Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES LUIZA MIRANDA AGRESTE NAZARETH Computação vestível e o sujeito pós-humano Novos paradigmas de experiência de uso e design para ubiquidade SÃO PAULO 2014

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

LUIZA MIRANDA AGRESTE NAZARETH  

Computação vestível e o sujeito pós-humano Novos paradigmas de experiência de uso e design para ubiquidade

SÃO PAULO 2014

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LUIZA MIRANDA AGRESTE NAZARETH

Computação vestível e o sujeito pós-humano Novos paradigmas de experiência de uso e design para ubiquidade

Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, em cumprimento às exigências do Curso de Pós Graduação Latu Sensu, para obtenção do título de Especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital para Ambientes Corporativos.

Orientador Prof. Dr. Guilherme Ranoya

SÃO PAULO 2014

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Autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

NAZARETH, Luiza Miranda Agreste

Computação vestível e o sujeito pós-humano: novos paradigmas de experiência de uso e design para a ubiquidade / Luiza Miranda Agreste Nazareth: orientador Prof. Dr. Guilherme Ranoya - São Paulo, 2014. 63 fls.

Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes,

Universidade de São Paulo, 2014

1. computação vestível. 2. pós-humano. 3. experiência de uso. 4.design. 5.ubiquidade.

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Nome: NAZARETH, Luiza Miranda Agreste Título: Computação vestível e o sujeito pós-humano: novos paradigmas de experiência de uso e design para a ubiquidade

Monografia apresentada ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Especialista em Gestão Integrada da Comunicação Digital para Ambientes Corporativos.

Aprovada em ___ de ___________de 2014.

BANCA EXAMINADORA __________________________________________________ Prof. Dr. Guilherme Ranoya Instituição Julgamento __________________________________________________ Prof. Dr. Instituição Julgamento __________________________________________________ Prof. Dr. Instituição Julgamento

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Dedicatória

A Jesus, fonte eterna de inspiração, sabedoria e graça, pelo seu amor leal que me capacita a buscar a melhor versão de mim.

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Agradecimentos

Ao orientador, Guilherme Ranoya, pela prontidão, referencias e discussões tão enriquecedoras.

Ao Paulo, pelo seu amor, paciência e parceria em quaisquer circunstâncias.

A família e amigos, pela compreensão e incentivo durante os meses de ausência.

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RESUMO NAZARETH, L. M. A. Computação vestível e o sujeito pós-humano: novos paradigmas de experiência de uso e design para ubiquidade. 2014. 63 f. Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014

Este trabalho tem como objeto de estudo a relação dos dispositivos de

computação vestível e o usuário contemporâneo em ambientes de ubiquidade

computacional. Para tanto, recorre aos conceitos de sujeito pós-humano a fim de

compreender a complexidade das expectativas e anseios deste usuário

contemporâneo no que se refere a dispositivos tecnológicos vestíveis e as suas

possibilidades de reconfiguração da percepção do corpo humano. O propósito deste

estudo é discorrer a respeito de como a experiência de uso de dispositivos

computacionais será transformada através dos novos paradigmas que a computação

vestível inaugura e como esta mudança de paradigmas impactará, em particular, as

práticas do design de experiência de uso.

Palavras-chave: computação vestível, pós-humano, ubiquidade, experiência de uso,

design

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ABSTRACT NAZARETH, L. M. A. Wearable computing and the post-human beings: new paradigms of user experience and design for ubiquity. 2014. 63f. Monografia (Especialização Lato Sensu) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2014

The object of this study is the human-computer interaction between the

contemporary user and wearable devices in a context of ubiquitous computing. For

this matter, we appeal to the concept of post-humanism to understand the complexity

of this user’s expectations, needs and fears when it comes to wearable devices and

their possibilities of reconfiguration of the human body. There for, the purpose of this

study is to investigate the paradigms shifts that wearable computers bring to the

common user experience on digital devices and how these changes will impact the

practice of user experience design.

Keywords: wearable computing, post-human, ubiquity, user experience, design.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 8

2. CONTEXTO SOCIOCULTURAL DA COMPUTAÇÃO UBÍQUA ....................... 11 2.1 Ciberespaço e sua condição de ubiquidade .................................................. 11 2.2 Cibercultura e as relações de poder entre homem e tecnologia ................... 14 2.3 A comunicação homem-computador através de interfaces digitais ............... 17 2.4 Por uma computação ubíqua: dos smartphones à internet das coisas ......... 22

3. COMPUTAÇÃO VESTÍVEL E O SUJEITO PÓS-HUMANO .............................. 29 3.1 Computação vestível como modalidade da computação ubíqua .................. 29 3.2 O sujeito pós-humano e sua relação com objetos inteligentes ...................... 32 3.3 Experiência de uso de computadores vestíveis ............................................. 41

4. NOVOS PARADIGMAS DE DESIGN DE EXPERIÊNCIA DE USO PARA UBIQUIDADE ............................................................................................................ 49

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 56

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 61

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1. INTRODUÇÃO

Ao analisarmos o movimento de portabilidade e mobilidade dos dispositivos

tecnológicos, a expansão das redes de conexão sem fio e dos dados armazenados

em nuvem, podemos constatar que a sociedade contemporânea, imersa na

cibercultura, tem demandado por maior mobilidade, pervasividade e ubiquidade nas

suas experiências de conexão com o ciberespaço. Essas necessidades tem se

materializado na forma de objetos do cotidiano embebidos de processadores

computacionais, sendo uma de suas modalidades os itens da indumentária

contemporânea nomeados de computadores vestíveis ou wearable devices.

Os dispositivos de computação vestível, recentemente introduzidos no

mercado por grandes empresas de tecnologia nas formas de óculos, pulseiras e

relógios de pulso, tem gerado tanto euforia e curiosidade quanto ceticismo e

ansiedade na sociedade contemporânea. Mesmo não existindo anteriormente

nenhuma aplicação comercial para estes dispositivos eles já fazem parte do

imaginário coletivo da sociedade contemporânea ocidental por conta das

representações das ficções científicas e vem sendo estudados e prototipados há

anos por pesquisadores da engenharia da computação. Seu surgimento, portanto,

não é algo sem precedentes mas é fruto de um processo de apropriação e

ressignificação simbólica dos dispositivos computadorizados móveis já existentes a

fim de suprir as demandas latentes na sociedade contemporânea por experiências

mais imersivas e fluidas com o ciberespaço.

Como a maioria dos processos de inovação tecnológica, enquanto as

principais empresas de computação e telefonia tem investido na concepção de

dispositivos vestíveis atraentes por suas funcionalidades, os early adopters se

aglutinam para experimenta-los, criticar ou exaltar suas features e os usuários

comuns observam toda essa movimentação sem muito compreender como essas

novas tecnologias irão efetivamente fazer parte de suas vidas. Mais importante do

que conjecturas e futurismos, o que já podemos prever a respeito dos dispositivos

de computação vestível é o fato de suas experiências de uso terem o potencial de

diferir completamente dos padrões de interface gráfica até então estabelecidos pelos

computadores pessoais e smartphones.

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A presente pesquisa tem como objetivo principal investigar quais são as

mudanças de paradigmas que a computação vestível traz para as experiências de

uso de dispositivos tecnológicos em ambientes de ubiquidade computacional e,

particularmente, como estas mudanças impactam as práticas do campo de estudo

de design de experiência do usuário.

Para respondermos a estes questionamentos, é necessário compreender

quem é o usuário ou sujeito que interagirá com estes dispositivos tecnológicos e

quais são as necessidades latentes deste sujeito na contemporaneidade. Para tanto,

recorremos ao conceito de sujeito pós-humano como contraponto ao sujeito

cartesiano absoluto e racional a fim de compreender a complexidade das

expectativas e anseios deste usuário contemporâneo no que se refere a dispositivos

tecnológicos vestíveis e suas possibilidades de reconfiguração do corpo. Este

trabalho tem, portanto, como objeto de estudo a computação vestível e sua relação

com o sujeito pós-humano e como metodologia de pesquisa nos utilizaremos de um

estudo dedutivo de natureza bibliográfica e exploratória.

No primeiro capítulo, descrevemos o contexto sociocultural da

contemporaneidade que se configura como demandante por ubiquidade e

demonstramos que o surgimento dos computadores vestíveis e da computação

ubíqua é fruto de um processo de apropriação e ressignificação simbólica das

tecnologias móveis já existentes, a fim de sanar necessidades latentes por maior

ubiquidade computacional na sociedade contemporânea. Descrevemos a nossa

compreensão de cultura contemporânea ao discorrermos a respeito do termo

cibercultura e problematizarmos as relações de poder, controle e comunicação entre

homem e tecnologia na contemporaneidade. Apontamos também como os

computadores pessoais e smartphones se mostraram falhos em prover experiências

de uso ubíquas e imersivas ao ciberespaço o que culminou na busca por novos

dispositivos mais inerentes às atividades humanas e demandantes por menos

atenção e concentração para sua utilização.

No segundo capítulo, delimitamos o conceito de computação ubíqua e,

particularmente, apontamos a computação vestível como precursora de um novo

paradigma de relação homem-computador. Problematizamos os conceitos de

sujeito, objeto e sua relação em ambientes nos quais os objetos também são

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providos de inteligência e capacidade de interação com o ambiente. Neste contexto,

surge o conceito de sujeito pós-humano como a transformação do homem também

em sistema de informação digital. Identificamos a computação vestível como uma

das formas de codificação do homem através de dispositivos tecnológicos acoplados

ao seu corpo, porém sem reconfigurar sua organicidade. Através da descrição das

características dos dispositivos de computação vestível, problematizamos a difusão

das fronteiras entre homem e máquina oriundas desta nova relação homem-

computador, assim como o imaginário coletivo que o circunda devido às referências

deste tema nas obras de ficção científica.

No terceiro e último capítulo, identificamos o design como disciplina que

ordena e projeta as interações entre homem-máquina e justificamos a necessidade

de uma prática consistente de design de experiência de usuário a fim de que estes

dispositivos tecnológicos possam ser efetivamente utilizados e incorporados ao

cotidiano dos usuários comuns. Frente a isso, delineamos de forma não exaustiva

como a prática do design será impactada pelos novos paradigmas de experiência de

uso que surgem com os dispositivos de computação vestível.

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2. CONTEXTO SOCIOCULTURAL DA COMPUTAÇÃO UBÍQUA    2.1 Ciberespaço e sua condição de ubiquidade

A contemporaneidade tem sido marcada por mudanças rápidas e constantes

no que se refere a desenvolvimento tecnológico. Steven Johnson (1997) apoiando-

se nos conceitos de McLuhan, identifica a velocidade elétrica como força-motriz da

aceleração das mudanças sociais e tecnológicas das últimas décadas. Johnson

(1997, p. 8) reforça a diminuição do espaçamento temporal entre uma

transformação tecnológica e outra ao dizer que [...] a tecnologia costumava avançar em estágios mais lentos, mais diferenciados. O livro reinou como meio de comunicação de massa preferido por vários séculos, os jornais tiveram cerca de 200 anos para inovar; até o cinema deu as cartas durante 30 anos antes de ser rapidamente sucedido pelo rádio, depois pela televisão, depois pelo computador pessoal. A cada inovação, o hiato que mantinha o passado à distância ficou menor, mais atenuado. Isso não significou muito nos avanços que foram o livro ou o jornal ao longo dos séculos – para não mencionar a escala milenar do pintor das cavernas –, mas, à medida que foram se abreviando, os estágios começaram a interromper os ciclos de vida de seres humanos individuais.

Em outras palavras, o que outrora levava décadas ou séculos para se

modificar passou a ser transformado no período de tempo de uma única vida

humana. Nos últimos anos, vimos as tecnologias da informação e comunicação

convergirem na microinformática e o computador pessoal ser introduzido na ecologia

de mídias eletrônicas analógicas. Mais recentemente, presenciamos a vertiginosa

adoção dos telefones móveis providos de sistemas operacionais, ou smartphones.

Com a popularização dos computadores pessoais e smartphones, a criação de

interfaces gráficas mais amigáveis e a conexão dos computadores a uma rede digital

global - a Internet - presenciamos a reconfiguração de práticas sociais, políticas,

econômicas e culturais dando início à “era da informação”.

Castells (1996) denomina de “era da informação” e “sociedade em rede” a

época e sociedade pós-industrial na qual a informação e o conhecimento passaram

a ser a base do modelo de desenvolvimento e produção. Neste novo modelo, a

informação substituiu a energia como matéria-prima e passou a permear e

transformar todos os aspectos da vida humana, instituindo o paradigma das

tecnologias da informação em detrimento do paradigma das tecnologias industriais.

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Esse novo paradigma, fruto da reconfiguração da sociedade a partir da apropriação

social das tecnologias da informação, se caracteriza por um tecido social constituído

em redes, pela penetrabilidade dos efeitos das tecnologias da informação em todos

os aspectos da vida humana, pela sua constante possibilidade de reconfiguração e,

finalmente, pelo processo de convergência de tecnologias analógicas e específicas

em sistemas de informação.

Portanto, a era da informação possibilitou a digitalização e sobreposição de

uma camada informacional (ou virtual) à camada do real. Segundo Levy (1996) essa

camada informacional sempre existiu como o composto das subjetividades e

consciência coletiva, porém as tecnologias da informação deram a ela um corpo

virtual. Assim, com o advento das tecnologias da informação, ou informática, “cria-se

a possibilidade de leitura da realidade, traduzida pela linguagem digital,

automatizando a informação” (LEMOS, 2002, p. 107). Essa camada informacional,

agora passível de ser acessada pelas tecnologias da informação a qualquer

momento através da codificação e decodificação de seus componentes passa a ser

a principal mediadora das vivências humanas, reconfigurando as noções espaço-

temporais e inaugurando o ciberespaço.

O ciberespaço, composto pelo virtual, “ao contrário do que se pensa, não

remete a um para além do real, mas a uma vontade (ou não) de constituição do real

enquanto novo” (PARENTE, 1999, p. 14). Portanto, a experiência do ciberespaço

não propõe a substituição do real pela realidade simulada, mas a lembrança de que

nós, como seres simbólicos, temos na nossa própria subjetividade uma simulação

hiper-realista produzida pela linguagem (PARENTE, 1999).

Vilém Flusser (2007) defende que a própria linguagem e comunicação

humanas são processos artificiais, portanto a experiência do homem com relação à

natureza é, desde o principio, mediada pela técnica. Lúcia Santaella (2010) reafirma

Flusser ao atestar que toda relação humana com a natureza ou com sua própria

natureza é, de saída, uma relação mediada pelos signos e pela cultura, sendo as

primeiras tecnologias a própria fala e o gesto. Assim sendo, a condição primária do

nosso cérebro, como seres simbólicos, fez com que déssemos nomes e

imprimíssemos significados à natureza, criando a dimensão da semiosfera e da

cultura ou da inteligência coletiva, como denomina Pierre Levy (1996). De Kerkchove

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(2009, p. 72) complementa esse conceito ao dizer que a Internet é “um cérebro

coletivo, vivo, que dá estalidos quando o estamos utilizando. [...] A Internet vem de

baixo, do subterrâneo, do subconsciente da inteligência coletiva”.

