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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Théo Gremen Mimary de Oliveira
Concepções e representações que professores de uma escola
particular e uma pública têm sobre ciência
São Paulo
2009
1
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Théo Gremen Mimary de Oliveira
Concepções e representações que professores de uma escola
particular e uma pública têm sobre ciência
Monografia apresentada ao Centro de Ciências
Biológicas e da Saúde, da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como parte dos requisitos exigidos para a
conclusão do curso de Ciências Biológicas.
Orientador: Profª Msa. Magda Medhat Pechliye
São Paulo
2009
2
“O homem sobre a areia como era no início.
Roçando duas pedras, uma em cada mão.
Descobre a fagulha que incendeia o paraíso,
e imaginou que havia inventado Deus.
É mais além... ”
(Lenine – “Mais além”)
3
Agradecimentos
A Universidade Presbiteriana Mackenzie, e ao Centro de Ciências Biológicas e
da Saúde pela possibilidade da realização desse trabalho, assim como pela
disponibilidade de todo material bibliográfico utilizado neste.
A minha orientadora, Profª Msa. Magda Medhat Pechliye, pela orientação,
apoio e suporte durante os três semestres nos quais venho desenvolvendo
meu conhecimento na área de concepção de ciência.
Aos membros da banca examinadora, Profª Dra. Patrícia Fiorino e Prof. Dr.
José Cássio Masculo, pela atenção e pelas contribuições a serem feitas ao
trabalho.
As escolas que me permitiram a coleta de dados, e a todos os professores que
responderam ao questionário sendo que, sem esses, a realização desse
trabalho, na forma aqui proposta, jamais seria possível.
A minha colega de licenciatura, Evelyn Thaís Fantozzi, pela indicação das
escolas e pelo suporte no momento da coleta de dados.
Aos meus colegas de sala, tanto na licenciatura como no bacharelado, pelo
apoio e incentivo na realização desse trabalho, e pelos momentos de
descontração.
A Ariane, pelo apoio, incentivo, compreensão e carinho nos momentos mais
difíceis da realização desse trabalho, e por todos os outros momentos em que
tive a felicidade de tê-la ao meu lado.
Aos meus familiares e amigos, pela força que me deram durante todo o tempo
de realização desse trabalho.
Aos meus pais, que sempre acreditaram em mim, me incentivaram e me deram
muita liberdade para fazer minhas escolhas e trilhar meu caminho, e sem os
quais eu não estaria nesse mundo.
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Resumo
O presente trabalho tem como objetivo a análise das concepções e
representações que professores de ensino médio e fundamental tem sobre
ciência. Os professores participantes responderam a um questionário aberto,
sendo que posteriormente, a partir das respostas dadas, foram organizados
dentro de três categorias possíveis. Tais categorias estabelecidas procuravam
organizar os professores dentro de três possíveis visões de ciência:
Tradicional, Real-apriorista e Construtivista.
Após essa classificação, foram analisadas as respostas dos professores,
procurando justificar o porquê da classificação de cada professor, levando em
conta o reconhecimento de questões como: a transitoriedade da ciência na
história e a dinâmica dessa dentro de diferentes contextos.
Palavras-chave: Concepção de ciência; Formação de professores;
Epistemologia.
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Abstract
The aim of the present work is to analyze the conception and
representation of high and junior (middle) school teachers about science. The
involved teachers answered an open questionnaire, which content was later
organized into three possible categories. The established categories were
developed in order to classify the teachers in three possible views of science as
being: Traditional, Real-apriorist and Constructivism.
After this classification, the teacher's answers were analyzed, justifying
the reason of each teacher's classification taking into account the recognition of
questions like: the science transitoriness in history and it's dynamic inside the
different contexts
Key-words: Science conception; Teachers professional development;
Epistemology
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Sumário
1. Introdução ...................................................................................................... 7
2. Referencial Teórico ...................................................................................... 10
2.1 A ciência ao longo da história ............................................................. 10
2.1.1 Idade Média ............................................................................... 10
2.1.2 Renascimento ............................................................................ 11
2.1.3 Século XVIII ............................................................................... 14
2.1.4 Séculos XIX e XX....................................................................... 16
2.2 A ciência e suas características ........................................................... 17
2.2.1 A ciência como conhecimento ................................................... 17
2.2.2 A ciência e o método científico .................................................. 20
2.2.3 A ciência dentro dos contextos .................................................. 23
2.3 A ciência na escola .............................................................................. 26
3. Procedimentos Metodológicos ..................................................................... 29
4. Resultados ................................................................................................... 36
5. Análise.......................................................................................................... 40
6. Considerações Finais ................................................................................... 48
7. Referencias Bibliográficas ............................................................................ 49
7
1. INTRODUÇÃO
Ao se estudar concepção de ciência, se estuda a forma como a ciência é
vista na sociedade ao longo do tempo e como esta contribuiu e contribui nos
avanços da humanidade. A ciência está presente no cotidiano da sociedade, e
esta praticamente não vive mais sem a ciência e sem as contribuições que
essa trouxe para nossas vidas. É impossível se falar em ciência sem
mencionar a sociedade, e a intrínseca contribuição que uma traz a outra. Toda
tecnologia disponível a sociedade hoje em dia é fruto de pesquisas científicas,
mesmo que muitas vezes tal fato não seja de consciência daqueles que se
utilizam dessas tecnologias.
Atualmente, com o grande avanço da tecnologia na ciência, ou seja,
com a ciência tendo como sustentação a tecnologia para gerar suas provas,
muito se pensa desta como algo cada vez mais exato e não passível de erros.
Tal ponto de vista é reforçado por muitos dos veículos de comunicação, os
quais bombardeiam cada vez mais a sociedade com a idéia de que cientistas
são seres com um pensamento mais avançado e mais correto do que as outras
pessoas, e de que suas descobertas são verdades irrefutáveis.
Integrantes de uma sociedade complexa devem ter noção de como a
ciência está inserida nesta, e como a sociedade molda a visão da ciência, uma
vez que essa é, de uma forma complexa, sócio-culturalmente e sócio-
economicamente definida.
Uma vez que a escola é um lugar de exímia importância para a
formação de futuros cidadãos, é vital para esses estudantes ter a noção de que
a ciência está presente em suas vidas, qual o impacto e a importância dela e,
principalmente, como é concebida e quais seus limites. Tudo isso dentro de
uma visão histórica e filosófica da ciência.
O professor de ciências como um profissional mediador do
conhecimento científico, deve ter noção de tais importâncias citadas acima
para que seus alunos possam ter a concreta noção de como a ciência funciona
e é pensada. Uma vez que a ciência é baseada em teorias, hipóteses e essas
são mudadas ao longo do tempo e do avanço tecnológico, ou de forma mais
8
geral, uma vez que essa é influenciada diretamente por contextos de naturezas
variadas, a visão de que a ciência é algo transitivo e não-absoluto deve estar
claro na educação dos estudantes.
Assim, os objetivos do presente trabalho consistem em identificar as
principais linhas de raciocínio tomadas pelos professores, sobre o
conhecimento científico e sua concepção. Analisar, frente a uma base teórica
elaborada anteriormente, a concepção de ciência de professores de ensino
fundamental e médio, atuantes, e a forma como estes encaram o conhecimento
científico.
Uma vez que se tem conhecimento da presença intrínseca da ciência na
sociedade atual e da importância desta no desenvolvimento humano, torna-se
profundamente necessário conhecer a forma como o conhecimento científico é
produzido. Atualmente, a visão de ciência como um conhecimento superior,
absoluto e imutável e a idéia de que o cientista é um profissional não-errante e
conseqüentemente merecedor de um status social, é muito comum, e está
também dentro da escola. Essa visão é reforçada constantemente,
principalmente pelos meios de comunicação comuns, que muitas vezes
apresentam dados e/ou descobertas científicas como algo sempre
revolucionário, quase sempre ligado a resolução imediata de qualquer eventual
problema ligado a tal descoberta, não levando em consideração sua possível
refutabilidade e/ou parcialidade.
Reforçando essa visão, pode ser utilizada uma passagem de uma
publicação da UNESCO do ano de 2005, a qual cita esse problema presente
dentro da escola, e uma possível justificativa para ele:
“Não basta, (....) que o ensino se reduza uma coleção de
fatos, conceitos, leis e teorias como tradicionalmente são
apresentadas aos alunos, pois dessa maneira, no melhor dos
casos,o que realmente permanece com os alunos, no final da
escola média, é uma visão reducionista e neutra do que seja
9
produção de conhecimento pela humanidade (UNESCO, 2005.
p.62).
Tais pontos de vista levam a uma idéia errada e equivocada sobre o que
é, efetivamente, o conhecimento científico e principalmente como esse é
concebido. Uma vez levado em conta esse pensamento dentro da escola, a
formação dos alunos quanto ao verdadeiro significado da ciência estará
comprometida. Logo, a importância do atual estudo está na identificação da
ocorrência dessas falhas, na visão de ciência dos professores, os quais são
uma das peças-chave fundamentais na formação do aluno.
10
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 - A ciência ao longo da história
Será apresentado nesse trecho do referencial teórico um breve histórico
da ciência a partir da Idade Média, na tentativa de elucidar por quais caminhos
trilhou o conhecimento científico, desde esse período. Procura-se também
indicar a dinâmica das teorias e dos pensamentos, e de que forma foram
modificados ao longo da história, quem foram os personagens mais
importantes nessa trajetória, e quais foram as influências que o pensamento
humano sofreu nos seus momentos de criação.
2.1.1 - Idade Média
Durante muito tempo a Idade Média foi considerada um período de
ignorância e superstições, tendo sido inclusive chamada de “Idade das trevas”
por conta do pouco conhecimento que a ciência acumulou nesse período
(PILETTI, 1998 e BOMFIM, 2000). Porém essa concepção vem sendo
desmentida através de estudos realizados ao longo do século XX (BRAGA,
2003).
