Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direito do Patrimônio Cultural - v. 01, n. 03
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TAUÃ LIMA VERDAN
RANGEL
COMPÊNDIO DE ENSAIOS
JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL
V.
01
N.
03
COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS:
TEMAS DE DIREITO DO PATRIMÔNIO CULTURAL
(V. 01, N. 03)
Capa: Cândido Portinari, Pau-Brasil (1938).
ISBN: 978-1517011383
Editoração, padronização e formatação de texto
Tauã Lima Verdan Rangel
Projeto Gráfico e capa
Tauã Lima Verdan Rangel
Conteúdo, citações e referências bibliográficas
O autor
É de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui
apresentados. Reprodução dos textos autorizada mediante
citação da fonte.
A P R E S E N T A Ç Ã O
Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio
de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas
reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar,
academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber
jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível,
à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é
um campo no qual não se incluem somente as instituições
legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são
computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem
acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões,
materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a
construção do conhecimento advém da interpretação de leis e
as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.
Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado
pelos Operadores do Direito, que se debruçam no
desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o
conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências
empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis
para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional
visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando
conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de
métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios
Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e
inquietações produzida durante a formação acadêmica do
autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de
Direito do Patrimônio Cultural, o presente busca trazer para o
debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam
maiores reflexões.
Boa leitura!
Tauã Lima Verdan Rangel
5
S U M Á R I O
A tutela das línguas brasileiras no ordenamento pátrio: a
diversidade linguística enquanto elemento integrante do
meio ambiente cultural imaterial ....................................... 06
Anotações ao instituto do Inventário Nacional de
Diversidade Linguística: breve painel da tutela jurídica
do patrimônio cultural das línguas ..................................... 42
Meio ambiente cultural e desenvolvimento econômico: o
uso dos bens ambientais culturais no ecoturismo .............. 83
As Casas do Patrimônio como instrumentos de promoção
da salvaguarda do patrimônio cultural: singelas
tessituras ............................................................................. 139
Apontamentos ao inventário participativo: breves
comentários à proeminência da participação da
comunidade na proteção do patrimônio cultural ............... 174
6
A TUTELA DAS LÍNGUAS BRASILEIRAS NO
ORDENAMENTO PÁTRIO: A DIVERSIDADE
LINGUÍSTICA ENQUANTO ELEMENTO INTEGRANTE
DO MEIO AMBIENTE CULTURAL IMATERIAL
Resumo: A cultura apresenta como traços
estruturantes elementos espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos, os quais caracterizam uma
sociedade ou, ainda, um grupo social determinado,
compreendendo, também, as artes e as letras, os
modos de vida, as maneiras de viver juntos, os
sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste
passo, é possível evidenciar que, em sede de meio
ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um
dos mais relevantes traços caracterizadores da
cultural, não somente para a presente e as futuras
gerações, viabilizando a compreensão da humanidade
e toda a sua evolução histórica. Ao lado disso, a
linguagem, enquanto manifestação cultural
estritamente atrelada à liberdade e à essência da vida
humana, pode ser considerada no plano jurídico como
7
bem cultural que confere concreção aos direitos
humanos e como axioma de sustentação do patrimônio
cultural. Ora, não é possível olvidar, em razão da
dinamicidade da vida contemporânea, tal como a
difusão de informações e assimilação de valores
diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos,
em razão da influência do ambiente, das interações
com a natureza e com a história. Neste aspecto, é
possível evidenciar que a tutela jurídica dispensada a
diversidade linguística, no cenário nacional, busca
preservar elementos estruturantes da identidade
pátria, tal como o patrimônio do meio ambiente
cultural.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural. Tutela
Jurídica. Línguas Brasileiras.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica do Direito Ambiental; 2 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 3 A Tutela Jurídica das Línguas
Brasileiras: A Diversidade Linguística enquanto
Elemento Integrante do Meio Ambiente Cultural
Imaterial; 4 A Tutela Jurídica das Línguas Indígenas;
5 A Tutela Jurídica das Línguas Africanas em razão
da Influência da Cultura Afro-Brasileira; 6 A Tutela
Jurídica da Língua Portuguesa
8
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
9
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”1. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 18 mai.
2013.
10
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
11
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
18 mai. 2013. 3 VERDAN, 2009, s.p.
12
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”4. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
4 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 18 mai. 2013.
13
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade5. Ora,
daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
5 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.
14
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”6.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
6 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
15
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível7.
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”8. Com efeito, os direitos de
7 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 18 mai. 2013. 8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
16
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais.
2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
17
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”9. Desta maneira, cuida reconhecer que a
proteção do patrimônio cultural se revela como
instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
9 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 fev. 2014, p.
15-16.
18
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”10. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
10 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
19
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de
dunas que encobriam sítios arqueológicos
deve indenizar pelos prejuízos causados ao
meio ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
20
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”11. Esses aspectos
11 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
21
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”12, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister
que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200013, que
institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo14, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 18 mai.
2013. 12 BROLLO, 2006, p. 33. 13 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013. 14 BROLLO, 2006, p. 33.
22
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
Fiorillo15, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente
cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-
ambiente humano em razão do aspecto cultural que o
caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente
em decorrência de produzir um sentimento de identidade
no grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
3 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS
BRASILEIRAS: A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
ENQUANTO ELEMENTO INTEGRANTE DO MEIO
15 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 80.
23
AMBIENTE CULTURAL IMATERIAL
Tal como pontuado alhures, a cultura
apresenta como traços estruturantes elementos
espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, os quais
caracterizam uma sociedade ou, ainda, um grupo social
determinado, compreendendo, também, as artes e as
letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os
sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste
passo, é possível evidenciar que, em sede de meio
ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um
dos mais relevantes traços caracterizadores da cultural,
não somente para a presente e as futuras gerações,
viabilizando a compreensão da humanidade e toda a sua
evolução histórica. Com efeito, é possível trazer à
colação, com o escopo de robustecer as ponderações
estruturadas, o conteúdo do preâmbulo da Convenção
sobre a proteção e a promoção da Diversidade das
Expressões Culturais da Unesco:
Considerando que a cultura assume formas
diversas através do tempo e do espaço, e que
esta diversidade se manifesta na
originalidade e na pluralidade das
identidades, assim como nas expressões
24
culturais dos povos e das sociedades que
formam a humanidade,
Reconhecendo a importância dos
conhecimentos tradicionais como fonte de
riqueza material e imaterial, e, em
particular, dos sistemas de conhecimento
das populações indígenas, e sua
contribuição positiva para o
desenvolvimento sustentável, assim como a
necessidade de assegurar sua adequada
proteção e promoção [...]
Reconhecendo que a diversidade das
expressões culturais, incluindo as
expressões culturais tradicionais, é um fator
importante, que possibilita aos indivíduos e
aos povos expressarem e compartilharem
com outros as suas idéias e valores,
Recordando que a diversidade lingüística
constitui elemento fundamental da
diversidade cultural, e reafirmando o papel
fundamental que a educação desempenha
na proteção e promoção das expressões
culturais,
Tendo em conta a importância da vitalidade
das culturas para todos, incluindo as
pessoas que pertencem a minorias e povos
indígenas, tal como se manifesta em sua
liberdade de criar, difundir e distribuir as
suas expressões culturais tradicionais, bem
como de ter acesso a elas, de modo a
favorecer o seu próprio desenvolvimento16.
Ao lado disso, a linguagem, enquanto
manifestação cultural estritamente atrelada à liberdade
16 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a
proteção e a promoção da Diversidade das Expressões
Culturais. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em
18 mai. 2013
25
e à essência da vida humana, pode ser considerada no
plano jurídico como bem cultural que confere concreção
aos direitos humanos e como axioma de sustentação do
patrimônio cultural. Ora, não é possível olvidar, em
razão da dinamicidade da vida contemporânea, tal como
a difusão de informações e assimilação de valores
diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em
razão da influência do ambiente, das interações com a
natureza e com a história À sombra do pontuado, a
utilização da língua consiste no exercício dos direitos
culturais linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos
da liberdade de expressão e comunicação, tal como a
substancialização do bem cultural intangível,
notadamente por meio das formas de expressão17.
17 Neste sentido: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.
Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em
18 mai. 2013: “Artigo 2: Definições: Para os fins da presente
Convenção: 1. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as
práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto
com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes
são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,
os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio
cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de
geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza
e de sua história, gerando um sentimento de identidade e
26
Desta feita, em decorrência do assinalado, a
língua se apresenta como elemento estruturante da
diversidade cultural, não sendo possível, em razão disso,
falar em direitos culturais linguísticos e em direito
fundamental ao patrimônio cultural linguístico sem
sublinhar o acolhimento, pelo arcabouço normativo, do
respeito à língua materna e do reconhecimento dos
direitos das comunidades de se expressar de acordo com
os valores que conferem os contornos de sua identidade
cultural. “No entanto, como a trajetória da política
linguística em nosso país foi de utilização do aparato
jurídico-administrativo para o direcionamento ao
monolinguismo, as atuações do Estado e da sociedade
para proteção da diversidade”18, sendo exigido, após a
promulgação da Constituição da República Federativa do
continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à
diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da
presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio
cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos
internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos
de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do
desenvolvimento sustentável”. 18 SOARES, Inês Virgínia Prado. Cidadania Cultural e Direito à
Diversidade Linguística: A Concepção Constitucional das Línguas e
Falares do Brasil como Bem Cultural. Revista Internacional
Direito e Cidadania. Disponível em: < http://www.reid.org.br>.
Acesso em 18 mai. 2013, p. 02.
27
Brasil de 198819, uma alteração na perspectiva. Ora, o
Texto Constitucional conferiu o assinalou que o
tratamento da cultura e dos bens culturais deflui dos
elementos que sustentam o Estado brasileiro como
Estado Democrático de Direito. Em razão disso, é
possível afirmar a discussão alicerçada na diversidade
cultural, e, por extensão, nos direitos e bens culturais
destas decorrentes, tem seu alicerce nos dispositivos
constitucionais, já que o sistema jurídico consagra um
Estado de direito cultural e indica a construção de um
Estado Democrático Cultural.
Quadra pontuar que o traço cultural
democrático é estabelecido constitucionalmente,
notadamente: (i) pelos artigos que versam acerca da
cultura, sobre a necessidade de respeito à diversidade
cultural brasileira e sobre a importância da tutela dos
bens culturais que são bastiões dos grupos formadores da
sociedade; e, (ii) pela estruturação do Estado para a
tutela dos valores culturais com a colaboração da
comunidade. Desta sorte, conquanto o Texto
Constitucional não apresenta uma definição estanque do
19 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
28
que é patrimônio cultural brasileiro, dispõe que o seu
tratamento deve se orientar pelo respeito à diversidade e
à liberdade e na busca da igualdade material entre e
para os grupos constituintes da sociedade brasileira,
maiormente os grupos desfavorecidos histórica, social e
economicamente.
Desse modo, as comunidades brasileiras
falantes de línguas indígenas (Nheengatu e
Guarani), afro-brasileiras (falante de Gira
de Tabatinga-MG) e de imigração (Talian,
Hunsruckkish e Pomerano) encontram no
texto constitucional a fundamentação legal
para edição de normas e a implementação
de medidas, instrumentos e ações que
permitam que não somente se expressem
em seus próprios idiomas nas relações de
repercussão pública, mas que tenham a
língua reconhecida como bem cultural
brasileiro20.
Neste passo, a valorização da diversidade
linguística no Brasil não tem o condão de modificar a
predominância da língua portuguesa nem sustenta a
oficialidade de pluralismo linguístico no arcabouço
normativo pátrio. A fala e a comunicação devem ser
essencialmente em português, quando praticados pelos
órgãos públicos, nos espaços públicos e nas relações
20 SOARES, 2013, p. 04.
29
privadas dotadas de repercussão social ou público, exceto
que uma lei contemple a exceção no seu uso ou assegure
a possibilidade de expressão em outra língua ou falar,
com arrimo na diversidade cultural. A língua portuguesa,
dessa maneira, além de ser o idioma nacional, em razão
dos influxos do Texto Constitucional, também assume
papel de proeminência, enquanto idioma oficial,
consoante dicção do artigo 13 da Carta de Outubro de
1988.
4 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS
INDÍGENAS
Como país dotado de um multiculturalismo
ímpar, o Brasil, por meio da Constituição Federal,
confere proteção ao pleno exercício dos direitos culturais,
garantindo, em consonância com a forma estabelecida no
§1º do artigo 21521, a tutela jurídica de toda e qualquer
21 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art.
215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º
- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
30
manifestação vinculada ao processo civilizatório
nacional. Neste viés, essa concepção constitucional de
dimensão multicultural na estruturação e tutela do
patrimônio cultural brasileiro é sagrada pela
manutenção do liame existente entre sociedade-Estado
na materialização de tarefas de promovam tanto o
exercício dos mencionados direitos, tal como a proteção e
fruição dos bens culturais materiais e imateriais que lhe
conferem suporte. “Dessarte, ao proteger as manifestações
das culturas indígenas, o direito constitucional assegura
aos cerca de 220 povos indígenas em território brasileiro
a mais ampla tutela de 180 línguas faladas distribuídas
por pouco mais de 40 conjuntos, denominados famílias
linguísticas”22.
A cultura indígena apresenta proeminência
singular na constituição do meio ambiente cultural,
conferindo uma identidade complexa e diversificada na
formação do povo brasileiro, tanto é assim que diversos
são os exemplos de registros imateriais que buscam
salvaguardar o patrimônio imaterial. Neste aspecto, é
possível conceder destaque a Arte Kusiwa, que
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional”. 22 FIORILLO, 2012, p. 466
31
compreende uma linguagem gráfica dos índios Wajãpi do
Amapá. Não se pode suprimir que a linguagem kusiwa
configura uma espécie de expressão complementar aos
saberes oralmente transmitido a cada nova geração e
compartilhados por todos os membros dos grupos. É um
conhecimento que se encontra, principalmente, nos
relatos orais que esse grupo indígena, hoje com
quinhentos e oitenta indivíduos, continua a transmitir
aos seus filhos e que explica como surgiram as cores, os
padrões dos desenhos e as diferenças entre as pessoas. A
arte gráfica e a arte verbal dos Wajãpi lhes permite agir
sobre múltiplas dimensões do mundo: sobre o visível e
sobre o invisível, sobre o concreto e sobre o mundo ideal.
Não se trata de um saber abstrato, mas sim de uma
prática permanentemente interativa, viva e dinâmica:
A Arte Kusiwa - pintura corporal e arte
gráfica Wajãpi - foi o primeiro bem
registrado no Livro de Registro das Formas
de Expressão. Trata-se de um sistema de
representação, de uma linguagem gráfica
dos índios Wajãpi do Amapá, que sintetiza
seu modo particular de conhecer, conceber e
agir sobre o universo. O sistema gráfico
kusiwa opera como um catalisador da
expressão, de conhecimentos e de práticas
que envolvem desde relações sociais,
crenças religiosas e tecnologias até valores
estéticos e morais. O excepcional valor
32
dessa forma de expressão está na
capacidade de condensar, transmitir e
renovar, através da criatividade dos
desenhistas e dos narradores, todos os
elementos particulares e únicos de um modo
de pensar e de se posicionar no mundo
próprio dos Wãjapi do Amapá. [...] A arte
Kusiwa se expressa em desenhos e pinturas
de corpos e objetos, a partir de um
repertório definido de padrões gráficos e de
suas variantes, que representam, de forma
sintética e abstrata, partes do corpo ou da
ornamentação de animais, como sucuris,
jibóias, onças, jabotis, peixes, borboletas, e
objetos, como limas de ferro e bordunas.
Com denominações próprias, os padrões
gráficos podem ser combinados de muitas
maneiras diferentes, que não se repetem,
mas são sempre reconhecidos pelos Wajãpi
como Kusiwa. Trata-se de um acervo
cultural que se transforma de forma
dinâmica, através da inclusão de novos
elementos, do desuso de alguns ou da
modificação, através de suas variantes, de
outros23.
Via de consequência, são reconhecidos aos
índios suas línguas, como, com clareza solar, dicciona a
redação do artigo 231 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 198824, sendo certo que a
23 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
24 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art.
