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REGULARIZAÇÃO FUNDIARIA: PRECÁRIO ACESSO À CIDADE E PROTEÇÃO
AMBIENTAL
Autor: Guilherme da Costa, Pontifícia Universidade Católica do Paraná,( [email protected]); acadêmico da graduação do curso de Direito, 8° período, participante do grupo de estudos
Direito e Cidadania.
Resumo: A partir de uma análise histórica do processo de urbanização no Brasil busca-
se demonstrar a precariedade da política habitacional brasileira e dos instrumentos de
regularização fundiária, em especial da concessão real de uso para fins de moradia.
Partindo desta critica vislumbra-se melhores aplicações de outros instrumentos, não só
para fins de acesso à cidade, mas também como instrumento de proteção ambiental nos
moldes já propostos pela resolução 369 de 2006 do CONAMA.
Abstract: From a historical analysis into the process of urbanization in Brazil one searchs
to demonstrate the precariousness of the Brazilian habitacional policy and instruments to
regularise land, in special of the real concession of use for housing ends. Leaving of this it
criticizes glimpses better applications of other instruments, not only for ends of access to
the city, but also as instrument of ambient protection in the molds already considered by
resolution 369 of 2006 of the CONAMA.
2
1-INTRODUÇÃO:
Pensar nos instrumentos de acesso à cidade hoje é refletir sobre a efetivação do
Direito Fundamental à Moradia, sendo este o centro de outros Direitos Fundamentais a
serem respeitados quando se fala de direito urbanístico, como o acesso à terra urbana,
moradia adequada, saneamento ambiental, livre locomoção e serviços públicos de modo
geral1.
Com o surgimento do Estatuto da Cidade, lei 10.257 de 2001, passa a existir uma
base as normas do Direito urbanístico Brasileiro. O acolhimento da nova lei foi, no modo
geral, visto como o surgimento de um novo paradigma para o desenvolvimento urbano e
social, até mesmo pelo seu caráter popular de criação a partir das experiências
vivenciadas na década de noventa nas cidades brasileiras.
Colocando devidamente os seus estudiosos como: Edésio Fernandes, Nelson Saule
Júnior e Jacques Alfonsin, o Direito Urbanístico como um ramo autônomo de estudo
jurídico e dentro de uma concepção política, o Estatuto inovou nos sentidos de
estabelecer princípios, diretrizes e instrumentos; no sentido de ser uma ferramenta para a
efetivação do Direito à moradia e de esta ser uma função para o poder público; em
especial o municipal , da implementação da política habitacional.
Dentro deste processo de construção do Direito fundiário urbano se coloca na
interface desta problemática, a ocupação territorial urbana com a preservação do meio
ambiente, devendo esta ser vista com a dialética das forças produtivas2, entre a
especulação urbana contra o déficit habitacional urbano. Sabendo-se que aquele se
colocou sempre de forma mais organizada e melhor representada e este fazendo parte do
nosso processo histórico de formação de centros urbanos.
A nova lei possui substancias vetos por parte do poder executivo, principalmente no
que tange aos instrumentos específicos de regularização fundiária, que neste estudo
destacamos: a concessão de uso especial para fins de moradia.
Este instrumento fora posteriormente regulamentado, apesar do seu caráter
excepcional, pela Medida Provisória n° 2.220 de 2001 no governo de Fernando Henrique
Cardoso; reintroduzindo-o na ordem jurídica brasileira. Posteriormente a Lei n.º
11.481/2007, introduziu-o no Código Civil, pouco, ou melhor, praticamente nada
acrescentando sobre o instituto, o qual continua submetido ao conteúdo e contornos
normativos da Medida Provisória.
1 Ver neste sentido :SAULE JUNIOR, Nelson Novas perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro , pg. 205, Porto Alegre , Serio Antonio Fabris .2 SANTOS, Boaventura de Souza ( 1984) O Estado, O Direito e a Questão Urbana, pg. 19, São Paulo , Forense.
