Culpada Ou Inocente Comentarios de Internautas Sobre Crimes Corporativos

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617 ISSN 0034-7590 © RAE | São Paulo | V. 53 | n. 6 | nov-dez 2013 | 617-628 CINTIA RODRIGUES DE OLIVEIRA [email protected] Professora da Faculdade de Gestão e Negócios, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG,Brasil. VALDIR MACHADO VALADÃO JÚNIOR [email protected] Professor da Faculdade de Gestão e Negócios, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG,Brasil. RODRIGO MIRANDA [email protected] Professor da Faculdade de Gestão e Negócios, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG,Brasil. ARTIGOS Recebido em 10.06.2012. Aprovado em 03.10.2012 Avaliado pelo sistema double blind review. Editor Científico: Alexandre de Pádua Carrieri CULPADA OU INOCENTE? COMENTÁRIOS DE INTERNAUTAS SOBRE CRIMES CORPORATIVOS Guilty or innocent? Comments from internet users about white-collar crime ¿Culpable o inocente? Comentarios de internautas sobre delitos corporativos RESUMO Neste artigo, analisamos comentários de internautas postados em notícias sobre crimes corporativos veiculadas na imprensa eletrônica nacional. Concentramos nossa análise em reportagens sobre um tipo específico de crime corporativo, o trabalho escravo, com o objetivo de identificar as concepções em torno do assunto, partindo da análise da dinâmica intertextual entrelaçada na sua produção. Como resultados, evidenciamos temas discursivos, discursos e ideologias imersos nos comentários analisados, sinalizando para a importância de se compreender a produção intertextual sobre a atua- ção das corporações. PALAVRAS-CHAVE | Crime corporativo, ideologia, trabalho escravo, discurso, intertextualidade. ABSTRACT In this paper, we analyze comments from Internet users posted in news about white-collar crime found in the national electronic press. We focused our analysis on reports about a specific type of white- collar crime, slave labor, with the objective of identifying the conceptions surrounding the subject based on a dynamic inter-textual analysis woven in its production. As a result, we observe discourse, speech and ideologies imbedded in the analyzed comments, indicating the importance of understan- ding inter-textual production about corporate action. KEY WORDS | White-collar crime, ideology, slave labor, discourse, intertextuality. RESUMEN En este artículo, analizamos comentarios de internautas posteados en noticias sobre delitos corpo- rativos difundidos en la prensa electrónica nacional. Concentramos nuestro análisis en reportajes sobre un tipo específico de delito corporativo, el trabajo esclavo, con el objetivo de identificar las concepciones en torno del tema, partiendo del análisis de la dinámica intertextual entrelazada en su producción. Como resultados, evidenciamos temas discursivos, discursos e ideologías inmersos en los comentarios analizados, señalando para la importancia de comprenderse la producción intertex- tual sobre la actuación de las corporaciones. PALABRAS CLAVE | Delito corporativo, ideología, trabajo esclavo, discurso, intertextualidad. RAE-Revista de Administração de Empresas | FGV-EAESP DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020130609

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    ISSN 0034-7590 RAE | So Paulo | V. 53 | n. 6 | nov-dez 2013 | 617-628

    CINTIA RODRIGUES DE [email protected] da Faculdade de Gesto e Negcios, Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia MG,Brasil.

    VALDIR MACHADO VALADO [email protected] da Faculdade de Gesto e Negcios, Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia MG,Brasil.

    RODRIGO [email protected] da Faculdade de Gesto e Negcios, Universidade Federal de Uberlndia, Uberlndia MG,Brasil.

    ARTIGOSRecebido em 10.06.2012. Aprovado em 03.10.2012Avaliado pelo sistema double blind review. Editor Cientfico: Alexandre de Pdua Carrieri

    CULPADA OU INOCENTE? COMENTRIOS DE INTERNAUTAS SOBRE CRIMES CORPORATIVOSGuilty or innocent? Comments from internet users about white-collar crime

    Culpable o inocente? Comentarios de internautas sobre delitos corporativos

    RESUMONeste artigo, analisamos comentrios de internautas postados em notcias sobre crimes corporativos veiculadas na imprensa eletrnica nacional. Concentramos nossa anlise em reportagens sobre um tipo especfico de crime corporativo, o trabalho escravo, com o objetivo de identificar as concepes em torno do assunto, partindo da anlise da dinmica intertextual entrelaada na sua produo. Como resultados, evidenciamos temas discursivos, discursos e ideologias imersos nos comentrios analisados, sinalizando para a importncia de se compreender a produo intertextual sobre a atua-o das corporaes. PALAVRAS-CHAVE | Crime corporativo, ideologia, trabalho escravo, discurso, intertextualidade.

    ABSTRACTIn this paper, we analyze comments from Internet users posted in news about white-collar crime found in the national electronic press. We focused our analysis on reports about a specific type of white-collar crime, slave labor, with the objective of identifying the conceptions surrounding the subject based on a dynamic inter-textual analysis woven in its production. As a result, we observe discourse, speech and ideologies imbedded in the analyzed comments, indicating the importance of understan-ding inter-textual production about corporate action. KEY WORDS | White-collar crime, ideology, slave labor, discourse, intertextuality.

    RESUMENEn este artculo, analizamos comentarios de internautas posteados en noticias sobre delitos corpo-rativos difundidos en la prensa electrnica nacional. Concentramos nuestro anlisis en reportajes sobre un tipo especfico de delito corporativo, el trabajo esclavo, con el objetivo de identificar las concepciones en torno del tema, partiendo del anlisis de la dinmica intertextual entrelazada en su produccin. Como resultados, evidenciamos temas discursivos, discursos e ideologas inmersos en los comentarios analizados, sealando para la importancia de comprenderse la produccin intertex-tual sobre la actuacin de las corporaciones. PALABRAS CLAVE | Delito corporativo, ideologa, trabajo esclavo, discurso, intertextualidad.

    RAE-Revista de Administrao de Empresas | FGV-EAESP

    DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-759020130609

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    INTRODUO

    A veiculao de notcias e informaes em tempo real e em maior abrangncia contribui para trazer tona questes que incomodam a sociedade em geral e estimula o surgimento de grupos, movimentos e organizaes (Greenpeace, Occupy Wall Street, Corporate Crime Reporter, Source Watch, entre outros), visando monitorar e denunciar corporaes e governos, em ma-nifestaes que tomam propores geogrficas e sociais cada vez maiores. Ainda assim, prticas desse tipo tornaram-se parte do nosso cotidiano, associando as corporaes a uma impres-sionante quantidade de devastao infligida sobre a vida hu-mana e o meio ambiente (PEARCE, 1993, p. 135). Diante de acu-saes e denncias, as corporaes agem de diversas formas, ora defendendo-se, ora negando, amparando-se em um apara-to ideolgico e servindo-se de discursos que fabricam verdades sobre a sua atuao (BARLEY e KUNDA, 1992; FREITAS, 2000).

