Criativos DADA

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Criativos Edição 1 | Ano 1 | R$ 120,00

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Projeto editorial de revista de arte. Projeto gráfico e diagramação: MárioNeto e Philipe Camarão Ilustrações: Lídia Vidigal

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Criativos

Edição 1 | Ano 1 | R$ 120,00

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Criativos

Lídia VidigalArte da capa

As edições completas das revistas “O Malho” e “Para Todos” publicadas entre 1922 e 1930 - período no qual

eram dirigidas pelo artista gráfico J. Carlos - foram digitalizadas e estão disponíveis para consulta gratuita nos sites Memória Gráfica Brasileira – MGB – em www.

memoriagraficabrasileira.org e J. Carlos em Revista, em www.jotacarlos.org.

Lançados 25 de março, no Paço Imperial, no Rio, os sites são, junto com dois livros sobre J. Carlos e sua obra, resultado de quatro anos de trabalho do projeto Memória Gráfica Brasileira, coordenado pela designer, fotógrafa e professora da PUC-Rio Julieta Sobral. Ela é autora de um

dos livros, “O desenhista invisível”. O outro, “O vidente míope”, do historiador Luiz Antonio Simas, foi.

Lançados 25 de março, no Paço Imperial, no Rio, os sites são, junto com dois livros sobre J. Carlos e sua obra, resultado de quatro anos de trabalho do projeto Memória Gráfica Brasileira, coordenado pela designer, fotógrafa e

professora da PUC-Rio Julieta Sobral.

J. Carlos e a memória gráfi ca brasileira

O artista que audou a elejer Obama

O homem que reinventou a roda

Em primeira plano

a cara do futuro

Memórias da Revista Senhor

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Sumário

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criativosdada.blogspot.com

Conheça todo o processo criativo desta

edição através do nosso blog

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As edições completas das revistas “O Malho” e “Para Todos” publicadas entre 1922 e 1930 - período no

qual eram dirigidas pelo artista gráfico J. Carlos - foram digitalizadas e estão disponíveis para consulta gratuita nos sites Memória Gráfica Brasileira – MGB – em www.memoriagraficabrasileira.org e J. Carlos em Revista, em www.jotacarlos.org.

Lançados 25 de março, no Paço Imperial, no Rio, os sites são, junto com dois livros sobre J. Carlos e sua obra, resultado de quatro anos de trabalho do projeto Memória Gráfica Brasileira, coordenado pela designer, fotógrafa e professora da PUC-Rio Julieta Sobral. Ela é autora de um dos livros, “O desenhista invisível”. O outro, “O vidente míope”, do historiador Luiz Antonio Simas, foi

J. Carlos e a memória gráfi ca brasileiraRevistas “O Malho” e “Para Todos” publicadas entre 1922 e 1930 podem ser folheadas na tela. Digitalizado em alta resolução, material inaugura o acervo online do projeto Memória Gráfi ca Brasileira

Por Suzana Barbosa

organizado pelo caricaturista Cássio Loredano, parceiro no projeto. Ambos são das Editoras Folha Seca.

Nove anos de revistas, 58 mil páginas

Julieta pesquisava sobre a atuação na imprensa brasileira do caricaturista e – por que não dizer? – designer

gráfico J. Carlos para sua dissertação de mestrado em 2004 quando nasceu a idéia do projeto Memória Gráfica Brasileira. Ao deparar-se com exemplares das revistas “O Malho” e “Para Todos”, consideradas marcos da imprensa brasileira, em péssimo estado de conservação, com a ajuda de Loredano e patrocínio do Programa Petrobrás Cultural, ela deu

início à digitalização de mais de 58 mil páginas das revistas editadas nos nove anos em que J. Carlos esteve à frente da direção das revistas.

“O Malho” era um veículo de humor, “iconoclasta de nascença” – como se afirma na primeira edição de setembro de 1902 – e sua especialidade era satirizar fatos políticos. Já a “Para Todos”, de 1919, no início, dedicava-se à publicação de contos e poesias.

Julieta conta que volta e meia recebe trabalhos de seus alunos baseados na obra do caricaturista, sem necessariamente copiá-lo ou a seu estilo. “É muito gratificante ver essa garotada de 17, 18 anos descobrindo e se encantando com a obra dele que é considerado referência no campo da produção gráfica nacional. Meu maior presente é descobrir na obra de J. Carlos um luxo que é nosso, valorizando os nossos personagens e não jogando-os para debaixo do tapete, como muitas vezes, costumamos fazer.”

Nós também agradecemos o presente, Julieta.

Ilustração da capa da Revista “Para todos” de 1927

História

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Em seu embate para chegar à Casa Branca, antes de ser consagrado pelo voto como o próximo presidente dos Estados

Unidos, o candidato democrata Barack Obama recebeu um inesperado reforço de marketing eleitoral. Um pôster com o seu retrato traçado nas cores vermelha, azul e branca (as mesmas da bandeira americana), o semblante firme e sereno com o olhar levemente lançado acima do horizonte — comparado por alguns à célebre mirada de Che Guevara imortalizada pelo fotógrafo Alberto Korda —, tornou-se imagem onipresente de sua campanha, a mais divulgada no país e utilizada até mesmo no exterior. A peça de propaganda não foi produzida por uma grande agência de publicidade nem encomendada pelos marqueteiros oficiais de Obama, mas uma criação espontânea do artista gráfico Shepard Fairey, que viu sua popularidade — e seu valor artístico — crescer com a de seu candidato.

