Comunicação emocional e sica: consideraçõesobre contexto e · histórica de elementos...
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IV SEMANA DE EDUCAÇÃO MUSICAL UNESP
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VIII ENCONTRO da ABEM � REGIÃO SUDESTE
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Comunicação emocional em música: considerações sobre contexto e
aprendizado Elder Gomes da Silva
Universidade Federal do Acre / Universidade Federal do Paraná D [email protected]
Adriano Elias Universidade Federal do Paraná D [email protected]
Danilo Ramos
Universidade Federal do Paraná D [email protected]
Resumo: Neste trabalho, discute-se a importância do contexto e do aprendizado para a comunicação emocional em música. Apresenta-se uma breve revisão dos estudos em música, significado e emoção, particularmente a partir do Brunswikian Lens Model. Em seguida, realizam-se algumas considerações sobre contexto e aprendizado, ressaltando a importância da escuta para o desenvolvimento afetivo. Por fim, conclui-se com alguns indícios para uma educação musical capaz de enriquecer a experiência musical e emocional: a ampliação do repertório, a instituição de uma prática de escuta reflexiva e a valorização de situações cotidianas. Acredita-se que os resultados apresentados possam vir a contribuir para diferentes áreas, como psicologia da música, educação musical, musicologia, dentre outras. Palavras-chave: Brunswikian Lens Model, contexto e aprendizado, música e emoção.
Emotional communication in music: considerations on context and learning
Abstract: In this paper, we discuss the importance of context and learning to emotional communication in music. We present a brief review of studies in music, meaning and emotion, particularly from Brunswikian Lens Model. Then carry out some considerations about context and learning, emphasizing the importance of listening to emotional development. Finally, we conclude with some clues for a musical education can enrich the musical and emotional experience: expanding the repertory, introducing a practice reflective listening and appreciation of everyday situations. It is believed that these results may contribute to different areas such as psychology of music, music education, musicology, among others. Keywords: Brunswikian Lens Model, context and learning, music and emotion.
1. Introdução
Neste trabalho, discute-se a importância do contexto e do aprendizado para a
comunicação emocional em música. De um modo geral, a relação entre música e emoção é
compreendida por Sloboda (2003 apud ILARI, 2010, p. 29) como um dos principais temas da
psicologia da música na contemporaneidade, muito embora a dificuldade em se estudá-lo
(JUSLIN; SLOBODA, 2010; 2001). Por outro lado, North e Hargreaves (2008 apud ILARI,
2010, p. 30) sugerem que os fatores sociais e contextuais também exercem grande influência
sobre as pesquisas atuais. Assim, acredita-se que o estudo das emoções em música e sua relação
com o contexto é um tema relevante e pertinente para o cenário da pesquisa em música no Brasil
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devido à sua diversidade cultural e social, aportando com contribuições para diferentes áreas de
conhecimento, como psicologia da música, educação musical, musicologia, dentre outras.
A definição de comunicação emocional &23;�+*("%"�<2�E���� �2*34">A&2�&,�04&�.�,B2*$.�
3&,� "� *-3&->=.� %&� $.,4-*$"1� &,.>A&2� &2/&$?'*$"2� ".2� .45*-3&2F� ��������� ��������� �����
apud RAMOS; SANTOS, 2010, p. 38). Como será discutido, o aprendizado interfere
diretamente neste processo, ao lado de fatores biológicos. De certa forma, tal aprendizado não
está circunscrito ao ensino formal de música. Muito pelo contrário, envolve diferentes estímulos
apresentados ao longo da vida do indivíduo, reforçando a importância do contexto para os
processos relacionados à comunicação emocional em música.