Sob essa ótica, podemos afirmar que as tecnologias da informação e sua

camada informacional não inauguram a mediação das relações humanas, mas

evidenciam quão mediadas sempre foram todas as nossas representações de

mundo. Assim sendo, a virtualidade não é uma característica puramente das

tecnologias digitais, mas é própria do ser humano. Nunca existiu uma realidade

“não-codificada” que fosse a representação fidedigna do real. Todas as realidades

são comunicadas através de símbolos, sejam elas virtuais ou não. Santaella (2010,

p. 217) ressalta que, sob essa perspectiva, [...] as linhas divisórias entre o mundo natural e o cultural, o biológico e o tecnológico se esfumam, perdem toda nitidez. Se tudo o que chamamos de vida só é vida por que está projetada como código, se sistemas técnicos e sistemas de codificação estão na base daquilo que chamamos cultura, o que sobra da natureza sem cultura?

A condição inicial do ser humano é, portanto, a de ser simbólico e, desde o

início da linguagem, a virtualidade e o mundo dos códigos já existiam na forma de

semiosfera. Com as tecnologias da informação, houve a digitalização e

universalização do acesso à essa camada informacional já existente. A

universalização do acesso à camada informacional se dá através da virtualização

destas subjetividades e consciência coletiva, ao ser criado um espaço de

informações ou ciberespaço. Segundo Levy (1996), este ciberespaço recorta o

espaço-tempo clássico que se constitui apenas como “aqui e ali” e “passado,

presente e futuro” e inaugura a simultaneidade e ubiquidade, nas quais predominam

fluxos de informação sem constrangimentos espaço-temporais, aos quais Castells

(1999) denomina “espaço de fluxos”. A condição de ubiquidade do ciberespaço se

dá pelo fato de todos que estiverem conectados a rede, em qualquer tempo e em

qualquer espaço, podem ter acesso à camada informacional digital.

A ubiquidade pressupõe também que as tecnologias digitais assumiram a

centralidade da cultura contemporânea, reconfigurando não só a sociedade e seus

conceitos espaço-temporais, mas também diversos outros aspectos da vida

contemporânea. Vale reforçarmos neste momento que a condição de ubiquidade do

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ciberespaço difere do conceito de computação ubíqua que discutiremos mais a

frente neste trabalho. Isso por que enquanto percebemos que, desde sua

constituição, o ciberespaço e a sociedade em rede tem uma condição ubíqua de

desprendimento espaço-temporal e de acesso ininterrupto à rede digital, as

tecnologias da informação tem se desenvolvido a fim de elas próprias se tornarem

tecnologias mais ubíquas e oferecerem experiências de uso mais condizentes com a

condição ubíqua do ciberespaço. O primeiro passo rumo à constituição de

tecnologias digitais ubíquas foi a convergência das tecnologias analógicas em

sistemas de informação e, por sua vez, transformação destas também em

dispositivos computadorizados.

2.2 Cibercultura e as relações de poder entre homem e tecnologia

Com a emergência da “era da informação”, as tecnologias analógicas foram

também codificadas e passaram a pertencer ao sistema informacional das

tecnologias digitais. Esse fenômeno, também conhecido como convergência das

mídias, fundiu “em um único setor do todo digital as quatro formas principais de

comunicação humana: o documento escrito, o audiovisual, as telecomunicações e a

informática” (SANTAELLA, 2010, p. 84). As tecnologias digitais, diferente das

tecnologias analógicas, não se baseiam somente em um modelo representacional

mas são, em si mesmas, sistemas simbólicos auto-representativos. Segundo Steven

Johnson (1997, p. 18), [...] uma máquina impressora ou uma câmera lidam com representações como produtos finais ou resultados; são máquinas representacionais porquanto imprimem palavras em papel ou registam imagens em filme, mas os processos subjacentes são de natureza puramente mecânica. Um computador, por outro lado, é um sistema simbólico sob todos os aspectos. Aqueles pulsos de eletricidade são símbolos que representam zeros e uns, que por sua vez representam simples conjuntos de instrução matemática, que por sua vez representam palavras ou imagens, planilhas e mensagens de e-mail. O enorme poder do computador digital contemporâneo depende dessa capacidade de auto-representação.

Esta convergência de tecnologias em sistemas de informação não

representa meramente um processo tecnológico que uniu múltiplas funções e

linguagens dentro de um mesmo sistema de informação, mas sim, principalmente,

representa uma transformação sociocultural na qual os indivíduos contemporâneos,

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por terem maior disponibilidade de informação, passam a ter participação mais ativa

na conexão dessas informações dispersas em rede e na autoria de discursos e

conteúdos, chamada de cultura da convergência (JENKINS, 2006).

A cultura da convergência deslocou o sujeito contemporâneo da posição de

espectador e o deu os meios de se tornar também autor e produtor. O sujeito

passivo da cultura das massas, se transformou em sujeito ativo e participante do

tecido social e cultural na era da informação. A descentralização da autoria dos

discursos e a constituição do individuo também como produtor de conteúdo são

características da cultura da era da informação denominada cibercultura.

Se analisarmos a origem etimológica do termo cibercultura, composta pelo

termo grego “kubernetes” que significa “piloto” ou “governador”, podemos perceber

que este termo retoma o próprio conceito de “cibernética” e sua teoria homônima,

concebida por Norbert Wiener em 1948. Em seus estudos, Wiener cria “um modelo

informacional onde a relação entre o homem e seu ambiente se estabelece a partir

das trocas de informação” (LEMOS, 2002, p. 108). Na teoria cibernética, Wiener

(1961) aponta o século XXI como sendo não somente a era da comunicação e da

troca de informações entre animal e máquina, mas também do estabelecimento de

relações de controle e poder entre estes através desta comunicação. Portanto, a

cibercultura, se passível de ser restrita a uma definição, significaria “a ação humana

(ordenada, procedural e, portanto, controladora) sobre os frutos de sua natureza

(materiais e intelectuais)” (CORREA, 2010, p. 11).

Quão mais complexos se tornam os vínculos homem-tecnologia no

ciberespaço, mais difusa fica essa relação de controle homem-máquina e as

fronteiras entre estes também ficam menos claras. De Kerkchove (2009) cunhou o

termo “psicotecnologia” ao afirmar que as tecnologias, além de extensões do corpo

humano, são também extensões da psicologia humana e que essas extensões

modificam o próprio homem ao passo que o processamento das informações e

semioses passam a ser realizados em conjunto com suas extensões tecnológicas e

não mais somente em seu cérebro. Esse estreitamento das fronteiras da mente

humana e das tecnologias digitais faz com que os próprios dispositivos tecnológicos

se tornem mais autônomos e independentes.

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Tomemos como exemplo a extensão da memória humana para as bases de

dados computacionais e sistemas de busca semânticos. A memória, por ser

repositório do repertório cultural que traz consigo a base de símbolos e convenções

culturais, é elemento chave para o processo de significação. Em um mundo

codificado em sistemas de informação digital, marcado pelas relações de

interdependência entre homem e máquina e distribuído em redes, o primeiro

processo de significação é feito pelo próprio dispositivo tecnológico ao acessar e

buscar as informações necessárias para as interações entre os homens e entre

homem-tecnologia através destas bases de dados.

Ao delegar sua memória aos dispositivos tecnológicos, o homem está

delegando também parte do processo de significação de suas relações. Neste

contexto, vemos de maneira bastante evidente e marcante como nossas escolhas

têm sido influenciadas e direcionadas por algoritmos cada vez mais complexos e

capazes de nos resguardar em uma bolha daquilo que não nos pareceria

significante. Porém, não estamos só delegando nossa memória e parte do processo

de significação às máquinas, mas também estamos dando poder de decisão e

controle sobre o que irá compor nossa realidade. Vemos aqui a possibilidade de

uma inversão de papéis, e como alertava De Kerkchove (2009), corremos o risco de

o humano passar a ser extensão da tecnologia e não o contrário.

A problemática do controle e comunicação homem-tecnologia é

potencializada ao adentrarem nessa ecologia de dispositivos tecnológicos uma nova

forma de relação homem-tecnologia: os objetos portados de inteligência artificial e

processadores computacionais capazes não só de acessar à rede, mas de tomar

decisões autônomas baseadas na análise dos dados e informações disponíveis no

ambiente, independentes da ação humana.

2.3 A comunicação homem-computador através de interfaces digitais

Como vimos nos parágrafos anteriores, o primeiro passo rumo à uma

computação mais ubíqua foi a convergência de tecnologias analógicas específicas

também em sistemas de informação digital e, por sua vez, em dispositivos

computadorizados. O que diferencia as tecnologias da informação das demais

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tecnologias de comunicação analógicas é o fato de estabelecerem-se não somente

como meios ou veículos de comunicação, mas também por firmarem um diálogo

com o homem, seu usuário, através de processos interativos. Em outras palavras,

por ser um meio interativo, a relação do homem com o computador não é

ferramental, mas sim complexa e comunicacional, demandando processos de

linguagem e significação. A fim de que esta comunicação entre homem e

computador seja efetiva, faz-se necessário a mediação dessa relação por interfaces

digitais que sirvam como tradutoras da interação homem-computador. Segundo

Santaella (2013, p. 56), Interface tornou-se uma palavra-chave desde que o computador virou uma máquina dialogante. Sem interface, não há interatividade, outra palavra-chave. Em um sentido genérico e técnico, interface é definida como ambientes que permitem que dois ou mais sistemas mútuos se adaptem. Quando duas entidades tão distintas quanto a máquina e o humano pretendem entrar em conversação, é preciso haver recursos na superfície da primeira adaptáveis aos sentidos por meio dos quais o humano apreende e responde aos estímulos e apelos do mundos.

Steven Johnson, em seu livro “Cultura da interface” define interface como a

forma pela qual o homem se orienta nos espaços de informação, ou ciberespaço,

sendo uma “estranha nova zona entre o meio e a mensagem” (JOHNSON, 2010, p.

35). Com a convergência tecnológica, observamos a consolidação do computador

pessoal como tecnologia agregadora de funções que outrora tinham outros suportes

tecnológicos, tais como ler, escrever, jogar, etc. Por suporte tecnológico entendemos

não somente as tecnologias dotadas de alguma forma de maquinário, mas também

tecnologias analógicas tais como o próprio livro, papel e caneta. Como o computador

pessoal foi projetado como uma máquina multifuncional, fez-se necessário a criação

de elementos representacionais para a execução das diversas tarefas que lhe eram

propostas e facilitar a manipulação dos computadores pessoais por usuários

comuns.

Neste cenário, é criada a interface gráfica, também conhecida como GUI

(graphical user interface). Seus padrões mais amigáveis e metafóricos foram

fundamentais para o processo de popularização do computador pessoal. Os

componentes da GUI, sejam os periféricos de entrada e manipulação da máquina

computacional, como o mouse e o teclado, ou elementos representacionais como as

janelas e os ícones do desktop, são analogias trazidas do “mundo real” para o virtual

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a fim de formatar o espaço de informações de modo que pudesse ser compreendido

e manipulado pelo homem através do reconhecimento e da familiaridade. A

interface, desta forma, ofereceria ao usuário e ao computador um terreno comum ou

“um terreno simbólico onde a interação acontece” (LEMOS, p. 118).

Estes primeiros padrões de interface digital, compostos pela metáfora e

representação gráfica do desktop, pastas, disquetes e impressoras, janelas, teclado

e mouse fugiram do imaginário coletivo que posicionava a tecnologia como prótese

do corpo humano e fizeram com que “pela primeira vez, uma máquina fosse

imaginada não como um apêndice de nossos corpos, mas como um ambiente, um

espaço a se explorado” (JOHNSON, 2010, p. 24). Assim sendo, podemos sinalar

que os padrões de interface gráfica do computador pessoal surgiram mais como

resposta às necessidades do mercado da época do que às expectativas do usuário.

A criação da GUI “reinventou o computador, transformando-o de uma calculadora

regida por instruções textuais ou linhas de comando para um sistema interativo e

multimídia” (MANOVICH, 2013, p. 101, tradução nossa).

Os pesquisadores da Xerox PARC, criadores da GUI, assumiram como

pressuposto para a construção dos primeiros padrões de interface gráfica as teorias

cognitivas de Jerome Bruner de que, no homem adulto, coexistem três níveis de

cognição: sinestésico, visual e simbólico. Para tanto, desenvolveram o mouse como

proposta de ligação das mãos do usuário à máquina servindo de representação

sinestésica de sua movimentação no espaço virtual, os ícones como representações

visuais dos objetos que seriam manipulados e a possibilidade de linguagem de

programação e desencadeamento lógico para construção de novas representações

gráficas através do pensamento abstrato e simbólico (MANOVICH, 2013). Quarenta

anos após sua criação, a GUI ainda permanece como padrão predominante no

design de interfaces gráficas para dispositivos computadorizados. Segundo

Manovich (2013, p. 100, tradução nossa), o sucesso da GUI se deu pois “foi

projetada para ajudá-los (usuários) a pensar, descobrir e criar novos conceitos

usando não somente uma forma de mentalidade, mas todas elas juntas.”

Neste primeiro momento das interfaces digitais, o conteúdo apresentado

através dessa nova forma de relação homem-tecnologia foi fruto da apropriação das

tendências de experimentação da literatura modernista da época e das formulações

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de Ted Nelson a respeito da não-linearidade e do hipertexto, dando origem à

linguagem da hipermídia. O layout e organização de seus conteúdos em tela

também muito se assemelhavam com a diagramação das páginas e sistema de

navegação de um jornal impresso, tendo cabeçalhos ao topo, páginas iniciais,

organização das informações em colunas, presença de um índice e sumário de

navegação nas páginas internas (CARDOSO, 2013).

O movimento de apropriação das linguagens e padrões das tecnologias

anteriores é comum ao processo de introdução de uma nova tecnologia à sociedade.

Porém, com o computador esse processo foi potencializado. Isso por que os

dispositivos computadorizados, como meios auto-representativos, tem a

possibilidade de simular e expandir todos os meios anteriores devido à convergência

das mídias em sistemas de informação e, ao mesmo tempo, inauguram novas

formas de experiências antes nunca possíveis por conta da constituição material das

demais tecnologias analógicas (MANOVICH, 2013).

O maior problema, porém, da GUI pode ser justamente o sucesso de sua

metáfora. Visto que o computador pessoal tem o poder de representação, o uso da

metáfora do desktop neste contexto foi extremamente bem sucedida pois possibilitou

a manipulação direta da máquina pelo homem através de ações já convencionadas

do mundo real (abrir uma pasta, jogar uma arquivo na lixeira, etc). Porém, ao passo

que formatamos a cognição humana para o reconhecimento e não para a

descoberta, exploração e construção de novos significados, existe o risco destas

metáforas limitarem o potencial da criação de uma linguagem própria aos

dispositivos computadorizados e o surgimento, por sua vez, de padrões e formas de

uso advindas desse contexto digital, não transportadas do mundo analógico. De

Kerchove (2009, p. 38), ao refletir a respeito da interação homem-computador e

como esta afetaria a cognição humana afirma que [...] a questão importante que persegue os psicólogos cognitivos é se, ao usarmos o computador, somos mestres ou escravos – ou um pouco de cada um deles. Serão as rotinas de programação eventos puramente exteriores que dizem respeito a uma máquina objetiva ou tenderão a impor um protocolo de operações tão rigorosos que nos tornarão meras extensões do programa?

