Compêndio de Ensaios Jurídicos: Métodos Extrajudiciais de Tratamento de Conflitos (Mediação)
-
Upload
taua-lima-verdan -
Category
Documents
-
view
23 -
download
3
description
Transcript of Compêndio de Ensaios Jurídicos: Métodos Extrajudiciais de Tratamento de Conflitos (Mediação)
-
Tau Lima Verdan Rangel
COMPNDIO DE ENSAIOS
JURDICOS:
MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE
TRATAMENTO DE CONFLITOS
(MEDIAO)
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURDICOS:
MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE
CONFLITOS (MEDIAO)
Capa: Edvard Munch, O Grito, 1893.
Editorao, padronizao e formatao de texto
Tau Lima Verdan Rangel
Projeto Grfico e capa
Tau Lima Verdan Rangel
Contedo, citaes e referncias bibliogrficas
O autor
de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui apresentados.
Reproduo dos textos autorizada mediante citao da fonte.
-
A P R E S E N T A O
Tradicionalmente, o Direito reproduzido por meio de
doutrinas, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela
comunidade jurdica em trabalhar, academicamente, determinados
assuntos. Assim, o saber jurdico sempre foi concebido como algo dogmtico.
possvel, luz da tradicional viso empregada, afirmar que o Direito um
campo no qual no se incluem somente as instituies legais, as ordens
legais, as decises legais; mas, ainda, so computados tudo aquilo que os
especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituies, ordens e
decises, materializando, comumente, uma meta direito. No Direito, a
construo do conhecimento advm da interpretao de leis e as pessoas
autorizadas a interpretar as leis so os juristas.
Contudo, o alvorecer acadmico que presenciado pelos
Operadores do Direito, que se debruam no desenvolvimento de pesquisas,
passa a conceber o conhecimento de maneira prtica, utilizando as
experincias empricas e o contorno regional como elementos indissociveis
para a compreenso do Direito. Ultrapassa-se a tradicional viso do
conhecimento jurdico como algo dogmtico, buscando conferir molduras
acadmicas, por meio do emprego de mtodos cientficos. Neste aspecto, o
Compndio de Ensaios Jurdico objetiva disponibilizar para a comunidade
interessada uma coletnea de trabalhos, reflexes e inquietaes produzida
durante a formao acadmica do autor. Debruando-se especificamente
sobre os Mtodos Extrajudiciais de Tratamento de Conflitos, com foco em
Mediao, o debate busca estabelecer os pontos de fortalecimento da cultura
de paz e do empoderamento dos atores processuais na conduo do dilogo
como elemento para tratar o conflito.
Boa leitura!
Tau Lima Verdan Rangel
-
S U M R I O
A Aplicao da Autocomposio no Direito do Consumidor: O empoderamento
dos atores consumeristas como mecanismo para a resoluo de conflitos ................ 05
A Aplicao da Mediao no Direito do Consumidor: A cultura do
empoderamento no tratamento dos conflitos .............................................................. 23
Mediao Comunitria em anlise: Os Mtodos Extrajudiciais de Tratamento
de Conflitos e o empoderamento dos indivduos na gesto dos dissensos ................. 36
Mediao e Direitos Humanos: O empoderamento dos indivduos no
tratamento de conflitos ................................................................................................ 56
Notas Mediao Familiar no Cenrio Jurdico Brasileiro: A construo da
cultura de paz como instrumento de preservao dos atores processuais
envolvidos ..................................................................................................................... 80
O Corolrio da Dignidade da Pessoa Humana no Ordenamento Brasileiro e a
Mediao Familiar: O empoderamento do indivduo na formao da cultura de
paz ................................................................................................................................ 94
-
5
A APLICAO DA AUTOCOMPOSIO NO
DIREITO DO CONSUMIDOR: O
EMPODERAMENTO DOS ATORES
CONSUMERISTAS COMO MECANISMO PARA A
RESOLUO DE CONFLITOS
Resumo: cedio que a Legislao Consumerista inaugurou uma nova
realidade, conjugando, por meio das flmulas desfraldadas pela
Constituio Federal, um sistema normativo pautado na proteo e defesa
do consumidor. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do
Consumidor passou a gozar de irrecusvel e slida importncia que
influencia as rbitas jurdica, econmica e poltica, detendo aspecto robusto
de inovao. No mais, insta sublinhar, com grossos traos, que a Legislao
Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito
fundamental, sendo-lhe conferido o status de axioma estruturador e
conformador da prpria ordem econmica, sendo, inclusive, um dos pilares
estruturante da ordem econmica, conforme se infere da redao do inciso
V do artigo 170 da Carta de Outubro. Necessrio faz-se traar uma anlise
acerca da possibilidade daquele, notadamente no que se refere
possibilidade de resoluo extrajudicial de conflitos. Neste aspecto, a
autocomposio apresenta-se como interessante, e cada vez mais popular,
forma de resoluo de conflitos, sem que haja a interferncia da jurisdio,
estando alicerada no sacrifcio integral ou parcial de interesse das partes
envolvidas no conflito, por meio da vontade unilateral ou bilateral de tais
sujeitos. Neste passo, o que determina a soluo do conflito no o
exerccio da fora, como ocorre na autotutela, mas a vontade das partes, o
que muito mais condizente com o Estado democrtico de direito. No mais,
o mecanismo em comento considerado, atualmente, como excelente
instrumento de pacificao social, porquanto, no caso concreto, inexiste
uma deciso impositiva, emanada de um terceiro (Estado-juiz), alheio s
peculiaridades da situao concreta, mas sim h uma valorizao da
autonomia da vontade das partes na soluo dos conflitos.
Palavras-chaves: Consumidor. Fornecedor. Relao de Consumo.
Autocomposio de Conflitos.
Sumrio: 1 A Proteo do Consumidor como Direito Fundamental:
Moldura Constitucional acerca do Tema; 2 Aspectos Conceituais do
Consumidor; 3 A Figura do Consumidor por Equiparao; 4 Conceito de
Fornecedor; 5 A Aplicao da Autocomposio no Direito do Consumidor: O
Empoderamento dos Atores Consumeristas como mecanismo para a
resoluo de conflitos
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
6
1 A PROTEO DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL:
MOLDURA CONSTITUCIONAL ACERCA DO TEMA
In primo loco, releva-se imperioso salientar que, em decorrncia dos
feixes albergados na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 19881,
verifica-se que o consumidor passou a ser revestido de grande relevo no
Ordenamento Ptrio, culminando, ulteriormente, na elaborao e promulgao
do Cdigo de Defesa do Consumidor2, compndio de dispositivos que sagram
em suas linhas, como fito maior, a proteo daquele. Ao lado disso, gize-se, por
carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusvel e slida
importncia que influencia as rbitas jurdica, econmica e poltica, detendo
aspecto robusto de inovao. No mais, insta sublinhar, com grossos traos que
a Legislao Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito
fundamental, sendo-lhe conferida o status de axioma estruturador e
conformador da prpria ordem econmica, sendo, inclusive, um dos pilares
estruturante da ordem econmica, conforme se infere do inciso V do artigo 170
da Carta de Outubro3.
Denota-se, desta sorte, que, em razo do manancial de inovaes
trazido baila pela Constituio Cidad, os consumidores foram erigidos
condio de detentores de direitos constitucionais enumerados como
fundamentais, conjugando, de sobremaneira, com o macio fito de legitimar
todas as medidas de interveno estatal carecidas, a fim de salvaguardar tal
escopo. luz do expendido, em um contato primitivo com o tema, salta aos
olhos que o Cdigo de Defesa do Consumidor, enquanto diploma legislativo
impregnado de essncia constitucional clama por uma interpretao
1 BRASIL. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil.
Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 18
ago. 2013.
2 Idem. Lei N. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispe sobre a proteo do consumidor e
d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013.
3 Idem. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil.
Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 18
ago. 2013: Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia
social, observados os seguintes princpios: [omissis] V - defesa do consumidor.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
7
sustentada pela tbua principiolgica consagrada, de modo expresso, na Carta
da Repblica. Nesta senda de raciocnio, impe ao Arquiteto do Direito, de
maneira cogente, atentar-se para os corolrios, desfraldados como flmula
orientadora, para conferir amoldagem as normas que versam acerca das
relaes de consumo a situaes concretas, revestidas de nuances e
particularidades singulares que oscilam de maneira saliente.
Alm disso, com destaque, a proteo conferida pelo Ente Estatal ao
consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi
positivada no prprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da
formulao e execuo de polticas pblicas, como tambm do exerccio das
atividades econmicas em geral. Plus ultra, acrescer se faz mister que ao se
conferir tratamento robusto ao consumidor, ambicionou o Constituinte atribuir
essncia de meio instrumental, com vista a neutralizar o abuso do poder
econmico praticado em detrimento de pessoas e de seu direito ao
desenvolvimento, sem olvidar de uma existncia considerada como digna e
justa. Neste sentido, h que se trazer a lume o entendimento jurisprudencial
do Superior Tribunal de Justia:
Ementa: Processo Civil e Consumidor. Agravo de Instrumento.
Concesso de Efeito Suspensivo. Mandado de Segurana. (...) Relao
de Consumo. Caracterizao. Destinao Final Ftica e Econmica do
Produto ou Servio. Atividade Empresarial. Mitigao da Regra.
Vulnerabilidade da Pessoa Jurdica. Presuno Relativa. [] Uma interpretao sistemtica e teleolgica do CDC aponta para a
existncia de uma vulnerabilidade presumida do consumidor,
inclusive pessoas jurdicas, visto que a imposio de limites
presuno de vulnerabilidade implicaria restrio excessiva,
incompatvel com o prprio esprito de facilitao da defesa do
consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficincia,
circunstncia que no se coaduna com o princpio constitucional de
defesa do consumidor, previsto nos arts. 5, XXXII, e 170, V, da CF.