Neste período da história, a ciência encontrava-se sobre forte influência
da Igreja Católica, sendo que essa impunha sua verdade a qual não podia ser
discutida (BONFIM, 2000). A influência mais importante vinha de Platão (428 -
348 a.c.) cuja obra era difundida por comentadores cristãos fazendo assim com
que houvesse um interesse maior aos estudos ligados a teologia, do que
estudos relacionados à filosofia natural. Nos primeiros séculos da Idade Média
o filósofo mais importante foi Aurélio Agostinho (354-430), que seria
posteriormente conhecido como Santo Agostinho. Assim, Santo Agostinho
tentou estabelecer os fundamentos do cristianismo com base nas teorias de
Platão. Uma das idéias centrais de sua doutrina foi a dualidade corpo e alma
que passou a dominar o cristianismo (PÁDUA, 2000).
Braga (2003) cita que nessa fase da Idade Média os mosteiros
agostinianos, juntamente com os beneditinos (da ordem de São Bento)
concentravam os principais locais de produção e divulgação do conhecimento,
11
dotados de bibliotecas e escritórios onde livros eram escritos e copiados.
Assim, o conhecimento estava sendo produzido aos pés da Igreja Católica,
porém com a expansão do Império Árabe no norte da África e no sul da
Europa, novos conhecimentos passaram ser divulgados e a ter influência sobre
a criação do conhecimento. Os árabes traziam consigo trabalhos e idéias dos
grandes sábios gregos, como por exemplo, Aristóteles cujos conhecimentos até
então não eram muito divulgados e cuja cultura árabe fez uma leitura bem
crítica. Tais idéias foram importantes para o desenvolvimento de outros
estudos, como por exemplo, o estudo do movimento e da astronomia.
Dentro dos estudos sobre movimento, um filósofo que ganhou destaque
foi São Tomás de Aquino (1227-1273), que meio a muitas discussões dos
sistemas de Aristóteles era reconhecido por tentar conciliar a razão aristotélica
com a fé cristã, sendo condenado por isso, uma vez que defendia a visão de
que a verdade vinha não somente da luz divina, mas também da razão. A
astronomia durante a Idade Média teve como destaque as idéias de Cláudio
Ptolomeu, o qual adotava as visões de Aristóteles, como a de que o cosmos se
dividia entre os mundos supralunar e sublunar, e a idéia de que a terra se
encontrava fixa no centro do universo, sendo que essa visão geocentrista se
manteve até o fim da Idade Média (BRAGA, 2003 e CHASSOT, 2004).
Meio a todos esses acontecimentos e desenvolvimentos, Bonfim (2000)
cita que a Igreja, temendo perder sua autoridade, reprimia toda idéia que
poderia traçar novos caminhos para a ciência, impedindo seu livre
desenvolvimento e Pádua (2000) cita que uma característica marcante da
Idade Média foi a transformação dos textos bíblicos em fonte de autoridade
científica. Assim, frente a essa ambigüidade de posturas, Braga (2003) finaliza
citando que surgiram questionamentos a respeito às antigas formas de
concepção do conhecimento, e o reflexo desses questionamentos seria sentido
não muito tempo depois.
2.1.2 – Renascimento
Vinda da Idade Média, um período de limitações e perseguições à
ciência e seus estudos por parte da hegemonia do cristianismo, a humanidade
12
entra no século XV com um novo cenário em vigor, o chamado
“Renascimento”. Nesse período de muitas mudanças, temos como principal
acontecimento inicial a Reforma Protestante liderada por Martinho Lutero. A
Reforma Protestante põe em questionamento muitas das visões da Igreja
Católica e sua soberania, o que permite uma maior liberdade de pensamento
para aqueles que exerciam a ciência, antes tão condenada. Aqui podemos ter
de forma clara como o contexto religioso da Idade Média foi afrontado no
século XV, trazendo mudanças na visão dos homens daquela época, o que
acarretou numa importante reestruturação da visão de mundo. (CHASSOT,
2004)
O Renascimento tem seu surgimento na Itália, ao final do século XIV,
início do século XV, com a redescoberta da Antiguidade Clássica, cujo espírito
humanístico passa a desafiar o misticismo e o ascetismo que marcaram a
Idade Média. Isso culminou numa mudança da visão do homem ao reconhecer
a beleza do mundo natural, e não mais um mundo limitado por imagens sacras.
Essa mudança de atitude, aliada com o surgimento da imprensa e do papel na
Europa ajudou a disseminar o conhecimento produzido, o que antes era algo
limitado, apenas presente em grandes livros manuscritos e de difícil difusão.
Tal possibilidade surgida com a imprensa deu destaque a muitos gravuristas e
pintores, o que influenciou o desenvolvimento da ciência, no sentido de elucidar
e permitir melhores estudos e registros de todo o conhecimento produzido. O
Renascimento também propiciou o aparecimento de cartas marítimas que
redefiniram o conhecimento geográfico da época estimularam o início de
grandes navegações com destaque para o navegador Cristóvão Colombo.
Teve grande responsabilidade nesse processo a dominação do Império Árabe
pelo Império Otomano, de religião islâmica (BONFIM, 2000).
No início do século XVI o mundo assiste o início do contra-ataque da
igreja ao protestantismo e a todos aqueles que vão contra sua doutrina, a
Inquisição. Nicolau Copérnico (1473-1543) critica a teoria elaborada por
Ptolomeu, identificando algumas incorreções nesta teoria e abrindo caminho
para a grande revolução astronômica do século XVI, o que mais tarde daria
início ao heliocentrismo, que defendia o Sol como o centro do universo e não
mais a Terra. Ao longo de todo o século essa teoria ainda seria defendida e
13
aprimorada por Galileu Galilei (1564-1642), que foi quem mais sentiu a
opressão da Inquisição, sendo preso pela igreja e obrigado a negar e abjurar
suas próprias teorias, pois com a essa idéia, o homem e a terra saíram do
centro do universo para um lugar sem importância. Galileu também teve
importante papel na física, pesquisando o movimento da queda dos corpos e
ao longo de superfícies, como por exemplo, no plano inclinado. Sua abordagem
matemática foi tão eficaz que se tornaria a marca registrada da nova física que
viria a se desenvolver nos séculos XVII e XVIII (BONFIM, 2000, BRAGA, 2004
e CHASSOT, 2004)
Nesse mesmo período ocorre um debate importante quanto à visão do
método científico. Galileu estabelece dois momentos do método, a indução e a
dedução, a partir dos quais se processa o conhecimento. Assim Francis Bacon
(1561-1626) aprofunda a questão do método indutivo-experimental, resultados
das análises sobre a filosofia escolástica, pautada nos ensinamentos de
Aristóteles e Platão. René Descartes (1596-1650) estabelece as bases do
método racional-indutivo, invertendo a posição de Bacon (PÁDUA, 2000).
As pesquisas na medicina também passaram a ter um maior destaque
no século XVI. As principais discussões giravam em torno da circulação do
sangue, tomando como base as idéias medievais de Galeno, de que o coração
funcionava como uma espécie de fornalha. Um personagem conhecido por
desenvolver idéias a partir das de Galeno, foi André Vesálio (1514-1564), cujos
estudos em medicina tiveram grande impacto na Europa nessa época. Outro
grande nome nessa discussão foi o de William Harvey (1578-1657) que, com
seus estudos, descartou o modelo de Galeno, passando a admitir o coração
como um músculo que tinha funcionamento similar ao de uma bomba
(CAMPOS E NIGRO/1999). Merecem atenção também os estudos médicos
realizados por René Descartes, cuja visão era de que o corpo-humano
funcionava como uma máquina, e que não aceitava a visão de coração
proposta por Harvey, assumindo, de forma similar a Galeno, que o coração
funcionava como uma espécie de forno, cujo calor gerava energia para a
circulação do sangue e os batimentos cardíacos (BRAGA, 2004).
14
Mais tarde no século XVII aparece Isaac Newton (1643-1727), grande
feitor da ciência e criador de três das mais importantes leis da física. Seu
grande papel foi no estudo da, hoje chamada, mecânica clássica. As leis de
Newton tiveram aplicação imediata na astronomia, com grande sucesso de
previsão e explicação dos fenômenos celestes, respondendo a muitas das
questões que Galileu criticara no aristotelismo. Outro aparecimento importante
no século XVII foi o microscópio, o qual teve sua origem através de Robert
Hooke (1653-1703), o que permitiu avanços no estudo da vida e da matéria. O
mundo das pequenas partes já não era mais invisível ao olho humano
(BRAGA, 2000 e BONFIM, 2000).
2.1.3 – Século XVIII
O século XVIII entra com o pensamento de reorganização do mundo,
emergindo do século XVII e indo no embalo das grandes revoluções ocorridas
nesse século. Uma nova visão da filosofia e da ciência, entrelaçadas em muitos
pontos começa a surgir e são o racionalismo e empirismo vindos do século
XVII que dão substrato ao chamado “Iluminismo”.
Chassot (2004) caracteriza esse período como o da emancipação real
da ciência. Neste momento a ciência rompe definitivamente com a visão das
sagradas escrituras, deixando para trás o contexto religioso já em queda nos
últimos anos, ou como próprio autor descreve: “A humanidade (...) descobre
agora que não precisa mais de tutores para pensar” (p.165). John Locke (1632-
1704) E. Kant (1724-1804), e Voltaire (1694-1778) são nomes importantes
nesse processo. Kant defende a emancipação do pensamento do homem e
não a um pensar tutelado, e Locke, avançando na idéia de Descartes, defende
o valor dos sentidos e da experiência na elaboração do conhecimento
científico, ou seja, o empirismo.
Kant argumenta que, se por um lado o conhecimento é a síntese ou
conexão dos dados que somente a experiência pode fornecer, por outro lado a
síntese é impossível sem os elementos racionais, propondo um novo rumo
para a questão do método, dando ao sujeito o papel de ordenador e construtor
15
da experiência, formando assim formas claras para um novo pensar (PÁDUA,
2000).
Uma das características fundamentais do iluminismo era considerar a
supremacia da razão frente ao que se considerava o dogmatismo das antigas
estruturas. Portanto, era necessário separar as idéias novas de todas aquelas
que vinham enraizadas nessa concepção antiga. O século XVIII vem com uma
nova visão da natureza, o “Universo-máquina”. Herança vinda do século XVII,
com o aparecimento de máquinas movidas por engrenagens, esse pensamento
se estendia para a natureza. Os iluministas tinham a visão de que pode se
compreender o todo, a partir de partes dele, e essa regra devia ser aplicada a
todos os campos de estudo da natureza. Surge também a enciclopédia, com o
intuito de reunir em uma só obra, todo o conhecimento produzido até então,
para que assim esse possa ser difundido pelo mundo (BRAGA, 2005).
