
interagem. Efectivamente, apesar dos avanços teóricos de cerca de 30 anos de
estudo, a cultura organizacional continua a ser uma variável ainda difícil de
desocultar, se atendermos aos estudos de E. Schein.
Consideramos indispensável começar pela procura de uma definição, tantas
são as propostas com as quais, desde o início, nos confrontamos2 (Lopes & Reto,
1990), não tendo esta matéria deixado, entretanto, de se complexificar, como
reconhece Geertz (2001). Para simplificar, invocaríamos apenas três das
principais referências (G. Hofstede; E. Schein e R. Sainsaulieu), propondo a
definição de cultura organizacional como uma programação mental, com todas as
suas implicações em termos de crenças, de criação de sentido e de expressão
através de artefactos e de padrões de comportamento, ajustadas aos grupos de
pertença. Deste modo, socorremo-nos:
- De Hofstede (1991)3 para situar a cultura nacional como um programa
comum de uma colectividade humana, que permite distinguir, uns dos outros, os
membros de diferentes categorias de pessoas (nação ou grupo étnico, podendo
ainda ser aplicado a categorias de género, grupos etários, classes sociais,
profissão ou ofício, uma organização de trabalho ou mesmo uma família);
- De Schein (1992)4, propõe-se analisar os pressupostos valorativos que
fazem da cultura uma estrutura social única e dotada de identidade, (entendendo
por cultura organizacional o conjunto de pressupostos básicos que um
determinado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender a lidar com
os problemas de adaptação externa e de integração interna, e que funcionou bem
durante o tempo necessário para serem considerados válidos e ensinados aos
novos membros, como a forma correcta de perceber, pensar e sentir, em relação a
esses mesmos problemas);
2 A primeira referência à existência de uma cultura organizacional deve-se a E. Jacques,
Professor do Tavistock Institut, nos anos 50; mas a divulgação do conceito ocorre, apenas,
com o filósofo social britânico C. Handy, em 1976, na sua obra “Understanding
Organizations”. 3 Para Hofstede, cultura tem o sentido de programação da mente. 4 E. Schein inspira-se da intuição topológica de S: Freud, para criar a sua tipologia de três
níveis de profundidade da cultura organizacional: pressupostos básicos, valores e artefactos.
Albino Lopes
6
- De Sainsaulieu (1977)5, para caracterizar as bases da criação de uma
identidade cultural dos grupos profissionais, (e entende que a cultura profissional
se constrói de modo progressivo, no seio de um processo grupal longo, moldado
pela tradição transmitida em família e pela socialização no local de trabalho).
Como valor âncora deste edifício cultural de uma dada colectividade,
socorremo-nos da abordagem de D’Iribarne (1992)6. A cultura é concebida pelo
autor como um sistema de conceitos que permitem aos indivíduos atribuírem
sentidos às suas vivências. Assim termos como liberdade, igualdade, justiça ou
responsabilidade pode evocar sentidos muito diferentes consoante os contextos, e
daí a preferência por uma noção de cultura política. A abordagem
interpretativista, como é conhecida, consiste em traçar um inventário das culturas
políticas, do seu enraizamento na história e dos seus mais aspectos distintivos.
Procuraremos, enfim, realizar uma síntese integrativa das perspectivas
enunciadas acima, recorrendo ao “Modelo dos Valores Contrastantes” de R.
Quinn e colaboradores, para com este ensaiar uma leitura dos principais pontos
fortes e limitações das organizações que operam no contexto da cultura
portuguesa.
Esta perspectiva de síntese teórica, implica fazer opções necessariamente
discutíveis, na medida em que privilegiamos certos autores em detrimento de
outros. Pensamos que as perspectivas seleccionadas se complementam, e que a
ideia de um valor âncora (principal preocupação teórica de Ph. D’Iribarne) pode
funcionar como chave para a descodificação desta realidade extremamente
complexa. Assumimos, ainda, que a síntese proposta se baseia numa abordagem
genético-funcionalista, admitindo que a cultura nacional constituiria a base de
partida para que os líderes e os colaboradores portugueses possam, em cada
organização, construir uma grelha de leitura partilhada e eficaz da realidade
vivida. A gestão da cultura é, ainda, uma realidade chamada a evoluir, de acordo
com as exigências do contexto em que operam, manipulando as variáveis da
cultura profissional (através da Formação Profissional Contínua) e da cultura
organizacional (principalmente através de variáveis como a Liderança). Não há,
pois culturas superiores (como a “ética protestante” ou a “cultura japonesa”);
apenas existem culturas que importa aprender a gerir.
Existem (e continuarão!) discussões intermináveis sobre o estatuto
epistemológico da categoria de cultura organizacional, bem como acerca da
distinção entre uma perspectiva mais funcionalista (ter uma cultura) ou mais
genética (ser uma cultura). Desde há muito (Lopes & Reto, 1990) optámos por
uma tentativa de síntese das duas perspectivas, dado que reputamos
5 R. Sainsaulieu tem sido, injustamente, um autor pouco relevado nesta temática da criação e
gestão da cultura organizacional. 6 O autor foi por nós retomado para o estudo da cultura moçambicana com a tese de
doutoramento de A.C. Calapez, no ISCTE, na qual é proposto o conceito de Lógica do Afecto.