Lançados em apenas 350 cópias, os cartazes se esgotaram em minutos e proliferaram ad infinitum pela internet. O sucesso levou a campanha oficial a

O Artista que Ajudou a Eleger Obama

Ele já chegou a ser detido algumas vezes por ações ilegais de grafi te. Hoje, Shepard Fairey é o autor do retrato mais divulgado ao longo da campanha do próximo presidente dos Estados Unidos e, aos poucos, sai das ruas e entra nas galerias e nos museus

Por Fernando Eichenberg

abraçar a iniciativa do cabo eleitoral grafiteiro e a endossar sua obra, sem resistir a dar seus palpites. A pedido dos conselheiros de Obama, a palavra “Progress”, legenda do pôster original, foi substituída por “Hope” e “Change”, leitmotiv do discurso do candidato democrata. Etiqueta e estratégia política obligent. Fairey foi brindado com uma correspondência assinada pelo próprio Barack Obama: “As mensagens políticas implicadas no seu trabalho têm encorajado os americanos a acreditar que podem contribuir para mudar o status quo. As suas imagens têm um profundo efeito sobre as pessoas, sejam vistas numa galeria ou num semáforo. Tenho o privilégio de fazer parte do seu trabalho artístico e estou orgulhoso de ter o seu apoio”.

Nascido em 1970, em Charleston, na Carolina do Sul, Frank Shepard Fairey se quer um representante da street art, um artista urbano que já foi detido uma quinzena de vezes pela polícia por ações ilegais de grafite, o chamado bombing, em muros de cidades americanas (em uma das vezes, foi preso no Japão). “Quando fiz 14 anos, em 14 de fevereiro

de 1984, ganhei um skate. Meus pais achavam que skates eram para os brigões, e acho que tinham razão”, contou certa vez. O skate e o punk-rock de The Clash, Sex Pistols e The Dead Kennedys forjaram, na sua adolescência, os contornos de sua cultura de street art.

Seu anonimato foi definitivamente perdido por acaso. Em 1989, trabalhava em uma loja de skates em Providence para poder pagar os estudos na reputada Rhode Island School of Design, que acolheu alunos como David Byrne e Gus Van Sant. Como ele próprio confessa, pirateava tudo o que podia, fabricava t-shirts de grupos de rock e adesivos em série. Numa noite, ao folhear uma revista à procura de uma imagem para ensinar a um amigo como fazer um modelo, se deparou com o retrato de André The Giant (1946-1993), francês lutador profissional de vale-tudo nos Estados Unidos. Na hora, fez uma adesivo com o rosto do personagem acrescido da frase “André has a posse” (André tem uma gangue). Em pouco tempo, sua brincadeira estava espalhada e copiada por todo o lado, repercutindo em conversas de rua e mesmo em artigos na imprensa.

Atitude

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Os adesivos viraram cartazes, impressos com a palavra “Obey” (obedeça), que se tornou sua marca registrada, literalmente:

Obey Giant Art Inc. Sua guerrilha artística nas ruas não trazia nenhuma mensagem objetiva, o que atraiu a curiosidade, mas também gerou irritação nos passantes. Em um manifesto de 1990, definiu suas campanhas como uma “experiência de fenomenologia”, inspirada nas pensatas do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976). “A fenomenologia visa antes de tudo a despertar o sentido do questionamento sobre o que nos rodeia. Os pôsteres Obey tentam estimular a curiosidade e levar as pessoas a questionar ao mesmo tempo o cartaz e a relação que tem com o seu entorno”, escreveu.

Sua iconografia é assumidamente influenciada pelo construtivismo russo de Alexander Rodchenko e dos irmãos Stenberg, pela arte revolucionária chinesa, pela propaganda política totalitária em geral, pela pop art de Andy Warhol, pelos trabalhos de Barbara Kruger, Twist, Bansky, Robbie Conal ou John Van Hamersveld. Críticos o acusam de plágio por usar imagens de outros artistas sem citar a origem. Fairey diz se apropriar de “referências” e arroga como estratégia e humor artísticos o “roubo” de logotipos e o “sequestro” de ícones populares.

Casado e pai de duas filhas, residente em Los Angeles, Fairey se faz cada vez mais raro nas ruas e mais presente nas galerias. Em recentes exposições

em São Francisco e Londres, criações originais suas, das menores às maiores, foram vendidas entre US$ 80 e US$ 85 mil. Suas obras hoje integram o catálogo de prestigiadas coleções como as do New Museum of Design, de Nova York, San Diego Museum of Contemporary Art, Museum of Modern Art, de San Diego, ou Victoria & Albert Museum, de Londres.