    Unnever, Benson e Cullen (2008) exploram a discusso da culpabilidade e punio das corporaes e seus agentes, ao analisarem a evoluo da regulao e legislao criminal diri-gida ao mundo corporativo, nos Estados Unidos, que ocorre do seguinte modo: um tipo de escndalo descoberto; o clamor pblico demanda uma ao do governo; esse reage, formali-zando uma acusao ou criando novas leis e regulaes. Dessa questo, emergem outras, como as que orientam esta pesqui-sa: Quais as concepes da sociedade diante de um crime cor-porativo noticiado? Como se manifestam os leitores de notcias veiculadas na imprensa acerca da empresa denunciada por con-duta criminosa? Ela culpada ou inocente?

    Na produo dos discursos que envolvem as organiza-es, notcias veiculadas pela imprensa tornam-se um elemen-to fundamental, por constiturem-se em prticas discursivas do cotidiano que produzem os sentidos sobre os fenmenos so-ciais (FAIRCLOUGH, 1992; DJIK, 1998). No caso das notcias vei-culadas em jornais on-line ou webjornais, os leitores interagem, postando seus comentrios, produzindo um texto (discurso) a partir de outros textos (discursos), que so sempre um intertex-to em uma cadeia de textos em dilogo (FAIRCLOUGH, 1992). Assim, os comentrios postados em notcias sobre corporaes so discursos, cujos sentidos so produzidos pela interao so-cial dos atores com outros textos, incluindo-se ideologias, vi-ses de mundo e relaes de poder (DJIK, 1998; FAIRCLOUGH, 1992).

    Nesta pesquisa, centramos nossa anlise em reporta-gens veiculadas na mdia eletrnica nacional, sobre um tipo especfico de crime corporativo, o trabalho escravo, com o ob-jetivo de identificar as concepes presentes em torno desse fe-nmeno, analisando a dinmica intertextual entrelaada com a

    sua produo. A escolha por esse tipo de crime justifica-se pe-las suas dimenses sociais, polticas e pelas suas estatsticas. Em 2005, a Organizao Internacional do Trabalho (INTERNATIO-NAL LABOUR OFFICE, 2007) estimou que cerca de 12,3 milhes de pessoas so foradas ao trabalho, em todo o mundo; o pano-rama traado pela ONG Free The Slaves Americans aponta que, atualmente, 27 milhes de trabalhadores no mundo vivem em condies anlogas ao trabalho escravo, gerando 40 bilhes de dlares para as empresas, por ano (REPRTER BRASIL, 2012).

    Organizamos o texto da seguinte forma: apresentamos, inicialmente, o contexto do domnio ideolgico das corpora-es e dos crimes corporativos; em seguida, introduzimos o modo pelo qual conduzimos a pesquisa e descrevemos a abor-dagem intertextual adotada para analisar os crimes corporati-vos em comentrios de internautas sobre o trabalho escravo; e, por fim, mostramos os resultados e as consideraes finais.

    CORPORAES, IDEOLOGIA NAS CORPORAES E CRIMES CORPORATIVOS

    A corporao como forma de negcios surgiu no sculo XIX, mais propriamente sob o sistema institucional-legal norte-ame-ricano, quando a produo artesanal foi suplantada pelo siste-ma fabril. As particularidades do novo sistema de produo e a quantidade de capital necessria para construir e operar fbri-cas impulsionaram a associao de capitais e modificaram os mecanismos de propriedade de empresas, inclusive, no mbito legal. O modelo de corporao tornou-se o padro para o gran-de capital organizar suas empresas (CLINARD e outros, 1979).

    A forma moderna de corporao, que Peter Drucker (1993) descreve como a instituio econmica e social que ope-ra negcios em larga escala (big business), em um sistema de livre-iniciativa (free-enterprise), , para Tragtenberg (2005, p. 16), uma ideologia neocapitalista, cuja funo a legitimao do status quo como o nico e desejvel. A maioria das corpo-raes formada por conglomerados, e, embora todas tenham linhas principais de negcios, adquiriram outras linhas de pro-dutos por meio de fuses e aquisies, tornando-se mais fortes e poderosas na medida em que ficam protegidas contra flutua-es dos negcios e tm maior abrangncia geogrfica, cultu-ral e social, alm de maiores lucros (CLINARD e outros, 1979).

    Assim, a relao entre o Estado, a sociedade e as cor-poraes, no contexto contemporneo, adquiriu outras conota-es. O interesse de Weber (1991) nas organizaes burocrti-cas e suas formas de dominao abriu caminho para a viso

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    de que o modelo burocrtico constitui-se em uma ameaa li-berdade do esprito humano e aos valores da democracia, pois, nesse processo, os controladores e gestores (TRAGTENBERG, 2005) servem-se da racionalizao administrativa para subor-dinar os interesses e o bem-estar das massas.

    Inspirado no filsofo e socilogo grego Nicos Poulant-zas, Motta (1981) analisa que as empresas, como um aparelho de Estado, so sistemas cuja funo reproduzir a sociedade de classes, do mesmo modo que as instituies religiosas, mi-litares e educacionais, sendo aquelas de natureza econmica, repressiva e ideolgica. Alvesson e Deetz (2000, p. 84) consi-deram que a Administrao e os estudos organizacionais pro-duzem ideologias legitimadoras e reforadoras das relaes so-ciais e objetivos organizacionais especficos, as quais visam ao controle cultural-ideolgico ao nvel do local de trabalho e pro-porcionam uma aura cientfica para apoiar a introduo e o uso de tcnicas de dominao administrativas.

    So vrios os estudos (TRAGTENBERG, 1974; 2005; MO-TTA, 1981, 1992; BARLEY, MEYER, GASH, 1988; BARLEY e KUN-DA, 1992; FREITAS, 2000; FARIA, 2004; entre outros) que discu-tem a ideologia nas corporaes, bem como a forma pela qual ela criada, reproduzida e transmitida. Wood Jr. e Paula (2006, p. 94), por exemplo, utilizando a denominao de cultura do management para definir um conjunto de pressupostos com-partilhados pelas organizaes e, em larga medida, imbuda no tecido social, apontam, entre outros pressupostos: a crena numa sociedade de mercado livre; a viso do indivduo como autoempreendedor; o culto da excelncia como forma de aper-feioamento individual e coletivo; o culto de smbolos e figuras emblemticas, como palavras de efeito (inovao, sucesso, excelncia) e gerentes heris; a crena em tecnologias geren-ciais que permitem racionalizar as atividades organizacionais.

    J Barley, Meyer e Gash (1988) e Barley e Kunda (1992), referindo-se ao mesmo fenmeno, afirmam que, desde 1870 at os dias atuais, surgiram ideologias gerenciais, como melhoria industrial, administrao cientfica, capitalismo do bem-estar e relaes humanas, racionalismo sistmico e cultura organi-zacional, reforando o domnio das empresas nas esferas eco-nmica, social e cultural. Essa sucesso de ideologias, acresci-da de outras (MOTTA, 1992; FREITAS, 2000; WOOD JR. e PAULA, 2006), incluindo-se nessas o prprio conceito de corporao (TRAGTENBERG, 2005), influencia sobremaneira a vida social, sendo transmitida por meio de mensagens, recursos simblicos e outras manifestaes discursivas.

