Clarissa Josgrilberg Pereira * Suelen de Aguiar Silva · Ao incluirmos a teoria apresentada por...
Transcript of Clarissa Josgrilberg Pereira * Suelen de Aguiar Silva · Ao incluirmos a teoria apresentada por...
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
1
DISCURSO MÍDIATICO E TECNOESPETÁCULO: APROXIMAÇÕES E
DESLOCAMENTOS EM FOUCAULT E KELLNER
Clarissa Josgrilberg Pereira *
Suelen de Aguiar Silva **
RESUMO: O artigo discute no contexto da cultura da mídia a apropriação do discurso que o
entretenimento faz da fé cristã e a repercussão disso no imaginário social. O objetivo consiste em
verificar como a cultura da mídia se apropria do humor para retratar o discurso da fé cristã, enquanto
produto midiático, e como isso se reverbera em espetacularização. Os procedimentos metodológicos
partem da pesquisa bibliográfica, especialmente a pautada em Michel Foucault (1996) e Douglas
Kellner (2001-2006), e da análise empírica de duas animações do Pastor Metralhadora disponíveis no
site do Mundo Canibal. Conclui-se que esse site se apropria dos discursos do cotidiano para fazer
humor, tendo relevância ou não para a sociedade. Os idealizadores do produto não se importam como o
tipo de humor que fazem pode influir no imaginário dos sujeitos, no que tange à fé. Transformam, assim,
qualquer aspecto do cotidiano em tecnoespetáculo.
ABSTRACT: The article discusses the media culture context of ownership that the entertainment is of
christian faith and the repercussion in the social imaginary. The aim is to verify how the media culture
appropriates humor to portray the Christian faith, while media product, and how it reverberates
spectacle. The methodological procedures depart from the literature, especially guided by Foucault
(1996) and Kellner (2001-2006), and empirical analysis of two machine gun Pastor animations available
in World Cannibal site. It concludes that this site uses any everyday topic to humor, or not having
relevance to society. The creators of the product do not care how the kind of humor that make can
influence the imagination of the subject, with regard to faith. Turn, so any aspect of everyday life in
technospectacle.
PALAVRAS CHAVE: Tecnoespetáculo. Mídia. Discurso.
KEY WORDS: Technospectacles. Media. Discourse.
INTRODUÇÃO
Há quem defenda que mulher, futebol e religião não se discute, mas no cotidiano não é
isso que vemos. Questões do feminino como moda e corpo são assuntos que sempre
estiveram em alta. E o futebol? É a menina dos olhos do Brasil, tão amado e odiado, em
meio a vitórias e derrotas. Agora, se falar sobre religião é cutucar onça com vara curta,
pensa discutir o discurso e imaginário social sobre a fé cristã e sobre Jesus Cristo? O
artigo primeiro da lei nº 9.459 (BRASIL, 1997) prevê como crime a discriminação e o
preconceito religioso, mas parece que a mídia, produtora de entretenimento, é avessa a
algumas leis.
Podemos pensar que a cultura da mídia por meio de seus espetáculos surge como um
princípio organizativo da vida cotidiana, ela influi em todas as esferas da vida do
indivíduo, afinal, vivemos um momento em que a mídia é onipresente. Nada mais justo
então, do que estudar essas novas ou não tão novas formas de espetáculo. Afinal,
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
2
A cultura da mídia é industrial; organiza-se com base no modelo de produção
de massa e é produzida para a massa de acordo com tipos (gêneros), segundo
fórmulas, códigos e normas convencionais. É, portanto, uma forma de cultura
comercial, e seus produtos são mercadorias que tentam atrair o lucro privado
produzido por empregas gigantescas que estão interessadas na acumulação de
capital. A cultura da mídia almeja grande audiência; por isso, deve ser eco de
assuntos e preocupações atuais [...] (KELLNER, 2001, p.9).
Ou ainda, podemos pensar que ela é apenas um discurso, nem melhor, nem pior, nem
superpoderosa e nem inferiorizada. Apenas um discurso. Para Michel Foucault (1996,
p.9) a produção do discurso em toda sociedade é “ao mesmo tempo controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório [...]”.
É preciso deixar claro que não produzimos esta discussão a partir de uma incoerência
teórica. Foucault (1996) e Kellner (2001-2006) são autores muito diferentes, mas
quando se fala em comunicação, quando se pensa no discurso da mídia, há uma
tentativa de pensar as novas perspectivas de poder envolvidas nesse campo. E, portanto,
nesta discussão ambos os autores se fazem necessários.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento do trabalho partiu de referências
bibliográficas, bem como análise empírica no site do Mundo Canibal. Analisamos duas
animações do Pastor Metralhadora, levando em consideração os comentários dos
internautas na própria página das animações. Não tivemos a pretensão de quantificar os
comentários, mas sim de buscar uma compreensão, mesmo que de forma geral, sobre o
imaginário dos frequentadores do site em relação as animações que têm como mote a
humanização de Jesus Cristo.
Nesse sentido, buscamos verificar como a mídia se apropria do humor para retratar a fé
cristã e como isso pode se reverberar em espetacularização. Portanto, a pergunta que
move o presente estudo é em que medida o discurso da mídia quando se apropria do
discurso humorístico para tratar de determinados temas do cotidiano, especialmente a fé
cristã, pode reverberar em espetacularização?