2. Música e emoção
A literatura científica compreende uma diferenciação entre comunicação e o
sentimento de determinadas emoções em música (e. g. RAMOS; BUENO, 2012; DAVIES,
2010; JUSLIN; TIMMERS, 2010; JUSLIN; SLOBODA, 2010; RAMOS; SANTOS, 2010;
�������� ������� �-04"-3.� E2&-3*1F� %*9� 1&2/&*3.� ".� &-5.+5*,&-3.� "'&3*5.� %.� .45*-3&�� "�
comunicação emocional está ligada à percepção de determinada emoção que não
necessariamente conduz a tal envolvimento. Observe-se que o processo comunicacional antecede
ao sentimento da emoção, que poderá vir a ser efetivado tal qual comunicado (JUSLIN;
TIMMERS, 2010). Isso ocorre porque as estruturas musicais não possuem emoções intrínsecas,
uma vez que as emoções são de natureza psicofisiológica. Tal perspectiva é enunciada pela
�&.1*"�%.��.-3.1-.������������������������������"�04"+�/1&224/A&�04&�E%&�"+(4,"�'.1,"�"�
mente humana reconhece semelhanças entre propriedades da estrutura musical e a estrutura das
&,.>A&2�F� ��������� ������ �&(4-%.� "� �&.1*"� %.� �.-3.1-.�� /.13"-3.�� 2=.� "2� 1&+">A&2� %&�
semelhança entre estas propriedades musicais e as emoções que possibilitam a comunicação
emocional em música (DAVIES, 2010; PELLON, 2008).
Mas, então, de que forma as estruturas musicais se relacionam às emoções? A perspectiva
funcionalista sugere que as bases das relações entre música e emoção ocorrem devido a dois
fatores: (a) o aparelho vocal e auditivo inato preparado para a expressão e percepção de emoções
básicas e (b) a aprendizagem em suas diferentes formas (JUSLIN; TIMMERS, 2010, p. 470).
Estudos apontam que a voz é uma estrutura sonora relevante para o desenvolvimento biológico,
afetivo e cognitivo dos seres humanos (JUSLIN; SCHERER, 2005; ILARI, 2006). Em seu
ensaio sobre o desenvolvimento musical de bebês, Ilari (2006, p. 277) sugere que a
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disponibilidade para a compreensão da linguagem se desenvolve ainda na fase uterina. Para
Juslin e Timmers (2010, p. 470), ainda, é possível que as origens da música remetam às
cerimônias de um passado distante, como funerais, guerras e outros eventos, em que as
expressões vocais se transformaram gradualmente em canto. Embora este trabalho não esteja
ligado ao estudo paleontológico do desenvolvimento musical, parece importante destacar a
hipótese de que a música proceda à linguagem enquanto sistema de comunicação69. De fato,
segundo Dalbecque (2006, p. 17), a semiótica define três tipos de sinais ligados à comunicação,
os índices, os ícones e os símbolos, em que: Um índice (no seu emprego semiótico) é um sinal que reenvia, como acontece com uma placa de sinalização que indica uma direcção; um ícone é um sinal que representa, como uma placa indicadora que mostra três crianças a atravessar uma rua; um símbolo é um sinal puramente convencional, como é o caso de uma placa vermelha com uma linha horizontal branca.
A este ponto, duas considerações necessitam ser realizadas. Em primeiro lugar, com
relação à definição de símbolo enquanto sinal puramente convencional. Se os outros sinais
possuem ligações intrínsecas com seus respectivos significados, o mesmo não ocorre com os
símbolos, que dependem de convenções situadas em um contexto particular. Em segundo lugar,
com relação ao objeto musical e seu significado. Meyer (1956) já havia apontado para a falácia
dos referencialistas, negando a existência do objeto musical enquanto índice e ícone de objetos
externos à obra. Para o autor, o objeto musical não pode fazer referência a algo externo à própria
música D a não ser, é claro, por convenção. Com efeito, mesmo na contemporaneidade, o objeto
musical precisa ser colocado em contexto para que sua experiência se torne significativa. Um
determinado som não é, a priori, índice ou ícone, mas um símbolo constituído a partir de
convenções éticas e estéticas inerentes à obra que poderá vir a se tornar um ou outro tipo de
sinal. A estrutura musical D poiesis D é acessada pelo efeito da percepção e compreensão desta
estrutura D estesis �, em que diversos tipos de fatores concorrem para a construção do significado
em música, dentre eles, mais uma vez, o contexto (TAGG, 2011). Daí, então, a importância do
aprendizado, uma vez que o objeto sonoro é um sinal convencional para um determinado
contexto.
