CRIANÇA E CONSUMO: REFLEXÕES SOBRE A INSERÇÃO DA EDUCAÇÃO ... · como a que destacamos neste...
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CRIANÇA E CONSUMO: REFLEXÕES SOBRE A INSERÇÃO DA EDUCAÇÃO
FINANCEIRA NA ESCOLA
Patrícia Oliveira de Freitas1 - UFRRJ
O consumo da sociedade contemporânea
A análise do tema consumo na sociedade contemporânea tornou-se um objeto de
investigação e ação mais abrangente. Nossas sociedades se caracterizam pelo consumo de bens e
serviços. Entretanto, esse consumo não pode ser avaliado e analisado apenas a partir da ótica da
produção desses bens e serviços que serão consumidos. Essa é a perspectiva da economia clássica,
que analisa o consumo como o fim da produção. Os indivíduos agem de forma racional visando
maximizar satisfações através de valores de uso. Mas essa abordagem passou a ser considerada,
por muitos autores, como insuficiente para analisar as sociedades contemporâneas, onde o
consumo ocupa um papel de destaque.
Na segunda metade do século passado, tomou forma a denominada sociedade de
consumo. A partir desse momento, iniciou-se não somente a ampliação e diversificação acelerada
das mercadorias, mas, ao mesmo tempo, se instalou uma nova percepção do mundo das coisas
(GARCIA, 1998).
DOUGLAS e ISHERWOOD (2014) contribuíram, sensivelmente, para o
desenvolvimento desta perspectiva ao desenvolverem uma análise acerca do mundo dos objetos.
A ênfase de suas análises recai sobre a dimensão cultural do consumo, compreendendo-o como
um processo ativo no qual todas as categorias sociais são continuamente redefinidas. Os autores
afirmam que os objetos são neutros e que é necessário compreender os seus usos sociais, os modos
pelos quais eles são utilizados, tanto para estabelecer vínculos sociais quanto para constituir
barreiras. As análises sobre os usos específicos que se faz dos objetos adquirem grande relevância
e devem demonstrar como são utilizados para estabelecer e manter relações.
1 Doutora em Educação – UFF, com estágio de doutoramento em sociologia da infância, no Instituto de Estudos
da Criança, da Universidade do Minho, Braga, Portugal. Profª do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas – ICSA
da UFRRJ. E-mail: [email protected]
Como explica SLATER (2002, p. 151): “o significado dos bens, de acordo com essa visão,
deriva de sua capacidade de atuar como indicadores de status social, símbolos ou emblemas que
mostram a participação ou a aspiração de participar de grupos de status elevado”.
Dessa forma, como afirma FEATHERSTONE (1995), o consumo passa a ser entendido
como, principalmente, um consumo de signos e não mais de valores de uso. GARCIA (1998)
também aponta nesta direção quando afirma que os objetos deixaram de possuir apenas valor de
uso, adquirindo um valor simbólico a ser transferido para aqueles que os consomem.
A sociedade contemporânea se caracteriza pela expansão crescente do consumo, pela
busca do bem-estar e do prazer, pela cultura fragmentada com valorização das sensações e pela
pluralidade de identidades. No entanto, não me deterei aqui em questionar estas condições, mas
apenar chamar a atenção para a importância de problematizar o comportamento de consumo e a
relação com o dinheiro no cotidiano dos indivíduos e das famílias.
A Educação Financeira – uma breve contextualização
Com a abertura econômica, no início da década de 1990, e o processo de estabilização do
Plano Real, houve a redução da inflação e a inserção de um número cada vez maior de pessoas
no emprego formal. Na análise de SAVOIA; SAITO e SANTANA, (2007, p.1124) o governo
ampliou a oferta de crédito para incentivar o consumo de bens e serviços e, assim aumentar a
produção, na intenção de que as empresas realizassem investimentos, que gerassem empregos e
elevação da renda.
Como afirmam, Claudino, Nunes e Silva (2009) o crescimento econômico somado a
estabilidade vivenciada no brasil nos últimos anos, provoca uma reflexão acerca da maneira de
lidar com o dinheiro. Os brasileiros que antes eram obrigados a consumir tudo que ganhavam
para não perderem a capacidade de compra, que era corroída pelas altas taxas e inflação, tiveram
de mudar seus hábitos de gestão do dinheiro, pois se experimentou nos últimos anos um
considerável aumento da oferta de crédito, juntamente com o consumo.
