Cidadania Do Idoso - Retórica Ou Realidade
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7/26/2019 Cidadania Do Idoso - Retrica Ou Realidade
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCOCENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
Mestrado em Servio Social
Convnio UECE/UFPE
CIDADANIA DO IDOSO:retrica ou realidade?
CLARA MARIA SILVA SALES
Recife - Pe2003
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CLARA MARIA SILVA SALES
CIDADANIA DO IDOSO:
retrica ou realidade?
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa dePs-Graduao em Servio Social da UniversidadeFederal de Pernambuco, sob a orientao daprofessora Dra. Anita Aline Costa.
Recife Pe.2003
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5163c Sales, Clara Maria Silva
Cidadania do idoso: retrica ou realidade? / Clara Maria
Silva Sales. ______, 2003
126 p.; il.; 31 cm.
Orientadora: Profa. Dra. Anita Aline Costa
Dissertao (Mestrado em Servio Social) UniversidadeFederal de Pernambuco, Centro de Cincias Sociais
Aplicadas
1. Idoso. 2. Cidadania. 1. Universidade Federal de
Pernambuco, Centro de Cincias Aplicadas.
CDD: 618.47
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Clara Maria Silva Sales
Cidadania do Idoso: retrica ou realidade?
Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de
Mestre no Curso de Ps-Graduao em Servio social da Universidade Federal de
Pernambuco (convnio UECE/UFPE), pela Comisso formada pelos professores:
_______________________________________Profa. Dra. Anita Aline Costa (Orientadora)
Ps-Graduao da UFPE - Pernambuco
_______________________________________
Profa.
Dra. Maria de Ftima de Souza SantosPs-Graduao da UFPE - Pernambuco
_______________________________________Profa. Dra. Maria Helena de Paula Frota
Ps-Graduao da UECE Cear
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AGRADECIMENTOS
s minhas filhas Adrianne, Christianne eCamille pelo apoio e compreenso.
professora e orientadora Anita Alinepelas sbias orientaes, pela posturadesafiadora e profissional em todo oprocesso de construo deste estudo.
amiga Maria Jos Barroso pelasinformaes e generosidade ao colocar nossa disposio sua rica biblioteca paraestudo e pesquisa.
coordenadora do mestrado Irma Moroni,pela postura tica na conduo dostrabalhos.
Aos idosos engajados no projeto conviverpelas ricas e fundamentais informaes.
s amigas Ivone e Eneida pelo apoio,amizade e cumplicidade no decorrer domestrado.
UECE pela oportunidade oferecida.
A todos colegas que participaram doMestrado, meus sinceros agradecimentos.
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Sinh dAmora, artista plstica cearense, de Lavras da
Mangabeira.
Exemplo de uma velhice digna, no abriu mo de seus
sonhos, dos seus desejos e realizaes
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LISTA DE ANEXOS
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Anexo 1 Os princpios estabelecidos pela ONU nos programasnacionais de atendimento ao idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Anexo 2 Plano Integrado de Ao Governamental; A Poltica Nacionaldo Idoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119
Anexo 3 Roteiro entrevista (Tcnicos). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125Anexo 4 Roteiro entrevista (Monitores). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126
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LISTA DE GRFICOS
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Grfico 1 Populao residente de 60 anos ou mais de idade, porgrupos de idade Brasil 1991/2000 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Grfico 2 Distribuio percentual da populao residente de 60 anosou mais de idade, em relao populao residente total,segundo os grupos de idade Brasil 1991/2000. . . . . . . . . . . 32
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LISTA DE QUADROS
pg.