Douglas Kellner (2001, 2006), Zygmunt Bauman (1998), Roger Silverstone (2002),
Michel Foucault (1996) dentre outros, fornecem o arcabouço teórico para tratarmos das
correlações e complexidades entre discurso, cultura, consumo e mídia. É o que
pretendemos com o texto que segue. Para tanto, a primeira ação é pensar sobre o
discurso.
1. O DISCURSO EM FOUCAULT
De acordo com Foucault (1996, p.9), a produção do discurso em toda sociedade é “ao
mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório [...]”. E um desses procedimentos, podemos dizer, é a exclusão
e aquele dito o mais familiar, é a interdição. De acordo com a análise foucaultiana, a
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
3
sexualidade e a política são os principais dispositivos, que a sua vez são interditos,
devido suas características intrínsecas ao poder, pois são lugares privilegiados do
exercício de poder. O discurso, alerta Foucault (1996, p. 10), não é simplesmente aquilo
que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo o que se luta, o poder
do qual quer-se apoderar.
No entanto, outro procedimento de exclusão diz respeito a separação e a rejeição. Em
Foucault (1996, p.10) relação entre razão e loucura, por exemplo. Desde a idade média
o discurso do louco era aquele que não podia circular como o dos outros. Sendo sua
verdade nula, sem valor, sem importância. Era por meio de suas palavras, segundo
Foucault, que se conhecia a loucura “do louco”. Hoje, o louco já não está mais do outro
lado, sendo necessária a escuta, a espreita, mesmo assim, os procedimentos de
separação ainda funcionam, mesmo que de uma forma mais refinada.
Quando Foucault escreve sobre a “História da Loucura”, ele não está pensando
exatamente a loucura, mas sim no modelo de “despsiquiatrização” na década de 1960.
Percebe-se, no entanto, o discurso da psiquiatria. Não são mais necessários
determinados procedimentos de interdição, como o choque elétrico, por exemplo. As
práticas institucionalizadas avançaram, e o louco, à primeira vista, liberado. No entanto,
pensando com Foucault será que não aprisionamos o louco a outro tipo de discurso? É
uma questão a ser debatida na contemporaneidade, no entanto, os discursos de liberação
estão impregnados de relações de poder.
O pensamento foucaultiano não busca uma linearidade histórica no que diz respeito a
causas e efeitos das práticas sociais, entretanto, busca as rupturas, as descontinuidades.
Nesse sentido, os discursos dos saberes não deveriam ser analisados a partir de outros
saberes já institucionalizados, como no caso citado. Contudo, não cabe em nossa
exposição adentrar sobre a “História da Loucura” aventada por Foucault, mas o
exemplo é importante porque permite a partir dessas práticas entender como o discurso
é colocado em questão e como se alimenta o saber dessas práticas discursivas.
Uma terceira exclusão de que fala Foucault (1996, p.17) diz respeito a uma vontade de
verdade e é apoiada institucionalmente. Ora, seu sistema de pensamento rejeita uma
verdade, única, universal. No entanto, parte da ideia de como essa vontade de verdade é
reconduzida pelo modo como o saber é aplicado em uma sociedade. Dos três sistemas
de exclusão mencionados, o terceiro, a vontade de verdade, foi mais debatido pelo
autor. A despeito do discurso relacionado à vontade de verdade temos a seguinte
assertiva:
O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo
diante de seus próprios olhos; e, quando tudo pode, enfim, tomar a forma do
discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de
tudo, isso se dá porque todas as coisas, tendo manifestado e intercambiado
seu sentido, podem voltar à interioridade silenciosa da consciência de si
(FOUCAULT, 1996, p.40).
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
4
Segundo o autor, interdições, supressões, fronteiras e limites podem servir à
proliferação de discursos, e que, existe um grande temor relacionado a não se possuir
um discurso determinado sobre algo. Mas, deixa pistas para o enfrentamento desse
temor quando sugere que ele seja analisado em suas condições de possibilidades, seus
jogos e seus efeitos. Mas para que tal arranjo seja exequível, aponta ainda, o
questionamento sobre a vontade de verdade, a restituição do discurso ao caráter de
acontecimento, e em última instância, suspender a soberania do significante
(FOUCAULT, 1996, p.50-51).
2. DESLOCAMENTOS E APROXIMAÇÕES
Uma forma de contextualizar o discurso em Foucault (1996), nos estudos na área da
comunicação, especialmente na cultura da mídia e seus produtos é entendê-lo, como um
discurso como outro qualquer. Outrossim, busca-se as condições de possiblidades para o
surgimento e reverberações de determinado discurso, neste texto, especificamente, o
midiático.
Colocar em dispersão os discursos que são produzidos e representados midiaticamente,
é uma forma de situar o discurso midiático como um, entre muitos outros discursos de
nossa sociedade. No entanto, longe de desqualificar o discurso midiático, e seu peso nas
mediações socioculturais, como afirma Martín-Barbero (2008), o importante é entendê-
lo a partir de suas especificidades e suas relações de poder e saber, assim como, o
discurso político, por exemplo.