No entendimento de Grussner (2007) os altos índices de inadimplência e endividamento,
bem como o consumismo excessivo e, como consequência, a baixa de poupança do país, também
podem ser indicativos de carência de educação financeira dos brasileiros, tratando assim de
indicadores relevantes para retratar os problemas de caixa dos consumidores.
De acordo com SILVA (2004), a realidade no Brasil é de que as pessoas não foram
educadas para pensar sobre dinheiro na forma de administração, o que se vê é que a maioria
gasta aleatoriamente sem refletir sobre seu contexto financeiro e os impactos futuros.
Cerbasi (2003) já chamava a atenção para o fato de que, na nossa cultura, a acumulação e
ostentação de bens são associadas à riqueza, entretanto o objetivo central do planejamento é o
acúmulo de valores (reservas) que, além de utilizados em situações imprevistas, serão destinados
à execução dos mais diferentes objetivos em diferentes períodos da nossa vida.
O tema “educação financeira” vem ganhando cada vez mais destaque, com sites
especializados, espaços reservados em importantes fontes multimídias de notícias e eventos
educacionais, reforçando a relevância do assunto. Um outro fenômeno nesta área são os livros de
“auto-ajuda”2, que apresentam maneiras para se obter sucesso financeiro e ficar rico e até mesmo
milionário.
Através da Educação Financeira, consumidores aperfeiçoam sua compreensão dos
produtos financeiros e também desenvolvem habilidades e segurança para se tornarem mais
conscientes dos riscos e oportunidades financeiras, para fazerem suas escolhas e para saberem
onde buscar ajuda, melhorando assim a relação com suas finanças.
SIMEAO et al (2011, p. 4) salientam que:
Educação Financeira não é aprender a trabalhar com finanças, nem se trata de
ser um profissional na área. Ter conhecimento a respeito dessa temática
contribui para a formação de um indivíduo mais capacitado no âmbito
profissional. Tendo uma boa instrução financeira a pessoa consegue saber
quando, quanto pode gastar, ou seja, ele sabe fazer um planejamento sobre o seu
dinheiro, o que colabora para as tomadas de decisão.
Souza (2012) afirma que o tema Educação Financeira tem recebido grande destaque
nacional e internacional nos últimos anos, e essa necessidade crescente está associado à busca
também de uma melhor qualidade de vida, pois Educação Financeira e consumo estão
diretamente ligados, pois o poder de compra leva as escolhas. O manejo adequado do dinheiro é
algo importante, pois muitas crianças começam muito cedo a ter contato com ele, no caso da
prática da mesada, por exemplo.
2 Sobre esse assunto sugerimos BORBA, Jean Marlos Pinheiro. A literatura de auto-ajuda financeira e o
capitalismo de consumo. In: Encontro Nacional de Estudos do Consumo, 5., 2010, Rio de Janeiro. Anais
Eletrônicos... Rio de Janeiro: ESPM, 2010.
O planejamento financeiro, segundo Günther (2008, p.10) não visa apenas o sucesso
material, mas também pessoal e profissional, pois o sujeito que faz reservas financeiras tem mais
possibilidade de realizar coisas importantes que podem enriquecê-lo como individuo, a autora
menciona a possibilidade de realizar uma viagem para o exterior, por exemplo, ou mesmo de
acumular capital a fim de custear um período de estudos sem preocupações adicionais. Isso se
aplica a família como um todo, pois os pais enquanto tutores das crianças devem pensar e se
preocupar além de outros aspectos, com o futuro financeiro dos filhos, levando algumas coisas
em consideração, ter conhecimento das vantagens que o equilíbrio financeiro pode trazer.
Abrimos aqui um parêntese para abordar, de maneira sucinta, ações de educação
financeira que têm sido desenvolvidas no âmbito da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro. Desde 1995, o Departamento de Economia Doméstica e Hotelaria tem recebido propostas
para a abordagem desta temática junto à algumas empresas e instituições militares. Tais pedidos
buscam ajuda para orientar trabalhadores com comportamento de consumo que levam suas
finanças ao desequilíbrio e em alguns casos ao endividamento.
