Cronicas Imaginárias:"Todo-Mundo e Ninguem"
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Crônicas Imaginárias | 2010 | Creative Commons | Direitos Reservados
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O Diabo e seu companheiro passeavam durante o casamento do cavaleiro Portugal com a Princesa
Lusitânia, filha de Lisboa, esposa do Sol. Muito curiosamente, observavam
a conversa entre dois distintos cavalheiros, um nobre mercador
chamado “Todo-Mundo”, e um pobre João-Ninguém, chamado, justamente, “Ninguém”.
Todo-Mundo chegou procurando por algo, então Ninguém lhe perguntou:
“ O que anda procurando, meu amigo?”,
no que Todo-Mundo lhe responde: “ busco coisas que nunca consigo
encontrar, mas continuo procurando, pois um homem teimoso é honroso
em sempre teimar.”“ E qual seu nome, meu amigo?”
“Meu nome é Todo Mundo, passos os dias do ano inteiro
correndo atrás do imundo cheiro bom que tem o dinheiro.”
“ Já meu nome é Ninguém. Apenas espero por aqui com paciência,
pois tudo que anseio é por minha consciência.”
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Achando isso divertido, disse o Diabo a seu companheiro:
“Tome nota disso, meu companheiro”“ O que devo escrever?”“ Que Ninguém busca
a consciência, mas Todo Mundo busca o dinheiro”.
Ninguém volta então a perguntar: “Se nada aí encontra, porque
continua a procurar?”“Porque talvez aqui
Honra muito grande eu possa encontrar.”
“ Então irei lhe acompanhar, mas eu procurarei por virtudes que me
acompanhem por onde quer que eu andar!
“Outra coisa interessante”, disse o Diabo,
“ escreva aí, carrancudo, veja que a nós não se ilude,
pois busca as honras Todo Mundo,
enquanto Ninguém busca a virtude.” | 03
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Incomodado, perguntou Ninguém ao outro cavalheiro:
“ Busca por acaso algum outro bem maior que esse?”
“ Sim”, respondeu, “busco quem me louvasse em cada coisa
que eu fizesse”.“ E eu”, disse Ninguém,” quem me
repreendesse em cada coisa que eu errasse”.
Animado, disse o Diabo: “Escreve mais.”
“ E agora, o que me passou despercebido?”
“ Oras, que quer em extremo grado Todo Mundo ser louvado e Ninguém
em ser repreendido.”
“ Também quero o Paraíso”, disse Todo Mundo,” mas sem ter
quem me chatear”.“ E eu, por minha falta de juízo,
suando para minhas faltas pagar!”
E disse sorrindo o Diabo: “Pra que sirva de aviso, mais uma sentença se
escreve: Todo Mundo agora quer o Paraíso,
mas Ninguém paga o que deve.” | 04
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Continuou Todo Mundo: “Eu sou vidrado em tapear, e mentir nasceu comigo”.
“Sem nunca chantagear, a verdade eu sempre digo”, emendou
Ninguém.
O Diabo pediu a seu companheiro, com muito bom-humor e um sorriso malicioso:
“Bote anúncio na cidade, deste fato curioso: Aqui Ninguém
fala a verdade e Todo Mundo é mentiroso!”
Então voltaram ás bodas para brindar aos noivos, deixando
de lado os distintos cavalheiros, visto que notaram a
conclusão que se confirmara:
Dali, realmente Ninguém se importava
e Todo Mundo só queriamesmo era saber de nada.
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“Todo-Mundo e Ninguém”
Texto original de Gil Vicente, em “ O Auto da Lusitânia”, de 1531
Texto adaptado e Ilustrações por Marcio Batista
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