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Ensino e aprendizagem em Educação Infantil e Ensino Fundamental GEOGRAFIA I Parte 1

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Ensino e aprendizagem em Educação infantil e Ensino fundamental

GEoGrafia iParte 1

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Recredenciamento e-MEC 200901929

Presidente João Moisés ArbexReitor Marcelo Junqueira Pereira

Pró-Reitor de Graduação e Assuntos Acadêmicos Marcelo Peterle Pereira DantasPró Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão Ivan de Oliveira Pereira

Pró Reitor de Administração e Finanças Túlio Marcos RomanoSecretaria Geral Adriana da Silva Ferreira

[email protected] – www.unincor.br

Coordenação

Multimídias

Suporte

Luiza Procópio SarrapioMarisa Procópio SarrapioCristian Silva VilelaThaís Gabriela Canelhas Nascimento

Coordenação – Música EaD Rafael Marin da Silva GarciaEd Wilson Archanjo (Assistente)

Comissão de Coordenação – Pedagogia EaD Neuza IeminiSimone Catarina Silva ArchanjoSolange Christina Carneiro Rodriguez

DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Coordenação Geraldo Márcio de Assis SilvaSuporte Edvaldo Ribeiro

PRODUÇÃO DE TEXTO

Texto original Prof. Antônio Sérgio da CostaAtualização/Revisão Prof.ª Neuza Iemini

2013

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Sumário

Apresentação .......................................................................................................................... 4

Pra começo de conversa... ...................................................................................................... 6

Por que estudar geografia? .................................................................................................... 6

Recapitulando ....................................................................................................................... 14

Um pouco da história da geografia... ................................................................................... 15

Observe o quanto o mundo mudou... .................................................................................. 20

Observe o quanto a geografia mudou... ............................................................................... 21

O ensino da geografia .......................................................................................................... 25

Algumas considerações ........................................................................................................ 33

Alguns desafios ..................................................................................................................... 33

Alguns caminhos ................................................................................................................... 34

Referências ............................................................................................................................ 36

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apresentação

Indignados tomam as ruas da Espanha. Disponível em http://oglobo.globo.com/in/4883936-8c5-d1f/FT712A/SPAIN_-GGVI9V92.1.jpg. Acesso em 21 fev. 2013.

Olá, caro(a) acadêmico(a), seja bem-vindo(a) à disciplina Ensino e Aprendizagem em Educação Infantil e Ensino Fundamental. As disciplinas, como prática escolar, apresentam características próprias que as distinguem das disciplinas acadêmicas. Portanto, a geografia, em nosso estudo, será a geografia escolar, ou seja, com o enfoque pedagógico nos primeiros anos do ensino fundamental.

Porém, é impossível dissociar a geografia acadêmica da geografia praticada em sala de aula, pois a trajetória da sistematização da ciência geográfica teve, ao longo dos anos, e ainda tem, influências marcantes, positivas e negativas na geografia escolar.

A primeira parte deste conteúdo vai tratar justamente dessa interação academia-escola. Perguntamos: qual é a importância de se estudar geografia? Nossa proposta é mostrar que apesar de uma série de distorções e negligências, geradas desde o nascedouro desse saber, a geografia tem seu devido valor como ciência humana, como prática escolar, principalmente em nossa atual sociedade, onde conhecer e refletir sobre o espaço geográfico é primordial.

Em seguida, traçaremos um breve histórico da ciência geográfica, um pequeno painel sobre o nascer, crescer e renascer da geografia, assim como as perspectivas para o novo milênio que se descortina. A importância de se conhecer um pouco dessa trajetória está no fato de que a geografia científica ou acadêmica é uma referência quanto ao conteúdo e quanto às práticas metodológicas do ensino geográfico na escola.

Vamos fechar nossa primeira parte colocando o foco no ensino de geografia. Fruto

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da interação entre ciência e escola, o ensino de geografia terá nas condições históricas, em especial no Brasil, suas mais diversas interfaces, ora conservadora, ora progressista, refletidas no ambiente escolar, em constante mutação, assim como a sociedade contemporânea.

Já a segunda parte dos nossos estudos será reservada para a sala de aula, para os métodos e aplicações da geografia escolar. Entre outras fontes de pesquisa para compor este conteúdo, fez-se referência indispensável os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), assim como a Coleção Veredas, projeto de formação no ensino superior para professores, desenvolvidos pela Secretaria de Educação de Minas Gerais.

Traçamos, assim, os principais e atuais propostas e eixos temáticos que norteiam a metodologia do ensino de geografia, perfazendo o Ensino Infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental.

Longe, no entanto, de indicar práticas e diretrizes “ideais” para o professor trabalhar esse ou aquele conteúdo; nossa intenção aqui é apenas pontuar orientações metodológicas em geografia a partir de referências balizadas e de alcance nacional. Caberá ao futuro professor reconhecer tais referências e buscar caminhos comungados e singulares para uma efetiva metodologia do ensino geográfico, onde o método é constantemente (re)construído.

Por fim, vale salientar, caro(a) acadêmico(a), que o nosso conteúdo não é algo estático e finalizado, é, antes de tudo, um ponto de partida, gerador de ideias e reflexões para que, juntos, numa frutífera relação dialógica de ensino e aprendizagem, possamos construir o conhecimento. Como nas palavras do escritor João Guimarães Rosa, em Tutaméia: “o livro pode valer pelo muito que nele não deveu caber”.

Assim, o que acumularemos até o final do nosso estudo dependerá não apenas deste conteúdo, mas principalmente do nosso compromisso em expandir e aprofundar o conhecimento, pensar e (re)pensar a geografia na vida e na escola.

Bom estudo!!!

Disponível em http://office.microsoft.com/pt-br/images/.../MP900409724|. Acesso em 22 fev. 2013.

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Pra CoMEÇo DE CoNVErSa...

Por QUE ESTUDar GEoGrafia?

“Ignorar geografia é irresponsável. Ela é tão importante para os negócios e a política doméstica quanto para as decisões militares e de política exterior”.

G. GROSVENOR. Presidente da Associação Norte-Americana de Geógrafos, 1987.

A ignorância da geografia chegou a tal ponto que, nos Estados Unidos, foi criada [...] uma campanha, promovida pela mídia, para solucionar o problema, após os norte--americanos terem criado, nos anos 1960, a expressão “analfabetismo geográfico” (geo-graphic illiteracy). Essa expressão, depois copiada por outras disciplinas (que passaram a falar em “analfabetismo matemático”, “analfabetismo histórico” etc.), surgiu da consta-tação, pela mídia dos Estados Unidos, da enorme carência de conhecimentos geográficos que existia entre a população em geral e entre os estudantes em particular. Até mesmo os soldados enviados para a Guerra do Vietnã revelavam um enorme desconhecimento do país no qual lutavam, muitas vezes imaginando que ele fosse vizinho do Panamá! (VESEN-TlNI, 2005, p.80).

TRUDEAU, Garry. The Guardian, 1988. Disponível em http://janainabellotti.blogspot.com.br/2011/08/analfabetismo-geografico.html.

Acesso em 22 fev. 2013.

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Esta questão, no entanto, vai além da sala de aula... Esse analfabetismo geográfico tinha – e, em grande parte, ainda tem – indesejáveis conse-quências práticas. Por exemplo: nos anos 1980, uma empresa de aviação norte-americana – a American Airlines – teve enormes prejuízos ao tentar entrar no mercado brasileiro por-que servia comida mexicana nos seus aviões e treinou os seus funcionários em espanhol, imaginando que este seria o nosso idioma! E a maior rede de comércio varejista do mundo – a Wal-Mart – também conheceu uma fracasso nos seus primeiros anos de negócios no Brasil, pois entulhou as suas lojas com artigos impróprios ao nosso clima e aos nossos há-bitos: roupas para esquiar, agasalhos para o frio do inverno de Chicago, tacos de beisebol etc. (VESENTlNI, 2005, p.80-81).