Essa onda de transformações e apogeu da ciência levou ao
aparecimento de outra ciência: a ciência econômica. Com o desenvolvimento
industrial na Inglaterra e o mercantilismo em alta, trazendo riqueza para os
países, os governantes viam a necessidade de intervir de forma científica na
economia, para que assim essa pudesse ser mais bem compreendida. Assim,
inspirados no sucesso das leis de Newton, acreditavam que a economia podia
também funcionar por meio de leis, transformando os estudos econômicos em
ciência. Tal visão atingiu diretamente a alta corte dos países, trazendo um
privilégio grande da ciência nessa escala da sociedade. Assim, a ciência
passou a receber o estímulo e o reconhecimento dos monarcas e grandes
chefes, que viam no seu mecenato mais uma forma de imporem seu poder e
soberania, assim como faziam com as artes e a literatura. A ciência passava a
ingressar na elite. Tal posição da ciência incomodava muitos cientistas na
França pré-revolucionária. E elitização da ciência havia limitado os estudos, e
agora apenas alguns filósofos e cientistas tinham em mãos a decisão do futuro
dos estudos da ciência, que crescia a passos largos. Durante o período
revolucionário, muitos matemáticos e físicos apoiaram a queda da monarquia,
sendo a participação destes de grande importância para o estabelecimento do
movimento revolucionário e, na França pós-revolucionária, possibilitou a
16
organização de um projeto de formação e produção de conhecimentos mais
democrático (BRAGA, 2005 e BONFIM, 2000).
As leis newtonianas também serviram de inspiração para filósofos
matemáticos nesse período que, através dos cálculos, desenvolveram leis e
regras gerais aplicáveis ao estudo da natureza. O estudo da vida animal e
vegetal começava a se desenvolver com o aparecimento dos primeiros
sistemas de classificação, a zoologia e a botânica. O homem não mais
estudava os animais somente para aplicações na medicina, como por exemplo,
Galvani, que nessa época utilizava rãs para o estudo da eletricidade nos
músculos, mas agora se interessava também pela vida destes e sua interação
em seu meio (BRAGA, 2005).
Assim, ao final do século XVIII as áreas da ciência começam a se
expandir, tanto na física e na matemática, quanto nas ciências da vida, que
futuramente iriam dar origem a uma biologia mais definida.
2.1.4 - Séculos XIX e XX
Nessa breve exposição sobre os séculos XIX e XX não é possível falar
de todas as importantes descobertas da ciência, pois essas foram muitas. Mas
deve ter em mente que a partir do século XIX todos os ramos da ciência
sofreram grande desenvolvimento, culminando no surgimento das sociedades
científicas especializadas, denotando um grau crescente de especialização ao
conhecimento e tornando necessárias técnicas mais elaboradas. A ciência
começou a apresentar um aspecto mais público, conforme suas conseqüências
práticas se tornavam evidentes na vida diária. Conferências científicas
populares e instrutivas, assim como livros científicos populares também se
tornavam mais acessíveis à população. Não foram apenas as descobertas
científicas que se aceleram. Assim como elas, os equipamentos se tornaram
cada mais vez mais poderosos e sofisticados, obtendo-se resultados muitas
vezes assombrosos. Uma vasta quantidade de novas provas detalhadas
conduziu à alguns conceitos complexos e especializados sobre o mundo.
(BONFIM, 2000).
17
Inicialmente no século XIX, no nível das ciências naturais a questão do
método evolui sendo que a experimentação ganha cada vez mais terreno e se
firma como critério para se estabelecer a verdade sobre o real. Já no século XX
a razão e a certeza começam a dar espaço ao complexo e ao incerto. Grandes
debates sobre os métodos científicos ocorreram nesse tempo. Temos nomes
como o de Karl Popper (1902-1994) fazendo críticas ao método indutivo, e
propondo que este seja substituído pelo modelo hipotético-dedutivo. Debatendo
com Popper, temos Tomas Kuhn (1922-1996), colocando em pauta a questão
das revoluções científicas e dos paradigmas que regem a ciências dentro do
seu tempo. Surgem fortes críticas ao método científico, como por exemplo,
Paul Feyerabend, o qual defende a idéia de que o método, uma vez que
normatiza os procedimentos científicos, não é um instrumento de descoberta
(PÁDUA, 2000).
A partir do século XX, as descobertas científicas se aceleraram e um
número maior de cientistas passou a trabalhar pelo desenvolvimento da
tecnologia, facilitando novas descobertas para a ciência. A física quântica
mostra um universo de complexidade cada vez mais microscópica, onde micro-
partículas são responsáveis por um dinamismo fantástico. A ciência no século
XX foi transformada pelo desenvolvimento de sua tecnologia que facilitou a
pesquisa em muitos campos novos. A ciência assim se fragmenta cada vez
mais, se especializando, com o aparecimento de áreas de estudo, dentro de
outras áreas (BONFIM, 2000).
2.2 – A ciência e suas características
2.2.1 – A ciência como conhecimento
A ciência, desde seu aparecimento até os dias de hoje, está e sempre
esteve presente na história da humanidade como um instrumento de
esclarecimento dos fenômenos que cercam o ser humano e está enraizada
numa das características mais marcantes de um ser pensante: a curiosidade.
Questões como “o que somos?”, “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, entre
outras, estão presentes no pensamento humano no curso de toda sua história,
18
e continua sendo o objetivo de muitos pensadores e cientistas, tentar
respondê-las, mesmo que saibamos que o conhecimento científico não é a
única forma de obter essas respostas. Definir o que é ciência não é algo
simples, uma vez que sua complexidade está ligada a diversos fatores. Porém
quando tal complexidade é analisada, vemos que ao longo de toda a história a
ciência sempre foi alimentada pelas necessidades humanas.
Assim, Pinto (1969) define a ciência como o domínio da natureza pelo
homem, uma vez que este tem conhecimento das propriedades das coisas, e o
homem como o ser que se propõe por finalidade a criação da realidade em que
deseja existir. Em outras palavras, uma vez que este considera compreender a
natureza de onde veio, pode também extrair respostas desse conhecimento na
tentativa de esclarecer a realidade de sua existência, mesmo que essas
respostas apenas sirvam para lhe gerar mais dúvidas. Oliva (2003)
complementa dizendo que a busca de conhecimento está associada à
necessidade de saciar a curiosidade intelectual e à de ter algum tipo de
controle sobre o ambiente em que se vive. Logo, podemos assumir a ciência
como uma criação humana, e fruto dos anseios e necessidades do homem.
Mas o que permite caracterizarmos o conhecimento científico como
sendo científico? O que o difere dos outros tipos de conhecimento?
Uma questão pertinente a ser discutida é a diferença entre a ciência e o
senso comum, mais especificamente a diferença entre o conhecimento que
compõe cada uma dessas duas, consideradas, “classes” distintas de
pensamento.
Partindo das idéias de Lungarzo (1993), senso comum é o conhecimento
construído a partir da vivência das pessoas. Assim, é todo o conhecimento
presente no saber popular e que é capaz de explicar fenômenos, mesmo sem
um método, organização ou justificação. Em exemplo, o autor cita que uma
pessoa é capaz de explicar o porquê de um copo de cristal se quebrar a ser
submetido a uma força muito grande, pois isso é de senso comum dela. Porém,
se essa questão fosse feita a um físico a resposta seria, com certeza, de
natureza muito diferente.
19
Alves (2007) vai de acordo com os pensamentos anteriores no sentido
de que o senso comum está presente na sabedoria popular, e complementa
definindo que senso comum é tudo aquilo que não é ciência, e isso inclui o que
o autor denomina de “receitas” do dia-a-dia. Bizzo (2002) nos trás as seguintes
diferenças entre conhecimento científico e senso comum, este último
denominado pelo autor de conhecimento cotidiano:
- O conhecimento científico não aceita explicações contraditórias sendo
que, se houverem explicações diferentes para um mesmo fenômeno, essas
devem ser tratadas como rivais e, por meio de um embate de idéias, uma delas
deve se sobressair à outra. Já o conhecimento cotidiano é tolerante as
contradições, sendo que une em seu conhecimento informações de diferentes
fontes, como por exemplo, religião e cultura, procurando assim interagir as
partes conflitantes procurando compatibilizá-las.
- O conhecimento científico faz uso de terminologias e linguagens
específicas, sendo que isso se trata de um código de compactação, juntando
informações e agregando significados sem que esses sejam modificados ao
longo do tempo. O conhecimento cotidiano é e mais flexível nesse ponto,
sendo que podem existir diversos nomes para uma mesma coisa ou fenômeno.
- O conhecimento científico busca afirmações generalizáveis, ou seja,
regras gerais que possam ser aplicadas em diferentes situações, não
importando sobre qual situação foram descritas, tendo preferência por
definições abstratas e simbólicas. Já o conhecimento cotidiano tem apego por
definições concretas e reais e está muito atrelado ao contexto onde foi
produzido, sendo que regras para um caso não são utilizáveis em outros casos.
- O conhecimento científico tem suas teorias recentes baseadas em
teorias anteriormente existentes. Assim, ocorre uma sobreposição de conceitos
sendo que teorias gerais já aceitas dão suporte à aceitação de novas teorias
mais específicas. Já o conhecimento cotidiano, uma vez que é extremamente
dependente do contexto onde foi criado, não pode utilizar de um conhecimento
para dar base a outro.
20
Apesar das diferenças citadas acima, as fronteiras entre senso comum e
conhecimento científico não são bem delineadas a ponto de podermos indicar
com clareza onde um começa e o outro termina, e também não é a pretensão
desse trabalho defini-las, mas sim apenas indicar a existência de ambos, e
suas eventuais diferenças.