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7
indispensável para os gestores de pessoas se poderem orientar no seio deste
conjunto teórico pouco integrado, até porque, uma década após as primeiras
formulações, ele se encontrava em estado de perfeito caos conceptual (Martin,
1992). Terá sido em boa parte este caos teórico que contribuiu para que a cultura
organizacional se mantivesse, em países como o nosso, como uma “variável
oculta” e desvalorizada pela prática gestionária, mau grado a sua entrada na gíria
corrente, de forma quase compulsiva.
Colocamos, deste modo, como questão central a ideia segundo a qual a
cultura condiciona as representações dos indivíduos, razão pela qual se imporia
uma adaptação local das práticas de gestão, dado que aquelas de dispomos quase
sempre são transpostas de um ambiente anglo-saxónico (Chevrier, 2003).
Práticas transpostas, sem adaptação cultural, equivalem a espécies exóticas que
se transformam, habitualmente, em predadoras do melhor que uma cultura local
possui7. Daí a necessidade que sentimos de proceder a uma adaptação da gestão
da e pela cultura, à realidade nacional, na sequência da proposta de uma síntese
explicativa a que procederemos.
1. Cultura Nacional – G. Hofstede
A cultura organizacional integra, em cada país, de acordo com G Hofstede, E.
Hall, E. Schein e tantos outros que estudam as bases das cultura nacionais,
símbolos, heróis, ritos, valores e convicções fundamentais (constituindo estes
últimos, o nível mais profundo).
A cultura organizacional, de acordo Hofstede, integra, de um modo específico a
cada cultura nacional, os seguintes elementos ou categorias:
- Símbolos8 (palavras, objectos e gestos com significado convencional);
- Heróis (pessoas reais ou imaginárias, presentes ou já desaparecidas,
identificadas como modelos de comportamento);
- Ritos (actividades eventualmente supérfluas, mas socialmente significativas
no contexto cultural);
- Valores (o nível mais profundo de uma cultura, os quais equivalem a
sentimentos amplos, muitas vezes inconscientes e indiscutíveis, envolvendo
categorias éticas, estéticas, ideológicas, compartilhadas pelos membros de um
grupo e/ou pelos seus líderes).
7 Do nosso ponto de vista, foi o que se passou com a burocracia weberiana transposta sem
adaptações para a cultura nacional. Gerou-se um “monstro”, nunca até hoje verdadeiramente
dominado. 8 Ao nível da cultura nacional os símbolos constituem-se em linguagem, enquanto, em termos
de cultura organizacional, correspondem a abreviaturas, gírias, formas de se apresentar, de
vestir e de consideração (estatuto social).
Albino Lopes
8
Hofstede (1991) considera, nomeadamente, que as pessoas que começam a
trabalhar numa organização (particularmente se são jovens), embora a
generalidade do seu sistema de valores se encontre já firmemente enraizada,
serão, por sua vez, socializadas segundo a prática do seu contexto profissional,
nomeadamente ao nível dos valores básicos, podendo ser, a socialização, mais
superficial, no que respeita a símbolos, heróis e ritos. Concentra a sua pesquisa
nos valores9, como as variáveis que melhor caracterizam as culturas nacionais,
dado que estes tendem a prevalecer nas organizações dos respectivos países,
independentemente de serem locais ou transnacionais. São eles:
- A Distância Hierárquica (significando até que ponto os membros de uma
sociedade aceitam a distribuição desigual de poder, o que afecta o
comportamento dos menos poderosos em relação aos mais poderosos e vice
versa);
- O Controlo da Incerteza (correspondendo ao grau de desconforto que os
membros de uma sociedade sentem face à incerteza e à ambiguidade, bem como
a uma preferência por situações mais ou menos estruturadas);
- O Individualismo versus colectivismo (representando a preferência por
uma estrutura social associativa, dado que cada indivíduo apenas pode contar
consigo mesmo e com a sua família, enquanto o colectivismo significa a
expectativa e a preferência por comportamentos sociais de solidariedade, em que
cada indivíduo espera que seus parentes ou grupo a que pertença cuidem dele, em
troca de valores inspirados na lealdade);
- A Masculinidade versus Feminilidade (expressando a preferência pelo
sucesso de natureza material, a competitividade, a agressividade, a preocupação
com o elevado desempenho individual e a planificação das actividades, ao passo
que a feminilidade concede uma preferência pela qualidade de vida, as relações
humanas, a dedicação, a solidariedade e a criatividade, a partir de meios
relativamente modestos);
- Dinamismo Confuciano ou orientação a longo prazo versus orientação a
curto prazo (correspondendo a primeira aos valores de austeridade e tenacidade,
de respeito pelas tradições e pelo conformismo social, do tipo “o medo face ao
que se pode vir a dizer de si”).
G. Hofstede estuda, de modo particular, as consequências da cultura nacional
relativamente a três dimensões fundamentais da gestão de pessoas:
9 Fornecem-se em anexo os indicadores dos principais países com os quais pode ser útil
comparar a cultura portuguesa.