De Kerkchove (2009, p. 23) denomina de tecnopsicologia “o estudo da

condição psicológica das pessoas que vivem sob a influência da inovação

Page 22: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  20  

tecnológica”. Segundo ele, a realidade psicológica do homem é moldada de acordo

com seu ambiente e, consequentemente, através das tecnologias que utiliza,

chamadas de psicotecnologias. Um exemplo de psicotecnologia é o alfabeto que,

segundo o autor, “é o software que conduz a psicologia humana” (DE KERKCHOVE,

2009, p. 47). Segundo De Kerkchove (2009) o letramento condicionou homens a

privilegiarem a experiência frontal, lógica e reflexiva de concentração visual em

detrimento de outros sentidos, criando assim diferenciações, por exemplo, entre a

audição oral e a audição letrada. Assim sendo, constituiu-se a predominância do

visual e da construção de conceitos abstratos através da linguagem em detrimento

das demais experiências sinestésicas. Esta tendência explica o direcionamento das

interfaces gráficas dos computadores para a mimese de experiências que

privilegiavam a concentração frontal, tais como o teclado da máquina de escrever e

o monitor da televisão. Mais além, esta tendência nos ajuda a entender o motivo de

serem tão bem aceitas as metáforas visuais e os padrões de interface gráfica: em

uma cultura letrada e visual, com uma cognição pautada pelo letramento, a

representação visual predomina sobre as demais formas de cognição.

Porém, a despeito dos esforços em criar interfaces gráficas que facilitassem

a utilização do computador pessoal pelo usuário, Donald Norman (1999) aponta em

seu livro “The Invisible Computer” que o próprio nome “pessoal” seria equivocado

para denominar este dispositivo pois, ao invés de proporcionar uma experiência

amigável e pessoal, os computadores pessoais eram máquinas que ocupavam muito

espaço, demandavam um longo processo de aprendizagem para utilizá-los (mesmo

com interfaces mais amigáveis) e processos mais desgastantes ainda para mantê-

los funcionando, demandando constantes “check-ups”, formatações e atualizações.

Além de centralizar diversas funções, o computador pessoal nivelava todas as

“formas de fazer” em uma única configuração ergonômica e cognitiva de interface

(muitas vezes mais desapropriada para a realização de algumas funções do que as

suas “formas de fazer” anteriores). O desprendimento do “fazer” de sua “forma de

fazer”, ou seja, o desprendimento da técnica de sua tecnologia acabou por

reconfigurar a própria técnica.

O computador pessoal, na sua forma de desktop, mesmo com seus padrões

de interface gráfica mais amigáveis falhou em conferir a experiência de ubiquidade

que o ciberespaço e a cibercultura demandam. Em busca de maior mobilidade, o

Page 23: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  21  

computador pessoal evoluiu para o computador pessoal portátil, na sua forma de

“laptops”. Porém, por mais que este novo formato de dispositivo tecnológico pudesse

ser mais facilmente carregado de um lugar para o outro, sua experiência de uso

ainda demandava imobilidade e uma experiência de concentração frontal, sendo

impossível de utilizá-lo enquanto o homem estivesse em movimento. Luisa Donati

(2005) declara que, mesmo se tornando mais compacto e podendo ser deslocado no

espaço, o laptop ainda conferia certa imobilidade ao usuário e uma experiência de

uso limitada uma vez que “a sua utilização configura uma interrupção e

deslocamento da atenção de uma atividade anterior já que precisa ser ligado e

desligado, colocado sobre algo móvel, etc.” (DONATI, 2005, p. 27).

Com a miniaturização dos processadores computacionais, a evolução das

conexões sem fio, o aumento da utilização dos dispositivos móveis e o

armazenamento de dados em nuvem, o acesso à camada informacional, outrora

restrito à imobilidade de um computador pessoal, enfim se tornou móvel. O advento

dos dispositivos computacionais móveis sinalizou o começo de um distanciamento

do hardware e metáfora do desktop, porém não representou uma ruptura com seus

padrões convencionados de interface. Mesmo que os dispositivos móveis tenham

desprendido o dispositivo tecnológico de sua restrição territorial, ainda pautavam

suas experiências na concentração frontal do indivíduo.

Não podemos negar que os dispositivos computacionais móveis evoluíram

os padrões de interface dos computadores pessoais ao passarem a utilizar outros

sentidos como o tato através do toque nas telas porém, a grosso modo, se

apropriaram da mesma linguagem digital dos computadores pessoais, a GUI e a

hipermídia para construção de sua linguagem. As interfaces gráficas baseadas em

metáforas visuais foram essenciais para a história da microinformática, porém, ao

passo que os formatos dos computadores começam a diversificarem-se e a

distanciarem-se da forma tradicional de desktop, assim também as interfaces digitais

precisam se reinventar e encontrar novos padrões interação e experiências de uso.

Page 24: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  22  

2.4 Por uma computação ubíqua: dos smartphones à internet das coisas

Como vimos anteriormente, por mais que a condição do ciberespaço já fosse

de ubiquidade, os dispositivos tecnológicos de acesso a essa camada informacional

ainda não proporcionavam experiências de usos condizentes com estas

expectativas. Alegamos que o primeiro passo rumo à uma computação ubíqua foi a

convergência midiática das tecnologias analógicas e a apropriação das funções

destas pelo computador pessoal que se constituiu como máquina multifuncional.

Também vimos que o segundo passo rumo a uma computação ubíqua foi o

desprendimento das tecnologias digitais de sua condição de imobilidade. Segundo

Santaella (2013), com os dispositivos digitais móveis que dão acesso ao

ciberespaço, a mobilidade física do homem foi expandida dando origem à

hipermobilidade. Com a hipermobilidade, o computador se torna “um dispositivo

onipresente que expande a capacidade do usuário de utilização dos serviços que o

computador oferece, independente de sua localização” (SANTAELLA, 2013, p. 17).

Os computadores pessoais portáteis, até então em forma de laptops, se

apropriaram dos telefones móveis, mudando seus significados e funções e os

transformando em smartphones, computadores pessoais ainda mais portáteis e,

agora sim, móveis. Os telefones móveis que, outrora, tinham como principal e única

função proporcionar a comunicação oral ou textual entre duas pessoas

independente de sua territorialidade passaram também a ser dispositivos que

centralizavam diversas outras tecnologias como máquina fotográfica, sistemas de

localização geográficos, reconhecimento de voz e, principalmente, continham um

sistema operacional e processadores computacionais, tais como os computadores

pessoais. Os telefones móveis não somente foram informatizados, como também

foram conectados à rede, inaugurando a categoria de objetos do cotidiano

conectados à Internet (que não um computador pessoal em seu formato tradicional).

Com sua conexão à rede através de um dispositivo móvel portátil, o homem

passou a vivenciar o ciberespaço em sua potencia de ubiquidade. Delimitamos como

potencia pois a experiência ainda não havia atingido a máxima vivência de

desprendimento espaço-temporal da ubiquidade. Os smartphones, assim como o

computador pessoal, ainda demandavam por uma concentração frontal do usuário,

Page 25: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  23  

tendo como principal foco a manipulação do dispositivo tecnológico e não a conexão

com o ciberespaço por si só. Assim sendo, o smartphone ocupava o centro da ação

e atenção humana, ainda requerendo uma experiência de conexão com o

ciberespaço limitada pelo próprio dispositivo de acesso.

Por mais que não tenham rompido completamente com a experiência de uso

do computador pessoal, podemos dizer que os smartphones consolidaram um

momento de transição, iniciados pelos laptops, entre uma primeira fase estática da

relação homem-computador para uma segunda fase marcada pela ubiquidade.

Reforçamos que os smartphones não são a concretização dessa fase, mas sim a

indicação das necessidades latentes da cultura contemporânea por ubiquidade. Em

momentos de transição cultural como estes, a apropriação da nova tecnologia pela

sociedade ainda convive com os antigos paradigmas de linguagem e experiências

de uso, mesmo que já levante questionamentos a estes.

É importante reforçarmos que o surgimento de uma nova tecnologia não

extingue as tecnologias das eras anteriores. Pelo contrário, ao analisarmos

criticamente a história social das novas tecnologias de informação e comunicação,

podemos confirmar que cada novo dispositivo tecnológico nasce tanto da

reconfiguração dos dispositivos anteriores quanto traz consigo ressignificações para

as outras formas de relação homem-tecnologia. Portanto essa relação deve ser

analisada sob um ponto de vista dialógico, não determinista. Pois, por um lado, o

desenvolvimento tecnológico propõe novas formas de comportamento com relação a

dispositivos tecnológicos mas, por outro, a apropriação social e simbólica da

tecnologia questiona e reconfigura as práticas originais designadas à tecnologia

recém introduzida na sociedade (LEMOS, 2002).

Portanto, o advento dos smartphones não significa a desaparição e

inutilização dos computadores pessoais, mas sim a sua ressignificação simbólica no

cenário sociocultural. O processo de reconfiguração sociocultural gerado por uma

nova tecnologia é gradual e quando amadurecido essa nova condição traz consigo

novas necessidades que se apropriarão de outras tecnologias para supri-las,

gerando um ciclo de mudanças contínuo causado por esse diálogo entre tecnologia

e cultura. Para melhor compreensão, podemos exemplificar esse conceito de

período de transição e evolução tecnológica ao retomarmos o conceito de “cultura

Page 26: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  24  

das mídias”, como foi chamado por Lúcia Santaella (2010) o período entre a cultura

de massas e a cibercultura.

Em sua proposta teórica, Santaella (2010) defende que equipamentos como

o videocassete, a fotocopiadora, o walkman, as videolocadoras e a própria TV a

cabo, incitaram a sociedade das massas a individualizar o consumo de mídia,

deslocando o processo de recepção no espaço-tempo. Portanto, a sociedade que

precedeu e originou as novas tecnologias da informação já não era mais uma

sociedade marcada tão somente pela massa e pelo receptor passivo. Pelo contrário,

essas novas possibilidades de recepção abriram caminho para novas formas de

busca e consumo de informações que excediam as capacidades técnicas das

tecnologias disponíveis e às quais as novas tecnologias vieram de encontro.

Sob esta ótica, ao retomarmos o olhar para os smartphones podemos

perceber que a sociedade em que vivemos, devido a reconfiguração social causada

pela apropriação simbólica dos smartphones, se caracteriza por sujeitos

participativos e conectados em rede com necessidades latentes por maior

mobilidade e ubiquidade em suas experiências de conexão com o ciberespaço. A

sociedade contemporânea almeja pela liberdade das restrições espaço-temporais

proposta pelo ciberespaço, mas seus dispositivos tecnológicos e suas experiências

de uso ainda são restritas.

Os smartphones, por serem tecnologias de transição, adotaram a linguagem

dos computadores pessoais e não superaram as expectativas de liberdade das

restrições físicas e temporais em suas experiências de conectividade. Por mais que

fossem dispositivos que promovessem mobilidade ao acesso à camada

informacional da rede e tivessem evoluído algumas dimensões do uso de

dispositivos tecnológicos, ainda proporcionavam uma experiência homem-tecnologia

dicotômica entre o real e o virtual, além de uma experiência de uso com mais ênfase

na manipulação do dispositivo do que a experiência por ele proporcionada.

Não bastante, a mobilidade dos smartphones e a disponibilidade ininterrupta

de informações em qualquer lugar e a qualquer momento fez com que a relação

homem-tecnologia se tornasse viciante e sobrecarregada. A própria tecnologia

criada para suprir a necessidade de maior mobilidade criou uma nova necessidade:

Page 27: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  25  

uma relação mais inteligente, leve e dialógica entre homem-tecnologia na qual a

tecnologia se apresentasse de maneira mais calma e complementar às ações

humanas. Em outras palavras, o homem passou a demandar “formas de fazer” que

estivessem mais atreladas às tarefas especificas que deseja realizar. O sujeito

contemporâneo demanda por mais que uma experiência de uso de dispositivos

computacionais na qual tenha que manipular indiretamente o dispositivo através de

uma interface de representação gráfica. Há uma demanda por dispositivos que não

exijam tamanha atenção e que facilitem a ações humanas a despeito de ocuparem o

centro de nossas atenções.

Assim sendo, a sociedade contemporânea demanda por computadores mais

tangíveis e inerentes às suas atividades do cotidiano. Computadores estes que não

se atêm à forma tradicional mas que se reconfiguram para permear o cotidiano e se

tornarem mais efetivos, porém mais discretos. Lemos (2002, p. 177) ao dissertar a

respeito da interatividade dos dispositivos digitais já sugeria que esta nova forma de

interação homem-tecnologia iria reconfigurar a relação entre o sujeito

contemporâneo e seus objetos ao dizer que [...] a interação homem-tecnologia tem evoluído a cada ano no sentido de uma relação mais ágil e confortável. [...] A interatividade digital caminha para a superação das barreiras físicas entre os agentes e para uma interação cada vez maior do usuário com as informações e não com objetos. [...] Essa nova qualidade de interatividade (eletrônico-digital), com os computadores e com o ciberespaço vai afetar de forma radical a relação entre o sujeito e o objeto na contemporaneidade.

O passo seguinte rumo à computação ubíqua, após o advento dos

dispositivos móveis, tem sido a incorporação de processadores computacionais em

outros objetos do cotidiano, sejam móveis ou estáticos, gerando ambientes

inteligentes e computadorizados. Diferente da hipermobilidade, a computação

ubíqua propõe um ambiente povoado por computadores invisíveis embarcados nos

objetos do cotidiano de modo que

[...] o computador tem a capacidade de obter informação do ambiente no qual está embarcado e utilizá-la para dinamicamente construir modelos computacionais, ou seja, controlar, configurar e ajustar a aplicação para melhor atender as necessidades do dispositivo ou usuário. O ambiente também pode e deve ser capaz de detectar outros dispositivos que venham a fazer parte dele. Desta interação surge a capacidade de computadores agirem de forma “inteligente” no ambiente no qual nos movemos, um ambiente povoado por sensores e serviços computacionais (ARAUJO, 2003, p. 50).

Page 28: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  26  

Os objetos do cotidiano providos de processadores computacionais tem sido

denominados de computadores ubíquos ou pervasivos. Estes novos dispositivos

computadorizados passam a trocar informações entre si, independentemente da

ação humana, retirando o dispositivo do centro da atenção do homem e movendo-o

para o plano de fundo do ambiente. Também conhecida como internet das coisas, a

computação que permeia e penetra nos objetos do ambiente reconfigura as funções

destes objetos, ao convertê-los também em sistemas de informação e integrá-los à

rede de dispositivos. Frente às demandas econômicas das industrias de tecnologia,

a computação ubíqua tem tomado a forma também de computação pervasiva “na

medida em que o processamento das informações obtidas por meio dos diversos

objetos que nos cercam servirá para a aceleração do comércio eletrônico, negócios

baseados na rede, fluxos financeiros, etc.” (CORREA, 2010).