231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
33
existência de idioma oficial apontado não tem o condão
de obstar a utilização de sistema de representação
empregados como meio de comunicação dos índios e de
suas comunidades em face das relações e direitos
assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no
País. Neste aspecto, é possível traçar um liame com a
demarcação de áreas indígenas para alcançar a concreção
dos direitos culturais, inclusive costume e tradições,
conforme se infere do aresto coligido:
Ementa: Direito Administrativo. Ação de
indenização. Alegada desapropriação
indireta. Área de fronteira. Título dominial.
Terras indígenas. Indisponíveis e
inalienáveis. [...] 5 . Ao definir quais são as
terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios, o § 1º do art. 231 do texto
constitucional não se refere apenas às áreas
ocupadas pelos indígenas no dia 5 de
outubro de 1988 (promulgação da CF), mas
também a todas aquelas que sejam
imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários ao seu bem-estar e
as necessárias a sua reprodução física e
cultural. 6. Não só pelo que dispõe o § 6° do
art. 231 da Constituição, mas inclusive por
desacordo com as regras vigentes nas
ordens constitucionais anteriores, não se
reputam válidas a alienação e a titulação de
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
34
lotes de terra sobrepostos às áreas que, a
partir de estudos específicos, fundados em
dados concretos, possam ser
individualizadas como de ocupação
indígena. [...] (Tribunal Regional Federal da
Quarta Região – Quarta Turma/ Apelação
Cível e Reexame Necessário Nº.
2002.72.02.003282-4/ Relatora p/ Acórdão:
Desembargadora Marga Inge Barth Tessler/
Publicado no DJ em 22.06.2009).
5 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS
AFRICANAS EM RAZÃO DA INFLUÊNCIA DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Além do contato com a população indígena,
outro liame que influenciou, de maneira determinante, a
língua portuguesa no Brasil foram as línguas dos negros
africanos, trazido no processo de traficância, durante o
período colonial e imperial. “Tendo sido iniciado no
século XVI com a introdução do cultivo de cana-de-açúcar
na capitania de São Vicente (Estado de São Paulo), no
Recôncavo Baiano e em Pernambuco, o comércio de
escravos negros foi intensificado no século XVII”25,
proliferando-se por todas as regiões ocupadas pelos
portugueses. Com o decurso do tempo, os escravos
25 FIORILLO, 2012, p. 469.
35
chegaram a desenvolver um português crioulo, a exemplo
do que ocorreu nas colônias africanas, tendo sido
descoberta em 1978 no Cafundó, bairro rural localizado o
Município de Salto de Pirapora-SP, a existência de um
léxico de origem banto, quimbundo sobretudo, cuja
relevância reclama destaque em face da tutela
constitucional das culturas afro-brasileiras. Dentro da
estrutura indicada no artigo 215, §1º, do Texto
Constitucional26, as línguas dos negros africanos têm sua
proteção e defesa judicial assegurada, tal como as demais
expressões linguísticas mencionadas alhures.
Segundo a tradição oral dessa comunidade,
tudo começou quando os escravos Antonia,
Ifigênia e seus pais, Joaquim Manoel de
Oliveira e Ricarda, receberam, antes da
abolição, a liberdade e 80 alqueires de terra,
dos quais apenas 7,8 alqueires permanecem
com seus descendentes, em consequência de
doações e da ocupação das áreas adjacentes
pelos fazendeiros. A população do Cafundó,
que flutua entre 60 a 80 pessoas, descende
26 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art.
215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º
- O Estado protegerá as manifestações das culturas populares,
indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do
processo civilizatório nacional”.
36
dos Almeida Caetano e dos Pires Cardoso,
originários das escravas Antonia e Ifigênia.
Plantam milho, feijão e mandioca e criam
galinhas e porcos para atender parte das
necessidades de subsistência. Fora da terra,
trabalham como diaristas, boias-frias e
empregadas domésticas. A comunidade,
além do português, se utiliza do dialeto
africano chamado "cupópia" ou "falange",
muito estudado e documentado por
antropólogos e linguistas27.
6 A TUTELA JURÍDICA DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Conquanto a portuguesa seja o idioma
majoritário, além do idioma oficial da República
Federativa do Brasil, fato contundente é que sempre se
relacionou as diversas línguas que eram faladas no
território nacional antes da chegada dos portugueses e
com as que vieram após a colonização. “Após mais de dois
séculos de condição minoritária do uso do português no
Brasil em relação à língua dos nativos, só passou ela a
ser predominante a partir da segunda metade do século
XVIII, vindo a se tornar oficial em 17 de agosto de
27 SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria Estadual de Cultura.
Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br>. Acesso em 18 mai.
2013.
37
1758”28, sendo instituído um decreto do Marquês de
Pombal, que, concomitantemente, proibiu o uso da língua
geral, ainda que os falantes brasileiros já estivessem, no
século XVIII, tivesse incorporado diversas palavras de
origem indígena e africana em seu vocabulário.
Contemporaneamente, verifica-se uma maciça
movimentação no sentido de obstar a descaracterização
da língua portuguesa brasileira, uma língua constituída
pelas culturas indígenas e afro-brasileiras, tal como das
de outros grupamentos cuja manifestação se tornou
relevante no Estado Brasileiro. O fato em comento
encontra arrimo na invasão indiscriminada e
desnecessária de estrangeirismo totalmente afastados
das culturas participantes do processo civilizatório
nacional. Entendeu o Texto Constitucional, em
consequência, ser pertinente conferir tutela à língua
portuguesa brasileira, alçando ao patamar de natureza
imaterial integrante do patrimônio cultural nacional,
recebendo a contribuição não apenas das línguas
indígenas e africanas, mas também de outros idiomas,
como, por exemplo, o francês, o italiano, o espanhol e o
inglês, que contribuíram para a estruturação do idioma
28 FIORILLO, 2012, p. 468.
38
pátrio, culminando no conteúdo do artigo 13 da Carta de
Outubro de 198829.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
República Federativa do Brasil. Brasília: Senado
Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
___________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de
2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
___________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro
de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
29 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013: “Art. 13.
A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do
Brasil”.
39
___________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
___________. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
___________. Supremo Tribunal Federal. Disponível
em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
___________. Tribunal Regional Federal da Segunda
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BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna
classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
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classes do meio-ambiente do trabalho e do meio-ambiente
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Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 18 mai. 2013.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
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Paulo: Editora Saraiva, 2012.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012.
MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito
Constitucional – Teoria, Jurisprudência e 1.000
40
Questões 15 ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro:
Editora Impetus, 2004.
ORGANIZAÇÃO DAS NACÕES UNIDAS. Convenção
sobre a proteção e a promoção da Diversidade das
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___________. Convenção para a Salvaguarda do
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Conforme o Novo Código Florestal e a Lei
Complementar 140/2011. 2 ed. Salvador: Editora
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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
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41
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 18 mai. 2013.
42
ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO INVENTÁRIO
NACIONAL DE DIVERSIDADE LINGUÍSTICA: BREVE
PAINEL DA TUTELA JURÍDICA DO PATRIMÔNIO
CULTURAL DAS LÍNGUAS
Resumo: A cultura apresenta como traços
estruturantes elementos espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos, os quais caracterizam uma
sociedade ou, ainda, um grupo social determinado,
compreendendo, também, as artes e as letras, os
modos de vida, as maneiras de viver juntos, os
sistemas de valores, as tradições e as crenças.
Neste passo, é possível evidenciar que, em sede de
meio ambiente cultural, a linguagem se apresenta
como um dos mais relevantes traços
caracterizadores da cultural, não somente para a
presente e as futuras gerações, viabilizando a
compreensão da humanidade e toda a sua evolução
histórica. Ao lado disso, a linguagem, enquanto
manifestação cultural estritamente atrelada à
liberdade e à essência da vida humana, pode ser
considerada no plano jurídico como bem cultural
que confere concreção aos direitos humanos e como
43
axioma de sustentação do patrimônio cultural. Ora,
não é possível olvidar, em razão da dinamicidade da
vida contemporânea, tal como a difusão de
informações e assimilação de valores diversificados,
que o patrimônio cultural imaterial é
constantemente recriado pelas comunidades e
grupos, em razão da influência do ambiente, das
interações com a natureza e com a história. Neste
aspecto, é possível evidenciar que a tutela jurídica
dispensada a diversidade linguística, no cenário
nacional, busca preservar elementos estruturantes
da identidade pátria, tal como o patrimônio do meio
ambiente cultural.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.
Inventário Nacional. Diversidade Linguística.
Tutela Jurídica.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica do Direito Ambiental; 2
Meio Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 3 A Tutela Jurídica das Línguas
Brasileiras: A Diversidade Linguística enquanto
Elemento Integrante do Meio Ambiente Cultural
Imaterial; 4 A Tutela Jurídica das Línguas
Indígenas; 5 A Tutela Jurídica das Línguas
Africanas em razão da Influência da Cultura Afro-
Brasileira; 6 A Tutela Jurídica da Língua
Portuguesa; 7 Anotações ao Instituto do Inventário
Nacional de Diversidade Linguística: Breve Painel
da Tutela Jurídica ao Patrimônio Cultural das
Línguas
44
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
45
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”30. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
30 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 fev.
2014.
46
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”31. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
31 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
47
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”32. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
23 fev. 2014. 32 VERDAN, 2009, s.p.
48
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”33. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
33 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 23 fev. 2014.
49
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade34.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
34 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.
50
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”35.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
51
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível36.
“Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”37. Com efeito, os direitos de
36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 23 fev. 2014. 37 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
52
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais.
2 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
53
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”38. Desta maneira, cuida reconhecer que a
proteção do patrimônio cultural se revela como
instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
38 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 23 fev. 2014, p.
15-16.
54
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”39. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
39 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
55
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de
dunas que encobriam sítios arqueológicos
deve indenizar pelos prejuízos causados ao
meio ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
56
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”40. Esses aspectos
40 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
57
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. No mais, insta salientar que “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”41, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
Ao lado do explicitado, pontuar faz-se mister
que o Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200042, que
institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo43, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também 25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 23 fev.
2014. 41 BROLLO, 2006, p. 33. 42 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014. 43 BROLLO, 2006, p. 33.
58
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
Fiorillo44, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
No mais, necessário faz-se salientar que o meio-ambiente
cultural, conquanto seja artificial, difere-se do meio-
ambiente humano em razão do aspecto cultural que o
caracteriza, sendo dotado de valor especial, notadamente
em decorrência de produzir um sentimento de identidade
no grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
3 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS
BRASILEIRAS: A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA
ENQUANTO ELEMENTO INTEGRANTE DO MEIO
44 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 80.
59
AMBIENTE CULTURAL IMATERIAL
Tal como pontuado alhures, a cultura
apresenta como traços estruturantes elementos
espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, os quais
caracterizam uma sociedade ou, ainda, um grupo social
determinado, compreendendo, também, as artes e as
letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os
sistemas de valores, as tradições e as crenças. Neste
passo, é possível evidenciar que, em sede de meio
ambiente cultural, a linguagem se apresenta como um
dos mais relevantes traços caracterizadores da cultural,
não somente para a presente e as futuras gerações,
viabilizando a compreensão da humanidade e toda a sua
evolução histórica. Com efeito, é possível trazer à
colação, com o escopo de robustecer as ponderações
estruturadas, o conteúdo do preâmbulo da Convenção
sobre a proteção e a promoção da Diversidade das
Expressões Culturais da Unesco:
Considerando que a cultura assume formas
diversas através do tempo e do espaço, e que
esta diversidade se manifesta na
originalidade e na pluralidade das
identidades, assim como nas expressões
60
culturais dos povos e das sociedades que
formam a humanidade,
Reconhecendo a importância dos
conhecimentos tradicionais como fonte de
riqueza material e imaterial, e, em
particular, dos sistemas de conhecimento
das populações indígenas, e sua
contribuição positiva para o
desenvolvimento sustentável, assim como a
necessidade de assegurar sua adequada
proteção e promoção [...]
Reconhecendo que a diversidade das
expressões culturais, incluindo as
expressões culturais tradicionais, é um fator
importante, que possibilita aos indivíduos e
aos povos expressarem e compartilharem
com outros as suas idéias e valores,
Recordando que a diversidade lingüística
constitui elemento fundamental da
diversidade cultural, e reafirmando o papel
fundamental que a educação desempenha
na proteção e promoção das expressões
culturais,
Tendo em conta a importância da vitalidade
das culturas para todos, incluindo as
pessoas que pertencem a minorias e povos
indígenas, tal como se manifesta em sua
liberdade de criar, difundir e distribuir as
suas expressões culturais tradicionais, bem
como de ter acesso a elas, de modo a
favorecer o seu próprio desenvolvimento45.
Ao lado disso, a linguagem, enquanto
manifestação cultural estritamente atrelada à liberdade
45 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre a
proteção e a promoção da Diversidade das Expressões
Culturais. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em
23 fev. 2014
61
e à essência da vida humana, pode ser considerada no
plano jurídico como bem cultural que confere concreção
aos direitos humanos e como axioma de sustentação do
patrimônio cultural. Ora, não é possível olvidar, em
razão da dinamicidade da vida contemporânea, tal como
a difusão de informações e assimilação de valores
diversificados, que o patrimônio cultural imaterial é
constantemente recriado pelas comunidades e grupos, em
razão da influência do ambiente, das interações com a
natureza e com a história À sombra do pontuado, a
utilização da língua consiste no exercício dos direitos
culturais linguísticos, contrapartida dos direitos oriundos
da liberdade de expressão e comunicação, tal como a
substancialização do bem cultural intangível,
notadamente por meio das formas de expressão46.
46 Neste sentido: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.
Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural
Imaterial. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em
23 fev. 2014: “Artigo 2: Definições: Para os fins da presente
Convenção: 1. Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as
práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto
com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes
são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,
os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio
cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de
geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza
e de sua história, gerando um sentimento de identidade e
62
Desta feita, em decorrência do assinalado, a
língua se apresenta como elemento estruturante da
diversidade cultural, não sendo possível, em razão disso,
falar em direitos culturais linguísticos e em direito
fundamental ao patrimônio cultural linguístico sem
sublinhar o acolhimento, pelo arcabouço normativo, do
respeito à língua materna e do reconhecimento dos
direitos das comunidades de se expressar de acordo com
os valores que conferem os contornos de sua identidade
cultural. “No entanto, como a trajetória da política
linguística em nosso país foi de utilização do aparato
jurídico-administrativo para o direcionamento ao
monolinguismo, as atuações do Estado e da sociedade
para proteção da diversidade”47, sendo exigido, após a
promulgação da Constituição da República Federativa do
continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à
diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da
presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio
cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos
internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos
de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do
desenvolvimento sustentável”. 47 SOARES, Inês Virgínia Prado. Cidadania Cultural e Direito à
Diversidade Linguística: A Concepção Constitucional das Línguas e
Falares do Brasil como Bem Cultural. Revista Internacional
Direito e Cidadania. Disponível em: < http://www.reid.org.br>.
Acesso em 23 fev. 2014, p. 02.
63
Brasil de 198848, uma alteração na perspectiva. Ora, o
Texto Constitucional conferiu o assinalou que o
tratamento da cultura e dos bens culturais deflui dos
elementos que sustentam o Estado brasileiro como
Estado Democrático de Direito. Em razão disso, é
possível afirmar a discussão alicerçada na diversidade
cultural, e, por extensão, nos direitos e bens culturais
destas decorrentes, tem seu alicerce nos dispositivos
constitucionais, já que o sistema jurídico consagra um
Estado de direito cultural e indica a construção de um
Estado Democrático Cultural.
Quadra pontuar que o traço cultural
democrático é estabelecido constitucionalmente,
notadamente: (i) pelos artigos que versam acerca da
cultura, sobre a necessidade de respeito à diversidade
cultural brasileira e sobre a importância da tutela dos
bens culturais que são bastiões dos grupos formadores da
sociedade; e, (ii) pela estruturação do Estado para a
tutela dos valores culturais com a colaboração da
comunidade. Desta sorte, conquanto o Texto
Constitucional não apresenta uma definição estanque do
48 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
64
que é patrimônio cultural brasileiro, dispõe que o seu
tratamento deve se orientar pelo respeito à diversidade e
à liberdade e na busca da igualdade material entre e
para os grupos constituintes da sociedade brasileira,
maiormente os grupos desfavorecidos histórica, social e
economicamente.