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9
Quanto às práticas10
nas organizações, Hofstede indica-nos como variáveis
mais características, e que correspondem aos símbolos, mitos e ritos, as
seguintes:
10 Diversas contribuições poderiam ser convocadas, ainda, dentro desta perspectiva da cultura
organizacional aberta pelo autor holandês, destacando-se nomeadamente os trabalhos de
HALL (1999) no campo da comunicação intercultural. Pelo seu interesse prático apontam-se
as três dimensões por ele encontradas:
- O relacionamento em contexto rico (uso da alusão, do não-dito, da informação
implícita) ou pobre de uma comunicação;
- A relação com o tempo (monocronismo – uma coisa de cada vez versus policronismo);
- A relação com o espaço (distância física fraca ou considerável, entre os indivíduos em
comunicação).
Figura 1 – Estilo de Liderança Figura 2 – Motivação
Figura 3 – Estrutura Organizacional
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- Maior interesse pelos meios versus maior interesse pelos fins (o que
significa, no primeiro caso uma preferência por rotinas técnicas e burocráticas,
face a uma preferência pelos resultados);
- Interesse pelo indivíduo versus interesse pela função (ou seja, uma
preocupação com a produtividade e com o bem estar do indivíduo ou, no caso, da
função, uma preocupação apenas relativa à produtividade);
- Corporativismo versus espírito de equipa (levando no primeiro caso as
pessoas a identificarem-se mais com a profissão/carreira e, no segundo caso, a
privilegiarem os objectivos da organização);
- Sistema aberto versus sistema fechado (uma dimensão ligada ao tipo de
comunicação externa e interna e à preocupação com o acolhimento dos estranhos
ou dos recém-chegados);
- Controlo interno rígido versus controlo interno flexível (aspecto que
corresponde à importância atribuída à formalização e à pontualidade dentro da
organização);
- Pragmatismo versus rigidez nas relações (nomeadamente no que diz
respeito aos clientes e que corresponde a um máximo de flexibilidade face a uma
grande rigidez na aplicação dos normativos).
Estas práticas organizacionais representam dimensões mais superficiais e
susceptíveis de fragmentação, no sentido de Martin (1992), mas sendo também
mais fáceis de gerir do que os valores. Quando alguns autores falam em cultura
forte (Kotter & Heskett, 1992), é aos valores que se referem e não tanto aos
aspectos que aqui apresentámos como mais superficiais.
2. Cultura Profissional – R. Sainsaulieu
A cultura profissional, ao criar familiaridade com um mesmo universo
técnico, induz preocupações, laços associativos, saberes e competências comuns,
no seio de uma determinada classe profissional, desempenhando um papel
catalisador da comunicação e dos comportamentos.
Com a sua obra de referência, L’Identité au Travail, R. Sainsaulieu torna-se o
pioneiro do estudo das dimensões culturais presentes ao nível do trabalho e da
profissão. A partir de inquéritos e de observação participante, em empresas
públicas e privadas, o autor tipifica processos identitários em função dos meios
de que os actores sociais dispõem para jogar jogos de influência organizacionais,
de modo a garantir os respectivos interesses no seio das interacções de trabalho,
inscrevendo-se, deste modo, na lógica das pesquisas de Crozier (1963). A partir
desta variável, R. Sainsaulieu formaliza a proposta de quatro tipos ideais de
condições de acesso ao poder negocial (enquanto núcleo estruturante do
comportamento organizacional), que em seguida se especificam. - Cultura de Alheamento: os trabalhadores moldam a sua identidade
profissional, de preferência, fora do contexto de trabalho. A sua estratégia de
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11
acção passa pelo paradoxo da presença ausência; a organização é de tipo
instrumental, ou seja, ganhar um vencimento que lhe permita viver uma vida
inteiramente desfasada da vida de trabalho. O autor identificou o alheamento
como a estratégia de uma determinada categoria de profissionais, dotada de
fracas qualificações, com dificuldades de progressão e, mais especificamente, as
mulheres, os emigrantes os serventes e os jovens insuficientemente socializados.
- Cultura de Fusão: existe uma categoria de profissionais com qualificações
elementares mas pertinentes para a organização, e que, se enquanto indivíduos
isolados são facilmente descartáveis, quando organizados sindicalmente, por
exemplo, em conjunto, se tornam dificilmente substituíveis. Trata-se de
trabalhadores fabris ou de escritório, com algum grau de especialização e
essencialmente vocacionados para a produção em série, fazendo operações
repetitivas. Cultivam uma camaradagem e uma solidariedade exemplares, entre
colegas de trabalho, e forjam lideranças fortes e orientadas para a manutenção da
coesão grupal. Este grupo, no período do pós-guerra, foi o grande esteio do
sindicalismo reivindicativo associado à emergência do Estado Social.
- Cultura de Negociação (ou de solidariedade democrática): os profissionais
qualificados e os quadros médios que asseguram a estrutura produtiva das
organizações experienciam uma capacidade de influência individual
essencialmente associada às competências e responsabilidades que exercem. A
sua força negocial interna, ao invés do grupo anterior, centrado na ideia de
colectivo, permite-lhes balancear de maneira muito equilibrada a afirmação
individual (competição a nível cognitivo) e a capacidades de estabelecer alianças
solidárias (cooperação entendida em sentido afectivo). Esta classe profissional
forneceu, no decurso da revolução industrial, os quadros do sindicalismo, os
encarregados industriais e sobretudo a base do empreendedorismo.