E quando assistimos a algum filme de Hollywood tentando retratar aspectos do Brasil? Por exem-plo, o filme O incrível Hulk, de 2008 teve suas primeiras cenas ambientadas em uma favela do Rio de Janeiro. Vários absurdos geográficos poderiam ser cita-dos (ASSISTA AO FILME!!!). Um deles é a cena em que Hulk, na ca-lada da noite, deixa o Rio de Janeiro. Quando amanhece o dia, ele já está na Amazônia. Ou seja, não era o Hulk... era o Flash!!!

atividade 1Baseando-se no cartum e em nossas primeiras reflexões, procure concluir o que seria esse analfabetismo geográfico. Dê a sua definição abaixo.

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Bruce Banner (Edward Norton) foge pelas ruas do Rio, antes de se transformar no Hulk. Disponível em http://planetamongo.wordpress.com/2008/09/27/o-

incrivel-hulk-na-cidade-maravilhosa/. Acesso em 22 fev. 2013.

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Sua resposta, caro(a) aluno(a) nos levará à seguinte questão:

QUAL É A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA GEOGRAFIA? • Estudar geografia é uma forma de compreender o mundo em que vivemos. Por meio desse estudo,

podemos entender melhor o local em que moramos – seja uma cidade, seja uma área rural – e o nosso país, assim como os demais países.

• O campo de preocupações da geografia é o espaço da sociedade humana, onde homens e mulheres vivem e, ao mesmo tempo, produzem modificações que o (re)constroem permanentemente.

• Indústrias, tecnologias, cidades, rios, populações, culturas: todos esses elementos – além de outros – constituem o ESPAÇO GEOGRÁFICO, ou seja, o meio ou realidade material em que a humanidade vive e do qual é parte integrante.

TUDo No ESPaÇo GEoGrÁfiCo DEPENDE Do SEr HUMaNo E Da NaTUrEZa

Pela saúde: xô, tabagismo! Disponível em http://jie.itaipu.gov.br/print_node.php?secao=turbinadas1&nid=4833.

Acesso em 22 fev. 2013.

Para nos posicionarmos de forma CRÍTICA em relação ao mundo, temos de conhecê-lo bem. Ser CIDADÃO pleno em nossa época significa, antes de tudo, estar integrado criticamente, participando de maneira ativa de suas transformações.

Para isso, devemos refletir sobre o nosso mundo, compreendendo-o do âmbito local até os âmbitos nacio-nal e planetário. E a geografia é um instrumento indispensável para compreendermos esta reflexão, que deve ser a base da nossa atuação no mundo.

No livro de geografia Sociedade e espaço (2005), José William Vesentini aponta para um mundo cada vez mais dinâmico e interligado, onde recebemos, hoje, em apenas um dia, mais informações que aquelas que

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nossos avós recebiam durante toda a sua vida! Diante desse “admirável mundo novo”, cabe à escola um papel primordial:

Isso significa que, muito mais do que fornecer informações, a escola de hoje -e também o ensino da geografia – deve desenvolver no aluno a capacidade de selecioná-las, de filtrá--las com o objetivo de separar o que é importante e crível (...) daquilo que é superficial ou mera propaganda enganosa. (VESENTINI, 2005, p.11)

GONSALES, Fernando. Níquel Náusea. Disponível em http://www2.uol.com.br/niquel/. Acesso em 22 fev. 2013.

Conhecer o mundo atual, portanto, significa, também, aprender a refletir, a ter um espírito crítico que permita realizar uma triagem daquele amontoado de fatos e informações de que o mundo das comunicações nos inunda a cada dia. A respeito disso, um importante educador fez a seguinte afirmativa:

O primeiro objetivo da educação é criar pessoas capazes de fazer coisas novas, e não simplesmente repetir o que outras gerações fizeram (...). O segundo objetivo da educação é formar mentes que possam verificar e não aceitar tudo o que lhes é oferecido. O maior perigo, hoje, é o de slogans1, opiniões coletivas, tendências de pensamento ready-made2. Temos de estar aptos a resistir, a criticar, a distinguir entre o que está demonstrado e o que não está. (Jean Piaget, apud Streck, 1994, p.96).

A geografia também pode sofrer do mesmo mal, ou seja, ao invés de ajudar a construir um cidadão crítico, pode transformá-lo em um alienado. É o que o geógrafo francês chamava de geografia-espetáculo. Vejamos:

(...) a geografia também se tornou espetáculo: a representação das paisagens é hoje uma inesgotável fonte de inspiração e não somente para os pintores e sim para um grande número de pessoas. Ela invade os filmes, as revistas, os cartazes, quer se trate de procuras estéticas ou de publicidade. (LACOSTE, 2013, p.16).

1 Slogans: frases ou opiniões repetidas de forma panfletária, isto é, com uso político, sem nenhuma preocupação com a veracidade dos fatos.2 Ready-made: opiniões ou pensamentos já prontos, que todos repetem, mesmo sem saber exatamente o que significam.

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atividade 2Em sua experiência de aprendizagem como aluno(a), você conheceu esse ti po de geografi a apresentada por Lacoste? Descreva um exemplo de geografi a-espetáculo.

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Geografi a-espetáculo. Disponível em htt p://guiaavare.com/noti cia/3449/fotos-de-oito-paisagens-mais-lindas-do-

mundo. Acesso em 22 fev. 2013.

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Um ótimo exemplo de geografia espetáculo pode ser encontrado em guias de viagens. Para “ganhar” o tu-rista, as agências apresentam só imagens belíssimas de paisagens sedutoras. Veja as fotografias do Nordeste: praias e mais praias! E o sertão? O sertão não existe?

GEOGRAFIA-ESPETÁCULO: O SERTÃO NÃO EXISTE?

A seca no sertão de Pernambuco. Disponível em http://www.diariodepernambuco.com.br/. Acesso em 22 fev. 2013.

Praia dos carneiros, Pernambuco. Disponível em http://www.pluralissimo.com.br/?attachment_

id=2688. Acesso em 22 fev. 2013.

Outra crítica à geografia é ser ela, quando não espetáculo, uma disciplina excessivamente descritiva e enfadonha. Segundo Yves Lacoste, muitos pensam que a geografia não passa de uma disciplina meramente descritiva, que fornece descrições “neutras” ou “desinteressadas” sobre o mundo: o clima do sul da Ásia, o relevo da Europa, os fusos horários da Rússia etc.

Trata-se da denominada geografia tradicional, que predominou até os anos 1970 (e, às vezes, teima em continuar na sala de aula!) e tratava o educando do ensino fundamental e médio como um pequeno adulto, que tão somente deveria assimilar o conhecimento acadêmico sistematizado sob a forma de informações. A única diferença entre os ensinos era apenas o tamanho da lista de acidentes a serem memorizados, menor no ensino fundamental, maior no ensino médio.

Durante todo esse tempo, a relação professor-aluno era pautada na transmissão unidirecional do conhe-cimento. O professor era o detentor dos conhecimentos, e os alunos, os receptores. Além de simples recep-tores, os estudantes, de forma geral, eram treinados para serem disciplinados, passivos e acríticos. Educação era sinônimo de adestramento. Lembra-se do filme Tempos modernos?

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Charlie Chaplin. Tempos Modernos. Disponível em http://www.adorocinema.com/personalidades/

personalidade-5711/fotos/detalhe/?cmediafile=18880989. Acesso em 22 fev. 2013.

A partir dos anos 1970, entra em cena a chamada geografia crítica (vamos conhecer melhor essa corren-te geográfica logo à frente, aguarde). Eustáquio Sene, no primeiro ano da revista Discutindo Geografia, nos orienta para o contexto histórico dessa superação. Vejamos alguns fragmentos de seu artigo:

“Desde os anos 1970, o mundo passa por um conjunto de inovações tecnológicas (...). Para o cientista Manuel Castells, vivemos numa era da informação, na qual o conhecimento é o principal responsável pela geração de novos conhecimentos e pelo aumento da produ-tividade.” (...)

“Se a atual revolução tecnológica promove mudanças em tantos setores, é razoável supor que também as promova na Educação. De fato, as novas exigências para trabalhadores e cidadãos têm imposto mudanças na relação ensino-aprendizagem.” (...)