Desse modo, as comunidades brasileiras
falantes de línguas indígenas (Nheengatu e
Guarani), afro-brasileiras (falante de Gira
de Tabatinga-MG) e de imigração (Talian,
Hunsruckkish e Pomerano) encontram no
texto constitucional a fundamentação legal
para edição de normas e a implementação
de medidas, instrumentos e ações que
permitam que não somente se expressem
em seus próprios idiomas nas relações de
repercussão pública, mas que tenham a
língua reconhecida como bem cultural
brasileiro49.
Neste passo, a valorização da diversidade
linguística no Brasil não tem o condão de modificar a
predominância da língua portuguesa nem sustenta a
oficialidade de pluralismo linguístico no arcabouço
normativo pátrio. A fala e a comunicação devem ser
essencialmente em português, quando praticados pelos
órgãos públicos, nos espaços públicos e nas relações
49 SOARES, 2013, p. 04.
65
privadas dotadas de repercussão social ou público, exceto
que uma lei contemple a exceção no seu uso ou assegure
a possibilidade de expressão em outra língua ou falar,
com arrimo na diversidade cultural. A língua portuguesa,
dessa maneira, além de ser o idioma nacional, em razão
dos influxos do Texto Constitucional, também assume
papel de proeminência, enquanto idioma oficial,
consoante dicção do artigo 13 da Carta de Outubro de
1988.
4 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS
INDÍGENAS
Como país dotado de um multiculturalismo
ímpar, o Brasil, por meio da Constituição Federal,
confere proteção ao pleno exercício dos direitos culturais,
garantindo, em consonância com a forma estabelecida no
§1º do artigo 21550, a tutela jurídica de toda e qualquer
50 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 215.
O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º - O Estado
protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
66
manifestação vinculada ao processo civilizatório
nacional. Neste viés, essa concepção constitucional de
dimensão multicultural na estruturação e tutela do
patrimônio cultural brasileiro é sagrada pela
manutenção do liame existente entre sociedade-Estado
na materialização de tarefas de promovam tanto o
exercício dos mencionados direitos, tal como a proteção e
fruição dos bens culturais materiais e imateriais que lhe
conferem suporte. “Dessarte, ao proteger as manifestações
das culturas indígenas, o direito constitucional assegura
aos cerca de 220 povos indígenas em território brasileiro
a mais ampla tutela de 180 línguas faladas distribuídas
por pouco mais de 40 conjuntos, denominados famílias
linguísticas”51.
A cultura indígena apresenta proeminência
singular na constituição do meio ambiente cultural,
conferindo uma identidade complexa e diversificada na
formação do povo brasileiro, tanto é assim que diversos
são os exemplos de registros imateriais que buscam
salvaguardar o patrimônio imaterial. Neste aspecto, é
possível conceder destaque a Arte Kusiwa, que
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional”. 51 FIORILLO, 2012, p. 466
67
compreende uma linguagem gráfica dos índios Wajãpi do
Amapá. Não se pode suprimir que a linguagem kusiwa
configura uma espécie de expressão complementar aos
saberes oralmente transmitido a cada nova geração e
compartilhados por todos os membros dos grupos. É um
conhecimento que se encontra, principalmente, nos
relatos orais que esse grupo indígena, hoje com
quinhentos e oitenta indivíduos, continua a transmitir
aos seus filhos e que explica como surgiram as cores, os
padrões dos desenhos e as diferenças entre as pessoas. A
arte gráfica e a arte verbal dos Wajãpi lhes permite agir
sobre múltiplas dimensões do mundo: sobre o visível e
sobre o invisível, sobre o concreto e sobre o mundo ideal.
Não se trata de um saber abstrato, mas sim de uma
prática permanentemente interativa, viva e dinâmica:
A Arte Kusiwa - pintura corporal e arte
gráfica Wajãpi - foi o primeiro bem
registrado no Livro de Registro das Formas
de Expressão. Trata-se de um sistema de
representação, de uma linguagem gráfica
dos índios Wajãpi do Amapá, que sintetiza
seu modo particular de conhecer, conceber e
agir sobre o universo. O sistema gráfico
kusiwa opera como um catalisador da
expressão, de conhecimentos e de práticas
que envolvem desde relações sociais,
crenças religiosas e tecnologias até valores
estéticos e morais. O excepcional valor
68
dessa forma de expressão está na
capacidade de condensar, transmitir e
renovar, através da criatividade dos
desenhistas e dos narradores, todos os
elementos particulares e únicos de um modo
de pensar e de se posicionar no mundo
próprio dos Wãjapi do Amapá. [...] A arte
Kusiwa se expressa em desenhos e pinturas
de corpos e objetos, a partir de um
repertório definido de padrões gráficos e de
suas variantes, que representam, de forma
sintética e abstrata, partes do corpo ou da
ornamentação de animais, como sucuris,
jibóias, onças, jabotis, peixes, borboletas, e
objetos, como limas de ferro e bordunas.
Com denominações próprias, os padrões
gráficos podem ser combinados de muitas
maneiras diferentes, que não se repetem,
mas são sempre reconhecidos pelos Wajãpi
como Kusiwa. Trata-se de um acervo
cultural que se transforma de forma
dinâmica, através da inclusão de novos
elementos, do desuso de alguns ou da
modificação, através de suas variantes, de
outros52.
Via de consequência, são reconhecidos aos
índios suas línguas, como, com clareza solar, dicciona a
redação do artigo 231 da Constituição da República
Federativa do Brasil de 198853, sendo certo que a
52 BRASIL. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
53 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 231.
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
69
existência de idioma oficial apontado não tem o condão
de obstar a utilização de sistema de representação
empregados como meio de comunicação dos índios e de
suas comunidades em face das relações e direitos
assegurados a brasileiros e estrangeiros residentes no
País. Neste aspecto, é possível traçar um liame com a
demarcação de áreas indígenas para alcançar a concreção
dos direitos culturais, inclusive costume e tradições,
conforme se infere do aresto coligido:
Ementa: Direito Administrativo. Ação de
indenização. Alegada desapropriação
indireta. Área de fronteira. Título dominial.
Terras indígenas. Indisponíveis e
inalienáveis. [...] 5 . Ao definir quais são as
terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios, o § 1º do art. 231 do texto
constitucional não se refere apenas às áreas
ocupadas pelos indígenas no dia 5 de
outubro de 1988 (promulgação da CF), mas
também a todas aquelas que sejam
imprescindíveis à preservação dos recursos
ambientais necessários ao seu bem-estar e
as necessárias a sua reprodução física e
cultural. 6. Não só pelo que dispõe o § 6° do
art. 231 da Constituição, mas inclusive por
desacordo com as regras vigentes nas
ordens constitucionais anteriores, não se
reputam válidas a alienação e a titulação de
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
70
lotes de terra sobrepostos às áreas que, a
partir de estudos específicos, fundados em
dados concretos, possam ser
individualizadas como de ocupação
indígena. [...] (Tribunal Regional Federal da
Quarta Região – Quarta Turma/ Apelação
Cível e Reexame Necessário Nº.
2002.72.02.003282-4/ Relatora p/ Acórdão:
Desembargadora Marga Inge Barth Tessler/
Publicado no DJ em 22.06.2009).
5 A TUTELA JURÍDICA DAS LÍNGUAS
AFRICANAS EM RAZÃO DA INFLUÊNCIA DA
CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Além do contato com a população indígena,
outro liame que influenciou, de maneira determinante, a
língua portuguesa no Brasil foram as línguas dos negros
africanos, trazido no processo de traficância, durante o
período colonial e imperial. “Tendo sido iniciado no
século XVI com a introdução do cultivo de cana-de-açúcar
na capitania de São Vicente (Estado de São Paulo), no
Recôncavo Baiano e em Pernambuco, o comércio de
escravos negros foi intensificado no século XVII”54,
proliferando-se por todas as regiões ocupadas pelos
portugueses. Com o decurso do tempo, os escravos
54 FIORILLO, 2012, p. 469.
71
chegaram a desenvolver um português crioulo, a exemplo
do que ocorreu nas colônias africanas, tendo sido
descoberta em 1978 no Cafundó, bairro rural localizado o
Município de Salto de Pirapora-SP, a existência de um
léxico de origem banto, quimbundo sobretudo, cuja
relevância reclama destaque em face da tutela
constitucional das culturas afro-brasileiras. Dentro da
estrutura indicada no artigo 215, §1º, do Texto
Constitucional55, as línguas dos negros africanos têm sua
proteção e defesa judicial assegurada, tal como as demais
expressões linguísticas mencionadas alhures.
Segundo a tradição oral dessa comunidade,
tudo começou quando os escravos Antonia,
Ifigênia e seus pais, Joaquim Manoel de
Oliveira e Ricarda, receberam, antes da
abolição, a liberdade e 80 alqueires de terra,
dos quais apenas 7,8 alqueires permanecem
com seus descendentes, em consequência de
doações e da ocupação das áreas adjacentes
pelos fazendeiros. A população do Cafundó,
que flutua entre 60 a 80 pessoas, descende
55 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 215.
O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a
valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º - O Estado
protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional”.
72
dos Almeida Caetano e dos Pires Cardoso,
originários das escravas Antonia e Ifigênia.
Plantam milho, feijão e mandioca e criam
galinhas e porcos para atender parte das
necessidades de subsistência. Fora da terra,
trabalham como diaristas, boias-frias e
empregadas domésticas. A comunidade,
além do português, se utiliza do dialeto
africano chamado "cupópia" ou "falange",
muito estudado e documentado por
antropólogos e linguistas56.
6 A TUTELA JURÍDICA DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Conquanto a portuguesa seja o idioma
majoritário, além do idioma oficial da República
Federativa do Brasil, fato contundente é que sempre se
relacionou as diversas línguas que eram faladas no
território nacional antes da chegada dos portugueses e
com as que vieram após a colonização. “Após mais de dois
séculos de condição minoritária do uso do português no
Brasil em relação à língua dos nativos, só passou ela a
ser predominante a partir da segunda metade do século
XVIII, vindo a se tornar oficial em 17 de agosto de
56 SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria Estadual de Cultura.
Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br>. Acesso em 23 fev.
2014.
73
1758”57, sendo instituído um decreto do Marquês de
Pombal, que, concomitantemente, proibiu o uso da língua
geral, ainda que os falantes brasileiros já estivessem, no
século XVIII, tivesse incorporado diversas palavras de
origem indígena e africana em seu vocabulário.
Contemporaneamente, verifica-se uma maciça
movimentação no sentido de obstar a descaracterização
da língua portuguesa brasileira, uma língua constituída
pelas culturas indígenas e afro-brasileiras, tal como das
de outros grupamentos cuja manifestação se tornou
relevante no Estado Brasileiro. O fato em comento
encontra arrimo na invasão indiscriminada e
desnecessária de estrangeirismo totalmente afastados
das culturas participantes do processo civilizatório
nacional. Entendeu o Texto Constitucional, em
consequência, ser pertinente conferir tutela à língua
portuguesa brasileira, alçando ao patamar de natureza
imaterial integrante do patrimônio cultural nacional,
recebendo a contribuição não apenas das línguas
indígenas e africanas, mas também de outros idiomas,
como, por exemplo, o francês, o italiano, o espanhol e o
inglês, que contribuíram para a estruturação do idioma
57 FIORILLO, 2012, p. 468.
74
pátrio, culminando no conteúdo do artigo 13 da Carta de
Outubro de 198858.
7 ANOTAÇÕES AO INSTITUTO DO INVENTÁRIO
NACIONAL DE DIVERSIDADE LINGUÍSTICA:
BREVE PAINEL DA TUTELA JURÍDICA AO
PATRIMÔNIO CULTURAL DAS LÍNGUAS
Sensível às ponderações apresentadas até o
momento, cuida reconhecer, como manifestação robusta e
indispensável da tutela das línguas no território
nacional, o Inventário Nacional de Diversidade
Linguística como instrumento de identificação,
documentação, reconhecimento e valorização das línguas
portadoras de referência à identidade, à ação, à memória
dos múltiplos e distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Assim, em um primeiro momento, cuida
reconhecer que “o Inventário Nacional da Diversidade
Linguística e o Livro de Registro das Línguas são a
síntese de um percurso histórico de reconhecimento de
58 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014: “Art. 13.
A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do
Brasil”.
75
direitos humanos que se inicia muito antes, como
demonstra a exposição da evolução da legislação nacional
e internacional”59. Neste cenário, impende reconhecer
que a Constituição Federal de 198860 arvorou marco
nesta evolução jurídica, já que reconheceu aos povos
indígenas, pela primeira vez na história, os direitos
linguísticos e culturais, o que iria fomentar o
desenvolvimento de uma modalidade de ensino calcada
na interculturalidade, consistente no uso das línguas
maternas e participação comunitária.
“Esse ensino diferenciado hoje atende a mais de
174 mil estudantes indígenas em escolas bilíngues e/ou
multilíngues, ancorado na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) e no Plano Nacional de
Educação, regulamentado pela Resolução 03 do Conselho
Nacional de Educação”61. Contudo, o mesmo diploma que
consagrou os direitos linguísticos dos povos indígenas foi
lacunoso em relação à outras comunidades linguísticas 59 BRASIL. Ministério da Cultura. Grupo de Trabalho da
Diversidade Linguística no Brasil. Disponível em:
<www.cultura.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014, p. 05. 60 Idem. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014 61 Idem. Ministério da Cultura. Grupo de Trabalho da
Diversidade Linguística no Brasil. Disponível em:
<www.cultura.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014, p. 05.
76
brasileiras, a exemplo dos surdos e os descendentes de
imigrantes, os quais só alcançaram a percepção de seus
direitos posteriormente, por meio da organização
carecida. Ora, cuida reconhecer, em atenção à Declaração
Universal dos Direitos Linguísticos, que todas as línguas
são expressão de uma identidade coletiva e de uma
maneira distinta de perceber e de descrever a realidade,
possuindo, portanto, o poder de usufruir das condições
necessárias para o seu desenvolvimento em todas as
funções. De igual maneira, quadra explicitar que cada
língua é uma realidade constituída coletivamente e é no
seio de uma comunidade que se torna disponível para o
uso individual, manifestando a instrumentalização da
coesão, identificação, comunicação e expressão criativa.
Tecidos estes comentários, insta mencionar
que o objetivo do instituto em comento é mapear,
caracterizar, diagnosticar e assegurar visibilidade às
diferentes situações relacionadas à pluralidade
linguística brasileira, permitindo, por consequência, que
as línguas sejam objeto de políticas patrimoniais que
colaborem para sua continuidade e valorização. Aliás, tal
fito encontra-se expressamente entalhado na redação do
artigo 1º do Decreto Nº 7.387, de 09 de Dezembro de
77
201062, que institui o Inventário da Diversidade
Linguística e dá outras providências. Cuida salientar que
o escopo do instituto em exame está assentado em
permitir ao Estado e à sociedade em geral o
conhecimento e a divulgação da diversidade linguística
do país e o seu reconhecimento como patrimônio cultural.
Aludido reconhecimento e a nomeação das línguas
inventariadas, na condição de referências culturais
brasileiras, integrarão atos de efeitos positivos para a
formulação e implantação de políticas públicas, para a
valorização da diversidade linguística, para o
aprendizado dessas línguas pelas novas gerações e para o
desenvolvimento do seu uso em novos contextos.
Por inventário entende-se o formulário que
recebe os resultados da pesquisa de uma
língua, orientando a visão dos grupos de
trabalho para determinados pontos,
julgados necessários para se avaliar o
estado da língua inventariada: número de
falantes, território, grau de reprodução
intergeracional, entre outros, e de criar
planos de salvaguarda coerentes com os
resultados que se pretende alcançar. Os
inventários das várias línguas integrarão o
62 BRASIL. Decreto Nº 7.387, de 09 de Dezembro de 2010.
Institui o Inventário da Diversidade Linguística e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso
em 23 fev. 2014.
78
banco de dados denominado Inventário
Nacional da Diversidade Linguística do
Brasil63.
Trata-se, com efeito, de instância de
reconhecimento patrimonial e possibilitará
desdobramentos de salvaguarda e promoção. Ao lado
disso, cuida reconhecer que as línguas são constitutivas
da história e da cultura do Brasil, devendo, pois, serem
entendidas como referências culturais da nação, tal como
ocorre com outros bens de natureza material e imaterial.