Ao incluirmos a teoria apresentada por Douglas Kellner (2001-2006) sobre a cultura da
mídia, às representações discursivas midiáticas, pensada a partir de uma leitura
foucaultiana do discurso, pode parecer contraditório, no entanto, não é. Primeiro porque
entendemos assim como Kellner que a questão da ideologia na contemporaneidade não
deve ser pensada somente em sua relação de opressor e oprimido. Ao apontar os estudos
de Marx e Engels sobre ideologia, Kellner (2001, p.77) propõe uma análise que busca o
entendimento da ideologia para além das noções de classe social ao incluir outros
produtos e outros textos em sua análise. Ainda, segundo Kellner (2001, p.81) “a
ideologia participa da reprodução e do funcionamento precisamente das instituições, dos
discursos e das práticas que Foucault e outros querem analisar”. Em outras palavras,
para o autor, ao invés de descartar o conceito de ideologia, é necessário reconstruí-lo e
expandir a crítica da ideologia que traça suas funções e efeitos na vida social.
Segundo, apesar de Foucault rejeitar em seu sistema de pensamento a questão da
ideologia, uma discussão de fundo, por um lado, são as relações de poder e saber no
jogo discursivo, e por outro, o entendimento de que não existe uma verdade, como já
apontamos, mas verdades, que sejam ao mesmo tempo provisórias e que produzam
positivamente subjetividades. Segundo Foucault (1996, p.52-53) “os discursos devem
ser tratados como práticas descontinuas, que se cruzam por vezes, mas também se
ignoram e se excluem”.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
5
3. DISCURSO MIDIÁTICO
Como já sabemos pensar o discurso por meio de Foucault é pensá-lo como um discurso
qualquer, que não carrega “carga ideológica” porque ele rejeita esse conceito. Mas é
entender o discurso midiático como prática social que possuiu verdades que não podem
ser consideradas universais, mas ante a isso, colocar em perspectiva, aquilo que não é
dito no discurso.
Autor, comentário e disciplina são três elementos importantes a serem levados em
consideração na análise de textos, pois, para Foucault, são procedimentos de exclusão
que estão intrínsecos aos discursos. Sobre o autor, Foucault afirma:
seria absurdo negar, é claro, a existência do indivíduo que escreve e inventa.
Mas penso que – ao menos desde certa época - o indivíduo que se põe a
escrever um texto no horizonte do qual paira uma obra possível retoma por
sua conta a função do autor: aquilo que ele escreve e o que não escreve [...]
Todo este jogo de diferenças é prescrito pela função do autor, tal como ele,
por sua vez, a modifica (FOUCAULT, 1970, p.28-29).
Já o comentário “procura dizer enfim o que estava articulado no texto primeiro; ele
busca um significado não dito por detrás daquilo que é dito” (CANDIOTTO, 2010,
p.53). Enquanto que a “disciplina não é a soma de tudo o que pode ser dito de
verdadeiro a respeito de alguma coisa; tampouco é o conjunto de tudo o que pode ser
aceito, a propósito de um mesmo dado, em virtude de um princípio de coerência ou de
sistematicidade” (FOUCAULT, 1996, p. 32-33).
Assim sendo, os elementos autor, comentário e disciplina mostram princípios de
exclusão na busca pela verdade que atravessa séculos. Dessa forma, “por mais que o
discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam
logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder” (FOUCAULT, 1996, p.1).
Assim sendo, acreditamos que a cultura da mídia é uma das formas de manifestar esse
poder.
A cultura da mídia, assim como os discursos políticos, ajuda a estabelecer a hegemonia
de determinados grupos e projetos políticos. Produz representações que tentam induzir
anuência a certas posições políticas, levando os membros da sociedade a ver em certas
ideologias “os modos como as coisas o são”.
Para Douglas Kellner (2006), nas últimas décadas, os meios de comunicação têm
possibilitado a multiplicação de espetáculos por meio de novos espaços e sites, e o
próprio espetáculo está se tornando um dos princípios organizacionais da economia, da
política, da sociedade e da vida cotidiana. Kellner (2006, p.04) afirma que “a economia
baseada na internet permite que o espetáculo seja um meio de divulgação, reprodução,
circulação e venda de mercadorias”. Ao mesmo tempo em que um sem número de sites
de informação e entretenimento surge na internet, intensifica-se a formaespetáculo da
cultura da mídia.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
6
A cultura veiculada pela mídia fornece material que contribui para que os sujeitos
construam suas identidades, noções de classe, de etnia, de sexualidade, de fé. Corrobora
para modelar visões de mundo e seus valores, ajudando a definir aquilo que é bom ou
mau, o que é positivo ou negativo. As narrativas midiáticas fornecem símbolos, mitos,
estereótipos que ajudam a construir uma cultura comum, de certa forma, rasa,
superficial, para que possa atender a maioria dos sujeitos. De acordo com Kellner,
(2001, p.9) é por meio da cultura atravessada pela mídia que esses sujeitos se inserem
nas sociedades tecnocapitalistas, produzindo uma nova forma de cultura global.