[...] ( Superior Tribunal de Justia Terceira Turma/ RMS 27512/BA/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.08.2009/ Publicado
no DJe em 23.09.2009).
Saliente-se, com nfase, que a proteo do consumidor e o
desenvolvimento de instrumentos rotundos aptos a fomentar tal fito se
revelam como caractersticos de assegurar a concretude e significado as
proclamaes contidas na Carta de 1988. Nesta esteira, evidencia-se, ainda,
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
8
que a Lex Fundamentallis estabeleceu um estado de comunho solidria entre
as diversas rbitas polticas, que constituem a estrutura institucional da
Federao Brasileira, agrupando-as ao redor de um escopo comum, detendo o
mais elevado sentido social. Afora isso, os direitos do consumidor, conquanto
despidos de carter absoluto, qualificam-se, porm, como valores essenciais e
condicionantes de qualquer processo decisrio.
Alm disso, os corolrios de proteo ao consumidor, hasteados como
flmulas orientadoras, buscam neutralizar situaes de antagonismos oriundos
das relaes de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo
to desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por
extenso, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No
mais, o reconhecimento da proteo constitucional da figura como consumidor,
traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidado, estando inerente
prpria acepo do Estado Democrtico e Social de Direito, motivo pelo qual
cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua
mxima eficcia.
2 ASPECTOS CONCEITUAIS DO CONSUMIDOR
Em uma acepo ampla, tem-se o consumidor aquele que adquire
mercadorias, independente da natureza que possuam, como particular, e para
uso domstico ou mesmo profissional, sem intuito de revenda. Segundo Gama,
consumidor aquele que consome alguma coisa4. A partir de um vis jurdico,
consumidor qualquer pessoa fsica ou jurdica que, isolada ou coletivamente,
contrate para consumo final, em benefcio prprio ou de outrem, a aquisio ou
locao de bens, tal como a prestao de servio. Vislumbrando-se o seu
enquadramento inicial, o consumidor pode ser, pelo texto expresso, uma pessoa
natural ou jurdica, sem qualquer distino5. Nesta esteira, para que a pessoa
jurdica seja considerada como consumidor, mister se faz a demonstrao de
4 GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionrio Bsico Jurdico. Campinas: Russel, 2006, p. 107.
5 TARTUCE, Flvio; NEVES, Daniel Amorim Assunpo. Manual de Direito do
Consumidor: Direito Material e Processual. v. nico. So Paulo: Editora Mtodo, 2012, p. 65.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
9
sua vulnerabilidade e a utilizao do produto ou do servio como destinatrio
final. A compreenso do vocbulo consumidor, para fins de definio do mbito
de incidncia da legislao consumerista, deve partir da expresso destinatrio
final, entendido como aquele destinatrio ftico e econmico do bem ou do
servio, sem que objetive o incremento ou fomento de outra atividade negocial.
Neste passo, rememorar se faz imprescindvel que o emolduramento da
pessoa jurdica como consumidora advm da aquisio ou mesmo utilizao de
produtos ou servios em benefcio prprio. Id est, trata-se de situao em que
se objetiva a satisfao das necessidades pessoais, sem que subsista o interesse
de transferi-los a terceiros, nem empreg-los na produo de outros bens ou
servios. Nesta trilha de raciocnio, pode-se assinalar que se a pessoa jurdica
contrata o seguro visando a proteo contra roubo e furto do patrimnio prprio
dela e no o dos clientes que se utilizam dos seus servios, ela considerada
consumidora nos termos do art. 2. do CDC6. Logo, to somente a utilizao do
servio ou do produto como insumo, integrando a cadeia produtiva, pela pessoa
jurdica tem o condo de desnaturar a relao de consumo existente. Ao lado
disso, colhe-se o paradigmtico entendimento:
Ementa: Direito do Consumidor. Pessoa Jurdica. No ocorrncia de
violao ao art. 535 do CPC. Utilizao dos produtos e servios
adquiridos como insumos. Ausncia de vulnerabilidade. No
incidncia das normas consumeristas. [...] 2. O art. 2 do Cdigo de
Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as
pessoas jurdicas figurarem como consumidores, sendo relevante
saber se a pessoa - fsica ou jurdica - "destinatria final" do produto
ou servio. Nesse passo, somente se desnatura a relao consumerista
se o bem ou servio passa a integrar a cadeia produtiva do adquirente,
ou seja, torna-se objeto de revenda ou de transformao por meio de
beneficiamento ou montagem, ou, ainda, quando demonstrada sua
vulnerabilidade tcnica, jurdica ou econmica frente outra parte. 3.
No caso em julgamento, trata-se de sociedade empresria do ramo de
indstria, comrcio, importao e exportao de cordas para
instrumentos musicais e afins, acessrios para veculos, ferragens e
ferramentas, serralheria em geral e trefilao de arames, sendo certo
que no utiliza os produtos e servios prestados pela recorrente como
6 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Recurso Especial N
733.560/RJ. Consumidor. Recurso especial. Pessoa jurdica. Seguro contra roubo e furto de
patrimnio prprio. Aplicao do CDC. Recurso especial conhecido parcialmente, mas
improvido. rgo Julgador: Terceira Turma. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em
11 abr. 2006. Publicado no DJe em 02 mai. 2006, p. 315. Disponvel em: .
Acesso em 18 ago. 2013.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
10
destinatria final, mas como insumos dos produtos que manufatura,
no se verificando, outrossim, situao de vulnerabilidade a ensejar a
aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor. 4. Recurso especial
provido. (Superior Tribunal de Justia Quarta Turma/ REsp 932.557/SP/ Relator Ministro Lus Felipe Salomo/ Julgado em
07.02.2012) (grifou-se).
Depreende-se, pois, que a acepo conceitual que reveste a figurado
do consumidor foi construda a partir de um viso essencialmente objetiva,
porquanto volvida para o ato de retirar o produto ou servio do mercado, na
condio de seu destinatrio final. Nessa linha, afastando-se do critrio pessoal
de definio de consumidor, o legislador infraconstitucional possibilita s
pessoas jurdicas a assuno dessa qualidade, desde que adquiram ou utilizem
o produto ou servio como destinatrio final. Dessarte, consoante doutrina
abalizada sobre o tema, o destinatrio final aquele que retira o produto da
cadeia produtiva - destinatrio ftico -, mas no para revend-lo ou utiliz-lo
como insumo na sua atividade profissional -, destinatrio econmico.
Ao lado disso, com o escopo de robustecer as ponderaes aventadas,
quadra anotar o entendimento do Ministro Fernando Gonalves, ao relatoriar o
Conflito de Competncia N. 92.519/SP, quando firmou entendimento robusto
que para que o consumidor seja considerado destinatrio econmico final, o
produto ou servio adquirido ou utilizado no pode guardar qualquer conexo,
direta ou indireta, com a atividade econmica por ele desenvolvida7, logo o
servio ou produto deve ser empregado com o fio de atender uma necessidade
prpria, pessoal do consumidor. Na linha da jurisprudncia predominante no
STJ, aplica-se o Cdigo de Defesa do Consumidor, ainda que se trate de pessoa
jurdica a dita consumidora, desde que se sirva dos bens ou servios prestados
pelo fornecedor como destinatria final8. Desta feita, para que se opere a
7 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Conflito de Competncia N.
92.519/SP. Conflito de competncia. Sociedade empresria. Consumidor. Destinatrio final
econmico. No ocorrncia. Foro de eleio. Validade. Relao de consumo e hipossuficincia.
No caracterizao. Conflito de competncia conhecido para declarar competente o Juzo
Federal da 12 Vara da Seo Judiciria do Estado de So Paulo. rgo Julgador: Segunda
Seo. Relator: Ministro Fernando Gonalves. Julgado em 16 fev. 2009. Publicado no DJe em
04 mar. 2009. Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013.
8 Idem. Acrdo proferido em Agravo Regimental no Recurso Especial N. 1.085.080/PR.
Agravo Regimental. Civil e Processual. Dvidas. Renegociao. Novao. Livre manifestao
das partes. Smula N. 286/STJ. Inaplicabilidade. No provimento. Agravo regimental a que se
nega provimento. rgo Julgador: Quarta Turma. Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
11
caracterizao do consumidor, basta que o indivduo adquira ou utilize o
produto ou servio como destinatrio final. Esse o entendimento de Cludia
Lima Marques:
Destinatrio final seria aquele destinatrio ftico e econmico do bem
ou servio, seja ele pessoa fsica ou jurdica. Logo, segundo esta
interpretao teleolgica, no basta ser destinatrio ftico do produto,
retir-lo da cadeia de produo, lev-lo para o escritrio ou residncia
- necessrio ser destinatrio final econmico do bem, no adquiri-lo
para revenda, no adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria
novamente um instrumento de produo cujo preo ser includo no
preo final do profissional que o adquiriu. Neste caso, no haveria a
exigida "destinao final" do produto ou servio, ou, como afirma o
STJ, haveria consumo intermedirio, ainda dentro das cadeias de
produo e distribuio9.
Doutro modo, o Cdigo de Defesa do Consumidor no possui incidncia
em situaes nas quais, embora seja possvel a identificao de um destinatrio
final, o produto ou servio entregue com o fito especfico de servir de bem de
produo para outro produto ou servio e, comumente, no est disponibilizado
no mercado de consumo como bem passvel de aquisio, mas como de
produo. Verifica-se, nesta situao, que o consumidor comum no o
adquire10. preciso considerar a excepcionalidade da aplicao das medidas
protetivas do CDC em favor de quem utiliza o produto ou servio em sua
atividade comercial. Em regra, a aquisio de bens ou a utilizao de servios
para implementar ou incrementar a atividade negocial descaracteriza a relao
como de consumo11.
Julgado em 13.09.2011. Publicado no DJe em 20.09.2011. Disponvel em: .