Ora, é imprescindível salientar que a salvaguarda
jurídica das expressões linguísticas dos distintos e
multifacetados grupos étnicos que contribuíram para a
formação do povo brasileiro encontra, sobretudo na
contemporânea sistemática constitucional, tutela
jurídica, eis que materializa patrimônio cultural
imaterial de inestimável valor. Repisa-se, assim, que o
Inventário da Diversidade Linguística configura como
instrumento proeminente na tutela jurídica do
patrimônio cultural imaterial, objetivando dispensar
tratamento protetivo a bem jurídico dotado de relevância
63 BRASIL. Ministério da Cultura. Grupo de Trabalho da
Diversidade Linguística no Brasil. Disponível em:
<www.cultura.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014, p. 19.
79
e significação singular para a constituição do povo
brasileiro.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da)
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Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
_________. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000.
Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
_________. Decreto Nº 7.387, de 09 de Dezembro de
2010. Institui o Inventário da Diversidade Linguística e
dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
_________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e
artístico nacional. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
80
_________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
_________. Ministério da Cultura. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
__________. Grupo de Trabalho da Diversidade
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classificação do meio-ambiente, o seu remodelamento e a
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Paulo: Editora Saraiva, 2012.
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81
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82
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário
do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas,
Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em:
<http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 23 fev. 2014.
83
MEIO AMBIENTE CULTURAL E DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO: O USO DOS BENS AMBIENTAIS
CULTURAIS NO ECOTURISMO
Resumo: Cuida salientar que o meio ambiente
cultural é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao
lado disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o
seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira é
o resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
84
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos. Nesta toada, ao se analisar o meio
ambiente cultural, enquanto complexo macrossistema,
é perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da
sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação
seja de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico
e ambiental.
Palavras-chaves: Meio Ambiente Cultural.
Desenvolvimento Econômico. Ecoturismo.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves notas
à construção teórica do Direito Ambiental; 2
Comentários à concepção de Meio Ambiente; 3 Meio
Ambiente e Patrimônio Cultural: Aspectos
Introdutórios; 4 Tombamento Ambiental: 4.1 Conceito
e Característicos; 4.2 Natureza Jurídica; 5 Meio
Ambiente Cultural e Desenvolvimento Econômico: O
Uso dos Bens Ambientais Culturais no Ecoturismo
85
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO
AMBIENTAL
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não
mais subsiste uma visão arrimada em preceitos
estagnados e estanques, alheios às necessidades e às
diversidades sociais que passaram a contornar os
Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado,
infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável
que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em
decorrência dos anseios da população, suplantados em
uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
86
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”64. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural e robusta dependência das regras
consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo
primevo é assegurar que não haja uma vingança privada,
afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore
priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião
(“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar
que se concretize um cenário caracterizado por aspecto
caótico no seio da coletividade.
64 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 19 jan.
2014.
87
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”65. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
65 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
88
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”66. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
Julgado em 05 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 13 mar. 2014. 66 VERDAN, 2009, s.p.
89
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”67. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
67 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 19 jan. 2014.
90
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os
direitos que constituem a terceira dimensão recebem a
alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma
patente preocupação com o destino da humanidade68.
Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um
direito fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado
com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
68 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.
91
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta de 1988 que abriga
em sua redação tais pressupostos como os princípios
fundamentais do Estado Democrático de Direitos: “Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre,
justa e solidária”69.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
69 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014.
92
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível70.
Ao lado disso, cuida reconhecer que os direitos
de terceira dimensão são impregnados densamente pelo
aspecto de solidariedade e fraternidade, extrapolando o
70 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.
93
indivíduo, mas compreendendo o gênero humano como
algo singular que reclama a adoção de direitos que
salvaguardem a espécie. “Têm primeiro por destinatários
o gênero humano mesmo, num momento expressivo de
sua afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”71. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição Federal de 1988, emerge com um claro e
tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução
e concretização dos direitos fundamentais. Verifica-se,
nesta esteira, a adoção de valores calcados em
solidariedade, elevados à condição de sustentáculo da
contemporaneidade, concebendo a coletividade como algo
uno, superando o clássico pensamento individual que
tende a refletir as primeiras gerações dos direitos
humanos.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
71 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
94
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 198172,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos de
Silva, considera-se meio-ambiente como “a interação do
conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que
propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em
todas as suas formas”73.
72 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre a
Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014. 73 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São
Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.
95
Nesta senda, ainda, Fiorillo74, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
[...] o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
74 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
96
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal75.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
75 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.
97
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”76.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 198877 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
76 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 77 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
98
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras [...] tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade78.
78 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
99
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.
100
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
101
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
102
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
Em tom de arremate, é possível destacar que a
incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresarias nem manter
dependência de motivações de âmago essencialmente
econômico, notadamente quando estiver presente a
atividade econômica, considerada as ordenanças
constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros
corolários, subordinadas ao preceito que privilegia a
defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e
abrangente das noções de meio ambiente natural, de
meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial
(espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário
103
do desenvolvimento sustentável, além de estar
impregnando de aspecto essencialmente constitucional,
encontra guarida legitimadora em compromissos e
tratados internacionais assumidos pelo Estado
Brasileiro, os quais representam fator de obtenção do
justo equilíbrio
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Em sede de comentários introdutórios, cuida
salientar que o meio ambiente cultural é constituído por
bens culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que
a cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada pela
natureza, como localização geográfica e clima. Com
efeito, o meio ambiente cultural decorre de uma intensa
interação entre homem e natureza, porquanto aquele
constrói o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
104
conformadas pela sua cultural. “A cultura brasileira é o
resultado daquilo que era próprio das populações
tradicionais indígenas e das transformações trazidas
pelos diversos grupos colonizadores e escravos
africanos”79. Desta maneira, a proteção do patrimônio
cultural se revela como instrumento robusto da
sobrevivência da própria sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
79 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 19 jan. 2014, p.
15-16.
105
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”80. Quadra anotar, por imperioso, que os bens
compreendidos pelo patrimônio cultural compreendem
tanto realizações antrópicas como obras da Natureza;
preciosidades do passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
80 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
106
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
107
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”81. Esses aspectos
81 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
108
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. “O patrimônio cultural imaterial
transmite-se de geração a geração e é constantemente
recriado pelas comunidades e grupos em função de seu
ambiente”82, decorrendo, com destaque, da interação com
a natureza e dos acontecimentos históricos que
permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de 200083,
que institui o registro de bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
outras providências, consiste em instrumento efetivo
para a preservação dos bens imateriais que integram o
meio-ambiente cultural. Como bem aponta Brollo84, em
seu magistério, o aludido decreto não instituiu apenas o
registro de bens culturais de natureza imaterial que
integram o patrimônio cultural brasileiro, mas também
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 19 jan.
2014. 82 BROLLO, 2006, p. 33. 83 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014. 84 BROLLO, 2006, p. 33.
109
estruturou uma política de inventariança,
referenciamento e valorização desse patrimônio.
Ejeta-se, segundo o entendimento firmado por
Fiorillo85, que os bens que constituem o denominado
patrimônio cultural consistem na materialização da
história de um povo, de todo o caminho de sua formação e
reafirmação de seus valores culturais, os quais têm o
condão de substancializar a identidade e a cidadania dos
indivíduos insertos em uma determinada comunidade.
Necessário se faz salientar que o meio-ambiente cultural,
conquanto seja artificial, difere-se do meio-ambiente
humano em razão do aspecto cultural que o caracteriza,
sendo dotado de valor especial, notadamente em
decorrência de produzir um sentimento de identidade no
grupo em que se encontra inserido, bem como é
propiciada a constante evolução fomentada pela atenção
à diversidade e à criatividade humana.
4 TOMBAMENTO AMBIENTAL
4.1 Conceito e Característicos
Em uma primeira plana, cuida salientar que o
tombamento se apresenta como um dos instrumentos
85 FIORILLO, 2012, p. 80.
110
utilizáveis, pelo Poder Público, com o escopo de se tutelar
e proteger o patrimônio cultural brasileiro. Neste
sentido, já firmou entendimento o Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais que “o tombamento é ato
administrativo que visa à preservação do patrimônio
histórico, artístico ou cultural das cidades, de modo a
impedir a destruição ou descaracterização de bem a que
for atribuído valor histórico ou arquitetônico”86. Fiorillo
anuncia, com bastante propriedade, que “dizemos
tombamento ambiental, porquanto este instituto tem a
finalidade de tutelar um bem de natureza difusa, que é o
bem cultural”87. Desta sorte, a utilização do tombamento
como mecanismo de preservação e proteção do
patrimônio cultural brasileiro permite o acesso de todos à
86 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0069.08.023127-2/001. Administrativo - Tombamento - Entes
Federados - Dever - Inteligência do art. 23, IV, da Constituição da
República. O tombamento é ato administrativo que visa à
preservação do patrimônio histórico, artístico ou cultural das
cidades, de modo a impedir a destruição ou descaracterização de bem
a que for atribuído valor histórico ou arquitetônico. De se ressaltar
que referido ato, segundo o disposto no art. 23, IV, da Constituição
da República, é dever imposto a todos os entes federados. Órgão
Julgador: Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Antônio
Hélio Silva. Julgador em 18.09.2008. Publicado em 29.09.2008.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014. 87 FIORILLO, 2012, p. 428-429.
111
cultura, substancializando verdadeiro instrumento de
tutela do meio ambiente.
Com realce, o instituto em comento se revela,
em sede de direito administrativo, como um dos
instrumentos criados pelo legislador para combater a
deterioração do patrimônio cultural de um povo,
apresentando, em razão disso, maciça relevância no
cenário atual, notadamente em decorrência dos bens
tombados encerrarem períodos da história nacional ou,
mesmo, refletir os aspectos característicos e
identificadores de uma comunidade. À luz de tais
ponderações, é observável que a intervenção do Ente
Estatal tem o escopo de proteger o patrimônio cultural,
busca preservar a memória nacional. Ao lado disso, o
tombamento permite que o aspecto histórico seja
salvaguardado, eis que constitui parte da própria cultura
do povo e representa a fonte sociológica de identificação
de vários fenômenos sociais, políticos e econômicos
existentes na atualidade. “A escolha do bem de
patrimônio cultural que será tombado com precedência
112
aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e
oportunidade, e não é passível de análise judicial”88.
Desta feita, o proprietário não pode, em nome
de interesses particulares, usar ou fruir de maneira livre
seus bens, se estes se traduzem em interesse público por
atrelados a fatores de ordem histórica, artística, cultural,
científica, turística e paisagística. “São esses bens que,
embora permanecendo na propriedade do particular,
passam a ser protegidos pelo Poder Público, que, para
esse fim, impõe algumas restrições quanto a seu uso pelo
proprietário”89. Os exemplos de bens a serem tombados
88 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação
Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da
Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é
ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial
quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de
acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da
Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a
Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário
indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os
demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será
tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de
conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.
Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda
Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.
Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso
em 19 jan. 2014. 89 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2011, p. 734.
113
são extremamente variados, sendo os mais comuns os
imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas
na história pátria, dos quais podem os estudiosos e
pesquisadores extrair diversos meios de conhecimento do
passado e desenvolver outros estudos com vistas a
proliferar a cultura do país. Além disso, é possível
evidenciar que é corriqueiro o tombamento de bairros ou
até mesmo cidades, quando retratam aspectos culturais
do passado. Com o escopo de ilustrar o expendido, mister
se faz colacionar os arestos jurisprudenciais que acenam:
Ementa: Direito Constitucional - Direito
Administrativo - Apelação - Preliminar de
não conhecimento - Inovação Recursal -
Ausência de Documentos Indispensáveis
para propositura da Ação - Não
Configuração - Pedido de Assistência
Judiciária - Indeferimento - Ação Civil
Pública - Dano ao Patrimônio Histórico e
Cultural - Edificação em imóvel localizado
no Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto -
Tombamento - Aprovação do IPHAN -
Inexistência. [...] - O Município de Ouro
Preto foi erigido a Monumento Nacional
pelo decreto nº. 22.928, de 12/06/33, e
inscrito pela UNESCO na lista do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural em
21/09/80, e a cidade teve todo o seu
Conjunto Arquitetônico tombado. Trata-se
de fato notório, conhecido pela apelante e
por qualquer pessoa, de forma que não se
pode afirmar que o processo de tombamento
do Conjunto Arquitetônico do referido
114
Município seja um documento indispensável
para a propositura da presente ação civil
pública. - O imóvel que faz parte do
Conjunto Arquitetônico de Ouro Preto, e
integra o Patrimônio Mundial, Cultural e
Natural da cidade, deve ser conservado por
seu proprietário, e qualquer obra de reparo
de tal bem deve ser precedida de
autorização do IPHAN, sob pena de
demolição. (Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais – Quarta Câmara Cível/
Apelação Cível 1.0461.03.010271-3/001/
Relator: Desembargador Moreira Diniz/
Julgado em 12.06.2008/ Publicado em
26.06.2008).
Ementa: Ação popular. Instalação de
quiosques no entorno de praças municipais.
Tombamento preservado. Inocorrência de
ofensa ao patrimônio ambiental cultural. O
fato de as praças municipais serem
tombadas, como partes do Patrimônio
Histórico e Cultural do Município de
Paraisópolis, não podendo,
consequentemente, serem ocupadas ou
restringidas em sua área, para outras
finalidades (Lei Municipal n. 1. 218/89) não
impede a instalação, ao arredor delas, de
quiosques de alimentação, porquanto o
tombamento se limitou às praças, e não ao
entorno delas. Assim, não há ofensa ao
patrimônio ambiental cultural. A instalação
dos referidos quiosques não configura abalo
de ordem ambiental, visto que não houve
lesão aos recursos ambientais, com
consequente degradação - alteração adversa
- do equilíbrio ecológico do local. (Tribunal
de Justiça do Estado de Minas Gerais –
Quinta Câmara Cível/ Apelação
Cível/Reexame Necessário N°
1.0473.03.000617-4/001/ Relatora:
115
Desembargadora Maria Elza/ Julgado em
03.03.2005/ Publicado em 01.04.2005).
É verificável que a proteção dos bens de
interesse cultural encontra respaldo na Constituição da
República Federativa do Brasil90, que impõe ao Estado o
dever de garantir a todos o exercício de direitos culturais
e o acesso às fontes da cultura nacional. “Por outro lado,
nela se define o patrimônio cultural brasileiro, composto
de bens materiais e imateriais necessários à exata
compreensão dos vários aspectos ligados os grupos
formadores da sociedade brasileira”91. O Constituinte, ao
insculpir, a redação do §1° do artigo 216 da Carta de
Outubro estabeleceu que o Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento e preservação.
“Independentemente do tombamento, o patrimônio
cultural e histórico merece proteção, e, neste caso, ainda
que precária - até definitiva solução da questão em exame
90 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014 91 CARVALHO FILHO, 2011, p. 735.
116
- essa proteção, se não for dada, inviabilizará qualquer
ação futura, pois a demolição é irreversível”92.
Resta patentemente demonstrado que o
tombamento é uma das múltiplas formas utilizadas na
proteção do patrimônio cultural brasileiro. Como bem
anota Meirelles, “tombamento é a declaração do Poder
Público do valor histórico, artísticos, paisagístico,
turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por
essa razão, devam ser preservados, de acordo com a
inscrição em livro próprio”93. O tombamento é um dos
institutos que têm por objeto a tutela do patrimônio
histórico e artístico nacional, que implica na restrição
parcial do imóvel, conforme se verifica pela legislação
que o disciplina. Ao lado disso, com o escopo de explicitar
92 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais. Acórdão proferido em Agravo de Instrumento
1.0183.06.120771-2/001. Constitucional e Administrativo - Ação Civil
Pública - Liminar - Imóvel de Valor Histórico e Cultural, objeto de
pedido de tombamento - Demolição - Impossibilidade. -
Independentemente do tombamento, o patrimônio cultural e
histórico merece proteção, e, neste caso, ainda que precária -- até
definitiva solução da questão em exame -- essa proteção, se não for
dada, inviabilizará qualquer ação futura, pois a demolição é
irreversível. Todas as formas de acautelamento e preservação podem
ser tomadas pelo Judiciário, na sua função geral de cautela (arts. 23,
III e IV; 30, I e IX, e 216, §1º, da Constituição Federal). Órgão
Julgador: Sétima Câmara Cível. Relator: Desembargador Wander
Marotta. Julgador em 15.05.2007. Publicado em 29.05.2007.
Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.
93 MEIRELLES, 2012, p. 635.
117
a proeminente natureza do instituto em comento, é
possível transcrever os arestos que se coadunam com as
ponderações estruturadas até o momento:
Ementa: Constitucional e Administrativo.
Mandado de segurança. Imóvel. Valor
histórico e cultural. Declaração. Município.