O skatista-punk agora é um artista-empresário de sucesso. Fundou a agência de design Studio Number One, criou a grife de roupas Obey, a revista de cultura pop Swindle e a galeria de arte Subliminal Projects. Seus traços são requisitados para capas de CDs de grupos como Led Zeppelin e Smashing Pumpkins, de livros de George Orwell das edições Penguin, para o cartaz do filme Walk the Line (sobre a vida de Johnny Cash) e para publicidades de Wal-Mart, Seven Up ou Volkswagen. Em resposta às frequentes acusações de ter renegado suas origens e se vendido à lógica capitalista, diz ser um Robin Hood da arte, que usa o mercado para continuar divulgando suas mensagens subversivas: “Fazer parte do mundo da arte comercial e compreendê-la é, de certa maneira, como uma infiltração. Porque sempre senti que grande parte do meu trabalho era uma reação à propaganda e uma forma de compreender como a propaganda funciona. Arte e comércio necessitam um do outro. As pessoas falam dessas coisas de um modo preto no branco”.

Mas uma coisa não se pode negar: a street art é reconhecida por contestar, não apoiar o poder. Para pesquisadores americanos, artistas de rua aceitam a propalada vinculação de Obama com a comunidade em parte porque também atribuem ao seu próprio movimento raízes populares: o presidente eleito é visto como alguém que partilha seu ethos. “Não é legal entre os artistas de rua punk, rebeldes, apoiar algo que é tido como parte do establishment”, disse o próprio Fairey. Ou seja, se, à primeira vista, seu cartaz com o rosto do novo presidente dos Estados Unidos contradiz a cartilha da street art, depois de um olhar mais cuidadoso, se percebe que se trata de mais um legítimo efeito provocado pela arrasadora maré Obama.

Robin Hood da Arte

Cartaz que percorreu o mundo

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O HOMEM QUE REINVENTOU

A RODAMarcel Duchamp, o visionário que defi niu o que hoje chamamos de arte, é tema de uma exposição em São Paulo é a maior já dedicada ao artista na América Latina

Por Gisele KatoHomem nú descendo a escada

Arte Moderna

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Na história da arte, a palavra “gê-nio” se aplica a pouquíssimos criadores. Da Vinci, Michelange-lo, Picasso — e alguns outros.

Dentro desse time, existe um grupo ainda mais seleto. São os que somam à palavra “gênio” uma outra: “visioná-rio”. Os gênios visionários influenciam gerações posteriores e, assim, definem toda uma era. É como se dividissem a arte em antes e depois deles. Apenas dois nomes têm a carteirinha de sócios remidos desse clube: o italiano Giotto di Bondone (1267?-1337) e o francês Mar-cel Duchamp (1887-1968). Giotto é o responsável pelas noções de perspecti-va e tridimensionalidade que moldaram a escola renascentista e nortearam a produção dos séculos seguintes (veja texto na página 44). Por muito tem-po, grandes artistas alternaram entre obedecer aos parâmetros do mestre italiano e desafiá-los. Até que surgiu Marcel Duchamp. A revolução perpetra-da pelo francês é mais difícil de definir por causa de sua complexidade e da

maneira anárquica com que ele mudou tudo na esfera artística. O conceito que orientou seu trabalho, no entanto, é bastante claro. Com Duchamp nasceu a idéia de que uma obra só está completa quando a ela se soma a interpretação do outro — no caso, o espectador. O maior artista do século 20 chegou a usar a expressão “arte retiniana” para definir as criações de seus antecesso-res, voltadas para a pura admiração da imagem captada pelos olhos. Ele não se contentava mais em jogar apenas com a visão: estimulava uma verdadeira troca intelectual com o admirador de suas peças. Pode-se dizer que tudo o que se chama hoje de arte contemporânea, das Marilyn Monroe de Andy Warhol às per-formances de Joseph Beuys, deriva, em alguma medida, de sua idéia seminal.

Fontaineobra que descartou os velhos conceitos

QUARENTA ANOS DEPOIS DA MORTE DE Duchamp e 60 depois de o Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) re-ceber dele o projeto para a coletiva que marcaria a abertura da instituição — que nunca foi montada porque um dos organizadores do evento fugiu como dinheiro destinado ao transporte das obras —, a mostra Marcel Duchamp: Uma Obra que não É uma Obra “de Arte” abre no dia 16, no próprio MAM, com 120 peças do artista. Trata-se de sua maior individual já apresentada na América Latina. Com obras primas como Porta-Garrafas, Roda de Bicicle-ta, O Grande Vidro, Fonte, L.H.O.O.Q., além da central Caixa-Valise e da derradeira Etant Donnés (Dados, em francês, no sentido de alguém que enumera algo; leia sobre alguns desses trabalhos ao longo desta reportagem), a exposição traz itens nunca exibidos no país. “Ele deixou uma produção muito rica e sem nenhuma linearidade. É, até hoje, uma figura inclassificável, difícil de explicar”, diz o curador Felipe Chaimo-vich, que assina uma mostra paralela, intitulada Duchamp- me, só com nomes brasileiros influenciados pelo francês, também no MAM, no mesmo período.

A REVOLUÇÃO DA RODA

Percorrendo a exposição, é possível ver como a arte de Duchamp

é desprovida de qualquer sentido heróico. Ele não desejava levar arte às massas nem beleza ao cotidiano. Estava interessado em pensar, e pensar com companhia. O mais claro e contundente convite de Marcel Duchamp nesse sentido são os ready-made. Ao tirar um objeto comum de seu contexto usual e elevá-lo à categoria de arte, ele anunciava ao mundo: a

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utilidade. Duchamp teve de desenvolver mais tarde outras versões de suas mais importantes criações em solo parisiense (entre elas, a Roda de Bicicleta; a imagem que aparece na capa de BRAVO! é uma segunda versão).