    Para Fairclough (1993), o discurso uma prtica poltica, haja vista que estabelece, mantm e transforma as relaes de poder e as entidades coletivas nas quais essas relaes existem; tambm, entretanto, uma prtica ideolgica. As ideologias pre-

    sentes nas prticas discursivas das corporaes obscurecem as reflexes de empregados, consumidores e da sociedade em ge-ral sobre suas aes (ALVESSON; DEETZ, 2000), como os crimes corporativos, que colocam a sociedade em risco. Os crimes cor-porativos ou business crimes despertaram maior interesse de so-cilogos e criminologistas na dcada de 1930, e, ainda hoje, seu conceito motivo de controvrsias. Braithwaite e Geis (1982, p. 294), por exemplo, definem crime corporativo como a conduta de uma corporao ou de indivduos agindo em benefcio de uma corporao, que prescrito e punvel por lei, diferentemente de Baucus e Dworkin (1991, p. 234), pois, para essas autoras, so-mente podem ser consideradas crime corporativo aquelas viola-es da lei criminal em que os tribunais decidiram que a firma co-meteu um ato criminal. No campo jurdico, o termo crime uma categoria legal, referindo-se a um tipo de conduta particular que as instituies reconhecem como criminosa. Para os cientistas sociais (socilogos e criminologistas), contudo, essa definio no comporta a complexidade do termo, visto que se orientam para a descrio de padres desse comportamento, suas causas e as atitudes da sociedade diante do crime (PAYNE, 2012).

    Alexander e Cohen (1999) e Simpson e Piquero (2002) associam os crimes corporativos ao desempenho anterior da empresa e s presses e barreiras para esta obter desempe-nho superior, sendo incentivados pela estrutura, processos e cultura. A escolha das condutas a serem tomadas nas corpora-es motivada pelos seus interesses, no importando quais sero suas consequncias. No decurso de suas funes, exe-cutivos, gerentes e trabalhadores agem e tomam decises se-gundo o conjunto de normas, procedimentos, polticas e regu-lamentos da empresa que os aprisiona, resultando, para esta, em economia de custos. As corporaes no querem assumir os custos incorridos pelos crimes corporativos (MOKHIBER, 1995), preferindo adotar prticas que lesam a sociedade em geral (CLI-NARD e outros, 1979), gerando uma miopia coletiva (CHIKUDA-TE, 2009). Uma viso sociolgica do crime corporativo amplia, assim, a compreenso do comportamento criminal, no mbito das corporaes, o qual no pode ser analisado apenas como um desvio pessoal, e, sim, como um produto das relaes entre os membros de determinados sistemas organizacionais.

    Para Schrager e Short Jr. (1978), as vtimas dos crimes corporativos so descritas em trs categorias: empregados (al-tos nveis de riscos, condies de trabalho ilegais, exposio a substncias e condies cujos efeitos potenciais em longo pra-zo no so conhecidos); consumidores (produtos prejudiciais e perigosos); e o pblico em geral, que sofre os impactos dos pro-cessos e produtos introduzidos no meio ambiente. Um dos tipos de crimes cometidos por corporaes com altos custos sociais o trabalho escravo. A condio anloga de escravo defini-

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    da, pelo Cdigo Penal Brasileiro, como a submisso do empre-gado a trabalhos forados ou a jornada exaustiva, quer sujei-tando-o a condies degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoo em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto (INSTITUTO OBSERVATRIO SO-CIAL, 2004, p. 8). Por trabalho forado ou escravo, entendese aquele em que empregadores ou prepostos recorrem coao fsica ou moral e privao da liberdade do empregado, sendo comum a reteno de documentos e prticas de servido ba-seadas em dvidas contradas para o consumo, no prprio traba-lho, de alimentos, roupas, ferramentas, alojamento e transpor-te, configurando-se na escravido por dvida (MARTINS, 1994).

    Discordando do termo condio anloga de escravo, visto entender que mesmo escravido, Martins (1994) discu-te uma das formas escravistas de relaes de trabalho presen-tes na sociedade capitalista, a escravido por dvida, como a variao extremada do trabalho assalariado em condies de superexplorao do trabalhador, a ponto de comprometer sua sobrevivncia. Oferecendo uma compreenso sociolgica da persistncia e da revitalizao do trabalho escravo no Brasil, Martins (1994, p. 2) mostra como a escravido por dvida, en-contrada em diferentes atividades econmicas, constitui-se em uma prtica de empresas cuja lgica econmica, caracteristi-camente capitalista e moderna, faz supor que nelas a escravi-do seria uma contradio e uma irracionalidade.

    Essas prticas, que se configuram como crime, encontra-ram espao para crescer, diante da tolerncia do pblico em re-lao a sua ocorrncia. A criminalidade nas ruas, historicamen-te, recebeu maior ateno por parte dos governos, resultando na adoo de polticas pblicas de controle mais punitivas contra o crime. Em relao criminalidade corporativa, porm, a despei-to da onda de escndalos, no foi dirigida a ateno necessria, resultando em uma lacuna (UNNEVER, BENSON, CULLEN, 2008). Conforme Payne (2012), a populao em geral considera as ofen-sas corporativas como srias apenas quando suas consequn-cias so fsicas, substanciais e, relativamente, imediatas. E, ain-da, a ambiguidade da opinio pblica diante do comportamento corporativo ilegal faz com que a lei tambm seja ambgua.

    Conforme Snider (2000) alerta quanto ao desapareci-mento do crime corporativo, os grupos dominantes (enten-da-se interesses capitalistas) e uma elite gerencial (entenda-se executivos de grandes corporaes) foram competentes em de-senvolver um discurso, ou produzir uma verdade, sobre o que seja crime corporativo, mais compatvel com seus interesses. Dessa forma, os crimes cometidos em nome da racionalidade escondem-se atrs de uma suposta fatalidade e, ainda, so co-metidos por seres humanos, contra seres humanos, em nome de uma entidade, a corporao.

    DESCRIO DA ESTRATGIA DE PESQUISA E ANLISE

    Nossa pesquisa, de natureza qualitativa, concentra-se nos co-mentrios de internautas sobre notcias de um tipo de crime corporativo veiculadas em jornais eletrnicos nacionais, es-pecificamente, as denncias contra a Zara, empresa do grupo espanhol Inditex, sobre a utilizao de trabalho escravo. Em agosto de 2011, os principais jornais do Pas noticiaram uma operao de investigao da Superintendncia Regional do Tra-balho e Emprego de So Paulo, tendo sido flagrados trabalha-dores submetidos a condies de superexplorao do trabalho e escravido por dvida, naquele estado, produzindo peas de roupa para essa marca internacional.