Tombamento. Ordem de demolição.
Inviabilidade. São deveres do Poder público,
nos termos dos arts. 23, III e IV; 30, I e IX e
216, §1º, da Constituição Federal, promover
e proteger o patrimônio cultural, artístico e
histórico, por meio de tombamento e de
outras formas de acautelamento e
preservação, bem como impedir a evasão, a
destruição e a descaracterização de bens de
valor histórico, artístico e cultural.
Demonstrada, no curso do mandado de
segurança, a conclusão do procedimento
administrativo de tombamento do imóvel,
com declaração do seu valor histórico e
cultural pelo Município, inviável a
concessão de ordem para sua demolição.
Rejeita-se a preliminar e nega-se
provimento ao recurso. (Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais – Quarta
Câmara Cível/ Apelação Cível
1.0702.02.010330-6/001/ Relator:
Desembargador Almeida Melo/ Julgado em
15.04.2004/ Publicado em 18.05.2004).
Ementa: Tombamento - Patrimônio
Histórico e Cultural - Imóvel reputado de
valor histórico pelo município onde se
localiza - Competência Constitucional dele
para aferi-lo e tombá-lo. Nada impede que o
Município, mediante tombamento, preserve
imóvel nele situado e que considere de valor
118
histórico-cultural, ""ex vi"" do art. 23, inciso
III, da Lei Fundamental da República, que
a ele - Município, atribui a competência
para fazê-lo. Ademais, a cada comunidade,
com seus hábitos e culturas próprios, cabe
aferir, atendidas as peculiaridades locais,
acerca do valor histórico-cultural de seu
patrimônio, com o escopo, inclusive, de
também preservá-lo. (Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais – Quarta Câmara
Cível/ Embargos Infringentes
1.0000.00.230571-2/001/ Relator:
Desembargador Hyparco Immesi/ Julgado
em 09.10.2003/ Publicado em 03.02.2004)
O diploma infraconstitucional que versa acerca
do tombamento é o Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro
de 193794, que organiza a proteção do patrimônio
histórico e artístico nacional, trazendo à baila as
disposições elementares e a fisionomia jurídica do
instituto do tombamento, inclusive no que toca aos
registros dos bens tombados. Sobreleva anotar que o
diploma ora aludido traça tão somente as disposições
gerais aplicáveis ao fato jurídico– administrativo do
tombamento. Entrementes, este se consumará por meio
de atos administrativos específicos, destinados a
94 BRASIL. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de 1937.
Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan.
2014.
119
propriedades determinadas, atento às particularidades e
peculiaridades do bem a ser tombado.
4.2 Natureza Jurídica
Acalorados são os debates que discutem a
natureza jurídica do instituto do tombamento,
entretanto, a doutrina mais abaliza sustenta que se trata
de instrumento especial de intervenção restritiva do
Estado na propriedade privada95, dotado de fisionomia
própria e impassível de confusão com as demais espécies
de intervenção. Afora isso, apresenta natureza concreta e
específica, motivo pelo qual, diversamente das limitações
administrativas, se apresenta como uma restrição ao uso
da propriedade. Neste alamiré, é forçoso frisar que a
natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar
como meio de intervenção do Estado, consistente na
restrição ao uso de propriedades determinadas.
No que se refere à natureza do ato, em que
pesem às ponderações que orbitam acerca de ser ele
vinculado ou discricionário, cuida fazer uma clara
distinção quanto à natureza do ato e quanto aos motivos
do ato. Sob o aspecto de que o tombamento deve
95 Neste sentido: CARVALHO FILHO, 2011, p. 738.
120
apresentar como pressuposto a defesa do patrimônio
cultural, o ato se revela como sendo vinculado, porquanto
o autor do ato não pode praticá-lo ostentando motivo
distinto. Desta sorte, o ato está vinculado à razão nele
constante. Entrementes, no que concerne à valoração da
qualificação do bem como de natureza histórica, artística,
cultural, paisagística, etc. e da necessidade de sua
proteção, o ato é discricionário, eis que essa avaliação é
privativa da Administração. “A escolha do bem de
patrimônio cultural que será tombado com precedência
aos demais se relaciona com o juízo de conveniência e
oportunidade, e não é passível de análise judicial”96.
96 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul. Acórdão proferido em Apelação
Cível N° 70033392853. Ação civil publica. Tombamento. Cassino da
Maroca. Omissão administrativa. Inocorrência. 1. O tombamento é
ato administrativo discricionário, sendo passível de controle judicial
quanto à legalidade. 2. Existentes 35 bens de valor cultural, de
acordo com Inventário elaborado pela Faculdade de Arquitetura da
Fundação Universidade de Passo Fundo, em convênio com a
Administração do Município, não compete ao Poder Judiciário
indicar qual deles deverá ser tombado com precedência sobre os
demais. 3. A escolha do bem de patrimônio cultural que será
tombado com precedência aos demais se relaciona com o juízo de
conveniência e oportunidade, e não é passível de análise judicial.
Apelação a que se nega provimento. Órgão Julgador: Segunda
Câmara Cível. Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar.
Julgador em 10.11.2010. Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso
em 19 jan. 2014.
121
Assente é o entendimento jurisprudencial que sedimenta
as ponderações vertidas até o momento:
Ementa: Mandado de Segurança -
Tombamento de bem imóvel - Ilegitimidade
ativa - Constituição há menos de um ano -
Artigo 5º, LXX, alínea „b' da Constituição
Federal - Poder discricionário da
Administração para decretar o tombamento
- Processo extinto - Art. 267, VI do CPC. [...]
. O tombamento de prédio considerado de
interesse histórico, artístico ou cultural, é
ato discricionário do Administrador, sendo
descabida a intervenção do Poder Judiciário
no processo de tombamento, quando não
demonstrada a ilegalidade do mesmo. Apelo
improvido. (Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/
Apelação Cível 1.0145.03.094392-5/003/
Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/
Julgado em 14.12.2004/ Publicado em
30.12.2004).
Ementa: Agravo. Liminar em mandado de
segurança. Tombamento de bem imóvel. O
poder discricionário da autoridade
administrativa vale, na medida em que o
ordenamento jurídico concede ao
administrador a prerrogativa de agir
movido pelos critérios de oportunidade e
conveniência, sopesados com parcimônia
para que o fim último seja alcançado.
Descabimento da intervenção do Judiciário
no processo de tombamento, indemonstrada,
""prima facia"", irregularidade no mesmo.
Agravo provido, para cassar a liminar.
(Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de
Instrumento 1.0145.03.094392-5/001/
122
Relator: Desembargador Jarbas Ladeira/
Julgado em 03.02.2004/ Publicado em
20.02.2004).
Da mesma forma, é cabível, ainda, a
observação de que o tombamento constitui um ato
administrativo, sendo imperioso, por via de
consequência, que apresente todos os elementos
necessários para materializar a moldura de legalidade. O
tombamento, enquanto instituto do direito
administrativo, não acarreta a produção de todo um
procedimento; ao contrário, é efetivamente um ato só, um
ato administrativo único. O que ocorre é que aludido ato
resulta necessariamente de procedimento administrativo
e corresponde ao desfecho de toda a sua tramitação.
Assim, o ato não pode ser perpetrado em uma única ação,
ao revés, reclama todo um sucedâneo de formalidades
prévias.
5 MEIO AMBIENTE CULTURAL E
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O USO DOS
BENS AMBIENTAIS CULTURAIS NO
ECOTURISMO
123
Inicialmente, quadra salientar que o corolário
do desenvolvimento sustentável se apresenta como um
dos robustos arrimos da tábua principiológica ostentada
pela ramificação ambiental do Direito. Trata-se, com
efeito, de preceito que busca dialogar e harmonizar
vertentes distintas, cada qual dotada de complexidade,
quais sejam: o crescimento econômico, a preservação
ambiental e a equidade social. Nesta esteira de
exposição, “importa frisar que o desenvolvimento somente
pode ser considerado sustentável quando as três vertentes
acima relacionadas sejam efetivamente respeitadas de
forma simultânea”97, como bem afiança Romeu Thomé.
Quadra pontuar que o ideário de desenvolvimento
socioeconômico em consonância com a preservação
ambiental tem seu sedimento na Conferência Mundial de
Meio Ambiente98, realizada, em 1972, em Estocolmo, que
se apresenta como verdadeiro marco histórico da
discussão dos problemas ambientais.
É verificável, ainda, que o corolário em tela
encontra respaldo na redação do artigo 225 da
97 THOMÉ, 2012, p. 58.
98 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano. Disponível em: <http://www.onu.org.br>. Acesso em 19
jan. 2014.
124
Constituição da República Federativa do Brasil de
198899, notadamente quando dicciona que é imposição ao
Poder Público e de toda a coletividade defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
“Constata-se que os recursos ambientais não são
inesgotáveis, tornando-se inadmissível que as atividades
econômicas desenvolvam-se alheias a esse fato”100. Desta
feita, é observável que o núcleo sensível do corolário do
desenvolvimento sustentável está alicerçado na
coexistência harmônica entre economia e meio ambiente,
sendo permitido o desenvolvimento, contudo, de maneira
planejada e sustentável, a fim de evitar que os recursos
existentes não se esgotem ou mesmo se tornem inócuos.
Insta anotar, inclusive, que tais ponderações encontram
identificação nos princípios segundo, quarto e quinto da
Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente Humano, consoante se extrai:
99 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 19 jan. 2014: “Art. 225.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
100 FIORILLO, 2012, p. 87.
125
Princípio 2: Os recursos naturais da terra
incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a
fauna e especialmente amostras
representativas dos ecossistemas naturais
devem ser preservados em benefício das
gerações presentes e futuras, mediante uma
cuidadosa planificação ou ordenamento.
Princípio 4: O homem tem a
responsabilidade especial de preservar e
administrar judiciosamente o patrimônio da
flora e da fauna silvestres e seu habitat, que
se encontram atualmente, em grave perigo,
devido a uma combinação de fatores
adversos. Consequentemente, ao planificar
o desenvolvimento econômico deve-se
atribuir importância à conservação da
natureza, incluídas a flora e a fauna
silvestres.
Princípio 5: Os recursos não renováveis da
terra devem empregar-se de forma que se
evite o perigo de seu futuro esgotamento e
se assegure que toda a humanidade
compartilhe dos benefícios de sua
utilização101.
Sobreleva frisar, deste modo, que o princípio do
desenvolvimento sustentável agasalha a manutenção das
bases vitais da produção e produção do homem e de suas
atividades, assegurando, de igual forma, uma relação
101 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano. Disponível em: <http://www.onu.org.br>. Acesso em 19
jan. 2014.
126
satisfatória entre os homens e destes com o seu meio
ambiente, com o escopo de que as futuras gerações
também tenham a oportunidade de utilizar os mesmos
recursos existentes. Romeu Thomé pontua, em seu
magistério, que “as gerações presentes devem buscar o seu
bem-estar através do crescimento econômico e social, mas
sem comprometer os recursos naturais fundamentais
para a qualidade de vida das gerações subsequentes”102.
Ora, o desenvolvimento sustentável resta
consubstanciado quando faz face às necessidades das
gerações sem que haja comprometimento da capacidade
das gerações futuras na satisfação de suas próprias
carências. A Ministra Carmem Lúcia, ao relatoriar a
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
Nº 101/DF, no tocante ao dogma em apreço, manifestou
que desenvolvimento sustentável é “crescimento
econômico com garantia paralela e superiormente
respeitada da saúde da população, cujos direitos devem
ser observados em face das necessidades atuais e
daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e
respeito às gerações futuras”103.
102 THOMÉ, 2012, p. 59.
103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº 101/DF.
127
A Constituição Federal adotou o princípio do
desenvolvimento sustentável, segundo o qual a
preservação do meio ambiente ecologicamente
equilibrado é necessária à manutenção da capacidade
produtiva e à própria sobrevivência do ser humano,
implicando no estabelecimento de limites ao exercício das
atividades econômicas que geram transformação ou
degradação dos recursos naturais. Impende destacar,
ainda, com grossos traços e cores quentes, que a
atividade econômica não pode ser exercida em desacordo
com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção
do meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente,
com realce, não pode ser embaraçada por interesses
empresariais nem ficar dependente de motivações de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Adequação.
Observância do princípio da subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da
Constituição da República. Constitucionalidade de atos normativos
proibitivos da importação de pneus usados. Reciclagem de pneus
usados: Ausência de eliminação total de seus efeitos nocivos à saúde
e ao meio ambiente equilibrado. Afronta aos princípios
constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Coisa julgada com conteúdo executado ou exaurido:
Impossibilidade de alteração. Decisões judiciais com conteúdo
indeterminado no tempo: Proibição de novos efeitos a partir do
julgamento. Arguição julgada parcialmente procedente. Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental julgada parcialmente
procedente. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relatora: Ministra
Cármem Lúcia. Julgado em 24.06.2009. Publicado no 04.06.2012, p.
00001. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 19 jan. 2014.
128
âmago essencialmente econômico, ainda mais quando a
atividade econômica, em razão da disciplina
constitucional, estiver subordinada a um sucedâneo de
corolários, notadamente àquele que privilegia a defesa do
meio ambiente, o qual abarca o conceito amplo e
abrangente de noções atreladas ao meio ambiente em
suas múltiplas manifestações, quais sejam: o meio
ambiente natural, meio ambiente cultural, meio
ambiente artificial e meio ambiente do trabalho (ou
laboral).
Verifica-se, assim, que os instrumentos
jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional
objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente,
para que não se alterem as propriedades e os atributos
que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável
comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho
e bem-estar da população, além de causar graves danos
ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em
seu aspecto físico ou natural. Com perfeita consonância
com as ponderações aventadas, até o momento, cuida
transcrever o robusto escólio apresentado pelo Ministro
Celso de Mello, ao relatoriar a Medida Cautelar na Ação
Direta de Inconstitucionalidade Nº. 3.540/DF, em
129
especial quando destaca que:
Concluo o meu voto: atento à circunstância
de que existe um permanente estado de
tensão entre o imperativo de
desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II),
de um lado, e a necessidade de preservação
da integridade do meio ambiente (CF, art.
225), de outro, torna-se essencial reconhecer
que a superação desse antagonismo, que
opõe valores constitucionais relevantes,
dependerá da ponderação concreta, em cada
caso ocorrente, dos interesses e direitos
postos em situação de conflito, em ordem a
harmonizá-los e a impedir que se aniquilem
reciprocamente, tendo-se como vetor
interpretativo, para efeito da obtenção de
um mais justo e perfeito equilíbrio entre as
exigências da economia e as da ecologia, o
princípio do desenvolvimento sustentável,
tal como formulado nas conferência
internacionais […] e reconhecido em
valiosos estudos doutrinários que lhe
destacam o caráter eminentemente
constitucional […]104.
104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº.
3.540/DF. Meio Ambiente – Direito à preservação de sua integridade
(CF, art. 225) – Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade – Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade – Necessidade
de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio
da coletividade, conflitos intergeneracionais – Espaços territoriais
especialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III) – Alteração e
supressão do regime jurídico a eles pertinente – Medidas sujeitas ao
princípio constitucional da reserva de lei – Supressão de vegetação
em área de preservação permanente – Possibilidade de a
Administração Pública, cumpridas as exigências legais, autorizar,
licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais
130
Prima, ainda, sublinhar que a compreensão do
baldrame do desenvolvimento sustentável reclama a sua
contextualização histórica, a fim de realçar a incidência
de seus feixes principiológicos, porquanto, como é cediço,
o liberalismo tornou-se um sistema inoperante diante do
fenômeno da revolução das massas. “Em face da
transformação sociopolítica-econômica-tecnológica,
percebeu-se a necessidade de um modelo estatal
intervencionista com a finalidade de reequilibrar o
mercado econômico”105. Infere-se, desta sorte, a acepção
conceitual do desenvolvimento, estruturados em um
Estado de concepção liberal, modificaram-se, porquanto
não mais encontravam arrimo na sociedade moderna.
protegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos
atributos justificadores do regime de proteção especial – Relações
entre economia (CF, art. 3º, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF, art.
225) - Colisão de direitos fundamentais - Critérios de superação
desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes - Os
direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou
dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161) - A questão da
precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma
limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art.
170, VI) – Decisão não referendada - Consequente indeferimento do
pedido de medida cautelar. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro. Celso de Mello. Julgado em 01.09.2005. Publicado no DJe
em 03.02.2006, p. 00014. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso
em 19 jan. 2014. 105 FIORILLO, 2012, p. 88.