Nossas ações na abordagem da temática da educação financeira e para o consumo tem
assumidos características diferentes dependendo das características do público alvo. Algumas
vezes fazemos apenas uma palestra em outras situações atendemos demandas por ações mais
duradouras, que acabam por se caracterizar no que denominamos “campanha de Educação
Financeira”. Além deste tipo de demanda, desenvolvemos ações junto ao público infantil e, ainda
neste artigo, as apresentaremos de forma sucinta.
Inserção da Educação Financeira na Escola
A sociedade contemporânea vem enfrentando as consequências da cultura de consumo,
tais como os transtornos financeiros – endividamento e também problemas de saúde relacionados
ao consumo, além dos impactos ambientais que temos observado atualmente.
Diante desses fatores, a escola é um espaço fundamental para orientar e enriquecer o
ensino aprendizagem na perspectiva das demandas atuais da sociedade, abordando questões
decorrentes do consumo que fazem parte do dia a dia dos alunos.
A temática do trabalho e do consumo foi incluída como tema transversal do currículo
escolar desde 1998 nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN. Apoiados nas reflexões de
Theodoro (2012), entendemos que os parâmetros têm grande preocupação com a formação do
cidadão e da contextualização adequada dos conteúdos relacionados à temática. Nesse sentido os
temas transversais representam uma gama de possibilidades para trabalhar com informações
cotidianas dentro de sala de aula e estas são de grande relevância para a formação do indivíduo,
como a que destacamos neste artigo, da Educação para o Consumo.
Inserir esse tema no âmbito escolar é de grande relevância e importância, pois, de acordo
com BRASIL (1998) os temas transversais por tratarem de questões sociais, têm natureza
diferente das áreas convencionais. A finalidade dos próprios PCNs indica que a “educação escolar
poderá contribuir para que os alunos aprendam conteúdos significativos e desenvolvam as
capacidades necessárias para atuar como cidadãos, nas relações de trabalho e consumo”
(BRASIL, 1998, p.68.), reafirmando a importância da inserção do tema.
Conforme atesta Souza (2012) nos países desenvolvidos a educação financeira é de
responsabilidade da família e às escolas cabem o reforço e manutenção dessa educação
adquirida no lar. Ela afirma que no Brasil a Educação Financeira não está presente de modo
efetivo nas escolas de modo geral e não é ainda um tema padrão abordado nas escolas.
O Sistema Escolar Brasileiro tem passado por mudanças nos últimos tempos, mas ainda
conserva de modo geral sua estrutura arcaica. Kioyosaki (2000) afirma que essa forma de ensino
não oferece qualquer orientação financeira ao público infanto-juvenil e que isso a longo prazo
pode interferir negativamente no que se refere a vida financeira desses cidadãos:
Esse sistema de ensino não tem conseguido acompanhar o rítmo das mudanças
globais e tecnológicas do mundo atual. Temos que ensinar aos jovens as
habilidades acadêmicas e financeiras que precisarão não só para sobreviver, mas
para desenvolver-se no mundo em que se deparam. Analfabetismo não só de
palavras quanto de números, é a base das dificuldades financeiras. (Kioyosaky,
2000 p.76)
Em algumas Instituições de Ensino particulares a disciplina Educação Financeira compõe
a grade curricular atualmente. No que se referem às Instituições Públicas de Ensino, foi
implantado, em 2010, um projeto piloto pelo programa ENEF (Estratégia Nacional de Educação
Financeira). 900 escolas foram contempladas em todo território nacional, abrangendo os
seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Tocantins, Minas Gerais e o Distrito Federal.
Aproximadamente 27 mil estudantes foram atendidos.
ROGOGINSKI et al (2009, p. 54) diz que os especialistas recomendam que o ensino da
educação financeira seja adotado no ensino fundamental, pois segundo eles, isso poderia cultivar
desde crianças a cultura de planejamento com seus gastos e o consumo consciente, entre outros
benefícios. O autor ressalta que a introdução da Educação Financeira no ensino fundamental
poderá levar a grandes mudanças de atitudes dos jovens em relação ao dinheiro, gerando um bem-
estar socioeconômico, abrindo novos horizontes para estes indivíduos.
O aluno, durante o seu processo de ensino aprendizado escolar, deve ser envolvido com
questões relacionadas ao seu cotidiano, por isso, inserir o ensino financeiro e o consumo
consciente na escola, torna-se uma importante ferramenta no âmbito escolar.