Assim, tomemos a seguinte afirmação a respeito do conhecimento
científico:
“Uma das diferenças entre a ciência e outras formas de
conhecimento é a existência de uma organização lógica entre as
afirmações que constituem uma teoria científica, e a
possibilidade de justificá-las.” (LUNGARZO, 1993 p. 41)
Partindo dessa definição de ciência percebe-se que o conhecimento
científico não é uma forma superior de conhecimento, mas sim um
conhecimento que tem como característica uma organização. Soa oportuno
então, conhecer algumas das características que compõe o processo de
organização conhecimento científico, ou seja, o método científico.
2.2.2 – A ciência e o método científico
A ciência no curso de sua história utilizou de muitas faces do método
científico para a construção de seu conhecimento. O método permite ao
homem registrar os fatos que deseja esclarecer. Bombassaro (1995) define
essas faces da metodologia científica como “lógicas da descoberta” e afirma
que em cada uma dela existem regras indicativas daquilo que os cientistas
devem aceitar ou recusar.
Assim, partindo dessa afirmação, deve-se ter noção do método como um
organizador do pensamento científico, um caminho a trilhar o pensamento e
que através desse instrumento a ciência procura garantir um tipo de mérito ou
confiabilidade ao seu conhecimento (CHALMERS, 2000).
21
Lungarzo (1993) assume uma visão clássica do método científico,
fazendo referência ao empirismo inglês, discutido pelo filósofo Francis Bacon
no século XVII em sua obra Novum Organum no qual propõe como método
privilegiado a indução, sendo que nessa época era freqüentemente tomada
como método natural para a ciência a dedução.
Como os métodos não são necessariamente iguais e nem foram ao
longo da história, Chalmers (2000) nos traz uma comparação entre os métodos
indutivo e dedutivo, nos dando clareza sobre os pontos onde se diferem e onde
se complementam.
- Indutivo: O método indutivo tem como característica o fato de que, a
partir de um caso particular estudado, parte-se para uma regra geral, válida
para todos os casos, sendo que quanto mais casos particulares iguais forem
confirmados, mais reforçada será a validade da regra geral. Em exemplo o
autor cita:
“Se um grande número de As foi observado sob uma
ampla variedade de condições, e se todos esses As observados
possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As têm
a propriedade B.” (CHALMERS, 2000 p. 27)
Aqui Popper (1982) critica o método indutivo, afirmando que é ilógico
assumir uma regra geral a partir de casos particulares, pois independente de
quão numerosos forem os casos particulares, esses nunca darão base
suficiente a uma regra geral, e nomeia essa questão como o Problema da
Indução.
- Dedutivo: Esse método segue o sentido contrário do anterior, partindo
de uma premissa universal, ou seja, uma regra geral a qual dá base para
conclusões particulares, com base no raciocínio lógico dedutivo. Lungarzo
(1993), quanto a esse método exemplifica:
“Todo paulista é brasileiro. Logo, todo paulistano é brasileiro.”
22
Nesse caso, partiu-se de uma premissa geral sobre os paulistas em
direção a uma conclusão particular que fala apenas dos paulistas da cidade de
São Paulo.
Assim, com essa exemplificação, é possível perceber que esses
métodos tomam caminhos e direções diferentes, porém se complementam.
Enquanto o método indutivo toma um caminho ascendente, de casos
particulares para uma hipótese geral, o dedutivo toma um caminho inverso,
descendente, partindo dessas hipóteses gerais definidas, para casos
particulares. A apresentação desses métodos torna clara a idéia de que o
método científico é o instrumento para se alcançar conclusões organizadas a
partir de dados registrados e observados, e assim apresentar hipóteses sobre
determinado fenômeno.
Porém, ao longo do tempo, os métodos foram sendo modificados e
aprimorados de acordo com os conhecimentos até então produzidos. Um
método que antes era suficiente para dar respostas, agora, uma vez que essas
respostas já alcançaram certa estrutura complexa assim como os
questionamentos a partir dela, já não suporta tal complexidade necessária.
Portanto, nos dias de hoje, devido à alta complexidade do conhecimento,
sob a visão de Colom (2004), essa organização dos métodos se apresenta um
tanto incerta, sendo que a razão e a ordem perderam valor e sua razão de ser,
pois se pretende com o uso metodologias que tinham como finalidade a ordem
e a estabilidade, explicar um mundo instável e de mudanças constantes, sendo
que é parte da natureza a imprevisão, o acaso e a não-linearidade, o que torna
necessário um novo discurso e uma nova concepção para sua compreensão. A
ciência já não mais possui a prerrogativa de se posicionar como a solução para
as incertezas e apresentar as certezas e descobre uma realidade cuja
metodologia experimental já não da conta de explicar. O autor assim sugere a
desconstrução da teoria dos métodos científicos, assumindo a existência do
caos no conhecimento científico atual. Caos que de certa maneira, por trás de
toda sua não-linearidade e desordem, apresenta uma organização que deve
ser agora tomada como a organização existente na ciência, alcançando assim
a ordem a partir da desordem.
23
2.2.3 – A ciência dentro dos contextos
No trecho acima foi introduzido o método científico com duas de suas
faces, na tentativa de elucidar como os pontos de vista e as formas de
observação a interpretação na ciência acabam gerando interpretações
diferentes dos fatos. Aqui será explorada a questão maior que envolve a
ciência: a influência dos diversos contextos no qual a ciência pode estar
inserida.
Partindo de Chalmers (2000), esse cita o filósofo Paul Feyerabend, que
assume a questão de que, dada a complexidade da história, é extremamente
implausível explicar a ciência apenas em regras metodológicas. Assim, se faz
necessário entender o caminho histórico trilhado, e os contextos que nesse
existiram como influência na ciência. Campos e Nigro (1999) assumem o
mesmo raciocínio quando citam que o conhecimento científico pode, antes de
refletir o mundo natural, refletir o mundo da forma como ele é ou foi visto em
determinada época por determinado grupo de pessoas, e que a interpretação
dos resultados dos experimentos científicos está diretamente ligada aos
modelos explicativos e às metáforas tecnológicas de cada época.
A questão da complexidade em se encontrar uma definição de ciência é
fruto, também, da trajetória desta ao longo da história, e dos contextos a qual a
ciência esteve submetida ao longo dela. Morin (1998) cita que a ciência é
intrínseca, histórica e sociologicamente complexa e Pechliye (2008)
complementa esse raciocínio dizendo que a ciência, por ser uma construção
humana, não pode ser separada do contexto histórico, social, político e
econômico, sendo que cada um desses contextos não influencia a ciência
isoladamente, e sim de forma imbricada.
Fourez (1995) cita como exemplo de um contexto social atual, a própria
comunidade científica, na qual um determinado grupo de pessoas que se
consideram peças atuantes na construção da ciência, apresenta um interesse
na ciência de forma que, outra comunidade, com outros valores não
necessariamente apresenta. E essa comunidade científica se alia a outras
organizações sociais como, por exemplo, o Estado ou a indústria, na tentativa
24
de expandir seus ideais e seu conhecimento na sociedade, demonstrando a
existência de um contexto político por trás disso.
Assim, dentro dessa idéia de contextos, Popper (1982) revela que dentro
destes se encontram desafios a serem superados e metas a serem
alcançadas, e que assim, esses determinam um paradigma dentro do contexto.
Ou seja, a forma como se fazer a ciência varia conforme a visão que a
humanidade tem, ou mesmo parte dela em separado, do mundo em que vivem.
Chalmers (2000) tem a visão de paradigma como algo que determina os
padrões para o trabalho legítimo dentro da ciência que governa, em
determinado momento histórico. Em outras palavras o paradigma seria o que
comanda e cita as regras da atividade de “solução de charadas”. Um
paradigma é composto de suposições teóricas e de leis e técnicas para sua
aplicação, adotadas por uma comunidade científica, ou seja, se resume em um
padrão e um acordo estipulado por aqueles que fazem ciência, sobre a forma
como fazê-la.
Se aqui retomarmos o que foi dito anteriormente sobre a impossibilidade
de definir a ciência apenas nas questões metodológicas, vemos que tal
definição se faz verdadeira, pois o método se inclui dentro das leis e técnicas
definidas dentro do paradigma, e o paradigma é fruto de um momento ou um
período definido que, uma vez alterado, alterará também o paradigma.
Tomemos como base agora uma citação de Oliva (1999), na qual o autor
faz referência ao filósofo Karl Popper:
“Nós concebemos as teorias e nós destruímos as
nossas teorias. Criamos assim novos problemas e chegamos a
uma situação em que, quando podemos, concebemos novas
teorias. Isso é, resumidamente, a ciência e a história da ciência.”
(OLIVA, 1999 p.79)
A afirmação acima, juntamente com toda a linha de raciocínio
apresentada no texto até então, nos possibilita questionar como, afinal, a
25
ciência se desenvolve através dos tempos e o que está por trás dessa
chamada “evolução científica”.
Bombassaro (1995) cita em sua obra que a evolução do pensamento
científico está condicionada por um determinado ritmo, no qual os períodos de
ciência normal são precedidos e sucedidos por uma revolução científica, ou
seja, uma revolução na forma de se enxergar e pensar a ciência, que cria
novos paradigmas e estabelece um novo período de ciência normal.
Tais momentos de revolução citados pelo autor caracterizam-se por
momento de crise, onde certo paradigma mergulhado dentro de um contexto
em mudança se apresenta insuficiente para dar explicações aos fenômenos
naturais.
Agora, vale levantar tais questionamentos: uma teoria criada dentro de
um contexto não mais existente, uma vez que não se encaixa mais no contexto
novo, perde sua validade científica? Essa, do ponto de vista do novo contexto,
pode ser considerada errada?
Pinto (1969), fazendo os mesmos questionamentos, diz que a falsidade
dos conceitos superados é relativa, e que na ciência a evolução e a modulação
do pensamento ocorrem a partir da sobreposição de pensamentos novos aos
antigos. Ao longo da evolução científica, muitas teorias foram derrubadas,
porém não se pode caracterizá-las como erradas, mas sim como uma
retratação de um pensamento que, modulado e reestruturado sobre novos
pontos de vista acabou por dar origem a um novo pensamento, ou seja, a nova
teoria.