“É premente a adequação da escola às novas tendências do mundo globalizado, marcada pela revolução informacional, em que novas habilidades, competências e atitudes são exi-gidas (...). Segundo a UNESCO, a educação para o século XXI deve assentar-se em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver.”

(Discutindo Geografia. Ano 1 n. 4 p.66)

A geografia crítica está inserida neste cenário de novas tendências do mundo atual. Assim, vê o aluno como um ser humano que possui diferentes potencialidades a serem desenvolvidas. O desenvolvimento deve ocorrer de acordo com a sua realidade etária, socioeconômica e espacial no sentido de LUGAR DE VIVÊNCIA.

Um exemplo dessa nova abordagem geográfica pode ser observada na questão a seguir, retirada do pri-meiro ENC (provão) para o curso de Geografia:

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Aline Carollina Silvestre de Jesus, 15 anos, moradora do violento Jardim Ângela, bairro da zona sul de São Paulo, escreveu o seguinte poema sobre a guerra do Iraque:

“GuerraMuitos morremPoucos resistem à morteMas prá sobreviver nesse bombardeioTem que ter muita sorteHá muito sangueParece até filme: ‘Massacre de gangues’.Algo vazio paira no arHá vários gritosE aos poucosOuço alguém gritar:– Ei! Venham me salvar!Mas até hoje fico na dúvida:– Será que foi a EsperançaQue tentou se imortalizar?”

Foi questionada pela repórter:– Estes versos descrevem Bagdá ou o próprio bairro?Ela responde:– Ambos.

(Folha de São Paulo, 30/03/2003)

A partir do pensamento de Aline, pode-se afirmar que: a) O espaço vivido e o espaço concebido são conceitos idênticos e, portanto, anulam-se. b) Para a compreensão espacial é suficiente considerar a singularidade dos lugares. c) Falta cientificidade à categoria lugar, da qual decorrem as confusões entre contextos

diferentes. d) Há uma correlação entre o local e o global, o particular e o geral, evidenciada por

aspectos comuns. e) O local e o global guardam semelhanças, mas sua correlação impede a compreensão das

especificidades.

Na resposta correta (letra d), é possível identificar uma nova geografia, que busca relacionar as realidades (local e global) de que o aluno necessita compreender para saber pensar o espaço, ou seja, para ter um racio-cínio geográfico, para atuar de forma mais eficaz no espaço em que vivemos.

A GEOGRAFIA SERVE PARA QUE AS PESSOAS APRENDAM A SE ORGANIZAR NO ESPAÇO, PARA NELE ATUAR.

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rECaPiTULaNDoNossa conversa inicial, caro(a) acadêmico(a), mostrou que a geografia passou por um momento de crise

de relevância. As pessoas desconheciam aspectos geográficos ou conheciam uma geografia, ora enfadonha e descritiva apenas, ora espetaculosa, sem a utilidade crítica e prática desse saber científico. No entanto, vimos que a geografia tem, sim, relevância, seja em nosso cotidiano, seja dentro da sala de aula.

Agora que conhecemos um pouco da importância da Geografia, vamos conhecer, então, alguns tópicos que caracterizam a sistematização dessa ciência, ou seja, seu objeto de estudo e sua trajetória até os nossos dias. Esse breve histórico do pensamento geográfico irá influenciar o ensino da Geografia na sala de aula. Antes, uma pequena pausa de aroma, sabor e reflexão.

A reflexão é por nossa conta! Então, para adentrarmos na História da Geografia, é o momento oportuno para a seguinte reflexão, parafraseando o filósofo Albert Camus.

atividade 3“O HOMEM NÃO É INTEIRAMENTE CULPADO, NÃO FOI ELE QUEM COMEÇOU A GEOGRAFIA; NEM COMPLE-TAMENTE INOCENTE, JÁ QUE ELE A CONTINUA.”Registre sua reflexão sobre a frase acima. Vamos lá!

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UM PoUCo Da HiSTÓria Da GEoGrafia...

Mapa do Brasil atribuído a Lopo Homem Reinéis (1519). Disponível em http://www.instituto-camoes.pt/revista/achamentvc.htm. Acesso em 22 fev. 2013.

oBJETo Da GEoGrafia

Antes da evolução da ciência geográfica, é importante pensar um pouco sobre o objeto de estudo da geo-grafia. Alguns autores a definem como o estudo da superfície terrestre. Essa concepção é a mais usual, e, ao mesmo tempo, a de maior vaguidade, pois empresta à geografia a característica de ciência-síntese de todas as outras ciências (geologia, ecologia, demografia, economia, política etc). Nem a geografia nem nenhuma outra ciência têm a capacidade de conhecer e estudar tudo que acontece na superfície terrestre.

Outros autores definem geografia como o estudo das paisagens, o que a torna excessivamente descritiva e, mais uma vez, ciência-síntese de outras ciências. Outros buscam definir a geografia como o estudo do espaço. O principal obstáculo, neste caso, é explicitar o que se entende por espaço. O espaço pode ser algo filosófico: o espaço está no tempo ou o tempo no espaço? Ou então: nada existe sem ocupar um determi-nado espaço... eis a questão?

Finalmente, há autores que definem a geografia como o estudo das relações entre o homem e o meio, ou, posto de outra forma, entre a sociedade e a natureza. Esta concepção provoca uma velha discussão entre os ge-ógrafos: a geografia é uma ciência física ou humana? Ou seja, o objeto geográfico é a natureza ou a sociedade?

Concluímos, deste breve painel de definições da geografia, que não há consenso sobre o objeto de estudo geográfico. O mosaico de conceitos restringe-se a formulações genéricas onde prevalecem diversas contro-vérsias. O que podemos afirmar sobre o objeto de estudo da geografia é que este tem sido modificado ao longo de sua história, sendo fruto de cada época e cultura. Portanto, é fundamental conhecer um pouco da trajetória da Geografia.

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aNTES DE SEr CiÊNCia...

O rótulo geografia é bastante antigo, sua origem remonta à antiguidade clássica, especificamente ao pen-samento grego. Entretanto, apesar da difusão do uso deste termo, o conteúdo a ele referente era por demais variado.

Veja o que Jan Broek (1986), em seu Iniciação ao estudo da geografia, observa: Os gregos observaram e descreveram lugares, levantaram plantas, organizaram os dados em categorias significativas e desenvolveram teorias para explicar o mundo à sua volta. (BROEK, 1986, p. 21)

• Os filósofos Tales e Anaximandro privilegiavam a medição do espaço e a discussão da forma da Terra. • Heródoto se preocupava com a descrição dos lugares, numa perspectiva regional. Aristóteles, em seu

Física, discutiu a definição de lugar. • Hipócrates discutia as relações entre o homem e o meio ambiente, hoje, um dos principais temas do

pensamento geográfico.

A expressão “Idade das Trevas”, usada em relação à Idade Média, expressa a regressão do conhecimento científico na Europa medieval. A justificação dogmática da fé cristã substituiu a livre indagação intelectual.

Disponível em http://livros-e-filmes-especiais.blogspot.com.br/2010/06/giordano-bruno.html.

Acesso em 22 fev. 2013.

GEoGrafia No CiNEMa

Giordano Bruno: Direção: Giuliano Moltaldo (Itália, 1973) O filósofo, astrônomo e matemático Giordano Bruno (nascido em Nola, perto de Ná-poles, em 1548) faz várias descober-tas científicas e desenvolve sua teoria do universo infinito e da multiplicida-de dos mundos, em oposição à tradi-ção geocêntrica (a Terra como centro do Universo). Recusa-se a abjurar tais ideias “blasfemas” e é queimado vivo por ordem da Inquisição, em 1600.

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Ptolomeu (miniatura extraída de um manuscrito grego do começo do século XVI). Disponível em http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=7327. Acesso em 22 fev. 2013.

No entanto, mesmo com o domínio intelectual restrito pela Igreja, Cláudio Ptolomeu teve sua obra, Sínte-se geográfica, traduzida e difundida pelos árabes, resgatando uma das principais obras clássicas da geografia.