Quadro 1 Sistema descentralizado e participativo de Assistncia Socialem Fortaleza. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Quadro 2 Distribuio das unidades do Projeto Conviver por Regiesem Fortaleza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Quadro 3 Atividades desenvolvidas no Projeto Conviver. . . . . . . . . . . . . 73
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LISTA DE TABELAS
pg.Tabela 1 Populao residente de 60 anos ou mais de idade, em
nmeros absolutos e relativos, por sexo, segundo as grandesRegies. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
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RESUMO
O tema do presente estudo relaciona-se com a anlise da AssistnciaSocial assim como se encontra posta pela Lei Orgnica da Assistncia Social LOAS, como direito social e mediao para cidadania. Nosso objeto de investigaofoi o projeto conviver direcionado populao idosa carente, cujos princpios ediretrizes foram delineados em consonncia com a poltica do idoso. O objetivoprincipal foi desvendar como e de que forma esse projeto viabiliza a incluso e acidadania do idoso. O processo investigativo foi desenvolvido como estudo de casona instituio OPERAO FORTALEZA OPEFOR, responsvel pela poltica doidoso em nvel municipal, no segundo semestre de 2002. Os dados foram coletadosatravs de entrevista semi-estruturada com os tcnicos envolvidos no projeto e comos monitores responsveis pelos grupos de idosos. Adotamos, ainda a observaodireta nas unidades operacionais e oficina de grupo com os idosos cujos dadosforam submetidos a uma anlise de contedo. Os dados demonstram que foramintroduzidas algumas medidas para atender as diretrizes propostas pela poltica doidoso (uma equipe multiprofissional, introduo de novas atividades, treinamentopara os monitores dos grupos). No entanto, no conseguiram superar oassistencialismo e as relaes de subalternidade presentes na prtica desse projeto.
Conseqentemente, essa postura adotada inviabiliza a assistncia como direito e acidadania permanece no campo da retrica.
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ABSTRACT
The theme of the present study concerns the analysis of the Social Workas being part of the SOCIAL WORK ORGANIC LAW-SWOL, which is connected tosocial law as well as mediation to citizenship. Our object of investigation as projetoconviver aiming to help the elderly in need, whose principals and guidelines wereoutlined accordingly to the elderly policy. The main purpose was to unveil the way bywhich this project accomplishes the elderly inclusion into citizenship. The scrutinizingprocess was developed as study of the situation at OPERAO FORTALEZAOPEFOR, responsible for the elderly policy of our city council in the second semesterof 2002. The data were collected by means of semi-structured interviews with boththe technicians involved with the project and the tutors responsible for the elderlygroups. We also adopted straight supervision in the operational unities as well asworkshops in groups with the elderly who went through some analysis of contents.The data show that some steps of action were introduced in order to meet theguidelines proposed by the policy of the elderly (a muiti-professional group,introduction of new activities and training for the tutors of the groups). Nevertheless,they did not manage to overcome the assistance and the relation of the subordinatedpersons present when practicing the project. Then, this attitude adopted is against
the assistance as a right and the citizenship remains at the rhetorical area.
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SUMRIO
LISTA DE SIGLA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vLISTA DE ANEXOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . viLISTA DE GRFICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ViiLISTA DE QUADROS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ViiiLISTA DE TABELAS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IxINTRODUO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 13CAPTULO 1
IMAGENS E SIGNIFICADOS DA VELHICE 191.1 Velhice: uma viso histrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191.2 Envelhecimento, velho e velhice. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241.3 O envelhecimento populacional e o idoso no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30CAPTULO 2
O ESPAO DA VELHICE NAS POLTICAS SOCIAIS 382.1 Da garantia de sobrevivncia cidadania da terceira idade. . . . . . . . . . . . . 382.2 A poltica nacional do idoso: do espao conquistado ao espao permitido. . 42 2.2.1 A assistncia social como direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 2.2.2 A assistncia social ao idoso em Fortaleza. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.2.3 A estruturao do sistema da LOAS em nvel local . . . . . . . . . . . . . . 502.3 A instncia da execuo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53CAPTULO 3
A ASSISTNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVADE MEDIAO DA CIDADANIA 56
3.1 A fundamentao terica do estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.1.1 Assistncia e cidadania. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.1.2 Cidadania afinal, de que se trata? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 573.2 Proposta de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 623.3 A OPEFOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 3.3.1 Projeto Conviver: mediao da cidadania. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
CAPTULO 4 PROJETO CONVIVER O PENSADO E O VIVIDO 764.1 Apoio ou dependncia? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 764.2 A difcil incluso social do idoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 864.3 O idoso usa a palavra. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 4.3.1 Porque estou aqui . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 4.3.2 Velhice Ser velho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 4.3.3 Idoso tem direitos? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 4.3.4 Poltica do idoso: o que sabem? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 4.3.5 O que dizem do projeto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103CONSIDERAES FINAIS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110ANEXOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
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INTRODUO
Velhice, envelhecimento, velho, idoso, terceira idade, e outros, certamente
so conceitos ou termos usados sob as mais diversas ticas, porm, ainda,
carregados de preconceitos.