A NOVA YORK DOS SONHOS

Se na França Duchamp inventou o ready-made, foi em Nova York que ele conseguiu sair do anonimato.

A própria escolha da cidade americana é tida por muitos especialistas como um ato visionário. O pintor americano Willem de Kooning falava em Duchamp como “o movimento de um homem só”. E essa imagem era tudo o que a América precisava em tempos de reconstrução, depois da Segunda Guerra, exatamente

habilidade manual do artista já não basta para definir uma obra. Na nova realidade, tomada pelas mais diferentes possibilidades de reprodução, o pensamento do autor por trás de seu trabalho — enfim, a sua idéia — se torna o mais importante. Instalar, portanto, uma roda de bicicleta sobre um banco era um jeito de fazer com que o espectador deixasse de vê-la como parte da bicicleta e passasse a admirá-la por seus contornos — e só. A escolha do objeto que sofria esse deslocamento partia do artista, e isso ganhava valor. Nasceram assim, em seu ateliê, em Paris, em 1913, os dois primeiros ready-made da história, exatamente a Roda e o Porta-Garrafas. Dois anos depois, em 1915, Duchamp se mudou para Nova York, deixando o ateliê na França sob os cuidados de uma de suas irmãs. Ao limpar o quartinho, a jovem jogou fora o que, para ela, nada mais era do que objetos velhos e sem

quando Duchamp se popularizou. Nos Estados Unidos, ele começou dando aulas de francês e trabalhando como bibliotecário e terminou planejando a curadoria de grandes mostras. Provo-cou polêmica ao adotar um alter ego feminino, Rose Sélavy — pseudônimo com o qual assinava algumas de suas obras. Duchamp protagonizou também uma vida amorosa intensa.Casou-se três vezes, foi amante da escultora brasilei-ra Maria Martins na década de 1940 e alimentou uma paixão nada secreta da mecenas Peg gy Guggenheim.

Para além da vida pessoal movimen-tada, Duchamp encontrou na cidade americana tudo o que precisava para desenvolver seus objetos provocativos. Foi lá que comprou, logo na chegada, os dois grandes painéis de vidro que, colocados a princípio sobre cavaletes, deram forma ao projeto O Grande Vidro, terminado oito anos depois, em 1923. Os oito anos em que Duchamp se de-bruçou sobre essa obra, preenchendo-a com elementos gráficos, justificam ao menos parte de sua complexidade. Hoje, estudiosos como o historiador de arte Giulio Carlo Argan dizem que a peça remete aos desejos mais profun-dos do homem, sobretudo o sexual. Na parte superior — tecnicamente uma pintura sobre vidro —, identifica-se com clareza uma noiva flutuando próxima a uma nuvem. Há muitas analogias e alusões humorísticas nessa obra-prima, que tem um segundo título: A Noiva Pos-ta a Nu pelos seus Celibatários, Mesmo. Da obra, o poeta Octavio Paz disse tratar-se de um enigma: “Portanto, não é para ser admirada, e sim decifrada”. Nada mais duchampiano.

A exposição do MAM reproduz a atmosfera do primeiro estúdio de Du-champ em Nova York. A reconstituição só foi possível por meio de umas pou-cas fotografias, algumas fora de foco, tiradas entre 1916 e 1918 por seu amigo Henri-Pierre Roché. Ele morava num, digamos assim, pardieiro, com gavetas abertas, travesseiros pelo chão e muita,

Arte Moderna

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muita poeira acumulada pelos cantos. Esse ambiente despro-vido de glamour também serviu de cenário para a criação de seu ícone Fonte, o famoso urinol que se torna arte ao ser transportado para uma exposição.

A história é ilustrativa de como Duchamp era avança-do para sua época. Em 1917, ele integrava a Sociedade dos Artistas Independentes, cuja principal finalidade era or-

ganizar exposições nos moldes do Salão dos Independentes

em Paris, ou seja, sem jurados e sem premiações. A mostra

Independents Art Exhibition logo se tornou a maior coletiva já promo-

vida nos Estados Unidos, com 2.125 obras executadas por 1.200 partici-

pantes. O nome de Duchamp jamais apareceu nessa lista. Ele pagou as taxas exigidas, mandou a peça no prazo correto, mas, numa contradição a todo o espírito alardeado pelos promotores da exposição, teve sua criação barrada. A história do urinol, no entanto, acabou se tornando o assunto corrente entre os visitantes da mostra, graças a um artigo que o próprio Duchamp fez circular em uma revista de arte.