O Renascimento trouxe, como em outros setores, a retomada do pensamento geográfico clássico. Com as grandes navegações, novas projeções de mapas, bem como novos mapas-mundi e novos globos, refletiam a passagem do horizonte local para a perspectiva mundial. O geógrafo Demétrio Magnoli, em seu livro Globali-zação, já aponta neste período uma primeira fase do que hoje chamamos de mundo globalizado.

ENTÃo, VEio a iDaDE MoDErNa E, CoM ELa, a CiÊNCia GEoGrÁfiCa...

Nesta rápida trajetória, pode-se dizer que o pensamento geográfico se encontrava disperso. Este quadro vai permanecer inalterado até o final do século XVIII. Assim, até este período não é possível falar em uma geografia como algo padronizado, com unidade temática e continuidade nas formulações.

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a SiSTEMaTiZaÇÃo Da GEoGrafia...

A ciência geográfica surge na Alemanha. No início do século XIX, a Alemanha era um território carente de organização espacial para seu desenvolvimento político e econômico. A QUESTÃO DO ESPAÇO ERA PRIMOR-DIAL. As primeiras colocações, no sentido de uma geografia sistematizada, serão de dois alemães, membros da aristocracia.

• Alexandre von Humboldt: possuía formação de naturalista e realizou inúmeras viagens. Entendia a geo-grafia como uma espécie de síntese de todos os conhecimentos relativos à Terra.

• Karl Ritter: possuía formação em filosofia e história. A geografia deveria estudar os lugares e compará--los, valorizando a relação entre o homem e a natureza.

• Friedrich Ratzel: fundador da geografia humana. Definiu o objeto geográfico como o estudo da influên-cia que as condições naturais exercem sobre a humanidade. Este princípio denominou-se determinismo geográfico.

• Vidal de La Blache: fundador da Escola Francesa de Geografia. Opunha-se ao determinismo de Ratzel. Definiu o objeto da geografia como a relação homem-natureza, colocando o homem como um ser ativo, que sofre a influência do meio, porém que atua sobre este, transformando-o. Deu a este princípio o nome de possibilismo geográfico.

Perceba, caro(a) aluno(a), que já ocorre uma tentativa de buscar o objeto de estudo, os princípios, os pres-supostos para a construção de um saber científico... BUSCA-SE UMA CIÊNCIA GEOGRÁFICA.

A obra destes autores, e de tantos outros que se seguiram por todo o século XIX e quase todo século XX, compõe a base da chamada geografia tradicional, marcada por descrições áridas, com as exaustivas enume-rações de acidentes geográficos e dados da sociedade, além de ser altamente elitista. Apesar disso, a geogra-fia consegue uma certa unidade metodológica que sustenta o seu caráter científico.

Então, a partir do pós-guerra, o mundo toma outro rumo, e a geografia também. Neste momento, a ci-ência geográfica passa a ser duramente criticada pela sua natureza metodológica. Daí, nasce uma geografia teorética, baseada exclusivamente em dados matemáticos, impulsionada pela evolução informacional. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com os seus números sobre o Brasil, é considerado um exemplo desta geografia de muitos dados e pouca interpretação crítica da realidade.

Somente a partir da década de 1970, uma geografia influenciada por elementos de análise marxista, uma geografia crítica, ganha espaço na elaboração do pensamento geográfico. As temáticas sobre as contradições sociais assumem grande centralidade na produção geográfica. O como produzir geografia passa a ser secun-dário diante do para quê e para quem produzir o conhecimento. Aí, sim, podemos falar em uma geografia renovada.

a rENoVaÇÃo Da GEoGrafia...

A geografia conhece hoje um movimento de renovação considerável, que advém do rompimento com a perspectiva tradicional. Em Geografia; pequena história crítica, Antônio Carlos Robert Moraes faz a seguinte observação:

Há uma crise de fato da Geografia Tradicional, e esta enseja a busca de novos caminhos, de nova linguagem, de novas propostas, enfim, de uma liberdade maior de reflexão e cria-ção. As certezas ruíram, desgastaram-se. (MORAES, 1987, p.93).

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atividade 4O autor refere-se às últimas décadas do século XX, quando houve a renovação do pensamento geográfico. O que mudou no mundo que fez a geografia mudar? Registre sua opinião.

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Observe a charge:

GONSALES, Fernando. Jornal Hoje em dia, 2007.

A charge acima ajuda a responder à questão proposta encimada. A revolução tecnológica, impulsionada por uma nova fase do capitalismo, globalizante, impunha às ciências, e também à geografia, a necessidade de gerar um conhecimento com feição mais tecnológica.

A realidade se tornara mais complexa. A urbanização atingiu índices impressionantes, inclusive modifican-do o quadro agrário, com a industrialização e a mecanização da atividade agrícola. O espaço globalizou-se nos fluxos e nas relações políticas, econômicas e culturais.

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observe o quanto o mundo mudou... DUAS NOTÍCIAS DE REPERCUSSÃO MUNDIAL...

MAS QUAL O TEMPO E A FORMA COMO O MUNDO LEVOU PARA CONHECER ESSAS NOTÍCIAS?

Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando é assassinado em Sarajevo por um estudante bósnio.

O arquiduque Francisco Ferdinando e a esposa, condessa Sofia Chotek, momentos antes de seu assassinato em Sarajevo. Disponível em http://www.dipity.com/gargid/World-War-1/. Acesso em 22 fev. 2013.

Na manhã de 11 de setembro de 2001, aviões atingem as torres gêmeas do edifício World Trade Center, em Nova Iorque.

As torres do WTC em chamas e a Estátua da Liberdade. Disponível em http://pontodoconhecimento.blogspot.com.br/2011/09/as-torres-gemeas-ataque-em-11-de.html. Acesso em 22 fev. 2013.

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observe o quanto a geografia mudou... A principal vertente da renovação da geografia é conhecida como geografia crítica. Esta denominação

advém de uma postura frente à realidade, frente à ordem constituída. São os autores que se posicionam por uma transformação da realidade social, pensando o seu saber como uma arma desse processo. São, assim, os que assumem o conteúdo político de conhecimento científico, propondo uma Geografia militante, que lute por uma sociedade mais justa. SÃO OS QUE PENSAM A ANÁLISE GEOGRÁFICA COMO UM INSTRUMENTO DE LIBERTAÇÃO DO SER HUMANO.

Trata-se de uma geografia de denúncias de realidades espaciais injustas e contraditórias. Procura explicar as regiões, mostrando não apenas suas formas e sua funcionalidade, mas também as contradições sociais aí contidas: a miséria, a subnutrição, as favelas, as desigualdades sociais. Ou seja:

O ESPAÇO COMO BASE DA VIDA SOCIAL E SUA ORGANIZAÇÃO COMO REFLEXO DA ATIVIDADE ECONÔMICA

Um bom exemplo é a capa deste livro de geografia do Brasil. Observe:

Capa de Panorama Geográfico do Brasil. Melhen Adas

Milton Santos, um dos principais geógrafos brasileiros, em seu livro O espaço do cidadão, também nos ajuda a compreender a nova abordagem crítica da geografia. Leia o texto abaixo:

O consumidor não é o cidadão O consumidor não é o cidadão. Nem o consumidor de bens materiais, ilusões tornadas realidades como símbolos: a casa própria, o automóvel, os objetos, as coisas que dão “status”. Nem o consumidor de bens imateriais ou culturais, regalias de consumo elitizado como o turismo e as viagens, os clubes e as diversões pagas; como a educação profissional, pseudo-educação que não conduz ao entendimento do mundo.

O eleitor também não é forçosamente o cidadão, pois o eleitor pode existir sem que o indivíduo realize

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inteiramente suas potencialidades como participante ativo e dinâmico de uma comunidade. O papel desse eleitor não-cidadão se esgota no momento do voto; sua dimensão é singular, como o é a do consumidor, esse “imbecil feliz”.

O cidadão é multidimensional. Cada dimensão se articula com as demais na procura de um sentido para a vida. Isso é o que dele faz o indivíduo em busca do futuro, a partir de uma concepção de mundo, aquela individualidade verdadeira, dotada de uma sensibilidade, rompida com a “sensibilidade mutilada”, referente à sociedade existente como reproduzida não apenas na mente, na consciência do homem, mas também nos seus sentidos.