A preocupao da sociedade com o processo de envelhecimento, nestes
ltimos anos, deve-se, sem dvida a trs motivos, ao nosso ver muito interligados.Um deles foi o prprio crescimento demogrfico da populao idosa brasileira nos
ltimos cinqenta anos, passando de 4% em 1950 para 9% em 2002 (IBGE, 2001);
o segundo diz respeito aos reflexos dessa longevidade para o campo econmico e
social, visto que um nmero crescente de idosos est passando a depender, por
mais tempo, da previdncia social e dos servios pblicos de sade e assistncia
social; o terceiro decorrente da prpria visibilidade alcanada pela velhice que se
faz em duplo movimento que acompanha sua transformao em uma preocupaosocial. De um lado, a socializao crescente da gesto da velhice, que saiu da
esfera privada (famlia) e se torna uma questo pblica, e de outro a forte tendncia
de reprivatizao que transforma a velhice numa responsabilidade individual,
sinalizado seu desaparecimento do foco das nossas preocupaes sociais (Debert,
1999).
Nas ltimas dcadas, proliferaram programas e projetos direcionados
para a populao idosa, como as universidades para a terceira idade, centro deconvivncia, grupos de convivncia e outros, os quais visam estimular uma nova
forma de auto-expresso e a explorao de identidades, at ento exclusivo de
grupos mais jovens, abrindo espao para experincias inovadoras e menos
preconceituosas da velhice. Contudo, o xito dessas iniciativas proporcional
precariedade de mecanismos que as polticas pblicas dispem para lidar com a
velhice pobre, abandonada e dependente.
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Para Debert (1999) a dissoluo desses problemas nas representaes
gratificantes da velhice um elemento fundamental na reprivatizao do
envelhecimento, na medida que essas experincias inovadoras e exitosas fecha o
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espao para as situaes de pobreza, abandono e doenas, as quais passam a ser
consideradas como de responsabilidade individual.
Essa nova imagem de velhice hoje to propagada pelos gerontlogos e
reforada pela sociedade de consumo no oferece instrumentos capazes de
enfrentar a decadncia de habilidades cognitivas, controles emocionais e as prprias
limitaes individuais (baixo auto-estima, sentimentos ambivalentes, etc.), os quais
so fundamentais na nossa sociedade para que um indivduo seja reconhecido
como capaz, autnomo e apto a exercer o pleno direito de cidadania (Debert,
1999:13).
Segundo Laslett (1987) essas experincias inusitadas da terceira idade,
requer a existncia de uma comunidade de aposentados com respaldo suficiente
na sociedade, demonstrando concretamente alguns requisitos dispor de sade,
independncia financeira e outros meios para tornar reais as expectativas de que
essa etapa da vida propcia realizao e satisfao pessoal.
Hoje vivemos um intenso processo de globalizao da informao, da
poltica e da cultura; grandes avanos tecnolgicos e transformao produtiva, as
quais vm produzindo uma sociedade complexa e multifacetada: de um lado,
mantm os cidados extremamente interconectados e, por outro, extremamente
vulnerabilizados em seus vnculos relacionais de incluso e pertencimento. A busca
incessante do novo e o mpeto de mudanas terminam por igualar bens, objetos e
pessoas. Em nome disto, valoriza-se tudo que novo e despreza-se aquilo que
velho.
Estamos diante de uma contradio. A sociedade contempornea alcana
notveis avanos no campo da tecnologia e progresso, afirma valores com respeito
vida, cidadania, singularidade pessoal e o direito ao bem-estar, mas no abre
mo da concentrao de renda e dos privilgios das elites, razo maior da
excluso social.
So os idosos os mais afetados neste contexto, muito cedo, soconvidados a ceder seus lugares aos mais jovens e, ainda exigem que estes tentem
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vivenciar uma velhice digna, que no atrapalhe os avanos da sociedade, que no
a envergonhe e nem criem problemas para o tecido social (M.I., aposentado, 78
anos, professor).
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para esses grupos situados no terreno movedio da pobreza, do
abandono e da excluso, que a assistncia social assume no cenrio das
sociedades modernas, a decisiva funo de promover, subsidiar, coordenar e
monitorar programas e servios destinados proteo social dos mesmos
(MPAS/SAS, 1998:10).
Ao longo das ltimas dcadas, o segmento populacional representado
pelos idosos vem crescendo significativamente no Brasil. Esse grupo populacional
um dos mais carentes de polticas de proteo social. Assim, em 1994, foi criada a
Lei no 8.842 Poltica Nacional do Idoso, a qual permitiu que o pas tivesse
oportunidade de considerar a questo do envelhecimento dentro da tica de uma
legislao especfica, que visa a garantia dos direitos dos idosos, a criao de
condies dignas para promover a sua autonomia e a integrao na sociedade.