Acesso em 18 ago. 2013.
9 MARQUES, Cludia Lima. Manual de Direito do Consumidor. So Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009, p. 71.
10 Neste sentido: NUNES, Lus Antonio. Curso de Direito do Consumidor. 3 ed. So Paulo:
Editora Saraiva, 2008, p. 83.
11 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Recurso Especial N.
1.038.645/RS. Direito do Consumidor. Definio de consumidor e de fornecedor. No
caracterizao. Empresa de transporte. Relevncia, para a configurao da relao de
consumo, da disparidade de porte econmico existente entre partes do contrato de
fornecimento de peas para caminho empregado na atividade de transporte. Importncia,
tambm, do porte da atividade praticada pelo destinatrio final. situao, entretanto, em que,
independentemente ademais, de relao de consumo, h elementos de prova a embasar a
convico do julgador de que peas automotivas fornecidas e a correspondente prestao de
servio no tm defeitos. Recurso especial improvido. rgo Julgador: Terceira Turma.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
12
3 A FIGURA DO CONSUMIDOR POR EQUIPARAO
A Legislao Consumerista, alm da figura do consumidor em sentido
estrito, consoante definio apresentada pelo artigo 2 do mencionado diploma,
identifica o terceiro que no participa diretamente da relao de consumo, isto
, todo aquele que se encontre na condio de consumidor equiparado. Desta
feita, a Lei N. 8.078/1990 passa a ostentar mltiplos conceitos do consumidor,
um geral e trs outros por equiparao. Afiguram-se como consumidores a
coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas
relaes de consumo, consoante dico do pargrafo nico do artigo 2; todas as
vtimas do evento, segundo disposio contida no artigo 17; e, todas as pessoas,
determinveis ou no, expostas s prticas previstas no captulo V do Cdigo
de Defesa do Consumidor, conforme estatui o artigo 29.
Imperioso se faz frisar que o Cdigo, ao tratar do consumidor por
equiparao no o coloca em desvantagem ou em nvel inferior aos demais
consumidores12. Consequentemente, alm do consumidor stricto sensu, podem
ser tambm alcanadas pelas atividades desenvolvidas no mercado de consumo
pelos fornecedores de produtos e servios outras que, conquanto no integrem
uma relao de consumo, passam a gozar da mesma posio de consumidor
legalmente abrigado nas normas da Legislao Consumerista, independente de
ter usado ou consumido, de maneira direta, qualquer produto ou servio na
condio de consumidor final. Nesse contexto, destaca-se a figura do
consumidor por equiparao, inserida pelo legislador no art. 17 do Cdigo de
Defesa do Consumidor, sujeitando proteo daquele diploma tambm as
vtimas de acidentes derivados do fato do produto ou do servio.
Em outras palavras, o sujeito da relao de consumo no precisa
necessariamente ser parte contratante, podendo tambm ser um terceiro
vitimado por essa relao, que o direito norte-americano onde o instituto teve
Relator: Ministro Sidnei Beneti. Julgado em 19 out. 2010. Publicado no DJe em 24 nov. 2010.
Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013. 12 CARVALHO, Jos Carlos de Maldonado de. Direito do Consumidor: Fundamentos
Doutrinrios e Viso Jurisprudencial. 3 ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2008, p. 29.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
13
origem chama de bystander. Desta maneira, em acidente de trnsito
envolvendo fornecedor de servio de transporte, terceiro vitimado em
decorrncia dessa relao de consumo existente deve ser considerado
consumidor por equiparao. A vtima de acidente de consumo que de
qualquer forma sofre os efeitos do evento consumidor por equiparao ou
bystanders (art. 17 do CDC)13. Colaciona-se o paradigmtico aresto do
Superior Tribunal de Justia, que, com bastante pertinncia, aponta que:
Ementa: Civil, Processo Civil e Consumidor. Reparao Civil.
Prescrio. Prazo. Conflito Intertemporal. CC/16 e CC/02. Acidente de
trnsito envolvendo fornecedor de servio de transporte de pessoas.
Terceiro, alheio relao de consumo, envolvido no acidente.
Consumidor por equiparao. Embargos de declarao. Deciso
omissa. Intuito protelatrio. Inexistncia. [...] 3. O art. 17 do CDC
prev a figura do consumidor por equiparao (bystander), sujeitando
proteo do CDC aqueles que, embora no tenham participado
diretamente da relao de consumo, sejam vtimas de evento danoso
decorrente dessa relao. 4. Em acidente de trnsito envolvendo
fornecedor de servio de transporte, o terceiro vitimado em
decorrncia dessa relao de consumo deve ser considerado
consumidor por equiparao. Excepciona-se essa regra se, no
momento do acidente, o fornecedor no estiver prestando o servio,
inexistindo, pois, qualquer relao de consumo de onde se possa
extrair, por equiparao, a condio de consumidor do terceiro. [...] 6.
Recurso especial parcialmente provido. (Superior Tribunal de Justia
Terceira Turma/ REsp 1125276/RJ/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 28.02.2012/ Publicado no DJe em 07.03.2012)
(realou-se).
Ementa: Responsabilidade Civil. Acidente Areo. Pessoa em
superfcie que alega abalo moral em razo do cenrio trgico. Queda
de avio nas cercanias de sua residncia. Consumidor por
equiparao. Art. 17 do CDC. Prazo prescricional. Cdigo Civil de
1916. Inaplicabilidade. Conflito entre prazo previsto no Cdigo
Brasileiro de Aeronutica (CBA) e no CDC. Prevalncia deste.
Prescrio, todavia, reconhecida. [...] 2. As vtimas de acidentes areos
localizadas em superfcie so consumidores por equiparao
(bystanders), devendo ser a elas estendidas as normas do Cdigo de
Defesa do Consumidor relativas a danos por fato do servio (art. 17,
CDC). 3. O conflito entre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o
Cdigo Brasileiro de Aeronutica - que anterior CF/88 e, por isso
13 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do
Sul. Acrdo proferido em Apelao Cvel N. 70038164372. Responsabilidade Civil. Filho de
vtima de acidente de consumo. Pretenso de reconhecimento de dano moral pela ausncia do
pai. Consumidor por equiparao. Art. 17 do CDC. Prazo prescricional. Cinco anos. Artigo 27
do CDC. Prescrio afastada. Proveram o apelo. Unnime. rgo Julgador: Dcima Cmara
Cvel. Relator: Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 03.05.2012.
Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
14
mesmo, no se harmoniza em diversos aspectos com a diretriz
constitucional protetiva do consumidor -, deve ser solucionado com
prevalncia daquele (CDC), porquanto a norma que melhor
materializa as perspectivas do constituinte no seu desgnio de conferir
especial proteo ao polo hipossuficiente da relao consumerista.
Precedente do STF. 4. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de
Justia Quarta Turma/ REsp 1281090/SP/ Relator: Ministro Lus Felipe Salomo/ Julgado em 07.02.2012/ Publicado no DJe em
15.03.2012) (destacou-se).
O artigo 29 do Cdigo de Defesa do Consumidor, por sua vez, supera,
portanto, os estritos limites da definio jurdica de consumidor para imprimir
uma definio de poltica legislativa. Com o escopo de harmonizar os interesses
presentes no mercado de consumo, com o escopo de reprimir eficazmente os
abusos de poder econmico, com o fito de proteger os interesses econmicos dos
consumidores finais, o legislador cunhou um poderoso instrumento nas mos
das pessoas expostas s prticas abusivas. Estas, mesmo no sendo
"consumidores stricto sensu", podero utilizar as normas especiais do Estatuto
Consumerista, seus princpios, sua tica de responsabilidade social no
mercado, sua nova ordem pblica, para combater as prticas comerciais
abusivas. Ao lado disso, a pessoa jurdica exposta prtica comercial abusiva
equipara-se ao consumidor (art. 29 do CDC), o que atrai a incidncia das
normas consumeristas e a competncia do Procon para a imposio da
penalidade14.
Ao lado disso, a situao prevista em que a coletividade se encontra, de
maneira potencial, na iminncia de sofrer dano no provocado, traz, com
clareza solar, a incidncia das normas protetivas entalhadas no Cdigo de
Defesa do Consumidor. Desta maneira, os diversos desastres tecnolgicos
decorrentes da atuao antrpica, a exemplo da contaminao das guas, do ar
e a ameaa camada de oznio, tal como os problemas advindos do mbito da
sade e segurana alimentar, tm reclamado a ateno de todos acerca da
necessidade de ser adotada uma atitude maior de prudncia no uso das
14 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Recurso Ordinrio em
Mandado de Segurana N. 27.541/TO. Administrativo e Consumidor. Multa imposta pelo
PROCON. Legitimidade. Relao de Consumo caracterizada. Art. 29 do CDC. Recurso
Ordinrio no provido. rgo Julgador: Segunda Turma. Relator: Ministro Herman Benjamin.
Julgado em 18.08.2009. Publicado no DJe 27.04.2011. Disponvel em: . Acesso
em 18 ago. 2013.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
15
tecnologias disponibilizadas. Observa-se a relevncia do bem jurdico tutelado,
no interesse da coletividade, visando a anulao de clusulas abusivas contidas
em Cdulas de Crdito Rural, firmadas pelos sindicalizados perante instituio
financeira, em desacordo com o Cdigo de Defesa do Consumidor15.
4 CONCEITO DE FORNECEDOR
Em linhas introdutrias, fornecedor toda pessoa fsica ou jurdica,
pblica ou privada, nacional ou estrangeira, tal como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produo, montagem,
criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou
comercializao de produtos ou prestao de servios, consoante definio
insculpida no caput do artigo 3 do Cdigo de Defesa do Consumidor16. , em
sntese, todo aquele que oferta, a ttulo singular e com carter profissionalidade
exerccio habitual do comrcio produtos e servios ao mercado de consumo,
atendendo, assim, s suas necessidades17. Pela dico apresentada,
denotvel que no importa a tarefa assumida pelo fornecedor no universo das
relaes consumeristas, sendo irrelevante o papel que ele desempenha, quando
se trata da afirmao dos direitos do consumidor.
