crise mundial nos preços dos alimentos: oportunidades e desafios ...
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB
FACULDADE DE AGRONOMIA E MEDICINA VETERINÁRIA – FAV
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGRONEGÓCIOS – PROPAGA
ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE AGRONEGÓCIO
CRISE MUNDIAL NOS PREÇOS DOS ALIMENTOS:
OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA A AGRICULTURA
BRASILEIRA
RODRIGO PEDROSA MAROUELLI
BRASÍLIA – DF
AGOSTO/2009
ii
RODRIGO PEDROSA MAROUELLI
CRISE MUNDIAL NOS PREÇOS DOS ALIMENTOS:
OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
MONOGRAFIA SUBMETIDA AO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
AGRONEGÓCIOS (PROPAGA) DA
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, COMO
PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À
OBTENÇÃO DO GRAU DE ESPECIALISTA
EM GESTÃO DE AGRONEGÓCIOS.
BRASÍLIA – DF
AGOSTO/2009
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FICHA CATALOGRÁFICA:
MAROUELLI, Rodrigo Pedrosa.
Crise mundial nos preços dos alimentos: oportunidades e desafios
para a agricultura brasileira. Rodrigo Pedrosa Marouelli. Brasília
UnB. 40 p. Monografia Universidade de Brasília/Faculdade de
Agronomia e Medicina Veterinária, 2009. Orientador: Prof., Jorge
Madeira Nogueira D.Sc.
1. preços alimentos; 2. preços; 3. desafios; 4.agronegócio.
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RODRIGO PEDROSA MAROUELLI
CRISE MUNDIAL NOS PREÇOS DOS ALIMENTOS:
OPORTUNIDADES E DESAFIOS PARA A AGRICULTURA BRASILEIRA
Monografia aprovada como requisito final para
obtenção do grau de Especialista em Gestão de
Agronegócio da Universidade de Brasília - UnB.
Data de aprovação:
17/08/2009
APROVADA POR:
_____________________________________________
JORGE MADEIRA NOGUEIRA Dr. (UNB)
(ORIENTADOR)
_____________________________________________
JOSEMAR XAVIER DE MEDEIROS Dr. (UNB)
(MEMBRO INTERNO)
BRASÍLIA, 17 DE AGOSTO DE 2009.
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AGRADECIMENTOS
Ao Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA, pela oportunidade de
capacitação ao cursar o MBA em Agronegócios da UNB.
Ao professor Jorge Madeira Nogueira, pela orientação, confiança e principalmente pelo
incentivo durante todo o desenvolvimento do trabalho.
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RESUMO
O aumento dos preços das commodities agrícolas nos últimos anos resultou em uma Crise de
Segurança Alimentar numa época em que o mundo se beneficiava de alimentos a preços
acessíveis. O aumento dos preços gerou revolta em alguns países e intervenções
governamentais, como a proibição de exportação de determinados produtos e a redução de
taxas de importação. Essas intervenções refletem a preocupação dos países mais pobres com o
impacto no aumento de preços dos alimentos, pois são nesses países que a maior parte da
renda das famílias é destinada à alimentação. Após a nova crise econômica mundial, houve a
retração dos preços das commodities agrícolas e atualmente a maior preocupação é o lado da
produção de alimentos, sendo preocupante o impacto que a queda de preços terá na oferta de
alimentos. Este trabalho analisa as causas dos aumentos dos preços das commodities agrícolas
relacionadas à oferta e demanda. Nesse sentido, pretende-se ainda enfatizar a oportunidade da
agricultura brasileira avançar num maior ritmo de produção de alimentos e ganhar novos
mercados no comércio mundial. Por fim são analisados os desafios do agronegócio brasileiro
Palavras chave: preço alimentos, crise alimentar, oferta e demanda de commodities,
agronegócios.
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ABSTRACT
The commodities price increase in the last years resulted in a Food Security Crisis in a time
that the world benefited of accessible food prices. Price increase resulted in strikes and public
interventions in some countries like banning exports of some products and decreasing import
tariffs. These interventions reflect the concern of poor countries with the impact of food price
increase, since in those countries a higher part of household´s income is used to buy food.
After the new world economic crisis, there have been the retraction of commodities prices and
today the biggest concern is about food production supply. This work analysis the causes of
commodities price rise related with supply and demand. It pretends to emphasize the
opportunity to the Brazilian agriculture to raise food production and obtain new markets in the
world trade. The Brazilian agribusiness challenges are analyzed at the end of this work.
Key-words: food price, food safety, commodities supply and demand, agribusiness.
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – PIB Mundial – Taxa de Crescimento Real (%)
Figura 2 – Índice de Preços dos Alimentos
Figura 3 – Fatores que Contribuíram para o Aumento das Commodities Agrícolas
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Cotações das Commodities Milho, Soja e Trigo (em dólares por tonelada métrica)
Tabela 2 – Evolução da produção, produtividade e área colhida de cereais no mundo
Tabela 3 – Estoque Mundial de Cereais (em milhões de toneladas)
Tabela 4 – Balança comercial do agronegócio brasileiro (US$ milhões)
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRASEM Associação Brasileira de Sementes e Mudas
ANPEI Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia
das Empresas Inovadoras
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEPEA/Esalq/USP Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - USP
CNA Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil
CNT Confederação Nacional do Transporte
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária
FAO Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
FMI Fundo Monetário Internacional
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IICA Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA...............................................................................01
2. OBJETIVOS........................................................................................................................02
3. CRISE GLOBAL DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS...................................................03
3.1. Conjuntura Macroeconômica.................................................................................03
3.2. O Aumento Global dos Preços dos Alimentos......................................................05
3.3. Crise Econômica e Redução Global dos Preços dos Alimentos............................07
4. IDENTIFICAÇÃO DAS CAUSAS DA CRISE................................................................09
4.1. Aumento Mundial da Demanda............................................................................ 09
4.2. Diminuição do Crescimento da Produção Agrícola...............................................11
4.3. Choques Climáticos................................................................................................13
4.4. Especulação Financeira..........................................................................................14
4.5. Diminuição das Taxas de Juros............................................................................. 15
4.6. Depreciação da Moeda Americana........................................................................16
4.7. Aumento dos Preços do Petróleo...........................................................................17
4.8. Expansão dos Biocombustíveis..............................................................................18
4.9. Diminuição dos Estoques Mundiais.......................................................................21
5. DESAFIOS AO AUMENTO DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS.................................23
6. OPORTUNIDADES PARA O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO.................................25
6.1 Importância Econômico-Social do Agronegócio Brasileiro...................................25
6.2 Disponibilidade de Terras no Brasil........................................................................26
6.3 Capacidade de Produção e Ganhos de Produtividade no Brasil .............................27
6.4. Desenvolvimento Tecnológico Atual.....................................................................29
7. DESAFIOS PARA O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO................................................30
7.1. Capacidade de Inovação Tecnológica....................................................................30
7.2. Deficiências de Infra-estrutura...............................................................................31
xii
7.3. Baixa Agregação de Valor.....................................................................................33
7.4 Tributações Elevadas...............................................................................................34
7.5. Pouca Integração das Cadeias Produtivas..............................................................34
7.6 A questão social no campo......................................................................................35
8. CONCLUSÕES...................................................................................................................36
9. REFERÊNCIAS..................................................................................................................38
1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
Desde 2003 os preços das commodities agrícolas aumentaram significativamente.
Alguns produtos atingiram picos históricos em 2008, resultando na chamada Crise de
Segurança Alimentar, pois até então o mundo se beneficiava de alimentos a preços acessíveis.
A Crise ressuscitou antigas preocupações. Em especial, mesmo diante dos significativos
avanços biológicos e tecnológicos, que permitiram importantes aumentos de produção de
alimentos de melhor qualidade e de preços mais baixos, existe a preocupação em atender a
crescente demanda mundial por alimentos.
O significativo aumento dos preços agrícolas tem sido uma das principais
preocupações para diversos países e organismos internacionais, devido ao impacto que os
mesmos exercem na segurança alimentar das populações mais pobres. O aumento dos preços
gerou revoltas e intervenções governamentais em alguns países, como a proibição de
exportação de determinados produtos e a redução de taxas de importação. Essas intervenções
refletem a preocupação dos países mais pobres com o impacto no aumento de preços dos
alimentos, pois são nesses países que a maior parte da renda das famílias é destinada à
alimentação.
A situação dos preços agrícolas ficou ainda mais nebulosa, no segundo semestre de
2008 com uma nova crise econômica mundial que leva à contração do comércio agrícola com
a redução do ritmo de crescimento mundial. A crise internacional alterou qualitativamente a
preocupação com a Crise de Segurança Alimentar. Os preços das commodities agrícolas se
retraíram e atualmente a maior preocupação é o lado da produção de alimentos, sendo
preocupante o impacto que a queda de preços terá na oferta de alimentos.
A presente monografia analisa as causas dos aumentos dos preços das commodities
agrícolas relacionadas à oferta e demanda. Diversos motivos elevaram os preços até meados
de 2008 e apesar da retração dos preços no início de 2009, permanece a preocupação de
futuros aumentos e da necessidade de se assegurar uma maior ofertar de alimentos. Nesse
sentido, enfatiza-se a oportunidade da agricultura brasileira avançar num maior ritmo de
produção de alimentos e superar suas deficiências.
1
2
2. OBJETIVOS
Ao identificar as causas dos aumentos dos preços das commodities agrícolas até o
primeiro semestre de 2008, o trabalho analisa o impacto de cada uma dessas causas nos
referidos aumentos dos preços. Posteriormente são apontados os desafios que podem surgir
diante dos aumentos dos preços e conseqüentemente são identificadas as oportunidades e
apontados os desafios para o agronegócio brasileiro.
As commodities agrícolas analisadas no trabalho foram limitadas as de origem vegetal,
não levando em consideração as de origem animal. Segundo Scolari (2005), as commodities
mais importantes são os grãos (principalmente arroz, trigo, milho, centeio, sorgo, cevada,
milheto e triticale) - que ocupam uma grande área de cultivo, responsáveis por 66% da
alimentação mundial e largamente produzidas em vários países desde os tempos mais
remotos.