OS HERDEIROS DA REVOLUÇÃO

É difícil quantificar o legado de Duchamp já que, de certa maneira, ele está em toda parte. “Andy

Warhol é um dos melhores exemplos dos herdeiros mais próximos desse legado duchampiano. Como Duchamp, ele arrancou objetos do seu contexto no cotidiano e lhes atribuiu uma aura de arte, para que fossem observados em sua pureza material e simbólica, dentro de um museu”, analisa o crítico e curador Ricardo Resende. “Poderia ainda falar em Joseph Beuys, Lygia Clark e Nelson Leirner, para ficar em apenas alguns herdeiros mais evidentes.” O alemão Beuys, tido como um dos precursores das performances artísticas, levou ao extremo sua vontade

de conciliar a vida e a arte ao se trancar em um quarto com um coiote, para ser filmado, em tempo integral, durante quatro dias e quatro noites. A brasileira Lygia Clark, com suas experimentações sensoriais, interativas e terapêuticas, chegou até a recusar o rótulo de artista mais para o fim de sua carreira. E o brasileiro Nelson Leirner comunga até hoje da ousadia debochada de Duchamp. Em 1967, ele mandou um porco empalhado ao 4º Salão de Arte Moderna de Brasília (a obra pertence hoje ao acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo). O júri aceitou o trabalho. O próprio Leirner, que figura entre os escolhidos para a coletiva paralela de Felipe Chaimo vich, é taxativo ao dissertar sobre a importância de Duchamp em sua obra: “Ele toca passado, presente e futuro, em um processo rotativo. Invejo o tempo que Duchamp ficou jogando xadrez”, brinca o artista, aludindo ao conhecido hobby do francês.

A julgar pela sua produção reduzida, parece mesmo que Duchamp se distraía com os cavalos, torres e peões do tabu-leiro enquanto esperava pacientemente que o público e a crítica entendessem a complexidade de suas criações. Até hoje, esse caminho não foi inteiramente percorrido. A forma como a imprensa lidou com sua morte, por embolia, em outubro de 1968, talvez seja um bom indicativo disso. Enquanto o jornal The New York Times cravou a notícia em sua primeira página, o diário parisiense Le Figaro publicou somente uma nota na coluna sobre as competições de xadrez, tal a falta de prestígio de Duchamp na França da época.

“Há muitos Duchamps além do que fez o ready-made”, diz o crítico e cura-dor Cauê Alves. A mostra em cartaz no MAM, com curadoria de Elena Filipovic, apresenta-se como uma oportunidade para conhecer também esses outros Duchamp. “Ele foi muito mais radical que Picasso ou Matisse. Digo isso não para diminuir o talento deles, mas para enfatizar o que Duchamp fez”, diz a curadora.

Ela vai ao centro da questão. Picasso e Matisse foram gênios in-contestáveis — mas, como já foi dito, muitos poucos foram, como Duchamp, visionários.

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Em primeiro planoDocumentário revela a trajetória de Annie Leibovitz, uma das maiores fotógrafas de todos os tempos

Destaque

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O documentário “Annie Leibovitz - Life through a lens’’ revela muitas faces da mais famosa fotógrafa

de rock e uma das maiores de todos os tempos. Muito reservada, ela se revelou inteira para as câmeras da irmã, Barbara, diretora desse documentário filmado para a TV pública americana, no ano passado, e exibido em janeiro deste ano, nesta terça e na quarta-feira, no Festival do Rio.

Ela fez seu nome nos anos 70 como fotógrafa e editora de fotografia do jornal (depois revista) “Rolling Stone’’, mas incursionou pelo mundo das celebridades e da moda através das revistas “Vanity Fair” e “Vogue”, além da política, incluindo imagens marcantes da guerra na Bósnia, onde esteve instigada por sua mentora, a escritora Susan Sontag (1933 - 2004), definida no filme como a outra metade dela por ser uma mulher de palavras, enquanto Annie é uma mulher de imagens.

Tudo está fartamente documentado nos 90 minutos do filme, que passam num instante para quem se interessa pelo mundo dos anos 60 para cá. Filha de militar, família grande, Annie passou

anos indo de um lado para o outro por conta das transferências do pai. As andanças eram sempre registradas em fotografias. Daí o interesse que acabou se tornando profissão. Um tanto ou quanto desinformado, o pai deixou que ela fosse morar em San Francisco com uma amiga, achando que seria seguro. O movimento hippie nascia na cidade, o lugar menos adequado para conceitos conservadores dele, mas uma época maravilhosa para Annie começar a registrar freneticamente tudo à sua volta.

O fundador da “Rolling Stone”, Jan Wenner, conta como a contratou quando o jornal acabara de nascer, em San Francisco, como porta-voz da contracultura. Ele fala de como Annie começou a se firmar lá dentro com imagens marcantes para o crescimento da empresa que, em 1978, mudou-se para a chique Quinta Avenida, em Nova Iorque, em busca de um lugar no mainstream.

Annie fez dupla muito tempo com o desvairado escritor Hunter Thompson, que ela nunca viu careta, e também usou drogas: “ A cocaína fazia a gente pensar que estava pensando”, diz ela, numa

Celebridades, Annie detem a total confi ança dos famosos

P&B, momentos únicos registrados por Annie

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frase genial para definir esta substância emburrecedora da mente humana. Este mergulho foi incentivado pelos Rolling Stones, que a contrataram para cobrir a turnê de 1975, o auge do período drogado da banda. Keith Richards ironiza que apostou num rápido colapso dela em meio à loucura stoniana, mas Annie segurou a onda. Jagger conta no filme ter se amarrado na capacidade dela de capturar movimentos da banda no palco.

Annie diz que sua filosofia de trabalho era de que só se pode capturar de verdade a essência de quem se fotografa se você se tornar parte dele. E é isso que Jagger ressalta, ao mencionar a capacidade dela de se tornar parte da turma, a ponto de ninguém se importar com o clicar constante da sua máquina.