Abordar questões relacionadas à Educação Financeira no meio escolar é de fundamental
importância para que os alunos começam a se aproximem da realidade que vão vivenciar sobre
esse tipo de controle financeiro pessoal.
D´AQUINO explica que a Educação Financeira nos países desenvolvidos
tradicionalmente cabe às famílias e que às escolas ficam reservadas a função de reforçar a
formação que o aluno adquire em casa. No Brasil, infelizmente, segundo a autora, a educação
financeira não é parte do universo familiar e tampouco escolar, assim, a criança não aprende a
lidar com dinheiro nem em casa, nem na escola. Diante das consequências deste fato são
necessárias ações que possibilitem as crianças a lidarem com o dinheiro para que possam ter uma
vida econômica estável e reflitam sobre os conhecimentos adquiridos e tomem decisões
conscientes a respeito de assunto relacionados a finanças, em seu cotidiano.
A Educação Financeira não deve ser confundida com o ensino de técnicas ou macetes de
bem administrar dinheiro. Tampouco deve funcionar como um manual de regrinhas moralistas
fáceis - longe disso, aliás. O objetivo da Educação Financeira deve ser o de criar uma mentalidade
adequada e saudável em relação ao dinheiro. (D`AQUINO, 2008)
A Educação Financeira deve, portanto, ser encarada como temática de extrema relevância
no processo de formação do sujeito, principalmente no que concerne ao exercício de sua
cidadania. Apoiados nas ideias de Benjamin Barber (2007) compreendemos que a globalização
crescente, e outros fatores, tem dado autonomia às crianças desde muito cedo, principalmente no
que se refere ao consumo. Por esse motivo, análoga a essa autonomia torna-se necessária a
inclusão dessa temática no âmbito escolar.
Para Piedras e Gerzson a cultura contemporânea, marcada pelo protagonismo da mídia
e do consumo, permeia o cotidiano infantil gerando conflitos entre educadores e famílias
perplexos diante da proliferação de produtos, marcas e apelos (2011, p.2). A sociedade de
consumo expõe diariamente os adolescentes a um mundo de informações que estimula o consumo
em excesso, influenciando diretamente a vida destes indivíduos. Ribeiro nos lembra de que a
sociedade ocidental moderna, capitalista, e, consequentemente, os adolescentes, que constituem
um quarto dessa sociedade, vivem em função de necessidades geradas pela cadeia
consumo/produção/consumo. (RIBEIRO, 2005, p.21).
Considerando as mudanças no status dos adolescentes na sociedade contemporânea e
incorporando seu papel mais ativo, a cultura de consumo vem delineando a necessidade de novos
modos de pensar e agir. Afinal, esta cultura redefiniu o papel das crianças e jovens na sociedade
contemporânea e estes passaram a ser encarados como consumidores em potencial. Estes novos
modos devem considerar as atuais características dessa sociedade de consumo e, principalmente,
reconhecer a escola como lugar privilegiado para implementação de discussões relacionadas com
essa temática bem como o desenvolvimento de atividades educativas que visem abordar este tipo
de questão junto deste público.
O papel da escola como um espaço de ação e reflexão, portanto, se evidencia. Esta se
constitui como fundamental no processo de aprendizagem e deve buscar recursos para,
incorporando a transversalidade no cotidiano escolar e relacionando o ambiente da educação
financeira e do consumo consciente, possibilitar que esta nova geração esteja, pelo menos um
pouco mais, preparada para lidar com o dinheiro, bem como desenvolva um senso crítico em
relação ao consumo em nossa sociedade. Ao alargarmos as concepções curriculares escolares
possibilitamos que abordagens enriquecedoras atinjam estes sujeitos, que podem incorporar
efetivamente muito destes conteúdos em seu cotidiano.
O processo de organização financeira necessita da colaboração de pais e educadores, já
que a incorporação desta temática como conteúdo curricular ainda é bastante restrita. O educador
tem papel fundamental na busca pela inclusão de novos conhecimentos no cotidiano escolar,
considerando a transversalidade dos temas. A escola pode e deve ser encarada como um espaço
de discussão qualificada, levantando questões com impacto direto na vida dos alunos e com as
quais estes se confrontam em seu cotidiano. Assim, o espaço escolar é propício a estimular e
sensibilizar os alunos a uma prática de consumo mais consciente a partir de uma reflexão sobre
responsabilidade social e cidadania.