Objetivos Específicos:
1. Analisar o aumento global dos preços dos alimentos e suas principais causas;
2. Apontar os desafios que podem surgir diante de uma crise econômica internacional; e
3. Identificar oportunidades e apontador os desafios para o agronegócio brasileiro.
O trabalho está estruturado em oito capítulos.
No primeiro capítulo foram apresentadas a introdução e as justificativas para a escolha
do tema da pesquisa, assim como o contexto do tema escolhido. Neste segundo capítulo, são
discutidos os objetivos que se pretende alcançar com o trabalho e a forma de estruturação do
mesmo. No terceiro capitulo será analisada a conjuntura macroeconômica, o aumento global
dos preços dos alimentos e a sua posterior redução. O quarto capítulo tratará da identificação
e análise das causas da crise dos preços dos alimentos. No quinto capítulo serão apresentados
os desafios ao aumento dos preços. Posteriormente são identificadas e analisadas as
oportunidades e apontados os desafios para o agronegócio brasileiro, capítulos seis e sete
respectivamente. Por fim, o capítulo oito trás as conclusões da monografia.
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3. CRISE GLOBAL DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS
3.1. Conjuntura Macroeconômica
Desde o início do Plano Real a agricultura tem sido uma importante âncora na
estabilização da economia brasileira. Enquanto a oferta de produtos agrícolas ajudou a
controlar a inflação, as exportações de bens primários foram decisivas para o bom
desempenho da balança comercial – no primeiro momento compensando as perdas sofridas
com a apreciação do real e posteriormente levando a significativos superávits comerciais.
A primeira metade da década atual foi marcada por forte crescimento da economia
mundial. Para o Banco Mundial (2008), se os últimos 25 anos fossem divididos em dois
períodos - 1980-2000 e 2000-2005 - a taxa de crescimento nos países em desenvolvimento
aumentou de 3,2% no primeiro período para 5% no segundo (Figura 1). Um pico mais forte só
ocorreu no período de 1970-1973, quando a taxa de crescimento mundial alcançou 5,4%.
O Banco Mundial (2008) aponta para "um forte desempenho global", em conseqüência
de uma "expansão muito rápida nos países em desenvolvimento, que crescem a taxas duas
vezes maiores do que nas economias avançadas". Apesar dessa aceleração não ter sido vista
pela grande maioria dos países, não se pode afirmar que os países asiáticos (principalmente
China e Índia) tenham sido os únicos responsáveis por esse crescimento, mas todo o conjunto
dos países em desenvolvimento.
De acordo com o Banco Mundial (2008), durante os últimos 25 anos, a integração
global da economia, a diminuição brutal nos custos de transporte e comunicação, juntamente
com as reduções das barreiras comerciais, associados à integração dos mercados emergentes
aos mercados globais e avanços tecnológicos, prepararam o caminho para ganhos de
produtividade.
Helbling et al. (2008) levantaram algumas preocupações, principalmente em relação
aos mercados financeiros e sobre a expansão mundial, que poderia ser retardada pela
desaceleração da economia norte-americana, devido ao significativo declínio no mercado
imobiliário americano.
4
Segundo o Banco Mundial (2008), os maiores fatores que reforçam a tendência de
crescimento econômico mundial são “a integração dos mercados globais, a abertura das
economias chinesa e indiana, a expansão da oferta mundial de força de trabalho e o impacto
das tecnologias de informação e comunicação”.
Outro fator responsável pelo elevado de crescimento foram os juros mais baixos. Os
países mais desenvolvidos, que controlam os juros, têm mantido suas taxas baixas mesmo
diante de um comportamento modesto de crescimento de seus PIBs (Produtos Interno Bruto).
Taxas de juros mais baixas proporcionaram grande liquidez ao mercado mundial, elevando o
volume de comércio entre os países nos últimos anos e beneficiando o agronegócio brasileiro.
Figura 1 – PIB Mundial – Taxa de Crescimento Real (%)
Fonte: Banco Mundial
Disponível em: http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/DATASTATISTICS/.html
O aumento do comércio internacional (principalmente de commodities) foi
responsável pelo Brasil ter recuperado suas contas externas, gerando superávits comerciais.
Por outro lado, o crescimento mundial alcançado pressionou os preços da energia, das
matérias primas e das commodities agrícolas, levando conseqüentemente a pressões
inflacionárias inclusive nos países do primeiro mundo que começaram a aumentar suas taxas
de juros para combatê-la.
5
3.2 O Aumento Global dos Preços dos Alimentos
Segundo Matos et al. (2008), apesar dos preços reais dos alimentos terem aumentado
significativamente, os mesmos não atingiram o ápice de meados da década de 1970. Os
autores ao analisarem o Índice FAO de Preços dos Alimentos – que engloba o preço de seis
grupos de commodities no mercado internacional – entre os anos de 2000 a 2008, apontaram
que só em 2007 o índice cresceu 23% em relação ao ano anterior.
Figura 2 – Índice de Preços dos Alimentos
Fonte: FAO - http://www.fao.org/worldfoodsituation/FoodPricesIndex/en/
O forte crescimento econômico observado nos últimos anos colocou uma forte pressão
nos preços e os significativos aumentos de preços das commodities agrícolas levaram alguns
produtos a atingirem picos históricos. O aumento dos preços foi considerado por muitos como
uma crise e essa crise, apesar de ter sido passageira, pode voltar com a mesma intensidade nos
próximos anos.
A elevação dos preços dos alimentos gerou preocupação de governos e organizações
internacionais, que planejaram ações para minimizar os efeitos da subida dos preços. A
eficácia dessas foi observada pelo início da crise econômica de 2008.
A crise mundial derrubou durante 2008 as cotações das principais commodities
agrícolas, como pode ser observado na Tabela 1.
6
Tabela 1- Cotações das Commodities Milho, Soja e Trigo - U$ por tonelada métrica
Mês/Ano Milho Soja Trigo
jan/07 165,10 250,39 196,07
abr/07 152,58 217,39 198,31
jul/07 147,13 277,84 238,41
out/07 164,09 380,09 335,15
dez/07 180,25 407,22 368,62
jan/08 206,53 466,73 369,59
abr/08 246,67 486,07 362,23
jul/08 266,94 553,79 328,18
out/08 182,96 345,77 237,38
dez/08 158,16 316,68 220,14
Fonte: Elaboração Própria com base em CEPEA ESALQ.
Conforme pode ser verificado na Tabela 1, os preços das commodities aumentaram
vertiginosamente durante o primeiro semestre de 2008, gerando a sensação no mundo e no
Brasil que se estaria frente a uma nova crise alimentar mundial, semelhante a que aconteceu
no mundo no início dos anos 80. Em meados de 2008 os preços da soja chegaram a U$ 553 a
tonelada, sendo que em alguns dias do mês de julho atingiram o teto de U$ 700 a tonelada. Os
preços do trigo superaram os U$ 300 a tonelada e os de milho chegaram também perto desse
valor. Cabe destacar que os preços históricos destas commodities estão por volta dos U$ 200 a
tonelada.
No entanto, após esse clímax, os preços de todas as commodities despencaram ao
ritmo da crise financeira internacional. Os preços estavam inflacionados pelo acionar dos
mercados futuros sem entrega física, que são mercados altamente especulativos. Quando os
ativos investidos nesses mercados refluíram para salvar posições em bancos e financeiras,
houve uma deflação acentuada de preços. Começa então um ciclo declinante de preços que
vai de agosto até dezembro de 2008, tanto nos mercados internacionais como no mercado
interno.
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3.3 Crise Econômica e Redução Global dos Preços dos Alimentos
O estopim da crise financeira mundial, que teve origem nos Estados Unidos da América,
foi a inadimplência do subprime - o mercado de hipotecas dos mutuários que refinanciaram
suas dívidas. Com as condições de refinanciamento ficando mais difíceis e os índices de
inadimplência se elevando, deu-se início a atual crise financeira mundial que impactou
diretamente o setor agrícola e refletiu esse impacto às variáveis macroeconômicas. Segundo
Guanziroli (2008), quando os bancos começaram a reconhecer as perdas com o subprime,
instalou-se o pânico financeiro no mundo, levando à diminuição do crédito de maneira
generalizada, gerando uma profunda crise de liquidez, que atingiu escala mundial.
Diante da crise os governos dos principais países tomaram medidas no sentido de, pelo
menos, mitigar este problema. Os governos dos principais países anunciaram cortes de juros,
pacotes fiscais e injeções de recursos de aproximadamente US$ 2 trilhões para estabilizar o
sistema financeiro. No Brasil, além da redução da taxa básica de juros, houve um aumento
dos empréstimos às empresas pelo BNDES e reduções de cargas tributárias para ajudar
setores da economia, como o automotivo e de eletrodomésticos.
A crise trouxe imediatamente falta de liquidez em todas as economias do mundo, com
empréstimos e financiamentos mais caros e reduzidos. Posteriormente se observou uma crise
de confiança tanto por parte dos consumidores, empresas e governos levando à redução do
consumo e investimentos que afetaram diretamente o nível de emprego e renda.
A baixa elasticidade dos preços na queda implica que os consumidores ainda
continuem sendo afetados pela fase da alta de preços que ocorreu até julho de 2008, afetando
suas possibilidade de consumo e a própria segurança alimentar - principalmente nas camadas
mais pobres da população. Por exemplo, a despeito das reviravoltas provocadas pela crise
financeira global, sobretudo a partir de setembro de 2008, as importações chinesas de soja
mantiveram-se firmes em 2008 e dão sinais de que permanecerão assim em 2009, apesar da
desaceleração econômica e das incógnitas que cercam o volume de estoques do país, que
voltou a aumentar nos últimos meses.
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No final de 2008, os fundamentos de oferta e demanda voltaram a prevalecer nos
principais mercados internacionais de commodities agrícolas, apesar do cenário de alta
volatilidade. Não obstante as cotações de vários grãos terem caído mais de 50% desde o
apogeu alcançado no meio do ano de 2008, os preços dos alimentos ao consumidor não
caíram necessariamente na mesma velocidade. Quando há o aumento de preços dos alimentos,
geralmente os reajustes de alta são repassados rapidamente, mas as quedas no preço das
commodities demoram a ser transferidas ao produto final.