O consumidor (e mesmo o eleitor não-cidadão) alimenta-se de parcialidades, contenta-se com respostas setoriais, alcança satisfações limitadas, não tem direito ao debate sobre os objetivos de suas ações, públicas ou privadas.

A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada às lógicas dos negó-cios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapas-sado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar respostas às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico.

O consumo, sem dúvida, tem sua própria força ideológica e material. Às vezes, porém, contra ele, pode-se erguer a força do consumidor. Mas, ainda aqui, é necessário que ele seja um verdadeiro cidadão para que o exercício de sua individualidade possa ter eficácia.

Onde o indivíduo é também cidadão, pode desafiar os mandamentos do mercado, tornando-se um “con-sumidor imperfeito”, porque insubmisso a certas regras impostas de fora dele mesmo. Onde não há o cida-dão, há o “consumidor mais-que-perfeito”. É o nosso caso?

Veja, a seguir, algumas das ideias de Milton Santos, que tem uma das propostas mais amplas e bem acabadas da geografia crítica.

Milton Santos, o mais importante geógrafo brasileiro. Foto de Foto de Luiz Carlos Santos. Disponível em http://jeitobaiano.wordpress.com/tag/milton-santos/. Acesso em 23 fev. 2013.

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O espaço sem cidadãosDeixado quase ao exclusivo jogo do mercado, o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e

termina por ser, em sua maior parte, um espaço sem cidadãos. Olhando-se o mapa do país, é fácil constatar extensas áreas vazias de hospitais, postos de saúde, es-

colas secundárias e primárias, informação geral e especializada, enfim, áreas desprovidas de serviços es-senciais à vida individual. O mesmo, aliás, se verifica quando observamos as plantas das cidades em cujas periferias, apesar de uma certa densidade demográfica, tais serviços estão igualmente ausentes. É como se as pessoas nem lá estivessem.

Que dizer, por exemplo, das mudanças brutais que se operam na paisagem e no meio ambiente, sem a menor consideração pelas pessoas? A lei é a do processo produtivo, cujos resultados ofendem, expulsam e desenraizam as pessoas, e não há lei que assegure o direito à vida com o mínimo de qualidade. Fala-se em ecologia, mas frequentemente o discurso que conduz à maior parte das reivindicações se refere a uma eco-logia localizada, enraivecida e empobrecida, em lugar de ser o combate por uma ecologia abrangente que retome os problemas a partir de suas próprias raízes. Estas se confundem com o modelo produtivo adotado e que, por definição, é desrespeitador dos valores desde os dons da natureza até a vida dos homens.

O resultado de todos esses agravos é um espaço empobrecido e que também se empobrece: material, social, política, cultural e moralmente. Diante de tantos abusos, o cidadão se torna impotente, a começar pelas distorções da representação política. A quem pode um candidato a cidadão recorrer para pedir que faça valer o seu direito às melhores condições de vida, propondo um novo corpo de leis ou velando pelo cumprimento da legislação já existente, mas desobedecida?

Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes de sua própria condição. Pessoas, com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário, têm valor diferente se-gundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do lugar onde se está.

A própria existência vivida mostra a cada qual que o espaço em que vivemos é, na realidade, um espaço com ou sem cidadãos.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. SP: Studio Nobel, 2000. ps. 41-43, 48 e 81

Milton Santos argumenta que é necessário discutir o espaço social, e ver a produção do espaço como objeto. Este espaço social ou humano é histórico, obra do trabalho, morada do homem. Toda atividade pro-dutiva dos homens implica numa ação sobre a superfície terrestre, numa criação de novas formas: PRODUZIR É PRODUZIR ESPAÇO.

Santos diz também que a organização é determinada pela tecnologia, pela cultura e pela organização socio-econômica da sociedade. Portanto, os lugares manifestam uma combinação de capital, trabalho e tecnologia.

Apesar de suas contradições, a geografia crítica manifesta-se na postura de oposição a uma realidade social e espacial desigual e injusta, fazendo do conhecimento geográfico uma arma de combate à situação existente. Segundo Moraes (1987), os geógrafos críticos, em suas diferenciadas orientações, buscam uma geografia mais generosa e um espaço mais justo, que seja organizado em função dos interesses dos homens.

Dessa trajetória da geografia podemos concluir que o pensamento geográfico vivencia na atualidade um amplo processo de renovação. Este movimento abre novas perspectivas para o geógrafo e, por consequência, para o ensino da Geografia.

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Nosso próximo passo é conhecer um pouco mais sobre o ensino da geografia, ou seja, o reflexo da ciência geográfica na sala de aula.

Antes, porém, um convite à reflexão! Um recurso que, atualmente, é muito utilizado no ensino de geografia é a canção. Enquanto aprecia seu

cafezinho, observe a letra da canção “Quem são eles?”, gravada pela banda Engenheiros do Hawai.

Corrida pra vender cigarroCigarro pra vender remédioRemédio pra curar a tosseTossir, cuspir, jogar pra foraCorrida pra vender os carrosPneu, cerveja e gasolinaCabeça pra usar bonéE professar a fé de quem patrocinaQuerem te matar a sede, eles querer te sedarEles querem te vender, eles querem te comprar

Quem são eles?Quem eles pensam que são?

Corrida contra o relógioSilicone contra a gravidadeDedo no gatilho, velocidade

Quem mente antes diz a verdadeSatisfação garantidaObsolescência programadaEles ganham a corrida antes mesmo da largadaEles querem te vender, eles querem te comprarQuerem te matar de rir, querem te fazer chorar

Quem são eles?Quem eles pensam que são?

Vender, comprar, vendar os olhosJogar a rede... contra a paredeQuerem te deixar com sedeNão querem te deixar pensar

Quem são eles?Quem eles pensam que são?

atividade 5Agora, registre sua opinião: é possível observar, na canção, características da geografia crítica? Quais?

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o ENSiNo Da GEoGrafiaA produção acadêmica em torno da concepção de geografia passou por diferentes momentos, gerando

reflexões distintas acerca dos objetos e métodos do fazer geográfico. De certa forma, essas reflexões influen-ciaram e ainda influenciam muitas das práticas de ensino.

Agora, caro(a) aluno(a), vamos conhecer alguns tópicos sobre o aparecimento da geografia como disci-plina escolar. Esta aparição surge num contexto IDEOLÓGICO. É o que nos mostra a autora Lana de Souza Cavalcanti em seu livro geografia, escola e construção de conhecimentos.

A história da geografia como disciplina escolar tem início no século passado (XIX),quando foi introduzida nas escolas com o objetivo de contribuir para formação dos cidadãos a par-tir da difusão da ideologia do nacionalismo patriótico. (CAVALCANTI, 1998 p. 18)

A geografia surge como um repertório de hinos militares, exaltando as belezas e riquezas do país, por um lado, e, por outro, inculcando a ideia de defesa, e mesmo de ampliação, do território nacional. Por isso, o geógrafo francês Yves Lacoste (já citado neste guia de estudo) deu o seguinte título à sua principal obra: geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra!

A nascente das principais tendências da geografia no Brasil data o período dos anos 1940. Essa geografia é marcada pela explicação objetiva e quantitativa da realidade, que fundamenta a escola francesa da época. Foi essa escola que imprimiu ao pensamento geográfi-co o mito da ciência asséptica, não politizada, com o argumento da neutralidade do discurso científico.

A GEOGRAFIA TINHA COMO META ABORDAR AS RELAÇÕES DO HOMEM COM A NATUREZA DE FORMA OBJETIVA, BUSCANDO A FORMULAÇÃO DE LEIS GERAIS DE INTERPRETAÇÃO.

Essa tendência da geografia e as correntes que dela se desdobraram foram chamadas (como vimos em nossas leituras anteriores) de geografia tradicional. Apesar de valorizar o papel do homem como sujeito histórico (lembra-se do possibilismo francês?), propunha-se, na análise da produção do espaço geográfico, estudar a relação homem-natureza, sem priorizar as relações sociais.