Na sociedade dita pós-moderna, a cultura da mídia (KELLNER, 2006, p.5) não aborda
apenas os grandes momentos da experiência contemporânea, mas também oferece
material para fantasia e sonho, modelando pensamentos, construindo e reconstruindo até
identidades. Como aponta Bauman (1998), na modernidade as identidades eram
projetadas para serem rígidas, com o projeto de construção de uma identidade nacional
ligada ao Estado a fim de diminuir as diferenças existentes na sociedade. Agora, essas
mesmas identidades precisam ser fluídas e frouxas até a segunda ordem, pois seguem a
lógica do mercado, visto que há o esfacelamento do Estado. Aquele que era o regulador
da ordem, da vida cotidiana e que ditava as normas, por meio do estado de bem estar
social. Agora prima-se pela desregulamentação, pois existe uma outra ética, a do
mercado.
Passamos da sociedade dos produtores para a sociedade dos consumidores, e ,segundo o
estudioso polonês, se antes a primazia era em busca da segurança, hoje a primazia é em
busca da liberdade em detrimento da segurança. Já não existe uma estabilidade, pois
cresce a busca por novas experiências e sensações. Se antes a liberdade era concedida
pelo Estado, que legislava a ordem; hoje, o Estado legisla para o bom funcionamento do
mercado e a liberdade é adquirida junto com um quinhão de incertezas. Já não se pode
mais contar com o estado de bem estar social. Cada um é responsável por suas escolhas.
Por isso a identidade dos sujeitos tende a ser flexível, apenas uma identidade não dá,
temos que ser várias coisas ao mesmo tempo.
Essa é a identidade que se ajusta ao mundo em que a arte de esquecer é um bem mais
importante que arte de lembrar, uma identidade de palimpsesto, diz Bauman (1998,
p.36). Nenhum emprego é garantido, nenhuma posição é inteiramente segura, nenhuma
perícia é de utilidade duradoura. Para Bauman (1998, p.32), “o mundo pós-moderno
está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e
irredutível”.
Se a modernidade se esforçou para desconstruir a morte, em nossa época pós-moderna é
a vez da imortalidade ser descontruída, as palavras de Bauman (1998, p.203) são
emblemáticas e sintetizam em partes, o problema que trazemos aqui para a discussão.
Durante séculos prevalecia a ideia da existência de Deus, Ser soberano e que era a
medida de todas as coisas. Porém, a ideia da razão humana com todas as vicissitudes e
prejuízos, trazida pelo iluminismo do século XVIII, aponta que o homem deveria ser o
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
7
centro de todas as coisas e passar a buscar suas respostas por meio do conhecimento
científico, que até então eram calcadas na fé.
No penúltimo capítulo em, “O Mal-Estar da Pós-Modernidade”, Bauman (1998, p.205)
discute a religião pós-moderna. Já mencionamos que nosso interesse não recai sobre as
religiões, mas esse capítulo torna-se importante para situar a questão que se coloca à
prova pelos produtos midiáticos analisados. Deus e sua onipotência enquanto Ser
irrefutável cedendo lugar para a autossuficiência humana na pós-modernidade. A
religião, diz o autor (1998, p.205), “pertence a uma família de curiosos e às vezes
embaraçados conceitos que a gente compreende perfeitamente até querer defini-los”. O
espírito pós-moderno, reitera ele, concorda em suprir essa família, maltratada ou
condenada à deportação pela razão científica.
A ideia da auto-suficiência humana minou o domínio da religião
institucionalizada não prometendo um caminho alternativo para vida eterna,
mas chamando a atenção humana para longe desse ponto; concentrando-se,
em vez disso, em tarefas que os seres humanos podem executar e cujas
consequências eles podem experimentar enquanto ainda são “seres que
experimentam” – e isso significa aqui, nesta vida (BAUMAN, 1998, p.205).
Apoiamo-nos na afirmação acima e acrescentamos o papel desempenhado pela indústria
cultural, principalmente a do entretenimento, por meio da produção e disseminação de
suas mercadorias, hoje simbólicas. Por meio da cultura da mídia, as mercadorias
fornecem o ideal identitário, a experimentação de novas sensações e reforçam o caráter
unívoco e onipotente da mídia. Bauman (1998, p.217) afirma que a modernidade desfez
o que o longo domínio do cristianismo tinha feito repelindo a obsessão com a vida após
a morte, daí concentrando a atenção na vida “aqui e agora” e é exatamente isso que faz a
cultura da mídia por meio de seus produtos.
A preocupação cotidiana dos sujeitos recai na vida terrena, na consumação de bens não
só materiais, mas principalmente simbólicos. Hoje, mais importante que ter é aparecer.
Numa sucessão de espetáculos a vida cotidiana se conforma, vida pública, vida privada,
trabalho, diversão, imaginário, a fé no transcendental.
Tudo pode ser transformado em espetáculo, mas por outro lado, nem tudo pode ser
medido, nem os efeitos, nem as benesses e nem os prejuízos alavancados por imagens
sobrepostas por outras imagens, daí a complexidade. Então, por que estudar produtos
midiáticos? Para Silverstone (2002) é necessário compreender a mídia por meio da sua
dimensão cultural, social, política e econômica. Já em Kellner (2001) é importante
conhecer os efeitos da cultura da mídia, bem como para produzir leitura crítica sobre
ela.