    Diante da quantidade considervel de webjornais ou jor-nais on-line no Brasil, optamos por selecionar as verses ele-trnicas de dois grandes jornais do estado onde ocorreram as denncias: Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. Uma anli-se de suas verses on-line permitiu verificar a existncia de pos-tagens nas notcias veiculadas. Inicialmente, inserimos no siste-ma de busca da Folha.com a expresso Zara trabalho escravo, o qual retornou 18 notcias, das quais 17 geraram 715 coment-rios de internautas (Tabela 1), entre os dias 18 de agosto de 2011 e 30 de dezembro de 2011. Repetimos o procedimento no siste-ma de busca do Estado.com.br, o que resultou em 20 notcias, das quais apenas 8 tinham postagens, totalizando 106 coment-rios (Tabela 2). Assim, o corpus de pesquisa constitui-se dos 821 comentrios postados pelos internautas, em 25 notcias, mate-rial considerado suficiente para os nossos propsitos.

    Os comentrios dos internautas tm sido utilizados (EFI-MOVA e MOOR, 2005) no campo dos estudos da sociologia, an-tropologia e comunicao. Nos estudos organizacionais, as pos-tagens de internautas so uma fonte rica para anlise, quando se pretende conhecer opinies e concepes heterogneas e multifacetadas sobre determinados aspectos relacionados s organizaes e gesto. Os internautas so leitores e produtores de textos e, ainda que estejam espalhados por diversos lugares, se entrelaam em uma rede de interaes ricas e heterogneas. No caso dos webjornais, os leitores interagem entre si, partici-pando da construo da notcia. Conforme Rheingold (1996, p. 156), no existe uma subcultura on-line nica e monoltica, mas antes um ecossistema de subculturas, umas frvolas e outras s-rias. Assim, consideramos o internauta como o autor e leitor ideal, ou seja, aquele que pressuposto pela obra.

    As notcias veiculadas na mdia participam da constru-o de representaes de mundo, identidades sociais e, ainda, constroem verses da realidade conforme determinados prop-sitos (FAIRCLOUGH, 1993; LI, 2009), pois os textos so organi-

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    TABELA 1. Notcias veiculadas sobre o trabalho escravo na Zara na Folha.Com (2011)

    Data Notcia Q*

    17/081. Zara reconhece trabalho irregular em 3 confeces de SP 140

    2. Internautas atacam Zara aps denncia de trabalho escravo redes sociais 24

    18/08

    3. Editora de Moda comenta trabalho irregular em confeces da Zara 21

    4. Voltar para a Bolvia no uma opo, diz vtima de explorao em SP 27

    5. Zara revisar condies trabalhistas de fornecedores no Brasil 3

    6. Multas trabalhistas aplicadas Zara somam R$ 1 milho 108

    7. Mais 6 marcas sero investigadas por trabalho irregular 160

    19/088. Ao da Inditex, dona da Zara, cai 4% por denncias em SP 26

    9. 35 marcas de roupa so investigadas por trabalho irregular 74

    28/08 10. Assembleia convocar Zara para esclarecer trabalho degradante 1

    31/08 11. Ausncia da Zara em assembleia pode resultar em CPI 7

    15/0912. Zara anuncia a criao de disque-denncia 19

    13. Zara aguarda Ministrio Pblico para indenizar trabalhadores 5

    21/09 14. Presidente da Zara nega que sabia de trabalho irregular em SP 17

    15/10 15. Ministrio Pblico prope que Zara pague at R$ 20 mi 39

    30/11 16. Fracassa acordo entre Zara e Ministrio Pblico 18

    19/12 17. Procuradoria desiste de indenizao de R$ 20 mi contra a Zara 26

    715

    * Q = quantidade de comentriosFonte: dados de pesquisa

    TABELA 2. Notcias veiculadas sobre o trabalho escravo na Zara no Estado.com.br (2011)

    Data Notcia Q*

    17/08 18. Fiscalizao flagra trabalho escravo em oficinas da marca Zara em SP 28

    18/08 19. Zara envolvida em denncia de trabalho escravo 11

    19/08 20. Aps Zara, trabalho escravo investigado em 20 grifes 14

    29/08 21. Deputados convocam Zara para explicar trabalho escravo 1

    31/08 22. Acusada de trabalho escravo, Zara no comparece em audincia 11

    14/09 23. Aps flagra, Zara cria linha para denncias de trabalho escravo 5

    20/12 24. MP d 'desconto' de 80% na multa da Zara por trabalho escravo 19

    30/12 25. Ministrio inclui 52 novos nomes na lista do trabalho escravo 17

    106

    * Q = quantidade de comentriosFonte: dados de pesquisa

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    zados, produzidos e transformados dentro de um processo de construo ideolgica. Dessa forma, as notcias sobre as corpo-raes produzem sentido sobre, entre outros aspectos, o que essas so, o que fazem e como fazem, servindo de fragmento para a composio de outros discursos. Esses, por sua vez, adi-cionados a outros j existentes, reproduzem e/ou transformam representaes sociais, crenas e valores sobre as corporaes e o contexto socioeconmico e cultural do qual fazem parte.

    Nesta pesquisa, adotamos a intertextualidade, conforme Fairclough (1992), que a define como a propriedade que os tex-tos tm de se constiturem de fragmentos de outros textos, os quais podem ser delimitados, explicitamente ou no, e, ainda, de transformar textos anteriores e reestruturar convenes exis-tentes. Fairclough (1992) prope a anlise intertextual em dois aspectos: (1) intertextualidade manifesta os textos aos quais o autor recorreu esto explcitos dentro do texto analisado; e (2) intertextualidade constitutiva ou interdiscursividade os tipos de discurso que entram na sua produo.

    Quanto intertextualidade manifesta, Fairclough (1992) a discute em cinco aspectos: (1) representao do discurso aquele discurso que relatado pelo autor, distinguindo-se do discurso indireto por representar, explicitamente, o que o ou-tro disse; (2) pressuposies proposies tomadas pelo au-tor do texto como estabelecidas, podendo ter inteno mani-pulativa ou no; (3) negao contestao de outros textos, buscando contradiz-los; (4) ironias disparidade entre um enunciado e o que foi ecoado; e (5) metadiscurso distancia-mento do autor por meio de expresses evasivas, metforas e outros recursos.

    A esses dois tpicos, acrescentamos um terceiro: ideolo-gias manifestas, neste caso, das corporaes. Para Fairclough (1993), ideologias so significados ou representaes da rea-lidade geradas entre as relaes de poder que se manifestam, implicitamente, nas prticas discursivas, em todas as instn-cias e contextos sociais, contribuindo para estabelecer, manter e mudar as relaes sociais, estando subjacentes intertextua-lidade manifesta e discursiva.

    Ao considerar o carter intertextual dos comentrios se-lecionados, procuramos analis-los focalizando os textos espe-cficos aos quais os internautas recorrem (intertextualidade ma-nifesta), os tipos de discursos (intertextualidade constitutiva) e, por fim, as ideologias. Ressaltamos que, dado o carter qualita-tivo da pesquisa, nos preocupamos em identificar os elementos de anlise, sem nos deter na sua quantificao.