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O presente artigo é uma brevê busca entre a proteção do meio ambiente em sua
totalidade e a garantia do acesso à moradia e à cidade, destacando que tanto o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado quanto o direito à moradia estão incluídos no
rol dos direitos fundamentais
2- PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
No século XX, vivenciou-se um processo de urbanização intensivo e de
desenvolvimento industrial na nossa América Latina, trazendo a discussão da questão
urbana, relacionando-a, sobretudo, ao problema do déficit habitacional.
No Brasil, as raízes da questão habitacional encontram-se, também, relacionadas a
esse processo, de industrialização e atração ao historicamente recente centro urbano
tendo prevalecido, o sistema de aluguel, ao acesso a morada própria. Contudo, para uma
grande parte da população, esse acesso foi viabilizado por processos informais na
produção e apropriação do solo. Resultando, assim, em formações de espaços urbanos
próprios.
Somando-se a este processo, com a aprovação da Lei de Terras de 1850, que
‘regularizou’ o meio de aquisição e transmissão de terra, as chamadas “terras devolutas”
que ficaram sem nenhum sujeito de direito determinado, apesar de regularmente
ocupadas, não puderam ser adquiridas através do trabalho direto na terra – através de um
usucapião originário -, mas sim pelo leilão (um meio de manter longe do acesso a terra os
recém alforriados negros e os trabalhadores livres estrangeiros) 3. O art. 1° da lei n°
601/1850 dispunha que “ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título
as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra”.
Através deste sistema foi incorporado um vasto patrimônio de terras públicas
devolutas ao setor privado e da elite. Passando a acentuar também o processo de êxodo
rural–urbano e também surgindo aqui historicamente, mas não justificando, a
indisponibilidade de realizar a usucapião nas terras públicas.
Com o surto manufatureiro-industrial na região sudeste, no final do século XIX,
aumentou intensamente a demanda por moradias nas áreas urbanas, além do fluxo de
pessoas em razão da abolição da escravatura e dos fluxos migratórios do campo4. Essa
intensa demanda por novas moradias ocasionou uma elevação dispare dos aluguéis, ao
mesmo tempo se registrou nas nossas cidades o chamado “processo higienista urbano”,
onde o combate às áreas insalubres e aos casebres, culminou em políticas ditas de saúde 3 Neste sentido ver: MARÉS, Carlos Frederico, A Função Social da Terra, pg. 45, Edito, Editora Sergio Fabris Filho.4 FURTADO, Celso Formação Econômica do Brasil pg. 148, São Paulo,Companhia Editora Nacional.
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e embelezamento. Combatendo-se dessa forma a “desordem” aparente dos cortiços, ou
das antigas “favelas”.
Em verdade nesse momento, manifesta-se a apropriação privatizadora das moradias,
pois com uma crescente oferta de loteamentos populares de iniciativa privada, solução
que logo seria seguida pela produção estatal, por meios de grandes conjuntos
habitacionais.Considerando, ainda, o intensificado processo de segregação espacial da
população necessitada, empurrada para as áreas periféricas; crescendo com certa
omissão do poder público em relação à forma de ocupação desses bairros.
Neste quadro, a intensificação das “favelas” e de ocupações clandestinas frente ao
Direito Oficial passaram a ser “solução” material para efetivar o Direito Fundamental à
Moradia. Destacamos que no Brasil,segundo o relatório HABITAT da ONU são 52 milhões
de pessoas morando nesse tipo de habitação e que segundo o relator da ONU Miloon
Kothari: “ Invadir terras e prédios abandonados é um Direito legitimo dos miseráveis
brasileiros”. As favelas são denominadas, pela comissão HABITAT, como habitações
precárias em que três ou mais pessoas dividem o mesmo cômodo, sem acesso à água
potável e saneamento básico5.