Sendo assim, o que fica claro é que a ciência está sempre em processo
de mudança, nunca estática e imutável no tempo. Chassot (2004), em relação
ao conhecimento científico, ou ao que o autor prefere chamar de “verdade
científica”, cita que a ciência não tem a verdade absoluta, mas sim algumas
verdades transitórias. Um pensamento vigente em uma época muda de acordo
com o passar do tempo, dando origem a outro tipo de pensamento, numa nova
época. Se nos referirmos a esses pensamentos como errados, absurdos ou
26
incoerentes, estaríamos negando esse processo de mudança que tanto leva
em conta o tempo e a história.
2.3 – A ciência na escola
Dando continuidade as características da ciência apresentadas nos
tópicos acima, levanta-se aqui a questão de como essas características devem
ser tratadas na escola, e alguns dos equívocos em relação a elas. Isso se torna
importante uma vez que ciências é uma disciplina escolar, tanto no ensino
fundamental quanto no ensino médio (porém, nesse último, subdividida em:
Biologia, Física e Química).
Há muitos anos as concepções de ciência têm sido objeto de
controvérsias dentro da escola (BIZZO, 2002). De acordo com Campos e Nigro
(1999) hoje em dia é muito comum, por parte dos professores, a visão de
conhecimento científico como sendo apenas aquilo que está presente nos
livros de ciências e um conhecimento conquistado por um método que merece
muita credibilidade. Isso acaba por gerar um pensamento de que ensinar
ciências é algo simples, bastando transmitir aos alunos o conhecimento
presente nos livros e, aquele que dominar todos esses conceitos presentes nos
livros pode ser considerado um bom aluno.
Dentro dessa visão, Barros (1992 apud Krasilchick, 2004) alerta que
divulgar ciência não é simplesmente falar de forma simples, conceitos
abstratos. Brasil (1998) considera que a compreensão do que é ciência por
meio de um método enciclopédico e fragmentado não reflete sua natureza
dinâmica, articulada, histórica e não neutra, conforme é colocada atualmente. A
abordagem dos conhecimentos científicos por meio de definições e
classificações estanques e absolutas que devem ser decoradas pelo estudante,
contraria as principais concepções de aprendizagem humana.
Isso, na opinião de Cortella (2006), resulta numa interpretação distorcida
do que é o conhecimento científico, qual a origem dele, e como este é
alcançado. O autor afirma que quando indagamos uma criança sobre, por
27
exemplo, a invenção de alguma coisa, sem narrar o processo pelo qual o
inventor teve de passar até chegar ao seu produto final, damos a impressão de
que o princípio de funcionamento de tal coisa era um segredo que foi
descoberto pelo inventor, fazendo valer a mesma idéia para o pesquisador na
ciência.
Assim, Campos e Nigro (1999), dentro dessa problemática, chamam a
atenção para uma orientação a qual os autores classificam como Behaviorista.
Nesse tipo de orientação, o professor apenas transmite as informações aos
alunos, sendo que o aprendizado destes ocorre por memorização, não levando
em conta que os alunos podem apresentar idéias próprias para dar explicação
sobre fatos e fenômenos.
Brasil (1998) admite que seja de fato difícil para os estudantes
apreenderem o conhecimento científico que, muitas vezes, discorda das
observações cotidianas e do senso comum. Sendo assim, Campos e Nigro
(1999) fazem menção a orientação Construtivista, a qual admite que os alunos
possuem pensamentos e questões prévias a respeito dos fenômenos, e que
através de relações com o conhecimento novo atribuem novos significados ao
seu conhecimento. Assim, sugerem um ensino de ciências baseado na
investigação, sendo que os alunos devem se confrontar com situações
problema das quais possam fazer análises críticas e, a partir da problemática
apresentada, levantar hipóteses, validando-as e testando-as.
Para Bizzo (2002) essa orientação se faz necessária, pois assim os
alunos perderão, ou sequer irão adquirir a visão de ciência como uma atividade
profissional que requer uma capacidade especial, na qual os cientistas têm a
resposta para todas as perguntas possíveis e cabe aos estudantes apenas
conhecê-las. Tal visão se complementa com a de Alves (2007), quando este
cita que o cientista virou um mito, uma vez que é visto como um ser de
capacidade intelectual superior a daqueles que não exercem essa profissão.
Dessa maneira, deve se permitir ao aluno reconhecer os principais
fatores envolvidos na criação da ciência, desde os métodos científicos, até a
sistematização dos dados e a interpretação destes. E tudo isso, vinculado ao
28
que Scheid (2007) denomina como uma discussão histórico-epistemológica da
ciência, permite ao aluno compreender a complexidade da construção dos
fatos científicos, fazendo com que, como sugere Alfonso-Goldfarb (2004), a
história da ciência e seu estudo sirvam de exemplo edificante na construção do
pensamento científico dos estudantes.
29
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Este trabalho tem como objetivo a identificação das representações e
concepções que professores tem sobre ciência e a produção de seu
conhecimento, assim como as principais linhas de raciocínio tomadas pelos
professores frente a essa questão.
Assim, para que os objetivos deste trabalho pudessem ser alcançados
exatamente como propostos, optou-se pela aplicação de questionários a
professores em escolas que disponibilizassem os cursos de Ensino
Fundamental e/ou Médio.
O contato inicial com as escolas foi na forma de visita aos seus
estabelecimentos. Sendo assim, foi solicitada a direção das escolas a
permissão para a coleta de dados em seus estabelecimentos assim como o
envolvimento dos professores que ali atuavam. As escolas foram procuradas
sem seleção prévia, buscando uma neutralidade dos dados coletados e não
foram questionadas a respeito da realização de outros projetos na área de
ciências.
Foram visitadas escolas da cidade de Santo André, sendo que duas
delas, uma de caráter público e outra de caráter particular, autorizaram a coleta
de dados em seus estabelecimentos. Assim, uma vez dada a autorização, se
solicitou a demarcação de um horário com os professores para a aplicação do
questionário. Ambas as escolas autorizaram a coleta de dados somente no
período de intervalo entre aulas.
O questionário elaborado consistia de duas perguntas e a interpretação
de uma letra de música. Como sugere Pádua (2000), tomou-se o cuidado de
não estender muito o questionário, a fim de que pudesse ser respondido num
curto período de tempo. A letra de música utilizada é parte da obra musical do
grupo “Os Paralamas do Sucesso”, denominada “Um pequeno imprevisto”. Tal
letra foi escolhida, pois, em seu conteúdo, trás questões como a ação e
influência do tempo sobre os homens, e a incapacidade destes de dominá-lo.
Assim, esta segue abaixo:
30
“Um pequeno imprevisto” – (Herbert Vianna/ Teddy Correa)
“Eu quis querer o que o vento não leva,
prá que o vento só levasse o que eu não quero.
Eu quis amar o que o tempo não muda,
prá que quem eu amo não mudasse nunca.
Eu quis prever o futuro, consertar o passado.
Calculando os riscos,
bem devagar, ponderado.
Perfeitamente equilibrado.
Até que num dia qualquer,
eu vi que alguma coisa mudara.
Trocaram os nomes das ruas.
E as pessoas tinham outras caras.
No céu havia nove luas.
E nunca mais encontrei minha casa.”
O uso dessa letra buscava verificar como os professores relacionavam a
questão do passar do tempo com a ciência e a construção do seu
conhecimento.
Foi elaborado um cabeçalho de apresentação, sendo que nesse
consistiam informações como: o nome do autor do trabalho, as regras para
responder ao questionário, a não necessidade de nomear as folhas e, por fim,
o agradecimento aos participantes. Assim, a aplicação seguiu os seguintes
passos:
Foi entregue uma primeira folha aos professores e, após a leitura do
cabeçalho, esses responderam a questão: “O que você entende por ciência?”.
Foi solicitado aos professores que assim que terminassem a primeira questão,
avisassem a pessoa a qual estava aplicando o questionário, para que essa
recolhesse a primeira folha, e os entregasse a segunda. Nessa segunda folha,
os professores deveriam ler a letra da música e interpretá-la, para que então
respondessem a segunda questão logo abaixo: “Como podemos relacionar a
letra da música acima com a representação que você tem de ciência?”. Depois
31
de respondida a segunda questão, a segunda folha era recolhida e anexada à
primeira.
Assim, as respostas coletadas através da aplicação desse questionário
serão posteriormente analisadas, para que então seja possível chegar às
concepções e representações que os professores entrevistados têm sobre
ciência.
Na análise, essas respostas serão classificadas dentro de categorias
propostas por Becker (1993) e Japiassu (1981). Sabe-se que a categorização
trás certas limitações a análise dos dados, porém, tais categorias nos permitem
classificar as visões dos professores dentro dos três tipos de concepção de
ciência que mais tiveram impacto na história da ciência e que, algumas delas,
ainda nos trazem resquícios de sua influência.
Becker (1993) discorre sobre três visões presentes no ensino, sendo que
em cada uma delas o conhecimento toma um caminho diferente dentro
processo de ensino-aprendizagem. Aqui, estas se apresentam categorizadas.
São elas:
- Empirismo: Nessa visão, todo o conhecimento vem a partir dos
sentidos, ou seja, é necessário ao aluno experimentar algo de forma sensorial
(ver, ouvir, cheirar, etc.) para que se possa considerar conhecedor desse algo.