    Para operacionalizar nossa proposta, criamos um arqui-vo para cada uma das reportagens e seus comentrios, aos quais atribumos um nmero para sua identificao na notcia (por exemplo, C1.1 refere-se ao comentrio 1 da notcia 1). Em

    seguida, analisamos os comentrios, buscando identificar os elementos da anlise intertextual, os quais apresentamos na seo a seguir.

    INTERTEXTUALIDADE NOS COMENTRIOS DE INTERNAUTAS SOBRE UM TIPO DE CRIME CORPORATIVO, O TRABALHO ESCRAVO

    Nesta seo, apresentamos os resultados em trs aspectos da anlise intertextual.

    Intertextualidade manifesta: fragmentos

    Os comentrios de internautas sobre o trabalho escravo so constitudos de fragmentos de outros textos que dialogam en-tre si. Esses textos expressam as representaes de mundo dos internautas sobre o assunto em foco e, tecidos com outros tex-tos, formam a trama do texto, que pode, conforme Fairclough (1993), ser reconhecida pela representao do discurso, pres-suposies, metadiscurso, negao e ironias.

    A representao do discurso manifestada por vrias ve-zes nos comentrios analisados. O programa A Liga, da Rede Bandeirantes, citado, em vrios comentrios, pela realizao de duas reportagens sobre o assunto: Eh Pholha! T atrasada! A LIGA mostrou essa matria ontem, em furo de reportagem, inclusive, cobrindo a ao dos fiscais do trabalho e da receita. Eh jornaleco atrasado s! (C39.1) e Ser que se o programa A Liga no tivesse mostrado os trabalhadores, os diretores da tal marca Zara teriam reconhecido o trabalho irregular na confec-o? (C35.1). Os internautas recorrem a outro texto, no caso, o programa televisivo, para comentar a notcia da Folha.com, in-dicando que o fato j de seu conhecimento.

    Alm desse programa, outros discursos so representa-dos, relatando que a prtica de trabalho escravo ocorre em ou-tros locais, como o caso da Associao Brasileira da Indstria Txtil, cujo endereo eletrnico mencionado pelo internauta: No Camboja, os funcionrios de uma oficina, que produz pe-as para a Zara, desmaiaram durante o expediente. O inciden-te, que aconteceu no dia 25 de julho, atingiu cerca de 100 cola-boradores da fbrica. Pode confirmar no site www.abit.com.br (C12.1), e do Jornal Nacional, da Rede Globo: De acordo com re-portagem de ontem do Jornal Nacional, os bolivianos recebem vinte centavos por pea costurada. Isso explorao, escravi-do! (C.78.1), em que o internauta interpreta a explorao do trabalhador como trabalho escravo.

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    Identificamos, ainda, uma referncia a Karl Marx, repre-sentada no C10.25: E ainda dizem que os preceitos do velho Marx esto ultrapassados!, em que o internauta faz referncia explorao do trabalhador pelo capitalista como algo atual, ao contrrio de outros textos (no identificados) que apregoam estarem as ideias marxistas ultrapassadas.

    O texto religioso tambm representado de maneira ex-plcita: A bblia FUNDAMENTA a escravido! Levtico 25:44 E quanto a teu escravo ou a tua escrava que tiveres, sero das na-es que esto ao redor de vs; deles comprareis escravos e es-cravas (C3.25). Os internautas utilizam, ainda, trechos da no-tcia para reforar sua opinio, no sobre o trabalho escravo, mas sobre a ineficincia do sistema, como no caso do C5.12: que eles contrataram auditores cegos, surdos e mudos. Por isso no sabiam de nada. Aprenderam rpido com nosso ex (grifos no original). O comentrio ganha a extenso de outros fatos do cenrio poltico nacional, utilizando-se da ironia. Os internau-tas comentam ironicamente (por exemplo: Parece que desco-briram a plvora (C1.1)) que esse fato no deveria surpreender a populao, pois denncias sobre trabalho escravo no Brasil so comuns.

    Os comentrios de internautas sobre as denncias contra a empresa Zara pela prtica de trabalho escravo evi-denciam diversas facetas, quando analisados pela intertex-tualidade (FAIRCLOUGH, 1993). O trabalho escravo objeto de denncia contra a empresa configura-se na escravido por dvida (MARTINS, 1994), uma forma contempornea de escra-vido, que tambm se configura em um tipo de crime cor-porativo, conforme a viso de diversos autores, como Brai-thwaite e Geis (1982), para os quais o crime corporativo a violao punvel por lei.

    No comentrio C3.3, o internauta relata o discurso de uma entrevistada, para, ao mesmo tempo, fazer uma negao, apontar que o dito da entrevistada um absurdo, sugerindo que conhece a definio de trabalho escravo. Desde quando pagar pouco por muito trabalho uma definio de trabalho es-cravo? Foi isto que a Editora de Moda disse e absurdo e, ain-da, o metadiscurso: Ento, a maioria dos trabalhadores no Bra-sil, e em outras partes do mundo, escrava (talvez at alguns dentro da Folha/UOL)! (C3.3).

    Identificamos, nos comentrios dos internautas, vrias pressuposies, como o desprezo da empresa pelo ocorrido: Ixe... os caras [Zara] no esto nem a... (C3.25) e o trabalho escravo como algo comum nas polticas das empresas espanho-las, sendo o lucro mais importante:

    Essa conversa toda para esses espanhoes [sic] mole para boi dormir. O intuito deles, a viso

    de America, sempre foi de explorao e colnias [sic]. Eles vo esfriar o assunto at que no se lembrem mais (entenda-se corromper alguns). A politica das empresas desse pais [sic] sempre foi de despreso [sic] pelos Sul Americanos e o mais importante levar o mximo de lucro, doa a quem doer. Essa cambada deveria levar um belo sermo e serem convidados a se retirar do pas (C20.5).

    No comentrio C23.2, a pressuposio do internauta a respeito das grandes fortunas de que so conquistadas cus-ta de explorao do trabalho, e, ainda, relembra um crime prati-cado, recentemente, por outra empresa.

    Sempre atrs de grandes fortunas existem gran-des segredos, Sugeiras [sic]. Roubos, desones-tidades, trambicagens, manipulaes, Menti-ras, trapaas, exploraes e todo tipo e estilos de ladroagens enriquecimento elcitos [sic]. Que s vezes so coniventes com justia e poder p-blico... Ou Ser que algum se esqueceu da Das-l [sic] (C23.2).

    Ao analisar a intertextualidade manifesta nos coment-rios dos internautas, identificamos fragmentos explcitos de v-rios outros textos. A representao do discurso de associaes, jornais televisivos e eletrnicos, da Bblia, entre outros, indica que os internautas expressam sua viso de mundo, especifica-mente, a respeito de um tipo de crime corporativo, o trabalho escravo, com base em outros textos aos quais tiveram acesso, porm esses no so textos de cunho acadmico.