Ao mesmo tempo em que alguns fatores apontam para uma recuperação dos preços em
2009, outros apontam para sua estagnação ou inclusive nova queda. O cenário é, portanto, de
acentuada volatilidade, o que não é bom para os produtores que ficam sem sinais claros para
planejar sua atividade. No caso brasileiro a queda de preços das commodities, no entanto, não
afetou gravemente o setor agrícola por causa da desvalorização do real frente ao dólar, que
desde o piso de R$ 1,56 em agosto de 2008, valorizou-se quase 50% até o fim de abril de
2009.
Uma das conseqüências da crise é a forte redução da produção agrícola estimada no
Brasil para 2009, que pode ser de 7% segundo as últimas estimativas do CONAB (2009). Os
preços dos insumos estavam altos em 2008 em função da forte subida no preço do petróleo
que afetou os preços dos adubos e dos combustíveis. Os produtores ao se deparar com os
custos dos insumos em valores aviltados demais, decidiram por diminuir sua área plantada ou
por mantê-la, mas com uso menor de adubos, o que prejudica os rendimentos e, portanto a
produção esperada por hectare.
Por outro lado, como já observado, há uma considerável retração nas economias
centrais e, em função disto, já se prevê que o comércio não crescerá em 2009 e esta retração
certamente afetará negativamente as exportações brasileiras. O impacto não será apenas nos
setores ligados ao comércio internacional, pois ao considerar o efeito multiplicador da queda
nas exportações, toda a economia sofrerá conseqüências significativas.
9
4. IDENTIFICAÇÃO DAS CAUSAS DA CRISE
As principais causas do aumento dos preços das commodities estão resumidas na
Figura 3, onde classificamos cada uma delas como fatores de demanda (verde) e oferta
(amarelo).
Figura 3 – Fatores que Contribuíram para o Aumento das Commodities Agrícolas
1998 1999 2000 2000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Forte aumento da demanda relacionado ao aumento da população, crescimento
econômico e aumento do consumo per capita
Diminuição do crescimento da produção agrícola
Choques
Climáticos
Especulação
Financeira
Diminuição das taxas de juros
Desvalorização do dólar americano
Aumento do preço do petróleo
Expansão Biocombustíveis
Menor Estoque Mundial
Fonte: Elaboração própria, adaptado de Trostle, R. (2008).
São apontadas nove causas para o aumento dos preços dos alimentos, apesar de alguns
autores como Von Braun (2008) e Mitchell (2008) apontarem ainda outras causas de menor
relevância. Em seguida é analisada a importância que cada uma das causas exerceu no
aumento dos preços das commodities e a provável participação isolada de cada causa e
combinada com outras.
4.1. Aumento Mundial da Demanda
O aumento mundial da demanda por alimentos tem como causas principais o aumento
da renda e o crescimento populacional, sendo que os países em desenvolvimento foram os
principais responsáveis por esse aumento.
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Estima-se que a população mundial deverá passar dos atuais 6,6 bilhões para 8,3
bilhões em 2030, sendo que o crescimento maior será na Ásia, com aumento de 1,1 bilhão de
pessoas até 2030. A população brasileira deverá alcançar 235 milhões de habitantes em 2030
(mais 62 milhões em relação a 2000).
O aumento de renda dos países em desenvolvimento resultou no aquecimento da
procura por uma maior quantidade e diferentes tipos de alimentos. Segundo Matos et al
(2008), os países em desenvolvimento aumentaram, nos últimos dez anos, o consumo de soja,
arroz e trigo em 84,7%, 9,4% e 10,4%, respectivamente. Sem dúvida esse aumento de
consumo está relacionado ao aumento da renda per capita, principalmente nos países
asiáticos, onde uma parcela significativa da população passou a se alimentar com melhor
qualidade.
Uma das razões para esse crescimento está relacionada à inclusão de uma importante
parcela da população ao mercado de trabalho, levando a um aumento crescente da demanda
por alimentos. Vale mencionar que a elasticidade renda dos alimentos é mais alta que a de
outros produtos para camadas inferiores de renda, ou seja: cada aumento da renda dos mais
pobres se traduz numa demanda por alimentos, que aumenta proporcionalmente mais do que a
renda média da sociedade.
Apesar de diversos autores, como Abbott et al. (2008) e Baltzer et al. (2008),
apontarem essa causa, Heady & Fan (2008) descartam essa hipótese ao argumentarem que
China e Índia são auto-suficientes na produção da maioria dos grãos e que o aumento da
demanda dos países acima se deu em período anterior e que algumas commodities sofreram
diminuição do volume importado nos últimos anos. Do outro lado, os autores admitem que a
crescente demanda da China e Índia por soja e seu óleo pressionou o preço dessa commodity
no mercado internacional.
Mitchell (2008) defende a idéia que o rápido crescimento da renda nos países
desenvolvidos não tenha se refletido em um grande aumento global no consumo de grãos e
que esse não tenha sido a principal causa dos aumentos dos preços dos grãos. O autor leva em
consideração três fatores: 1) que o aumento da renda tenha contribuído para o aumento da
demanda do óleo de soja devido ao aumento das importações de soja em grão pela China; 2)
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China e Índia serem exportadores de grãos desde o ano 2000, apesar das exportações terem
diminuído e o consumo aumentado nos últimos anos; e 3) o consumo mundial de trigo e arroz
cresceram 0,8 e 1,0 por cento ao ano respectivamente, enquanto o consumo de milho
aumentou 2,1 por cento (excluindo a demanda por bicombustíveis nos EUA).
4.2. Diminuição do Crescimento da Produção Agrícola
A diminuição no ritmo de crescimento da produção agrícola mundial é apontada por
alguns autores como sendo um dos fatores que podem ter levado ao aumento dos preços.
Apesar da maior demanda, existe um problema estrutural da agricultura mundial para
incrementar a oferta de alimentos já que a revolução verde praticamente já esgotou os avanços
em tecnologias e novas formas de produção são necessárias para que a dependência não seja
exclusivamente de um novo salto na produção devido a aumentos de área cultivada.
Ao analisarmos a produção mundial de cereais (arroz, trigo, milho, centeio, sorgo,
cevada, milheto e triticale), área colhida, produtividade (toneladas por hectare) produção per
capita (Tabela 2), verificamos que a produção mundial de cereais mais que dobrou entre os
anos de 1965 e 2005. Segundo Scolari (2005), a população mundial era de 3,3 bilhões de
habitantes em 1965 e em 2005 havia chegado a 6,4 bilhões – um aumento de 93,5% em
quarenta anos. No mesmo período a produção de cereais avançou de 1,019 bilhões de
toneladas para 2,2 bilhões. O aumento na oferta deveu-se ao crescimento na produtividade,
conseguida graças à revolução verde (uso intensivo de fertilizantes, irrigação, sementes
melhoradas e produtos fitossanitários).
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Tabela 2 - Evolução da produção¹, produtividade e área colhida de cereais no mundo
Ano
Produção Mundial
(em mil toneladas)
Produtividade¹
(t/Ha.)
Produção per
capita¹ (MT)
Área colhida¹
(Ha./capita)
1965 1.019.465 1,493 0,306 0,205
1975 1.413.245 1,905 0,347 0,182
1985 1.911.683 2,496 0,396 0,159
1995 2.013.428 2,716 0,355 0,131
2005 2.219 400 3,255 0,344 0,106
Fonte: Faostat (2005) e Scolari (2005)
¹ Arroz, aveia, centeio, milheto, milho, cevada, soja, sorgo, trigo, triticale.
A produção mundial de cereais per capita apresentou crescimento de quase 30% no
período 1965/1985, quando evoluiu de 0,306 para 0,396 toneladas métricas. Em 1995 recuou
para 0,355 e em 2005 voltou a cair para 0,344 toneladas métricas per capita – o que nos
permite concluir que não houve alteração significativa na produção mundial per capita.
Scolari (2005) afirma que nos últimos anos o crescimento da produtividade tem
ocorrido a taxas decrescentes - no período 1965/1990 o crescimento foi de 81% e no período
1990/2005 foi de 20%. A conclusão do autor não parece tão evidente, pois o mesmo divide o
crescimento da produtividade em dois períodos – o primeiro num espaço de 25 anos e o
segundo num espaço de 15 anos.
De acordo com Scolari (2005), a área colhida total em 1965 foi de 683 milhões de
hectares, elevando para 758 milhões em 1990, mas recuando para 681,7 milhões em 2005. O
autor conclui que a disponibilidade de terra cultivada por habitante está diminuindo ao
analisar a grande alteração percentual na área colhida per capita, que em 1965 foi de 0,205
hectares, em 1980 foi de 0,171 e em 2005 foi de 0,106 hectares. A relação área colhida por
habitante leva à conclusão que houve significativos ganhos de produtividade nos últimos 40
anos.
13
4.3. Choques Climáticos
Os choques climáticos são outra explicação para o aumento dos preços, pois afetaram
principalmente a produção de trigo na Austrália e em menor intensidade nos Estados Unidos,
Rússia e Ucrânia nos anos 2005 e 2006. Apesar de a produção ter diminuído em diversos
países, a mesma foi compensada pelo aumento em outros, como na Argentina.
Para Mitchell (2008), a diminuição dos estoques de grãos leva a uma maior
volatilidade do que se causada pelas discrepâncias entre a oferta e demanda. Segundo o autor,
efeitos climáticos afetaram numa maior intensidade as culturas de trigo e milho, sendo que a
produção mundial de trigo da safra 2005/2006 atingiu o menor nível desde os anos 1970. A
Austrália sofreu uma severa seca, colhendo cerca de 60 por cento a menos de trigo e 51 por
cento menos outros grãos durante a safra 2006/2007 quando comparado à safra anterior. Se
somadas as produções da Austrália, Comunidade Européia e Estados Unidos, houve uma
produção menor de grãos de 57 milhões de toneladas que o ano anterior.