Friedemann Mattern (2007, p. 10) afirma que os dispositivos de computação

ubíqua "estão, de diversas formas, substituindo o homem como mediador entre o

real e o virtual”. Ousamos afirmar que essas novas tecnologias estão, na realidade,

substituindo o modelo de interação no qual o computador é o mediador em uma

relação dicotômica entre o real e o virtual. Estas novas tecnologias trazem o homem

de volta ao papel de mediador entre estas duas dimensões e tornam as fronteiras

entre o real e o virtual mais difusas.

Os dispositivos computacionais ubíquos inauguram uma experiência de uso

na qual o dispositivo tecnológico não é o centro da atenção humana na conexão

com o virtual. Porém, ao mesmo tempo, também inauguram a possibilidade do

homem não ser mais o único agente inteligente, ou sujeito, que toma grande parte

das decisões nos ambientes digitais, uma vez que passa a delegar parte delas para

os objetos inteligentes ao seu redor. O computador passa de máquina manipulada

para sujeito ativo no processo de significação e comunicação em ambientes de

ubiquidade computacional.

A computação ubíqua muda também o paradigma de interfaces gráficas e

representacionais uma vez que é composta por dispositivos que não

necessariamente tem suas interações baseadas em telas e representações visuais.

Além disso, parte destes dispositivos não requererem sequer uma comunicação

direta com o usuário humano através de uma experiência de concentração frontal,

Page 29: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  27  

mas sim comunicam-se com outros dispositivos ao seu redor, demandando somente

uma atenção periférica do usuário. Ao passo que os computadores vão assumindo

novas formas, também suas interfaces precisam ser repensadas a fim de prover

uma comunicação homem-computador mais natural e inerente às suas tarefas do

cotidiano.

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  28  

3. COMPUTAÇÃO VESTÍVEL E O SUJEITO PÓS-HUMANO    3.1 Computação vestível como modalidade da computação ubíqua

Mark Weiser, pesquisador da Xerox Palo Alto Research, cunhou o termo

computação ubíqua em um artigo escrito para a Scientific American em 1991.

Weiser começa seu artigo com a célebre frase: “As tecnologias mais profundas são

aquelas que desaparecem. Elas se infiltram na fábrica da vida cotidiana até se

tornarem indistinguíveis desta” (WEISER, 1991, p. 1, tradução nossa). Cinco anos

depois, em conjunto com John Brown (então chefe de pesquisa da Xerox PARC),

refletiu mais especificamente a respeito da transformação da relação do homem-

computador no contexto da computação ubíqua.

Weiser e Brown (1996) consideram a computação ubíqua como sendo a

terceira era da relação homem-computador, tendo como precursoras as eras do

mainframe, do computador pessoal e um período de transição marcado pelos

computadores pessoais em rede (Internet). A computação ubíqua, para eles, é

composta por tecnologias calmas, que se camuflam ao ambiente e ocupam

posições mais periféricas à atenção e cognição humana. Inclusive, os autores

ressaltam que já convivemos com tecnologias ubíquas, como a escrita e a

eletricidade, que foram de tal modo incorporadas às tarefas do nosso cotidiano que

não mais as consideramos como tecnologias artificiais e não notamos a abrangência

do impacto e relevância destas em nossas vidas. Diferentemente da realidade

virtual, Weiser e Brown (1996) apontam a computação ubíqua como sendo a

“virtualidade corporificada”. Em outras palavras, com o embarcamento dos

processadores computacionais nos objetos do cotidiano, ao invés do homem

adentrar em uma realidade simulada da virtualidade, o virtual passa a potencializar e

expandir as possibilidade do real, na forma de uma realidade aumentada.

No primeiro momento da relação homem-computador, a era do mainframe,

os computadores ainda eram escassos e as máquinas, além de serem

compartilhadas entre muitas pessoas, demandavam um alto nível de especialização

para haver comunicação entre o homem e o computador. Sem interfaces gráficas, a

linguagem de programação em linhas de comando restringia os usuários do

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  29  

mainframe à especialistas em computação. Com o advento do computador pessoal

e seus padrões e acessórios de interface mais amigáveis, diminuiu-se o grau de

conhecimento necessário para interação homem-computador popularizando assim o

seu acesso, porém, como descrito anteriormente, este ainda permaneceu como algo

que precisaria ser aprendido e que demandava alta carga cognitiva para ser usado.

O próximo momento das relações homem-computador seria o da conexão

dos computadores pessoais em rede, ou a Internet, no qual coexistiriam expressões

das eras do mainframe e do computador pessoal. Weiser e Brown (1996) defendiam

ser este somente um momento de transição para o quarto momento, da computação

ubíqua e que quando adentrássemos no contexto da ubiquidade, teríamos uma

vasta ecologia de computadores interconectados. Alguns destes seriam visíveis e

outros estariam embebidos nos objetos do nosso cotidiano que, por sua conta,

comunicariam entre si sem requerer qualquer comando dos usuários.

Escrita muito antes do prenúncio dos smartphones, a teoria de Weiser não

restringe o conceito de computação ubíqua à dispositivos computacionais móveis,

mas sim em tecnologias da informação que assumissem posições mais secundárias,

invisíveis, discretas e calmas. Segundo Weiser (1999), o real poder do conceito de

computação ubíqua não reside em uma tecnologia específica, senão na interação

entre todas as tecnologias ubíquas do ambiente.

Portanto, além de seu embarcamento no plano de fundo da vida humana,

outra característica dos computadores ubíquos é a diversidade de seus tamanhos e

funções. Em ambientes de ubiquidade computacional, ao invés de um único

dispositivo com múltiplas funções como o computador pessoal, os ambientes são

compostos por diversos computadores com funções específicas, sendo que muitos

deles não são nem ao menos reconhecidos pelo usuário final como computadores.

Para que todos funcionem, pressupõe-se que estejam conectados, em constante

interação e sejam conscientes de seus contextos.

Dentre os potenciais de transformação sociais da computação ubíqua, “ao

empurrar os computadores para o plano de fundo, a virtualidade corporificada fará

indivíduos estarem mais conscientes das pessoas que estão do outro lado da

conexão do computador” (WEISER, 1999, p. 14, tradução nossa). Potencialmente,

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  30  

portanto, a computação ubíqua significaria uma diminuição da dependência e

veneração de dispositivos tecnológicos, voltando assim o foco destes para as razões

pelas quais os estamos utilizando. Além disso, Weiser (1999) também aponta a

resolução do problema de ansiedade de informação como possível transformação

social da computação ubíqua, uma vez que delegaríamos aos computadores

ubíquos as tarefas e decisões periféricas, liberando assim a atenção humana para

as atividades mais centrais e complexas.

Além de um manifesto em prol de “tecnologias mais calmas”, o conceito de

computação ubíqua de Weiser se propõe a questionar a própria efetividade da

relação homem-tecnologia estabelecida pelos computadores pessoais. Assim como

Weiser, Donald Norman (1999) também defende o equivoco da interação homem-

computador através dos computadores pessoais e propõe que a indústria de

tecnologia deveria investir em projetos de Information appliances ou aplicações de

informação. Segundo Norman (1999) diferentemente de um computador

multifuncional, information appliances são projetados para cumprir funções

especificas, sua atribuição funcional está tão atrelada ao seu propósito de uso que a

própria tecnologia se torna “invisível” e as informações geradas por eles são

facilmente compartilhadas entre dispositivos.

Frente a isso, ambientes de ubiquidade computacional são, portanto,

ecossistemas compostos por diversas modalidades de dispositivos

computadorizados embebidos em objetos do cotidiano que se comunicam entre si,

são conscientes de seus contextos e se posicionam como tecnologias calmas no

plano de fundo das ações humanas. Dentre estes objetos do cotidiano providos de

processadores computacionais está também a computação vestível, objeto de

estudo deste trabalho.

Nos próximos parágrafos abordaremos os questionamentos que a

computação vestível, como modalidade de computação ubíqua, levanta a respeito

dos conceitos de sujeito, corpo e interface na contemporaneidade, inclusive

tornando difusas as fronteiras do que é ser humano e do que é máquina. Gisele

Beiguelman (2004, p. 1) defende que estes movimentos rumo à computação ubíqua

“indicam que o corpo humano se transformou em um conjunto de extensões ligadas

à um mundo cíbrido, pautado pela interconexão de redes e sistemas online e offline”.

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  31  

Este mundo cíbrido reconfigura o corpo humano ao conectá-lo às redes (seja por

dispositivos externos ou internos) e torna-o interface digital entre o real e o virtual.

3.2 O sujeito pós-humano e sua relação com objetos inteligentes

Com o embarcamento de processadores computacionais em objetos do

cotidiano, a relação do homem com seus objetos e consigo mesmo é transformada.

Os objetos, ou coisas, que outrora estavam ao nosso dispor para mera utilização

passam a compor a rede de sujeitos providos de inteligência (mesmo que artificial),

conscientes de seu contexto e atuantes na construção da teia de conexões e

significados da camada informacional. Não somente sua relação com os objetos do

cotidiano é transformada, como também é sua relação com os dispositivos

computacionais, uma vez que estes estão infiltrados na complexidade das relações

do seu cotidiano e não mais ocupam um papel social de mediador entre o real e o

virtual através de experiência representacional de concentração frontal. A fim de

compreendermos esta nova relação homem-computador, precisamos entender

como estão constituídas atualmente as duas partes, o sujeito e o computador, agora

na forma de objetos.

Tratemos primeiramente do sujeito contemporâneo e usuário das

tecnologias da informação. Na pós-modernidade, não cabe mais no conceito de

sujeito a figura cartesiana de subjetividade na qual sua essência é universal,

soberana, pensante, racional e reflexiva. Este sujeito absoluto, independente e

racional foi construído a partir dos pensamentos humanistas e iluministas. A

psicanálise e os filósofos pós-estruturalistas já haviam questionado este sujeito

cartesiano que se constituía como centro soberano da ação humana ao apontar que

ele é, na verdade, produto e artificio de sua história e linguagem (TADEU, 2009).

Vimos também no primeiro capítulo deste trabalho que a própria virtualidade é

inerente a condição de ser simbólico do homem e que não há como distinguirmos

natureza e cultura quando compreendemos que a própria linguagem é um processo

artificial ao homem. Qual seria então a diferença entre o natural e artificial, sujeito e

objeto, homem e máquina em um contexto em que o próprio homem e sua

subjetividade são fabricadas pela sua linguagem e história? Como distinguir o sujeito

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  32  

de seu objeto quando ambos exalam fluxos de informação e são atuantes na

construção dos significados da contemporaneidade?

O homem não vive mais no mundo das coisas, mas foi ele próprio convertido

em objeto, podendo ser também mensurável, calculável e passível de ser

manipulado (FLUSSER, 2007). Baseando-se no conceito de que o homem

transforma a natureza em cultura através das tecnologias, Flusser (2007) defende

que o homem é, por definição, um ser que fabrica coisas e que estas coisas, por sua

vez, transformam o próprio homem. Com base neste conceito, Flusser (2007)

propõe que a história da relação homem-tecnologia é marcada por quatro formas de

homem: homem-mão, homem-ferramenta, homem-máquina e, finalmente, homem-

aparelhos-eletrônicos. A relação homem-aparelhos-eletrônicos, diferentemente da

relação homem-máquina, tira a máquina do centro do processo de fabricação das

coisas e inaugura uma relação de simbiose entre o homem e tecnologia na qual [...] graças aos aparelhos eletrônicos, todos estarão conectados com todos onde e quando quiserem, por meio de cabos reversíveis e, com estes cabos e aparelhos, todos poderão se apropriar das coisas existentes, transformá-las e utilizá-las (FLUSSER, 2007, p. 41).

Os cabos reversíveis que Flusser (2007) cita são hoje fluxos de informação

transmitidos via conexões sem fio, mas o conceito de simbiose no qual as ações

humanas passariam a ser mediadas por tecnologias de informação vem tomando

forma cada vez mais clara através da computação ubíqua. Segundo Flusser (2007),

este novo homem-aparelho-eletrônico não se relaciona mais com coisas, mas com

não-coisas – com informações desprendidas da materialidade. Vale esclarecer aqui

que as não-coisas de Flusser (2007) não se tratam de informações sem referentes

reais, tais como ideias, mas sim coisas desmaterializadas, informações que foram

transmutadas do material para o imaterial. Este novo homem, portanto, [...] não quer ter ou fazer, ele quer vivenciar [...] deseja experimentar, conhecer, sobretudo desfrutar. Por não estar mais interessado nas coisas, ele não tem problemas. Em lugar de problemas, tem programas. E mesmo assim continua sendo homem: vai morrer e sabe disso. Nós morremos de coisas como problemas insolúveis, e ele morre de não coisas como programas errados (FLUSSER, 2007, p. 58).

Este homem mensurável, programável e que constitui uma relação de

simbiose com as tecnologias da informação tem sido chamado também de pós-

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  33  

humano. Compreendemos que este conceito representa a codificação do corpo

humano em sistemas de informação digital, sendo que esta codificação pode se dar

de três maneiras: através do acoplamento de dispositivos computacionais na

indumentária do corpo humano, através da inserção de implantes e próteses

providas de processadores computacionais ou através da manipulação de

informações do código genético.

A primeira maneira de codificação do corpo humano descrita acima, ou

computação vestível, será o foco de nosso estudo e aprofundamento teórico, porém,

como este trabalho se propõe a analisar os novos paradigmas de experiência do

usuário que estes dispositivos inauguram e entendemos que todas as formas de

codificação do corpo compõe a complexidade deste novo usuário, ou sujeito pós-

humano, vemos como necessário pontuarmos brevemente as problemáticas que a

discussão dos implantes, próteses e manipulação de código genético trazem a tona.

Primeiramente, não compreendemos estes implantes e próteses somente

como a robotização do homem, como o imaginário coletivo propõe através da ficção

científica. Entendemos que as tecnologias que constituem um ciborgue podem ser

diversas, abrangendo possibilidades reconfiguradoras (quando criam criaturas pós-

humanas que são máquinas humanizadas ou homens maquinizados) ou

melhoradoras (quando criam criaturas que transpassam as possibilidades do

humano e potencializam suas capacidades) (TADEU, 2009). Mas também

entendemos que as tecnologias do ciborgue possuem possibilidades menos

evidentes, mas tão “ciborguizadoras” quanto, quando se propõem a funções

aplicadas para restaurar e substituir funções já existentes que estivessem

comprometidas no homem (TADEU, 2009).