- Cultura de Afinidades Selectivas (ou de meritocracia): este modelo
identitário está quase totalmente baseado no individualismo e no fraco sentido da
solidariedade grupal. É específico de quadros técnicos que se orientam pelo
sentido de ascensão social e de carreira pessoal que prefere muitas vezes a
mobilidade externa à de serviço e de trabalho com sentido de realização. Em
termos discursivos, este grupo profissional promove uma retórica
comunicacional associada à meritocracia.
Albino Lopes
12
Como tivemos a oportunidade de referir (Lopes & Reto, 1990), este modelo
teórico permite colocar a hipótese de uma divisão horizontal da organização,
separando profundamente o alto e a base da pirâmide organizacional (quanto às
qualificações profissionais), por um lado, e da esquerda para a direita da mesma
pirâmide (no que respeita à ideologia mais colectivista, dos operários
especializados e dos profissionais qualificados, face a uma mais individualista
dos quadros e dos profissionais de baixas qualificações).
O equilíbrio entre tendências terá sido adquirido durante o período dos “30
anos gloriosos” que se seguiram à 2ª Grande Guerra – com os quadros e os
trabalhadores com fracas qualificações a apresentarem uma orientação externa, e
os restantes, com orientação interna. Um desequilíbrio parece, entretanto,
inevitável, como antes dissemos, com a cultura profissional a orientar-se agora
para uma certa homogeneidade individualista (predominância simultânea de
quadros e de pessoas pouco qualificadas, com uma destruição massiva de
empregos geradores de culturas mais colectivistas e solidárias). De acordo com
as nossas hipóteses (Lopes & Reto, 1990), estaria a crescer a dificuldade da
gestão da cultura de coesão organizacional, ampliada pelo paradoxo da sua maior
necessidade. Os movimentos colectivistas, quando emergem no seio dos quadros
remetem para uma defesa da carreira e não já da organização. A cultura
individualista aparece acompanhada pelo estímulo da precariedade por razões
financeiras e de rapidez de mutação tecnológica, a qual se tem traduzido pela
designada política de deslocalização industrial. Em consequência, assistimos a
uma potenciação da obsolescência das competências profissionais, geradora de
uma maior exposição à cultura de alheamento. A novidade é que tão alheado
parece estar o professor, por exemplo, como o segurança. Tudo isto ocorre sem o
desenvolvimento da cultura de meritocracia, o que poderia reverter-se, se,
entretanto, todos os profissionais fossem igualmente qualificados. A localização
Figura 4 – Dominância da Tecnologia mecânica e de
uma centração de carácter centrípeto
Figura 5 – Dominância das NTIC e de uma centração de
carácter centrífugo
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO
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13
deste paradoxo revela uma questão pertinente que nos deve merecer algum
detalhe11
.
O desenvolvimento da Organização Aprendente (Lopes & Picado, 2010), que
poderia resolver o referido paradoxo, tem-se revelado uma miragem, em países
como Portugal, como amplamente têm comentado organismos internacionais
como a OCDE. Os nossos líderes industriais, em Portugal como noutros países
europeus, parecem pouco atentos a uma Gestão Estratégica das Pessoas,
orientados como estão para uma oposição entre desenvolvimento de
competências e novas qualificações académicas. Entregou-se ao sistema
educativo a responsabilidade da formação de competências, quando estas se
desenvolvem sobretudo em contexto de trabalho. A representação colectiva
parece afinar, igualmente, pelo mesmo, com a aposta a deslocar-se para o
projecto e a carreira pessoal, a começar pela gestão universitária, cuja função
social é entendida, agora, como a de se substituir às organizações produtivas para
a criação das identidades profissionais do futuro.
3. Cultura Organizacional – R. Quinn
R. Quinn e colaboradores (quase sempre ligados à Universidade de Michigan)
têm vindo a propor um modelo de gestão de competências de liderança e de
cultura, como duas faces de uma mesma realidade, na linha do que igualmente
defende Schein. Recorde-se que aquele modelo foi recentemente classificado
como um dos 40 mais importantes, no domínio da gestão (Have et al., 2003). A
sua abordagem parece ter as virtualidades necessárias para sobre ela procedermos
à síntese que nos propomos, apreciando-a de forma detalhada.
Cameron and Quinn (2005) referem que cada cultura é composta por uma
linguagem única, símbolos, regras, e sentimentos etnocêntricos. O conceito de
cultura organizacional pertenceria, assim, à abordagem funcional do alicerce
sociológico, mas os autores aludem, igualmente, que aquela é um atributo da
própria organização, sendo espelhada pelo que é valorizado na organização,
pelos estilos de liderança dominantes, linguagem, símbolos, procedimentos,
rotinas e definições de sucesso organizacional. Julgamos detectar na definição os
pressupostos da perspectiva genético-funcionalista: a organização tem e é, em
simultâneo, uma cultura. Só em parte a gestão pode controlar a cultura, devendo
sobretudo respeitar a sua dinâmica intrínseca, para a poder gerir.
Quinn and Rohrbaugh (1983) desenvolveram o modelo dos valores contrastantes
quando procuravam uma definição da eficácia organizacional. O referido modelo
é composto por duas dimensões: foco interno e integração vs foco externo e
diferenciação (eixo horizontal); flexibilidade e mudança vs estabilidade e
11 O sistema educativo manteve-se elitista e não é compensado por uma formação profissional
de qualidade.