Essa poltica coordenada pela Assistncia Social, enquanto poltica
pblica, que no mbito da seguridade social, visa oferece proteo aos segmentos
vulnerabilizados pela pobreza.
Nesta perspectiva, a poltica em pauta considera, que a melhor proteo
aquela que assegura aos cidados a sua incluso nas oportunidades de
integrao oferecidas pelas polticas pblicas, pelo mundo do trabalho e pelas diversas
expresses do convvio familiar, comunitrio e societrio(MPAS/SAS, 1998).
A assistncia social hoje colocada como um direito social e ampliao
para a cidadania, como afirma Yazbek (2001):
a assistncia social constitui poltica estratgica, no contributiva,direcionada para a oferta de um padro bsico de vida a determinadossegmentos da populao. Visa preveno ou superao de diferentesformas de excluso social e garantia de padres de cidadania e qualidadede vida (Yazbek, 2001:45).
O que pretendemos aprofundar que tipo de direito e cidadania so
concretizados junto populao idosa. No proposta nossa elaborar novo conceito
sobre a cidadania do idoso, mas sim aprofundar na compreenso do como essa
questo operacionalizada no cotidiano do Projeto Conviver.
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Nosso interesse pela temtica resultante de todo um trabalho
desenvolvido durante oito anos como Assistente Social da Legio Brasileira de
Assistncia, onde participamos da implantao do Projeto Conviver, onde foi
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possvel conhecer um pouco da realidade dos idosos pobres, sem proteo e sem
voz. Posteriormente, participamos da primeira pesquisa realizada sobre a realidade
do projeto conviver no Cear, patrocinada pela Legio Brasileira de Assistncia.
Estas experincias nos estimularam o desejo de conhecer com mais profundidade a
situao do idoso assistido pelo projeto conviver na perspectiva de cidadania.
Quanto ao processo investigativo, centramos nosso marco metodolgico
na tentativa de uma maior compreenso do real da poltica do idoso. Por se tratar de
um tema amplo, delimitamos nosso estudo junto ao Projeto Conviver, uma vez que,
esse a ao principal da poltica do idoso em Fortaleza. Nesta perspectiva,
elegemos a Operao Fortaleza OPEFOR instituio responsvel pela
operacionalizao da poltica do idoso em Fortaleza, atendendo 3.010 idosos
atravs do projeto conviver.
Temos conscincia de que muito e de vrios modos j se escreveu e se
pesquisou sobre o projeto conviver. Porm, tambm estamos certos que muito
pouco foi produzido e/ou avaliado sobre a prtica desse projeto, especialmente, no
que diz respeito a sua proposta.
No Captulo 1, propomo-nos refletir sobre a velhice, procurando
caracteriza-la diante de outras fases da vida, da diversidade cultural e mudana
social, bem como diante da complexidade dos sentimentos do idoso e das novas
imagens do envelhecimento. no cultural que podemos situar as percepes da
velhice. Atravs do tempo, o idoso foi privilegiado por suas experincias e sua
conduo no dependia exclusivamente, de dados biolgicos, pois os fatores
culturais intervm. Beauvoir (1970) afirma que para compreender a realidade e a
significao da velhice, , portanto, indispensvel examinar o lugar que destinado
aos velhos, que representao se faz deles em diferentes tempos, em diferentes
lugares(1970:43).
Trabalhar com o conceito de idoso faz necessariamente, estabelecer
diferenciaes clssicas: envelhecimento e velhice. O envelhecimento inexorvel. um processo que se inscreve no tempo do nascimento morte. um fenmeno
que percorre toda a histria da humanidade, mas apresenta caractersticas
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diferenciadas de acordo com a cultura, com o tempo e o espao. A velhice seria a
ltima fase do ciclo vital, para designar pessoas idosas. A Organizao das Naes
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Unidas (ONU, 1985) demarca o incio da velhice: as pessoas com 65 anos de idade
nos pases desenvolvidos e 60 anos de idade, para os pases em desenvolvimento.
No Brasil pelo contexto da desigualdade social que impera, como afirma
Joo Cabral de Melo Neto, em Morte e vida Severina, a misria pode fazer um
indivduo ser velho, antes dos trinta. Esses idosos continuam amarrados falta de
oportunidades e as desvantagens, em virtude da pobreza que s agrava as
dificuldades fsicas e sociais da velhice.