Para Tagg (2003), o significado musical é construído a partir da utilização sócio-
histórica de elementos estruturais chamados musemas, cuja definição, pelo autor, são unidades
mínimas de expressão. Estes musemas adquirem significado pela sua ocorrência no âmbito do
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!69Para maiores discussões sobre música e linguagem, ver Cross (2010), Curtis e Barucha (2010), Cross e Woodruff (2009), Sloboda (2008), Brown, Martinez e Parsons (2006) e Juslin e Laukka (2003).
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contexto em que a obra se insere. Assim, o tratamento dado a um objeto musical dentro de um
gênero específico é que determina seu significado.
Juslin (2000) sugere que a comunicação de emoções em música possa ser explicada com
o auxílio de uma versão modificada do Lens Model, tal qual elaborado inicialmente por Egon
Brunswik (1956 apud JUSLIN, 2000). O Lens Model (ou Brunswikian Lens Model, como
também tem sido referenciado pela literatura científica) prevê que a acurácia da comunicação
emocional pode ser verificada pela utilização de certas pistas acústicas durante uma execução
musical. Tais pistas são codificadas pelo intérprete e decodificadas de modo indissociável pelos
ouvintes no momento da apreciação. De fato, a utilização de staccatto, por exemplo, poderia
comunicar medo, raiva ou alegria; contudo, tais emoções diferem entre si pela relação que
estabelecem entre esta e outras pistas, conforme exposto no quadro a seguir.
Tabela 1: Pistas acústicas (adaptado de JUSLIN, 2001 apud RAMOS; SANTOS, 2010)70 Emoção Pistas acústicas utilizadas pelos músicos Arousal Valência Alegria Andamento rápido e com pouca variabilidade, uso de
staccato, grande variabilidade de articulação, alto volume sonoro, timbre brilhante, rápido ataque das notas, pouca
variação temporal, crescimento dos contrastes de duração entre as notas curtas e longas, uso de microintonação para o
agudo, pequena extensão de vibrato
Alto Positiva
Tristeza Andamento muito lento, uso excessivo de legato, pouca variabilidade de articulação, baixo volume sonoro, contrastes reduzidos entre as durações das notas curtas e longas, ataques
lentos entre as notas, microintonação para o grave, final ritardando e frases decelerando
Baixo Negativa
Raiva Alto volume sonoro, timbre agudo, ruídos espectrais, andamento rápido, uso do staccato, ataques tonais abruptos, crescimento dos contrastes de duração entre notas curtas e
longas, ausência do ritardando, acentos súbitos, acentos sobre as notas
harmonicamente instáveis, crescendo, uso de frases em accelerando, grande extensão de vibrato
Alto Negativa
Serenidade Andamento lento, ataques lentos, baixo volume sonoro, com pequenas variações, uso do legato, timbre leve, moderadas
5"1*">A&2�%.�E3*,*-(�,42*$"+F��42.�*-3&-2.�%.�vibrato, contrastes reduzidos entre durações das notas curtas e longas, final ritardando, acentos em notas harmonicamente estáveis
Baixo Positiva
Medo Uso do staccato, volume sonoro muito baixo, com muita variabilidade, andamento rápido, com grande variabilidade, grandes variaçõ&2�%.�E3*,*-(�,42*$"+F��&2/&$31.�#1*+)"-3&��rápido, superficial, vibrato irregular, uso de pausas entre as
frases e de sincopas súbitas
Moderado Negativo
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!70Arousal e valência representam, respectivamente, medidas de reações fisiológicas e valores afetivos relacionados às emoções, conforme proposto pelo Modelo Circumplexo de Russel (1980 apud RAMOS; SANTOS, 2010).