O conhecimento vem a partir do mundo do objeto estudado, e esse define o
sujeito que o estuda (aluno). Cabe ao aluno retirar informações e qualidades de
objeto estudado de forma empírica, ou seja, a partir da experimentação. Aqui, o
professor transmitiria toda a informação (objeto), essa por sua vez plena e
absoluta, e os alunos memorizariam suas características. O autor julga esse
processo de autoritário, exatamente por conta dessa postura absoluta do
professor. O aluno não questiona e não é questionado. Apenas recebe a
informação e a decora. O conhecimento nesse caso segue tal sentido: Sujeito
Objeto
- Apriorismo: Aqui, a capacidade do conhecimento é dada de forma
predeterminada (ou a priori) na bagagem hereditária, seja de forma inata ou
submetida a um processo de maturação, e é dada como condição de
possibilidade, ou seja, ocorre se possível. Assim, o conhecimento de um
indivíduo diz respeito ao seu estado no processo maturacional, e este pode ser
32
usado como justificativa caso esse indivíduo não apresente determinado
conhecimento. Nessa visão a experiência é relativizada tornando assim toda
atividade exclusiva do sujeito, sem a participação ativa do objeto. O professor
adquiriria uma postura ausente e entraria em ação apenas se necessário. O
autor também julga esse processo como autoritário, mas dessa vez pela
“negação” do professor. Relação epistemológica básica: Sujeito Objeto
- Interacionismo (construtivismo): A assimilação se da como resultado de
um processo de interação radical entre o mundo do sujeito e o mundo do
objeto, sendo essa ativada pela ação do sujeito em resposta a um estímulo do
meio onde se encontra o objeto. Aqui a aprendizagem consiste de uma
atividade mental do sujeito, e não está baseada na memorização. Este, aqui se
faz através de relações, e não apenas identificação. Diferente das outras
categorias, o conhecimento não corre somente numa direção, mas sim segue o
sentido: Sujeito ↔ Objeto.
Japiassu (1981) discorre sobre três categorias relacionadas à concepção
de ciência, nas quais também descreve as relações entre o objeto estudado e
aquele que o estuda. São elas:
- Positivista: enraizado no empirismo inglês, o positivismo toma como
base e recurso da construção do conhecimento científico, a experiência. Só se
pode considerar válido aquilo que passe pelos sentidos do homem. Assim, a
observação constitui o único material a partir do qual a ciência deve se
desenvolver, sendo que ela terá um sentido verdadeiro apenas se o método
pelo qual o conhecimento foi concebido tiver partido desse principio. Isso
confere a uma teoria (ou enunciado) um sentido, que a caracteriza como
verificável. Tal característica permite a teoria ser considerada como científica,
pois é passível de testes e experimentações capazes de verificarem sua
veracidade, ou até mesmo desmenti-la. Para o positivismo, só existe na
natureza a ordem que o ser racional for capaz de lhe dar.
33
- Realista: essa vertente se fixa no racionalismo cartesiano. Inicialmente,
no século XVII, essa visão postulava que o mundo obedecia a leis simples
(citadas como exemplo temos as leis da igualdade da ação e reação, e o
princípio da inércia), entendidas apenas dentro do raciocínio lógico, e essas
eram fixas, eternas e universais, tendo em vista que haviam sido criadas por
um Deus, cuja veracidade é indubitável. Assim, na visão do realismo, a tarefa
do cientista consiste apenas em descobrir essas leis já existentes a priori na
natureza. Nessa visão, não podemos reduzir a ciência apenas à observação,
pois existem parâmetros ocultos os quais, num determinado fenômeno, não
nos são dados a observar. O realismo sustenta a existência de um mundo
independente de nossas sensações e observações.
No século seguinte, frente à grande aceitação do empirismo pelos
cientistas, a visão realista toma um caráter materialista a fim de se reafirmar
dentro da ciência. Assim, passa a dispensar a hipótese divina e a admitir que,
todo fenômeno é resultado de um encadeamento grande de efeitos e causas
que só não podemos conhecer devido à complexidade do real ou à ignorância
momentânea da ciência, sendo que as idéias do homem são reflexos da
matéria extensa, num sentido muito amplo.
- Numa discussão dos pensamentos acima apresentados o autor põe em
questão os limites destes, e trata da concepção do mundo real de um modo
“interacionista” (o autor não a define como uma terceira categoria, mas as
idéias fruto dessa discussão serão aqui tomadas como uma categoria de
aspectos construtivistas). Assim, criticando o Positivismo, nos diz que esse leva
ao ceticismo, sendo que para ele todos os conhecimentos são relativos e
provisórios. Já a respeito do Realismo, sua critica é quanto ao dogmatismo
presente nessa concepção, sendo que esta alimenta a visão da ciência como
algo acabado e pronto.
Então, baseado nas idéias de Bachelard e Einstein, o autor discorre a
respeito de se levar em conta os aspectos subjetivos e psicológicos presentes
no processo de construção das teorias científicas, tornando os contextos da
descoberta tão importantes quanto os contextos da justificativa das teorias.
Assim, se reconhece explicitamente a importância das contribuições
psicológicas no processo de construção das teorias, e mais, se considera a
34
ciência não como um conjunto realizado de conhecimentos, mas sim um
projeto construído progressivamente.
Einstein toma partido de que os homens devem se abrir a contemplação
do universo, de forma a interagir e se ver como parte dele, sendo este o único
caminho para que possam se evadir da vida cotidiana, encontrando o real
significado de sua existência. Dessa maneira, Einstein leva em conta e
existência de fatores psicológicos e de um núcleo subjetivo dentro da gênese
das teorias científicas, tomando uma visão construtivista da ciência, no sentido
de que essa comporta emoções, imaginação e o que o autor denomina de
paixão “mística”. Fazendo referência a Einstein, o autor cita suas idéias: “o
verdadeiro cientista está impregnado de um sentimento religioso cósmico”
sendo que esse é “(...) a motivação mais poderosa e nobre da pesquisa
científica” (p 24). Tal religião não se trata de uma religião monoteísta, que tem
crença em um único Deus absoluto, mas sim uma religião dada como
“panteísta”, preocupada com a compreensão de ordem no mundo.
A partir dessas categorias citadas, foram criadas três categorias, sendo
que os professores serão classificados dentro dessas, de acordo com as suas
respostas na pergunta 1 e na pergunta 2. São essas:
- Tradicional: esta categoria leva em conta as idéias empiristas e
positivistas apresentadas, sendo que o conhecimento é baseado nas
experiências sensoriais do sujeito e não se aceita um conhecimento que não
tenha passado por elas. O sujeito capta através de seus sentidos, informações
do meio e as incorpora. O conhecimento parte do mundo do objeto para o
mundo do sujeito.
- Real-apriorista: Nessa visão, considera-se que o conhecimento é
sempre incapaz de refletir o real em sua totalidade. No realismo, o
conhecimento da natureza nunca é total, pois há uma “imaturidade” da ciência
frente à complexidade do real. De forma similar, no apriorismo, o indivíduo cuja
bagagem hereditária apresenta a capacidade de conhecimento, deve passar
por um processo de maturação até chegar a este, sendo que o não
aprendizado frente a uma questão pode ser explicado pela imaturidade do
indivíduo. Aqui, leva-se em conta a pré-existência das leis na natureza, sendo
que cabe ao cientista apenas descobri-las. Essa categoria será aqui tomada
como uma categoria intermediária entre a tradicional e a construtivista, sendo
35
que não mantém o conhecimento como efetivo apenas do objeto, mas também
não preza por uma interação no momento da construção do conhecimento
científico.
- Construtivista: tal categoria considera os aspectos construtivistas
apresentados, sendo que esses levam em conta a interação entre o sujeito e o
objeto. Aqui, considera-se que o aluno é possuidor de conhecimentos prévios a
respeito do objeto, e a interação vem reformular esses conhecimentos.
Considera-se também que o aluno possui aspectos psicológicos subjetivos, e
que esses devem ser considerados no momento da aprendizagem e que a
ciência é produto de um processo de construção.
Uma vez classificado em uma categoria na primeira resposta, é possível
que um professor seja, posteriormente, classificado em outra categoria na
resposta da pergunta 2, pois deve se levar em conta a interpretação que este
teve da letra da música. No total dez professores responderam ao questionário
e esses foram numerados de 1 a 10 (P1 a P10). Essa classificação será
apresentada na próxima sessão (resultados).
36
4. RESULTADOS
4.1 – A concepção de ciência dos professores a partir da pergunta 1.
P1 “Ciência é tudo aquilo que estuda fenômenos naturais, seres vivos, o ser humano,
doenças, epidemias, plantas. A ciência também estuda como tratar as doenças e
evitá-las.”
Classificação: Tradicional
Justificativa: Assume uma ordem para o conhecimento científico
P2 “Ciência – é o estudo da natureza (fenômenos), seres vivos (animais e plantas),
seres humanos (órgãos e suas funções), experimentos... doenças (prevenção).”
Classificação: Tradicional
Justificativa: Assume uma ordem para o conhecimento científico
P3 “Ciência é o estudo de alguma coisa profundamente, em todos os aspectos.”
Classificação: Tradicional
Justificativa: A profundidade do conhecimento é o que garante a qualidade dele.
P4 “Entendo por ciência método e/ou técnica a qual, por meio de estudos e pesquisas,
se constrói alguma forma de conhecimento, partindo sempre do método científico.”
Classificação: Tradicional
Justificativa: Afirma-se que a ciência parte do método científico
P5 “Ciência é algo que estuda várias partes (ela pode ser separada em áreas:
matemática, física, química).”
Classificação: Tradicional
Justificativa: Assume partes para organizar o conhecimento
P6 “É uma área de estudo que busca despertar a curiosidade do aluno ou daquele
envolvido. Está relacionada na busca de significados para aquilo que está
estudando.”
Classificação: Construtivista
Justificativa: Reconhece que existem fatores psicológicos que devem ser
despertados no momento da construção do conhecimento do aluno.
P7 “Ciência está relacionada à tecnologia, física, biologia, matemática, enfim a
natureza.”
Classificação: Real-apriorista
Justificativa: Entende-se aqui que a natureza é composta por matemática,
37
biologia, física, como se essas já existissem dentro da natureza.
P8 “Ciência é tudo que envolve a vida dos seres vivos, a interação entre eles e o
próprio ambiente em que estão.”
Classificação: Construtivista
Justificativa: Não se deve apenas estudar o objeto isolado, mas o meio em que ele
se insere e sua interação com dele.
P9 “É tudo aquilo ao qual tentamos explicar, descrever, associar, demonstrar, correndo
o risco que amanhã possamos descobrir que é diferente.”
Classificação: Real - apriorista
Justificativa: A ciência está sempre tentando explicar.
P10 “Conhecimento adquirido através da observação, experiências, etc. No ensino ela
se divide para que haja melhor entendimento das transformações ocorridas através
dos tempos, de forma interdisciplinar.”
Classificação: Tradicional
Justificativa: A raiz do conhecimento é a observação e as experiências.