131
Ora, salta aos olhos que se passou a vindicar um papel
ativo do Ente Estatal, precipuamente no que se refere ais
valores ambientais, concedendo outra noção de conceito
de desenvolvimento. Conferindo o realce que o preceito
em testilha reclama, o Ministro Ari Pargendler, ao
relatoriar o Agravo Regimental na Suspensão de Liminar
e de Sentença Nº. 1.448/MA, manifestou-se no sentido
que:
[…] Não é cabível a suspensão de decisão
judicial que determinou a suspensão de
incentivos e benefícios fiscais concedidos
pelo Poder Público a empresa privada que
descumpriu continuamente normas
ambientais na hipótese em que tal pedido é
feito pelo Estado, sob a alegação de que tal
decisão acarreta lesão à ordem
administrativa e econômica estadual,
consubstanciada na perda de empregos
diretos e de arrecadação tributária
propiciados pela empresa, pois a suspensão
dos incentivos fiscais pode repercutir na
economia estadual apenas de modo indireto,
não podendo o Estado defender interesse
econômico de empresa privada, sendo que o
interesse público primário a ser protegido é
justamente o tutelado pela decisão judicial
impugnada que é a proteção ao meio
ambiente e a promoção do desenvolvimento
econômico sustentável106.
106 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido
em Agravo Regimental na Suspensão de Liminar e de Sentença Nº.
1.448/MA. Pedido de Suspensão de Medida Liminar. Suspensão de
132
A proteção do meio ambiente e o fenômeno
desenvolvimentista, sendo arrimado na livra iniciativa,
passaram a constituir um objetivo comum, pressupondo
a confluência dos escopos das políticas de
desenvolvimento econômico, social, cultural e de proteção
ambiental. Trata-se, com efeito, da concatenação de
elementos que enfatizam “a necessidade de mais
crescimento econômico, mas com formas, conteúdos e usos
sociais completamente modificados, com uma orientação
no sentido das necessidades das pessoas”107,
materializada por meio da distribuição equitativa de
renda e de técnicas de produção adequadas à preservação
dos recursos. Ademais, não se pode olvidar que a
conquista de um ponto de equilíbrio entre o
desenvolvimento social, o crescimento econômico e a
utilização dos recursos naturais carecem de um
adequado planejamento territorial que considere os
incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público. A lesão
de que trata a Lei nº 8.437, de 1992 é aquela que resulta
diretamente da decisão judicial. Na espécie, quem, de fato, sofre
imediatamente os efeitos da decisão sub judice é empresa que não
tem legitimidade para pedir a respectiva suspensão. Agravo
regimental não provido. Órgão Julgador: Corte Especial. Relator:
Ministro Ari Pargendler. Julgado em 05.12.2011. Publicado no DJe
em 29.02.2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 19 jan.
2014. 107 THOMÉ, 2012, p. 59.
133
limites estabelecidos pela sustentabilidade. Como bem
alardeia o articulista Vianna, “o princípio do
desenvolvimento sustentável colima compatibilizar a
atuação da economia com a preservação do equilíbrio
ecológico”108.
É perceptível, desta maneira, que o corolário
em comento passou a gozar de robusta importância, eis
que numa sociedade desregrada, despida de parâmetros
de livre concorrência e iniciativa, o caminho inexorável
para uma situação ambiental caótica se revela como uma
certeza. “Não há dúvida de que o desenvolvimento
econômico também é um valor precioso da sociedade.
Todavia, a preservação ambiental e o desenvolvimento
econômico devem coexistir, de modo que aquela não
acarrete a anulação deste”109, como bem explicita Fiorillo.
Aprouve ao Constituinte de 1988 afixar que as atividades
econômicas mereciam um tratamento novo, em
consonância com os anseios e modificações apresentados.
Nesta toada, a preservação ambiental passou a figurar
108 VIANNA, José Ricardo Alvarez. O Direito Ambiental e o
princípio do desenvolvimento sustentável. Jus Navigandi,
Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2974>. Acesso em 19
jan. 2014.
109 FIORILLO, 2012, p. 94.
134
como a flâmula norteadora, eis que a contínua
degradação acarretaria a diminuição da capacidade
econômica do País.
Com efeito, conforme estruturado no decorrer
do presente, o meio ambiente cultural se materializa no
plano jurídico em razão da existência de bens ambientais
considerados constitucionalmente patrimônio cultural
brasileiro, encontrando como arrimo legislativo o artigo
216 da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988. Deste modo, cuida reiterar que “todo bem,
material ou imaterial, vinculado com a identidade, a
ação e a memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira integra a categoria de bem
ambiental”110, assumindo, em consequência disso,
natureza jurídica difusa, sendo sempre passível de
proteção jurídica. Logo, o patrimônio cultural, como bem
de uso comum do povo, poderá ser usado em proveito do
ecoturismo desde que sejam observados os balizamentos
constitucionais indicados, de maneira taxativa, no Texto
Constitucional.
Nesta trilha, torna-se evidente a
imprescindibilidade da realização, por parte daqueles
110 FIORILLO, 2012, p. 799.
135
empreendedores, os quais busquem conciliar a utilização
do patrimônio cultural e o desenvolvimento econômico,
em proveito da obtenção de lucro, a estruturação do
estudo prévio de impacto ambiental, em consonância com
o acinzelado no artigo 225, §1º, da Constituição de 1988 a
ser exigido pelo Poder Público na proporção em que cuida
o ecoturismo de atividade econômica, a qual poderá
desencadear significativa degradação do meio ambiente
cultural. O estudo prévio de impacto ambiental deverá,
por via de consequência, ser exigido daqueles que
pretendem usar os bens ambientais em proveito de lucro
em face dos naturais impactos provocados pelo
ecoturismo como turismo de massa. Ora, ruídos,
desgastes dos caminhos e trilhas, agressão à paisagem e
à vegetação, erosão das praias e encostas, efluentes,
poluição do a e da água, danos em áreas residenciais,
intensificação do tráfego nas rodovias, ferrovias e
aeroportos, barragens, vandalismo, intromissões no
cotidiano das localidades são algumas hipóteses que
ocorrem com o ecoturismo como atividade desenvolvida
para grande número de consumidores em busca de lazer,
sendo necessária a adoção de mecanismos que promovam
o diálogo entre o desenvolvimento e a preservação
136
ambiental.
REFERÊNCIA:
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fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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137
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Acesso em 19 jan. 2014.
139
AS CASAS DO PATRIMÔNIO COMO INSTRUMENTOS
DE PROMOÇÃO DA SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO
CULTURAL: SINGELAS TESSITURAS
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise das Casas de Patrimônio como
instrumentos de promoção da salvaguarda do
patrimônio cultural. Cuida salientar que o meio
ambiente cultural é constituído por bens culturais,
cuja acepção compreende aqueles que possuem
valor histórico, artístico, paisagístico, arqueológico,
espeleológico, fossilífero, turístico, científico,
refletindo as características de uma determinada
sociedade. Ao lado disso, quadra anotar que a
cultura identifica as sociedades humanas, sendo
formada pela história e maciçamente influenciada
pela natureza, como localização geográfica e clima.
Com efeito, o meio ambiente cultural decorre de
uma intensa interação entre homem e natureza,
porquanto aquele constrói o seu meio, e toda sua
atividade e percepção são conformadas pela sua
cultural. A cultura brasileira é o resultado daquilo
140
que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos
diversos grupos colonizadores e escravos africanos.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e
imateriais portadores de referência à memória, à
ação e à identidade dos distintos grupos formadores
da sociedade brasileira. O conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja
conservação seja de interesse público, por sua
vinculação a fatos memoráveis da História pátria
ou por seu excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Tutela
Jurídica. Casas do Patrimônio.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica da Ramificação
Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção
de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 As Casas do
Patrimônio como instrumentos de Promoção da
Salvaguardado Patrimônio Cultural: Singelas
Tessituras
141
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
142
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”111. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
111 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 29
mar. 2015, s.p.
143
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”112. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
112 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
144
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”113. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
29 mar. 2015. 113 VERDAN, 2009, s.p.
145
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”114. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
114 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 29 mar. 2015.
146
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade115·. Ora, daí
se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
115 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.
147
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”116.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os
direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos,
genericamente, e de modo difuso, a todos os
integrantes dos agrupamentos sociais,
116 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015.
148
consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos
denominados direitos de quarta geração
(como o direito ao desenvolvimento e o
direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível117.
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
117 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 29 mar. 2015.
149
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”118. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
118 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
150
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981119,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”120.
119 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015. 120 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20.
151
Nesta senda, ainda, Fiorillo121, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
121 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
152
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal122.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 29 mar.
2015.
153
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”123.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988124 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
123 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 124 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
154
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade125.
125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
155
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 29 mar. 2015.
156
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga mones, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
157
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
158
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
159
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”126. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
126 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 29 mar. 2015, p.
15-16.
160
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”127. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
127 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
161
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
162
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”128. Esses aspectos
128 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
163
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”129, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000130, que institui o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências, consiste em
instrumento efetivo para a preservação dos bens
imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 29 mar.
2015. 129 BROLLO, 2006, p. 33. 130 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015.
164
bem aponta Brollo131, em seu magistério, o aludido
decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais
de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política
de inventariança, referenciamento e valorização desse
patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado
por Celso Fiorillo132, que os bens que constituem o
denominado patrimônio cultural consistem na
materialização da história de um povo, de todo o caminho
de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,
os quais têm o condão de substancializar a identidade e a
cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada
comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-
ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do
meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que
o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento
de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem
como é propiciada a constante evolução fomentada pela
atenção à diversidade e à criatividade humana.
131 BROLLO, 2006, p. 33. 132 FIORILLO, 2012, p. 80.
165
4 AS CASAS DO PATRIMÔNIO COMO
INSTRUMENTOS DE PROMOÇÃO DA
SALVAGUARDADO PATRIMÔNIO CULTURAL:
SINGELAS TESSITURAS
Em um primeiro arrazoado, s Casas do
Patrimônio têm o intuito de ampliar os espaços de
diálogo com a sociedade a partir da educação
patrimonial. São o primeiro passo para transformar as
sedes do IPHAN e instituições parceiras da sociedade
civil em polos de referência, sobre o patrimônio cultural,
ampliando as práticas de preservação, sobretudo por
meio de ações educacionais formais e não formais, em
parceria com escolas, agentes culturais, instituições
educativas não formais e demais segmentos sociais e
econômicos. Partindo da ideia que patrimônio é um eixo
do desenvolvimento sustentável, capaz de gerar renda e
oportunidades econômicas para a população, a proposta
pretende, de um lado, dialogar com as atividades e
rotinas administrativas da instituição e, de outro,
promover ações de qualificação e capacitação de agentes
públicos e da sociedade civil. Para tanto, devem atuar de
maneira articulada com outras políticas públicas,
166
especialmente nas áreas de educação, cultura, cidades,
justiça, turismo e meio ambiente. Não há um programa
de atividades e de estrutura padronizados. Cada caso
exigirá um arranjo próprio em função das características
do local e de seus equipamentos, da existência e
capacitação dos profissionais, do nível de interação com o
poder público e demais agentes sociais. A adequação da
proposta às singularidades de cada cidade ou região é
vital para o seu êxito. É importante centrar o foco em
parcerias com grupos, organizações e projetos locais de
ações educativas.
Entre os objetivos das Casas do Patrimônio
estão: (i) articular coletivamente as representações do
IPHAN nas unidades da federação, as instituições da
sociedade civil e os poderes públicos municipais e
estaduais, instaurando espaços de debate e reflexão
sobre o Patrimônio Cultural; (ii) difundir informações
sobre a ação institucional do IPHAN de forma acessível
ao público; (iii) estimular a participação das comunidades
nas discussões e propostas de redefinição do uso social
dos bens culturais; (iv) promover oficinas para
educadores da rede pública municipal e estadual focadas
na interface Patrimônio e Educação com a finalidade de
167
que venham a atuar como multiplicadores desse novo
enfoque; (v) garantir o enfoque em práticas educativas
inter/transdisciplinares e com abordagens transversais,
em acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) e Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do
Ministério da Educação; (vi) promover a valorização das
comunidades bem como contribuir para sua inserção
tecnológica e digital por meio, por exemplo, de oficinas
educativas focadas em ferramentas de audiovisual; (vii)
mapear e identificar agentes locais responsáveis por
ações educativas; (viii) buscar temas geradores
significativos para a valorização do patrimônio cultural
das diferentes comunidades; (ix) valorizar ações
educativas que promovam a interface entre Patrimônio
Cultural e Natural; (x) garantir um espaço de trocas de
experiências envolvendo iniciativas de Educação
Patrimonial.
Como resultados, espera-se que as Casas do
Patrimônio sejam, portanto, articuladoras das ações
educativas e de aproximação com as comunidades locais,
papel fundamental para a efetividade de uma gestão
compartilhada de preservação do Patrimônio Cultural. O
resultado aguardado é a construção de uma noção
168
compartilhada de Patrimônio Cultural que facilite
abordá-lo em sua diversidade. Nesse sentido, as ações
desenvolvidas nas Casas do Patrimônio serão
estruturantes para tal propósito. Pretende-se que elas
contribuam para a formação de agentes multiplicadores
que possam contribuir para a formulação de conceitos
socioculturais, éticos e estéticos, bem como sobre a
importância de sua preservação como garantia do direito
à memória individual e coletiva. Dessa forma, a
potencialidade de multiplicação se alarga. A consciência
da importância do tema Patrimônio Cultural como
elemento de pertencimento dos indivíduos à sua
coletividade, poderá tornar-se uma importante atitude
para a formação de verdadeiros agentes do
desenvolvimento local. Crianças, adolescentes, líderes
comunitários, empresários entre outros segmentos da
sociedade, por meio de um processo educativo, podem
passar a valorizar e considerar o Patrimônio Cultural
como elemento chave para um desenvolvimento
sustentável. Sustentável porque permanece, porque
preserva, porque educa e porque pode gerar riquezas
propondo, por exemplo, a interface com o Turismo
Cultural e com a Educação Ambiental.
169
A educação e a formação da cidadania são os
fundamentos de qualquer ação, programa ou processo de
preservação do Patrimônio Cultural. A tarefa que está
posta é muito maior do que todas as instituições
culturais do país, juntas, podem realizar. O protagonismo
dos indivíduos e de suas organizações são indispensáveis
para que se possa enfrentar, com sucesso, o desafio que o
conceito de Patrimônio Cultural contemporâneo coloca a
todos que se preocupam com a eficácia de políticas
públicas no âmbito da cultura. As Casas do Patrimônio
devem envolver todos os segmentos sociais, na esfera
pública e privada, que estejam comprometidos com a
proteção e difusão do patrimônio cultural, com especial
ênfase em: (i) escolas e instituições de ensino; (ii)
associações de moradores; (iii) coletivos não formalizados;
(iv) grupos detentores de bens culturais protegidos; (v)
organizações da sociedade civil; (vi) Instituições de
Ensino Superior. Premissas básicas para a implantação
de uma Casa do Patrimônio: (i) a realização das ações
educativas, promoção e fomento que articulem as áreas
de patrimônio cultural, meio ambiente e turismo dentre
outros campos da ação pública; (ii) o estímulo à
participação da população na gestão da proteção,
170
salvaguarda, valorização e usufruto do patrimônio
cultural; (iii) a promoção permanente de oficinas, cursos
e outros eventos voltados à socialização de conhecimentos
e à qualificação de profissionais para atuar na área; (iv) a
garantia de espaços para o intercâmbio e difusão de
conhecimentos; (v) a manutenção e disponibilização das
informações e acervos sobre o patrimônio para acesso da
população; (vi) fomentar e fortalecer a atuação em redes
sociais de cooperação institucional e com as
comunidades; (vii) fomentar o reconhecimento da
importância da preservação do patrimônio cultural.
REFERÊNCIA:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional. 21 ed. atual. São Paulo: Editora
Malheiros Ltda., 2007.
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2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro,
cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá
171
outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 29 mar. 2015.
__________. Decreto-Lei N° 25, de 30 de novembro de
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__________. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981.
Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus
fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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__________. Lei Nº. 10.257, de 10 de Julho de 2001.
Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e
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174
APONTAMENTOS AO INVENTÁRIO PARTICIPATIVO:
BREVES COMENTÁRIOS À PROEMINÊNCIA DA
PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NA PROTEÇÃO DO
PATRIMÔNIO CULTURAL
Resumo: O objetivo do presente está assentado na
análise do inventário participativo, colocando em
destaque a proeminência da participação popular
na proteção do patrimônio cultural. Cuida salientar
que o meio ambiente cultural é constituído por bens
culturais, cuja acepção compreende aqueles que
possuem valor histórico, artístico, paisagístico,
arqueológico, espeleológico, fossilífero, turístico,
científico, refletindo as características de uma
determinada sociedade. Ao lado disso, quadra
anotar que a cultura identifica as sociedades
humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói
o seu meio, e toda sua atividade e percepção são
conformadas pela sua cultural. A cultura brasileira
175
é o resultado daquilo que era próprio das
populações tradicionais indígenas e das
transformações trazidas pelos diversos grupos
colonizadores e escravos africanos. Nesta toada, ao
se analisar o meio ambiente cultural, enquanto
complexo macrossistema, é perceptível que é algo
incorpóreo, abstrato, fluído, constituído por bens
culturais materiais e imateriais portadores de
referência à memória, à ação e à identidade dos
distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. O conceito de patrimônio histórico e
artístico nacional abrange todos os bens moveis e
imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu
excepcional valor artístico, arqueológico,
etnográfico, bibliográfico e ambiental.
Palavras-chaves: Patrimônio Cultural. Inventário
Participativo. Participação Popular. Proteção.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: Breves
notas à construção teórica da Ramificação
Ambiental do Direito; 2 Comentários à concepção
de Meio Ambiente; 3 Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural: Aspectos Introdutórios; 4 Apontamentos
ao Inventário Participativo: Breves Comentários à
Proeminência da Participação da Comunidade na
proteção do patrimônio cultural
176
1 PONDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS: BREVES
NOTAS À CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA
RAMIFICAÇÃO AMBIENTAL DO DIREITO
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca
do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a
Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de
arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas
ramificações que a integram, reclama uma interpretação
alicerçada nos plurais aspectos modificadores que
passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré,
lançando à tona os aspectos característicos de
mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-
se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste
uma visão arrimada em preceitos estagnados e
estanques, alheios às necessidades e às diversidades
sociais que passaram a contornar os Ordenamentos
Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação
das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população,
suplantados em uma nova sistemática.
Com espeque em tais premissas, cuida
hastear, com bastante pertinência, como flâmula de
177
interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico
'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está
o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de
interdependência que esse binômio mantém”133. Destarte,
com clareza solar, denota-se que há uma interação
consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de
evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas
Legislativos e institutos não fiquem inquinados de
inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a
realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta
estrutural dependência das regras consolidadas pelo
Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar
que não haja uma vingança privada, afastando, por
extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em
que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho,
dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça
um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988,
133 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do
Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun.
2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 12 ago.
2015, s.p.
178
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de
sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente
quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico
e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas
necessidades que influenciam a realidade
contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto
magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao
apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito
Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo,
peculiar porém porque não envelhece, nem permanece
jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um
dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua
beleza”134. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência
134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa
Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de
Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei
Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula
direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de
Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal.
Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de
afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170,
caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil.
Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não
Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação
conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que
estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da
União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei.
Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio.
179
Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível
mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo
que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos
Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles
consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se
evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a
permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma
rotunda independência dos estudiosos e profissionais da
Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento
de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma
progressiva evolução acerca do valor atribuído aos
princípios em face da legislação”135. Destarte, a partir de
uma análise profunda dos mencionados sustentáculos,
infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista
cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que
Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo
passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho
vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na
aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das
situações concretas.
Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em
12 ago. 2015. 135 VERDAN, 2009, s.p.
180
Nas últimas décadas, o aspecto de
mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial,
quando se analisa a construção de novos que derivam da
Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de
congruência da formação de novos ideários e cânones,
motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de
novos valores adotados. Nesta trilha de argumentação,
de boa técnica se apresenta os ensinamentos de
Fernando de Azevedo Alves Brito que, em seu artigo,
aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos
estudiosos do Direito pelo assunto, passou-se a desvendar
as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era
marginalizadas”136. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira
paulatina, alcançando, notadamente a partir das últimas
discussões internacionais envolvendo a necessidade de
um desenvolvimento econômico pautado em
136 BRITO, Fernando de Azevedo Alves. A hodierna classificação do
meio-ambiente, o seu remodelamento e a problemática sobre a
existência ou a inexistência das classes do meio-ambiente do
trabalho e do meio-ambiente misto. Boletim Jurídico, Uberaba,
ano 5, n. 968. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br>.
Acesso em 12 ago. 2015.
181
sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em
razão de novos fatores, um verdadeiro remodelamento ou
mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a
ramificação ambiental do Direito, com o fito de permitir
que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito
ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da
farta e sólida tábua de direitos fundamentais. Calha
realçar que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de
direitos de fraternidade ou, ainda, de solidariedade,
contemplando, em sua estrutura, uma patente
preocupação com o destino da humanidade137·. Ora, daí
se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito
fundamental, logo, está umbilicalmente atrelado com
humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade
mais justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível
citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de 1988 que
abriga em sua redação tais pressupostos como os
137 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, Willian. Direito Constitucional –
Teoria, Jurisprudência e 1.000 Questões 15 ed., rev., ampl. e
atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2004, p. 69.
182
princípios fundamentais do Estado Democrático de
Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil: I - construir uma
sociedade livre, justa e solidária”138.
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a
construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de
valores concernentes a uma determinada categoria de
pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais
prosperando a típica fragmentação individual de seus
componentes de maneira isolada, tal como ocorria em
momento pretérito. Com o escopo de ilustrar, de maneira
pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação
o entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a
Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 1.856/RJ, em
especial quando destaca:
Cabe assinalar, Senhor Presidente,
que os direitos de terceira geração
(ou de novíssima dimensão), que
materializam poderes de
titularidade coletiva atribuídos,
138 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015.
183
genericamente, e de modo difuso, a
todos os integrantes dos
agrupamentos sociais, consagram o
princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado
dos denominados direitos de quarta
geração (como o direito ao
desenvolvimento e o direito à paz),
um momento importante no processo
de expansão e reconhecimento dos
direitos humanos, qualificados estes,
enquanto valores fundamentais
indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza
essencialmente inexaurível139.
139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 ago. 2015.
184
Quadra anotar que os direitos alocados sob a
rubrica de direito de terceira dimensão encontram como
assento primordial a visão da espécie humana na
condição de coletividade, superando, via de consequência,
a tradicional visão que está pautada no ser humano em
sua individualidade. Assim, a preocupação identificada
está alicerçada em direitos que são coletivos, cujas
influências afetam a todos, de maneira indiscriminada.
Ao lado do exposto, cuida mencionar, segundo Bonavides,
que tais direitos “têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”140. Com efeito, os direitos de
terceira dimensão, dentre os quais se inclui ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na
Constituição de 1988, emerge com um claro e tangível
aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e
concretização dos direitos fundamentais.
2 COMENTÁRIOS À CONCEPÇÃO DE MEIO
AMBIENTE
140 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.
atual. São Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 569.
185
Em uma primeira plana, ao lançar mão do
sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981141,
que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,
seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, salienta que o meio ambiente
consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e
influências de ordem química, física e biológica que
permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Pois bem, com o escopo de promover uma facilitação do
aspecto conceitual apresentado, é possível verificar que o
meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de
fatores abióticos, provenientes de ordem química e física,
e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas
formas de seres viventes. Consoante os ensinamentos
apresentados por José Afonso da Silva, considera-se
meio-ambiente como “a interação do conjunto de
elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
141 BRASIL. Lei Nº. 6.938, de 31 de Agosto de 1981. Dispõe sobre
a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de
formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015.
186
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”142.
Nesta senda, ainda, Fiorillo143, ao tecer
comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em
um ideário jurídico indeterminado, incumbindo, ao
intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada
à fluidez do tema, é possível colocar em evidência que o
meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com
os componentes que cercam o ser humano, os quais são
de imprescindível relevância para a sua existência. O
Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade N°. 4.029/AM, salientou, com
bastante pertinência, que:
(...) o meio ambiente é um conceito hoje
geminado com o de saúde pública, saúde de
cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz
a Constituição, é por isso que estou falando
de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com
o próprio desenvolvimento. Se antes nós
dizíamos que o meio ambiente é compatível
142 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional.
São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p.20. 143 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito
Ambiental Brasileiro. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo:
Editora Saraiva, 2012, p. 77.
187
com o desenvolvimento, hoje nós dizemos, a
partir da Constituição, tecnicamente, que
não pode haver desenvolvimento senão com
o meio ambiente ecologicamente
equilibrado. A geminação do conceito me
parece de rigor técnico, porque salta da
própria Constituição Federal144.
É denotável, desta sorte, que a
constitucionalização do meio ambiente no Brasil
viabilizou um verdadeiro salto qualitativo, no que
concerne, especificamente, às normas de proteção
ambiental. Tal fato decorre da premissa que os robustos
corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente,
ao lado das liberdades públicas e dos direitos
fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao
144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 4.029/AM. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Federal Nº 11.516/07. Criação do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Legitimidade da
Associação Nacional dos Servidores do IBAMA. Entidade de Classe
de Âmbito Nacional. Violação do art. 62, caput e § 9º, da
Constituição. Não emissão de parecer pela Comissão Mista
Parlamentar. Inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput
e parágrafos 1º e 2º, da Resolução Nº 1 de 2002 do Congresso
Nacional. Modulação dos Efeitos Temporais da Nulidade (Art. 27 da
Lei 9.868/99). Ação Direta Parcialmente Procedente. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em 08
mar. 2012. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 12 ago.
2015.
188
Constituinte, ao entalhar a Carta Política Brasileira,
ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira
dimensão, insculpir na redação do artigo 225, conceder
amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar
integrante dos direitos fundamentais. “Com o advento da
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria
de normas constitucionais, com elaboração de capítulo
especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”145.
Nesta toada, ainda, é observável que o caput do artigo
225 da Constituição Federal de 1988146 está abalizado em
quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em
conjunto, dão corpo a toda tábua ideológica e teórica que
assegura o substrato de edificação da ramificação
ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento
dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o meio
145 THOMÉ, Romeu. Manual de Direito Ambiental: Conforme o
Novo Código Florestal e a Lei Complementar 140/2011. 2 ed.
Salvador: Editora JusPodivm, 2012, p. 116. 146 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República
Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015: “Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
189
ambiente foi içado à condição de direito de todos,
presentes e futuras gerações. É encarado como algo
pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma,
não se admite o emprego de qualquer distinção entre
brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-
se, sim, a necessidade de preservação, conservação e não-
poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito difuso
que possui, extrapola os limites territoriais do Estado
Brasileiro, não ficando centrado, apenas, na extensão
nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste
sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação
Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou
que:
A preocupação com o meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes
gerações, para também atuar em favor das
gerações futuras (...) tem constituído, por
isso mesmo, objeto de regulações
normativas e de proclamações jurídicas,
que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada
Estado soberano, projetam-se no plano das
declarações internacionais, que refletem, em
sua expressão concreta, o compromisso das
Nações com o indeclinável respeito a esse
190
direito fundamental que assiste a toda a
Humanidade147.
O termo “todos”, aludido na redação do caput
do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, faz
menção aos já nascidos (presente geração) e ainda
aqueles que estão por nascer (futura geração), cabendo
àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato
encontra como arrimo a premissa que foi reconhecido ao
gênero humano o direito fundamental à liberdade, à
igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em
147 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em
Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ. Ação Direta De
Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense Nº 2.895/98) -
Legislação Estadual que, pertinente a exposições e a competições
entre aves das raças combatentes, favorece essa prática criminosa -
Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de
crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei Nº 9.605/98,
ART. 32) - Meio Ambiente - Direito à preservação de sua integridade
(CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu caráter de
metaindividualidade - Direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão) que consagra o postulado da solidariedade - Proteção
constitucional da fauna (CF, Art. 225, § 1º, VII) - Descaracterização
da briga de galo como manifestação cultural - Reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ação Direta
procedente. Legislação Estadual que autoriza a realização de
exposições e competições entre aves das raças combatentes - Norma
que institucionaliza a prática de crueldade contra a fauna –
Inconstitucionalidade. . Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator:
Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponível em:
<www.stf.jus.br>. Acesso em 12 ago. 2015.
191
ambiente que permita desenvolver todas as suas
potencialidades em clima de dignidade e bem-estar.
Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou
seja, ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o
meio-ambiente é um direito público subjetivo. Desta
feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa
patrimônio público a ser imperiosamente assegurado e
protegido pelos organismos sociais e pelas instituições
estatais, qualificando verdadeiro encargo irrenunciável
que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao
Poder Público quanto à coletividade considerada em si
mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito
erga omnes sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito
público interno ou externo, ou mesmo de direito privado,
como também ente estatal, autarquia, fundação ou
sociedade de economia mista. Impera, também,
evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a
possibilidade de quantificar quantas são as pessoas
atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população
local, mas sim toda a humanidade, pois a coletividade é
192
indeterminada. Nesta senda, o direito à integridade do
meio ambiente substancializa verdadeira prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, ressoando a expressão
robusta de um poder deferido, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas num sentido
mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela
redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a
lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em
relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como bem de
uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos
sustentáculos do tema em tela. O axioma a ser
esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da
sadia qualidade de vida, ou seja, manifesta-se na
salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie
humana está se tratando do bem-estar e condições
mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em
análise se corporifica também na higidez, ao cumprir os
preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando
a vida em todas as suas formas (diversidade de espécies).
193
Por derradeiro, o quarto pilar é a
corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever
geral de se responsabilizar por todos os elementos que
integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente,
tem a obrigação de atuar no sentido de zelar, defender e
preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça
intacto. Aliás, este último se diferencia de conservar que
permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio
ambiente, trabalhando com as premissas de
desenvolvimento sustentável, aliando progresso e
conservação. Por seu turno, o cidadão tem o dever
negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o
meio-ambiente com sua ação. Além disso, em razão da
referida corresponsabilidade, são titulares do meio
ambiente os cidadãos da presente e da futura geração.
3 MEIO AMBIENTE E PATRIMÔNIO CULTURAL:
ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
Quadra salientar que o meio ambiente cultural
é constituído por bens culturais, cuja acepção
compreende aqueles que possuem valor histórico,
194
artístico, paisagístico, arqueológico, espeleológico,
fossilífero, turístico, científico, refletindo as
características de uma determinada sociedade. Ao lado
disso, quadra anotar que a cultura identifica as
sociedades humanas, sendo formada pela história e
maciçamente influenciada pela natureza, como
localização geográfica e clima. Com efeito, o meio
ambiente cultural decorre de uma intensa interação
entre homem e natureza, porquanto aquele constrói o seu
meio, e toda sua atividade e percepção são conformadas
pela sua cultural. “A cultura brasileira é o resultado
daquilo que era próprio das populações tradicionais
indígenas e das transformações trazidas pelos diversos
grupos colonizadores e escravos africanos”148. Desta
maneira, a proteção do patrimônio cultural se revela
como instrumento robusto da sobrevivência da própria
sociedade.
148 BROLLO, Sílvia Regina Salau. Tutela Jurídica do meio
ambiente cultural: Proteção contra a exportação ilícita dos
bens culturais. 106f. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006.
Disponível em:
<http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE-2006-10-
05T061948Z-421/Publico/SilviaDto.pdf>. Acesso em 12 ago. 2015, p.
15-16.
195
Nesta toada, ao se analisar o meio ambiente
cultural, enquanto complexo macrossistema, é
perceptível que é algo incorpóreo, abstrato, fluído,
constituído por bens culturais materiais e imateriais
portadores de referência à memória, à ação e à
identidade dos distintos grupos formadores da sociedade
brasileira. Meirelles anota que “o conceito de patrimônio
histórico e artístico nacional abrange todos os bens
moveis e imóveis, existentes no País, cuja conservação seja
de interesse público, por sua vinculação a fatos
memoráveis da História pátria ou por seu excepcional
valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográfico e
ambiental”149. Quadra anotar que os bens compreendidos
pelo patrimônio cultural compreendem tanto realizações
antrópicas como obras da Natureza; preciosidades do
passado e obras contemporâneas.