A demanda sempre crescente ao acesso a propriedade fundiária, esta entendida
economicamente como um valor que se valoriza, possue origem em regra em uma
atividade não produtiva, mas pela monopolização do acesso aquela atividade6; obrigou a
discussão sobre o déficit habitacional. Resultando nas primeiras políticas de habitação
social, por meio de institutos e fundações como: Fundação da Casa Popular e o Banco
Nacional de Habitação. Que através de suas atuações contribuíram para a ampliação do
parque imobiliário brasileiro, porém note-se que estamos falando de mercado onde o
acesso a este está condicionado ao capital; portanto as ocupações informais se mantêm
como forma de garantir o Direito à moradia dentro de um contexto de social de 22 milhões
de miseráveis – segundo IBGE- configurando um mercado paralelo no processo de
exclusão urbana. Como colocado na análise do mestre Boaventura de Sousa Santos:
“ quem determina em última instancia a eficácia sócio- econômica da propriedade fundiária é a população , mas não é menos certo que a medida real dessa eficácia depende de muitos fatores e nomeadamente do peso social dos proprietários e da pressão deles sobre as políticas estatais da gestão da questão fundiária.” 7
5 Dados retirados do relatório HABITAT, Agenda –Relatório UM-HABITAT 2005 site: www.unhabitat.org6 SINGER, Paul O uso do solo urbano na economia capitalista , pg. 21 São Paulo Alfa- Omega .7 SANTOS, Boaventura de Souza ( 1984) O Estado, O Direito e a Questão Urbana, pg. 25, São Paulo , Forense.
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Desta atuação resultou a consolidação da segregação espacial entre a pobreza e
riqueza e o acesso informal e mitigado a moradia e todas as interfaces deste Direito,
como já foram colocados. Esta informalidade pode ser produzida a partir da
desobediência da lei, mas também pode ser causada diretamente pela lei8.
Explicando melhor, relembramos que os chamados instrumentos de acesso e
regularização das ocupações urbanas ao invés de incluir e oficializar estas expressões
“espontâneas” de construção dos centros urbanos, historicamente vem cerceando e
limitando esta integração e construção da cidade a “cirurgias plásticas” localizadas.
Para tanto contamos com o aval teórico de Jacques Távora Alfonsin que coloca: “bem-
estar dos habitantes das cidades é de lhes garantir casa para morar”9. Também previsto
no Art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que proclama:
“Todo ser humano tem direito a um nível de vida adequado, que lhe assegure, assim como a sua família, a saúde e o bem estar e, em especial alimentação, o vestuário e a moradia”.
3-A QUESTÃO DO ACESSO À MORADIA
Segundo Raquel Rolnik, ex-secretária Nacional de Programas Urbanos do Ministério
das Cidades, “A política habitacional no Brasil, historicamente, nega o direito à cidade,
mandando os pobres para as periferias e mantendo-os na ilegalidade. Isso não é
sustentável do ponto de vista social ou ambiental”10. Sabendo-se que o Direito à moradia
significa Direito à cidade e de que o acesso à moradia é tratado dentro do Estatuto da
Cidade, o qual incumbiu fixar as diretrizes gerais da política urbana, como condicionante
para o atendimento a função social da propriedade. Destacamos que este não está
apenas compreendido no acesso a moradia, mas também dentro da inter-relação com os
demais direitos como a infra-estrutura pública, aos serviços de transporte, acessibilidade
aos centros públicos, lazer, ao trabalho, respeito ao meio ambiente e aos bens de domínio
de uso publico.
Tratando-se sim do acesso a bens elementares, entendendo-se por tais aqueles que
fazem à configuração do indivíduo ou grupos básicos, que são objetos de uma maior
proteção11. Estes, por serem interesses de todos os habitantes das cidades, se
8 WEIGAND, Vera Concessão de direito Real de Uso : Um Discurso Insustentável.pg2 . São Paulo Del Rey 2000.9 ALFONSIN, Jacques Távora, Breve Apontamento sobre a função Social da Propriedade e da Posse Urbana pg 63-64. Porto Alegre Sergio Antonio Fabris, 2003.10 Cidades Sustentáveis para todos – implementando a reforma urbana no Brasil site: http://www.cidades.gov.br/media/LivretoPortugues.pdf11 LORENZETTI, Ricardo Luis Fudamentos do Direito Privado pg. 85,São Paulo RT.