No Captulo 2, buscamos situar a velhice no espao das polticas sociais.
A Constituio Federal de 88, ao garantir Assistncia Social o status de poltica
pblica, como integrante da Seguridade Social, introduz importantes mudanas de
paradigmas, transformando uma prtica clientelista em participao ampliada de
cidadania. Atualmente a Poltica de Assistncia Social tem a responsabilidade e
competncia de garantir s pessoas idosas, o acesso aos bens e servios de
qualidade emanados destas e das demais polticas pblicas.
A Lei n
o
8.842 que dispe sobre a poltica nacional para o idoso tem porobjetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condies para promover
sua autonomia, integrao e participao efetiva na sociedade. Vale ressaltar, as
disposies do artigo 3o desta lei, que trata o envelhecimento populacional como
uma questo de interesse da sociedade em geral e reconhece a necessidade de se
considerar as diferenas econmicas, sociais e regionais existentes no Pas na
formulao de polticas direcionadas aos idosos.
Mais recentemente, em maio de 2002, o governo federal instituiu oPrograma Nacional de Direitos Humanos que considera como pblico-alvo todos os
grupos populacionais especficos passveis de discriminao, entre os quais, o grupo
de pessoas idosas.
Enfocamos, ainda a assistncia social do idoso no contexto de Fortaleza
e a nova estrutura do sistema descentralizado da Poltica de Assistncia Social,
abrindo espao para a compreenso da poltica direcionada ao idoso em contexto
local.
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No Captulo 3, sempre na tentativa de compreender a assistncia social
como direito e avano para cidadania, procuramos fazer uma representao geral
sobre assistncia e cidadania, para entender a sua ao bsica, ou seja, incluir os
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excludos, procurando estender cada vez mais a universalidade da elegibilidade dos
servios atravs da expanso do existente, como da criao de novas formas de
cobertura das diferentes necessidades. Sposati (1996) afirma que o carter de
mediao da assistncia se faz enquanto seus servios criam vnculos entre o
Estado e a populao atravs de movimentos de passagem da excluso incluso
e da incluso excluso.
A mediao do Estado nesse confronto de interesse fundamental, pois,
na medida que no consegue introduzir (mesmo que precariamente) o pobre no
mercado de trabalho, busca definir e institucionalizar medidas e/ou alternativas de
controle social, no sentido de manter a prpria lgica do sistema. Neste sentido, a
introduo do ensino obrigatrio e universal, a ampliao da cobertura da
previdncia social, o incentivo da bolsa escola, entre outros, so formas de
organizao da vida dos segmentos populacionais que esto fora do mercado de
trabalho, com vistas a evitar a excluso, que seria prejudicial a prpria sobrevivncia
do sistema. , justamente por essa via que a participao poltica da sociedade
pode reverter o convencional processo assistencial perverso e controlador do Estado
(Id, 1996).
Apresentamos, ainda, o projeto conviver enquanto espao de cidadania,
sua proposta, princpios e metodologia e a nossa proposta de estudo.
Finalmente, no Captulo 4, apresentamos os resultados do nosso estudo
junto ao Projeto Conviver especialmente sua prtica e a fala dos idosos
engajados nesse projeto; o que pensam; o que fazem; o que dizem do projeto.
Com este trabalho, com suas lacunas evidentes, no quisemos fechar
questo com relao ao valor e/ou importncia do projeto conviver. Bem ao
contrrio, nossa preocupao foi com sua prtica, ou seja, como desenvolvido
dentro do que prope. Temos conscincia de que fizemos to somente uma
abordagem inicial, cuja compreenso detalhada apenas se iniciou.
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CAPTULO 1
IMAGENS E SIGNIFICADOS DA VELHICE
1.1 Velhice: uma viso histrica
Poucos problemas tm merecido tanto a ateno e a preocupao do
homem em toda a sua histria como a questo da velhice e da incapacidade
funcional qual se mostra associada.