Kellner (2001) pesquisa e analisa os meios de comunicação numa perspectiva
multidimensional, produzindo e pensando produção e economia política, análise textual
e estudos de recepção. Dessa maneira, ele considera que existem várias formas de
perceber os produtos midiáticos. Kellner (2001) aplica a sua abordagem na prática e
demonstra como podemos delinear nosso objeto, seja um estudo de caso ou determinado
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
8
tipo de produto midiático. Nesse ponto, segundo ele, o seu pensamento se difere do
autor da sociedade do espetáculo, pois traz exemplos práticos sobre essas
materialidades. Citamos aqui o fenômeno Madonna, estudado por ele (2001, p.335-
375). Mais do que se perguntar o que é Madonna e o que ela representa é perguntar
como ela é veiculada e de que forma ela potencializa lutas políticas sobre as mulheres,
por exemplo. Tais produtos midiáticos na visão de autor são interpretados na sua
produção, na sua textualidade, mas também como eles são vinculados pela mídia.
O espetáculo é ambíguo, contraditório e sujeito a reviravoltas. Empresas, celebridades e
o próprio Estado não têm certeza alguma se serão beneficiados ou vítimas dele
(KELLNER, 2006, p.143). O tecnoespetáculo no ciberespaço segue a mesma lógica.
Novos modelos de organização social e espaço-temporal, bem como de política, cultura,
vida cotidiana surgem na rede, assim como novos tipos de contestação (KELLNER,
2006, p.144). Em escala planetária vivemos num ambiente dominado pelas mídias,
especialmente, pelas mídias online, numa sociedade de infoentretenimento cada vez
mais expansiva, “uma economia interligada em rede e uma nova tecnocultura da
Internet” como aponta Kellner (2006, p.144).
Consumimos a mídia e ela nos consome. Consumimos o tecnoespetáculo e ele nos
consome. Para o teórico inglês Roger Silverstone o consumo é uma forma de mediação,
à medida que os valores e significados dados a objetos e serviços são traduzidos e
transformados nas linguagens do cotidiano do individual ao coletivo. Consumimos
objetos, bens, informação, consumimos o valor simbólico que atribuíamos às coisas.
Nas palavras de Silverstone (2002, p.150), “nesse consumo, em sua trivialidade
cotidiana, consumimos nossos próprios significados, negociamos nossos valores e ao
fazê-lo, tornamos nosso mundo significativo”.
No entanto, o cerne da análise tanto da espetacularização como da cultura da mídia, é o
surgimento e a consolidação de uma nova cultura do espetáculo. O tecnoespetáculo, em
escala global, cujas implicações no plano cultural e comunicacional são evidentes. A
partir dessas considerações e das exposições anteriormente feitas, discutimos a seguir
como elas se configuram num produto midiático digital.
4. MUNDO CANIBAL: TECNOESPETÁCULO OU ENTRETENIMENTO? OU
OS DOIS?
Antes de iniciarmos a contextualização sobre os produtos fruto da nossa reflexão, faz-se
necessário reforçar que esse recorte visa a demonstrar como a mídia retrata a fé cristã,
pelas vias do humor e do entretenimento, independente de denominações religiosas.
Mundo Canibal1 é um portal brasileiro de animações e vídeos próprios, criado em 1998
pelos Irmãos Piologo e Rogério Vilela, diretor da Fábrica de Quadrinhos.
Os próprios idealizadores afirmam na sessão institucional do site,
“O Mundo Canibal é ruim...mas é „bão‟!”. Fazem um tipo de humor caricato, por vezes,
grosseiro. Se apropriam de qualquer produto, tais como personagens clássicos de filmes,
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
9
jogos infantis etc e acrescentam o estilo próprio da equipe, chamando suas próprias
produções de porcaria. Muitas de suas produções se tornaram febre entre os internautas,
como a clássica Avaiana de Pau, que segundo o próprio site já ultrapassou a marca de
16 milhões de exibições. Além desta, possui vídeos da chamada série ParTOBA, e
outros personagens como Bonequicha, Donizete, Carlinhos, Tomelirolla e Pastor
Metralhadora, este último, objeto de nossa análise.
O portal é amplo e divido por várias seções, tais como animações, vídeos, stand up,
horroróscopo, Compra Canibal etc, todo o material disponibilizado segue a linha
humorística caricata do Mundo Canibal. Além das produções, o portal mantém uma loja
virtual que fornece produtos derivados de suas produções, como cadernos, estojos,
chicletes, camisas, bonés e outros objetos que já viraram produtos de licenciamento.
As animações que analisamos tem como personagem principal o Pastor Metralhadora.
De forma geral, ele é representado por um homem de cor negra, cujas mãos simulam o
poder. Em uma delas está a bíblia e a outra mão representa simbolicamente uma
metralhadora. Quando encontra-se em situações adversas, o Pastor Metralhadora faz uso
dessas armas. Dependendo do nível e intensidade das batalhas, digamos assim, ele
solicita do céu, armas mais potentes, como o Meteoro de Chessus, e quando este não
resolve, solicita o Titanic de Noé. Nota-se que apesar do Pastor Metralhadora ser o
personagem principal das animações ele depende e se reporta sempre a Chessus, seu
superior.