Arnold Schwarzenegger faz eco a Jagger. Ele a conheceu em 1975 quando ainda era estrela apenas do mundo fisiculturista e conta da capacidade de Annie de se tornar “um dos rapazes” e deixar todo mundo à vontade diante de suas câmeras.

O documentário tem muitos depoimentos mais, entre eles de Mikhail Baryshnikov, da candidata presidencial americana Hillary Clinton, da editora de Vogue Anna Wintour, da atriz Demi Moore, fotografada grávida e nua para a ‘’Vogue’’ e muitos outros. A diva punk Patti Smith conta que não se reconheceu na foto escolhida por Annie para a capa de ‘’Rolling Stone’’, mas anos depois percebeu que se tornara aquela pessoa.

Yoko Ono revela que ela e John se impressionaram com Annie desde a primeira sessão de fotos em 1971, quando ela ainda era pouco conhecida, porque não parecia interessada em Lennon como celebridade. “Ela estava mais interessada em nossa essência,” conta ela. As fotos foram para a reveladora entrevista em que John disse que o sonho acabou. A última sessão foi algumas horas antes de John ser assassinado, quando ele topou posar nu, abraçado a Yoko inteiramente vestida. Annie foi feliz num momento trágico: a foto capturou a alma do casal.

Versatilidade, super-produções

e capas históricas compõem

seu portfólio

Destaque

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Acredite: muitas das formas do século 21 sairão do computador de Karim Rashid. Nascido no Egito,

criado no Canadá e atualmente radi-cado em Nova York, ele lidera o seleto grupo de designers que definem hoje a cara do mundo pós-moderno. Suas parcerias com grifes como a japonesa Kenzo, a italiana Alessi e a brasileira Melissa resultam em mais de 2.500 produtos no mercado. Ao sucesso co-mercial soma-se a presença em 14 dos principais museus do planeta, incluindo o Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, e o Die Neue Sammlung, de Munique. São deste último as 60 peças, entre móveis, objetos e embalagens, exibidas a partir do dia 23 no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Com curadoria do alemão Albrecht Bangert, a mostra funciona como panorama de um legado múltiplo e fundamental para se chegar bem perto do espírito dos nossos tempos.

Aproximar-se de Rashid é conhecer um homem que, aos 47 anos, faz do avião o seu escritório de trabalho e, em permanente trânsito, cultiva noções de tempo e espaço muito particulares. Para o designer, já não há fronteiras entre o universo real e o virtual. “Sua obra não é feita para a eternidade, é pensada para o agora”, diz Bangert. O próprio artista não se intimida ao bancar o desprezo à nostalgia e às coisas antigas. Obceca-do por tecnologia, ele só veste roupas de microfibras, geralmente brancas, porque considera o tecido que melhor se conecta com o futuro. Autoconfiante, ele diz, sem falsa modéstia: “Eu quero mudar o mundo”. E o mundo ideal, para Rashid, é cor-de-rosa, tanto que o tom está presente em várias de suas cria-ções. A energia e a artificialidade da cor encantam o designer.

A Cara do Futuro

Uma exposição em São Paulo resume as idéias de Karim Rashid, o maior designer da atualidade

Por Gisele Kato

Personagem

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Senhorpor Ivan Lessa

Memórias da revista

De vez em quando, um sujeito formado em jornalismo aparece e vira para mim e diz: “Eu me lembro

daquele artigo que você escreveu sobre o Spinoza na revista Senhor.” Faço um sorriso modesto, encaro as sandálias dele, penso que mundo estranho este em que as pessoas se formam em jornalismo. O sujeito prossegue: “Que revista hem!” Eu vou mais longe: “Ainda vou processar a Chauí por uso indevido”. Na verdade nunca escrevi uma única linha sobre Spinoza. Na verdade, tenho a maior dificuldade de me lembrar da revista Senhor. Não guardei nenhuma. Lembro pouquíssimo dela. O que eu me lembro mesmo é que foi meio frustrante e gostoso. Mas isso, como tudo mais, é opinião pessoal. Eu me lembro é do pessoal. Da redação. Restaurantes. A revista Senhor foi assim:

Em janeiro de 1959 eu tinha 23 para 24 anos, era chefe de redação da Norton Publicidade, ganhava 30 contos por mês. Fui checar na carteirinha de trabalho. Tá lá. A revista Senhor não assinou a carteira. É dado. Recapitulando: era chefe de redação, 9 às 5, mais dois

frilas excelentes, duas agências. Master e Abaeté, que menores, não tinham condição de pagar um redator tempo integral. Então, na hora do almoço, ou depois do trabalho eu passava lá pegava os dados, fazia o texto das campanhas e faturava 15 milhas em cada uma. Lembro-me da campanha de lançamento de cigarros da Lopes Sá, para a Master. E dos livros da Civilização Brasileira, do querido Ênio Silveira, na Abaeté, onde o diretor de arte, frila também, era o Eugênio Hirsch, simpaticíssimo e que também fazia umas capas péssimas para a Civilização. Mas, enfim, o que eu queria dizer era o seguinte, 60 contos por mês era uma nota. Pra dar uma idéia: dava para comprar um carro novo por mês. Nada mau. Eu gastava tudo em disco importado e mulheres locais. Dinheiro bem empregado. Só que aos 23 anos todo mundo é idiota. Principalmente