Por EXEMPLoEstudava-se a população, mas não a sociedade; os estabelecimentos humanos, mas não as relações sociais; as técnicas e os instrumentos de trabalho, mas não o processo de produção. Ou seja, não se discutiam as relações intrínsecas à sociedade, abstraindo assim o homem de seu caráter social. ERA BA-SEADA, DE FORMA SIGNIFICATIVA, EM ESTUDOS EMPÍRICOS, ARTICULADA DE FORMA FRAGMENTADA E COM FORTE VIÉS NATURALIZANTE.

War, jogo de tabuleiro muito popular, cujo objetivo é conquistar territórios e destruir os inimigos. Disponível em http://economia.uol.com.br/album/2012/07/18/veja-jogos-de-tabuleiro-e-on-line-para-empreendedores.htm. Acesso em 26 fev. 2013.

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No ensino, essa geografi a se traduziu, e muitas vezes ainda se traduz, pelo estudo descriti vo das paisagens naturais e hu-manizadas, de forma dissociada do espaço vivido pela socieda-de e das relações contraditórias de produção e organização do espaço. Os procedimentos didáti cos promoviam principalmen-te a descrição e a memorização dos elementos que compõem as paisagens, sem, contudo, esperar que os alunos estabele-cessem relações, analogias ou generalizações. Pretendia-se ensinar uma geografi a neutra. Essa perspecti va marcou, tam-bém, a produção dos livros didáti cos até meados da década de 70 e, mesmo hoje em dia, muitos ainda apresentam, em seu corpo ideias, interpretações ou até mesmo expectati vas de aprendizagem defendidas pela geografi a tradicional.

NO PÓS-GUERRA, a realidade tornou-se mais complexa: o desenvolvimento do capitalismo afastou-se cada vez mais da fase concorrencional e penetrou na fase monopolista do gran-de capital; a urbanização acentuou-se e megalópoles começa-

ram a se consti tuir; o espaço agrário sofreu modifi cações estruturais com a industrialização e mecanização do campo; as realidades locais passaram a estar arti culadas em uma rede de ESCALA MUNDIAL.

Os métodos e teorias da geografi a tradicional tornaram-se insufi cientes para apreender essa complexida-de e, principalmente, para explicá-la. O levantamento feito através de estudos apenas empíricos tornou-se de pouca validade. Era preciso realizar estudos voltados para análise das relações mundiais, análises essas também de ordem econômica, social, políti ca e ideológica.

Por outro lado, o meio técnico e cientí fi co passou a exercer forte infl uência nas pesquisas realizadas no campo da geografi a. Para estudar o espaço geográfi co globalizado, começou-se a recorrer às tecnologias aeroespaciais, tais como o sensoriamento remoto, as fotos de satélites e o computador como arti culador de massa de dados: surgem os SIGs (Sistemas Geográfi cos de Informações).

A PARTIR DOS ANOS 60, sob infl uência das teorias marxistas, surge uma tendência críti ca à geografi a Tra-dicional, cujo centro de preocupações passa a ser as relações entre a sociedade, o trabalho e a natureza na produção do espaço geográfi co. Ou seja, os geógrafos procuraram estudar a sociedade através das relações de trabalho e da apropriação humana da natureza para produzir e distribuir os bens necessários às condições materiais que a garantem.

CRITICA-SE A GEOGRAFIA TRADICIONAL, DO ESTADO E DAS CLASSES SOCIAIS DOMINANTES, PROPONDO UMA GEOGRAFIA DAS LUTAS SOCIAIS.

Essa nova perspecti va considerava que não basta explicar o mundo, é preciso transformá-lo. Assim, a ge-ografi a ganha conteúdos políti cos que são signifi cati vos na formação do cidadão. As transformações teórico--metodológicas dessa geografi a ti veram grande infl uência na produção cientí fi ca das últi mas décadas.

Portanto, as reformulações da ciência geográfi ca levaram, então, a alterações signifi cati vas no campo de ensino de geografi a, com base em fundamentos críti cos. No Brasil, também os anos 70 são o período de re-

A geografi a tradicional descreve o ambiente, mas não leva em conta as questões sociais. Mapa “Biomas do Brasil”. Disponível em htt p://www.

not1.xpg.com.br/grandes-biomas-no-brasil/. Acesso em 26 fev. 2013.

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pensar o papel da geografia nas escolas. Segundo o geógrafo Igor Moreira, a visão crítica de Lacoste sobre a geografia muito contribuiu para a re-

novação metodológica da disciplina no Brasil. MOREIRA (1992) considera que Lacoste teve o papel de dar impulso inicial às reflexões para a renovação

da geografia no Brasil ao analisar, entre outras coisas, o caráter estratégico do saber sobre o espaço. Lembre--se, caro(a) acadêmico(a), que vivíamos o contexto histórico de um regime militar. Portanto, havia muito de “geografia dos militares” nos slogans: A AMAZÔNIA É NOSSA! NINGUÉM SEGURA ESTE PAÍS!

Slogans ufanistas da época do regime militar. Disponível em http://geografiaetal.blogspot.com.br/2010/08/brasil-ame-o-ou-deixe-o.html. Acesso em 26 fev. 2013.

A contestação a esta “geografia” estruturada conforme a corrente da geografia tradicional, ou seja, que na escola apenas se caracteriza pela estruturação mecânica de fatos, fenômenos e acontecimentos divididos em aspectos físicos, humanos e econômicos; de modo a oferecer aos alunos uma descrição das áreas estudadas, seja um país, de uma região ou continente.

As propostas de reformulação do ensino de geografia buscaram, a partir dos anos 70, em contestação ao regime militar, explicitarem as possibilidades de uma geografia de caráter político, voltado aos interesses das classes populares.

NESTa ViSÃo rENoVaDa, o ensino da geografia não se deve pautar pela descrição e enumeração de dados, impostos à “memória” do aluno. Ao contrário, deve propiciar ao aluno a compreensão do espaço geográfico na sua concretude, nas suas contradições.

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Veja a crítica de um dos principais cartunistas do Brasil, o Henfil, atuante no período militar, que revela com muito bom humor essa compreensão do espaço geográfico em sua concretude:

HENFIL. cartum da década de 1970. Disponível em http://elirsalgado.blogspot.com.br/2010/08/verdadeira-imagem-do-

nosso-pais.html. Acesso em 26 fev. 2013.

O ensino de geografia nas últimas décadas, aqui no Brasil, tem sido marcado pela abertura de um amplo debate indo desde trabalhos científicos à produção de livros didáticos que procurem operacionalizar as novas tendências do pensamento geográfico.

Para o ensino, essa perspectiva trouxe uma nova forma de se interpretar as categorias do espaço geo-gráfico e influenciou, a partir dos anos 80, uma série de propostas curriculares voltadas para o segmento de quinta a oitava séries. Essas propostas, no entanto, foram centradas em questões referentes a explicações econômicas e a relações de trabalho que se mostraram, no geral, inadequadas para os alunos dessa etapa escolar, devido à complexidade dos assuntos. Além disso, a prática da maioria dos professores e de muitos li-vros didáticos conservou a linha tradicional descritiva e descontextualizada herdada da geografia tradicional, mesmo quando o enfoque dos assuntos estudados era marcado pela geografia crítica.

Por isso, quanto aos aspectos metodológicos do ensino de geografia, é preciso evitar um erro típico dessa “nova geografia”, que é o de crer que, para ensinar bem geografia, basta o conhecimento do conteúdo da matéria enfocada criticamente.

Ou seja, para que o ensino da geografia contribua para a formação de cidadãos críticos e participativos, bastaria que o professor se preocupasse em trabalhar, em sala de aula, com conteúdos críticos baseados em determinados fundamentos metodológicos dessa ciência.

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atividade 6Em sua opinião, o que está faltando para um ensino pedagogicamente eficiente no Ensino de geografia além de seu conteúdo crítico? Registre sua opinião.

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O geógrafo Antônio Moraes, no livro Para onde vai o ensino da geografia?, afirma que é fundamental aproximar teoria e prática no plano de ensino de geografia, estimulando uma reflexão pedagógica que assi-mile os avanços do pensamento geográfico das últimas décadas.