Estas hibridizações levantam questionamentos éticos a respeito dos limites

possíveis para a reconfiguração da natureza humana. Segundo Tadeu (2009, p. 10),

“ironicamente, são os processos que estão transformando de forma radical o corpo

humano que nos obrigam a repensar a alma humana”. Ao contrário do sujeito

cartesiano e lockiano cuja essência é imaterial, o sujeito pós-humano “reconhece a

multiplicidade, a contradição, o contexto, a objetividade situada como constitutivos

do humano, do que decorre uma nova ontologia de instabilidades” (SANTAELLA,

2013, p. 24). O sujeito pós-humano vem questionar o imaginário coletivo que figura

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  34  

corpo e mente como substâncias distintas, no qual a mente, imaterial, tem

predominância sobre o corpo. Esta distinção fica menos clara, principalmente se

colocado sob a perspectiva da “mecanização e eletrificação do humano e da

humanização e subjetivação da máquina” (TADEU, 2009, p. 12). Porém, significaria

isto definitivamente o fim da visão cartesiana e dualista entre corpo e subjetividade?

Paula Sibilia (2006) afirma que, na realidade, o que tem acontecido é a

substituição da subjetividade e alma como essência do homem pela informação

genética. Na era da informação, nada mais natural do que deslocar a identidade e o

centro da essência humana para os códigos genéticos e circuitos cerebrais.

Podendo reduzir a matéria orgânica à informação e tendo em vista a possibilidade

de codificação e decodificação da informação biológica em informação digital.

Segundo Sibilia (2006), a herança cartesiana recebe um upgrade ao dar atenção

prioritária ao “software” humano, ou programação genética. Nesta conjuntura, o

“hardware” (corpo humano) permaneceria como secundário à genética, podendo ser

modificado e alterado sem destituir a natureza humana.

Paula Sibilia (2002) discorre mais a respeito da hibridização do homem em

seu livro “O homem pós-orgânico” e utiliza-se dos estudos do sociólogo português

Hermínio Martins para apontar duas vertentes da tecnociência que podem ser

representadas por dois personagens míticos da cultura ocidental, Prometeu e

Fausto. Segundo ela, a tecnociência de vocação prometeica procura dominar a

natureza através da técnica, visando o bem humano. Para a autora, a tecnociência

moderna era marcada por esta vocação prometéica, pois se propunha a utilizar a

técnica para aumentar as capacidades humanas, porém sem interferir naquilo que

se constitui como a natureza humana. Assim como Prometeu presenteou o homem

com o fogo, mas foi punido pelos deuses por ter exposto o homem a prerrogativas

divinas, a tecnociência prometeica vê as tecnologias como extensões humanas, mas

não como possibilidade de suprimir suas limitações. A computação vestível, por

mais que seja uma tecnologia pós-moderna, ainda é regida pela tecnociência

moderna ou prometéica. Luisa Donati (2005, p. 27) define essa modalidade de

computação ubíqua como sendo uma tecnologia [...] incorporada pelo usuário potencializando um uso mais integrado com outras atividades correntes sem limitar os movimentos corporais ou impedir a mobilidade deste. Está sempre ligado e acessível, e com uma

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performance computacional que permite auxiliar o usuário em atividades motoras e/ou cognitivas, sem, no entanto ser considerado como uma simples ferramenta. É importante reforçar que o usuário estará realizando outras atividades concomitantemente com a utilização deste dispositivo, como já acontece com o telefone celular, palmtop, pager, que operam também desta forma. Funciona como uma "segunda pele", sobreposto, sendo necessária então descartar desta classificação os implantes tecnológicos.

Assim sendo, a computação vestível, como forma de codificação do corpo

humano, se institui como “uma segunda pele”, não adentrando na materialidade do

corpo humano ao ponto de reconfigurar sua organicidade. A segunda vertente de

tecnociência, denominada fáustica, se refere justamente à utilização da tecnologia

como forma de suplantar as limitações humanas. Segundo Sibilia (2002, p. 48), [...] a meta do atual projeto tecnocientífico não consiste na melhoria das ainda miseráveis condições da maioria dos homens: ele é atravessado por um impulso insaciável e infinitista, desconhecendo explicitamente os limites que constrangiam o projeto científico prometeico.

Assim como o personagem mitológico Fausto compactua com o Diabo a fim

de superar suas próprias possibilidades, a tecnociência faustica vale-se da

reconfiguração da natureza humana através das biotecnologias e tecnologias de

ciborguização a fim de suplantar as limitações biológicas do corpo humano. Sibilia

(2002, p. 48) alega que as práticas da biotecnologia de acoplamento e penetração

das tecnologias ao corpo humano são “um impulso cego para o domínio e a

apropriação total da natureza, tanto interior quanto exterior ao corpo humano”. Para

Sibilia (2002), o homem pós-orgânico, como denomina o pós-humanismo marcado

pelas modificações genéticas, não vê as tecnologias como meras extensões e

aperfeiçoadoras das capacidades humanas, mas sim como a possibilidade de

superação de suas restrições biológicas e uma forma de exercer controle total sobre

a vida e a natureza, inclusive colocando em questão a própria mortalidade.

Porém, além das discussões éticas oriundas das fronteiras do orgânico e da

máquina, o que a tecnociência contemporânea também nos indica é que a

tecnologia não pode ser distinguida do homem, pois ao mesmo tempo que ela é

criada por ele, ela própria o constitui e o transforma. O homem contemporâneo é,

portanto, produto de seu desenvolvimento tecnológico se considerarmos os

impactos socioculturais do fogo, da roda, da alfabetização, da escrita, da

eletricidade, etc. Mais uma vez, não sugerimos uma leitura determinista e simplista

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  36  

desses fatos. Como descrito anteriormente, as tecnologias são fruto de uma

evolução cíclica entre as necessidades latentes de uma sociedade e os novos

desejos oriundos da reconfiguração sociocultural oriundos da apropriação simbólica

de uma nova tecnologia. O que precisamos ter claro é que o homem não mais pode

ser distinguido de sua técnica.

Ao passo que os dispositivos tecnológicos começam a ser providos de

características humanas, tais como a compreensão semântica de ações,

comunicação e execução de tarefas cognitivas, essa distinção entre homem e

máquina fica ainda menos clara. Segundo Oliveira (2003, p. 187), “construídos com

o objetivo de compreender o modus operandi do ser humano, nossos robôs são

cada vez mais feitos à nossa imagem e semelhança”. Estes robôs, diferentemente

do imaginário coletivo construído pela ficção científica, não precisam ter mais uma

aparência física de ser humano para identificarmos sua semelhança conosco.

Passemos agora, justamente, à análise da outra parte da relação homem-

computador e observemos como estes novos dispositivos computacionais, os

objetos do nosso cotidiano, se configuram atualmente. Mesmo antes de estarem

incorporados ao ciberespaço através de processadores computacionais, objetos

carregam em si duas dimensões, a formal – sua configuração morfológica ou a

matéria que o constitui – e a informacional – sua capacidade de mediar relações em

um determinado contexto e criar significados (CARDOSO, 2013). Segundo Flusser

(2007), todo objeto tem como finalidade transformar as relações do usuário com seu

entorno a fim de concretizar uma possibilidade de uso e se transformar em um

conceito ou modelo. A dimensão informacional do objeto se refere, portanto, àquela

que dá forma à matéria segundo alguma intenção, conferindo assim um significado

ao objeto. Como exemplo, tomemos a atribuição da forma (ou função) de alavanca à

um pedaço de madeira. Este ato de “in-formar” ou dar forma à matéria da madeira

gerou uma possibilidade de uso (alavancar) que passa a ser um modelo conferido à

qualquer outra matéria que se assemelhe à essa forma.

O significado de um objeto, porém, não é algo fixo. Existem fatores que

condicionam seu significado e conferem ao objeto uma natureza mutável no espaço-

tempo, sendo eles: uso, entorno, duração, ponto de vista, discurso e experiência

(CARDOSO, 2013). Segundo Cardoso (2013, p. 62), “a apreensão de todos os

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  37  

fatores citados deriva da relação entre usuários e artefatos, numa troca de

informações e atribuições que se processa em modo contínuo. Em última instância,

é a comunidade que determina o que o artefato quer dizer”.

O uso e o entorno (ou contexto de uso) de um objeto podem variar no

espaço-tempo e sua variação determina o significado ou função do objeto. Um

mesmo objeto pode ter diversas funções ou ciclos de vida de funções distintas ao

longo da história. Quanto mais longa a permanência ou duração de um objeto na

sociedade, mais suscetível este está a ter atribuído a ele significados distintos ao

longo do tempo. Estes significados se unem para formação de um repertório cultural

que acompanhará e mediará a trajetória de significados do objeto ao longo do tempo

(CARDOSO, 2013). Deste modo, podemos constatar que o significado de um objeto

não somente é mutável, como está intimamente atrelado à condição deste objeto ser

utilizado continuamente no cotidiano. Conquanto o objeto continue a ser utilizado

(independente do uso atribuído ser igual à sua função originalmente projetada) este

objeto não se tornará um dejeto e continuará tendo significado simbólico e cultural.

Vimos anteriormente neste trabalho que a apropriação social de dispositivos

tecnológicos faz com que seus significados sejam reconfigurados. O exemplo dado

do telefone móvel é pertinente aqui novamente para mostrar como a função de um

objeto é menos projetada do que atribuída pelo uso a que se adapta. No caso do

telefone móvel, o objeto que outrora foi projetado para ter as funções de um telefone

acrescido de mobilidade passou a ter também funções de um computador pessoal,

como resposta à apropriação social deste objeto e à necessidade latente de

ubiquidade e conectividade à camada informacional digital.

Outro conceito também expresso neste trabalho é que uma nova tecnologia

geralmente recorre à linguagem e formatos anteriores assim que introduzida na

sociedade antes de definir sua própria morfologia e semântica. Um objeto que

exemplifica este conceito é a própria interface gráfica dos computadores pessoais. A

fim de facilitar a apropriação e uso dos computadores pessoais, sua forma se

assemelhou inicialmente a um monitor de televisão com uma máquina de escrever.

A partir deste novo uso, estes objetos – monitor e máquina de escrever – tiveram

seus significados modificados e reconfigurados. Vê-se assim, claramente, que “as

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  38  

ideias geram objetos e estes permanecem no mundo mesmo depois que as ideias

mudam” (CARDOSO, 2013, p. 151).

Quando falamos a respeito de interações e relações do homem e objetos

inteligentes em ambientes de ubiquidade computacional, as interações e significados

dos objetos ficam ainda mais complexos, pois o objeto interage com a camada de

informações da rede digital, além de possuir sua própria dimensão informacional.

Além disso, o sujeito deixa de ser unicamente aquele que utiliza o objeto (o sujeito

humano) para ser também o próprio objeto (sujeito não-humano) que passa a

possuir também inteligência e capacidade para criar conexões e significados por

conta própria. Os objetos, outrora coisas inanimadas cujos significados eram

atribuído pelo seu uso por um sujeito exterior a eles, se transformam em sujeitos

animados e participantes dos processos comunicacionais contemporâneos. Indo

além, estes objetos, antes coisas materiais, passam a ser desmaterializados quando

codificados e transformados em sistemas de informação e seu significado passa a

ser composto não somente pelo seu uso, mas também pelos dados digitais

coletados, transformados e compartilhados através dele.

Vale retomarmos neste momento o conceito de cibernética e as teorias de

controle e poder do homem sob a máquina, retomando também, inclusive, o próprio

conceito de cibercultura que, como demonstrado anteriormente, se configura como a

cultura de controle do homem sob a sua natureza. Com o estreitamento das

fronteiras entre o humano e a máquina, confundem-se também as relações de poder

e controle entre eles. Estaria o homem disposto a não mais exercer o controle sobre

a sua natureza? Para respondermos à esse questionamento basta analisarmos

brevemente o imaginário coletivo da cultura ocidental no que se refere à teorias de

ciborgue e inteligência artificial das máquinas retratados em produtos culturais como

livros e filmes de ficção científica. Nourish e Bell (2009, p. 1, tradução nossa)

pontuam que   [...] a ficção científica não somente antecipa, mas ativamente molda o futuro tecnológico através de seu efeito no imaginário coletivo. Ao mesmo tempo, a ficção científica em culturas populares providencia o contexto no qual novos desenvolvimentos tecnológicos são entendidos.

Oliveira (2003, p. 182) diz que, assim como a fábula e a fantasia, a ficção

científica é fruto da “interrogação da nossa humanidade e de nosso mundo a partir

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da presença do Outro ser (pigmeus e trogloditas, alienígenas e robôs, duendes e

ogros) ou de um outro mundo (as culturas orientais, os planetas longínquos, os

reinos de fadas)”. As primeiras figuras artificiais que imitavam seres animados, como

Frankenstein, eram retratadas como ameaças aos humanos nas ficções do século

XIX. Havia uma relação ambígua de medo e curiosidade pelo que o outro poderiam

trazer para a equação da vida cotidiana. A apreensão e o temor pela possibilidade

de falta de controle do homem sobre as máquinas é, portanto, um sentimento

extremamente latente na sociedade contemporânea, em grande parte gerada pelo

imaginário coletivo das ficções científicas. Em um contexto em que não mais se

diferencia o homem do outro e este outro se aproxima cada vez mais das

características humanas levantam-se questionamentos não só relativos à relações

de poder e controle mas também de privacidade, ética, vigilância e responsabilidade.

O sujeito contemporâneo ocidental é capaz de se estarrecer frente à

possibilidade do pós-humano, pois foi criado em uma cultura de temor da inovação

tecnológica. O outro, o inexplicável, o monstro, a nova tecnologia – como valores

simbólicos – geram uma relação ambígua de terror e fascinação. Enquanto, por um

lado, o sujeito contemporâneo está em busca de experiências de conexão mais

imersivas e naturais, reina também em seu imaginário a visão distópica e dicotômica

de homens lutando contra máquinas, autômatos e andróides, construída em sua

mente por longos anos de exposição a obras culturais de ficção científica.

Por isso, ao analisarmos as relações homem-tecnologia em ambientes de

ubiquidade computacional precisamos ter em mente estas problemáticas que

emergem da discussão do sujeito pós-humano e dos objetos providos de inteligência

artificial. Isso se faz necessário, principalmente, ao abordarmos a questão da

computação vestível. Isso por que, mesmo que esta modalidade de computação

ubíqua não reconfigure a organicidade do homem, faz parte de uma categoria de

tecnologias que codificam o corpo e alteram a relação deste não só com o ambiente

ao seu redor mas com si mesmo.

É preciso ter em mente as problemáticas do sujeito pós-humano e o

imaginário coletivo dos ciborgues quando pensamos na aplicabilidade e experiência

de uso desta nova modalidade de dispositivo tecnológico na sociedade

contemporânea. Os pontos acima levantados nos fazem questionar quais são as

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  40  

implicações desse estreitamento de fronteiras e relações de poder para a

experiência de uso dos dispositivos computadorizados embarcados em objetos.

Além disso, como estas novas modalidades de dispositivo computacional e relação

homem-computador reconfiguram a experiência de uso de dispositivos digitais e a

disciplina de design das experiências de uso destas interfaces.