eu. Como eu tinha assinatura de revista americana e já lera uma porção de pocket books entrei numa crise existencial. Ou de identidade. Por aí. Foi quando o Paulo Francis, que já era meu amigo desde 1953, me perguntou se eu não queria ser redator de uma revista, tal de Senhor, uma mistura assim de Esquire, New Yorker e Playboy. Quanto pagam? Mal. Na minha cabeça, eram 17 milhas. Ridículo, perto do sessentão. Mas topei, já que era uma besta. Com cara íntegra (vocês não têm idéia do que é minha cara íntegra...) demiti-me da publicidade, a alma gargalhando e berrando, “Free at last, thank God All Mighty, free at last!”. Comecei, se não me engano, em março. Preenchendo a vaga deixada pelo redator anterior, Adirson de Barros, demitido depois de um ou dois números apenas, possivelmente por já ser informante do SNI antes mesmo da criação desse simpático órgão informativo. No número de maio eu já estava lá. Isso porque em abril morrera Billie Holiday e, antes, eu já escrevera matéria sobre a pobre da moça. Senhor foi pras bancas com “A Hora e a Vez de Billie Holiday”. Não era de todo uma josta. Tratava a cantora como já morta, previa como seria uma enganosa cinebiografia, com Dorothy Dandridge, Belafonte, coisa e tal. Não peguei fama de pé-frio.

Registro

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MAS A REVISTA? COMO ERA A REVISTA? Era na Travessa do Ouvidor, 22, um andarzão na sede da Editora Delta, empresários responsáveis por enciclopédias como a Larousse além de coleções, feito Nobel, Freud, esses caras. Eu me lembro dos dois irmãos Waissman, Sérgio e Simão. Simpáticos e finos. Possivelmente queriam o prestígio de uma publicação intelectual. Ou então pegar mulher. Não sei. Verdade é que chamaram o Nahum Sirotsky para fazer, ser editor-chefe da revista, e o Nahum que sabe das coisas, fez. Chamando o Francis para editor e o Carlos Scliar para direção de arte, assistido pelo esplêndido Glauco Rodrigues. Luís Lobo ficou com serviços, Jaguar com cartuns. Numa salona, trabalhava o Ivo Barroso para a enciclopédia, mas que traduziu muita coisa boa para a revista. Todas as capas, todas as ilustrações do Scliar eram de primeiríssima qualidade. Os serviços do Luiz Lobo eram ótimos principalmente porque na hora do almoço o que fizemos de pesquisa para dica de restaurante não estava no gibi, saía na Senhor. Me lembro de um restaurante em particular, na travessa dos Barbeiros, o Escondidinho. Nunca comi tão bem em minha vida. O ponto alto da revista, para este criado que vos fala, era o almoço. Oba! Epa! A casa Heim, Dirty Dick’s, o árabe da Senhor dos Passos, um porrilhão deles. O fotógrafo era o

Chinês, o Armando Rosário. Formidável o Chinês. Posei muito para ele, para a revista, essa parte de serviços. Ilustrando uma matéria do Marcito Moreira Alves intitulada “Os Boas Vidas”. Eu em close com um chapeuzinho-esporte acendendo um cigarro por trás do volante do meu carro. Eu tinha carro, claro. Bonito, Mercury, duas cores, hidramático. Meus pés ilustrando umas meias xadrez, muito sobre o amarelo, no bar do hotel Miramar, aquele do posto Seis. Eu de longe com uma moça ao lado no saguão do Santos Dumont, ela com meu paletó. Era pra ilustrar paletós. A moça eu estava de olho nela, trabalhava no DAC. Foi pretexto. Não deu em nada. Quer dizer, deu – no melhor sentido possível – mas anos depois.

Que mais? Eu escrevi uma matéria sobre o conjunto vocal The Hilo’s. Outra sobre o LP do João Gilberto. Outra que era uma tremenda enganação sobre os Beats and Angry Young Men, que chamei de Os Cansados e os Zangados. Cozinhei tudo de uma porção de coisas de revistas importadas lá de casa ou da redação. Traduzi um conto do Thurber com um erro de redação deste tamanho.

Imagina vocês, que, no contículo, “As Sete da Noite”, tem no original uma moça “lying in the sofa” e, em português, eu taquei “mentindo no sofá”. Era o que eu achava de mulher, meu querido, me veio na natural, sorry. Teve também uma engraçada. Francis me deu um artigo do Sartre para traduzir. Sobre Berlim. Em inglês. Li e fiquei esperando. Aí Francis ou Nahum me cobraram a tradução.

Cadê? Eu – olha só que paspalhão! Estava esperando o original em francês. E esta besta foi chefe de redação de agência de publicidade. Well, well.

Divertida , na revista, era uma sessão que o Lobo (“Lobíferra Cretaturra”, como o chamava Scliar, que ciciava um pouco e arranhava os rr, assim feito a Clarice, de quem eu já vou falar logo, logo) criou, no começo, intitulada Sr. e Cia. Noticinhas curtas, com molho. Eu fiz algumas que não eram de jogar fora. Por exemplo: “Jeff Chandler vai se casar com Esther Williams. Bem feito pros dois”. Coisinhas assim. Pra mim, as Dicas do Pasquim estão meio aí. Mas isso é besteira, forget it, deixa pra lá. Eu acertei mesmo foi com Jaguar. Embora, que me lembre nessa fase, não saiu nada. Talvez palpite num ou noutro cartum. Mais tarde é que viramos amigos e irmãos.