O ensino crítico de geografia não consiste pura e simplesmente em reproduzir um outro conteúdo, mesmo de caráter crítico. O ensino de geografia deve ser reatualizado, reelaborado em função da realidade do aluno e do seu meio.

O PROFESSOR NÃO DEVE SER UM MERO REPRODUTOR DO SABER, MAS UM CRIADOR.

Outro geógrafo, Diamantino Pereira, em seu artigo “geografia escolar: conteúdos e/ou objetivos?”, alerta quanto a necessidade de se pensarem os objetivos de ensino da geografia para além do ensino dos conteú-dos. Por exemplo: ao se definir que o objetivo do estudo do conteúdo “indústria brasileira” é fazer com que o aluno saiba o que é a “indústria brasileira”, o professor estará adotando a lógica do cachorro que corre atrás do seu próprio rabo e consegue apenas ficar cansado.

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VEJaMoS UM EXEMPLo DE UMa GEoGrafia CriaDora

Trecho da matéria Sociedade, ritmo e poesia, na coluna geografia & Arte, da revista Discutindo geografia Ano 3, n. 15, p. 56 a 59.

Negro Drama (Ed Rock e Mano Brown)

Eu recebi seu Tic, Quer dizer Kit,De esgoto a céu aberto, E parede madeirite,De vergonha eu não morri, Tô firmão, Eis-me aqui,Você não, Se não passa,Quando o mar vermelho abrir,Eu sou o manoHomem duro,

Do gueto, Brown,Obá,Aquele loko, Que não pode errar,Aquele que você odeia,ama nesse instante,Pele parda,Ouço Funk,E de onde vêm,Os diamantes,Da lama...

Entre os grupos de rap formados na periferia de São Paulo, um deles é o Racionais MCs, grupo mais influente e de maior repercussão no cenário brasileiro. Seu líder, Mano Brown, usa metáforas interessantes em suas longas narrações melódicas para descrever a sociedade e o meio em que vive. Sua tese é a de que a classe social determina a formação do cidadão e do espaço geográfico. Em 2002, o grupo gravou o quinto álbum,

intitulado “Nada como um Dia após o outro Dia”. O trabalho conta com faixas contundentes, que tiveram grande divulgação na mídia, apesar da forte rejeição dos rappers à imprensa tradi-cional. Os Racionais venderam mais de um milhão de discos trabalhando independentemente desses meios, sem aparecer em programas de TV. O rap, ao denunciar as diferenças sociais que se projetam sobre o espaço geográfico, evidencia a afirmação do professor e geógrafo Milton Santos, feita em por uma outra globalização: “a globalização paradoxalmente incita a violência, por exigir competitividade sem ética”. Assim, desde a migração dos jamaicanos ao bairro do Bronx, quando determinaram territórios não institucionais, até sua expansão pelo mundo em tempos de globalização cultural, a trajetória desse ritmo musical interliga de forma direta sua sonoridade à geografia.

Orlando Júnior é compositor e estudante de geografia das Faculdades Integradas de Guarulhos.

O texto acima relata a importância do ensino de geografia como referência do espaço como PRÁTICA SO-CIAL. Entre o homem e o lugar existe uma dialética, um constante movimento: se o espaço contribui para a formação do ser humano, este, por sua vez, com sua intervenção, com seus gestos, com seu trabalho, com sua ARTE, transforma constantemente o espaço.

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A fi nalidade de se ensinar geografi a para crianças deve ser justamente a de ajudar a formar raciocínios e concepções mais arti culados e aprofundados a respeito do espaço. Trata-se de possibilitar aos alunos a prá-ti ca de pensar os fatos e acontecimentos enquanto consti tuídos de múlti plos determinantes, entre os quais se encontra o espacial.

A PARTICIPAÇÃO DA CRIANÇA NA VIDA COTIDIANA CERTAMENTE SERÁ DE MELHOR QUALIDADE SE ELA CONSEGUIR PENSAR SOBRE SEU ESPAÇO DE

FORMA MAIS ABRANGENTE E CRÍTICA.

Pedrito do Bié, cantor e compositor angolano. Disponível em htt p://inside.bloguedemusica.com/image/1211965267-jpg/.

Acesso em 26 fev. 2013.

Para cumprir os objeti vos de ensino de geografi a, sinteti zados na ideia de desenvolvimento do raciocínio geográfi co, é necessário, portanto, selecionar e organizar os conteúdos que sejam signifi cati vos e so-cialmente relevantes para o aluno. É AÍ, NA METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA, ONDE ESTÁ O

MAIOR DESAFIO! Antes desse desafi o... um outro cafezinho? E que tal refl eti rmos sobre este poema de Fernando

Pessoa. Tente relacionar o poema com o desafi o de ensinar geografi a.

Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo da dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro.

geográfi co, é necessário, portanto, selecionar e organizar os conteúdos que sejam signifi cati vos e so-cialmente relevantes para o aluno. É AÍ, NA METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA, ONDE ESTÁ O

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atividade 7Registre aqui sua opinião sobre o desafio de ensinar geografia.

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aLGUMaS CoNSiDEraÇÕES Umas das características fundamentais da produção acadêmica desta última década é justamente a de-

finição de abordagem que considera as DIMENSÕES SUBJETIVAS e, portanto, singulares, que homens e mu-lheres em sociedade estabelecem com a natureza. Essas dimensões são socialmente elaboradas – fruto das experiências individuais marcadas pela CULTURA na qual se encontram inseridas – e resultam em diferentes percepções do espaço geográfico e sua construção.

E, essencialmente, a busca de explicações mais PLURAIS, que promovam a interseção da geografia com outros campos do saber, como a antropologia, a sociologia, a biologia, as ciências políticas, por exemplo. Uma geografia que não seja apenas centrada na descrição empírica das paisagens, tampouco pautada exclu-sivamente na interpretação política e econômica do mundo, que trabalhe tanto as relações socioculturais da paisagem como os elementos físicos e biológicos que dela fazem parte, investigando as múltiplas interações entre eles estabelecidas na constituição de um espaço geográfico, local para se atuar, para se transformar.

As sucessivas mudanças e debates em torno do objeto e método da geografia como ciência presente no meio acadêmico tiveram repercussões diversas no ensino fundamental. Positivas de certa forma, já que foram um estímulo para a inovação e a produção de novos modelos didáticos. No entanto, alguns aspectos negativos não foram superados, pois a rápida incorporação das mudanças produzidas pelo meio acadêmico provocou a produção de inúmeras propostas didáticas, descartadas a cada inovação conceitual, e, princi-palmente, sem que existissem ações concretas para que realmente atingissem o professor em sala de aula, sobretudo o professor das séries iniciais que, sem apoio técnico e teórico, continuou e continua, de modo geral, a ensinar geografia apoiando-se quase que exclusivamente no livro didático.

aLGUNS DESafioSO ensino de geografia apresenta problemas de ordem epistemológica (QUAL É MESMO O OBJETO DA

GEOGRAFIA?), assim como pressupostos teóricos (QUAL O MELHOR CONTEÚDO?). Podemos listar alguns obstáculos que o ensino de geografia terá de superar neste Milênio. Vamos a eles:

• Abandono de conteúdos fundamentais de geografia, tais como as categorias de nação, território, lugar, paisagem e até mesmo de espaço geográfico, bem como o estudo dos elementos físicos e biológicos que se encontram aí presentes.

• São comuns modismos que buscam sensibilizar os alunos para temáticas mais atuais, sem uma preocu-pação real de promover uma compreensão dos múltiplos fatores que delas são causas e efeitos, o que provoca um envelhecimento rápido dos conteúdos. Exemplo: a adaptação forçada das questões ambien-tais em currículos e livros didáticos sem o caráter crítico, mas apenas panfletário.

• Há uma preocupação maior com conteúdos conceituais do que com conteúdos procedimentais. O obje-tivo do ensino fica restrito, assim, à aprendizagem de fenômenos e conceitos, desconsiderando a apren-dizagem de procedimentos fundamentais para a compreensão dos métodos e explicações com os quais a própria geografia trabalha.