    Ao expressar sua viso de mundo, os internautas uti-lizam-se da ironia, que, conforme Fairclough (1993), ocorre quando h dissonncia entre o significado do texto e o contex-to no qual ele est inserido. Quanto ao aspecto da negao, os internautas contestam as notcias, principalmente, quando se referem s aes do Estado. O metadiscurso, que se carac-teriza por expresses prprias, de modo que o autor distingue seu prprio texto (FAIRCLOUGH, 1993), foi por ns identifica-do, vrias vezes, quando os internautas apresentam suas con-cluses.

    Os internautas expressam suas concepes acerca do trabalho escravo, sendo as mais comuns: (a) as multinacionais exploram o trabalhador; (b) o trabalho escravo deve ser comba-tido pelo Estado; (c) o trabalho escravo algo comum no Brasil e no mundo; (d) o trabalho escravo fruto de uma longa hist-ria de escravido.

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    Intertextualidade constitutiva: temas discursivos

    A intertextualidade constitutiva ou interdiscursividade ocorre quando o autor do texto recorre a outros de maneira implcita. Nesta seo, apresentamos os temas discursivos mais recorren-tes nos comentrios dos internautas, observando que no so os nicos.

    Tema 1: O Estado, ineficiente e corrupto, culpado por as empresas praticarem o trabalho escravo.

    Esse um discurso bastante recorrente. O Estado o ver-dadeiro culpado, e no a empresa, pois ele favorece essas pr-ticas ao regulamentar a terceirizao.

    [...] Acusar estas empresas de trabalho escravo no mnimo precipitao. [...] O que de fato est er-rado no a iniciativa da Zara ou de outras empre-sas citadas, mas sim a possibilidade que a lei cria com a terceirizao. [...] O ESTADO O VERDADEI-RO VILO DESTA SITUAO e olha que sequer citei as tais cooperativas de trabalho (C3.18).

    Comentrios que condenam a empresa Zara tambm so comuns, porm o crime cometido pela empresa produzido em uma rede de agentes, entre empresas e governos, dificultando a sua evitao.

    Cadeia nessa empresa ZARA, multinacional da moda escravista, deve ter aprendido com as elites brasileiras escravistas, cadeia nestes empresrios corruptos e corruptores dos trabalhadores e dos servios pblicos. [...] Esses capitalistas corrupto-res so os patrocinadores dos corruptos, pagan-do propinas para receberem em dobro do ESTA-DO, gerando corruptos pblicos e privados (C2.9).

    Tema 2: A populao deve boicotar as empresas que uti-lizam o trabalho escravo e cometem outras prticas abusivas.

    Identificamos, em muitos comentrios, outros textos im-plcitos, como o discurso do consumo consciente.

    Vamos ser consumidores conscientes. No com-pre nada de empresas que usam trabalho escra-vo ou infantil. Mostre sua indignao. Rejeite estas marcas. Avise a todos os seus contatos. Di-vulgue esta notcia. Vamos fazer valer nosso di-reito. Quem no age direito tem de ser denuncia-do (C9.1).

    Os clientes e consumidores so chamados a reagir, boico-tando a marca. O discurso da fora do cliente tambm evoca-do: Vamos dar o exemplo e boicotar essa empresa. No precisa-mos esperar a justia formal. Cada um de ns que boicotar essa empresa, ajudar a mostrar o quanto isso inaceitvel. Justia maior ser a loja fechar as portas por falta de consumidores. Esse poder est nas nossas mos (C2.2).

    Tema 3: As empresas so psicopatas sociais, seus lu-cros so to altos que compensam qualquer multa.

    Esse tema rene comentrios que vo ao encontro da ideia de que os empresrios agem para servir aos interesses de acu-mulao de capital, no mesmo sentido dos argumentos de Motta (1981; 1992), Tragtenberg (2005) e Morgan (1996), quanto ao fato de que as multas so insignificantes perante os lucros auferidos. As corporaes ganham personalidade psicopata no C12.14, quan-do o internauta utiliza textos sobre o capitalismo selvagem, e, no C1.14, o internauta questiona se os Empresrios do Ano no Brasil se importam com as condies de trabalho de seus empregados.

    Multinacionais em geral so psicopatas sociais. Elas pouco se importam com o social. Usam a po-pulao desprotegida para chegar por qqer [sic] meio ao lucro. Eles mentem ao dizendo no ter culpa mas esse eh s mais um sintoma de psi-copatia. Tao pouco mostram remorsos ou qqer [sic] outro sentimento em relao danos causa-dos ao prximo [sic]. So frutos do capitalismo selvagem. Sabem usar a mdia muito bem para nos fazer acreditar numa falsa democracia. Infe-lizmente, muitos so iludidos p/ seus falsos va-lores (C12.14).

    Vejam os exemplos dos Empresrios do Ano no Brasil, comandam Cadeias enormes, movimen-tam milhes de mercadorias, empregam milha-res de pessoas, mas no abaixam a rentabilidade para melhorar as condies de seus emprega-dos... Pagam salrios mnimos. Eles realmente se importam? (C 1.14).

    Tema 4: As empresas so vtimas: os empresrios no sa-bem o que fazem seus fornecedores, e os impostos e taxas so to altos que impossvel arcar com eles.

    Para C1.1, a Zara vtima, porm no a exime de culpa de comprar destas empresas: COMO A ZARA ESTO FAZENDO ESTE AUE [sic] TODO. NOTE QUE A ZARA COMPRADORA DESTAS EMPRESAS, PORTANTO ELA TAMBM VTIMA. ISTO NO TIRA A CULPA DELA. TEM COISA PIOR (C1.1).

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    Tema 5: A sociedade hipcrita, pois o trabalho escravo uma prtica comum.

    Em muitos comentrios, o interdiscurso de que Isso no novidade para ningum. No somente a Inditex (Zara) que faz isso (C4.1). O trabalho escravo uma prtica co-mum, estando vista de qualquer pessoa que queira con-firmar.

    s ir na jos paulino e adjacncias e olhar para os andares superiores das lojas. so antro de prises de coreanos, chineses, bolivianos que em troca de comida e abrigo se dipem a trabalhos que chegam at mesmo a prostituio de menores. s ir la [sic] e confirmar. mas... (C1.1).

    Ainda, no comentrio de C2.1, o internauta manifesta-se sobre a continuidade dessa prtica, ao questionar se algum vai deixar de comprar: Mas as roupas e demais acessrios (ele-trnicos, tnis, etc) vendidos na Zepa (R. Jos Paulino) e 25 de maro tambm no so oriundas de trabalho escravo? E algum deixa de comprar????????? (C2.1).

    Ideologias nas corporaes

    Para finalizar nossa anlise, identificamos que a interao entre os significados e vises de mundo expressas nos comentrios dos internautas, apesar de no reproduzir as ideologias corpo-rativas, utilizada como um esforo para compreender e ex-plicar por que o trabalho escravo uma prtica adotada pelas empresas. Entre as ideologias corporativas manifestadas, apre-sentamos, a seguir, as duas mais significativas, as quais fazem parte dos pressupostos da cultura do management (WOOD JR. e PAULA, 2006).