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caracterizam como interesses difusos, posto que a relação dos sujeitos sociais com a
cidade é construída de maneira difusa.
Sendo assim para se efetivar o livre acesso a cidade a todos os cidadãos, é conferida
legitimidade de ação na esfera administrativa e judicial a qualquer habitante para garantir
o cumprimento das funções sociais. Buscando soluções para os conflitos e controvérsias
de ocupação urbana irregular, como ocorre nos casos de construções para fins de
moradia, por populações de baixa renda, em áreas de proteção ambiental, impondo-se
uma visão integrada para a solução entre a aplicação das funções sociais da cidade e o
direto ambiental.
Com a concreção dos princípios da razoabilidade e da igualdade de acesso, além da
previsão do artigo 2° do Estatuto da Cidade, que garante o direito a cidades sustentáveis,
se coloca a obrigação específica de que o município deve promover a garantia dos
interesses difusos dos habitantes, em especial dos locais em que estão colocados em
condições precárias. Buscando garantir o pleno exercício do Direito Fundamental à
Moradia, assim como a obrigação da participação popular na formação do plano diretor e
formulação das políticas públicas (apesar de também mitigados pelo referido veto e
posteriormente regulados pela medida provisória 2220/200).
Busca-se destacar o problema desta questão e de como este processo vem se
construindo e se poderá ser efetivado através dos instrumentos previstos no Estatuto da
Cidade. Ou se estará à política urbana a enfrentar os efeitos da coletivização manipulada,
ou seja, uma coerção ideológica, que é o efeito da desorganização das classes populares.
Posto que a atuação do Estado para a efetivação das políticas urbanas rege-se por uma
lógica de dialética negativa, ou seja, através de um conjunto articulado e internamente
diversificado de mecanismos de dispersão das tensões sociais, para permitir a
acumulação de riquezas e de produção social das mesmas 12.
3.1 Instrumentos de Regularização Urbana:
Pretende-se aqui trazer um pequeno histórico e as funções desenvolvidas por estes
instrumentos; como usucapião, a direito de superfície e a concessão real de uso. Além de
realizar um paralelo quanto à usucapião e o seu “irmão bastardo” a concessão de direito
real de uso para fins de moradia, pontuando as reflexões dos pensadores destas
questões. Questionando também a natureza dos chamados bens públicos e se os
12 Neste sentido ver SANTOS, Boaventura de Souza ( 1984) O Estado, O Direito e a Questão Urbana, pg.16, São Paulo , Forense.
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mesmos atendem o imperioso e fundamental princípio da função social da propriedade.
Cabe também aqui analisar como e qual o interesse destes instrumentos, pontuando as
suas limitações e as suas sustentações teóricas.
a) Usucapião
Este instituto tão conhecido das populações, e visto de certo modo como a
“salvação” do verdadeiro possuidor do bem utilizado, entendido como aquele sujeito que
realiza a função social daquele bem, seja para efetivar a produção agrícola, seja para
garantir o seu direito fundamental e de sua família à moradia. Além deste modo de
aquisição, o usucapião é tido como o modo de aquisição originário, como efeito da posse
continuada e de fato; posto que o Código Civil ao enumerar as hipóteses de perda da
propriedade imóvel não elenca o usucapião13.
A palavra “usucapião” provém do latim; que constroem o significado de tomar a
coisa pelo uso14.Por real a doutrina jurídica já debateu muito sobre a terminologia correta
e as definições jurídicas do instituto da usucapião ou também chamado de prescrição
aquisitiva; o nó central da questão e de que este instrumento é colocado no direito urbano
como um modus de regularização fundiária e efetivação do Direito à Moradia.
Posto que a prescrição aquisitiva é uma “punição” ao proprietário que não exerce o
seu Direito, e muito menos cumpre a função social de sua propriedade. Por suposto o
Estatuto da Cidade também criou outros institutos para garantir o cumprimento da função
social da propriedade, como o IPTU progressivo, porém nenhum tem caráter tão
fundamental na formalização e oficialização da transferência de propriedade.