• As propostas pedagógicas separam a geografia humana da geografia física em relação àquilo que deve ser apreendido como conteúdo específico. Sendo assim, ou a abordagem é essencialmente social, e a

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natureza é um apêndice, ou, então, se trabalha a gênese dos fenômenos naturais de forma pura, anali-sando suas leis, em detrimento da possibilidade de uma análise socioambiental.

• A memorização tem sido o exercício fundamental praticado no ensino de geografia, mesmo nas abor-dagens mais avançadas. Apesar da proposta de problematização do estudo da realidade do aluno e da forte ênfase que se dá ao papel dos sujeitos sociais na construção do espaço geográfico, o que se avalia, no final de cada estudo, é a capacidade do aluno memorizar fenômenos e conceitos, e não sua apreen-são e compreensão das múltiplas relações existentes.

aLGUNS CaMiNHoSO geógrafo Manoel Correia de Andrade, em seu livro Caminhos e descaminhos da geografia, nos apresen-

ta algumas perspectivas favoráveis sobre o ensino de geografia. Os momentos de crise vividos pelas sociedades, como a brasileira nos dias de hoje, ofe-recem a oportunidade para uma reflexão sobre os valores e atitudes a serem tomadas diante dos desafios que surgem. (...) Hoje já se faz uma crítica em profundidade tanto aos métodos de ensino como à qualidade dos livros didáticos no contexto da prática de ensino. (ANDRADE, 1998, p. 9/10)

Não podemos negar que, de modo geral, o conteúdo trabalhado em sala de aula é de orientação da geo-grafia crítica. Portanto, houve uma importante mudança nos rumos do conteúdo, cada vez mais distante da geografia tradicional. É importante salientar o que diz Ruy Moreira, citado por Maria Inez Carvalho em Fim de século: a escola e a geografia... Assim falou o geógrafo: “O processo da crítica é o primeiro grito por uma transformação”.

A geografia, criadora e criatura da escola, precisa considerar a educação em sua complexidade de fe-nômeno social. Entender o mundo, hoje, passa necessariamente, por aprofundamento nas questões históricas e espaciais. Portanto, o ensino da geografia é indispensável para a formação do cidadão con-temporâneo.

Através dos conteúdos, tantas vezes amaldiçoados em geografia, sem os quais o ensino é absolutamen-te impossível, é que devemos buscar a sustentação de nossa disciplina:

o riso e o prazer, as vibrações coletivas e pessoais fazem parte da aprendizagem, como, às vezes, a angústia de ver as certezas desestabilizadas (GAUTHIER in CARVALHO, 1998, p. 148).

A escola está mudando, precisa mudar. Precisa de uma geografia que dê lugar à imagina-ção ao lado da razão, que permita que nos sintamos em casa neste mundo. (CARVALHO, 1998, p. 149)

Assim, caro(a) acadêmico(a), inspirados pelo novo tempo da geografia, chegamos ao fim de nossa primei-ra parte. Longe de esgotar qualquer assunto aqui proposto, buscamos apresentar alguns tópicos relevantes sobre a geografia e o ensino da geografia. Numa perspectiva de construção da aprendizagem, apontamos alguns caminhos para pesquisa e reflexão. Neste propósito a seguir, listaremos algumas referências bibliográ-ficas para seu enriquecimento pessoal e aprofundamento dos temas.

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Curso de Pedagogia – EaD

35GEoGrafia i – ParTE 1EA

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Antes, vamos fechar, com chave de ouro, uma última atividade. Vamos lá! Observe o seguinte diálogo retirado de uma cena de TV Pirata (série de humor da década de 90 da TV Globo):

Bandido ataca um senhor de meia idade e, com o cano do revólver em sua nuca, ordena:– Vai dizendo rapidinho quais são os afluentes da margem direita do Rio Amazonas, se não

quiser morrer!O senhor, visivelmente apavorado, sua frio, pensa por alguns segundos e dispara:– Javari, Juruá, Purus, Madeira, Tapajós e Xingu.Estava salvo. Respira fundo e comenta: – Eu sabia que isso ainda ia servir para alguma coisa.

atividade 8Esta geografia, criticada pelo programa, ainda faz parte de nossas salas de aula? Justifique-se.

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Sim ou não, seja qual for a sua resposta e justificativa, valeu! Esta atividade foi um aquecimento para a nossa segunda parte. Ela vai tratar justamente das diretrizes do ensino e da metodologia de geografia que têm povoado nossas salas de aula no ensino fundamental.

Até lá! Antes, acompanhe nossas dicas de literatura e vídeos:

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Curso de Pedagogia – EaD

36 Ensino e aprendizagem em Educação infantil e Ensino fundamentalEA

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rEfErÊNCiaS ALBALA-BERTRAN, L. (org.). Cidadania e educação: rumo a uma prática significativa. Campinas : Papirus, 1999.

ALVES, N. O espaço escolar e suas marcas. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.

ANDRADE, M. C. de. Caminhos e descaminhos da geografia. Campinas: Papirus, 1989.

ASAKI, A. Y.; ANTONELLO, I. T.; TSUKAMOTO, R. Y. (orgs). Múltiplas geografias: ensino, pesquisa, reflexão. Londrina: Humanidades, 2004.

BUENO, M. R.; CASTRO, N. A. R. de; SILVA, R. E. D. P. O lugar do aluno e do professor de geografia na sociedade atual. V Encontro nacional de prática de ensino de geografia. Belo Horizonte: PUC/Minas, 1999.

CALLAI, H. C. O ensino de geografia: recortes espaciais para análise. In: CASTROGIOVANNI, A. C. et al (Orgs.). Geografia em sala de aula, práticas e reflexões. Porto Alegre: AGB, 1998.

CARLOS, A. F. A. (org.). Ensaios de geografia contemporânea: Milton Santos – obra revisitada. São Paulo: Hucitec, 1996.

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CAVALCANTI, L. de S. Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa, 2002.

CAVALCANTI, L. de S. Geografia, escola e construção de conhecimentos. Campinas: Papirus, 1998.

CHRISTOFOLETTI, A. Perspectivas da geografia. São Paulo: Difel, 1985.

UNESCO. Manual para o ensino da geografia. Lisboa: Estampa, 1978.

MARQUES, L. A.; CAMARGO, L. F. Fundamentos para o ensino da geografia. São Paulo: SE/CENP, 1989.

MORAES, A. C. R. Ideologias geográficas: espaço, cultura e política no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.

MORAES, A. C. R. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: Hucitec, 1997.

MOREIRA, J. C.; SENE, E. Geografia para o Ensino Médio: geografia geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2002.

MOREIRA, R. O que é geografia. São Paulo: Brasiliense, 1994.

OLIVEIRA, A. U. de et al. Para onde vai o ensino da geografia? São Paulo: Contexto, 1994.

SANTOS, M. O trabalho do geógrafo no terceiro mundo. São Paulo: Hucitec, 1986.

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Re-cord, 2000.

SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 2000.

SANTOS, M. Por uma geografia nova. São Paulo: Hucitec, 1988.

SODRÉ, N. W. Introdução à geografia: geografia e ideologia. Petrópolis, Vozes, 1984.

SOJA, E. W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

VESENTINI, J. W. (org.). O ensino de geografia no século XXI. Campinas: Papirus, 2004.

VESENTINI, J. W. (org.). Geografia e ensino – textos críticos. Campinas: Papirus, 1995.

VLACH, Vânia. Geografia em construção. Belo Horizonte: Lê, 1991.

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Curso de Pedagogia – EaD

37GEoGrafia i – ParTE 1EA

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VÍDEoS

As montanhas da Lua (Bob Refelson) – mostra as polêmicas entre dois geógrafos britânicos do final do século XIX a respeito do nascimento do rio Nilo. Preto e branco a cores (Jean-Jacques Annaud) – mostra a importância da geografia para as guerras coloniais na África, entre os séculos XIX e XX.

Marco Polo – retrata as viagens de Marco Polo por paisagens e culturas dos continentes asiático e africano.

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