Albino Lopes
14
controlo (eixo vertical da figura, abaixo apresentada). De referir que o CVF era
inicialmente composto por mais uma dimensão (meios versus fins), a qual,
entretanto, viria a perder importância explicativa. As duas dimensões formam
quatro quadrantes, os quais reflectem quatros tipos de cultura distintos: clã ou
relações humanas, adhocracia ou sistemas abertos, hierarquia ou processos
internos, e mercado ou objectivo racional (Cameron & Quinn, 2005). Para o
diagnóstico da cultura da organização existe uma pluralidade de questionários
muito divulgados que pretendem medir a força e o equilíbrio dos quadrantes, que
em seguida se explicitam. O modelo completo é apresentado a partir de um
esquema conceptual em que se delimita, de maneira precisa a zona de equilíbrio,
em que a força expressiva de cada quadrante deverá exercer-se.
- Cultura de mercado ou objectivo racional: modelo com grande
predominância entre 1900 e 1925, correspondendo ao apogeu do taylorismo
(Quinn et al., 1996), sendo o critério de eficácia, a produtividade e o lucro, e a
ênfase, em processos como a definição clara dos objectivos, a análise racional e a
tomada de decisões.
- Cultura de hierarquia ou processos internos: de acordo com Quinn et al. (1996), este modelo tem por base a burocracia, que se deve às contribuições de
Max Weber, e à unidade de comando de Henri Fayol (entre 1926 e 1950). Os
autores referem que o critério de eficácia é a estabilidade e a continuidade; a
ênfase é em processos como a definição de responsabilidades, a medição, a
documentação e a protecção de registos.
- Cultura de clã ou relações humanas: este modelo de cultura emerge no
terceiro quarto do século vinte (1950 e 1975), sendo a ênfase deste modelo no
comprometimento, na coesão, e na moral (Quinn et al., 1996). Os critérios de
eficácia são, de acordo com os autores, a equidade e a abertura.
- Cultura de adhocracia ou sistemas abertos: este modelo emerge no
último quarto do Século XX (1975 - 2000) e num sistema deste tipo, a
organização compete num ambiente de negócios turbulento e ambíguo, pelo que
o critério de eficácia organizacional é a adaptabilidade e o apoio externo (Quinn
et al., 1996). Segundo os autores, os processos chave são a adaptação política, a
resolução criativa de problemas, a inovação, e a gestão da mudança.
Nenhuma organização conseguirá sobreviver, porém, com a ênfase apenas
num destes quadrantes, pelo que se deverá optimizar todos os tipos mantendo-os
na zona óptima.
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO
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15
Figura 6 – Modelo com delimitação da zona positiva vs zona negativa
Fonte: Adaptado de Quinn et al. (1996)
4. Síntese das diferentes abordagens culturais
Procedendo a uma sobreposição dos quadrantes, exceptuando a dimensão
“dinamismo confuciano”, controversa neste contexto, obteríamos o seguinte
tendo, igualmente, em consideração os valores encontrados para o nosso país:
- O quadrante dos Processos Internos, com a sua ênfase nas Regras, pode ser
alinhado com a Cultura de Alheamento (algo do género como “faço uma coisa
porque as regras a isso me forçam, mas sem adesão pessoal”) e com a Distância
Hierárquica elevada (ou, não me compete questionar a hierarquia);
- No quadrante Objectivo Racional, o alinhamento seria feito com a cultura de
meritocracia ou de Afinidades Selectivas e com o Controlo da Incerteza elevado,
traduzindo-se por uma apetência pelos objectivos de carreira e não com uma
identificação com os do colectivo (mais distantes);
- Quanto ao quadrante Relações Humanas (Apoio), estaríamos a falar de uma
Cultura de Fusão, conjugada com um elevado Colectivismo (procuro interacções
fortemente sinérgicas dentro do meu grupo de pertença e excluindo os restantes
grupos);
Albino Lopes
16
- No de Sistemas Abertos/Cultura de Inovação, o alinhamento far-se-ia com a
Cultura de Negociação (soluções consensuais, processo gerador de alternativas) e
com a Cultura de Forte Feminilidade (atenta ao pormenor, à capacidade
adaptativa e à aptidão para o improviso em situações onde outros facilmente
entrariam em bloqueio).
6. Gestão da Cultura: o Caso Português
A sobreposição acima proposta obtém algum apoio empírico? Vejamos duas
situações específicas, com base em dois dos modelos apresentados e a
interpretação que retiramos a partir de Sainsaulieu.
O questionamento de todos os quadros do universo CTT e PT (mais de 2.000),
com o modelo de Hofstede, permitiu confirmar as tendências encontradas pelo
autor para a população portuguesa, mesmo tratando-se de dirigentes (alta
distância hierárquica, alto controlo da incerteza, baixo individualismo e baixa
masculinidade), as quais são traduzidas em: receio do poder, medo de assumir
riscos, fraco sentido associativo e forte criatividade. O traço distintivo é assim a
ausência de associativismo (cada um para si). A cultura profissional destes
quadros dirigentes tende pois para um desequilíbrio individualista, mas
igualmente de um corte entre dirigentes e dirigidos, em resultado de todo o
trabalho operativo ser progressivamente entregue a empreiteiros subcontratantes
(Lopes & Reto, 1990).