3.3 Experiência de uso de computadores vestíveis

Retomando os conceitos das modalidades de dispositivos que compõe os

ambientes de ubiquidade computacional, podemos dizer que a computação vestível

possui tanto uma dimensão pervasiva - pois está embarcada em um objeto e

comunica-se com seu ambiente - quanto hipermóvel, pois se desloca junto com seu

usuário pelo espaço. Espaço este que, como demonstrado anteriormente, não está

mais restrito a limitações territoriais, mas é permeado por uma camada informacional

ubíqua e está embarcado por objetos capazes de decodificar essas informações e

se comunicar através dessa camada. Podemos dizer, portanto, que atualmente

existimos em um espaço de informação, mais do que em um espaço territorial. A

computação vestível, por sua vez, estando acoplada ao homem e sendo portátil,

programável e customizável, cria um espaço pessoal de informação do usuário

portador do dispositivo computacional vestível (MANN, 1998).

Vimos no capítulo anterior que os objetos, mesmo antes de estarem

embarcados por dispositivos computacionais, sempre possuíram uma dimensão

morfológica – da sua matéria – e uma dimensão informacional – da sua forma,

função e significado. Isso não é diferente no que se refere às roupas e objetos

vestíveis como óculos, relógios, chapéus, etc. Pelo contrário, longe de sua função

original (cobrir a nudez, corrigir deficiências, administrar o tempo), as roupas e

acessórios vestíveis vêm ganhando diferentes formas e funções ao longo da história,

sendo representantes simbólicos, inclusive, do espírito de cada geração (RANOYA,

2012). Genevieve Bell, diretora de pesquisa em experiência do usuário da Intel, em

entrevista à revista MIT Technology Review, esclarece que já temos utilizado

tecnologias vestíveis há muito tempo na história humana (por exemplo, armaduras,

espadas, óculos, relógios de pulso) e ao analisar o uso destas tecnologias vestíveis

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constatou que se enquadram basicamente em duas funções: Um delas é literal, funcional. (As tecnologias vestíveis) estão fazendo algum tipo de trabalho que estenda nossa fisicalidade ou alcance. A outra função é simbólica, o que elas dizem para as outras pessoas. [...] Relógios de 200 anos atrás diziam ‘Não somente eu tenho dinheiro para comprar um dispositivo deste, como eu acredito em pontualidade (MIT TECHNOLOGY REVIEW, 2013, tradução nossa).

A novidade da computação vestível, portanto, não reside no fato das roupas

e acessórios passarem a ter uma dimensão informacional, mas sim desta dimensão

estar codificada digitalmente, se comunicar com os demais objetos do ambiente e

ser capaz de mensurar e potencializar as capacidades do próprio corpo humano

através da leitura, análise e comunicação destas informações tanto para o próprio

usuário, quanto para os objetos ao seu redor.

Por mais que as tentativas de aplicação comercial da computação vestível

sejam recentes, suas origens científicas datam antes mesmo do período de estudos

das interfaces gráficas e sistemas operacionais dos computadores pessoais.

Vannevar Bush, criador da ideia de “memex”, um dispositivo que armazenaria

registros, livros e documentos facilitando o acesso à essas informações e

predecessor do hipertexto e da world wide web, já visionava em seu estudo “As We

May Think” que pudéssemos acessar as informações do “memex” através de uma

pequena câmera em nossas cabeças. Nos anos 60, Ed Thorp e Claude Shannon

inventaram um computador portátil do tamanho de um pacote de cigarros, que podia

ser carregado para dentro de cassinos e prever as apostas em roletas. Nos anos 80,

Steve Mann, ainda no colegial, começou a utilizar seu wearcomp, uma mochila

equipada com um computador conectado a um capacete com uma câmera

fotográfica, um dispay visível para um de seus olhos e um teclado com cabo que

podia ser segurando e digitado com uma única mão. A partir deste aparato, Mann

desenvolveu pesquisas com outras formas de computação vestível como óculos,

denominada Eyetap, roupas e calçados. Mann fez parte do grupo de pesquisa de

computação perceptível do MIT MediaLab ao longo dos anos 90 que se

autodenominavam “The Borg”, precursor do atual grupo de pesquisa em wearable

computing da mesma instituição.

Em 1998, com base em suas experimentações, Mann apontou que existiriam

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  42  

três modos operacionais no novo paradigma de interação homem-computador da

computação vestível: constância – o fluxo de informações é ininterrupto e não

depende do acionamento de um dispositivo; ampliação – o computador deveria

servir de ampliador do intelecto humano, uma vez que a computação não é a ação

principal, mas sim, é realizada enquanto o homem faz outras coisas; mediação – o

computador vestível iria encapsular o homem para servir como mediador de sua

realidade a fim de criar filtros de informação de acordo com desejos de privacidade.

Mann (1998) afirma que a computação vestível não monopoliza a atenção do

usuário, não é restritiva, permite que o usuário faça outra atividade enquanto utiliza o

dispositivo, é perceptível pelo usuário, controlável, atenta ao ambiente, pode ser

usada como meio de comunicação, está constantemente disponível e é

extremamente pessoal. Em outras palavras, o dispositivo computacional vestível

pode ser diferenciado dos demais dispositivos computacionais ubíquos pelos

seguintes aspectos:

[...] deve ser usado enquanto o usuário está em movimento; deve ser usado enquanto uma ou ambas as mãos estão livres, ou ocupadas com outras atividades; existe dentro de um envelope corpóreo do usuário, isto é, não deve estar meramente ‘atachado’ ao corpo, mas tornar-se parte integrante do vestuário do usuário; deve permitir ao usuário manter controle; deve exibir constância, isto é, podendo ser constantemente avaliável (BASS, 1997 apud DONATI, p. 28).

Já abordamos neste trabalho a natureza pervasiva e constante dos

dispositivos computacionais vestíveis, analisaremos agora, portanto, os outros dois

modos operacionais sugeridos por Mann: mediação e ampliação de sentidos. A

computação vestível tem o potencial de diminuição das fronteiras do “real” e “virtual”

através da construção de uma realidade “mediada” (MANN, 1998), possibilitando

tanto a sobreposição de informações virtuais à camada do real, criando assim uma

realidade aumentada, quanto a diminuição das cargas informativas do real, criando

uma “realidade diminuída”. Diferente da realidade virtual, os dispositivos de

computação vestível não produzem experiências de imersão em uma realidade

simulada, mas produzem uma realidade potencializada pela aproximação e

programação da camada de informações virtuais no “real” através dos dispositivos

computacionais vestíveis. Donati (2005, p. 80) ressalta esta visão ao alegar que

Os sistemas vestíveis, uma vez inseridos no cotidiano, contrapõem-se a esta situação da realidade virtual, colocando o corpo orgânico como parte integrante das relações espaciais e sociais que se organizam a partir de

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diferentes referências conforme as requisições correntes do usuário. A tentativa nestes dispositivos é tornar tudo "sensorialmente compartilhável", podendo ser não apenas visível, mas também audível e táctil. Formaliza-se então a ideia de um "corpo ampliado" que não pretende tomar-se radicalmente antagônico ao orgânico, por mais sofisticada que seja a tecnologia incorporada, mas antes reconhecê-lo distinto e não estranho ao biológico.

Além da constância e mediação, os dispositivos computacionais vestíveis

permitem a ampliação dos sentidos humanos. Conforme descrito anteriormente, a

computação vestível não presume a reconfiguração biológica do homem através de

implantes, mas representa uma das formas de codificação do corpo humano através

de tecnologias digitais que potencializem suas capacidades, não necessariamente

suprimam suas limitações e suplantem sua condição de obsolescência. Desta forma,

o acoplamento de dispositivos computacionais vestíveis ao corpo humano figura

como forma de aperfeiçoamento e expansão da cognição e ergonomia humana.

Esta incorporação e acoplamento, mesmo que não reconfigurem o biológico,

“evocam a composição de outro “corpo”” (DONATI, 2005, p. 84). Segundo Donati

(2005, p. 84) “este corpo que se coloca como a hibridação entre corpo e tecnologia”

e, como diz Stelarc (1999, p. 52) “[...] precisa ser reposicionado, do reino psíquico,

do biológico para a ciberzona da interface e da extensão - dos limites genéticos para

a extrusão eletrônica”. O corpo humano, até então agente que dependia de

dispositivos de entrada de dados e manipulação indireta para uma exploração

representacional do ciberespaço, passa a ser a própria interface com este espaço de

informação. Isto reconfigura completamente os paradigmas de interação homem-

computador estabelecidos até então. Segundo Steve Mann (1997, p. 31),

[...] com computadores tão próximos como as camisetas nas nossas costas, interação vai se tornar mais natural. Isso vai melhorar nossa habilidade para fazer tarefas computacionais tradicionais enquanto em pé ou andando, fazendo com que os sistemas computacionais do futuro sejam como um segundo cérebro. Um computador que está constantemente atento ao nosso ambiente pode desenvolver consciência contextual, inteligência perceptiva e a habilidade de ver pela perspectiva de seu usuário a fim de assisti-lo em suas atividades do dia-a-dia.

Outro pesquisador do grupo “The Borg” nos anos 90 que vale ressaltarmos

foi Thad Starner. Enquanto Mann focou seus estudos de computação vestível nas

possibilidades do processamento e projeção de imagens através de uma câmera

atrelada a um capacete, Starner também passou grande parte de sua vida utilizando

um sistema de computação vestível, mas sua finalidade principal era fazer

anotações através do teclado de uma mão só e recuperar essas informações

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quando necessárias, através do software de memória aumentada chamado

“Remembrance Agent” que projetava as informações em um display disposto na

frente de um de seus olhos.

O computador vestível de Starner não possuía uma câmera e, ao invés de

carrega-lo em uma mochila, seu computador estava atrelado a um cinto. Depois de

inúmeras iterações, esse protótipo deu origem a Lizzy, projeto de computação

vestível do grupo de pesquisa em wearable devices do MIT MediaLab. Alguns anos

depois, Starner foi contratado pelo Google como consultor técnico do Project Glass,

que daria início à tentativa da empresa de massificação de um dispositivo de

computação vestível em forma de óculos. Para Starner (2001), os computadores

vestíveis serviriam como "controles remotos pessoais" que interagiriam com os

demais dispositivos computacionais do ambiente, sendo programados e controlados

pelo seu usuário. Em ambientes de ubiquidade computacional, os computadores

vestíveis representariam, portanto, as interfaces que moldariam o espaço pessoal de

informação do indivíduo. Segundo Starner (2001, p. 47),

[...] a introdução de janelas, ícones, menus e ponteiros de mouse na metáfora de desktop da GUI providenciaram uma maneira de mediação entre as aplicações do computador pessoal e o usuário. Similarmente, os computadores vestíveis vão providenciar uma interface consistente para objetos aumentados computacionalmente no mundo real.

Temos visto diversos itens de indumentária serem acrescidos de dispositivos

computacionais nos últimos anos, tais como os relógios de pulso e óculos, porém

não é objetivo deste trabalho mapear as diversas modalidades de computação

vestível da atualidade. Como novas tecnologias sendo introduzidas no mercado,

acreditamos que a apropriação social irá demandar iterações tecnológicas que

acabariam por deixar datados os pontos levantados neste trabalho, caso sua

proposta fosse identificar as limitações tecnológicas destes dispositivos.

Gostaríamos de concentrar nosso foco justamente no questionamento não de sua

dimensão morfológica, mas de sua dimensão informacional – sua função, significado

e valor simbólico na sociedade contemporânea. Pois mesmo que estes novos

formatos de hardware sejam produzidos por empresas tecnológicas de extrema

importância no cenário socioeconômico contemporâneo, não se pode esperar que

meramente o poder cultural e influência destas empresas sejam suficientes para

garantir a adoção em massa destes dispositivos nos próximos anos. Ainda além,

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ousamos dizer que, mesmo que estes dispositivos tivessem o melhor desempenho

tecnológico e configurações ergonômicas, se sua aplicabilidade de uso no cotidiano

não for relevante para o usuário comum o potencial da computação vestível não

será alcançado.

Para responder esta questão precisamos pensar não somente nos aspectos

de desenvolvimento tecnológico destes novos dispositivos (como tem sido o foco

das pesquisas em computação vestível até agora), mas também compreender quem

é o sujeito contemporâneo que irá utilizar essa nova tecnologia, quais são as

necessidades latentes que não têm sido supridas pelas tecnologias vigentes, quais

são suas expectativas e anseios com relação à essas novas tecnologias, qual é seu

repertório cultural com relação ao uso de determinados dispositivos e,

principalmente, para quais tarefas ele irá utilizar essa nova tecnologia.

Norman (1999) defende que, para que as tecnologias da informação sirvam

o consumidor comum, as empresas de tecnologia precisam deixar de serem

movidas por características tecnológicas e passar a serem orientadas às reais

atividades daqueles que usam seus dispositivos. Suas preocupações deveriam ser

menos a respeito dos fatores tecnológicos de seus dispositivos e mais dos fatores

humanos e uso destes dispositivos no cotidiano. Este ponto aborda justamente

muitos dos questionamentos que tem sido feito aos computadores vestíveis com

relação à sua diferenciação dos smartphones. Muitas das aplicações dos

dispositivos vestíveis poderiam ser realizadas perfeitamente através de um

smartphone. O que levaria, portanto o usuário a preferir um hardware ao outro?

Para Norman (1999), enquanto em um primeiro momento o que importa para

os early adopters das tecnologias vestíveis são seus features tecnológicos, para que

esses dispositivos se tornem mainstream eles precisarão demonstrar para o usuário

comum como estes dispositivos se diferenciam de todos os outros já existentes e

como irão agregar valor às suas tarefas do cotidiano. O que usuário comum irá

utilizar como critério de decisão para a adoção do dispositivo tecnológico não será

necessariamente a qualidade e inovação tecnológica, mas sim a potencialidade

daquele dispositivo mudar a sua vida.

Para a antropóloga e diretora de pesquisa em experiência de usuário da

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Intel, Genevieve Bell, os dispositivos vestíveis “não se tornarão populares enquanto

não ficar claro como suas características técnicas podem efetivamente melhorar a

vida das pessoas” (MIT TECHNOLOGY REVIEW, 2013). Tanto Starner quanto Mann

passaram grande parte de suas vidas vestindo computadores de forma

desconfortável e limitadora à suas tarefas cotidianas. Como engenheiros de

computação e pesquisadores, aturaram o estranhamento e a falta de compreensão

das pessoas ao redor em prol do conhecimento e experimentação científicas para o

desenvolvimento do hardware do computador vestível. O usuário comum, porém,

estaria disposto a adotar uma nova tecnologia que muda tanto seus paradigmas de

uso, pelo simples fato de ser uma tendência tecnológica? Além disso, uma vez

demonstradas as problemáticas do pós-humano, como o sujeito contemporâneo

reage a esses dispositivos, uma vez que remetem à iminência dessa quebra de

fronteiras entre o homem e a máquina? Serão as experiências proporcionadas pelos

dispositivos de computação vestível suficientemente convincentes e confortáveis ao

ponto de fazer com que o usuário comum releve seus preconceitos e anseios com

relação à esse tipo de tecnologia que remete ao ciborgue e ao pós-humano?  