4.2 - Respostas da pergunta 2 a partir da interpretação da letra da música e
categorização das respostas segundo as classes determinadas.
P1 “De que com o passar do tempo as coisas mudam e com os novos
conhecimentos e tecnologia avançada, vamos encontrando novas respostas
para solucionar problemas novos e complicados que antes não eram
resolvidos”
Classificação: Construtivista
Justificativa: Admite que a ciência sofre influência do tempo, e que, de
certa formas, as respostas para os problemas são temporárias.
P2 “Podemos relacionar com o estudo que a ciência faz sobre as alterações que
acontecem com o decorrer do tempo e com as ações que o homem faz na
natureza.”
Classificação: Tradicional
Justificativa: Assume o tempo influencia os objetos de estudo da ciência e
não dá a entender que o tempo influencia a ciência.
38
P3 “Que tudo está em constante transformação”
Classificação: Construtivista
Justificativa: Nada é dado como absoluto.
P4 “Que mesmo sendo a ciência algo construído pelo homem, sabe-se que
mesmo com todas as tecnologias e avanços, os fenômenos naturais muitas
vezes são conseqüência de uso indiscriminado de atitudes egoístas do
homem.”
Classificação: Construtivista
Justificativa: Admite a ciência como construção humana.
P5 “A ciência consegue calcular e prever várias coisas do cotidiano, mas não
consegue calcular o imprevisto”
Classificação: Construtivista
Justificativa: Há uma incapacidade da ciência perante o imprevisto, sendo
que essa não tem a resposta para todas as perguntas.
P6 “A ciência está constantemente em mudanças. Com estudos e avanços
tecnológicos muitos conhecimentos foram aperfeiçoados aprimorando a área
científica.”
Classificação: Construtivista
Justificativa: Admite que a ciência não é estática e sofre mudanças
constantemente, sendo que seus conhecimentos também se modificam com
as mudanças.
P7 “Que o tempo passa e nada pode se consertar no futuro o que aconteceu no
passado.”
Classificação: Real-apriorista
Justificativa: Há uma impotência da ciência perante o tempo.
P8 “A ciência é muito dinâmica, e o que é verdade absoluta hoje, amanhã pode
não ser. Costumo dizer que hoje é assim, amanhã talvez. Dependendo dos
acontecimentos e descobertas.”
Classificação: Construtivista
Justificativa: A ciência é resultado de um processo que leva em conta o
tempo.
39
P9 “Que a ciência “muda” o que definimos hoje como certo, amanhã com novas
descobertas pode ser diferente. Cuidado com a ciência, você pode se
“perder” se só acreditar em conceitos, a vida é muito mais.”
Classificação: Construtivista
Justificativa: O certo é dado como relativo. Os conceitos não são o que
regem a ciência.
P10 “As transformações ocorrem a todo o momento, a todo instante e
necessitamos estarmos atentos a elas, procurando acompanhar, conhecer e
compreender a evolução do dia-a-dia, para que não haja decepção ao
vermos que nem tudo podemos modificar por conta própria. Seria como
deitar e acordar em outro mundo. Ficar perdido.”
Classificação: Construtivista
Justificativa: As mudanças escapam a ciência, e essa deve persegui-las
sempre se reconstruindo.
40
5. ANÁLISE
Como início da análise, se apresentada uma tabela mostrando a
classificação dos professores dentro das categorias, de acordo com as
respostas dadas nas perguntas 1 e 2.
Prof. Resposta da pergunta 1 Resposta da pergunta 2
P1 Tradicional Construtivista
P2 Tradicional Tradicional
P3 Tradicional Construtivista
P4 Tradicional Construtivista
P5 Tradicional Construtivista
P6 Construtivista Construtivista
P7 Real-apriorista Real-apriorista
P8 Construtivista Construtivista
P9 Real-apriorista Construtivista
P10 Tradicional Construtivista
A partir dessa tabela, pode-se notar que dos dez professores que
responderam o questionário, apenas quatro deles não mudaram a posição de
suas respostas, mesmo após a interpretação da letra, mantendo-se nas
mesmas categorias para ambas as respostas. São estes: P2, P6, P7 e P8. O
restante dos professores apresentou mudança nas repostas após a
interpretação da letra da música. Assim, a análise será feita de tal maneira que
serão analisados inicialmente aqueles professores que se mantiveram na
mesma categoria, e posteriormente aqueles que apresentaram mudança de
categoria.
O professor P2 teve classificação Tradicional para a resposta da
pergunta 1, pois parece, de certa maneira, organizar a ciência como o estudo
de coisas em separado, que não interagem entre si. Quando cita “(...) é o
estudo da natureza (fenômenos), seres vivos (animais e plantas), seres
humanos (órgãos e suas funções), experimentos... doenças (prevenção)”, dá a
41
entender que esses estudos não podem ser feitos de forma que o
conhecimento proveniente deles interaja, assim negando as concepções
construtivistas que são citadas por Becker (2003) e Japiassu (1981).
Na pergunta 2, a resposta dada pelo professor ainda soa de natureza
tradicional, o que o nos permite mantê-lo na mesma classificação. P2 entende
que o tempo altera os objetos que a ciência estuda, mas não dá a entender em
sua resposta que o tempo altera o modo de como se fazer ciência, frente a
uma mudança de visão que o próprio homem tem de mundo, dependendo da
época em que se encontra, como citam Campos e Nigro (1999).
Assim, frente a essa análise, podemos considerar que a postura
tradicional desse professor nos permite classificá-lo dentro da postura empirista
como cita Becker (1993). Criticada por Campos e Nigro (1999), mas
denominada como orientação Behaviorista, essa postura tem como
fundamento básico a memorização dos conceitos pelos alunos, não permitindo
uma discussão histórico-epistemológica da ciência, como sugerem Scheid
(2007) e Alfonso-Goldfarb (2004). Tal postura também não permite esclarecer
aos alunos algumas das principais diferenças entre o conhecimento cotidiano e
o científico, como fez Bizzo (2002).
Dando continuidade, P6 em resposta primeira pergunta, assume uma
postura Construtivista citando que a ciência “(...)busca despertar a
curiosidade do aluno ou daquele envolvido”. Admite assim, que no processo de
construção do conhecimento, devem ser levados em conta fatores psicológicos
e subjetivos daquele envolvido com o estudo, nesse caso, a curiosidade. Isso
também é descrito quando Japiassu (1981) cita as idéias de Einstein, o qual
fala que esses fatores são de extrema importância na construção da ciência.
Ainda nessa postura, P6 cita que a ciência “Está relacionada na busca de
significados para aquilo que está estudando”. Campos e Nigro (1999)
concordam com ambas as posturas tomadas por P6, citando que os alunos
formulam questões prévias a respeito de determinados fenômenos e isso deve
ser considerado, e que a partir de formulações entre o conhecimento já
existente, e o novo, os alunos atribuem novos significados aquilo que é do
conhecimento dele.
42
Em resposta a segunda pergunta, P6 se mantém dentro da classificação
Construtivista, pois admite que a ciência sofre mudanças constantes, não tendo
uma característica estática e imutável no tempo, e que se conhecimento
também sofre alterações por conta do tempo, o que condiz com os pontos de
vista apresentados sobre a dinâmica da ciência no tempo, e as influências que
esse tem sobre o modo de como se fazer e ver ciência, apresentados no
referencial teórico.
Assim como P6, o professor P8 manteve-se dentro da categoria
construtivista em ambas as respostas dadas. De início, esse professor diz
entender por ciência “(...) tudo que envolve a vida dos seres vivos, a interação
entre eles e o próprio ambiente em que estão”. Tal ponto de vista da interação
nos permite detectar uma visão aberta e ampla da ciência, no sentido de que
não basta apenas descrever um objeto, mas também situá-lo dentro de um
ambiente, indicando seu papel dentro deste e sua importância. Japiassu (1981)
considera o ponto de vista da interação como um fator importante na
construção da ciência, quando cita as idéias de Einstein. Após a interpretação
da letra, a resposta do professor se mantém dentro dessa classificação, pois
reconhece o dinamismo da ciência: “A ciência é muito dinâmica, e o que é
verdade absoluta hoje, amanhã pode não ser. Costumo dizer que hoje é assim,
amanhã talvez. Dependendo dos acontecimentos e descobertas.” O
estabelecimento da “verdade absoluta” vai contra a visão de Chassot (2004)
quando esse diz que as verdades na ciência são transitórias, mas ainda assim
o reconhecimento do dinamismo da ciência é importante para compreender sua
concepção.
O professor P7 apresentou classificação Real-apriorista em ambas as
respostas. Inicialmente em sua resposta 1 o professor relaciona a ciência à
tecnologia, assim como fez P1 dentro de uma concepção positivista. Porém, o
que mais chama a atenção em sua resposta é a afirmação: “Ciência está
relacionada à (...), física, biologia, matemática, enfim a natureza.” O uso da
afirmação “(...) enfim, a natureza” nos permite entender que P7 considera a
natureza a soma de todas essas disciplinas, e que essas já estão dentro da
natureza, sendo que coube ao homem apenas identificá-las. Essa visão vai ao
encontro das idéias Realistas descritas por Japiassu (1981) de que a ciência é
43
dada como pronta e acabada dentro da natureza, e não reflete muito a
dinâmica das teorias científicas ao longo do tempo como faz Oliva (1999) ao
citar Karl Popper. Assim, P7 se mantém dentro a visão Real-apriorista ao, na
segunda resposta, admitir que há uma impotência e limitação da ciência
perante o passar do tempo, e que nada pode ser feito a respeito.
Serão analisados agora os professores cujas respostas das perguntas 1
e 2 não permaneceram dentro da mesma categoria. São eles: P1, P3, P4, P5,
P9 e P10.
Os professores P1, P3, P4 e P10 inicialmente se encontravam dentro da
categoria Tradicional, porém, após a interpretação da letra da música, esses
assumiram uma postura que permitiu que fossem classificados na categoria
Construtivista.
P3 inicia dizendo que entende por ciência “(...) o estudo de alguma coisa
profundamente, em todos os aspectos”. Assim, a partir dessa postura,
podemos deduzir que P3 apenas considera válido como ciência algo que seja
estudado profundamente, descartando estudos que não tenham esse caráter.