Por ser de sumária e basilar importância o instituto ganhou força com a
possibilidade do mesmo ser coletivizado, por se tratar, como já dito, o Direito à cidade um
direito difuso. O legislador foi sensível ao problema da posse coletiva. Assim, portanto,
sem qualquer sombra de dúvida, o artigo 183 da nossa Constituição permite que se use o
caminho tradicional do usucapião para, tendo por base a posse comum, se obter o
usucapião coletivo. E regulamentando-se este artigo no Estatuto da Cidade:
“Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupados por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de
13 Neste sentido ver :FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea : uma perspectiva da usucapião imobiliária rural. Porto Alegre: Fabris, 1988. 14 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 2. ed. Pg 246 São Paulo: Saraiva, 1998. 2 v. 1996
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serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.”Lei 10.257/2001
A formação deste coletivo dará por meio da formação de um condomínio, o qual só
poderá ser extinto por meio de deliberação de 2/3 dos seus “condôminos”.
Demonstrando-se assim a força do coletivo frente o Direito individual à
propriedade. Entre os requisitos básicos para a proposição da usucapião urbana estão à
posse mansa e pacifica de cinco anos; para fins de moradia dele ou de sua família e não
possuidor de outro imóvel urbano ou rural. Este último requisito deixa claro o tipo de
destinação que tem o usucapião ; a de efetivar o Direito à Moradia daquele que ainda não
tivera acesso a mesma e não de caráter enriquecimento sem causa, como fazem os
“posseiros”.
Alguns impedimentos são colocados para a aquisição por usucapião, como lembra
Enneccerus : “a) Las cosas comunes a todos , a saber: ela ire, el água y lãs cosas
marinas; b) Las llamadaas res sacra, o cosas consagradas por los sacerdotes; c) Las
cosas destinadas al uso comum, especialmente los ríos, los caminos y las plazas
publico.”15 .Note-se que no Direito hispânico, assim como faz o código civil Chileno e
Mexicano a concepção de bem público é dos que são utilizado pelo povo voltados ao uso
comum e não todos do erário público.
O mais notório a esta reflexão é a da não imprescritibilidade aquisitiva dos bens
públicos, fundamentados de que os bens públicos s seriam inalienáveis16 e
presumidamente atenderiam a sua função social, posto que tenha destinação exclusiva
pública. Porém muito se divergiu quanto a essa imprescritibilidade dos bens públicos e de
que as chamadas terras devolutas estarem ou não sujeitas à usucapião em razão da
dubiedade da distinção dos bens públicos no Código Civil de 1916.
b) direito de superfície
Não há diferença essencial entre o conteúdo do Direito de superfície e o conteúdo
do Direito real de uso, tal como este foi criado. O Estatuto da Cidade, em razão do veto
posterior pelo executivo, acatou pela melhor caracterização dos dois institutos, acolhendo
ambos embora agora só regulamente o Direito de superfície.
Este pode ser dividido em dois aspectos:
a) o adquirente do direito de superfície se torna proprietário de uma
construção existente15 ENECCRUS, L. Derecho Civil, Parte Geral, tomoI , pg 119 Barcelona 195316 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 2. ed. Pg. 493 São Paulo: Saraiva, 1998. 2 v. 1996
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b) o adquirente tem o direito de superfície como direito de edificar em solo
alheio.
Apesar de doutrinadores apontarem uma relativa diferença entre o instituto e o direito
real de uso, com relação à instituição contratual daquele; nota-se que para os civilistas,
uso é o direito que permite o usuário usar da coisa e perceber os seus frutos 17; o que se
assemelha como o resultado direito de superfície. Tendo assim uma real semelhança
entre os dois instrumentos, porém o direito de superfície é mais bem estruturado tanto do
ponto de vista legal quanto doutrinário em relação à concessão de direito real do uso do
solo.18
Este instituto também é colocado como um instrumento de regularização, e que
poderia ser analogicamente utilizado, para os fins que foram criados a concessão rela de
uso, posto que aquele é melhor regulamentado.