Quanto ao modelo de Quinn e colaboradores. Em sessões de formação com
empresários, no ISCTE, procuramos efectuar um levantamento da representação
social que estes apresentavam, acerca da maneira de ser do trabalhador
português, bem como da forma de liderar do dirigente português em geral. As
pessoas (cerca de 20, por sessão) registavam a sua impressão numa folha em
branco. A expressão sucessiva de cada participante, acerca do que escrevera,
fornecia os elementos para a construção daquilo que Weick and Bougon (1986)
designam como elaboração colectiva de um mapa mental de grupo. Cada
expressão era interpretada, com a intervenção determinante do proponente, com
base nas categorias correspondentes aos valores contrastantes.
No que respeita à cultura, foram propostas ao grupo, para validação, as
categorias seguintes:
- Baixo respeito pelas regras e processos internos;
- Baixo interesse pelo estabelecimento de objectivos;
- Grande oscilação (de muito bom a péssimo) no que respeita ao
relacionamento entre as pessoas;
- Forte tendência para o improviso.
Quanto à liderança, os resultados foram os seguintes: - Baixa centração no cliente;
- Baixa preocupação com procedimentos que visem a qualidade;
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO
INTANGÍVEL
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- Baixo espírito de trabalho em equipa oscilando, esporadicamente, com o
culto do bom clima organizacional;
- Grande propensão para o “desenrascanço”.
Uma vez construído um único mapa mental colectivo, por composição (uma
das técnicas admitidas pelos autores) dos diferentes mapas cognitivos individuais
(usando a análise de conteúdo temática das frases escritas pelos sujeitos, com
recurso a grelha prévia (no caso vertente as categorias de Quinn), o grupo
discute-o, apropriando-se dele colectivamente, tendo-se reconhecido, de forma
explícita, nas dimensões encontradas12
.
Estes resultados que abaixo se apresentam, divergem substancialmente da
leitura que resulta de trabalhos de mestrandos, por nós orientados, a partir do
Questionário FOCUS, o qual é, igualmente, utilizado por Neves (1996), e que
salienta o enfoque no valor Regras, como o traço distintivo da cultura
portuguesa. Procedemos a uma distinção radical entre gerir com base em
múltiplas regras e adesão dos colaboradores a estas. Aceitam-se quando a
autoridade está (ou poderá estar) presente. Quando as pessoas respondem a
questionários de cultura reflectem a gestão desta cultura de regras e não os seus
determinantes em termos de valores.
Poderá contraditar-se que os dados aqui referenciados foram obtidos a partir
de metodologia etnográfica ou clínica. Defendemo-nos com a proposta de Schein
(1996), quando afirma que a falha em levar a cultura suficientemente a sério
assenta nos nossos métodos de investigação, que colocam mais ênfase nas
abstracções do que em cuidadosas observações etnográficas ou clínicas do
fenómeno organizacional.
Passando à análise, consideramos que não deixa de ser curiosa a aproximação
entre as quatro abordagens apresentadas sobre o perfil dos dirigentes/empresários
portugueses e sobre a forma como lideram a cultura nacional. Por outro lado,
verifica-se que as questões associadas à problemática da cultura organizacional
constituem uma preocupação presente, no mínimo de forma implícita, na
reflexão e na acção dos empresários portugueses. Já não poderá falar-se da
“variável esquecida” de que falava Schein nos anos 80.
Se nos socorrermos do esquema de Quinn (2000), para a análise da cultura (ou da
gestão da cultura, se preferirmos) reflectida pelos empresários, as dimensões
encontradas formariam a figura 7.
12 A configuração de valores e de formas de gestão encontrados foi confirmada, entretanto,
junto de cerca de 160 técnicos de diversas empresas, em ocasiões similares, tendo sido
utilizada a mesma abordagem. Esta mesma realidade foi, ainda, encontrada junto de uma
centena de dirigentes superiores do Grupo Lena, no decurso do plano de formação de quadros
estabelecido com o ISCTE, ao logo dos últimos seis anos.
Albino Lopes
18
Figura 7 - Valores a que obedece a liderança da cultura portuguesa
O diagrama mostra um deficit nos processos e nos objectivos, o exagero da
inovação e a oscilação (de tipo ciclotímico) entre o exagero da preocupação com
um bom clima interno e a passagem extemporânea a uma situação de crispação
das relações humanas.
A intenção com que se reflecte aqui, sobre a problemática da cultura-tipo das
organizações portuguesas (utilizando para o efeito as categorias de Quinn e não
as de Hofstede, como seria mais habitual) é a de poder evidenciar a coincidência
de perfis entre a cultura e a liderança em Portugal, ou seja, poder fundamentar
uma hipótese geral acerca daquilo que designamos de liderança da cultura nas
organizações portuguesas.