A velhice, embora determinada por mutaes biolgicas e pelo referencial
cronolgico, possui determinantes sociais que variam de indivduo para indivduo, de
cultura para cultura, de poca para poca. Nesse sentido, fica evidente a
impossibilidade de pensarmos o que significa ser velho, fora de um contexto
histrico determinado. As diferentes imagens da velhice produzidas ao longo dos
sculos, foram socialmente construdas. Para Beauvoir (1970):
... o que define o sentido e o valor da velhice o sentido atribudo peloshomens existncia, o sistema global de valores [...]. Segundo a maneirapela qual se comporta para com os seus velhos, a sociedade desvenda,sem equvocos, a verdade tantas vezes cuidadosamente mascarada deseus princpios e seus fins.(1970:97)
Por essa razo, o significado de ser velho na Antigidade diferente da
concepo moderna de velhice. Nas civilizaes milenares e em sociedades
arcaicas, algumas como da frica, onde no existia o confronto de castas e classes
sociais, pois comunitria era a forma de viver a velhice era considerada como fonte
de sabedoria e experincia. O papel social do ancio era o de conselheiro, guardio
das tradies, elo entre as origens e os deuses. A concepo de ser velho se
revestia de sacralidade, j que os cabelos encanecidos eram incumbidos de efetuar
a ligao com os antepassados, unindo vivos e mortos em uma cadeia csmica. A
velhice, segundo essa concepo, se encontrava relacionada noo de fora vital
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e por isso, uma etapa prestigiada da existncia humana. O envelhecimento e a
juventude faziam parte da cosmizao do existir e podiam ser comparados s
rvores frondosas que se despojavam de suas folhas e tornavam a se recobrir de
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verde, todos os anos (Chevalier, 1988). Essa concepo sacralizada foi adotada por
vrios povos antigos e tribais para representarem a velhice por meio da simbologia
de determinados tipos de rvores. Os africanos de Bengala adotaram a figueira 1
como smbolo da vida comunitria, pois sob seus galhos, abrigavam mais de vinte
mil pessoas. Os celtas consideravam o carvalho como smbolo da sabedoria e
longevidade, enquanto as tribos africanas do Senegal cultuavam o baob como a
rvore da imortalidade, face ao gigantesco aspecto do seu tronco (Chevalier, 1988).
Nessas sociedades, cuja organizao se realizava comunitariamente, a
memria, o poder mgico e a transmisso das tradies em sua oralidade
asseguravam ao velho, de um modo geral, a mobilidade entre valores terrenos e os
espirituais.
Valores religiosos e filosficos certamente desempenharam importante
papel na posio dos velhos nas diferentes sociedades. A crena nos deuses e a
possibilidade de interveno dos espritos interferiram na atitude das sociedades
primitivas para com os velhos. Para Magalhes (1987), O papel da memria
tradicionalmente valorizado entre os mais velhos, assim como suas lembranas
constituem patrimnio coletivo, expresso e servindo permanentemente no contato de
novas geraes, sejam crianas ou adultos(1987:29).
Essa tradio tambm observada nas sociedades orientais,
especialmente na China, onde o velho, de modo geral, ainda hoje ocupa uma
posio privilegiada, tanto no espao familiar, como no religioso. Para o taosmo,
doutrina chinesa de Lao-Ts, o fim supremo consiste na longevidade. O
envelhecimento, nessa cultura, significa a vida em um plano mximo de depurao,
no jamais entendido como flagelo, mas, ao contrrio, como representao de
suprema sabedoria(Secco, 1994:10).
Nas origens da sociedade grega, a juventude e a velhice conviviam como
aspectos complementares na unidade vital. A velhice estava associada noo de
honra e respeito. Porm, com as mudanas ocorridas pelo desenvolvimento nasociedade grega, a velhice perde a aura mgica e passa a ser conjugada com a
questo do poder. Sob o signo do poder, a velhice passa a ser considerada um mal,
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__________1A figueira foi eleita como o emblema da velhice na Assemblia Mundial das Naes Unidas sobre oEnvelhecimento (Viena, 1982).
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cercada de preconceitos e rejeies. Curiosamente, Esparta, onde mais valorizado
era o ideal fsico, foi o local onde o conselho de 28 homens com idade acima de 60
anos tinha, atravs da Gersia, o total controle da cidade-estado (Beauvoir, 1970).
Na antiga Roma, os velhos parecem ter recebido o respeito, ao menos
nominal. A mais importante instituio de poder, o Senado tambm era constitudo,
como as Gersias por ancios, cuja participao nos destinos do povo era relevante.
No seio das famlias, constituam o pater famlias, cujo poder era quase ilimitado.