Estas questões devem ser abordadas de formas criativas, por meio da apropriação do
conhecimento do cotidiano social junto com novas tecnologias para desenvolver uma reflexão
inovadora e transformadora que auxilie o processo de ensino-aprendizagem e a própria
experiência como cidadão. Mas, apesar disso, é importante tomar certos cuidados na abordagem
da Educação Financeira que não deve ser confundida com um simples ensino de técnicas ou
macetes para bem administrar o dinheiro e nem como um manual fácil de ser seguido. O objetivo
da abordagem desta temática deve ser o de criar uma reflexão ampla sobre o ato de consumir.
A educação para o consumo: um breve relato de uma experiência com crianças
Nesta parte, apresento uma breve contextualização das ações desenvolvidas em alguns
projetos desenvolvidos com estudantes, do quarto (4º) ao nono (9º) ano de escolaridade do ensino
fundamental, de duas escolas públicas localizadas em Seropédica – RJ e financiados pelo
Programa de Bolsas Institucionais de Extensão – BIEXT da Universidade Federal Rural do
Rio de janeiro.
O projeto se baseou nas perspectivas das mudanças globais, na redefinição do papel do
consumo onde a criança e o jovem tiveram suas atitudes em relação ao consumo também
redefinidas, tornando consumidores em potencial. O estudo de Áries (1973) nos ajuda a
compreender essa questão a partir de suas considerações sobre o modelo de família europeu do
século antigo, que tratava as crianças de forma a negar sua autonomia e participação em vários
aspectos, desprezando quaisquer necessidades particulares, como por exemplo, no consumo. As
crianças durante muito tempo não foram consideradas cidadãos efetivos com necessidades
particulares a seu desenvolvimento. Esse fator foi se modificando ao longo do tempo em função
de transformações no âmbito sócio educacional que incidiram também sobre as questões
financeiras e de consumo.
Levando em consideração toda essa mudança, a equipe entendeu que o projeto tinha
grande relevância social e que a implementação de atividades que tratassem de Educação
Financeira e para o Consumo junto a esse público se mostrava necessária. Desta forma, buscando
atender à demanda da formação desses indivíduos enquanto cidadãos críticos e participativos, a
ideia do projeto era propor uma reflexão sobre seus atos de consumo e não promover uma crítica
às práticas e consumos dos alunos.
O projeto foi feito em etapas: no primeiro momento foram realizados estudos, discussões
e planejamento das ações. Na segunda etapa foram elaboradas atividades e recursos didáticos e
no terceiro momento houve a execução das ações com as turmas. As atividades não ficaram
restritas às turmas, mas também foram realizados cursos e palestras, sobre orçamento familiar,
endividamento e consumo sustentável, junto aos professores, servidores e responsáveis pelos
alunos.
É importante ressaltar que os padrões de consumo atuais tornam necessárias tais reflexões,
sobre o papel da publicidade no processo de produção e a escola se torna um veículo de
informação e reflexão importante para disseminar essas informações. Apoiados em Costa (2006,
p.54) compreendemos que a formação de consumidores responsáveis está associada à formação
de cidadãos atentos, que através de seu exercício de cidadania podem exigir mais e melhor dos
prestadores de serviços e do comércio, apelando para a transparência das relações entre
empresas e cidadãos. A autora entende que vivemos numa época em que as pessoas associam
consumo a determinados padrões de identidade.
Por outro lado, Petersen e Schmidt entendem que
o consumo passa a ser um elemento constituinte das identidades infantis deste
tempo e seus atributos são percebidos quase como aspectos naturais ao ser
humano, visto que desde muito cedo as crianças passam a fazer escolhas, a
identificar-se com personagens para em seguida, na escola, aderirem a
determinados grupos que concernem a essas escolhas. (PETERSEN e
SCHMIDT, 2014, p.40)
Após essa breve consideração, sobre os sentidos do consumo para as crianças, voltemos
ao detalhamento das ações do projeto. A forma de concepção das atividades com as turmas
durante o projeto foi pensada de modo a não interferir muito na rotina escolar obrigatória dos
alunos. As atividades, em cada turma, foram divididas em exposições de alguns conceitos e
atividades práticas que compreenderam: oficinas, confecção de cartazes, atividades com jogos,
como cruzadinhas e rodas de leitura.