Entre as animações do Pastor Metralhadora estão: “Crente Crush”, “Vídeo game coisa
do capeta”, “Salvando o aí! Pára!”, “Milagre da purificação”, “Milagre da cegueira”, “O
fim do mundo”, além das curtinhas do Pastor Metralhadora, tais como: “Assalto”,
“Festa junina”, “Olimpíadas” etc. Os personagens que compõe as animações, de alguma
forma, coadunam com o que a sociedade chama de diferente. Fazemos uma analogia
com o refugo de Bauman (1998), quando fala dos consumidores falhos. Entre eles, estão
o gay, o viciado em sexo, o assaltante, o drogado, entre outros.
No entanto, para a análise mais atenta selecionamos duas animações2, mais
especificamente aquelas que retratam ou representam Jesus Cristo. São elas: “O fim do
mundo” e “Mundo Canibal Apocalipse - o pior jogo do mundo”, esta última é a abertura
de um game desenvolvido também pelo Mundo Canibal, falaremos dele mais adiante.
ATENÇÃO//ATENÇÃO//ATENÇÃO. O vídeo a seguir NÃO DEVE SER
VISTO POR NINGUÉM. Todos os personagens e eventos (mesmo aqueles
baseados em pessoas reais) são inteiramente fictícios. Gostaríamos de
ressaltar que somos TOTALMENTE contra qualquer tipo de preconceito,
prática de violência, e que também não fazemos NENHUMA apologia a
comportamentos que agridam a moral, os costumes e os seres viventes de
todas as espécies !!! (MUNDO CANIBAL, online, s/d).
É desta forma que se inicia as animações do Mundo Canibal. Eles fazem questão de
afirmar que o vídeo não deve ser visto por ninguém, ao mesmo tempo em que enfatizam
não fazer apologia a comportamentos que não condizem com a moral e com os
costumes da vida cotidiana.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
10
4.1 O FIM DO MUNDO
Na iminência do fim do mundo, Pastor Metralhadora “pede” para que todos livrem-se
dos seus bens. Ele garante que ninguém levará nada para o céu e afirma, “Chessus disse
que isso é pecado”. O Pastor Metralhadora olha em seu relógio, de ouro reluzente, e faz
a contagem regressiva na frente de uma multidão. Ao final de cinco segundos, olha par
ao céu e faz um sinal de ok. Lá de cima, recebe o retorno. Lado a lado, o mal e o bem.
Em seguida, o Pastor Metralhadora se revolta quando um oriental reclama pelos seus
bens e o da multidão. A animação é encerrada com a seguinte frase: “Enquanto existir
trouxa nesse mundo a religião sempre vencerá. Livro de Meteus. Capíntulo 21-12-2012
– Testículo De Bois” (vídeo online, s/d).
Figura 1 – Imagens do episódio “O Fim do Mundo”
Fonte: (Mundo Canibal, online, [s/d]).
Quando o Pastor Metralhadora dá o sinal de ok e olha para o céu é para avisar aos seus
superiores que todos os bens (dinheiro, carro, ouro etc) já estão em sua posse, ou seja,
tudo o que tenha valor, financeira e simbolicamente, já que Diabo e Chessus estão lado
a lado. Eles não são trouxas, são sociedade alternativa, assim finaliza o Pastor
Metralhadora.
Contabilizamos 30 comentários3 sobre “O Fim do Mundo” na própria página de
exibição do vídeo. Contudo, não tivemos a pretensão de quantificar ou mesmo
qualificar tais comentários, mas nosso interesse recaiu sobre a questão da fé cristã e
como ela se configura no imaginário social. Dos 30 comentários exibidos na página, 16
parecem apoiar os vídeos do Pastor Metralhadora, afirmando que eles reproduzem a
realidade, fazendo uma crítica às igrejas evangélicas em suas configurações atuais,
marcadas por escândalos, pastores corruptos e enganação aos fiéis etc. O comentário de
número três, identificado pelo internauta, Rafael Gomes Pereira, diz o seguinte “Olá,
aqui quem fala é Jesus, vocês que acreditam em qualquer coisa semelhante a Deus são
todos otários, a grana de vocês está aqui comigo, vou gastar tudo com putas e joias.
Continuem pagando seus dízimos, obrigado”.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
11
Os outros 16 demonstram que os internautas não gostaram das críticas feitas à religião,
e principalmente, ao nome de Deus e de Jesus. Esses, criticam a postura do Mundo
Canibal no desenvolvimento de animações que brincam com a fé cristã. O comentário
número 10, de um dos internautas, identificado por Beto, diz o seguinte: “Sei que o
propósito de vocês é o humor, mas procurem não atingir a fé das pessoas com
insinuações maldosas, sei bem que tem pastores ruins, como padres também, mas a
grande maioria dos líderes espirituais são sérios e a fé é uma coisa real”.