Heady & Fan (2008) afirmam que os choques climáticos oferecem outra explicação
para os aumentos de preços, especialmente no caso do trigo. Os Estados Unidos também
vivenciaram em 2006 uma colheita 14 por cento menor à do ano anterior, enquanto outros
países como a Rússia e Ucrânia, por sua vez, tiveram declínio na produção mas numa menor
intensidade. No entanto, os autores alertam ainda para a necessidade de uma melhor análise
dos dados, sugerindo que essa explicação não parece tão convincente quanto parece. Segundo
eles, o maior problema é que quedas na produção agrícola ocorrem com certa freqüência,
principalmente no caso do trigo. A produção mundial de trigo recuou 5 por cento em
2006/2007, mas também diminuiu 11 por cento em 2000/2001 e 6 por cento em 1993/1994, e
se analisada a produção norte americana isoladamente, também observamos variações
frequentes. O ano de 2007 foi marcado pelo declínio na produção de trigo em diversos países,
mas houve superproduções na Argentina, Kazaquistão, Rússia e nos Estados Unidos. De
forma semelhante essa compensação ocorreu na produção mundial de grãos, com a queda de
1,3% na produção em 2006 e o aumento de 4,7% no ano seguinte. Por essas razões, Heady &
Fan (2008) concluem que as variações de produção são recorrentes e as mudanças climáticas
não podem ser apontadas como uma das causas do aumento dos preços agrícolas.
14
De acordo com Mitchell (2008), a diminuição na produção de grãos não teria sido por
si mesma, o maior motivo para o aumento dos preços. O autor afirma que os choques
climáticos somado a outros fatores, como o aumento da produção de biocombustíveis e a
diminuição dos estoques de grãos sem dúvida contribuíram para a alta dos preços.
4.4. Especulação Financeira
A especulação financeira nos mercados futuros das commodities agrícolas chegou a
ser apontada como o ápice da alta dos preços dos alimentos, além dos fatores estruturais e
clássicos. Alguns autores apontam que a especulação financeira poderia explicar não o
fenômeno em si, mas o ritmo com que a alta dos preços se sucedeu. Os fundos de
investimento teriam tido um papel fundamental na alta dos preços das commodities agrícolas
em 2006 e 2007 e na rápida queda no momento posterior. Esses fundos venderam
praticamente todos os contratos de futuros de commodities agrícolas para saldar posições de
bancos com problemas, o que teria acelerado a tendência de baixa dos preços agrícolas.
O mercado futuro envolve um vendedor e um comprador que se prontificam a
negociar uma quantidade de um produto, a um determinado preço e a ser entregue em uma
data futura. Esse mecanismo permite ao vendedor (ex. produtor) a destinar recursos a uma
cultura que lhe trará retornos satisfatórios. Esse mecanismo permite que os produtores se
beneficiem ao se protegerem de risco de queda dos preços de seus produtos ao assegurar um
preço futuro para sua cultura.
Mitchell (2008) afirma que a especulação e o aumento do número de contratos na
Bolsa de Chicago de 2002 a 2006 tenham contribuído para o aumento dos preços. O autor
afirma que o número de contratos futuros do trigo quadruplicou, apesar de não ter refletido
significativamente no aumento de preços do grão – o que levanta uma dúvida com relação ao
impacto nos preços. Uma provável razão para o aumento do preço do trigo pode estar
relacionada ao fato de produtores destinarem áreas da cultura para a produção de soja e/ou
milho para a produção de bicombustíveis. O autor admite que é difícil quantificar o impacto
nos preços e que a maioria dos estudos não encontra evidência de que o maior número de
contratos futuros tenha afetado diretamente os preços, mas pode ter levado-os a um patamar
superior.
15
Para De La Torre Ugarte & Murphy (2008), a demanda especulativa teve um efeito
maior na subida dos preços agrícolas e não teria sido a causa em si. Segundo os autores, os
fundos de índices agrícolas assumiram posições em excesso ao tentar equilibrar suas carteiras
agrícolas de commodities com outros produtos, como energia e minerais. Essas posições
teriam levado dois dos maiores fundos a “segurarem” posições de 1,5 bilhões de bushels
enquanto o total de posições de todos os fundos era pouco superior a 2.2 bilhões de bushels.
Heady & Fan (2008) descartam a especulação financeira ao afirmarem que essa razão
foi apontada por muitos autores, mas que a mesma foi superficialmente analisada. Esses
autores apontam que o aumento de não produtores e especuladores no mercado futuro não
pode ser considerado como uma causa do aumento dos preços, sendo que a especulação é
mais um sintoma da volatilidade do que a causa dessa volatilidade. Estudo do Conference
Board of Canada – CBC (2008) também não encontra evidencia que a especulação financeira
tenha sido uma das principais causas do aumento dos preços das commodities. O estudo
aponta que somente quando há volatilidade no preço das commodities que os especuladores
procuram obter ganhos com as alterações de preços, e que o aumento dos negócios no
mercado futuro estaria ligado ao efeito ao invés de uma causa no aumento dos preços
agrícolas. O estudo recomenda que os governantes não se preocupem com o aumento dos
contratos futuros, mas sim em ajustar as regras da atividade.
4.5. Diminuição das Taxas de Juros
Outra hipótese está relacionada à diminuição das taxas de juros, principalmente nos
Estados Unidos, que teria levado a um aumento nos preços de diversos produtos agrícolas. A
diminuição das taxas de juros teria levado a um aumento de estoques e encorajariam
investidores a procurar contratos agrícolas ao invés de obterem os baixos retornos com os
títulos do governo americano. Claramente houve aumento da procura por ouro e petróleo, mas
não há clara evidência que o mesmo tenha ocorrido com as commodities agrícolas.
O aumento dos preços se dá basicamente pela menor oferta de determinado produto e
devido a aspectos macroeconômicos que se ajustam ao ambiente de mercado. Dentre os
aspectos macroeconômicos, o mais notável e diretamente relacionado é a taxa de cambio –
que determina como os preços mundiais são transformados em preços domésticos.
16
4.6. Depreciação da moeda americana
A depreciação da moeda americana é apontada por Mitchell (2008) e Abbott et al.
(2008) como uma das causas do aumento dos preços agrícolas já que o dólar se depreciou
35% em relação ao euro do início de 2002 até meados de 2008. Abbott et al. (2008) afirmam
que o enfraquecimento da moeda americana leva a um aumento das exportações agrícolas dos
EUA (ceteris paribus). Sendo assim, a depreciação do dólar elevaria os preços das
commodities nos Estados Unidos, mas diminuiria no resto do mundo já que a maioria das
commodities (incluindo petróleo e grãos) é cotada em dólares, mas comprados em moedas
locais. Com a queda do dólar, como ocorreu nos últimos seis anos, houve o aumento dos
preços das commodities tanto de grãos quanto do petróleo, indicando para os autores, que a
relação entre a taxa de câmbio e os preços das commodities tem uma relação positiva. Os
autores encontram que de 2002 a 2007 a moeda americana se depreciou 22 por cento
enquanto o valor das exportações agrícolas se elevou em 54 por cento ao analisar o índice de
comércio agrícola da USDA e compará-lo a moeda americana corrente e deflacionada.
Heady & Fan (2008) fazem outra análise comparativa ao assumir que os EUA têm
uma importante participação no mercado agrícola internacional – principalmente em
commodities como a soja, milho e o trigo. Segundo os autores a depreciação da moeda
americana seria responsável por um aumento de 20 a 30% do índice de preços em dólar.
Mitchell (2008) calcula que a depreciação do dólar levou a um aumento de 20% (26% x 0,75)
nos preços das commodities agrícolas, assumindo uma elasticidade de 0,75 e uma depreciação
do dólar de 26% em relação às moedas asiáticas.
Para De La Torre Ugarte & Murphy (2008), a depreciação do dólar americano frente a
outras moedas pode ter parcialmente afetado os aumentos de preços em alguns países. Por
exemplo, países que tiveram uma apreciação da moeda em 30 por cento sobre o dólar, se
beneficiaram com uma queda dos preços das commodities agrícolas importadas já que essas
commodities são cotadas na moeda americana.
17
4.7. Aumento dos Preços do Petróleo
Do lado da oferta, a alta do petróleo exerce influência direta na alta dos preços das
commodities, pois seus derivados são utilizados como insumos agrícolas (fertilizantes, diesel,
etc), resultando em um aumento dos custos de produção para os agricultores. Quando
analisamos as culturas de trigo e milho, vemos que os preços dos fertilizantes respondem por
20% dos custos de produção.
O forte crescimento global de 2004 a 2007 elevou o preço do barril do petróleo de 30
dólares no inicio de 2003 para mais de 140 em meados de 2008 - algo como 35 por cento
acima do recorde em 1979 em valores atuais (Figura 4).
Os altos custos do petróleo elevam os custos de transporte e aumentam os incentivos
para se produzir bicombustíveis e criar políticas em sua defesa. Para complicar, o aumento do
preço do petróleo encareceu os custos de transportes dos produtos agrícolas. E a maioria dos
países de baixa renda importa boa parte dos alimentos que consome. Para Mitchell (2008) os
preços do petróleo contribuíram para um aumento entre 15-20 por cento nos custos de
produção de alimentos e transporte nos Estados Unidos.
Figura 4 – Preço Mensal do Barril do Petróleo (FOB) - em Dólares
Fonte: Elaboração própria.
Dados disponíveis em: http://tonto.eia.doe.gov/dnav/pet/hist/wtotworldw.htm
18
A produção mundial de petróleo não se elevou na mesma proporção que a crescente
demanda em todo o mundo. Os altos preços do petróleo refletiram a expectativa de que
somente esses altos preços induziriam os investimentos necessários para satisfazer a demanda,
pois os custos de investimentos para aumentar a produção seriam maiores. Outras condições
que pressionaram o valor do petróleo foram a diminuição das taxas de juros nos Estados
Unidos e a depreciação do dólar americano. Por outro lado, não existe evidencia de que esse
aumento do preço do petróleo tenha sido influenciado por qualquer commodity agrícola ou
não agrícola.
Heady & Fan (2008) afirmam que o aumento dos preços dos combustíveis e
fertilizantes tenha aumentado de 30 a 40% os custos de produção do milho, trigo e soja nos
Estados Unidos. Segundo Mitchell (2008), a alta do petróleo elevou os preços de commodities
como o milho, trigo e soja entre 20 e 30%. Para o autor, se combinadas as altas do petróleo e
o enfraquecimento do dólar americano, o preço das commodities sofreu um aumento de 35 a
40 por cento entre o ano de 2002 e meados de 2008.
4.8. Expansão dos Biocombustíveis
A influência dos preços do petróleo nas cotações das commodities agrícolas se torna
ainda mais importante ao analisarmos a elevação da participação das fontes agrícolas de
energias renováveis como busca pela menor dependência dos combustíveis fósseis. Além da
busca por essa menor dependência, a produção de biocombustíveis teve incentivos públicos
de países como os Estados Unidos, União Européia e China diante dos efeitos positivos na
redução da emissão dos gases de efeito estufa.