Nesta esteira, a remunerao a nota essencial caracterizao do
fornecedor, sendo que a remunerao d o tom do exerccio profissional, no se
aplicando apenas aos servios. Igualmente, o fornecedor de produtos, para ser
caracterizado como tal, deve atuar no curso de sua atividade-fim. As rs, na
condio de prestadoras de servios, enquadram-se no conceito de fornecedor do
art. 3, do Diploma Consumerista18. Ao traar os aspectos caractersticos da
15 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Agravo Regimental no
Recurso Especial N 1.163.703/MT. Agravo Regimental no Recurso Especial. Ao Civil
Pblica. Sindicato. Legitimidade Ativa. Violao ao Art. 81, III, do Cdigo de Defesa do
Consumidor. Configurao. Improvimento. Agravo Regimental improvido. rgo Julgador:
Terceira Turma. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Julgado em 27 set. 2011. Publicado no DJe
em 05.10.2011. Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013. 16 Idem. Lei N. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispe sobre a proteo do consumidor e
d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013.
17 CARVALHO, 2008, p. 30.
18 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais. Acrdo
proferido em Apelao Cvel 1.0106.11.003953-9/001. Ao de Indenizao. Venda de
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
16
figura do fornecedor, alude o legislador ao vocbulo atividade, sendo esta
considerando como a prtica reiterada de atos de cunho negocial, de maneira
organizada e unificada, por um mesmo indivduo, objetivando um escopo
econmico unitrio e permanente. Consoante o magistrio de Carvalho:
Essas atividades, assim indicadas no Cdigo, so: produo (atividade
que conduz ao produto qualquer bem mvel ou imvel, material ou
imaterial); montagem (a combinao de peas que, no conjunto, vo
formar o produto); criao (desenvolvimento da atividade espiritual ou
fsica do homem que constitui novidade); construo (com ou sem
criatividade); transformao (mudana ou alterao de estrutura ou
forma de produto j existente em outro); importao e exportao
(aquisio de produtos do exterior e venda de produtos para o
exterior); distribuio (ato de concretizar a traditio da res);
comercializao (prtica habitual de atos de comercial); prestao de
servios (aquele que presta servios a outras entidades)19.
Nesta trilha de exposio, revela-se imprescindvel distinguir o
fornecedor imediato do fornecedor mediato, ambicionando, por conseguinte,
fixar a responsabilidade pelo fato do produto ou do servio. Ao lado disso,
mister se faz sublinhar que o fornecedor mediato todo aquele que no
celebrou o contrato, tendo, contudo, integrado a cadeia econmica como
fornecedor do produto ou do servio. J o fornecedor imediato, tambm
denominado fornecedor direto, aquele que comercializa o produto ou, ainda,
presta diretamente o servio, mesmo que venha a se utilizar de mandatrio,
preposto ou empregado. Com espeque no artigo 13 do Estatuto de Defesa e
Proteo do Consumidor20, a responsabilidade do fornecedor direta ser
sucessiva e subsidiria, quando desconhecida ou insuficiente identificao do
fornecedor indireto ou mediato.
Mercadoria com defeito. Demora no conserto. Falha na prestao de servios. Aplicao do
Cdigo de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva e solidria das empresas
vendedora e de assistncia tcnica. Mesma cadeia de fornecimento. Dano moral. Configurado.
Valor da indenizao. Manter. rgo Julgador: Dcima Stima Cmara Cvel. Relator:
Desembargador Evandro Lopes da Costa Teixeira. Julgado em 23.08.2012. Disponvel em:
. Acesso em 18 ago. 2013.
19 CARVALHO, 2008, p. 31.
20 BRASIL. Lei N. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispe sobre a proteo do
consumidor e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em
18 ago. 2013: Art. 13. O comerciante igualmente responsvel, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador no puderem ser
identificados; II - o produto for fornecido sem identificao clara do seu fabricante, produtor,
construtor ou importador; III - no conservar adequadamente os produtos perecveis.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
17
Em havendo dano puramente patrimonial, a responsabilidade ser de
todos os fornecedores que integram a cadeia econmica, a ttulo de
solidariedade, excetuada exceo em sentido contrrio. No sistema inaugurado
pela Legislao Consumerista, em especial nas hipteses contidas nos artigos
18 e 20, respondem pelo vcio do produto todos aqueles que ajudaram a coloc-
lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rtulo de
identificao), o distribuidor, ao comerciante (que contratou com o
consumidor). A cada um deles imputada a responsabilidade pela garantia de
qualidade-adequao do produto. Salta aos olhos que a cada um deles a
Legislao Consumerista de regncia imps, de maneira expressa, um dever
especfico, respectivamente, de fabricao adequada, de distribuio somente
de produtos adequados, de comercializao somente de produtos adequados e
com as informaes devidas.
O Cdigo de Defesa do Consumidor adota, assim, uma imputao, ou,
atribuio objetiva, pois todos so responsveis solidrios, responsveis,
porm, em ltima anlise, por seu descumprimento do dever de qualidade, ao
ajudar na introduo do bem viciado no mercado. A legitimao passiva se
amplia com a responsabilidade solidria e com um dever de qualidade que
ultrapassa os limites do vnculo contratual consumidor/fornecedor direto.
Considerando que a responsabilidade solidria tanto do fabricante,
distribuidor e comerciante, facultada ao consumidor a escolha de contra
quem ir demandar, podendo ser contra um dos integrantes da cadeia de
consumo como todos. Colhe-se, por imperioso, o entendimento jurisprudencial
que tem o condo de abalizar o acimado:
Ementa: Apelao Cvel. Direito Privado no especificado. Pretenso
de indenizao por dano material. Vcio do produto ("Notebook").
Agravo retido. Legitimidade passiva da loja onde o bem foi adquirido.
Fornecedor - para fins de imputar a responsabilidade solidria pelos
vcios de qualidade ou quantidade que tornem os produtos imprprios
ou inadequados ao consumo a que se destinam (art. 18 do CDC), na
linha do que dispe o art. 3 do CDC - todo aquele que participa da
cadeia de fornecimento de produtos e/ou servios, pouco importa sua
relao direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o
consumidor. Do aparecimento plural dos sujeitos-fornecedores resulta
a solidariedade dentre os participantes da cadeia mencionada nos
arts. 18 e 20 do CDC e indicada na expresso genrica "fornecedor de
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
18
servios" do art. 14, caput, do CDC, restando, assim, afastada a
alegao de ilegitimidade passiva. [...] Negaram provimento ao Agravo
Retido e a Apelao. Unnime. (Tribunal de Justia do Estado do Rio
Grande do Sul Vigsima Cmara Cvel/ Apelao Cvel N 70041693920/ Relator: Desembargador Rubem Duarte/ Julgado em
26.09.2012) (destacou-se).
Ementa: Consumidor. Aparelho celular. Vcio de qualidade do
produto. Comerciante. Legitimidade Passiva. Em se tratando de
responsabilidade por vcio de qualidade do produto, todos os
fornecedores respondem pelo ressarcimento dos vcios, como
coobrigados e solidariamente. Tanto o fabricante como o comerciante
possuem deveres perante o consumidor quanto garantia de
qualidade dos produtos, e ambos podem ser acionados judicialmente.
[...] Apelao desprovida. (Tribunal de Justia do Estado do Rio
Grande do Sul Dcima Cmara Cvel/ Apelao Cvel N 70047064365/ Relator: Desembargador Tlio de Oliveira Martins/
Julgado em 29.03.2012) (sublinhou-se).
Ademais, so tambm considerados fornecedores as pessoas jurdicas
de direito pblico interno, compreendendo-se a administrao direta e indireta,
bem como os denominados entes despersonalizados. Neste sentido, cuida
salientar que a empresa concessionria de servio pblico afigura-se
responsvel pelos danos causados em razo da suspenso do fornecimento de
energia eltrica e pela demora no seu restabelecimento21. Verifica-se, assim,
que as concessionrias de servio pblico, para incidncia das disposies
protecionistas em relao ao consumidor contidas no Diploma Consumerista,
so consideradas como fornecedores. A responsabilidade civil, por
consequncia, objetiva e igualmente tem previso no art. 14, caput, do Cdigo
de Defesa do Consumidor, somente podendo ser afastada quando comprovado
que o defeito inexiste ou que o dano decorreu de culpa exclusiva do consumidor
ou de terceiro.
21 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do
Sul. Acrdo proferido em Recurso Cvel N. 71003506755. Consumidor. Falha no
fornecimento de energia eltrica. Reparao de danos relativos demora no restabelecimento.
Responsabilidade objetiva da concessionria do servio pblico de fornecimento de energia
eltrica. Dano moral configurado. Dano material comprovado. Sentena mantida. Recurso
improvido. rgo Julgador: Primeira Turma Recursal Cvel. Relatora: Marta Borges Ortiz.