4.2 MUNDO CANIBAL APOCALIPSE - O PIOR JOGO DO MUNDO
Quatro minutos e quarenta e cinco segundos de aberturado vídeo traz à tona o Mal Estar
da Pós-modernidade criticado por Bauman (1998). O que não presta para a sociedade
precisa ser eliminado. Aqui, pelo menos nessa vida, não há espaço para o refugo. A
sociedade do consumo precisa de consumidores ativos, voláteis, ansiosos e Chessus do
Mundo Canibal precisa de fiéis “arrombados” (vídeo online, s/d) dispostos a dar todos
os seus bens materiais e quando este ato de fé não é mais realizado, faz-se necessário
apelar para o Apocalipse. “Chessus, a casa caiu! Estamos na zona de rebaixamento do
instituti ofi populáriti”, diz o Pastor Metralhadora. Anime, funk, deputado polêmico,
web celebridades e outras porcarias faz mais sucesso que nós, reitera ele, afirmando que
o dinheiro está acabando.
Piririm piririm piririm alguém ligou para mim” toca o telefone de
Chessus. “Porcaria de funk, bla bla, blá....tá tá tá tá, entendi. Ai, o
Pastor se preocupa à toa. Deixa eu voltar para o meu jogo aqui. O
quê? Não! Não! Não!!! Peraí, o dinheiro? Sem dinheiro? Sem
dinheiro, a empresa fecha” (vídeo online, s/d). Em seguida, pega um
manual, simbolizando a Bíblia e procura pela solução do problema.
Chessus diz, “tá na hora de jogar o Apocalipse, na hora que eu zerar
esse jogo tudo voltará a ser como era antes. Vou acabar com essa
putaria (vídeo online, s/d).
Chessus chama então, o Pastor Metralhadora, nomeado o primeiro faxineiro do
Apocalipse, e em seguida monta um time para “jogar” no Apocalipse. O objetivo do
jogo é faxinar e eliminar políticos, otakus4, funkeiros, marombeiros, gordos etc. O jogo
possui dezenas de fases diferentes, passando por locais como favela, eventos de anime,
palácio do planalto, com a finalidade de bater em todo mundo "em nome de Chessus".
A figura abaixo é parte da visualização do cenário. Ao fundo temos a imagem
humanizada de Jesus, o Chessus, que observará atento a ação dos faxineiros do
apocalipse, ao início do jogo.
Figura 2 – Imagem do jogo “Apocalipse”
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
12
Fonte: (Mundo Canibal, online, [s/d]).
Verificamos doze comentários sobre a abertura do jogo na página do vídeo, dos quais
10 versam sobre a qualidade ruim do jogo, sobre o conteúdo e falta de criatividade das
animações. Dois dos comentários estão relacionados à crítica ao Mundo Canibal em
relação à utilização do nome de Jesus. “Cara, por que vocês só falam de Jesus? Não
cansam de blasfemar? Sim, sou evangélico e vou receber um monte de ignorantes me
xingando lalala, mas isso tá cansando... todo mundo sabe que isso perdeu a graça. Faz
uma animação que preste na boa. Chega de falar de Jesus e pastor metralhadora”.
Comentário de número quatro, do internauta Nathanael.
Devido ao esgarçamento das relações humanas, ao consumismo desenfreado, a inversão
de valores, a descrença no ser humano e no próprio Deus, a cultura da mídia se
reinventa. A cultura da mídia e o tecnocapitalismo, como já falamos anteriormente, se
apropria de qualquer produto que seja vendável para adquirir lucro. A indústria do
entretenimento cresce a passos largos, Mundo Canibal é apenas mais um deles. O
avanço das tecnologias de comunicação e informação proporciona acesso rápido e
irrestrito a esses tipos de produtos, que são atravessados em nosso cotidiano. Não existe
respeito e tampouco parcimônia na elaboração de conteúdos que são produzidos e
veiculados pela indústria do entretenimento.
A crítica que se pretende com as animações do Pastor Metralhadora, extrapola o
esfacelamento e o desgaste já existente das religiões. Padres pedófilos, pastores
juntando dinheiro com “rodo”, autoridades religiosas utilizando o nome de Deus para
ganhar dinheiro, escândalos, corrupções etc, esse, talvez, fosse o mote das histórias
contadas nas animações. Contudo, a luz das teorias empreendidas aqui e por meio de
vários depoimentos no próprio site do Mundo Canibal, percebe-se que além da crítica à
religião cristã, existe um escárnio com o nome de Jesus Cristo e a sua própria
humanização. O que passa pela indústria cultural, acaba virando produto e a cultura da
mídia se apropria e faz os seus tecnoespetáculos. Afinal, tecnoespetáculo,
entretenimento, ou os dois?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais do que apresentar dados o artigo buscou uma reflexão sobre o momento atual, em
que os produtos midiáticos estão imbricados em nosso cotidiano. O entretenimento
como vimos, passou a exercer papel importante na vida dos sujeitos. Hoje, o
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
13
entretenimento já não é mais visto como, banalização da cultura, proveniente de uma
cultura dita inferior ou somente diversão para as massas. Todas as produções são
válidas desde a alta cultura às culturas populares, justamente porque não cabe falar de
uma cultura única, tampouco, pura. Nas palavras de Canclini (2009, p.41), “a cultura
abarca o conjunto de processos sociais de produção, circulação e consumo da
significação na vida social”. Todavia, o que se torna premente é o que fazemos a partir
da leitura que temos da cultura da mídia, de seus produtos, desse atravessamento em
nosso cotidiano.