A elevação do preço do petróleo fez com que os biocombustíveis se tornassem viáveis
e uma rápida solução contra os aumentos dos derivados de petróleo. A demanda por
biocombustíveis aumentou desde 2003 e é apontada por muitos autores como uma forte razão
para o aumento de preços de diferentes commodities (milho, soja, trigo, arroz, etc),
especialmente se considerado o efeito substituição.
Segundo Trostle (2008), a utilização do milho para produção de etanol saltou de 1
bilhão de bushels em 2002/2003 para uma estimativa de 3,1 bilhões na safra 2007/2008. Esse
19
aumento levou os EUA a destinar 24 por cento da produção do grão para a produção de
etanol, enquanto na safra 2002/2003 só 10 por cento do grão tinha o mesmo fim. Ao analisar
os dados da quantidade de milho produzida nos EUA destinada à produção de etanol, Trostle
(2008) afirma que foram poucos os efeitos no mercado mundial nas décadas de 1980 e 1990.
Oliveira (2008) também aponta que o aumento do milho no mercado internacional,
devido à produção de etanol pelos EUA, causou aumento nos preços do arroz, soja e trigo já
que muitos produtores direcionaram a produção agrícola para o milho.
Segundo Heady & Fan (2008), apesar do forte aumento da produção de milho nos
Estados Unidos destinada à produção de etanol, a indústria americana de biocombustíveis foi
responsável por 70% desse aumento de produção entre os anos de 2004 e 2007. Em 2008, o
anúncio do Departamento de Agricultura de Estados Unidos em incentivar a produção de
etanol com base na utilização de milho é que pressionou ainda mais o preço do grão. Outros
estudos indicam que os biocombustíveis tenham resultado num aumento de 60 a 70% no
preço do milho e ao redor de 40% no preço da soja.
Benjamin & Bigot (2007) identificam os fatores que alteram o equilíbrio entre a oferta
e a demanda por produtos agrícolas no longo prazo, ao analisar commodities como trigo,
milho, sorgo, triticale, arroz, soja e girassol. Os autores utilizam um modelo de equilíbrio
parcial específico para as culturas mencionadas – WEMAC (World Econometric Modeling of
Arable Crops) e identificam que mesmo que os incentivos para produção de biocombustíveis
influenciam significativamente os mercados, há outros fatores que também impactam os
mercados – como o crescimento dos países em desenvolvimento.
Os autores ainda apontam sobre as possíveis conseqüências de um fortalecimento do
mercado mundial de etanol, onde o Brasil é o maior produtor mundial de etanol com a
utilização de cana-de-açúcar e o custo de produção de um litro de etanol com a cana-de-
açúcar seria 50% menor que o produzido nos EUA utilizando o milho.
Matos et al. (2008) analisam a relação da produção de etanol a partir da cana-de-
açúcar no Brasil e a evolução da produção brasileira de grãos. Os autores afirmam não haver
correlação direta da produção de etanol com os preços dos alimentos, pois “o aumento da
20
produção nacional de etanol não resultou em queda na quantidade de grãos produzidos
internamente”.
De La Torre Ugarte & Murphy (2008) apontam que a demanda por bicombustíveis se
intensificou entre 2004/2005, pressionando ainda mais os baixos estoques de grãos e
conseqüentemente os preços entre 2005/2006. Para os autores, há estimativas que variam
desde um pequeno percentual até setenta por cento no “peso” dos biocombustíveis no
aumento dos preços das commodities agrícolas.
Segundo um estudo recente publicado pelo Banco Mundial (2008), 65% da alta no
preço dos alimentos se deve à demanda de matérias-primas para a produção de
biocombustíveis, sendo o milho o principal responsável.
Mitchell (2008) afirma que no ano de 2007, cerca de sete por cento de toda a oferta de
óleos vegetais foi utilizada para a produção de biodiesel e que um terço do aumento dos óleos
vegetais foi devido ao biodiesel. Segundo o autor, enquanto a União Européia elevou suas
importações de 4,4 para 6,9 milhões de toneladas de óleos vegetais entre 2000 e 2007, os
Estados Unidos elevaram suas participações de 1,7 para 2,9 toneladas no mesmo período.
Esses dados nos mostram que os americanos tiveram um aumento percentual superior aos
Europeus, basicamente pela política existente de aumentar o uso dos biocombustíveis. A
produção de etanol de cana-de-açúcar também é analisada por Mitchell (2008), que afirma
que a produção brasileira de etanol não contribuiu de forma significativa para os aumentos
recentes dos preços agrícolas, já que a produção aumentou rapidamente nos últimos anos mas
as exportações de açúcar quase triplicaram desde o ano 2000.
O Brasil destina cerca da metade de sua produção de cana para produzir etanol e a
outra metade para produzir açúcar. Nos últimos anos, a produção de açúcar foi grande o
suficiente para aumentar a produção de 17.1 milhões de toneladas no ano 2000 para 32,1
milhões de toneladas em 2007 e elevar as exportações de 7,7 para 20,6 milhões de toneladas
no mesmo período.
21
4.9. Diminuição dos Estoques Mundiais
A diminuição dos estoques, que tradicionalmente está associada a choques como a
seca ou outro problema climático, pode ter influenciado a volatilidade dos preços. A
diminuição dos estoques pode simplesmente refletir o aumento da demanda ou diminuição da
produção. Os biocombustíveis foram fortemente apontados como a causa da diminuição dos
estoques de milho, enquanto problemas climáticos afetaram mais a produção de trigo.
Heady & Fan (2008) apontam causas que podem ter influenciado a diminuição dos
estoques. Primeiro, apontam os altos estoques e baixos preços até o ano 2000 que levaria à
natural diminuição dos estoques. Segundo, a diminuição dos estoques seria uma estratégia
para aumentar a eficiência das firmas e o próprio estoque de alguns países. Essa razão é difícil
ser apontada como relevante para o aumento dos preços agrícolas.
A OCDE (2006) e o Banco Mundial (2008) prevêem um período de redução nos
estoques mundiais de alimentos em relação aos níveis do início da década. Esses organismos
internacionais estimam que essa redução deverá se estender, no mínimo, até 2017 dependendo
do produto e até aquele ano os preços se manterão elevados, encerrando um período de mais
de 20 anos de comida barata.
Tabela 3 – Estoque Mundial de Cereais (em milhões de toneladas)
ANO 2004 2005 2006 2007 2008* 2009**
TOTAL EM TONELADAS 418.4 470.1 468.8 430.5 444.6 531.5
* Estimativa / ** Previsão
Fonte: FAO
O caso do milho se agravou em função do anúncio do ambicioso plano do governo
americano de produção de biocombustíveis, tendo como base o milho, com o objetivo de
substituir em 20% o consumo de gasolina por etanol derivado do milho em 10 anos. Para
tanto, a oferta de milho deveria aumentar de aproximadamente 30 milhões de toneladas em
2006 para 110 milhões de toneladas em 2016, o que levou os estoques mundiais de milho a
baixarem 15% em comparação à média 2002-06 (Guanziroli, 2008).
22
A FAO considera que uma redução de 17 por cento dos estoques mundiais levaria ao
menor nível já atingido no mundo – o que equivaleria à demanda mundial de dois meses.
Uma das razões para a redução dos estoques estaria relacionada à decisão de 1996 do governo
norte-americano em eliminar as políticas de gestão de estoques existentes desde a década de
30 .
A nova política norte-americana estaria em deixar a cargo do setor privado a
manutenção dos estoques de grãos. Como os Estados Unidos são grandes produtores e
exportadores de diversos produtos agrícolas, tal política contribuiu para influenciar os níveis
de estoque e de preços em todo o mundo. Assim como os Estados Unidos, a União Européia
também abandonou a manutenção de estoques como uma ferramenta de política agrícola e
essa orientação foi dada pelo Banco Mundial e FMI aos países menos desenvolvidos.
Segundo De La Torre Ugarte & Murphy (2008) essa política insistia no fato da
globalização ser benéfica ao reduzir as necessidades dos países manterem estoques, já que
sempre haveria oferta em algum país do mundo. Na prática houve mudanças na agricultura
como no setor industrial, que passou a trabalhar com a quantidade necessária de insumos para
produzir e reduzir custos com esses estoques. Segundo os autores, a redução de custos através
de menores estoques não foi suficiente para elevar significativamente os preços agrícolas,
pelo fato do menor nível de estoque dos últimos 25 anos não ter levado à imediata alta dos
preços.
Mitchell (2008) acredita que de 35 a 40 por cento do aumento das commodities
agrícolas teve como causa a combinação dos altos preços do petróleo, fertilizantes e custos de
transporte e da moeda americana. Esses fatores seriam responsáveis por 25-30 por centro do
total do aumento dos preços, enquanto os restantes 70-75 por cento teriam como causa os
bicombustíveis, menor nível dos estoques, substituição de culturas cultivadas, especulação
financeira e entraves às exportações.
23
5. DESAFIOS AO AUMENTO DOS PREÇOS DOS ALIMENTOS
No final de 2007 a FAO fez um alerta sobre a necessidade de medidas urgentes para
proteger as populações pobres diante do aumento dos preços dos alimentos. O documento da
FAO ressalta que a segurança alimentar está sendo adversamente afetada pela escalada dos
preços dos alimentos básicos decorrente de estoques baixos devido às secas, inundações,
mudanças climáticas, preço elevado do petróleo e demanda crescente para biocombustíveis
(FAO, 2007).
A segurança alimentar era compreendida como uma questão de disponibilidade
insuficiente de alimentos, principalmente nos países pobres, incapazes de produzir a
quantidade necessária. Segundo Valente et al (2007), para enfrentar esse problema foram
adotadas duas estratégias: assistência alimentar a partir dos excedentes dos países ricos e
indução da Revolução Verde, para aumentar a produtividade das lavouras com o emprego de
novas variedades e uso intensivo de insumos químicos. Foi essa Revolução Verde que
proporcionou ganhos de produtividade, gerando excedentes, aumento dos estoques e
diminuição de preços, mas não diminuiu o número de famintos do mundo, até porque a
mudança tecnológica na agricultura induziu o êxodo rural com graves conseqüências sociais e
econômicas.