Julgado em 10.10.2012. Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
19
5 A APLICAO DA AUTOCOMPOSIO NO DIREITO DO
CONSUMIDOR: O EMPODERAMENTO DOS ATORES
CONSUMERISTAS COMO MECANISMO PARA A RESOLUO DE
CONFLITOS
Diante do cenrio apresentado, no qual o preceito da vulnerabilidade
do consumidor, alado ao status de pavilho orientador da aplicao da
legislao de regncia, necessrio faz-se traar uma anlise acerca da
possibilidade daquele, notadamente no que se refere possibilidade de
resoluo extrajudicial de conflitos. Neste aspecto, a autocomposio
apresenta-se como interessante, e cada vez mais popular, forma de resoluo
de conflitos, sem que haja a interferncia da jurisdio, estando alicerada no
sacrifcio integral ou parcial de interesse das partes envolvidas no conflito, por
meio da vontade unilateral ou bilateral de tais sujeitos. Neste passo, o que
determina a soluo do conflito no o exerccio da fora, como ocorre na
autotutela, mas a vontade das partes, o que muito mais condizente com o
Estado democrtico de direito22. No mais, o mecanismo em comento
considerado, atualmente, como excelente instrumento de pacificao social,
porquanto, no caso concreto, inexiste uma deciso impositiva, emanada de um
terceiro (Estado-juiz), alheio s peculiaridades da situao concreta, mas sim
h uma valorizao da autonomia da vontade das partes na soluo dos
conflitos.
Cuida mencionar que a autocomposio, em sede de mtodos
extrajudiciais de resoluo de conflitos, afigura-se como um gnero,
alcanando, como espcies, a transao, a submisso e a renncia. No que
concerne transao, infere-se que h um sacrifcio recproco de interesses,
sendo que cada um dos envolvidos abdica, parcialmente, de sua pretenso, a
fim de alcanar a soluo do conflito. Trata-se, com efeito, do exerccio de
vontade bilateral das partes, materializando a conjuno de esforos dos atores
consumeristas, consumidor e fornecedor, para colocar termo ao conflito. Na
22 TARTUCE; NEVES, 2012, p. 438
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
20
transao, a construo do acordo decorre do esforo comum dos envolvidos, eis
que, ao abdicarem de parte de seus interesses, conseguem, por meio do
empoderamento, construrem um consenso que satisfaa o interesse de ambos.
Doutro modo, na submisso e na renncia o exerccio da vontade unilateral,
podendo, em razo dos aspectos caracterizadores apresentados, como
mecanismo altrustico de resoluo de conflitos, eis que a soluo alcanada
decorre do ato da parte que abdica do exerccio de um direito que,
teoricamente, seria legtimo. Em sede de renncia, o titular do pretenso direito
abre mo de tal direito, fazendo-o desaparecer juntamente com o conflito
existente, ao passo que na submisso o indivduo submete-se pretenso
contrria, mesmo que fosse legtima sua resistncia.
Insta colocar em destaque que, mesmo tratando-se de mtodos
extrajudiciais de resoluo de conflitos, inexiste obstculo para que se
materializem no curso do processo judicial, sendo que a submisso, no cenrio
em comento, recebe a denominao de reconhecimento jurdico do pedido,
enquanto os demais mantm a mesma nomenclatura. Desta feita, verificando-
se durante um processual judicial, o magistrado homologar por sentena de
mrito a autocomposio, a qual far coisa julgada material, conforme dicciona
a Lei Processual Civil23. importante, em tal situao, perceber que a soluo
do conflito ocorreu por autocomposio, oriunda da manifestao de vontade
das partes, e no da aplicao do direito objetivo ao caso concreto, conquanto
haja a participao homologatria do juiz emanando uma deciso com aptido
a produzir coisa julgada material. Tartuce e Neves destacam que em tal
situao tem-se certa hibridez: substancialmente, o conflito foi resolvido por
autocomposio, mas formalmente, em razo da sentena judicial
homologatria, h o exerccio de jurisdio24. Neste sentido, possvel
transcrever os entendimentos jurisprudenciais:
23 BRASIL. Lei N 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Cdigo de Processo Civil.
Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013: Art. 269. Haver resoluo de mrito: [omissis] II - quando o ru reconhecer a procedncia do pedido; III -
quando as partes transigirem; [omissis] V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se
funda a ao. 24 TARTUCE; NEVES, 2012, p. 438-439.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
21
Ementa: Deciso monocrtica. Apelao cvel. Direito pblico no especificado. Fornecimento de energia eltrica. Recuperao de consumo. Acordo. Homologao. 1 Homologao do acordo firmado entre as partes. 2 Extino do processo com julgamento de mrito (art. 269, III). Acordo homologado. Processo extinto. (Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do Sul - Segunda Cmara Cvel/ Apelao Cvel N 70035607076/ Relatora: Desembargadora Denise Oliveira Cezar/ Julgado em 24.05.2010). Ementa: Ao de cobrana Transao aps o julgamento do recurso Pedido de homologao Extino do processo no mrito Possibilidade Exegese do artigo 840 do Cdigo Civil e 269, inciso III, do Cdigo de Processo Civil. Admitindo o feito a transao extrajudicial pela partes, homologa-se para que susrtam jurdicos e legais efeitos, julgando extinto oprocesso, com o fulcro no art. 269, III,
do Cdigo de Processo Civil. (Tribunal de Justia do Estado de Santa Catarina/ Recurso Cvel n 5.076/ Relator: Des. Monteiro Rocha/ Data de Julgamento 25.09.2003).
Contemporaneamente, percebe-se um fomento autocomposio,
maiormente transao, enquanto mecanismo de busca pela soluo de
conflitos que mais gera a pacificao social, eis que as partes, arrimadas em
sua prpria vontade, logram xito em resolver o conflito, dele saindo
satisfeitas. Com destaque, a cultura de pacificao social apresenta como
escopo maior a soluo da estrutura adversarial que orienta a aplicao da
legislao processual de regncia, erradicando o estado de beligerncia entre os
envolvidos. Nesta linha, a soluo da demanda deve trazer consigo a
pacificao no plano ftico, em que os efeitos da jurisdio so suportados pela
populao jurisdicionada. Decorre da tica em comento que a transao
apresenta-se como uma excelente forma de resolver a cultura adversarial, eis
que o conflito resolvido sem que haja a necessidade de uma deciso
impositiva decorrente do pronunciamento do Estado-juiz, o qual,
corriqueiramente, a fim de atender dados estatsticos e metas colocadas pelo
Conselho Nacional de Justia, no se atm peculiaridade que emoldura o
caso concreto, atendo-se apenas a pronunciar o direito objetivo.
REFERNCIAS:
BRASIL. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
22
do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em:
. Acesso em 18 ago. 2013.
______________. Lei N 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Cdigo de
Processo Civil. Disponvel em: . Acesso em 18 ago.
2013.
______________. Lei N. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispe sobre a
proteo do consumidor e d outras providncias. Disponvel em:
. Acesso em 18 ago. 2013.
______________. Superior Tribunal de Justia. Disponvel em:
. Acesso em 18 ago. 2013.
CARVALHO, Jos Carlos de Maldonado de. Direito do Consumidor:
Fundamentos Doutrinrios e Viso Jurisprudencial. 3 ed. rev. e ampl.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.
GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionrio Bsico Jurdico. Campinas: Russel,
2006.
MARQUES, Cludia Lima. Manual de Direito do Consumidor. So Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justia do Estado de Minas
Gerais. Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013.
NUNES, Lus Antonio. Curso de Direito do Consumidor. 3 ed. So Paulo:
Editora Saraiva, 2008.
RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justia do Estado do Rio
Grande do Sul. Disponvel em: . Acesso em 18 ago. 2013.
TARTUCE, Flvio; NEVES, Daniel Amorim Assunpo. Manual de Direito
do Consumidor: Direito Material e Processual. v. nico. So Paulo:
Editora Mtodo, 2012.
-
23
A APLICAO DA MEDIAO NO DIREITO DO
CONSUMIDOR: A CULTURA DO
EMPODERAMENTO NO TRATAMENTO DOS
CONFLITOS
Resumo: cedio que a Legislao Consumerista inaugurou uma nova
realidade, conjugando, por meio das flmulas desfraldadas pela
Constituio Federal, um sistema normativo pautado na proteo e defesa
do consumidor. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do
Consumidor passou a gozar de irrecusvel e slida importncia que
influencia as rbitas jurdica, econmica e poltica, detendo aspecto robusto
de inovao. No mais, insta sublinhar, com grossos traos, que a Legislao
Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito
fundamental, sendo-lhe conferido o status de axioma estruturador e
conformador da prpria ordem econmica, sendo, inclusive, um dos pilares
estruturante da ordem econmica, conforme se infere da redao do inciso
V do artigo 170 da Carta de Outubro. fato que o cenrio de
vulnerabilidade existente na relao consumerista, no qual os polos, por
essncia caracterizadora, encontra-se em grau de disparidade, cuja relao
constantemente detentora de aspectos negativos, motivada sobremaneira
pelo desgaste do consumidor, quer seja pelo stress contemporneo, quer
seja pelo atendimento ineficiente dispensado pelos atendentes. Ao lado
disso, a mediao se revela como instrumento extrajudicial eficaz para o
estabelecimento de um dilogo em que seja possvel a edificao de um
consenso entre os envolvidos, atalhando o desgaste entre os envolvidos,
contornando a ineficincia caracterizadora do fornecedor na relao
consumerista. Neste passo, no possvel olvidar a vulnerabilidade
intrnseca figura do consumidor, expressamente salvaguardado pelo
texto legal, porm, a partir de uma perspectiva construtivista do dilogo
como mecanismo apto para responsabilizao compartilhada dos
envolvidos no conflito, de maneira a permitir que satisfaa os envolvidos
integralmente e no somente estabelea uma cultura do ativismo judicial
como exclusivo meio de tratamento de conflitos.
Palavras-chave: Consumidor. Fornecedor. Relao de Consumo.
Mediao.