Acresce que os estudos de alguns colaboradores de Quinn, acerca da
implementação das políticas de qualidade nas organizações hospitalares
(Zammuto et al., 2000), mostram ainda que estas requerem uma liderança da
cultura, que consiga fazer algumas micro-regulações indispensáveis para
aproximar o diagrama (figura que une os pontos indicativos dos valores dos
diferentes quadrantes) do correcto posicionamento na zona de optimização (isto
é, ligeiramente deslocado para o eixo da flexibilidade, como se procura mostrar
no Figura 9). Para isso seria necessário estabilizar o quadrante relações humanas
e deslocar o conjunto do modelo cuidando melhor dos processos e da
planificação/objectivos. Procura-se ainda evitar a tentação bem portuguesa de
procurar uma macro-regulação pela via do exagero na acentuação do quadrante
regras, sem corrigir o perfil descrito, antes parecendo oscilar de forma bipolar.
As Figuras 8 e 9 procuram ilustrar as opções que designamos de macro-regulação
(exagerada centração nos processos internos/regras e apelo extemporâneo à
figura do “desenrasca”) e de micro-regulação (condução das diferentes culturas
Sistemas Abertos
Externo
Objectivos Racionais
Interno
Processos Internos
Relações Humanas
Controlo
Flexibilidade
Zona de optimização dos
valores contrastantes
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO
INTANGÍVEL
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para o seu lugar mais “natural”, ou seja, onde o esforço colectivo esteja mais
facilitado, no interior dos dois círculos).
Figura 8 - Macro-regulação da liderança da cultura portuguesa13
13 Designamos este modelo de macro-regulação, na medida em que se procura ilustrar a
tentação, dos dirigentes portugueses, em querer mudar o quadro mental das pessoas através de
desenvolvidos processos de Leis, Regulamentos e Tecnologias, com os quais se pretende
flexibilizar e desburocratizar a cultura organizacional, quando o normal seria admitir que é
pela desregulamentação que se forja o caminho da flexibilidade.
Sistemas Abertos
Externo
Objectivos racionais
Interno
Processos Internos
Relações Humanas
Controlo
Flexibilidade
Albino Lopes
20
Figura 9 - Micro-regulação da liderança da cultura portuguesa14
Pelas razões invocadas, nunca o valor regras, estando associado a algo de
deficitário, poderia ser um elemento âncora do sistema cultural português.
Vejamos, em pormenor o ponto de vista de D’Iribarne, procurando nele, apoio
para podermos formular uma alternativa credível.
7. A Proposta de Chave de Leitura Cultural de Ph. D’Iribarne
A abordagem interpretativista de Ph. D’Iribarne pretende traçar um inventário
da cultura política de um determinado povo, de maneira a fazer emergir as
oposições que os actores sociais utilizam para criar sentido nos contextos de
trabalho.
14 Nesta regulação é proposta uma consolidação da área positiva da dos valores associados às
Relações Humanas e um deslocamento ligeiro e harmónico para o vector Controlo, parecendo,
por isso, ser legítimo apelidá-la de micro. Este esforço com vista a uma deslocação, por ligeira
que seja, para o vector do Controlo, pode fazer toda a diferença. Numa conferência do CEO da
Siemens Portugal, num encontro promovido pela revista RH Magazine, na Caixagest, estava
em causa este problema da relação dos portugueses com a temática das regras e dos objectivos.
O Dr. Carlos Melo Ribeiro, que falava após a nossa intervenção, referia a necessidade de
estimular os grupos a transformarem-se em equipas criativas tirando partido do espírito
criativo nacional, mas também a estar vigilantes quanto ao controlo de objectivos e de regras,
na ausência do qual os alemães não levariam a sério a filial portuguesa. A sua expressão era
“regras e objectivos quanto baste, porque não é familiar essa cultura, e apostar fortemente na
equipa e na criatividade”. Pensamos que não poderia haver melhor testemunho para a defesa
da nossa perspectiva da gestão da cultura portuguesa.
Sistemas Abertos
Externo
Objectivos Racionais
Interno
Processos Internos
Relações Humanas
Controlo
Flexibilidade
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO
INTANGÍVEL
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Na obra fundadora de 1989 procura estabelecer a chave de leitura da cultura
nacional do seu país, designando-a “Lógica da Honra”, por contraposição à
“Lógica do Contracto”, própria dos Estados Unidos e à “Lógica do Consenso”,
própria da Holanda.
A lógica da honra parte da separação das categorias profissionais e
hierárquicas, cada uma remetida para a sua esfera de influência própria, sem se
imiscuir nas outras, no respeito das prerrogativas de cada uma.
A lógica do contracto emerge de uma sociedade de iguais, coligados por meio
de relações contratuais livremente negociadas. A hierarquia não resulta de uma
posição ancestral mas antes da situação contratual em que prestar contas faz parte
do trabalho a realizar.
A lógica do consenso, própria da Holanda (nascida da Tratado de Utrech,
onde a unanimidade do apoio das províncias à fundação do Estado foi o valor
âncora do processo), está suportada no princípio segundo o qual cada um pode
exprimir-se livremente nas discussões que precedem as decisões da hierarquia.
De um modo mais abrangente, o autor formula a hipótese segundo a qual as
sociedades se pautam pela separação entre a impessoalidade da gestão e o
relacionamento humano, com quatro situações possíveis: impessoalidade no
exercício profissional, separada do relacionamento, e com boas ou escassas
relações pessoais; não separação, e relacionamento pessoal, desde muito bom a
sofrível. As culturas germânico-nórdicas e anglo-saxónicas, seriam do primeiro
tipo; as latinas, do segundo; as emergentes, sobretudo africanas, com uma lógica
do afecto, do terceiro; as emergentes, de países em guerra, ou dominadas por
sistemas “terroristas”, do quarto tipo.