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Em uma extensão deste modelo (conhecido como Extended Lens Model), Juslin e
Lindström (2003 apud JUSLIN; TIMMERS, 2010, p. 475) propuseram que a comunicação
emocional também dependa de alguns elementos estruturais manipulados pelos compositores,
como modo, tonalidade, melodia e outros (Figura 1). A percepção de uma emoção dependeria
parcialmente do compositor e parcialmente do intérprete, sendo que a manipulação das pistas
acústicas é feita a partir de certa coerência particular para cada gênero ou estilo. Em um estudo
acerca da utilização de ornamentos para a comunicação emocional em música barroca, Timmers
e Ashley (2004) mostraram que a utilização de ornamentos para a comunicação das emoções
alegria, raiva e serenidade ocorreu de modo semelhante, diferindo, por outro lado, com relação à
utilização de dinâmica e vibrato, corroborando a coerência da interpretação própria ao estilo ou
gênero.
Figura 1: Expanded Lens Model adaptado de Juslin e Linström (2003 apud JUSLIN;
TIMMERS, 2010, p. 476).
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Diversos estudos tem utilizado este modelo para confirmar a relação entre as pistas
acústicas implementadas durante a performance musical e a acurácia da comunicação emocional
em música (e. g. RAMOS; BUENO, 2012; RAMOS, 2008; FRIBERG; BRESIN; SUNDBERG,
2006; TIMMERS; ASHLEY, 2004; JUSLIN; LAUKKA, 2003). Friberg, Bresin e Sundberg
(2006), por exemplo, desenvolveram um sistema de regras para a performance musical capaz de
simular interpretações particulares no âmbito de estilos por meio da manipulação de parâmetros
em material MIDI. Os experimentos realizados confirmaram a acurácia da comunicação
emocional em música MIDI utilizando as pistas previstas pelo Brunswikian Lens Model
(JUSLIN, 2000 apud FRIBERG; BRESIN; SUNDBERG, 2006, p. 156).
De um modo geral, considera-se a possibilidade de que a construção do significado destas
pistas acústicas, assim como os musemas propostos por Tagg (2003), ocorra a partir da utilização
convencional destes sinais no âmbito de um determinado contexto. Neste sentido, o aprendizado
D considerado como uma diversidade de estímulos que permeiam a vida do indivíduo D exerce
um papel importante para a construção destas pistas, já que conduz a construção dos significados
a partir das experiências vividas.
3. Contexto e aprendizado
Para Hargreaves e Zimmerman (2006, p. 232), o aprendizado musical está
1&+"$*.-"%.� <� "$4+341">=.�� 04&� E���� � .$.11&� de forma espontânea em uma dada cultura, sem
04"+04&1�&2'.1>.�$.-2$*&-3&�.4�%*1&>=.F71. Por não ser direcionada, portanto, a aculturação tem a
ver com os estímulos oferecidos pelo ambiente, acontecendo durante toda a vida do indivíduo no
âmbito do contexto em que se insere.
Nogueira (2010), por outro lado, sugere que a teoria pós-moderna aboliu categorias
$.,.� E$.-3&73.F� &� E'.1,"F�� 31"3"-%.-as como experiências incorporadas. O entendimento
musical, segundo o autor, é ao mesmo tempo compreensão e expressão. Sua perspectiva faz
sentido ao se considerar a possibilidade de que os significados em música são construídos (ou
reconstruídos) a partir da (e na) percepção individual, em que as estruturas e os contextos
compõem uma relação indissociável.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!71:�*,/.13"-3&�%*23*-(4*1�"04*�.�$.-$&*3.�"%.3"%.�/&+.2�"43.1&2�/"1"�.�3&1,.�E"$4+341">=.F�%"04&+&�"/1&2&-3"%.�/&+"�antropologia e outras ciências humanas, onde o prefi7.�E"F��$.,.�&,� "11.2� ��������%*9� 1&2/&*3.�".�/1.$&22.�%&�negação de uma tradição para a implantação da cultura dominante, como no caso da formação do Brasil e o genocídio indígena e africano.