    As tecnologias gerenciais,como a terceirizao, permitem racionalizar as atividades organizacionais

    A racionalizao dos processos permite s empresas maior produtividade, trazendo consequncias (TRAGTENBERG, 1974; 2005; MOTTA, 1981; 1992; MORGAN, 1996, entre outros) para o trabalhador e a sociedade. A racionalizao dos proces-sos empresariais uma ideologia gerencial (BARLEY, MEYER, GASH, 1988; BARLEY e KUNDA, 1992) e, como tal, utilizada para explicar por que essas prticas (condies de trabalho abaixo da crtica) persistem nas empresas, e, ainda, aponta para sua naturalizao.

    Hoje a palavra de ordem bater as metas, ga-nhar mais e gastar o mnimo possvel. Algum de dentro da ZARA sabia sim dessas coisas, mas como vivemos no pas na impunidade, vantajo-so continuar a economizar na mo-de-obra. No se preocupem j j todo mundo esquece disso (C15.9).

    Toda terceirizao carrega consigo o potencial de gerar a precarizao das condies de traba-lho. [...] Medalhes ganham contratos milion-rios dos governos para prestar servios de segu-rana, limpeza, transporte, etc. Esses medalhes terceirizam os servios para os gatos, e estes contratam escravos, que recebero salrios humilhantes e condies de trabalho abaixo da crtica. [...] (C20.8).

    Diversos comentrios, a exemplo de C20.8, manifestam a ideia de que o trabalho escravo caracterizado pela explora-o dos trabalhadores e das condies de trabalho a que esses so submetidos.

    Sociedade de livre mercado

    Identificamos, nos comentrios, que a crena em uma socieda-de de livre mercado utilizada para explicar (sem justificar) as aes da empresa: Incrvel o que o poder econmico, com cla-ro consentimento de autoridades pblicas, ainda faz com o tra-balhador em pleno sculo XXI (C5.1), referindo-se ao poder das corporaes perante o Estado. Esse poder analisado por Mot-ta (1981), que as considera um aparelho de Estado, cuja funo reproduzir a sociedade de classes, do mesmo modo que as instituies religiosas, militares e educacionais.

    Essa crena tambm est presente no comentrio C3.3, o qual questiona os deveres do Estado e a transferncia de suas funes ao setor privado: Quer dizer que agora o trabalho de fiscalizao quanto ao cumprimento da legislao trabalhista tambm cabe ao setor privado? mais uma funo pblica que est sendo transferida ao privado? [sic] (C3.3).

    Os crimes corporativos so cometidos pelas corpora-es na busca por desempenho superior (ALEXANDER e COHEN, 1999; SIMPSON e PIQUERO, 2002), produzindo, como vtimas, consumidores, trabalhadores e a sociedade em geral, os quais arcam com os custos sociais e materiais advindos desses cri-mes (SCHRAGER e SHORT JR, 1978). Nesse sentido, os internau-tas se manifestaram, em seus comentrios, quanto aos moti-vos pelos quais esse tipo de crime ocorre, entre eles, a busca

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    por maiores lucros na forma de racionalizao do trabalho e re-duo de custos por parte das corporaes e a ineficincia, o descaso e a corrupo do governo e agentes fiscalizadores. Ma-nifestam-se, tambm, a respeito do fato de as empresas trans-ferirem os custos para a sociedade, pois, ainda que suas prti-cas incorram em multas e outras despesas, continuam sendo lucrativas (MORGAN, 1996; MOKHIBER, 1995).

    Para o internauta que postou o C5.7, a explorao faz parte do sistema capitalista e expressa reconhecimento do modo pelo qual as ideologias corporativas obscurecem a re-flexo:

    tudo hipocrisia! Onde que se viu o capitalis-mo sem a explorao. A gente forada a cor-rer atrs dessas bobagens, sem o direito de se defender. A lavagem cerebral que nos leva atrs dessas besteiras acontece diariamente, sem dar-mos conta. Se hoje um miservel, que vive com menos de um dlar por dia, possa tambm ter iPod, mp4, celular e adidas, graas a esses pa-ses chamados China e ndia. Porque no faz sen-tido algum colocar diariamente um prato de co-mida minha frente sem que possa degust-la (C5.7).

    Ainda quanto a essa questo, a sociedade do consumo referenciada: A diferena de preo s demonstra como a socie-dade se tornou tola no consumo. [...] somos vtimas dos nossos prprios valores (C25.8) (grifo no original).

    Quanto concepo de trabalho escravo, reproduzimos um comentrio postado no qual o internauta contesta a utiliza-o do termo escravido para referir-se s condies denun-ciadas no caso.

    O termo Escravido que est sendo usado ri-dculo. Os trabalhadores podem ser irregulares por no serem registrados e receber baixo sal-rio, mas nenhum deles propriedade do dono da confeco e se esto l porque precisam do di-nheiro do trabalho, mesmo que seja pouco. As portas esto abertas e eles tm liberdade para trabalhar em outro local. Agora perguntem pra eles o que eles preferem. O trabalho escravo, como esto dizendo, ou o desemprego?

    As manifestaes dos internautas dividem-se quanto concepo de trabalho escravo. Diversos internautas fizeram aluso escravido por dvida, que, conforme Martins (1994),

    uma variao do trabalho assalariado e, como tal, ressurge na superexplorao do trabalhador, a ponto de comprometer sua sobrevivncia. So vrios os comentrios, porm, que conside-ram ser o trabalhador livre para trabalhar em outro local, re-velando um conceito de escravido histrico, em que o escra-vo acorrentado. Essa viso dificulta e distorce a compreenso da situao atual em relao explorao do trabalho escravo, cujas amarras no so correntes grossas.

    Em relao ao trabalho escravo como um tipo de crime corporativo, os comentrios tambm se dividem. Embora no tenhamos identificado a utilizao do termo crime corporati-vo como referncia ao trabalho escravo, as expresses em-presa criminosa e um crime desses, criminosos, entre ou-tros termos, remetem concepo do trabalho escravo como um crime produzido, no caso pesquisado, pelas corporaes, termo tambm referenciado nos comentrios. Como esse tipo de crime no recebeu a ateno de governos da mesma for-ma que a criminalidade nas ruas (UNNEVER, BENSON, CULLEN, 2008; PAYNE, 2012), a sociedade em geral v os crimes corpo-rativos como algo srio somente quando suas consequncias atingem propores maiores.