As temáticas foram trabalhadas de modo que os alunos pudessem compreender a
contextualização histórica do Dinheiro e Consumo, iniciando então com a temática do Escambo,
uma das primeiras relações de consumo existente através de trocas de insumos – que foi
contextualizada a partir de um ato comum entre as crianças: a troca de figurinhas, facilitando o
entendimento, já que configura uma nova roupagem desta antiga prática.
Em seguida foi abordada a História do Dinheiro e Dinheiro no Cotidiano das Pessoas que
entre outros aspectos abordou as evoluções no formato de dinheiro e as formas de uso deste no
dia a dia. Foram abordados ainda: Consumos e Tipos de Consumidores, Processos de Compras e
Publicidade que enfatizaram os diferentes perfis de consumidores, avaliação de qualidade e preço
de produtos e as formas de propagação através dos veículos de comunicação, dos cuidados com
alguns tipos de propagandas como as enganosas e abusivas, pois é através da publicidade que se
propagam informações e ideias e modos de vida.
Por último foram abordados: Direitos e Deveres do Consumidor, Consumo e Saúde,
Consumo Sustentável e lixo e Reciclagem, onde foram enfatizadas questões relacionadas a
reclamações, exigência de nota fiscal, código de barras e idoneidade de prestadores de e serviços,
conservação de alimentos e atenção aos impactos causados pelos alimentos das redes de fast-
food.
Os conteúdos abordados e a forma de metodologia foram os mesmos nas diferentes turmas
e escolas, atendidas pelos projetos, exceto por modificações nas estruturas dos textos e no formato
de algumas atividades em função da faixa etária dos alunos que por vezes apontava para
necessidade de ampliar o uso da ludicidade e também foram utilizados livros3 infanto-juvenis.
Durante a realização dos projetos, juntos aos estudantes, foi possível perceber que entre
as crianças a posse dos bens de consumo, no caso brinquedos, telefones celulares, jogos e tantos
outros produtos faz com que elas ocupem um papel de destaque entre os colegas, onde tais bens
servem para a constituição das suas identidades, bem como para demarcar diferenças
“simbólicas” entre os que os possuem ou não. Elas nos mostraram, ainda, que, embora pertençam
a um mundo cada vez mais globalizado e conectado, não se deixam capturar completamente pela
lógica do sistema capitalista, revelando-se cada vez mais híbridos. Ainda há espaço para afetos,
invenções, reinvenções, risos e dribles.
Considerações finais
A abordagem da educação financeira que recentemente começou a ser incluída, mesmo
que de maneira transversal, em algumas escolas brasileiras pode, a longo prazo, representar
mudanças que apontem para a formação de um consumidor cidadão, que esteja preocupado não
apenas em avaliar a relação econômica envolvida no consumo, mas também as consequências de
seu ato do ponto de vista social e ambiental. Ressalto que nossa concepção de educação financeira
parte da premissa que é importante e necessário entender que a abordagem das finanças pessoais
vai além de saber as regras do mercado, identificar os melhores investimentos ou conhecer as
taxas aplicadas no mercado.
Para finalizar nossa reflexão vale frisar que os significados que as pessoas atribuem às
mercadorias que consomem fazem parte de sua vida cotidiana e não podem ser deixados de lado
3A realização da atividade teve como suporte um livro de literatura da temática do consumo e buscou a integração
com a professora de língua portuguesa e reforçar a importância do desenvolvimento de ações de incentivo à prática
da leitura.
quando se analisa o contexto social do consumo e da vida pós-moderna. Como sinalizou Certeau
(2004), os homens são capazes de criar novos significados para situações sociais já pré-
estabelecidas através das “artes de fazer” e dos “modos de usos”.
Na realização das nossas ações junto ao público infanto-juvenil, tem sido possível não só
conhecer suas práticas de consumo, mas acima de tudo superar a ideia do consumidor - vítima
passiva e manipulada pelo mercado, passando a concebê-lo também como atores sociais e agentes
ativos. Nossas ações buscaram promover um deslocamento na perspectiva de análise para a
temática do consumo, onde o que as crianças e adolescentes consomem cedem espaço para a
tentativa de compreender o sentido que elas atribuem ao que consumem partir da invenção de
novos usos.
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