Logo no início da introdução comentamos apoiados no senso comum que mulher,
futebol e religião não se discutem. E fizemos também questão de frisar que no cotidiano
não é isso que vemos. Realmente, para além das discussões teóricas, filosóficas e do
senso comum, existe algo com mais vigor. É a experiência de vivenciar essas questões
aqui e agora, forjadas pela grande mediadora das relações sociais, a cultura da mídia.
Fazemos questão de relembrar, que Foucault (1996) jamais levaria em consideração tal
perspectiva, mas tentaria entender quem fala e porque fala, voltando a história. E, ainda,
buscaria entender o poder do discurso da mídia presente em seus Intercísticos e nas
exclusividades presentes em seu interior.
Assim sendo, acreditamos ser importante nos atentarmos para o papel que a mídia vem
desempenhando em todos os setores da vida cotidiana, rearranjando agendas, pautando
compromissos, já que o dia a dia acontece ao redor dela. Um assunto tão peculiar
quanto à fé cristã carece ser estudada no contexto da cultura da mídia, pois da mesma
forma que ela oferece aparatos para uma leitura enviesada, para o humor grosseiro e
para a alienação social, pode oferecer também mecanismos para uma leitura crítica da
sociedade.
Os exemplos trazidos com as animações do Mundo Canibal colaboram no sentido de
direcionarmos um olhar crítico para as produções deste tipo. Resta- nos saber o que
leitor mais atento encontrará ao abrir as cortinas dos tecnoespetáculo, já que as mídias
são a maior fonte de entretenimento do século XXI.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Presidência da República – Casa Civil. LEI Nº 9.459, DE 13 DE MAIO DE
1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9459.htm. Acesso em
02/02/2016.
BUCCI, Eugênio. O espetáculo e a mercadoria como signo. In: Novaes, Adauto (org).
Muito além do espetáculo. São Paulo: Senac, 2005.
CANCLINI, Néstor García. Diferentes, desiguais e desconectados. Mapas da
interculturalidade. Rio de janeiro: Ed. UFRJ, 2009.
CASTRO, Gisela G. S; ROCHA, Rose de Melo. Consumindo o entretenimento:
dimensões comunicacionais de um processo sócio-cultural. Revista Compós, s/d.
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
14
CASTRO, Gisela G. S; ROCHA, Rose de Melo. Cultura da mídia, Cultura do
Consumo: Imagem e espetáculo no discurso pós-moderno. LOGOS 30. Tecnologias de
Comunicação e Subjetividade. Ano 16, 1º semestre 2009.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do
espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2002.
CANDIOTTO, Cesar. Foucault e a crítica da verdade. Coleção Estudos
Foucaultianos. Belo Horizonte: Autêntica editora; Curitiba: Champagnat: 2010.
DIJK, Teun A. Van. Discurso e contexto: uma abordagem sociocognitiva. Tradução de
Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto, 2012.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. 3.ed. Edições Loyola: São Paulo, 1996.
KELLNER, Douglas. Cultura da mídia e triunfo do espetáculo. In: MORAES, Dênis de
(Org.). A sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Estudos culturais: identidade e política entre
o moderno e o pós-moderno. Bauru, SP: Edusc, 2001.
LIPOVETSKY, Gilles. A Era do Vazio: ensaios sobre o individualismo
contemporâneo. Barueri – SP: Manole, 2005.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e
hegemonia. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.
MUNDO CANIBAL Apocalipse - o pior jogo do mundo. Produção de Mundo Canibal.
São Paulo. Animação. Disponível em <http://mundocanibal.com.br>
O FIM do mundo. Produção de Mundo Canibal. São Paulo. Animação. Disponível em <
http://mundocanibal.com.br>
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a Mídia? São Paulo: Loyola, 2002.
ZYGMUNT, Bauman. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Zahar,
1998.
* Jornalista e Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo.
Docente na Universidade Regional de Blumenau (FURB).
** Publicitária e Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São
Paulo. E
INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 5, Edição número 23, Março/Setembro 2016 - p
15
_______ 1 Mais informações podem ser acessadas diretamente do site http://mundocanibal.com.br
2 As animações do Pastor Metralhadora podem ser encontradas no site do Mundo Canibal, disponível em
http://www.mundocanibal.com.br/aba/mc/ordem/recente/> e no canal que mantém no youtube, disponível
em <https://www.youtube.com/user/OficialMundoCanibal>. 3 Todos os comentários apresentados aqui foram transcritos literalmente, apenas corrigimos alguns erros
ortográficos, de forma que não afetasse sua compreensão ou sentido. 4 Originado no Japão o termo é utilizado para designar fãs de animes, mangás ou outras atividades que
são realizadas em excesso, tornando o fã obcecado ao ponto de encerrar demais relações e outras
atividades em prol de sua obsessão. Porém, é um termo pejorativo utilizado para ofender as pessoas que
não estão adequadas aos padrões da moda e de beleza, por exemplo.