A Senhor publicou um esquema de tipo encarte, o Quincas Berro d’Água do Jorge Amado. Incríveis os originais dele. Cada erro sensacional de ortografia, gramática, pontuação, tudo. Mas ele ainda era ótimo. No mesmo esquema, “O Urso”, do Faulkner, um troço do Tolstói.

Quando tinha tradução literária, muita colaboração do Mário Faustino, amicíssimo de Francis e cobrão conforme se diz nos meios acadêmicos. Francis entrevistou o Martin Luther King. Graham Greene, acho. Carlos Lacerda escreveu sobre o cultivo de rosas (até hoje tenho

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os originais em papel da Câmara dos Deputados). Rubem Braga fez crítica de arte, Armando Nogueira texto antológico sobre Didi, “O Homem que Passa” (titulão, hem?). Outros colaboradores? Carpeaux, Millôr, Vinícius, Marques Rebêlo, meu pai, minha mãe, Sabino, Antônio Maria, Sérgio Porto, Cony, Callado. Todo mundo que sabia escrever. Gozado. Tinha muita gente que sabia escrever. Lembro de um camarada que escrevia sobre som, hi-fi, por aí, chamado Fânzeres. Fânzeres é um nome sensacional. Fânzeres.

Ah. Clarice. Pois é. Só era conhecida no metiê. Aquele livro com título parecido com coisa da Carson McCullers. Perto – ou distante – do Coração Selvagem. Morava em Washington, era casada com diplomata. Alguém – quem? – teve a feliz idéia de pedir conto. Chegava tudo por carta. Lembro daquele, “A Menor Mulher do Mundo”. Sensacional. Apareciam os envelopes americanos, a gente voava lá. Feito exemplar novo da New Yorker.

Depois do dia do fechamento da revista, nós nos pintávamos todos e íamos para a praça Mauá bulir com os marinheiros. Mentira. Essa última frase aí, de se pintar e ir pra praça Mauá, é mentira. Eu só queria ver se vocês ainda estavam acordados ou prestando atenção. Olhaí, é o seguinte: a revista vinha num papel muito bom, tinha um visual legal, publicava umas coisas mais do que razoáveis e – ah! ia me esquecendo. Tinha fotografia de mulher meio pelada. De muito bom gosto, claro. Várias edições feitas lá em casa. É. Eu morava em cobertura dando pra praia. Que praia? Copacabana, Leme, claro. Queriam o quê? Ramos? Uma moça que pousou: condessinha. Polonesa, creio. Outra de flor no cabelo, pele ruim.

Daí o Francis me mandou entrevistar o ginecologista Hélio Aguinaga e o rabino Lemmle. Sobre pílula anticoncepcional. Eu não tinha, não tenho o menor jeito para esse troço. Foi um horror. Daí

o Francis me mandou escrever um artigo, colado mas não muito, de revista americana, cujo título – como esquecer-te? Era “Como Dizer Não à Sua Mulher”. Enganei o quanto pude. Não saía mesmo. Pra vexame meu, Francis afinal sentou e escreveu de enfiada, se me permitem a expressão. Acho que foi na frente de todo mundo. Todo mundo rindo de mim e jogando pedra. Logo depois, o Nahum me chamou e me demitiu por incompetência. Quer dizer, Nahum é bonzinho demais, nunca faria assim. Deve ter dito que eu era formidável mas que isso e aquilo outro e coisa e tal. Me abraçou, me beijou na boca, capaz até de ter chorado. Nahum é maravilhoso, um anjo. Vive me mandando e-mail de Tel Aviv cheio de anedota em inglês. Não sei por quê. Mas digo que achei ótimo e trocamos lembranças. Vive dizendo que foi quem me “descobriu”. Capaz. Verdade é que o Newton Rodrigues veio me substituir dando finalmente um cunho de profissionalismo à redação da prestigiosa revista. Veio também o Ivan Meira, do mundo da publicidade, passe caro, para tornar a publicação mais viável do ponto de vista publicitário. Foram para Copacabana. Logo ali, saída do Túnel Velho. Mudou o diretor. Veio Odylo Costa Filho, especialista número um em velório de imprensa. Reynaldo Jardim, especialista número dois. O Jaguar passou a fazer um encarte humorístico na revista, O Jacaré. Estreitamos ainda mais a amizade, houve o início de colaboração.

Eu voltei para a publicidade, fiquei sem fazer nada, voltei para a imprensa. Resolvi – sempre por motivos pessoais – fazer as piores besteiras do mundo. Modestamente, peguei um recorde sul-americano no gênero, anos 62-68. Tudo bem. É assim mesmo. Só não entendo porque vocês brasileiros perdem tempo com essas bobagens. Vão pra praia, gente. Jogar futebol. Tocar violão debaixo das estrelas, while beautiful morenas do the samba, chic-a-chic-a-boom-chi. Esse negócio de jornalismo cultural, não sei não, hem gente?

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