A insegurança alimentar só foi reconhecida no final dos anos 80 e não tinha origem na
oferta, mas na pobreza que inviabilizava o acesso aos alimentos. Foi nessa década que o
conceito passou a envolver também os aspectos nutricionais e sanitários, passando a ser
denominada segurança alimentar e nutricional. Chegou-se, então, ao conceito de segurança
alimentar caracterizada pela situação em que todos têm acesso físico e econômico à
alimentação adequada, sem risco de desabastecimento.
Essa definição envolve três aspectos: disponibilidade, estabilidade e acesso.
Disponibilidade significa que, em média, a oferta de alimentos é suficiente para atender às
necessidades de consumo de toda a população. Estabilidade refere-se à probabilidade mínima
de que o consumo de alimentos possa cair abaixo do nível adequado de abastecimento, como
resultado de variações da oferta. Acesso está relacionado à capacidade de produzir ou
24
comprar os alimentos necessários, dado que, mesmo em presença de abundância e
estabilidade da oferta, muitos podem passar fome por insuficiência de recursos.
Se por um lado o aumento dos preços das principais commodities agrícolas eleva a
inflação e trás preocupação aos governantes, por outro o agricultor poderia se beneficiar da
alta dos preços e se beneficiar com uma maior renda. A parte negativa da história é que nem
todos os preços de produtos agrícolas subiram no ritmo e proporção do arroz, milho, trigo e
também da soja. Além disso, o preço dos insumos agrícolas disparou para níveis nunca antes
vistos. O fosfato, matéria-prima básica para a produção de fertilizantes, subiu 149,7% no
mercado internacional no comparativo do primeiro trimestre de 2008 com o mesmo período
do ano anterior. Essa alta superou em muito o petróleo, que teve um aumento de cerca de 60
por cento no mesmo período. Outros insumos também aumentaram como o preço das
sementes, da mão-de-obra e das máquinas agrícolas.
Segundo o Banco Mundial (2008), o aumento dos preços não será pontual, devendo os
países encontrar meios de aumentar a produção de alimentos e proteger as camadas da
população mais pobres. Se um país é importador líquido de alimentos, sua população será
mais afetada pelos aumentos dos preços, já que a maior parte de suas rendas é destinada à
aquisição de alimentos, o que leva a uma redução da renda e conseqüentemente afetando a
saúde das camadas mais necessitadas.
Outro ponto é que o aumento dos preços pode criar conseqüências negativas até para
os países exportadores líquidos de alimentos, que pode ter uma redução em sua balança
comercial, dependendo da composição dos produtos que importam e exportam.
25
6. OPORTUNIDADES PARA O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
6.1 Importância Econômico-Social do Agronegócio Brasileiro
No aspecto social, a agricultura é o setor econômico que mais ocupa mão-de-obra, ao
redor de 17 milhões de pessoas, que somados a 10 milhões dos demais componentes do
agronegócio, representa 27 milhões de pessoas no total (37% dos empregos brasileiros). A
agricultura também ocupa mais mão-de-obra em relação ao valor de produção: para cada R$ 1
milhão de produção, o número de ocupados, em 1995, era de 182 para a agropecuária, 25 para
a extração mineral, 38 para a construção civil. (Scolari, 2005).
Segundo a Confederação Nacional da Agricultura – CNA (2006), o agronegócio é o
maior negócio mundial e brasileiro. No mundo, representa a geração de U$ 6,5 trilhões/ano e,
no Brasil, em torno de R$ 350 bilhões. O agronegócio é responsável por 33% do Produto
Interno Bruto (PIB) e 42% das exportações totais, segundo a CNA (2006). A maior parte
deste montante refere-se a negócios fora das porteiras, abrangendo o suprimento de insumos,
o beneficiamento/processamento das matérias-primas e a distribuição dos produtos.
No contexto da recente crise mundial, o agronegócio minimizou os desequilíbrios das
contas externas do Brasil, contribuindo para saldos comerciais positivos (Tabela 4).
Tabela 4 – Balança comercial do agronegócio brasileiro (US$ milhões)
Ano Exportações Importações Saldo
2000 US$ 20,6 US$ 5,7 US$ 14,8
2001 US$ 23,8 US$ 4,8 US$ 19,0
2002 US$ 24,8 US$ 4,4 US$ 20,3
2003 US$ 30,6 US$ 4,7 US$ 25,8
2004 US$ 39,0 US$ 4,8 US$ 34,1
2005 US$ 43,6 US$ 5,1 US$ 38,5
2006 US$ 49,5 US$ 6,7 US$ 42,8
2007 US$ 58,4 US$ 8,7 US$ 49,7
2008 US$ 71,8 US$ 11,8 US$ 59,9
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
26
6.2 Disponibilidade de Terras no Brasil
Na maioria dos países grande parte das florestas já foi derrubada e praticamente não
existem mais áreas de reserva para serem utilizadas na expansão da fronteira agrícola. Em
vários países asiáticos e africanos, onde existe uma demanda reprimida muito grande por
alimentos, a oferta de terras apropriadas para cultivos é baixa. Em muitas situações, já houve
enorme degradação e o saldo ambiental é uma enorme poluição de resíduos e rejeitos
ambientais. A capacidade de absorção e de regeneração do meio ambiente (também chamada
de resiliência) pode estar seriamente comprometida, pois é muito difícil controlar a
degradação ambiental em países de baixa renda e com forte crescimento populacional.
Segundo Matos et al., (2008), o Brasil possui uma área total de terras de 835,5 milhões
de hectares dos quais 284,2 milhões (34% da área total) são utilizados para a agricultura. Para
efeito de comparação, outros grandes produtores mundiais como a China e Estados Unidos
utilizam um percentual maior de suas áreas totais. A China destina 59% de toda sua área
(932,7 milhões) para a agricultura, enquanto os Estados Unidos utilizam 45% da área total
(915,9 milhões) para a agricultura.
O Brasil possui o potencial para se consolidar como o maior país agrícola do mundo,
devido à disponibilidade de terras aráveis. Dessa forma, a produção agrícola brasileira (grãos,
frutas e cana-de-açúcar) está presente em 62,9 milhões de hectares, ainda disponíveis 330,8
milhões de hectares de pastagens e terras não utilizadas (Matos et al., 2008).
Segundo Scolari (2005), em 1961 a agricultura utilizava 4,5 bilhões de hectares, o que
representava 34,5% da área total mundial de terras de 13,0 bilhões de hectares. No ano 2000,
5,0 bilhões que hectares eram utilizados na agricultura, equivalendo a 38,3% de toda a área.
Por sua vez, Borlaug (1997) estimou que 1,3 bilhão de hectares não cultivados no mundo
poderiam ser destinados ao uso da agricultura. Para o autor, a América do Sul teria
disponíveis 50% da área total, principalmente nos cerrados do Brasil, Colômbia e Venezuela e
44,6% estariam na África.
Sem dúvida, o Brasil seria o país com maior possibilidade de tanto aumentar sua área
agrícola como obter significativos ganhos de produtividade, enquanto em outros países a
27
tecnologia disponível e as condições de produção (logística, infra-estrutura, mão de obra, etc)
ainda não são adequadas. Segundo Scolari (2005), os países desenvolvidos estariam limitados
tanto na expansão da fronteira agrícola quanto na tecnologia disponível, além de nesses países
a alimentação representar uma parcela pequena da renda da população.
Para Scolari (2005) seria possível o Brasil incorporar mais 45,9 milhões de hectares ao
processo produtivo de modo sustentável, aumentando a área de terras protegidas e as áreas de
florestas. Tal incorporação aumentaria a área total da agricultura para 321 milhões de
hectares, ocupando menos de 39% da área total de terras no país.
Segundo o mais recente estudo realizado pelo WWF Brasil (2009), há no país pelo
menos 70,8 milhões de hectares que podem ser destinados à exploração agrícola sem que os
produtores avancem no bioma amazônico ou firam a atual legislação que protege o que restou
do cerrado brasileiro. A área calculada é um pouco menor do que as estimativas de 90 milhões
ou 100 milhões de hectares que circulam em eventos ligados ao agronegócio. Para o WWF
Brasil boa parte da área potencial estimada é formada por pastos degradados localizados em
regiões agrícolas já consolidadas (16,1 milhões de hectares), e a mudança de perfil depende
de uma política de incentivos inexistente no Brasil.
6.3 Capacidade de Produção e Ganhos de Produtividade no Brasil
Ao comparar a produção de cereais no mundo entre os anos de 1965 e 2005, Scolari
(2005) apresenta números interessantes. Em 1965 a produção mundial de cereais foi de 1.019
bilhões de toneladas em uma área colhida de 682.9 milhões de hectares, o que resulta em uma
produtividade media de 1.493 kg/ha. No ano de 2005, com uma população 93% maior que 40
anos atrás, a área colhida foi de 681.7 milhões de hectares e uma produção de 2.219,4 bilhões
de toneladas, resultando numa produtividade media de 3.255 kg/ha.
O aumento de produtividade nos últimos 40 anos se deu em grande parte devido à
disponibilidade de recursos naturais (terra e clima), insumos de melhor qualidade (sementes
fiscalizadas, fertilizantes, defensivos, etc.) e mão de obra barata e abundante.
A produção agrícola brasileira apresentou tendência de crescimento linear ao longo
dos anos, passando de 57,90 milhões de toneladas em 1990/91 para 143,28 milhões nas
28
projeções da safra 2007/08, evolução de 147,46%. Já a área plantada apresentou oscilações no
período analisado, mostrando um crescimento de 24,29%, o que revela o incremento da
produtividade agrícola no Brasil nas últimas décadas. Em 1961, a produtividade média era de
389 kg/ha., em 1980 era de 478 kg/ha., em 1990 era de 636 kg/ha. e em 2004 era de 785
kg/ha. Segundo Matos et al (2008), houve uma estabilidade ou até mesmo um pequeno
declínio na produção per capita.