Longe de adentrarmos em análises futurísticas, gostaríamos de propor que a

partir da compreensão deste sujeito contemporâneo, suas expectativas e anseios

com relação à computação vestível, faz-se necessário o desenvolvimento de um

pensamento sistemático e multidisciplinar que designe, com intencionalidade, a

aplicabilidade destes dispositivos vestíveis ao cotidiano do usuário comum e projete

sua experiência de uso para que sua apropriação sociocultural efetivamente

aconteça. Somente uma abordagem de projeto orientado ao usuário, não à

tecnologia, poderá designar as experiências de uso destes novos dispositivos

vestíveis a fim de que sejam realmente relevantes e gerem novos significados na

sociedade contemporânea. No próximo capítulo nos propomos a refletir de maneira

não exaustiva a respeito de como esta prática de projeto pode ser feita considerando

o novo cenário da computação ubíqua.

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  47  

4. NOVOS PARADIGMAS DE DESIGN DE EXPERIÊNCIA DE USO PARA

UBIQUIDADE

Antes de adentrarmos efetivamente em como esta nova modalidade de

dispositivo tecnológico irá afetar as práticas da disciplina de design de experiência

de uso, precisamos declarar, primeiramente, que acreditamos ser esta a disciplina

que melhor se propõe a esse pensamento sistemático e multidisciplinar a respeito

das possibilidades de uso destes novos dispositivos para o cotidiano do usuário

comum. Não devido à suas práticas e metodologias atuais, mas principalmente

devido à sua abordagem – através do pensamento sistêmico – e seu objetivo

primordial – a experiência fluida de interação do usuário com um produto ou serviço.

Primeiramente, o design é "uma área voltada, historicamente, para o

planejamento de interfaces" (CARDOSO, 2010, p. 234). Em outras palavras, o

design é a disciplina que ordena e projeta as interações entre homens e artefatos,

estruturando-as a fim de conferir significado e forma a objetos. Essa prática se dá

através do pensamento sistêmico, ou seja, ao invés de se isolarem os fatores como

em outras formas de pensamento científico, o designer “visa gerar alternativas [...]

sua meta é viabilizar uma solução e não garantir a reprodutibilidade do experimento”

(CARDOSO, 2010, p. 243). Para Donald Norman, o design é a "adaptação

intencional do ambiente para satisfazer necessidades individuais e sociais" (2013, p.

150). Portanto, longe de residir no domínio puramente estético, o design é [...] mais do que uma ideia a posteriori, colada à produção industrial para facilitar o marketing. Existem claramente mais questões no design além de servir para conter e seduzir. Num sentido mais amplo, o design desempenha um papel metafórico, traduzindo benefícios funcionais em modalidades cognitivas e sensoriais (DE KERKCHOVE, 2009, p. 172).

Com o surgimento dos computadores pessoais e das interfaces gráficas, a

disciplina do design passou a abranger não somente o projeto do artefato físico em

si, mas também as interações que se dariam no ambiente representacional das

interfaces gráficas destes artefatos, dando origem ao campo de estudo de interação

humano-computador (HCI) que abrangia disciplinas tais como design de interface,

design de interação, usabilidade e arquitetura de informação. Em suma, dentro da

prática de desenvolvimento de software, a interação humano-computador visava

estudar os fatores humanos e projetar interações mais simples e fáceis de serem

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  48  

aprendidas e replicadas. Por exemplo, ao mesmo tempo em que o design era a

disciplina que projetava os periféricos que viabilizariam a manipulação direta dos

computadores pessoais, como o mouse e o teclado, também era a disciplina que

projetava como estaria disposta a informação nas interfaces gráficas e como seria a

interação dos usuários com estas. Inclusive, devemos ressaltar que a popularização

dos computadores pessoais só foi possível devido à criação de interfaces e

configurações visuais que mediassem a interação do usuário comum com o

computador. Segundo Cardoso (2010, p. 207), “do ponto de vista de difusão social, a

rede é um fenômeno tanto de design quanto de informática”.

Como evolução destes conceitos, surgiu a disciplina de user experience

design (UX) ou design de experiência de uso, como temos chamado neste trabalho.

Esta disciplina tem em comum com as disciplinas que compõe a interação humano-

computador (HCI) o fato de ter sua prática centrada no ser humano, não na

tecnologia. Porém, o design de UX difere das disciplinas anteriores por ter como

objetivo a redução da fricção entre a tarefa a ser realizada e a tecnologia que será

utilizada para realiza-a (seja esta tecnologia digital ou não) (BULEY, 2013). Em

resumo, o design de UX projeta as “formas de fazer” para melhor se moldarem e

adaptarem aos “fazeres” do usuário através de um produto.

Como já dito neste trabalho, o homem não se distingue de sua técnica e o

sujeito contemporâneo tem buscado uma experiência de conectividade mais ubíqua

através de seus dispositivos computacionais. A proposta da computação ubíqua é

que cada vez mais os dispositivos tecnológicos estejam invisíveis ao usuário e

dissolvidos nos planos de fundo de suas atividades cotidianas. Para que isso

efetivamente aconteça os usos destes objetos computadorizados precisam ser

projetados tendo como foco as tarefas para as quais servirão. Como Norman (1999)

defende, as empresas de tecnologias digitais precisam passar a projetar com foco

nas necessidades dos usuários ao invés do desenvolvimento tecnológico por si só.

Por mais que as tecnologias tenham seus significados efetivamente incorporados

pela cultura somente após sua apropriação social, somente o design de seus usos

poderá garantir que não sejam rejeitadas antes mesmo de serem utilizadas.

O design de experiência de uso se faz ainda mais necessário em ambientes

de ubiquidade computacional onde interagem sujeitos humanos e não humanos.

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  49  

Nestes novos ambientes, há o grande risco de confusão das relações de poder e

controle entre homem e máquina, de sobrecarga de informações, de má

interpretação na comunicação entre os sujeitos humano e não-humano. Afinal, por

mais que o homem esteja sendo computadorizado e os computadores estejam

sendo humanizados, a comunicação entre eles ainda é não é algo natural e,

segundo Norman (1999), para que a comunicação efetivamente aconteça é

necessário haver um terreno em comum sob o qual possam acontecer as trocas de

informações e o homem e máquina não possuem naturalmente esse terreno em

comum. Como vimos anteriormente neste trabalho, este terreno comum são as

interfaces projetadas para os artefatos.

A primeira mudança de paradigmas para o design de experiência de uso

surge a partir do momento em que as interfaces se deslocam puramente de sua

configuração gráfica para adentrarem em configurações multimodais. Atualmente,

devido à característica de concentração frontal e disposição de informações em telas

dos dispositivos digitais atuais, as práticas de design de experiência de uso de

produtos digitais tem se concentrado em proporcionar a melhor experiência visual

para o usuário, através da organização de seu conteúdo, feedback visual em tela,

etc. Com a emergência de novos dispositivos tecnológicos que não demandarão a

concentração frontal do usuário, precisaremos começar a projetar experiências que

utilizem outros aspectos sensoriais do usuário e sejam mais discretas, porém

também mais assertivas. Os projetos de experiência de uso precisarão garantir que

os fluxos de informação que serão trocados entre os dispositivos do ambiente sejam

capazes de compreender semanticamente o que está acontecendo naquele contexto

a fim de garantir uma relação homem-computador relevante e significativa. Ao invés

de uma preocupação meramente visual com a disposição de informações em telas,

os designers precisarão projetar fluxos de informação.

Outro paradigma que precisa ser revisto na prática do design de experiência

de uso é que o processo de sistematização do pensamento e projeto de

experiências é feito atualmente com base somente nas necessidades do usuário. O

surgimento de ambientes embebidos de objetos providos de inteligência artificial faz

com que a prática do design de experiência de uso também tenha que considerar o

ponto de vista da máquina. Não como outrora, do ponto de vista de receptor ou de

objeto a ser utilizado, mas como um agente inteligente e sujeito que atua no

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  50  

ambiente. Não mais podemos projetar interações somente com foco no sujeito

humano, precisamos também prever e projetar a experiência para os sujeitos não-

humanos, os objetivos providos de inteligência artificial que também interagem com

os ambientes do cotidiano. Mais além, com a proposta da computação ubíqua de

tecnologias calmas que não demandam a atenção principal do usuário, o projeto

para uma boa experiência de uso passa a depender muito mais de sujeitos não-

humanos que também estejam compreendendo seu ambiente e estejam, de sua

forma, tendo uma boa experiência do que necessariamente dos sujeitos humanos.

Isso por que, grande parte da programação do ambiente passará a naturalmente se

realizada pelos computadores, não pelos usuários. Frente a isso, não podemos

deixar de nos perguntar como acrescentar ao centro do projeto os sujeitos não-

humanos sem desvalorizar a experiência e autonomia do sujeito humano?

Como vimos anteriormente, a própria cultura contemporânea, denominada

cibercultura, está firmada na premissa do controle do homem sobre sua natureza e

suas tecnologias. A teoria cibernética e o imaginário coletivo do sujeito

contemporâneo ocidental não permitem a possibilidade de desapropriação do

controle por parte do homem. Como calibrar, portanto, a distribuição de papéis

nestes ambientes, garantindo assim tanto uma boa experiência para o usuário

quanto para a máquina? Donald Norman (2013, p. 152), ao refletir a respeito de

ambientes embebidos por objetos inteligentes ressalta a complexidade do cenário

atual e a importância do design ao dizer que [...] estamos sob a ameaça de tempos confusos e excitantes, perigosos e agradáveis, de interações visceralmente excitantes do ponto de vista comportamental, satisfatórios e reflexivamente agradáveis. Ou talvez, não estejamos. O sucesso disso vai depender do design das coisas futuras.

Nos primórdios da computação ubíqua, Weiser e Brown (1996) defendiam

que as tecnologias digitais tinham que desaparecer no plano de fundo das ações

humanas, não demandando mais a atenção total de seu usuário e tornando-se

assim tecnologias calmas. Porém, isso não significaria total autonomia para as

tecnologias, mas sim, a intercalação entre o engajamento do centro da atenção

humana – no qual o homem está no controle – com a atenção periférica – no qual

somente há uma relação mais sensorial.

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  51  

Donald Norman (2013) em seu livro “Design do Futuro” reforça o

pensamento de que o relacionamento entre o homem e os objetos autônomos deve

ser de simbiose. Ele alega que este relacionamento se dá através da articulação e

negociação de três níveis de processamento de informação: visceral,

comportamental e reflexivo. As máquinas, através de suas estruturações lógicas são

capazes de um processamento visceral (por exemplo, identificar um perigo) e de

uma atitude comportamental em resposta a essa percepção (evitar este perigo).

Porém o pensamento reflexivo e abstrato, capaz de formular possibilidades não

constantes e lógicas ainda é inerente ao homem, que também é capaz de atuar no

nível comportamental dependendo de seu processamento reflexivo. Por conta deste

nível de processamento não ser facilmente previsível, mensurado e analisado é

importante que as máquinas sejam delegadas de controle somente quando o

homem não estiver com seu processamento reflexivo acionado. Isso por que é mais

difícil pra as máquinas captarem percepções psicológicas humanas e preverem suas

ações, pois seus sensores são limitados e só podem mensurar, calcular, prever e

analisar aquilo que lhe é físico e tangível. As máquinas só se tornam mais capazes

de entender emoções e formulações complexas ao ponto que os próprios humanos

a alimentem com possibilidades semânticas de informações (mesmo assim, sem

conseguir mapear toda a complexidade do intelecto humano).

Os projetos de experiência de uso para ambientes de ubiquidade

computacional precisam, portanto, criar experiências de simbiose onde tanto o

homem e máquina são beneficiados, sem nenhum dos dois exercer controle total

sobre o outro. As relações de simbiose são aquelas nas quais há a "fusão de dois

componentes, humano e máquina, na qual a mistura é frutífera e suave, a resultante

colaboração excedendo o que cada um é capaz de fazer sozinho" (NORMAN, 2013,

p. 26). As possibilidades de uso dos computadores ubíquos precisam respeitar o

desejo de autonomia do homem para alguns assuntos, enquanto delega outros para

as máquinas.

Donald Norman (2013) alega que, por mais que as máquinas e o humanos

estejam cooperando em um ambiente de ubiquidade computacional, há coisas que

os humanos fazem bem e outras que as máquinas fazem bem. Por exemplo, para as

máquinas, neste momento, é muito fácil formular um pensamento lógico, sistemático

e com atenção a detalhes, porém é muito difícil estruturar emoções e, mais além, ler

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  52  

e prever as emoções humanas. Para Norman (2013), portanto, as máquinas

autônomas não precisam ler as mentes e tentar prever as ações de seus usuários,

antes, precisam aprender com suas interações e deixarem-se serem programadas

quando necessário a fim de auxiliarem o homem naquilo que lhe for necessário.

Para que as relações homem-computador em ambientes de ubiquidade

computacional sejam naturais e harmoniosas é importante que elas sejam,

primeiramente, projetadas e, segundo, que os propósitos de cada um dos sujeitos

sejam delineados de acordo com suas potencialidades e capacidades, respeitando a

relação de simbiose entre eles.

Nesta relação de simbiose entre homem e máquina, é importante que os

dispositivos tecnológicos respeitem a parte que lhe for designada para cooperar com

a boa experiência do ambiente. Com papéis definidos e relações projetadas, o

computador pode exercer seu papel como tecnologia calma, sem se aproveitar das

informações decodificadas do ambiente e do próprio corpo humano para fazer

interferências que acabem por atrapalhar as atividades do homem. Assim também o

homem, uma vez sabendo o que é esperado do computador, pode realizar suas

atividades próprias, sem interferir naquelas que são responsabilidade de seus

computadores embebidos nos objetos do cotidiano.

O computador vestível, como demonstrado anteriormente, tem papel de

demarcação de espaço pessoal de informação nos ambientes de ubiquidade

computacional. Como tecnologia acoplada a seu corpo, o computador vestível será

uma das formas pelas quais o homem será mensurado pelo ambiente e se

comunicará com os demais sujeitos inteligentes, podendo ser o “controle remoto”

através do qual o usuário programa e interage com o ambiente de ubiquidade

computacional. Porém, os computadores vestíveis remetem ao repertório cultural

dos ciborgues e essas imagens trazem consigo algumas preocupações ao usuário

comum.

Darmour (2013) propõe que para que a computação vestível seja

efetivamente utilizada pelo usuário comum é preciso que os dispositivos sejam

projetados para serem belos, periféricos e significativos. Por serem itens da

indumentária, os dispositivos vestíveis não podem ser simplesmente funcionais, eles

precisam também serem confortáveis, trazerem significado ao seu uso e também

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  53  

serem estéticos. Este último item é principalmente relevante no que se refere à

indumentária pois já sabemos que as roupas e acessórios vestíveis não são

utilizados meramente por seus aspectos funcionais (muito pelo contrário, muitos

itens da indumentária são desconfortáveis e disfuncionais, mas ainda assim

utilizados). A indumentária carrega consigo um poder simbólico que está muito

atrelado à própria personalidade do sujeito. Portanto, além de funcionais, os

dispositivos vestíveis precisam significar algo para aquele que o utiliza e para

aqueles que interagem com eles. O desafio aqui é como desprender o valor

simbólico dos ciborgues dos dispositivos vestíveis, muitas vezes usado

pejorativamente.