c)concessão de direito real de uso
Este instrumento amplamente compreendido, pois existe a concessão para fins de
moradia ou especial e a administrativa; surge legalmente no Brasil em 1967 por um
instrumento de exceção, e não o único a prever este instituto, o Decerto-lei n.271/67 o
qual ficou vigente até 2001, com a publicação do Estatuto da Cidade, que só alterou a sua
forma de registro; após modificado por outro meio de legalidade excepcional, a medida
provisória n° 2220/2001 , modificando-o substancialmente. Posteriormente a Lei n.º
11.481/2007, introduziu-o no Código Civil, acrescentando em nada sobre o instituto, o
qual continua submetido ao conteúdo e contornos normativos da Medida Provisória
Durante a década de 70 no Brasil, a CDRU – Concessão de Direito Real de Uso- teve
seu papel voltado tanto para terras particulares como públicas, porém a partir de 1980,
notando-se que no período ocorreu um rebaixamento do poder aquisitivo e produção
formal da moradia19 como já citado no histórico do processo de urbanização; teve sua
utilização reformulada pelo poder público como uma excelente forma para a regularização
fundiária das ocupações de baixa renda e assentamento agrário, permitindo segundo se
acreditava, o controle das “invasões”e do uso do bem público. Como colocado em
entusiasmadas referências ao instrumento: “nenhum outro contrato permite ao
transmitente, no caso o Poder Público, conservar tão grandes poderes para fiscalizar a
fidelidade ao contrato, por parte do adquirente”; e sobe este paradigma, as leis municipais
17 BEVILACQUA JUNIOR, José Teoria Geral do Direito Civil. Pg São Paulo: Saraiva, 1928 .v18 WEIGAND, Vera Concessão de direito Real de Uso : Um Discurso Insustentável.pg2 . São Paulo Del Rey 2000.19 Lícia Valladeres e Rosa Ribeiro( 1992) referem-se ao retorno das favelas na década de 1980 no Rio de Janeiro, fenômeno que também se verifica em outras cidades Brasileiras.
10
adotam preferencialmente a CDRU como forma de titulação em programas habitacionais.
Em uma publicação distribuída pelo Banco Nacional de Habitação, contem a afirmação:
“se o concessionário der ao imóvel destinação diversa daquela prevista no contrato ou se
este descumprir clausulas resolutórias do ajuste, o seu direito se extinguirá. Esta
característica é uma das maiores vantagens da concessão de uso”.
Nelson Saule Junior defendeu a concessão real de uso como instrumento que
viabilizou a destinação prioritária de bens públicos subutilizados para assentamentos da
população de baixa renda, “garantindo o uso social enquanto a propriedade continua
pública”.
Já Vera Maria Weigand colocando o caráter resolúvel e temporário da CDRU,
problematiza: “ se pode ser resolvido por alteração de finalidade ou de inadimplemento do
preço público,quando utilizado para formalizar o usucapião urbano, o qual tem caráter
declaratório; sendo assim a CDRU não manterá seu caráter de resolubilidade. Teríamos
então um novo tipo de usucapião ou a CDRU deixaria de se ser resolúvel ”. Claro que se
tratando de uma modificação legislativa para dar efeito permanente a CDRU.
Apesar do surgimento deste instrumento ter sido bem acolhido pela doutrina jurídica,
quando teria previsão permanente no Estatuto da Cidade, o mesmo foi vetado e as razões
que motivaram o veto, no caso veto jurídico, foram de que não determinava bem o
conteúdo da concessão real de uso:
"O instituto jurídico da concessão de uso especial para fins de moradia em áreas públicas é um importante instrumento para propiciar segurança da posse – fundamento do direito à moradia – a milhões de moradores de favelas e loteamentos irregulares. Algumas imprecisões do projeto de lei trazem, no entanto, riscos à aplicação desse instrumento inovador, contrariando o interesse público.”( Mensagem de veto n°731)
Logo após fora emitida à Medida Provisória 2220/2001, para compensar o veto, a qual
estabeleceu como únicas diferenças a não possibilidade da CDRU em edifícios públicos e
o prazo, preclusivo, em 30 de junho de 2001; e em razão da EC 32/2001 com vigência
indeterminada. O novo direito tem os seguintes termos:
“ Aquele que, até 30 de junho de 2001, possui como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para a sua moradia ou de sua família , tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objetos da posse,desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.”