Quando Roma passou a ser governada pelos militares, as conquistas, os jovens e
homens vigorosos passaram a receber atenes especiais. Assim gradativamente, a
velhice comea a perder o prestgio, como tambm ocorre com o pater famlias.
Um dos mais interessantes documentos sobre o envelhecimento nos foi
legado por Marco Tlio Ccero, que em seu livro De Senectude faz importantes
consideraes sobre os diversos problemas da velhice, como a memria, a perda da
capacidade funcional, as alteraes dos rgos dos sentidos, a perda da capacidade
de trabalho, entre outros.
Todas as idades tm seu termo certo; s a velhice o no tem: vive-se
nela bem enquanto se podem cumprir os deveres e sem o temor da morte; do que
resulta que a velhice mais animosa e mais forte que a mocidade (Ccero,
1966:115).
Na civilizao hebria, o respeito do povo judeu pelos velhos fica patente
em seu principal livro: a Bblia. No livro Eclesistico (escrito aproximadamente em
200 a.C.) aparecem vrias recomendaes sobre o cuidado com os velhos, comoum conselho fundamental para os filhos (Ecle 3,14-15): Meu filho, ajuda velhice do
teu pai, no o desgastes durante a vida. Se seu esprito desfalecer, s indulgente,
no o desprezes porque te sentes fortes, pois caridade para com teu pai no ser
esquecida.
A religio enaltecia a experincia e o conhecimento dos mais velhos e
exigia a obedincia dos mais jovens. Contudo, um mito afirmar que em
todas as sociedades da Antigidade o velho era prestigiado e tratado com respeito,em funo do seu saber e experincia. Primeiro, porque o prestgio dos velhos
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dependia muito do poder aquisitivo e/ou do status social da famlia; segundo, porque
a mortalidade nesse perodo era muito grande devido fome, peste e guerras.
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Conseqentemente, um nmero reduzido de indivduos conseguia atingir a velhice.
Philippe Aris (1981), em seu estudo sobre o estgio da vida humana,
assinala o destronamento da velhice, a partir da Idade Mdia. Segundo o autor, a
sociedade medieval, preocupada com as guerras, exclui os velhos da vida pblica,
sendo governada pelas foras das armas e da Igreja. Os ideais das cruzadas que
prestigiavam a virilidade e a coragem dos jovens e Cavaleiros. O velho, de modo
geral, deixa de ser prestigiado, considerado ridculo e decrpito, passa a ser
representado pela figura do ancio avarento e/ou velho bruxo. A ideologia catlica,
na Idade Mdia, assegurava, em geral, aos jovens um estatuto privilegiado, cuja
misso era a de resgatar o Santo Sepulcro.
Com o Renascimento, a velhice passou a ser rejeitada com mais
veemncia. At mesmo os velhos ricos eram objeto de zombaria, escrnio e
desprezo. Invocam-se, assim, os antigos paradigmas grego-romanos, os quais
exaltam a beleza do corpo, o equilbrio esttico e/ou perfeio. Apesar de
desvalorizado, o velho no se encontrava porm, totalmente discriminado dos
espaos sociais, pois at o sculo XVIII no existia bem definido o parmetro da
relao capital-trabalho e priorizar a produtividade econmica. O sculo XIX assinala
o perodo do crescimento das fbricas e a ascenso da burguesia. As velhas
cidades se urbanizam, cresce a nova populao de operrios e, conseqentemente,
surgem novos paradigmas para a famlia que se estrutura, ento, segundo valores
burgueses. Como afirma Secco (1998:19): A nova imagem do velho, da mesma
forma que a inveno social da criana, produto da industrializao. A infncia e a
velhice, excludas dos crculos de produo, pairam idealizadas, acima da condio
humana [...].
A infncia, concebida como a etapa de preparao para o mundo do
trabalho, priorizada, enquanto a velhice passa a ser encarada como uma segunda
infncia, cabendo ao velho o cio como recompensa pelos anos de trabalho.
Nas ltimas dcadas do sculo XIX, aps o processo de industrializao
na Inglaterra, a velhice torna-se um alvo das lutas de classes. O conflito de geraesse intensifica pois a solidariedade entre as duas geraes, a de jovens e a de
velhos, passou a ser vista como algo que refreava o sistema produtivo. A gerao
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mais jovem tendo que acompanhar as inovaes, a mobilidade profissional e
residencial em nome do imperialismo industrial, tinha que se livrar da gerao mais
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velha era preciso investir no futuro, sem grande preocupao com os que ficavam
para trs, enfraquecidos, inativos e incapazes de se adaptar ao progresso
imperativo(Hussel, 1994:01).