Um exemplo do potencial produtivo brasileiro a ser destacado é o avanço da
agricultura no cerrado do Centro Oeste brasileiro. Considerado por muito tempo como um
bioma de solos pobres e vegetação sem valor comercial, o cerrado passou a ganhar
importância a partir da década de 1970, época em que passou a ser considerado uma
possibilidade de expansão de fronteira agrícola, mas que apresentava empecilhos que exigiam
estudo e investimos para elevar sua produtividade. A nova fronteira do cerrado foi possível
graças ao uso de fertilizantes e a utilização da calagem e do gesso agrícola. (WWF, 2009)
De acordo com Gasques et al. (2004), o Brasil é o país que possui a maior
produtividade mundial na agropecuária. Comparado com os Estados Unidos, a China e outros
países, o Brasil poderia ampliar a produção sem expandir a área plantada, aumentar o uso de
insumos ou elevar o emprego de mão de obra. Uma das conclusões do estudo é de que o
agricultor executa cada vez mais tarefas e serviços em menos tempo (produtividade da mão de
obra) e mostra que esse foi o item com a maior taxa de desenvolvimento médio anual desde
1975, 4,09%. Segundo os autores, no ranking das taxas de produtividade, o segundo maior
índice é o da terra (3,55% ao ano), em terceiro lugar fica com o capital aplicado (3,37%) -
indicador de que a mesma quantidade de recursos, máquinas e equipamentos pode fazer mais
por uma área a cada ano que passa. Nos últimos 33 anos, o produto agropecuário (tudo que a
agricultura e a pecuária produzem em um ano) cresceu a uma taxa média anual de 3,68%. Em
contrapartida, o índice que mede a expansão de insumos teve variação de 0,01% e, o de uso
das terras, 0,12% no período.
O estudo de Gasques et al. (2004) evidencia que a mecanização no campo foi
relevante, mas não foi determinante para uma produtividade maior que a de outros países. O
fator crucial que proporcionou um salto nos resultados foi melhoramento genético de plantas e
animais, permitindo aumento expressivo de toneladas por hectare.
29
A mesa farta dos brasileiros é conseqüência direta da alta produtividade no campo. À
medida que o produtor consegue obter, com menos custo, maiores níveis de produtividade,
aumenta a oferta de alimentos diminuindo a pressão nos preços ou escassez de produtos.
6.4. Desenvolvimento Tecnológico Atual
Sem nenhuma sobra de dúvidas as inovações tecnológicas foram as principais
responsáveis pelo desenvolvimento do agronegócio nacional. Além das inovações
tecnológicas ocorridas na maquinaria agrícola, houve evolução no consumo de calcário,
fertilizantes e insumos químicos (principalmente nos produtos fitossanitários), nas praticas
culturais de manejo das lavouras e na utilização de novos materiais genéticos, mais produtivos
e mais resistentes ao ataque de pragas e doenças.
Os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento agropecuário do país coordenado pela
Embrapa são à base do sucesso da produção agrícola brasileira. A incorporação efetiva da
região dos cerrados para a produção de grãos e carne, só foi possível a partir das inovações
tecnológicas geradas a partir de 1980. Os programas de melhoramento genético das principais
instituições de ciência e tecnologia do país tiveram sucesso e conseguiram disponibilizar
novas variedades mais produtivas para todas as culturas importantes e para todas as regiões
produtoras.
Segundo Scolari (2005), o Brasil é que o país dispõe de moderna legislação sobre a
geração, proteção, registro, certificação, produção e comercialização de sementes e mudas,
um eficiente sistema de produção e comercialização de sementes básicas e certificadas e uma
entidade de classe representada pela ABRASEM. O autor ainda destaca a boa capacidade
instalada de fabricação de equipamentos agrícolas no país, e que está se tornando um grande
centro mundial de produção e exportação, atendendo toda a demanda interna e ainda gerando
excedentes para exportar.
30
7. DESAFIOS PARA O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
7.1. Capacidade de Inovação Tecnológica
O mundo é um espaço econômico global e muito competitivo, onde a revolução
tecnológica é permanente e contínua, com descobertas científicas e avanços tecnológicos
acelerados e significativos, com novos métodos de produção e novos produtos, com muitas
cadeias produtivas integradas. Os países mais desenvolvidos são líderes na geração de
conhecimento e no processo de inovação de produtos de alta tecnologia, reservando aos
demais países um papel secundário. Neste ranking, o Brasil está numa posição intermediária,
ocupando a 27ª posição (2003) na exportação mundial de produtos de alta tecnologia (Scolari,
2005).
Nos países mais desenvolvidos os investimentos em ciência, tecnologia e inovação são
elevados, representam uma parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB), existe um
arcabouço legal adequado e modelos de gestão proativos, com forte participação de recursos
do estado na geração de novos conhecimentos, expressiva participação do setor privado
principalmente na inovação tecnológica, predomina uma cultura empresarial moderna e
empreendedora e existe um forte mercado de tecnologias.
Segundo a ANPEI (2005), o Brasil é responsável por 1,9% do PIB mundial e por 1,7%
da produção científica mundial, mas é detentor de apenas 0,2% das patentes. Somente um
pequeno percentual da ciência produzida é transformado em patentes e/ou pedidos de patentes
e ocorre uma grande concentração de cientistas nas universidades e/ou nos institutos públicos.
Além disso, o país investe pouco em Pesquisa e Desenvolvimento (P & D): o setor público
investe 0,6% do PIB em P & D e as empresas privadas investem 0,4% do PIB, percentual
muito menor do que ocorre nas empresas privadas em países como Coréia (1,9%) e Estados
Unidos (1,8%) e o setor público investe um pouco mais, 0,6% do PIB. A produção científica
nacional cresce 8% ao ano, a produção científica na agricultura é uma das maiores no mundo,
a formação de doutores evolui a 14% ao ano, mas a taxa de inovação tecnológica na indústria
brasileira não chega a 1% ao ano. O “gap tecnológico” em alguns setores da economia tem
aumentado em que pese os fortes investimentos feitos recentemente na importação de
tecnologias.
31
Segundo Scolari (2005), em 2005 o Brasil caiu oito posições no ranking internacional
de competitividade (GCI) com relação à 2004, ficando em 65º lugar no mundo, sendo o 5º
país no ranking latino americano. Nos sub-índices verifica-se o baixo desempenho em
inovação, com o 50º lugar em tecnologia; ficou ainda pior em instituições públicas na 70ª
posição e em ambiente macroeconômico em 79º lugar.
Gasques et al. (2004) estimaram que na produtividade total na agricultura brasileira o
papel da pesquisa é muito mais importante do que o papel do crédito. Os impactos gerados
pelos lançamentos de cultivares da Embrapa (algodão, arroz, feijão, milho, soja e trigo) foram
estimados e o excedente econômico encontrado foi de R$ 5,7 bilhões, o que gera um valor
agregado de quase R$ 12 bilhões. Igualmente importantes são os serviços de extensão rural e
assistência técnica.
7.2. Deficiências de Infra-estrutura
Embora o Brasil seja líder mundial na produção de diversas commodities agrícolas,
existem sérios riscos de o país sofrer um pesado revés se os problemas relacionados à infra-
estrutura logística não forem solucionados. O agronegócio é justamente o que mais sofre com
a ineficiência dos canais de transporte, cujas deficiências são responsáveis por prejuízo
correspondente a 16% do PIB, segundo estudo do Centro de Estudos de Logística da
Universidade do Rio de Janeiro. Segundo a Confederação Nacional dos Transportes – CNT
(2003) há 80 anos, o País conta com a praticamente a mesma malha ferroviária; pequena
parcela (apenas cerca de 10%) das rodovias seria, segundo essa fonte, pavimentadas, e destas,
a maioria (mais de 80%) estaria em precário estado de conservação.
Este conjunto de dificuldades impõe aos exportadores brasileiros custos adicionais e
reduzem a competitividade. Os custos médios de transporte nos Estados Unidos (maior uso de
ferrovias e hidrovias) e na Argentina (menores distâncias rodoviárias), nossos maiores
concorrentes, são menores em 24 dólares por tonelada de soja e derivados exportados. Em
2003 as exportações do complexo soja alcançaram 35.978 mil t, significando custos
adicionais de 860 milhões de dólares (Scolari, 2005).
32
Segundo Caixeta (2006) o transporte rodoviário representa 60% das cargas, 20% são
ferroviários e 15% hidroviário, existindo 160.000 km de rodovias pavimentadas contra apenas
30.000 de ferrovias. Mesmo assim a densidade é muito baixa, 19 km de rodovias por 1.000
km quadrado versus 397 km nos EUA e 1.491 km na França. Isto faz com que seja necessária
a utilização do modal rodoviário para o transporte de grande parte da produção de soja
brasileira, mesmo quando se trata de longas distâncias. O problema desta predominância
também se dá pelo baixo aproveitamento de transportes mais baratos e maiores custos de
transporte.
As principais rodovias de escoamento da produção sempre estão em estado precário de
conservação e muitos trechos rodoviários são quase intransitáveis na época das chuvas. Os
maiores gargalos ocorrem na região centro-oeste, principalmente nas rodovias secundárias de
acesso às zonas de produção onde quase todos os trechos não são pavimentados. As estradas
federais administradas pela União são na sua maioria considerada deficientes, existe
insegurança no transporte rodoviário, com elevado número de acidentes, a frota já está
ficando obsoleta, a regulação é deficiente, as regras de acesso a atividade são limitadas e a
fiscalização rodoviária é precária.
A malha ferroviária de transporte de carga agrícola é velha, obsoleta, mal conservada e
extremamente limitada. Existem poucos trechos ferroviários operacionais, não existem ramais
secundários nem infra-estrutura de transbordo de carga seca nas principais zonas produtoras.
Existem numerosos pontos críticos nas linhas principalmente nos centros urbanos e
interligação deficiente com zonas portuárias, resultando em tempo de trânsito muito elevado e
baixa capacidade operacional. Não existe disponibilidade nem de locomotivas nem de vagões
ferroviários adicionais, devido à demanda de outros setores como siderurgia, cimento,
celulose e papel, ferro gusa e químicos derivados do petróleo. Já as hidrovias, embora sejam o
meio mais barato de transporte, são pouco utilizadas e quase inexistentes.
Os portos brasileiros são antigos, mal dimensionados, mal equipados, obsoletos, mal
localizados, de difícil acesso, pouco operacionais e caros. Embora a privatização tenha
contribuído para a modernização dos portos, o excesso de mão-de-obra é apontado por manter
os padrões de produtividade baixos.