Em seu livro “The Invisible Computer”, Norman (1999) propõe que os

dispositivos computacionais deveriam ser information appliances, isto é, serem

projetados para uma função específica, tornarem-se assim invisíveis e serem

capazes de se comunicar com o ambiente. Ele delineia então três axiomas para o

design de information appliances que são aplicáveis para o design de experiência de

uso para computação vestível e ubíqua, são eles: simplicidade, versatilidade e

“agradabilidade”. O uso dos objetos embebidos de processadores computacionais

deve ser simples de usar e deve refletir a tarefa a qual são destinados. A tecnologia

deve se tornar invisível ao passo que é projetada para uma tarefa específica. A

tarefa, não a tecnologia deve ser o foco da atenção do usuário. Ainda, o uso destes

objetos deve permitir a novidade e a criação de novos usos e “formas de fazer” a

partir de sua apropriação. Por último e não menos importante, o seu uso deve ser

agradável e prazeroso remetendo às suas emoções.

Em publicação recente a respeito da experiência de uso de computadores

vestíveis, Norman (2013) expressou sua preocupação com relação à intrusividade,

distração e sobrecarga cognitiva que dispositivos vestíveis como o Google Glass

podem gerar no usuário se suas aplicações forem mal projetadas e utilizadas.

Segundo Norman (2013) o homem não é capaz de ser multitarefa sem prejudicar

alguma das ações que está realizando. Se a informação apresentada ao usuário

enquanto ele faz alguma outra atividade for relevante para a ação que está sendo

executada, então o dispositivo tecnológico está expandindo a experiência e

aumentando as possibilidades daquela ação especifica. Porém, se não for uma

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  54  

informação contextualizada, na realidade o dispositivo está prejudicando e distraindo

a atenção do usuário daquilo que ele estaria tentando fazer.

Em resumo, os dispositivos de computação vestíveis tem o potencial de

expandir os sentidos e experiência do homem com o ciberespaço. Porém, ao

mesmo tempo, podem ser extremamente intrusivos e dispersantes. Tudo irá

depender, primeiramente, dos projetos de uso aos quais estes dispositivos serão

aplicados e, segundo, das reais aplicações para as quais os usuários irão utilizá-los.

Portanto, o design de experiência de uso para ambientes de ubiquidade

computacional deve considerar experiências que envolvam a atenção periférica do

usuário, através da utilização de outros sentidos que não somente a sua visão. Além

disso, os projetos de experiência de uso devem considerar agora os computadores

como sujeitos não-humanos que também contribuem para o processo de construção

do ambiente e de suas relações. A experiência de interação dos sujeitos não-

humanos com o ambiente também deve ser projetada.

Outro aspecto importante que precisa ser considerado nos projetos de

design de experiência de uso para ambientes de ubiquidade computacional é a

definição clara de papéis e responsabilidades do homem e da máquina nos

ambientes, a fim de que se reduza as má interpretações e falhas de comunicação. É

importante que tanto a mensuração quanto a comunicação de informações neste

novo paradigma de experiência de uso sejam acordados entre homem e máquina

através de um terreno comum construído através da construção gradual de

confiança e respeito. É preciso que as máquinas mantenham uma “etiqueta”, sejam

projetadas para não serem intrusivas e não parecerem controladoras. Assim como

as relações humanas são complexas e demandam tempo para que intenções sejam

conhecidas e reveladas, as relações dos sujeitos humanos e não-humanos deverá

levar em conta essa construção de terreno comum sob o qual serão construídos

seus relacionamentos.

Quando tratamos especificamente de projetos para computação vestível

percebemos que essa modalidade de computação ubíqua além de ser projetada

para ser relevante, contextualizada e demandar a atenção periférica do usuário

trazendo valor e significado para sua utilização, deve ter uma preocupação especial

para que estes dispositivos sejam belos, simples de usar, versáteis e agradáveis

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  55  

pois se tornarão parte indistinguível do homem, dizendo algo sobre ele para quem o

vê e ajudando-o a navegar em meio à complexidade da realidade aumentada pelo

ciberespaço que os ambientes de ubiquidade computacional proporcionarão.

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  56  

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A condição do ciberespaço e da cibercultura é de ubiquidade e

desprendimento espaço-temporal do acesso ininterrupto à rede digital. A sociedade

contemporânea inserida nesta cultura demanda, portanto, por tecnologias de

informação e comunicação que ofereçam experiências de uso consistentes a essa

condição. O primeiro passo rumo à uma computação mais ubíqua foi a convergência

de tecnologias analógicas específicas também em sistemas de informação digital e,

por sua vez, em dispositivos computadorizados. Estes se diferenciam das demais

tecnologias de comunicação analógicas por estabelecerem-se não somente como

meios ou veículos de comunicação, mas também por firmarem um diálogo com o

homem, seu usuário, através de processos interativos. Em outras palavras, por ser

um meio autorreferente, a relação do homem com o computador não é ferramental,

mas sim complexa e comunicacional, demandando processos de linguagem e

significação. A fim de que esta comunicação entre homem e computador seja

efetiva, é necessário a mediação dessa relação por interfaces digitais que sirvam

como tradutoras da comunicação ou interação homem-computador.

O computador pessoal possuía um modelo de interface digital gráfica e

representacional baseada em metáforas do mundo “real”. Porém, mesmo com seus

padrões de interface gráfica mais amigável, o computador pessoal falhou em conferir

a experiência de ubiquidade que o ciberespaço e a cibercultura demandavam pois

proporcionavam uma experiência limitada de acesso à rede e multifuncional

construídas com base na concentração frontal, representação gráfica e imobilidade.

O advento dos dispositivos computacionais móveis sinalizou o começo de

um distanciamento do hardware e metáfora do desktop, porém não representou uma

ruptura com os padrões convencionados de interface. Mesmo que tenha

desprendido o dispositivo tecnológico de sua restrição territorial, ainda pautavam

suas experiências na concentração frontal do indivíduo. Estes novos dispositivos

computacionais inauguraram, sim, novos padrões de interface que utilizariam outros

sentidos como o tato através do toque nas telas, porém, a grosso modo se

apropriaram dos mesmos padrões de interface gráfica e linguagem dos

computadores pessoais, a GUI e a hipermídia.

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  57  

Além disso, a mobilidade dos smartphones e a disponibilidade ininterrupta

de informações em qualquer lugar e a qualquer momento fez com que a relação

homem-tecnologia se tornasse viciante e sobrecarregada. A própria tecnologia

criada para suprir a necessidade de maior mobilidade criou uma nova necessidade:

uma relação mais inteligente, leve e dialógica entre homem-tecnologia na qual a

tecnologia se apresentasse de maneira mais calma e complementar às ações

humanas. Em outras palavras, o homem passou a demandar “formas de fazer” que

estivessem mais atreladas às tarefas especificas que desejava realizar. As

interfaces gráficas baseadas em metáforas visuais foram essenciais para a história

da microinformática, porém, ao passo que os formatos dos computadores

começaram a se diversificar e a ser distanciar da forma tradicional de desktop, assim

também as interfaces digitais precisavam se reinventar e encontrar novos padrões e

experiências de uso.

Os dispositivos computacionais ubíquos inauguram esta nova experiência de

uso na qual o dispositivo tecnológico não é o centro da atenção humana na conexão

com o virtual. Os ambientes de ubiquidade computacional são, portanto,

ecossistemas compostos por diversas modalidades de dispositivos

computadorizados embebidos em objetos do cotidiano, muitos deles sendo invisíveis

para o sujeito-humano. Com o embarcamento de processadores computacionais em

objetos do cotidiano, a relação do homem com seus objetos e consigo mesmo é

transformada. Os objetos, ou coisas, que outrora estavam ao nosso dispor para

mera utilização passam a compor a rede de sujeitos providos de inteligência (mesmo

que artificial), conscientes de seu contexto e atuantes na construção da teia de

conexões e significados da camada informacional. As tecnologias digitais que,

outrora demandavam uma manipulação direta com alta carga cognitiva, passam a

estarem imersas no plano de fundo das ações do cotidiano, sendo muitas vezes

nem percebidas pelo sujeito humano.

A computação ubíqua muda também o paradigma de interfaces digitais uma

vez que, primeiramente, é composta por dispositivos que não necessariamente tem

suas interações baseadas em telas e representações visuais. Além disso, parte

destes dispositivos não requererem sequer uma comunicação direta com o usuário

final através de uma experiência de concentração frontal, mas sim comunicam-se

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  58  

com outros dispositivos ao seu redor, demandando somente uma atenção periférica

do usuário. A problemática que temos nessa experiência de uso porém, é que ela

também inaugura a possibilidade do homem não ser mais o único agente inteligente,

ou sujeito, que toma grande parte das decisões nos ambientes digitais uma vez que

passa a delegar parte delas para os objetos inteligentes ao seu redor. O computador

passa de máquina manipulada para sujeito ativo no processo de significação e

comunicação em ambientes de ubiquidade computacional. Ao passo que os

dispositivos tecnológicos começam a ser providos de características humanas, tais

como a compreensão semântica de ações, comunicação e execução de tarefas

cognitivas, a distinção entre homem e máquina vai ficando mais nebulosa.

Este novo homem mensurável, programável e que constitui uma relação de

simbiose com as tecnologias da informação tem sido chamado também de

“ciborgue”, pós-orgânico ou pós-humano. Este homem retoma a teoria do sujeito

pós-humano em oposição ao sujeito cartesiano que marca o pensamento moderno.

Além das discussões éticas oriundas das fronteiras do orgânico e da máquina, o que

esse tema também nos indica é que a tecnologia não pode ser distinguida do

homem, pois ao mesmo tempo que ela é criada por ele, ela própria o constitui e o

transforma. O homem contemporâneo é produto de seu desenvolvimento

tecnológico se considerarmos os impactos socioculturais do fogo, da roda, da

alfabetização, da escrita, da eletricidade, etc. O pensamento dos filósofos pós-

estruturalistas já propunha que o homem era artifício de sua historia e linguagem,

portanto, era constituído artificialmente através de suas técnicas. Assim, as

tecnologias são fruto de uma evolução cíclica entre as necessidades latentes de

uma sociedade e os novos desejos oriundos da reconfiguração sociocultural de uma

nova tecnologia. O sujeito pós-humano, portanto não se distingue de sua técnica,

como no pensamento humanista.

Este sujeito contemporâneo ocidental, porém, é capaz de se estarrecer

frente à possibilidade do pós-humano, pois foi criado em uma cultura de temor da

inovação tecnológica. O outro, o inexplicável, o monstro, a nova tecnologia – como

valores simbólicos – geram uma relação ambígua de terror e fascinação. Enquanto,

por um lado, o sujeito contemporâneo está em busca de experiências de conexão

mais imersivas e naturais, reina também em seu imaginário a visão distópica e

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  59  

dicotômica de homens lutando contra máquinas, autômatos e andróides, construída

em sua mente por longos anos de exposição a obras culturais de ficção científica.

Por isso, ao analisarmos as relações homem-tecnologia em ambientes de

ubiquidade computacional precisamos ter em mente estas problemáticas que

emergem da discussão do sujeito pós-humano. Isso se torna ainda mais importante

ao abordarmos a questão da computação vestível pois, mesmo que esta não

reconfigure a organicidade do homem, faz parte de uma categoria de tecnologias

que codificam o corpo e alteram a relação deste com o ambiente ao seu redor. É

preciso ter em mente as problemáticas do sujeito pós-humano e o imaginário

coletivo dos ciborgues quando pensamos na aplicabilidade e experiência de uso

desta nova modalidade de dispositivo tecnológico na sociedade contemporânea.

Como resposta ao problema central deste trabalho, vemos que os

dispositivos de computação vestíveis tem o potencial de expandir os sentidos e

experiência do homem com o ciberespaço, reconfigurando os padrões e paradigmas

de experiência de uso de dispositivos tecnológicos. Porém, ao mesmo tempo,

podem ser extremamente intrusivos e dispersantes. Tudo irá depender,

primeiramente, dos projetos de uso aos quais estes dispositivos serão aplicados e,

segundo, das reais aplicações para as quais os usuários irão utilizá-los.

Vemos que, para o usuário comum, somente os atrativos das configurações

tecnológicas dos dispositivos vestíveis não serão suficientes para garantir a adoção

e utilização destas novas tecnologias. É preciso que estas apresentem uma

utilização que efetivamente mude e facilite a vida dos usuários. Estes dispositivos

devem inaugurar novas “formas de fazer”, trazendo novos significados e relevância

para a vida do usuário comum.

Para tanto, faz-se necessário a prática consistente de design de experiência

de uso para projeto das aplicações destas tecnologias no cotidiano do usuário. Essa

prática, porém, precisa passar por algumas mudanças de paradigmas a fim de se

adaptar à esse novo modelo de relacionamento homem-computador. Dentre as

mudanças estão: 1) Passar a projetar as experiências também para os sujeitos não-

humanos embebidos no ambiente, mudando a abordagem até então praticada

centrada tão somente no usuário; 2) Considerar nos projetos outras formas de

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  60  

interação que não baseadas na concentração frontal e representação visual,

pensando em como otimizar e garantir uma boa comunicação entre os diversos

sujeitos do ambiente; 3) Estabelecer um terreno comum no qual as relações entre os

sujeitos humanos e não-humanos possam ser programadas e ajustadas, tendo

papéis e responsabilidades claras e definidas entre eles.

O computador vestível, como modalidade da computação ubíqua, tem a

possibilidade de delimitar o espaço pessoal do indivíduo nos espaços de informação

dos ambientes de ubiquidade computacional. Segundo os pesquisadores de

computação vestível, suas premissas são que estes dispositivos sejam periféricos e

complementares à ação que está sendo realizada expandindo as possibilidades do

real ao invés de distraindo o usuário de suas ações, sejam constantes e não

necessitem de rituais de acionamento, sejam pessoais e configuráveis pelo usuário.

Os computadores vestíveis tem o potencial de serem aliados do homem em sua

navegação pela complexidade da realidade aumentada pelo ciberespaço que os

ambientes de ubiquidade computacional proporcionarão, servindo como controles

remotos pessoais que possibilitam a programação da interação que o homem deseja

ter com os outros sujeitos do ambiente.

Além dos demais pontos levantados nos parágrafos anteriores, que se

aplicam à computação ubíqua, percebemos que os projetos de experiência de uso

para computadores vestíveis precisam prever, além de relevância, contextualização,

discrição e respeito, uma preocupação especial para que estes dispositivos sejam

belos, simples de usar, versáteis e agradáveis. Como itens de sua indumentária,

estes dispositivos não podem ser apenas funcionais, mas também significativos.

Page 63: Computação vestível e o sujeito pós-humano: Novos paradigmas de ...

  61  

REFERÊNCIAS

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