11
Ela também pode ser transferido por ato inte rvivos ou causa mortis, porém a
gravidade deste instituto está na possibilidade deste ser ‘extinto’ se o imóvel tiver
destinação diversa ou adquirir a propriedade ou concessão de outro imóvel. Com plena
razão Vera Maria Weigand, em obra já citada aqui propõe: “este novo direito não
corresponde à usucapião, instituto em que a sentença judicial não é constitutiva, mas
declaratória. Porém apesar da necessidade da normatização do direito de uso de bens
públicos, seria necessária a criação de um novo instrumento”.
Este suposto mau uso deste instrumento se revelou possível. Posto que fora utilizado
reiteradamente pelas Companhias de Habitações Estaduais, como no caso da cidade de
Curitiba onde na região do Sabará; zona de ocupação irregular na região periférica, como
tantas outras no Brasil; a Cohab/PR estipulou o pagamento pela concessão de zonas que
não poderiam ser cedidas, por razões ambientais, ou mesmo não deixando claro que se
tratava de um Direito resolúvel.
Pode se perguntar agora, então com ficaria garantido o Direito à moradia, sem a
segurança da posse, como é visado dentro das políticas de urbanização e acordos
internacionais, assim como podem acabam as normas ambientais
justificando/fundamentando o mau uso deste instrumento.
Por óbvio não se quer desmoralizar esta recente construção jurídico-política, mas
alertar que se deseja realizar o enfrentamento do acesso à moradia, soluções
intermediárias seja para o direito real seja para o meio ambiente não são socialmente
sustentáveis.
4-LOTEAMENTO URBANO E PROTEÇÃO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Resta claro que dentro dos instrumentos de regularização fundiária a elogiável CDRU
avançou em muito em nossa ocupação de bens públicos dominiais. Porém esta ainda
demonstra baixa segurança jurídica, seja para a proteção do meio ambiente em sua
totalidade, seja para o cidadão e seu direito de acesso à moradia, destacando que tanto o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado quanto o direito à moradia estão
incluídos no rol dos direitos fundamentais.
Porém se a pretensão é obrigar o poder público a cumprir a função socioambiental de
suas propriedades e possibilitar a execução de programas de regularização fundiária
nessas áreas disponíveis; conciliando eficazmente os interesses da coletividade e dos
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beneficiados, é necessário um melhor enfrentamento legal, porém prioritariamente
administrativo da questão da regularização fundiária no Brasil.
Falando de bens públicos; cabe aqui um adendo sobre a sua concepção. Celso
Ribeiro Bastos e Ives Granda afirmam que: “A idéia de que os bens de domínio nacional
pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios , e de que todos os outros são
particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem, não retrata mais a realidade
complexa da dominialidade pública”.
A distinção dos bens públicos é antiga, desde o código de 1916 eles o são: bens
públicos comuns, especiais e dominias20. Logo nem todos os bens público seriam bens
público no sentido estrito, pois estão tutelados pelo Direito Privado, logo poderiam ser
objetos de usucapião se o seu titular não fosse pessoa de Direito Público21.
Tendo em vista que em muitos casos os bens públicos são tratados como particulares,
seja em razão de ilícitos e apropriação indevida (infelizmente tão comum nos países
Latino Americanos) seja em razão de efeitos legais como nos já idos anos da lei da terra.
Para ilustrar este modo de tratamento levantamos o caso da criação do município de
Lauro de Freitas, desmembrado da capital baiana de Salvador, teve os seus bens
dominiais, tidos como seus pela criação do município, transferidos ao proprietário : o
município de Salvador ( seus de direito pelo titulo de doação de Tomé de Souza, ainda no
século de 1916). Hoje em dia o município de Salvador é um dos maiores proprietário de
terrenos na cidade vizinha. Sendo assim elucidado precedente judicial, onde a titularidade
pública tem regime exclusivamente de Direito privado22.