33
No caso de terminais privados, principalmente aqueles especializados em grãos,
podem ser considerados relativamente modernos e eficientes, tanto com relação aos
equipamentos quanto com relação à movimentação das cargas. Mas, a gestão portuária como
um todo no Brasil, delegada a estados e municípios, nem sempre pode ser considerada
eficiente, uma vez que muitas vezes atende a interesses políticos em detrimento da eficácia e
eficiência.
7.3. Baixa Agregação de Valor
Como já explicitado anteriormente, os produtos do agronegócio são responsáveis por
uma parcela importante na formação do PIB, os mesmos estão altamente concentrados na
exportação de produtos de baixo valor agregado como café, soja em grão, torta e óleo de soja,
madeira, açúcar e carnes.
Segundo Scolari (2005), nas exportações nacionais de 2004, esses itens participaram
com US$ 52,05 bilhões, equivalente a 53,8 % do total das exportações. Em termos de
participação percentual, os produtos básicos responderam por 29%, os semimanufaturados por
14% e os manufaturados por 55%. Segundo o autor, no período 1970/1995 os preços dos
produtores alimentares básicos, aí incluídos soja e carne, tiveram em média uma redução
anual nos preços pagos pelos consumidores de 5,25% - que para manter a renda dos
produtores seria necessários aumentos de produtividade, sem aumentos nos custos de
produção.
O autor aponta que a agregação de valor na produção poderia ser por meio de produtos
diferenciados e que tivessem uma marca comercial forte. A criação de "selos verdes" e "selos
sociais", acoplados a marcas fortes pode ser uma forma de comercializar em mercados
específicos, como o café da Colômbia, o azeite de oliva da Espanha, o presunto de Parma, o
chocolate da Suíça, o frango do Brasil. Por exemplo, uma tonelada de trigo exportada pode
ser comercializada por menos de 200 dólares enquanto que uma tonelada de trigo na forma de
massas prontas ou biscoitos pode alcançar mais de 1.500 dólares. Da mesma forma, é mais
interessante para o país não exportar soja em grão e exportar farelo e óleo de soja, agregando
valor no processamento industrial dentro do país.
34
7.4 Tributações Elevadas
Outro obstáculo ao desenvolvimento pleno do agronegócio está relacionado ao sistema
tributário. Na política tributária o Brasil possui mais de 30 modalidades de impostos federais,
estaduais e municipais, que incidem sobre bens e serviços, sobre a renda, sobre a propriedade,
sobre o comércio exterior e sobre a folha de pagamento de pessoal, que elevam a carga
tributária total para 36 a 38% (Scolari, 2005).
A elevada carga tributária onera substancialmente o custo de produção do
agronegócio, reduz a competitividade do país no comércio internacional, é muito complexo e
complicado e qualquer tentativa de modificação gera conflitos políticos entre estados,
governo e empresários.
Com uma economia aberta ao exterior, isto é, com possibilidade de exportar e
importar qualquer produto do agronegócio, a carga tributária deveria ser compatível com a
dos nossos competidores. Como os concorrentes brasileiros, inclusive no Mercosul, têm
impostos baixos, fica difícil ao produtor do Brasil competir nos mercados externos e às vezes
no próprio mercado interno porque os produtos importados chegam mais baratos.
7.5. Pouca Integração das Cadeias Produtivas
Ainda predomina no país uma visão tradicional da agricultura, entendida como um
setor fornecedor de matérias primas para o setor industrial e não como um setor integrante de
um segmento mais amplo e parceiro importante no processo de transformação e agregação de
valor dos produtos do agronegócio. Algumas cadeias produtivas servem de exemplo por
possuírem certa integração, como carne de aves, carne de suínos e tabaco, onde o segmento
industrial assume certas responsabilidades, garantindo a compra dos produtos (aves, suínos e
fumo) e o fornecimento de insumos sob relações contratuais.
Segundo Scolari (2005), quando integradas, as cadeias produtivas podem ser mais
eficazes e mais eficientes, aproveitando melhor os recursos físicos, humanos e financeiros em
várias etapas de produção e processamento. A integração além de reduzir custos de produção,
pode auxiliar na padronização, classificação e rastreabilidade de muitos produtos, facilitando
35
sobremaneira a certificação de processos produtivos e ajudar a criar diferenciais de mercado
para vários produtos.
Para expandir no comércio internacional principalmente de commodities
agropecuárias, é necessário existir cultura empresarial com visão estratégica de cadeias
produtivas integradas globalmente (suprimento, produção, processamento, distribuição e
consumo), alterando a visão do setor agrícola como um setor de fornecimento de produtos
primários para os demais setores da economia.
7.6 A questão social no campo
Apesar dos avanços econômicos obtidos por meio do agronegócio, ainda existe uma
série de problemas sociais no interior do país e em regiões rurais que esses avanços não
conseguiram equacionar. Existe um consenso de que não é possível a redução da pobreza sem
um vigoroso e sustentado crescimento macroeconômico por longos períodos de tempo.
Mas os resultados em termos de redução da pobreza só se fazem sentir em médio
prazo e desde que acompanhados de políticas micro-econômicas e políticas sociais
específicas. No curto prazo a saída pode ser um programa racional e objetivo de reforma das
estruturas produtivas no campo, com o redesenho das escalas de produção e dos produtos
gerados pela agricultura das pequenas e média propriedades rurais, conjuntamente com o
estabelecimento de políticas sociais específicas, para a educação e profissionalização dos
trabalhadores da zona rural, visando criar novas oportunidades de renda e emprego fora da
atividade primária de produção. A ação dos movimentos sociais em prol da reforma agrária,
de forte cunho ideológico, deve continuar existindo. Mas, à medida que houver um
crescimento econômico sustentado, com a criação de novos empregos nas cidades, a
tendência é de diminuição do número de pessoas envolvidas nos acampamentos e
manifestações, onde parcela significativa dos atores envolvidos é de desempregados urbanos.
36
8. CONCLUSÕES
A importância do agronegócio na economia brasileira e a posição que ele chegou ao
cenário mundial atual são indiscutíveis. O Brasil é um importante exportador de alimentos,
com tendência de se manter firme nesse mercado no futuro – a participação de suas
exportações agrícolas no comércio mundial é quase o dobro da verificada no início da década
de 1990, enquanto a participação dos demais produtos tem mostrado certo declínio.
Os significativos aumentos de preços das commodities agrícolas levaram alguns
produtos a atingirem picos históricos em 2008, resultando em uma crise nos preços dos
alimentos numa época em que o mundo se beneficiava de alimentos a preços acessíveis. A
atual revolução verde praticamente já esgotou o seu arsenal de tecnologias e um novo padrão
produtivo está longe de garantir a sua nova gestação. Necessariamente, um novo salto na
produção terá que vir acompanhado de aumentos de área cultivada, o que leva certo tempo até
acontecer, e nos avanços da biotecnologia – que possibilitará grandes avanços na
produtividade brasileira.
No presente trabalho identificamos as principais razões que levaram ao aumento dos
preços das commodities agrícolas nos últimos anos. Diversos fatores contribuíram para esses
aumentos de preços, como a diminuição do crescimento da produção agrícola e o aumento da
demanda, principalmente pelos países em desenvolvimento, desde o fim da década de 1990.
Outros fatores pressionaram os mercados mais intensamente nos últimos dois anos, como a
maior procura por biocombustíveis, condições climáticas adversas, a desvalorização da moeda
americana, o aumento do preço do petróleo e a diminuição dos estoques mundiais.
Concluímos que o maior responsável pelo aumento dos preços foi o estímulo à produção de
biocombustíveis a partir da utilização de grãos.
Os produtores brasileiros se beneficiaram dessa escalada de preços pelo país ser um
grande exportador de alimentos, mas isso não significa que goze de uma situação de
segurança e menos ainda de soberania alimentar. Uma das conseqüências da crise é uma
possível redução da produção agrícola mundial devido aos altos preços dos insumos
(principalmente fertilizantes e combustíveis) em 2008. Os produtores foram obrigados a
37
diminuir a área plantada ou utilizar menores quantidades de adubos, o que resultará numa
menor produtividade de suas lavouras.
Devido às reviravoltas provocadas pela crise financeira global e diante das previsões
de desaceleração econômica, existem fatores que apontam para uma recuperação dos preços
em 2009, outros apontam para a estagnação ou até nova queda. O cenário para 2009 é de
acentuada volatilidade, o que não beneficia nem os consumidores nem produtores e indica que
não estamos no ambiente confortável de excedente de alimentos das décadas de 1980 e 1990.
Atualmente existem indicadores que os fundos de hedge e outros investidores
institucionais de grande porte, voltaram a despejar recursos no mercado agrícola, ajudando a
impulsionar os preços das commodities em meio ao atual enfraquecimento do dólar
americano. Uma repetição da crise dos alimentos do ano passado, quando preços em forte
ascensão desencadearam distúrbios em alguns países, porém, parece improvável. Apesar da
recuperação dos preços agrícolas nos meses recentes, os preços internacionais da maioria das
commodities agrícolas estão abaixo dos auges de 2008, em uma indicação de que muitos
mercados estão retornando lentamente ao equilíbrio. As empresas do setor de alimentos estão
adotando medidas de precaução, construindo posições no mercado futuro de commodities para
se protegerem contra aumentos de preços adicionais.
A produção mundial de grãos deverá ficar abaixo do consumo em 2009/10, mas o
preço do petróleo, que se retraiu no fim de 2008, deve se manter estável ao redor dos US$ 50 –
US$ 70 dólares/barril durante 2009. Esse preço seria um alívio aos produtores agrícolas, que
teriam menores custos de produção e transporte para seus produtos, e um menor incentivo à
produção de biocombustíveis com a utilização de grãos (principalmente milho e soja).
O agronegócio brasileiro vislumbra excelentes oportunidades no futuro, com potencial
significativo de ganhos econômicos e sociais. Alguns pontos fortes devem ser enfatizados: a
existência de milhões de hectares de terra que podem ser incorporados ao processo produtivo,
clima favorável, a existência de recursos humanos qualificados, boa capacidade de gestão na
produção e comercialização e bom nível de desenvolvimento tecnológico da agricultura –
proporcionando ao país se tornar um dos maiores produtores e exportadores mundiais de
alimentos.
38
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