Isso foge de uma concepção Realista que assume a incapacidade da ciência
de alcançar a complexidade do real por conta de uma ignorância momentânea,
e também segue contra a visão Construtivista que assume uma abertura da
interação do homem com o universo que o cerca. Assim, pode ser classificado
dentro de uma visão Tradicional, mesmo essa resposta não nos dando muita
informação a respeito da visão de ciência de P3. O mesmo ocorre com a
segunda resposta de P3, que acabou pelo rigor das categorias por ser
classificada na Construtivista, por assumir uma visão não absoluta da ciência.
O professor P4 iniciou dando como primeira resposta, uma visão a qual
dava muito crédito ao método científico, assumindo que a construção
conhecimento científico deve sempre partir do método. Por similaridade ao
pensamento positivista, o professor foi classificado dentro da categoria
Tradicional, pois assim como assume o professor, o positivismo é a visão que
mais se apega a importância do método, sendo que apenas o método que leve
em conta a experiência sensorial do homem pode ser considerada, como
44
descreve Japiassu (1981). Esse apego da professora ao método segue o
sentido contrário ao que Chalmers (2000) dá do método científico, como
apenas uma organização do pensamento, com a qual a ciência tenta dar mérito
a seu conhecimento.
Já na segunda pergunta, P4 se desfaz desse apego ao método, citando
que “(...)mesmo com todas as tecnologias e avanços, os fenômenos naturais
muitas vezes são conseqüência de uso indiscriminado de atitudes egoístas do
homem”, tentando dar a entender que o impacto negativo da ciência na
natureza é um pouco culpa do método como a essa encara a própria natureza.
E ainda assume que a ciência como uma criação humana, assim como feito
referencial teórico a partir das idéias de Pinto (1969) e Oliva (2003), sendo
categorizada dentro do Construtivismo que considera a ciência como um
processo de criação, fruto de fatores subjetivos e psicológicos do homem.
Foi também categorizado inicialmente como Tradicional o professor P10,
que na sua primeira resposta afirma considerar ciência como “Conhecimento
adquirido através da observação, experiências, etc” indo diretamente ao
encontro das visões positivistas levantadas por Japiassu (1981). P10 também
afirma que “No ensino ela [a ciência] se divide para que haja melhor
entendimento das transformações ocorridas através dos tempos, de forma
interdisciplinar.” Tal afirmação nos permite considerar que esse professor
seguiria uma postura empirista no processo ensino-aprendizagem, a qual se da
por memorização de características do objeto estudado, e é a mesma visão
criticada por Brasil (1998) que considera que estudar ciência de forma
enciclopédica e fragmentada não reflete sua natureza dinâmica, articulada e
histórica. Assim, Cortella (2006) concorda, dizendo que tal postura resulta
numa interpretação distorcida do que é o conhecimento científico.
Na resposta da segunda pergunta, após a interpretação da letra, P10
assume uma postura Construtivista dizendo: “As transformações ocorrem a
todo o momento, a todo instante e necessitamos estarmos atentos a elas,
procurando acompanhar, conhecer e compreender a evolução do dia-a-dia
(...)”, assumindo então que há um contexto maior de mudança que estaria
45
acima da ciência, e essa deve interagir com ele para que não fique fora do seu
tempo.
O professor P1, em resposta a pergunta 1, se apresenta dentro da
categoria Tradicional, pois, de forma similar a P2, parece não ver uma
interação entre os estudos da ciência. Tal idéia se faz clara na citação: “Ciência
é tudo aquilo que estuda fenômenos naturais, seres vivos, o ser humano,
doenças, epidemias, plantas.” Tal resposta nega as concepções construtivistas
que são citadas por Becker (2003) e Japiassu (1981), nos permitindo classificá-
lo dentro da categoria Tradicional.
Porém, de forma diferente a P2, o professor P1 ao responder a segunda
questão, se apresenta dentro da categoria Construtivista, pois, a partir da
interpretação da letra, passa a admitir que a ciência sofre influência do tempo,
e que com esse surgem novos problemas os quais necessitam de novas
respostas. Tal pensamento condiz com as idéias de Karl Popper apresentadas
por Oliva (1999), no qual o filósofo revela que a história da ciência é
resumidamente a criação de novas teorias, ou seja, novas respostas, para
novos problemas.
O professor P5 inicia nos trazendo uma resposta a qual não nos permite
muito concluir sua concepção de ciência, porém em certa altura de sua
resposta afirma: “ela [a ciência] pode ser separada em áreas: matemática,
física, química”. Tal postura do professor frente à ciência pode ser justificada
talvez por uma facilitação no momento da aprendizagem do aluno, postura a
qual trás os mesmos problemas debatidos na postura do professor P10. Isso
nos faz crer que esse professor teria uma postura empirista na sala de aula.
Após a interpretação da letra P5 assume uma postura Construtivista,
citando que: “A ciência consegue calcular e prever várias coisas do cotidiano,
mas não consegue calcular o imprevisto”. Essa postura de incapacidade da
ciência perante o imprevisto pode ser relacionada com a visão de Colom (2004)
quando este cita que a imprevisão é parte da natureza e que, assim sendo, a
ciência deve tomar outra postura quanto aos seus métodos, passando a admitir
a desordem e a não-linearidade em seu conhecimento. Pode-se assumir
46
também que na visão de P5 a ciência não tem a resposta para todas as
perguntas, sendo que seu conhecimento não é absoluto e superior a outros
tipos de conhecimento.
Por fim, o professor P9 em resposta a primeira pergunta mostra uma
postura real-apriorista respondendo que para ele a ciência “É tudo aquilo ao
qual tentamos explicar, descrever, associar, demonstrar, correndo o risco que
amanhã possamos descobrir que é diferente”, ou seja, se dá a entender que,
na concepção do professor, a ciência está sempre tentando responder as
questões levantadas, por mais que no futuro perceba-se que essa resposta é
“imatura” quanto à complexidade que ela tenta responder.
Já após a interpretação da letra da música, P9 tomou uma postura
categorizada como Construtivista. Assim, assume uma postura transitória para
o conhecimento científico, citando: “(...) a ciência “muda” o que definimos hoje
como certo, amanhã com novas descobertas pode ser diferente”. Essa visão
vai ao encontro da visão de Chassot (2004) sobre a questão das “verdades
científicas” as quais o autor considera como transitórias. Logo após essa
afirmação, o professor P9 cita: “Cuidado com a ciência, você pode se “perder”
se só acreditar em conceitos, a vida é muito mais”. Esse trecho da resposta,
mostra com clareza a postura Construtivista, uma vez que o professor
considera que os conceitos não são o que realmente caracterizam a ciência. E
citando “(...) a vida é muito mais”, o professor vai ao encontro das idéias de
Einstein, citadas por Japiassu (1981) no qual o físico diz que os homens devem
expandir suas vidas a contemplar o universo que os cerca, saindo da rotina
maçante vida cotidiana, aqui podendo ser representada pelo que o professor
chama de “conceitos”.
Fazendo agora uma análise geral do quadro, pode-se notar que, a
maioria dos professores (6 de 10) se enquadra inicialmente dentro da categoria
Tradicional. Porém, após a interpretação da letra e a resposta da pergunta 2,
essa situação inicial se modifica, com a maioria dos professores (8 de 10) se
encaixando agora dentro da categoria Construtivista. Pode-se dizer então que,
quando questionados inicialmente, os professores parecem não levar em conta
a visão que tem a respeito da ciência em relação ao tempo, porém quando
47
instigados a uma reflexão, aqui no caso através da letra da música, a maioria
dos professores parece admitir uma postura na qual se considera que a ciência
não é estática e possui um caráter dinâmico dentro dos diversos contextos nos
quais pode estar envolvida. Isso nos permite afirmar que a presença da letra da
música no questionário, assim como sua interpretação, permitiu aos
professores uma reflexão que acabou por revelar uma visão que inicialmente
não poderia ser notada.
48
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos dados apresentados e da análise desses, podemos afirmar
que se faz importante a investigação das concepções e representações que
professores tem sobre a ciência e seu conhecimento, uma vez que essas irão
definir a postura destes dentro da sala de aula, no momento de mediarem o
conhecimento com seus alunos. Não é a intenção desse trabalho criticar de
forma desrespeitosa a postura dos professores, muito menos condenar
opiniões e atitudes profissionais, mas sim reconhecer algumas vantagens e
benefícios de certas abordagens frente a outras, uma vez que se pretende
trabalhar com um tema de tamanha amplitude como a concepção de ciência.
A metodologia aqui aplicada nos permitiu detectar as principais
concepções apresentadas, suas características, e se essas sofrem ou não
mudanças, quando colocadas frente a uma reflexão sobre o tempo e sua ação
na vida do homem. Porém, em alguns aspectos, podem ser feitas algumas
ressalvas quanto à metodologia. São essas:
- A aplicação do questionário seguida de uma entrevista com os
professores, nos permitira uma análise mais concreta de como as idéias a
respeito da ciência foram construídas pelo professor, nos permitindo indicar
melhor quais aspectos já estavam presentes na visão do professor, e quais
aspectos surgiram a partir da interpretação da letra da música.
- Neste trabalho, a categorização aparece como uma forma de
organização dos pensamentos dos professores, a partir de sua similaridade, de
forma que a análise se mostrasse mais concreta. Assim, admite-se que a
categorização trouxe benefícios ao trabalho, mesmo sendo do conhecimento
do autor deste que a categorização impõe limites e restringe outras
possibilidades de análise.
- O número de professores entrevistados trouxe uma boa quantidade de
dados a serem analisados, porém a eventual aplicação do questionário com
mais professores seria benéfica para o trabalho.
49
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Estou ciente do conteúdo da Monografia “Concepções e representações que
professores de uma escola particular e uma pública têm sobre ciência”
________________________________________________
Profª Msa. Magda Medhat Pechliye
(Orientadora – Universidade Presbiteriana Mackenzie)
_________________________________________________
Théo Gremen Mimary de Oliveira
(Aluno – Código de Matrícula 4061536-7)
Trabalho a ser apresentado em: Dezembro/2009