Sumrio: 1 A Proteo do Consumidor como Direito Fundamental:
Moldura Constitucional acerca do Tema; 2 Aspectos Conceituais do
Consumidor; 3 A Figura do Consumidor por Equiparao; 4 Conceito de
Fornecedor; 5 A Aplicao da Mediao no Direito do Consumidor: O
Empoderamento dos Atores Consumeristas como mecanismo para a
resoluo de conflitos
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
24
1 A PROTEO DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL:
MOLDURA CONSTITUCIONAL ACERCA DO TEMA
In primo loco, releva-se imperioso salientar que, em decorrncia dos
feixes albergados na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 198825,
verifica-se que o consumidor passou a ser revestido de grande relevo no
Ordenamento Ptrio, culminando, ulteriormente, na elaborao e promulgao
do Cdigo de Defesa do Consumidor26, compndio de dispositivos que sagram
em suas linhas, como fito maior, a proteo daquele. Ao lado disso, gize-se, por
carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusvel e slida
importncia que influencia as rbitas jurdica, econmica e poltica, detendo
aspecto robusto de inovao. No mais, insta sublinhar, com grossos traos que
a Legislao Consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito
fundamental, sendo-lhe conferida o status de axioma estruturador e
conformador da prpria ordem econmica, sendo, inclusive, um dos pilares
estruturante da ordem econmica, conforme se infere do inciso V do artigo 170
da Carta de Outubro27.
Denota-se, desta sorte, que, em razo do manancial de inovaes
trazido baila pela Constituio Cidad, os consumidores foram erigidos
condio de detentores de direitos constitucionais enumerados como
fundamentais, conjugando, de sobremaneira, com o macio fito de legitimar
todas as medidas de interveno estatal carecidas, a fim de salvaguardar tal
escopo. luz do expendido, em um contato primitivo com o tema, salta aos
olhos que o Cdigo de Defesa do Consumidor, enquanto diploma legislativo
impregnado de essncia constitucional clama por uma interpretao
25 BRASIL. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil.
Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 09
jan. 2014.
26 Idem. Lei N. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispe sobre a proteo do consumidor e
d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em 09 jan. 2014.
27 Idem. Constituio (1988). Constituio (da) Repblica Federativa do Brasil.
Braslia: Senado Federal, 1988. Disponvel em: . Acesso em 09
jan. 2014: Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia
social, observados os seguintes princpios: [omissis] V - defesa do consumidor.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
25
sustentada pela tbua principiolgica consagrada, de modo expresso, na Carta
da Repblica. Nesta senda de raciocnio, impe ao Arquiteto do Direito, de
maneira cogente, atentar-se para os corolrios, desfraldados como flmula
orientadora, para conferir amoldagem as normas que versam acerca das
relaes de consumo a situaes concretas, revestidas de nuances e
particularidades singulares que oscilam de maneira saliente.
Alm disso, com destaque, a proteo conferida pelo Ente Estatal ao
consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi
positivada no prprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da
formulao e execuo de polticas pblicas, como tambm do exerccio das
atividades econmicas em geral. Plus ultra, acrescer se faz mister que ao se
conferir tratamento robusto ao consumidor, ambicionou o Constituinte atribuir
essncia de meio instrumental, com vista a neutralizar o abuso do poder
econmico praticado em detrimento de pessoas e de seu direito ao
desenvolvimento, sem olvidar de uma existncia considerada como digna e
justa. Neste sentido, h que se trazer a lume o entendimento jurisprudencial
do Superior Tribunal de Justia:
Ementa: Processo Civil e Consumidor. Agravo de Instrumento.
Concesso de Efeito Suspensivo. Mandado de Segurana. (...) Relao
de Consumo. Caracterizao. Destinao Final Ftica e Econmica do
Produto ou Servio. Atividade Empresarial. Mitigao da Regra.
Vulnerabilidade da Pessoa Jurdica. Presuno Relativa. [] Uma interpretao sistemtica e teleolgica do CDC aponta para a
existncia de uma vulnerabilidade presumida do consumidor,
inclusive pessoas jurdicas, visto que a imposio de limites
presuno de vulnerabilidade implicaria restrio excessiva,
incompatvel com o prprio esprito de facilitao da defesa do
consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficincia,
circunstncia que no se coaduna com o princpio constitucional de
defesa do consumidor, previsto nos arts. 5, XXXII, e 170, V, da CF.
[...]( Superior Tribunal de Justia Terceira Turma/ RMS 27512/BA/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 20.08.2009/ Publicado
no DJe em 23.09.2009).
Saliente-se, com nfase, que a proteo do consumidor e o
desenvolvimento de instrumentos rotundos aptos a fomentar tal fito se
revelam como caractersticos de assegurar a concretude e significado as
proclamaes contidas na Carta de 1988. Nesta esteira, evidencia-se, ainda,
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
26
que a Lex Fundamentallis estabeleceu um estado de comunho solidria entre
as diversas rbitas polticas, que constituem a estrutura institucional da
Federao Brasileira, agrupando-as ao redor de um escopo comum, detendo o
mais elevado sentido social. Afora isso, os direitos do consumidor, conquanto
despidos de carter absoluto, qualificam-se, porm, como valores essenciais e
condicionantes de qualquer processo decisrio.
Alm disso, os corolrios de proteo ao consumidor, hasteados como
flmulas orientadoras, buscam neutralizar situaes de antagonismos oriundos
das relaes de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo
to desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por
extenso, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No
mais, o reconhecimento da proteo constitucional da figura como consumidor,
traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidado, estando inerente
prpria acepo do Estado Democrtico e Social de Direito, motivo pelo qual
cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua
mxima eficcia.
2 ASPECTOS CONCEITUAIS DO CONSUMIDOR
Em uma acepo ampla, tem-se o consumidor aquele que adquire
mercadorias, independente da natureza que possuam, como particular, e para
uso domstico ou mesmo profissional, sem intuito de revenda. Segundo Gama,
consumidor aquele que consome alguma coisa28. A partir de um vis
jurdico, consumidor qualquer pessoa fsica ou jurdica que, isolada ou
coletivamente, contrate para consumo final, em benefcio prprio ou de outrem,
a aquisio ou locao de bens, tal como a prestao de servio. Vislumbrando-
se o seu enquadramento inicial, o consumidor pode ser, pelo texto expresso, uma
pessoa natural ou jurdica, sem qualquer distino29. Nesta esteira, para que
a pessoa jurdica seja considerada como consumidor, mister se faz a
28 GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionrio Bsico Jurdico. Campinas: Russel, 2006, p. 107.
29 TARTUCE, Flvio; NEVES, Daniel Amorim Assunpo. Manual de Direito do
Consumidor: Direito Material e Processual. v. nico. So Paulo: Editora Mtodo, 2012, p. 65.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
27
demonstrao de sua vulnerabilidade e a utilizao do produto ou do servio
como destinatrio final. A compreenso do vocbulo consumidor, para fins de
definio do mbito de incidncia da legislao consumerista, deve partir da
expresso destinatrio final, entendido como aquele destinatrio ftico e
econmico do bem ou do servio, sem que objetive o incremento ou fomento de
outra atividade negocial.
Neste passo, rememorar se faz imprescindvel que o emolduramento da
pessoa jurdica como consumidora advm da aquisio ou mesmo utilizao de
produtos ou servios em benefcio prprio. Id est, trata-se de situao em que
se objetiva a satisfao das necessidades pessoais, sem que subsista o interesse
de transferi-los a terceiros, nem empreg-los na produo de outros bens ou
servios. Nesta trilha de raciocnio, pode-se assinalar que se a pessoa jurdica
contrata o seguro visando a proteo contra roubo e furto do patrimnio prprio
dela e no o dos clientes que se utilizam dos seus servios, ela considerada
consumidora nos termos do art. 2. do CDC30. Logo, to somente a utilizao
do servio ou do produto como insumo, integrando a cadeia produtiva, pela
pessoa jurdica tem o condo de desnaturar a relao de consumo existente. Ao
lado disso, colhe-se o paradigmtico entendimento:
Ementa: Direito do Consumidor. Pessoa Jurdica. No ocorrncia de
violao ao art. 535 do CPC. Utilizao dos produtos e servios
adquiridos como insumos. Ausncia de vulnerabilidade. No
incidncia das normas consumeristas. [...] 2. O art. 2 do Cdigo de
Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as
pessoas jurdicas figurarem como consumidores, sendo relevante
saber se a pessoa - fsica ou jurdica - "destinatria final" do produto
ou servio. Nesse passo, somente se desnatura a relao consumerista
se o bem ou servio passa a integrar a cadeia produtiva do adquirente,
ou seja, torna-se objeto de revenda ou de transformao por meio de
beneficiamento ou montagem, ou, ainda, quando demonstrada sua
vulnerabilidade tcnica, jurdica ou econmica frente outra parte. 3.
No caso em julgamento, trata-se de sociedade empresria do ramo de
indstria, comrcio, importao e exportao de cordas para
instrumentos musicais e afins, acessrios para veculos, ferragens e
ferramentas, serralheria em geral e trefilao de arames, sendo certo
30 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Recurso Especial N
733.560/RJ. Consumidor. Recurso especial. Pessoa jurdica. Seguro contra roubo e furto de
patrimnio prprio. Aplicao do CDC. Recurso especial conhecido parcialmente, mas
improvido. rgo Julgador: Terceira Turma. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em
11 abr. 2006. Publicado no DJe em 02 mai. 2006, p. 315. Disponvel em: .
Acesso em 09 jan. 2014.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
28
que no utiliza os produtos e servios prestados pela recorrente como
destinatria final, mas como insumos dos produtos que manufatura,
no se verificando, outrossim, situao de vulnerabilidade a ensejar a
aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor. 4. Recurso especial
provido. (Superior Tribunal de Justia Quarta Turma/ REsp 932.557/SP/ Relator Ministro Lus Felipe Salomo/ Julgado em
07.02.2012) (grifou-se).