Conclusão
Em conformidade com o que foi exposto, parece relativamente seguro que, de
acordo com a proposta de Ph. D’Iribarne, a chave de leitura da cultura
portuguesa seria a de se tratar de uma cultura fortemente adaptativa.
Como pontos fortes aparece-nos a apetência para o improviso e a criatividade
individual, em condições contextuais de forte ambiguidade, o que corresponde à
cultura de dominância da feminilidade e de uma aprendizagem profissional
relativamente rápida, específica da cultura profissional; mas de preferência essa
vivência cultural emerge em grupo e envolve um acentuado sentido de pequeno
grupo de entreajuda (em sintonia com um colectivismo elevado, e permitindo
fazer equipa com alguma facilidade). Enfrentar uma hierarquia impositiva
implica, porém, um forte desgaste emotivo, pelo que o desenrascanço se opera
em situação de autogestão clandestina (diz-se uma coisa e faz-se outra,
porventura melhor). Mas emergem, igualmente, pontos fracos como a baixa capacidade para a
planificação e a elaboração amadurecida de processos eficientes (baixo sentido
Albino Lopes
22
de organização), associada a um sentido grupal mas que poucas vezes se reflecte
em sentido verdadeiramente de equipa.
Gerir a cultura portuguesa, como se vê, não parece revelar-se uma tarefa fácil,
na medida em que ela se afasta dos tão elogiados, entre nós, padrões anglo-
saxónicos, em praticamente todos os pontos relevantes. O facto de tantos textos
terem sido produzidos entre nós, desde há cerca de trinta anos, pouco terá
contribuído para a desocultação desta variável determinante da gestão. Em
estudos de caso, por nós próprios e por estudantes que connosco têm colaborado,
verificamos a importância de medir e de aproximar a gestão da cultura
portuguesa à proposta da Figura 9, acima referida, e que se traduz num equilíbrio
expressivo de valores, ligeiramente orientado para a flexibilidade, sem descurar o
controlo. É esta a configuração que melhor partido pode retirar, da gestão da
cultura adaptativa em Portugal.
A CULTURA ORGANIZACIONAL EM PORTUGAL: DE DIMENSÃO OCULTA A PRINCIPAL ACTIVO
INTANGÍVEL
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ANEXO
País
Distância hierárquica Controlo de Incerteza Individualismo Masculinidade Índice Confuciano
Ordenação Classificação Ordenação Classificação Ordenação Classificação Ordenação Classificação Ordenação Classificação
Alemanha 35 42-44 65 29 67 15 66 9-10 31 11-12
Áustria 11 53 70 24-25 55 18 79 2
Bélgica 65 20 94 5-6 75 8 54 22
Brasil 69 14 76 21-22 38 26-27 49 27 65 5
Dinamarca 18 51 23 51 74 9 16 50
Espanha 57 31 86 10-15 51 20 42 37-38
EUA 40 38 46 43 91 1 62 15 29 14
Finlândia 33 46 59 31-32 63 17 26 47
França 68 15-16 86 10-15 71 10-11 43 35-36
Grécia 60 27-28 112 1 35 30 57 18-19
Hong Kong 68 15-16 29 49-50 25 37 57 18-19 96 1
Índia 77 10-11 40 45 48 21 56 20-21 61 6
Estudo comparativo - os resultados dos 25 países (de 53) que permitem melhor comparação relativamente a Portugal; Ordenação: de 1 a 112 (escala
das dimensões encontradas); Classificação (de entre os 53 países estudados): 1 = máximo; 53 = mínimo
A C
UL
TU
RA
OR
GA
NIZ
AC
ION
AL
EM
PO
RT
UG
AL
: DE
DIM
EN
SÃ
O O
CU
LT
A A
PR
INC
IPA
L A
CT
IVO
INT
AN
GÍV
EL
25
Irlanda 28 49 35 47-48 70 12 68 7-8
Israel 13 52 81 19 54 19 47 29
Itália 50 34 75 23 76 7 70 4-5
Japão 54 33 92 7 46 22-23 95 1 80 3
México 81 5-6 82 18 30 32 69 6
Noruega 31 47-48 50 38 69 13 8 52
Países
Baixos 38 40 53 35 80 4-5 14 51 44 9
Portugal 63 24-25 104 2 27 33-35 31 45
Reino Unido 35 42-44 35 47-48 89 3 66 9-10 25 15-16
Suécia 31 47-48 29 49-50 71 10-11 5 52 33 10
Suíça 34 45 58 33 68 14 70 4-5
Taiwan 58 29-30 69 26 17 44 45 32-33 87 2
Turquia 66 18-19 85 16-17 37 28 45 31-33
Nota: para mais fácil compreensão, estão, assinalados a bold os resultados para Portugal, bem como os scores mais elevados,
correspondentes aos países mais desenvolvidos. Verifica-se, pois, a inexistência de um padrão de regularidade que pudesse
explicar o desenvolvimento económico ou social.
Alb
ino L
opes
26