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De fato, é importante que se reconheça que o desenvolvimento do indivíduo, como havia
sugerido Piaget (apud HARGREAVES, 2005), não ocorre somente de maneira passiva. Este
processo envolve assimilação e acomodação, em que o mundo interno do indivíduo exerce um
papel fundamental na seleção das tradições a serem assimiladas, por meio da criatividade e
expressividade capaz de moldar o mundo externo. Isso também é relatado por Swanwick (2003,
p. 45), para quem
[...] o discurso musical, embora inclua um elemento de reflexão cultural, também torna possível a refração $4+341"+��5&1�&�2&-3*1�%&�-.5"2�,"-&*1"2���=.�E1&$&#&,.2F�$4+341"��meramente. Somos intérpretes culturais. A concepção de educação musical como uma forma de estudos culturais ou reforço social tende a resultar num currículo muito diferente daquele que identifica a música como uma forma de discurso. O ensino musical, então, torna-se não uma questão de simplesmente transmitir a cultura, mas algo como um comprometimento com as tradições em um caminho vivo e criativo, em uma rede de conversações que possui muitos sotaques diferentes. Nessa conversação, todos -@2�3&,.2�4,"�E5.9F�,42*$"+�&�.45*,.2�"2�E5.9&2F�,42*$"*2�%&�-.22.2�"+4-.2�
Em estudos sobre as relações entre música, juventude e cotidiano (e. g. ARROYO,
2011; MOURA, 2009; SILVA, 2008) parece claro que a música exerce grande influência na
construção das identidades. É visível, em quase todos os casos, a estreita ligação entre as
identidades e determinados tipos de música. De certa forma, como descreve Moura (2009), tais
identidades acabam por fomentar a criação de estereótipos, uma vez que um grupo passa a ser
*%&-3*'*$"%.�/.1� 31">.2� &23*(,"3*9"%.2�%&�/&12.-"+*%"%&�� $.,.�-.�$"2.�%.2�E,&3"+&*1.2F�5*23.2�
$.,.� E5*.+&-3.2F� ��� ����� et al., 2003 apud MOURA, 2009, p. 35) o4� E%1.("%.2F�
(PIMENTEL et al., 2005 apud MOURA, 2009, p. 35).
Isso pode ocorrer, talvez, devido à própria natureza da atividade de escuta. Ao
perceber, como sugerido por Nogueira (2010) e Swanwick (2003), estamos ao mesmo tempo
decodificando um sinal e (re)construindo um significado que nem sempre diz respeito
exatamente ao que foi sugerido por aquele que expressou D daí a distinção entre a emoção
comunicada, percebida e sentida. Na verdade, todo sinal possui um enunciado concreto
acarretando em uma atitude responsiva por parte de seu interlocutor (ouvinte), que poderá se
manifestar em outros enunciados ou ações (SCHROEDER; SCHROEDER, 2011, p. 133). Por
outro lado, parece interessante o distanciamento adotado por Swanwick (2003), que sugere que o
currículo para a música, enquanto discurso, deva ter como objetivo tornar o processo de
assimilação consciente e ativo, evitando, assim, a criação de situações como relatadas por Moura
(2009).
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A escuta musical, neste sentido, exerce um papel fundamental para o
desenvolvimento humano, social e afetivo, devido seu potencial formador e reflexivo, além de
ser acessível a praticamente todos os indivíduos pertencentes a um determinado contexto, não
sendo exclusiva daqueles com acesso ao ensino formal de música. Segundo Schafer (1991, p.
67), os ouvidos estão continuamente abertos e sensíveis a estímulos diversos. Deste modo, a
seleção do que é ou deixa de ser importante deverá ocorrer durante o desenvolvimento do
indivíduo, por meio do aprendizado. Contudo, como denuncia Cavicchi (2003 apud ARROYO,
2011, p. 473), o desenvolvimento das habilidades de escuta tem sido negligenciado pela
educação musical, que acaba por valorizar os fazeres musicais técnicos (criação e performance).
Assim, é possível também que, ao desprezar a validade da escuta e da apreciação, a educação
musical esteja tolhendo o desenvolvimento afetivo de seus alunos, tornando-os menos aptos para
comunicar e perceber emoções.