Nesta esteira, é possível subclassificar o meio
ambiente cultural em duas espécies distintas, quais
sejam: uma concreta e outra abstrata. Neste passo, o
meio-ambiente cultural concreto, também denominado
material, se revela materializado quando está
149 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro,
38 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2012, p. 634.
196
transfigurado em um objeto classificado como elemento
integrante do meio-ambiente humano. Assim, é possível
citar os prédios, as construções, os monumentos
arquitetônicos, as estações, os museus e os parques, que
albergam em si a qualidade de ponto turístico, artístico,
paisagístico, arquitetônico ou histórico. Os exemplos
citados alhures, em razão de todos os predicados que
ostentam, são denominados de meio-ambiente cultural
concreto. Acerca do tema em comento, é possível citar o
robusto entendimento jurisprudencial firmado pelo
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao apreciar o Recurso
Especial N° 115.599/RS:
Ementa: Meio Ambiente. Patrimônio
cultural. Destruição de dunas em sítios
arqueológicos. Responsabilidade civil.
Indenização. O autor da destruição de dunas
que encobriam sítios arqueológicos deve
indenizar pelos prejuízos causados ao meio
ambiente, especificamente ao meio
ambiente natural (dunas) e ao meio
ambiente cultural (jazidas arqueológicas
com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
(Superior Tribunal de Justiça – Quarta
Turma/ REsp 115.599/RS/ Relator: Ministro
Ruy Rosado de Aguiar/ Julgado em
27.06.2002/ Publicado no Diário da Justiça
em 02.09.2002, p. 192).
197
Diz-se, de outro modo, o meio-ambiente
cultural abstrato, chamado, ainda, de imaterial, quando
este não se apresenta materializado no meio-ambiente
humano, sendo, deste modo, considerado como a cultura
de um povo ou mesmo de uma determinada comunidade.
Da mesma maneira, são alcançados por tal acepção a
língua e suas variações regionais, os costumes, os modos
e como as pessoas relacionam-se, as produções
acadêmicas, literárias e científicas, as manifestações
decorrentes de cada identidade nacional e/ou regional.
Neste sentido, é possível colacionar o entendimento
firmado pelo Tribunal Regional Federal da Segunda
Região, quando, ao apreciar a Apelação Cível N°
2005251015239518, firmou entendimento que “expressões
tradicionais e termos de uso corrente, trivial e
disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo”150. Esses aspectos
150 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Segunda Região.
Acórdão proferido em Apelação Cível N° 2005251015239518. Direito
da propriedade industrial. Marca fraca e marca de alto renome.
Anulação de marca. Uso compartilhado de signo mercadológico
(ÔMEGA). I – Expressões tradicionais e termos de uso corrente,
trivial e disseminado, reproduzidos em dicionários, integram o
patrimônio cultural de um povo. Palavras dotadas dessas
características podem inspirar o registro de marcas, pelas
peculiaridades de suas expressões eufônicas ou pela sua inegável
repercussão associativa no imaginário do consumidor. II – É fraca a
198
constituem, sem distinção, abstratamente o meio-
ambiente cultural. Consoante aponta Brollo, “o
patrimônio cultural imaterial transmite-se de geração a
geração e é constantemente recriado pelas comunidades e
grupos em função de seu ambiente”151, decorrendo, com
destaque, da interação com a natureza e dos
acontecimentos históricos que permeiam a população.
O Decreto Nº. 3.551, de 04 de Agosto de
2000152, que institui o registro de bens culturais de
marca que reproduz a última letra do alfabeto grego (Omega),
utilizado pelo povo helênico desde o século VIII a.C., e inserida pelos
povos eslavos no alfabeto cirílico, utilizado no Império Bizantino
desde o século X d.C. O propósito de sua adoção é, inegavelmente, o
de fazer uso da familiaridade do consumidor com o vocábulo de uso
corrente desde a Antiguidade. III – Se uma marca fraca alcançou
alto renome, a ela só se pode assegurar proteção limitada, despida do
jus excludendi de terceiros, que também fazem uso do mesmo signo
merceológico de boa-fé e em atividade distinta. Nessas
circunstâncias, não há a possibilidade de o consumidor incidir erro
ou, ainda, de se configurar concorrência desleal. IV – Apelação
parcialmente provida tão-somente para ajustar o pólo passivo da
relação processual, fazendo constar o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI como réu, mantida a improcedência
do pedido de invalidação do registro da marca mista OMEGA (nº
818.522.216), classe 20 (móveis e acessórios de cozinha), formulado
por Ômega S.A. Órgão Julgador: Segunda Turma Especializada.
Relator: Desembargador Federal André Fontes. Julgado em
25.08.2007. Disponível em: <www.trf2.jus.br>. Acesso em 12 ago.
2015. 151 BROLLO, 2006, p. 33. 152 BRASIL. Decreto N° 3.551, de 04 de Agosto de 2000. Institui o
Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do
199
natureza imaterial que constituem patrimônio cultural
brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio
Imaterial e dá outras providências, consiste em
instrumento efetivo para a preservação dos bens
imateriais que integram o meio-ambiente cultural. Como
bem aponta Brollo153, em seu magistério, o aludido
decreto não instituiu apenas o registro de bens culturais
de natureza imaterial que integram o patrimônio
cultural brasileiro, mas também estruturou uma política
de inventariança, referenciamento e valorização desse
patrimônio. Ejeta-se, segundo o entendimento firmado
por Celso Fiorillo154, que os bens que constituem o
denominado patrimônio cultural consistem na
materialização da história de um povo, de todo o caminho
de sua formação e reafirmação de seus valores culturais,
os quais têm o condão de substancializar a identidade e a
cidadania dos indivíduos insertos em uma determinada
comunidade. Necessário se faz salientar que o meio-
ambiente cultural, conquanto seja artificial, difere-se do
meio-ambiente humano em razão do aspecto cultural que
Patrimônio Imaterial e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015. 153 BROLLO, 2006, p. 33. 154 FIORILLO, 2012, p. 80.
200
o caracteriza, sendo dotado de valor especial,
notadamente em decorrência de produzir um sentimento
de identidade no grupo em que se encontra inserido, bem
como é propiciada a constante evolução fomentada pela
atenção à diversidade e à criatividade humana.
4 APONTAMENTOS AO INVENTÁRIO
PARTICIPATIVO: BREVES COMENTÁRIOS À
PROEMINÊNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA
COMUNIDADE NA PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL
De plano, cuida anotar que o artigo 216 da
Constituição da República Federativa do Brasil de
1988155 estabelece, de maneira exemplificativa, os
155 BRASIL. Constituição. Constituição da República
Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988.
Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 12 ago. 2015: “Art. 216.
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza
material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se
incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar,
fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e
tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e
demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V -
os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
201
institutos e procedimentos a serem empregados em sede
de tutela e salvaguarda do patrimônio cultural,
comportando o alargamento do rol posto no texto
constitucional. Nesta linha de exposição, quadra
ponderar que o instituto do inventário não possui
regulamentação infraconstitucional, de âmbito nacional,
que estipule normas concernentes aos seus efeitos. Ao
lado disso, não se pode olvidar que o Texto
Constitucional estabelece que é competência concorrente
da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal,
bem como dos Municípios dispor acerca de mecanismos
e instrumentos para proteger e salvaguardar o
patrimônio histórico, cultural, artístico, turísticos e
paisagísticos.
Diante desse cenário, no qual se constata a
omissão da norma infraconstitucional federal em
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O
Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e
protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,
registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras
formas de acautelamento e preservação. § 2º - Cabem à
administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação
governamental e as providências para franquear sua consulta a
quantos dela necessitem. § 3º - A lei estabelecerá incentivos para a
produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º - Os
danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da
lei. § 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios
detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos”.
202
estabelecer regramento que disponha acerca do
inventário, na condição de instituto protetivo do
patrimônio cultural, poderão os demais entes
federativos legislar sobre a proteção e preservação de
seus patrimônios culturais. Nesta senda, o inventário, na
condição de instrumento de preservação e salvaguarda
cultural, consiste na identificação das características,
particularidades, histórico e relevância cultural,
objetivando dispensar a proteção dos bens culturais
materiais, públicos ou privados, devendo-se, para tanto,
adotar, no que tange à execução, critérios técnicos
objetivos e alicerçados de natureza histórica, artística,
arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica.
Nesta toada, quadra primar que inventariar significa
descrever, de maneira minuciosa, a relação e conjunto de
bens culturais. “O inventário, na seara patrimonial, é
instrumento de conhecimento de bens culturais, seja
de natureza material ou imaterial, que subsidia as
políticas de preservação do patrimônio cultural”156.
156 CAMPOS, Yussef Daibert Salomão de. O inventário como
instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequação e
usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, São Paulo, n.
16, p. 119-135, mai.-out. 2013. Disponível em: <
http://www.revistasusp.com.br>. Acesso em 12 ago. 2015, p. 121.
203
Há que se destacar, assim, que o inventário
dos bens culturais implica no levantamento minucioso e
completo dos bens culturais, objetivando abarcar a
diversidade de patrimônio existente. Insta anotar que o
inventário é uma das atividades elementares para o
estabelecimento e priorização de ações dentro de uma
política volvida para a preservação e gestão do
patrimônio cultural, notadamente quando há que se
considerar que toda medida de proteção, intervenção e
valorização do patrimônio cultural reclama o prévio
conhecimento dos acervos existentes. Sobre a temática
colocada em exame, Marcos Paulo de Souza Miranda,
em seu magistério, explica:
Sob o ponto de vista prático o inventário
consiste na identificação e registro por
meio de pesquisa e levantamento das
características e particularidades de
determinado bem, adotando-se, para sua
execução, critérios técnicos objetivos e
fundamentados de natureza histórica,
artística, arquitetônica, sociológica,
paisagística e antropológica, entre outros.
Os resultados dos trabalhos de pesquisa
para fins de inventário são registrados
normalmente em fichas onde há a descrição
sucinta do bem cultural, constando
informações básicas quanto a sua
importância histórica, características
204
físicas, delimitação, estado de conservação,
proprietário etc157.
A essência do inventário é o de apreciar o
bem, porquanto só se pode proteger aquilo que se
conhece fundamentando, inclusive, um posterior pedido
de tombamento. O pedido do tombado não é uma
consequência imediata, sendo possível, após o estudo
propiciado pelo instituto em comento, que determinado
bem não seja passível de tombamento, o que mostra a
incoerência de se atrelar ao inventário o efeito de
restrição da propriedade. Prima sublinhar que a ausência
de uma norma infraconstitucional regulamentadora do
instituto do inventário não obsta o Poder Público
utilizar-se de tal instrumento na condição de fonte de
conhecimento dos bens culturais alvos da
patrimonialização. De igual modo, é defeso falar em
produção da insegurança jurídica, eis que o inventário
encontra-se previsto constitucionalmente, afigurando-se
como prática corriqueira dos órgãos da preservação do
patrimônio. “O que gerará turbulência no ofício dos
157 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. O inventário como
instrumento constitucional de proteção ao patrimônio cultural
brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, 2008. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista>. Acesso em 12 ago. 2015.
205
gestores do patrimônio é a previsível relutância dos
proprietários de imóveis a ser inventariados de abrir
suas portas para o levantamento de dados desse bem
cultural, o que já acontece com os proprietários de
imóveis tombados”158. Com propriedade, Miranda
apresenta a seguinte distinção:
O Inventário e o Tombamento não se confundem. Trata-se de instrumentos de efeitos absolutamente diversos, embora ambos sejam institutos jurídicos vocacionados para a proteção do patrimônio cultural. O inventário é instituto de efeitos jurídicos muito mais brandos do que o tombamento, mostrando-se como uma alternativa interessante para a proteção do patrimônio cultural sem a necessidade Administração Pública de se valer do obtuso e, não raras vezes, impopular instrumento do tombamento159.
Nesta linha, o tombamento, por mais que
ainda sobrepuje os demais instrumentos elencados como
mecanismos de preservação cultural, há muito não é
destinado apenas à excepcionalidade. Com efeito, cuida
pontuar que o inventário instrumentaliza o tombamento,
não podendo, portanto, ser com ele confundido, eis que
encerra aspectos característicos próprios. Ao lado disso,
158 CAMPOS, 2013, p. 124-125. 159 MIRANDA, 2008, s.p.
206
os bens inventariados devem, imperiosamente, ser
conservados adequadamente por seus proprietários, eis
que ficam submetidos ao regime jurídico específico dos
bens culturais protegidos. Em igual sedimento, os bens
inventariados somente poderão ser destruídos,
inutilizados, deteriorados ou alterados por meio de prévia
autorização do órgão responsável pelo ato protetivo, que
deve exercer singular vigilância sobre o patrimônio
inventariado. Olender, ao esmiuçar o instituto em
comentário, explicita que:
Entendemos que, a partir do momento que, historicamente, o inventário se consolida, no Brasil, como aquilo que denominamos de “inventário de conhecimento ou de identificação” e que, nos últimos anos – principalmente a partir da própria atuação do poder judiciário – começa, concomitantemente, a ser utilizado como sinônimo daquilo que na França é denominado de “inventário suplementar” nos cabe, para não incorrermos em uma confusão que será bastante prejudicial para o desenvolvimento das políticas e das práticas de preservação do patrimônio em nosso país, partir para uma melhor denominação das ações hoje empreendidas com este nome. Penso que possuímos, neste caso, duas opções: 1) manter-se a denominação de inventário para aquela ação que se já encontra há mais tempo consolidada e criando-se outra denominação para o citado “tombamento flexível”; ou 2) adjetivar, sempre, os dois tipos de
207
inventário aqui apresentados, denominando-se aquele inventário que entendemos já consolidado como “inventário de conhecimento”, “inventário de identificação” ou “inventário de proteção” e o segundo tipo de “inventário para a preservação” (como faz a legislação baiana), ou “inventário de estruturação e de complementação” (como faz a gaúcha), ou algum outro termo que o diferencie do anterior. Só assim, poderemos contribuir para a resolução desta questão que, infelizmente, provoca um desacordo entre diversos e importantes agentes responsáveis pela preservação deste patrimônio160.
Cuida mencionar, assim, no processo de
preservação do patrimônio cultural, o instituto do
inventário, como parte dos procedimentos de análise e
compreensão da realidade, constitui-se na ferramenta
elementar para o conhecimento do acervo cultural e
natural. Ao lado disso, a realização do inventário com a
participação a comunidade proporciona não somente a
obtenção do conhecimento do acervo por ela atribuído ao
patrimônio, mas, ainda, o fortalecimento dos seus
vínculos em relação ao patrimônio. Verifica-se, assim,
que, mesmo não havendo disposição infraconstitucional
expressa sobre o instituto em comento, tal fato não
160 OLENDER, Marcos. Uma “medicina doce do patrimônio”.
Vitruvius. a. 11, set 2010. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br>. Acesso em 12 ago. 2015.
208
obstaculariza a utilização do instrumento em comento
pelo Poder Público, notadamente em decorrência da
proeminente atenção reclamada pela tutela e
salvaguarda de tal bem jurídico. Tecidos tais
comentários, ao se analisar o inventário participativo,
cuida evidenciar que o ideário que norteia esta forma de
inventariar repousa na busca de promover a participação
direta do cidadão, e não somente a opinião técnica, não
estando simplesmente adstrita na concepção óbvia de que
as ações públicas devem ser participativas para ter êxito
em ampla representatividade social.
Ao lado disso, quadra frisar que o inventário
participativo nem tão pouco na premissa de que envolver
a comunidade é uma forma de “educação patrimonial” e
de conscientização social. Um pouco mais que isto, a
concepção de Inventário Participativo tem por trás de si o
debate sobre o direito de decidir o que é e o que não é
possível de preservação e, portanto, merece todos os
esforços do poder público para a sua valorização, difusão
e preservação, o que evidentemente deve ser de todos,
questão esta colocada primeiramente pela Constituição
Cidadã de 1988. E, ainda, outra consequência natural
desta participação ampla, desta abertura no direito de
209
valorar os bens patrimoniais que é a evocação de bens de
natureza diversas, tangíveis e intangíveis, móveis e
imóveis, documentais, memória de vidas, sítios
arqueológicos, ecológicos e paisagísticos, de acordo com a
reabrangência do conceito de Patrimônio Cultural
estabelecida pelo artigo 216 da Constituição de 1988,
numa prova definitiva da superação do critério da
monumentalidade e da influente tradição arquitetônica.
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