    Outra faceta presente nas concepes dos internautas diz respeito s prticas discursivas das corporaes em ge-ral (ALVESSON e DEETZ, 2000), no se limitando ao caso no-ticiado. Muitos comentrios evidenciam que seus autores re-conhecem as multinacionais como um modelo de negcios que, explorando consumidores, trabalhadores e o meio am-biente, torna-se cada vez mais forte e poderoso (CLINARD e ou-tros, 1979). Esse modelo de negcios, na concepo de muitos internautas, configura-se em uma ideologia neocapitalista (TRAGTEMBERG, 2005) que, estando envolta em uma rede de agentes, corrompe e domina governos e a sociedade em ge-ral. Esses internautas ainda reconhecem o que Wood Jr. e Pau-la (2006) e Barley, Meyer e Gash (1988) denominam, respecti-vamente, cultura do management e ideologias gerenciais, ao se referirem aos discursos das corporaes como conversa [...] mole para boi dormir e s tcnicas gerenciais para racio-nalizao do trabalho.

    Se, para muitos internautas, as prticas discursivas das corporaes so ideolgicas, visando ocultar reais intenes de lucro, explorao e dominao, como os autores referenciados (MORGAN, 1996; MOTTA, 1981, 1992, entre outros) neste artigo sugerem, para outros internautas, entretanto, a Zara a marca favorita, e, como h muitas outras empresas fazendo o mesmo (trabalho escravo), preferem continuar fiis a ela. Essa concep-o indica o modo pelo qual as empresas atingem o imaginrio social (FREITAS, 2000), reforando seu domnio nas esferas eco-nmica, social e cultural.

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    CONSIDERAES FINAIS SOBRE AS CONCEPES DE CRIME CORPORATIVO NOS COMENTRIOS DE INTERNAUTAS: CULPADA OU INOCENTE?

    Nesta pesquisa, analisamos os comentrios de internautas acerca de crimes corporativos, especificamente, em relao s denncias de trabalho escravo contra a Zara. Os crimes corpo-rativos ocorrem no contexto das organizaes e das suas inter-relaes com a sociedade, portanto discuti-los no campo dos estudos organizacionais amplia o conhecimento sobre suas causas, o processo por meio do qual ocorrem e a opinio pbli-ca em relao a esses acontecimentos.

    Retomamos o ttulo deste artigo, na tentativa de esboar uma resposta sobre se a empresa culpada ou inocente, con-forme as concepes nos comentrios de internautas. De modo geral, a empresa do caso ilustrado culpada e vtima, embora, em alguns poucos comentrios, os internautas a tenham decla-rado inocente ou, ainda, tenham se mantido neutros, pois apre-ciam os produtos da marca. Quando a consideram culpada, eles utilizam como explicaes: o prprio sistema capitalista; o Esta-do, por sua benevolncia e ineficincia; e, em algumas vezes, os prprios consumidores e trabalhadores, por aceitarem tais con-dies. Quando considerada vtima, a explicao mais recor-rente de que a empresa, ao utilizar-se de servios de terceiros, no tem a obrigao de fiscalizar o processo de trabalho deles.

    Na anlise dos textos e intertextos, as concepes que en-volvem o crime corporativo, neste caso ilustrado pelo trabalho escravo, podem ser sintetizadas da seguinte forma: (1) o crime corporativo compensa, financeiramente, para a corporao as-sim, deve ser punido no s com multas mas tambm de manei-ra mais severa; (2) o crime corporativo deve ter fiscalizao mais intensa por parte do Estado; (3) o crime corporativo inevitvel, pois o que interessa a obteno de maiores lucros; (4) o crime corporativo continuar a existir, pois a populao aceita que ele ocorra, adquirindo os produtos da empresa e ignorando esse tipo de fato. Os crimes corporativos so evitveis, porm a um custo que as corporaes no querem assumir (MOKHIBER, 1995), ado-tando prticas como o trabalho escravo, cujo custo da socieda-de em geral (CLINARD e outros, 1979), gerando o que Chikudate (2009) denomina miopia coletiva, que pouco associa a palavra crime aos acontecimentos do ambiente empresarial.

    Muitos internautas manifestaram o entendimento de um conceito histrico de trabalhador escravo, cujo esteretipo o do escravo acorrentado, mostrando desconhecer a concep-o contempornea desse fenmeno, conforme Martins (1994) discute. Hoje, o empregador acorrenta o trabalhador oferecen-

    do condies mnimas para sua sobrevivncia, visto que a sua substituio pode ser feita sem maiores custos.

    Esta pesquisa tem implicaes de natureza prtica e teri-ca. Quanto s primeiras, os resultados indicam, para os gestores e os responsveis pelas organizaes, que a sociedade acompa-nha as suas aes, tomando posicionamentos que podem levar a outros movimentos, como boicotes, utilizando-se de uma vas-ta possibilidade de ferramentas on-line, como as redes sociais. Esta pesquisa traz, ainda, contribuies para a prtica gerencial, ao apontar para a necessidade de as empresas implementarem polticas organizacionais srias e efetivas para conduzir os neg-cios sem colocar os lucros acima da dignidade humana.

    Em relao s implicaes de natureza terica, destacamos que, ao iniciar esta pesquisa, o fizemos considerando-a um ponto de partida para outros trabalhos no campo dos estudos organizacio-nais, visto que os crimes corporativos ainda so um territrio obscu-ro. Esta pesquisa contribui, assim, por chamar a ateno dos pesqui-sadores do campo para a necessidade de avanar no conhecimento sobre os crimes corporativos de modo geral e, em particular, o traba-lho escravo, no que concerne tanto aos seus antecedentes e motivos quanto ao contexto scio-histrico no qual eles ocorrem. O conheci-mento gerado a partir da pode clarificar questes ainda marginali-zadas nos estudos organizacionais, como: Por que e como as cor-poraes tornam-se criminosas? Diante disso, vislumbramos outras possibilidades que podem ampliar esta pesquisa, como: (a) consi-derar outros tipos de crimes corporativos para anlise; (b) estabe-lecer comparaes entre os comentrios de internautas em relao aos outros tipos de crimes corporativos; e (c) criar uma agenda de pesquisas, considerando as mltiplas abordagens do campo dos estudos organizacionais, especialmente, as abordagens crticas.

    Ao considerarmos notcias jornalsticas sobre organiza-es, apontamos para outros atores na construo dos discur-sos sobre corporaes, como os jornais, o que consiste, tam-bm, em uma contribuio desta pesquisa para o campo dos estudos organizacionais, por adotar a anlise intertextual. Nes-se sentido, sugerimos: (a) considerar o(s) texto(s) das notcias que estimularam os comentrios; (b) analisar as conversas en-tre os internautas; (c) realizar comparaes entre os coment-rios veiculados nos diferentes veculos.

    preciso, ainda, ressaltar as limitaes da pesquisa ao utilizar postagens de internautas como fontes de pesquisa. Es-tes so sujeitos annimos, heterogneos e virtuais, podendo, portanto, vir a ser mltiplos, privilegiando-se de inmeras op-es, de vrios caminhos e da faculdade de formarem diversas concepes. Outra limitao de natureza metodolgica refere-se impossibilidade de generalizao deste caso para outros ti-pos de crime corporativo, e mesmo outros tipos de trabalho es-cravo, como aquele que envolve o trabalho infantil.

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