De fato, para Sloboda (2008, p. 3),
A razão pela qual muitos de nós nos envolvemos em atividades musicais [...] é que a música consegue despertar emoções profundas e significativas. [...]. Se alguém de uma civilização sem música nos perguntasse por que nossa civilização mantém tantas atividades musicais, nossa resposta certamente apontaria para essa capacidade que a música tem de melhorar nossa vida emocional.
Neste sentido, a questão que se coloca é de que forma a educação musical pode
E,&+).1"1� -.22"� 5*%"� &,.$*.-"+F� &� /.22*#*+*3"1� .� %&2&-5.+5*,&-3.� "'&3*5.�� �+(4-2� *-%?$*.2�
podem surgir a partir das conclusões deste trabalho. Em primeiro lugar, a ampliação do
repertório de escuta e performance, possibilitando o contato com diferentes tipos de
manifestações e contextos musicais, nos quais os objetos musicais são tratados de modo
distintos. Em segundo lugar, a realização de uma prática de escuta reflexiva, como sugerem
Schafer (1991) e Swanwick (2003), de modo que o ouvinte possa ser capaz de construir sentido e
significado a partir da compreensão da música e seu contexto. Por fim, a valorização de situações
cotidianas, nas quais se torna possível acessar diferentes camadas da experiência auditiva e
afetiva (TAGG, 2003).
4. Considerações finais
Neste trabalho discutiu-se a relevância do contexto e do aprendizado para a
comunicação emocional em música. Segundo a literatura consultada, dois fatores contribuem
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para a acurácia da comunicação emocional: a predisposição biológica e o aprendizado (JUSLIN;
TIMMERS, 2010, p. 470). Para Hargreaves e Zimmerman (2006, p. 232), o aprendizado D que é
por natureza informal segundo a concepção dos autores D ocorre pela aculturação. Hargreaves
(2005), ainda, diz que o processo de desenvolvimento cognitivo depende de assimilação e
aculturação, conforme havia sido sugerido por Piaget. Algumas propostas pedagógicas, como as
de Schafer (1991) e Swanwick (2003), têm como objetivo tornar este processo consciente, de
modo que o indivíduo possa se sentir atuante na construção do significado musical.
Deste modo, sugere-se que a educação musical deva considerar a ampliação do
repertório, a realização de uma prática de escuta reflexiva e a valorização de situações
cotidianas, para aperfeiçoar o desenvolvimento afetivo e cognitivo da experiência musical.
Tais considerações se fazem importantes uma vez que os modelos utilizados para
investigar a comunicação emocional em música, como o Brunswikian Lens Model, podem se
enriquecer ao considerarmos diferentes culturas. Os significados das estruturas musicais são
construídos a partir de um determinado contexto, devido à sua utilização pelos indivíduos que
dele fazem parte. Assim, o ato da escuta deve ocorrer concomitantemente em níveis poiesico e
estesico, possibilitando que o indivíduo acesse diferentes camadas da experiência auditiva
(TAGG, 2011; 2003). Como demonstrado, o significado está além das estruturas e isto, talvez,
seja um dos aspectos mais caros à educação musical contemporânea.
Referências
ARROYO, Margarete. Escutas cotidianas de música e juventudes contemporâneas. In: XXI CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA. Anais... Uberlândia, 2011, pp. 473-479.
BARROS, José A. Raízes da música brasileira: uma introdução à história da música erudita no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 2011. BROWN, Steven; MARTINEZ, Michael J.; PARSONS, Lawrence M. Music and language side by side in the brain: a PET study of the generation of melodies and sentences. European Journal of Neuroscience. Vol. 23, pp. 2791-2803, 2006. CROSS, Ian. The evolutionary basis of meaning in music: some neurological and neuroscientific implications. In: ROSE, F. C. (org.). The neurology of music. Londres: Imperial College Press, 2010. CROSS, Ian; WOODRUFF, Ghofur. E. Music as a communicative medium. In: BOTHA, Rudolf; KNIGHT, Chris (orgs.). The prehistory of language. Vol. 1. Oxford: The Oxford University Press, 2009. pp. 113-144.
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IV SEMANA DE EDUCAÇÃO MUSICAL UNESP
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