Depreende-se, pois, que a acepo conceitual que reveste a figurado do
consumidor foi construda a partir de um viso essencialmente objetiva,
porquanto volvida para o ato de retirar o produto ou servio do mercado, na
condio de seu destinatrio final. Nessa linha, afastando-se do critrio pessoal
de definio de consumidor, o legislador infraconstitucional possibilita s
pessoas jurdicas a assuno dessa qualidade, desde que adquiram ou utilizem
o produto ou servio como destinatrio final. Dessarte, consoante doutrina
abalizada sobre o tema, o destinatrio final aquele que retira o produto da
cadeia produtiva - destinatrio ftico -, mas no para revend-lo ou utiliz-lo
como insumo na sua atividade profissional -, destinatrio econmico.
Ao lado disso, com o escopo de robustecer as ponderaes aventadas,
quadra anotar o entendimento do Ministro Fernando Gonalves, ao relatoriar o
Conflito de Competncia N. 92.519/SP, quando firmou entendimento robusto
que para que o consumidor seja considerado destinatrio econmico final, o
produto ou servio adquirido ou utilizado no pode guardar qualquer conexo,
direta ou indireta, com a atividade econmica por ele desenvolvida31, logo o
servio ou produto deve ser empregado com o fio de atender uma necessidade
prpria, pessoal do consumidor. Na linha da jurisprudncia predominante no
STJ, aplica-se o Cdigo de Defesa do Consumidor, ainda que se trate de pessoa
jurdica a dita consumidora, desde que se sirva dos bens ou servios prestados
pelo fornecedor como destinatria final32. Desta feita, para que se opere a
31 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Conflito de Competncia
N. 92.519/SP. Conflito de competncia. Sociedade empresria. Consumidor. Destinatrio final
econmico. No ocorrncia. Foro de eleio. Validade. Relao de consumo e hipossuficincia.
No caracterizao. Conflito de competncia conhecido para declarar competente o Juzo
Federal da 12 Vara da Seo Judiciria do Estado de So Paulo. rgo Julgador: Segunda
Seo. Relator: Ministro Fernando Gonalves. Julgado em 16 fev. 2009. Publicado no DJe em
04 mar. 2009. Disponvel em: . Acesso em 09 jan. 2014.
32 Idem. Acrdo proferido em Agravo Regimental no Recurso Especial N. 1.085.080/PR.
Agravo Regimental. Civil e Processual. Dvidas. Renegociao. Novao. Livre manifestao
das partes. Smula N. 286/STJ. Inaplicabilidade. No provimento. Agravo regimental a que se
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
29
caracterizao do consumidor, basta que o indivduo adquira ou utilize o
produto ou servio como destinatrio final. Esse o entendimento de Cludia
Lima Marques:
Destinatrio final seria aquele destinatrio ftico e econmico do bem
ou servio, seja ele pessoa fsica ou jurdica. Logo, segundo esta
interpretao teleolgica, no basta ser destinatrio ftico do produto,
retir-lo da cadeia de produo, lev-lo para o escritrio ou residncia
- necessrio ser destinatrio final econmico do bem, no adquiri-lo
para revenda, no adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria
novamente um instrumento de produo cujo preo ser includo no
preo final do profissional que o adquiriu. Neste caso, no haveria a
exigida "destinao final" do produto ou servio, ou, como afirma o
STJ, haveria consumo intermedirio, ainda dentro das cadeias de
produo e distribuio33.
Doutro modo, o Cdigo de Defesa do Consumidor no possui incidncia
em situaes nas quais, embora seja possvel a identificao de um destinatrio
final, o produto ou servio entregue com o fito especfico de servir de bem de
produo para outro produto ou servio e, comumente, no est disponibilizado
no mercado de consumo como bem passvel de aquisio, mas como de
produo. Verifica-se, nesta situao, que o consumidor comum no o
adquire34. preciso considerar a excepcionalidade da aplicao das medidas
protetivas do CDC em favor de quem utiliza o produto ou servio em sua
atividade comercial. Em regra, a aquisio de bens ou a utilizao de servios
para implementar ou incrementar a atividade negocial descaracteriza a relao
como de consumo35.
nega provimento. rgo Julgador: Quarta Turma. Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti.
Julgado em 13.09.2011. Publicado no DJe em 20.09.2011. Disponvel em: .
Acesso em 09 jan. 2014.
33 MARQUES, Cludia Lima. Manual de Direito do Consumidor. So Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2009, p. 71.
34 Neste sentido: NUNES, Lus Antonio. Curso de Direito do Consumidor. 3 ed. So Paulo:
Editora Saraiva, 2008, p. 83.
35 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Recurso Especial N.
1.038.645/RS. Direito do Consumidor. Definio de consumidor e de fornecedor. No
caracterizao. Empresa de transporte. Relevncia, para a configurao da relao de
consumo, da disparidade de porte econmico existente entre partes do contrato de
fornecimento de peas para caminho empregado na atividade de transporte. Importncia,
tambm, do porte da atividade praticada pelo destinatrio final. situao, entretanto, em que,
independentemente ademais, de relao de consumo, h elementos de prova a embasar a
convico do julgador de que peas automotivas fornecidas e a correspondente prestao de
servio no tm defeitos. Recurso especial improvido. rgo Julgador: Terceira Turma.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
30
3 A FIGURA DO CONSUMIDOR POR EQUIPARAO
A Legislao Consumerista, alm da figura do consumidor em sentido
estrito, consoante definio apresentada pelo artigo 2 do mencionado diploma,
identifica o terceiro que no participa diretamente da relao de consumo, isto
, todo aquele que se encontre na condio de consumidor equiparado. Desta
feita, a Lei N. 8.078/1990 passa a ostentar mltiplos conceitos do consumidor,
um geral e trs outros por equiparao. Afiguram-se como consumidores a
coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas
relaes de consumo, consoante dico do pargrafo nico do artigo 2; todas as
vtimas do evento, segundo disposio contida no artigo 17; e, todas as pessoas,
determinveis ou no, expostas s prticas previstas no captulo V do Cdigo
de Defesa do Consumidor, conforme estatui o artigo 29.
Imperioso se faz frisar que o Cdigo, ao tratar do consumidor por
equiparao no o coloca em desvantagem ou em nvel inferior aos demais
consumidores36. Consequentemente, alm do consumidor stricto sensu, podem
ser tambm alcanadas pelas atividades desenvolvidas no mercado de consumo
pelos fornecedores de produtos e servios outras que, conquanto no integrem
uma relao de consumo, passam a gozar da mesma posio de consumidor
legalmente abrigado nas normas da Legislao Consumerista, independente de
ter usado ou consumido, de maneira direta, qualquer produto ou servio na
condio de consumidor final. Nesse contexto, destaca-se a figura do
consumidor por equiparao, inserida pelo legislador no art. 17 do Cdigo de
Defesa do Consumidor, sujeitando proteo daquele diploma tambm as
vtimas de acidentes derivados do fato do produto ou do servio.
Em outras palavras, o sujeito da relao de consumo no precisa
necessariamente ser parte contratante, podendo tambm ser um terceiro
vitimado por essa relao, que o direito norte-americano onde o instituto teve
Relator: Ministro Sidnei Beneti. Julgado em 19 out. 2010. Publicado no DJe em 24 nov. 2010.
Disponvel em: . Acesso em 09 jan. 2014. 36 CARVALHO, Jos Carlos de Maldonado de. Direito do Consumidor: Fundamentos
Doutrinrios e Viso Jurisprudencial. 3 ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2008, p. 29.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
31
origem chama de bystander. Desta maneira, em acidente de trnsito
envolvendo fornecedor de servio de transporte, terceiro vitimado em
decorrncia dessa relao de consumo existente deve ser considerado
consumidor por equiparao. A vtima de acidente de consumo que de
qualquer forma sofre os efeitos do evento consumidor por equiparao ou
bystanders (art. 17 do CDC)37. Colaciona-se o paradigmtico aresto do
Superior Tribunal de Justia, que, com bastante pertinncia, aponta que:
Ementa: Civil, Processo Civil e Consumidor. Reparao Civil.
Prescrio. Prazo. Conflito Intertemporal. CC/16 e CC/02. Acidente de
trnsito envolvendo fornecedor de servio de transporte de pessoas.
Terceiro, alheio relao de consumo, envolvido no acidente.
Consumidor por equiparao. Embargos de declarao. Deciso
omissa. Intuito protelatrio. Inexistncia. [...] 3. O art. 17 do CDC
prev a figura do consumidor por equiparao (bystander), sujeitando
proteo do CDC aqueles que, embora no tenham participado
diretamente da relao de consumo, sejam vtimas de evento danoso
decorrente dessa relao. 4. Em acidente de trnsito envolvendo
fornecedor de servio de transporte, o terceiro vitimado em
decorrncia dessa relao de consumo deve ser considerado
consumidor por equiparao. Excepciona-se essa regra se, no
momento do acidente, o fornecedor no estiver prestando o servio,
inexistindo, pois, qualquer relao de consumo de onde se possa
extrair, por equiparao, a condio de consumidor do terceiro. [...] 6.
Recurso especial parcialmente provido. (Superior Tribunal de Justia
Terceira Turma/ REsp 1125276/RJ/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 28.02.2012/ Publicado no DJe em 07.03.2012)
(realou-se).
Ementa: Responsabilidade Civil. Acidente Areo. Pessoa em
superfcie que alega abalo moral em razo do cenrio trgico. Queda
de avio nas cercanias de sua residncia. Consumidor por
equiparao. Art. 17 do CDC. Prazo prescricional. Cdigo Civil de
1916. Inaplicabilidade. Conflito entre prazo previsto no Cdigo
Brasileiro de Aeronutica (CBA) e no CDC. Prevalncia deste.