Enfim o que se busca demonstrar e a necessidade de superação da concepção
proprietária-dominial pelos entes federativos, para que deste modo possa se dar uma
regular conformação dos direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado
e saudável.
Um instrumento que vem se demonstrando em certa medida eficaz é o zoneamento
urbano e suas previsões específicas no plano diretor através de processos de
desafetação da dominialidade pública e transferência organizada aos sujeitos em situação
de risco. Neste sentido colocou Paulo Affonso Leme Machado23 traz importante
ensinamento quanto ao tema: “o planejamento a curto, médio e longo prazos, do uso e da
20 BEVILACQUA , Clovis em Teoria Geral do Direito Civil. Diz que só seriam inalienáveis apenas os bens públicos de uso comum. 21 RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de usucapião. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 2 v. 1996 22 Caso citado em WEIGAND, Vera Concessão de direito Real de Uso : Um Discurso Insustentável.pg2 . São Paulo Del Rey 200023 MACHADO, Paulo Afonso Leme Direito Ambiental Brasileiro 12° Edição São Paulo: Malheiros, 2004 página 399.
13
ocupação do solo municipal, no que concerne a todos os tipos de rejeitos, é de
fundamental importância para a existência de saudável política municipal ambiental”.
O zoneamento deve limitar e prever os danos a Meio Ambiente já causados e não
danificar o precário direito de propriedade e acesso a cidade, neste sentido o CONAMA
(Conselho Nacional do Meio Ambiente) editou a resolução 369/2006. Esta normalização
prevê, no artigo 9°, alguns momentos em que o direito das futuras gerações cede espaço
a situações habitacionais já consolidadas.
5-CONCLUSÃO
Segundo Jorge Gavinia, diretor do UN-HABITAT para América Latina e Caribe, as
cidades brasileiras precisam priorizar a regularização fundiária e a melhoria da qualidade
de vidas nas favelas, com políticas sociais associadas aos programas urbanístico-
ambientais. Com instrumentos de regularização, que de uma maneira geral visem garantir
o acesso à moradia com a segurança jurídica da mesma; e com este efetivar os outros
direitos correlacionados a este.
Portanto a administração pública tem um leque de instrumentos parecidos para
regularizar a ocupação de bens - a concessão de direito real de uso , criada pelo Decreto
n. 271/67, a concessão de uso especial ,o direito de superfície e a concessão
administrativa de uso ; além de instrumentos que tem sido utilizados como a doação, o
aforamento. Logo não caberia a criação de um novo instituto, mas sim uma postura
legislativa e administrativa onde o concessionário não tivesse o seu Direito à moradia, tão
precariamente e perene assegurado, como é feito excepcionalmente pelas concessões
reais de uso desde 1967 no Brasil.
A regulamentação devida e a proteção legal às pessoas, para que não ocorram as
ações de remoção, realocação, despejo, de modo que as pessoas disponham de recursos
jurídicos apropriados para resguardar os seus direitos à vida, à integridade física e à
preservação de seus bens e valores pessoais.
Não se defende a perda de áreas de uso especial ou verdes para a ocupação, porém
se a proposta da concessão de direito real de uso é a de garantir a função pública dos
bens públicos e dar segurança a posse ao sujeito , pensando na conciliação dos
interesses da coletividade , será forçoso reconhecer o usucapião de bens públicos
disponíveis ou melhor regulamentar esse Direito seja pela modificação da atuação da
política habitacional, colocando o Direito de superfície como instrumento de regularização
da moradia em bens públicos seja pela reformulação deste instrumento excepcional .
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Assim possibilitando erradicar a marginalização histórica do processo de ocupação do
solo urbano, o qual é o novo espaço da maioria das relações inter-sociais, interpretando
as normas destinadas à Administração Pública, em beneficio dos indivíduos que
necessitam da intervenção pública para obter acesso aos espaços urbanos.
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