Prescrio, todavia, reconhecida. [...] 2. As vtimas de acidentes areos
localizadas em superfcie so consumidores por equiparao
(bystanders), devendo ser a elas estendidas as normas do Cdigo de
Defesa do Consumidor relativas a danos por fato do servio (art. 17,
CDC). 3. O conflito entre o Cdigo de Defesa do Consumidor e o
Cdigo Brasileiro de Aeronutica - que anterior CF/88 e, por isso
mesmo, no se harmoniza em diversos aspectos com a diretriz
37 RIO GRANDE DO SUL (ESTADO). Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do
Sul. Acrdo proferido em Apelao Cvel N. 70038164372. Responsabilidade Civil. Filho de
vtima de acidente de consumo. Pretenso de reconhecimento de dano moral pela ausncia do
pai. Consumidor por equiparao. Art. 17 do CDC. Prazo prescricional. Cinco anos. Artigo 27
do CDC. Prescrio afastada. Proveram o apelo. Unnime. rgo Julgador: Dcima Cmara
Cvel. Relator: Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 03 mai. 2012.
Disponvel em: . Acesso em 09 jan. 2014.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
32
constitucional protetiva do consumidor -, deve ser solucionado com
prevalncia daquele (CDC), porquanto a norma que melhor
materializa as perspectivas do constituinte no seu desgnio de conferir
especial proteo ao polo hipossuficiente da relao consumerista.
Precedente do STF. 4. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de
Justia Quarta Turma/ REsp 1281090/SP/ Relator: Ministro Lus Felipe Salomo/ Julgado em 07.02.2012/ Publicado no DJe em
15.03.2012) (destacou-se).
O artigo 29 do Cdigo de Defesa do Consumidor, por sua vez, supera,
portanto, os estritos limites da definio jurdica de consumidor para imprimir
uma definio de poltica legislativa. Com o escopo de harmonizar os interesses
presentes no mercado de consumo, com o escopo de reprimir eficazmente os
abusos de poder econmico, com o fito de proteger os interesses econmicos dos
consumidores finais, o legislador cunhou um poderoso instrumento nas mos
das pessoas expostas s prticas abusivas. Estas, mesmo no sendo
"consumidores stricto sensu", podero utilizar as normas especiais do Estatuto
Consumerista, seus princpios, sua tica de responsabilidade social no
mercado, sua nova ordem pblica, para combater as prticas comerciais
abusivas. Ao lado disso, a pessoa jurdica exposta prtica comercial abusiva
equipara-se ao consumidor (art. 29 do CDC), o que atrai a incidncia das
normas consumeristas e a competncia do Procon para a imposio da
penalidade38.
Ao lado disso, a situao prevista em que a coletividade se encontra, de
maneira potencial, na iminncia de sofrer dano no provocado, traz, com
clareza solar, a incidncia das normas protetivas entalhadas no Cdigo de
Defesa do Consumidor. Desta maneira, os diversos desastres tecnolgicos
decorrentes da atuao antrpica, a exemplo da contaminao das guas, do ar
e a ameaa camada de oznio, tal como os problemas advindos do mbito da
sade e segurana alimentar, tm reclamado a ateno de todos acerca da
necessidade de ser adotada uma atitude maior de prudncia no uso das
38 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Recurso Ordinrio em
Mandado de Segurana N. 27.541/TO. Administrativo e Consumidor. Multa imposta pelo
PROCON. Legitimidade. Relaa de Consumo caracterizada. Art. 29 do CDC. Recurso
Ordinrio no provido. rgo Julgador: Segunda Turma. Relator: Ministro Herman Benjamin.
Julgado em 18 ago. 2009. Publicado no DJe 27 abr. 2011. Disponvel em: .
Acesso em 09 jan. 2014.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
33
tecnologias disponibilizadas. Observa-se a relevncia do bem jurdico tutelado,
no interesse da coletividade, visando a anulao de clusulas abusivas contidas
em Cdulas de Crdito Rural, firmadas pelos sindicalizados perante instituio
financeira, em desacordo com o Cdigo de Defesa do Consumidor39.
4 CONCEITO DE FORNECEDOR
Em linhas introdutrias, fornecedor toda pessoa fsica ou jurdica,
pblica ou privada, nacional ou estrangeira, tal como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividade de produo, montagem,
criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou
comercializao de produtos ou prestao de servios, consoante definio
insculpida no caput do artigo 3 do Cdigo de Defesa do Consumidor40. , em
sntese, todo aquele que oferta, a ttulo singular e com carter profissionalidade
exerccio habitual do comrcio produtos e servios ao mercado de consumo,
atendendo, assim, s suas necessidades41. Pela dico apresentada,
denotvel que no importa a tarefa assumida pelo fornecedor no universo das
relaes consumeristas, sendo irrelevante o papel que ele desempenha, quando
se trata da afirmao dos direitos do consumidor.
Nesta esteira, a remunerao a nota essencial caracterizao do
fornecedor, sendo que a remunerao d o tom do exerccio profissional, no se
aplicando apenas aos servios. Igualmente, o fornecedor de produtos, para ser
caracterizado como tal, deve atuar no curso de sua atividade-fim. As rs, na
condio de prestadoras de servios, enquadram-se no conceito de fornecedor do
art. 3, do Diploma Consumerista42. Ao traar os aspectos caractersticos da
39 BRASIL. Superior Tribunal de Justia. Acrdo proferido em Agravo Regimental no
Recurso Especial N 1.163.703/MT. Agravo Regimental no Recurso Especial. Ao Civil
Pblica. Sindicato. Legitimidade Ativa. Violao ao Art. 81, III, do Cdigo de Defesa do
Consumidor. Configurao. Improvimento. Agravo Regimental improvido. rgo Julgador:
Terceira Turma. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Julgado em 27 set. 2011. Publicado no DJe
em 05 out. 2011. Disponvel em: . Acesso em 09 jan. 2014. 40 Idem. Lei N. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispe sobre a proteo do consumidor e
d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em 09 jan. 2014.
41 CARVALHO, 2008, p. 30.
42 MINAS GERAIS (ESTADO). Tribunal de Justia do Estado de Minas Gerais. Acrdo
proferido em Apelao Cvel 1.0106.11.003953-9/001. Ao de Indenizao. Venda de
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
34
figura do fornecedor, alude o legislador ao vocbulo atividade, sendo esta
considerando como a prtica reiterada de atos de cunho negocial, de maneira
organizada e unificada, por um mesmo indivduo, objetivando um escopo
econmico unitrio e permanente. Consoante o magistrio de Carvalho:
Essas atividades, assim indicadas no Cdigo, so: produo (atividade
que conduz ao produto qualquer bem mvel ou imvel, material ou
imaterial); montagem (a combinao de peas que, no conjunto, vo
formar o produto); criao (desenvolvimento da atividade espiritual ou
fsica do homem que constitui novidade); construo (com ou sem
criatividade); transformao (mudana ou alterao de estrutura ou
forma de produto j existente em outro); importao e exportao
(aquisio de produtos do exterior e venda de produtos para o
exterior); distribuio (ato de concretizar a traditio da res);
comercializao (prtica habitual de atos de comercial); prestao de
servios (aquele que presta servios a outras entidades)43.
Nesta trilha de exposio, revela-se imprescindvel distinguir o
fornecedor imediato do fornecedor mediato, ambicionando, por conseguinte,
fixar a responsabilidade pelo fato do produto ou do servio. Ao lado disso,
mister se faz sublinhar que o fornecedor mediato todo aquele que no
celebrou o contrato, tendo, contudo, integrado a cadeia econmica como
fornecedor do produto ou do servio. J o fornecedor imediato, tambm
denominado fornecedor direto, aquele que comercializa o produto ou, ainda,
presta diretamente o servio, mesmo que venha a se utilizar de mandatrio,
preposto ou empregado. Com espeque no artigo 13 do Estatuto de Defesa e
Proteo do Consumidor44, a responsabilidade do fornecedor direta ser
sucessiva e subsidiria, quando desconhecida ou insuficiente identificao do
fornecedor indireto ou mediato.
Mercadoria com defeito. Demora no conserto. Falha na prestao de servios. Aplicao do
Cdigo de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva e solidria das empresas
vendedora e de assistncia tcnica. Mesma cadeia de fornecimento. Dano moral. Configurado.
Valor da indenizao. Manter. rgo Julgador: Dcima Stima Cmara Cvel. Relator:
Desembargador Evandro Lopes da Costa Teixeira. Julgado em 23 ago. 2012. Disponvel em:
. Acesso em 09 jan. 2014.
43 CARVALHO, 2008, p. 31.
44 BRASIL. Lei N. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispe sobre a proteo do
consumidor e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em
09 jan. 2014: Art. 13. O comerciante igualmente responsvel, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador no puderem ser
identificados; II - o produto for fornecido sem identificao clara do seu fabricante, produtor,
construtor ou importador; III - no conservar adequadamente os produtos perecveis.
-
COMPNDIO DE ENSAIOS JURIDICOS: MTODOS EXTRAJUDICIAIS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS (MEDIAO)
TAU LIMA VERDAN RANGEL
35
Em havendo dano puramente patrimonial, a responsabilidade ser de
todos os fornecedores que integram a cadeia econmica, a ttulo de
solidariedade, excetuada exceo em sentido contrrio. No sistema inaugurado
pela Legislao Consumerista, em especial nas hipteses contidas nos artigos
18 e 20, respondem pelo vcio do produto todos aqueles que ajudaram a coloc-
lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rtulo de
identificao), o distribuidor, ao comerciante (que contratou com o
consumidor). A cada um deles imputada a responsabilidade pela garantia de
qualidade-adequao do produto. Salta aos olhos que a cada um deles a
Legislao Consumerista de regncia imps, de maneira expressa, um dever
especfico, respectivamente, de fabricao adequada, de distribuio somente
de produtos adequados, de comercializao somente de produtos adequados e
com as informaes devidas.
O Cdigo de Defesa do Consumidor adota, assim, uma imputao, ou,
atribuio objetiva, pois todos so responsveis solidrios, responsveis,
porm, em ltima anlise, por seu descumprimento do dever de qualidade, ao
ajudar na introduo do bem viciado no mercado. A legitimao passiva se
amp