Na verdade, a moral do sculo XIX falseava a imagem do ancio
respeitvel e a revestia de nobreza, quando, contraditoriamente, pregava a tica do
capital. Na passagem para o sculo XX, a velhice no recebeu nenhum tratamento
de destaque, apesar de, paradoxalmente ter sido ampliado, nesta poca, o ndice de
expectativa de vida dos seres humanos. Parece fora de dvida que, mais do que
nunca, os velhos pobrese os incapacitados para o trabalho produtivo tm agora seu
destino confinado ao desprezo e ao isolamento social. Enquanto isso, os velhos
ricos e abastados recebem tratamento diferenciado, ou seja, o poder aquisitivo os
protege da marginalizao.
Para Beauvoir (1970), a questo da velhice decorre mais de uma luta de
classe que de um conflito de geraes. No decorrer da histria, tal como hoje em
dia, a luta de classes determina a maneira pela qual um indivduo se torna presa da
velhice, um abismo separa o velho escravo do velho euptrida, um antigo operrio
que recebe uma penso miservel de um Onassis(Beauvoir, 1970:14-15);
Essa situao teve origem nas sociedades desenvolvidas, j que essas
foram as primeiras sociedades populacionalmente envelhecidas. Exemplo dessa
discriminao ocorria na Frana no sculo XIX, onde o termo velho era usado para
designar aquelas pessoas pobres e/ou carentes. No entanto, para designar aqueles
que tinham maiores recursos, mesmo com mais de 60 anos, usava-se a terminologia
idoso. o que afirma Clarice Peixoto (1998):
... a questo da velhice se impunha essencialmente para caracterizar aspessoas que no podiam assegurar seu futuro financeiramente o indivduodespossudo, o indigente, pois as pessoas com certo patrimnio, aquelesque Aris designa como os patriarcas com experincia preciosa, detinhamcerta posio social, administravam seus bens e desfrutavam de respeito .(1998:71)
A representao da velhice como um processo contnuo de perdas
acompanha, assim, as condies histricas e o processo de transformao sob os
determinantes socio-polticos e econmicos que do lugar aos antagonismos de
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classes e polarizam as relaes sociais. Certamente, assim se constrem os valores
e as formas de sociabilidade que tendem a discriminar, marginalizar ou excluir os
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velhos ou improdutivos.
No panorama da modernidade, o ponto central de ateno volta-se
essencialmente para o futuro. O progresso acelerado em todos os domnios da
tecnologia exige uma adequada preparao dos indivduos para responder s novas
exigncias do mercado. Neste mundo tecnoburocratizado, annimo e impessoal, o
homem comum destina-se a viver a perturbadora experincia de envelhecer. A
experincia dos velhos, to decantada como importante vnculo scio-cultural perde
sua importncia, uma vez que agora conseguida com maior rapidez mediante os
recursos da moderna tecnologia. A sabedoria at ento atribuda aos anos de vida,
no mais referncia que vem da tradio, ela agora flui com os recursos intensivos
advindos com a informtica. Para Berman: ser moderno encontrar-se em um
ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformao e
transformao das coisas em redor mas, ao mesmo tempo, ameaa destruir tudo o
que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos(1986:17).
A atual sociedade de consumo identifica freqentemente o produtivo com
o til e o no produtivo com o intil. Com o considervel aumento da esperana de
vida, fundamentalmente surgido nos pases desenvolvidos, comea a anunciar-se
como urgente uma desmistificao do conceito de velhice que se impunha um
sentido de ruptura ou de separao rgida e estanque entre a vida adulta e a velhice.
Como justifica Canas (1983), tal conceito est impregnado de idias feitas, de
preconceitos que se relacionam com ecos de presso, de agresso, de
menosprezo, de desesperana e de fim. A velhice tem de ser entendida na sua
totalidade, como processo complexo para o qual concorrem fatores de ordem
biolgica, social, econmica e cultural, agindo no sistema de relao indivduo,
sociedade e meio ambiente.
1.2 Envelhecimento, velho e velhice
O grande avano tecnolgico, registrado na segunda metade do sculo
XX, aliado s notveis conquistas obtidas no campo da medicina, da sade e da
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gentica, tem contribudo para estender a expectativa da vida humana, exigindo a
reformulao de elementos e dimenses do conceito de envelhecimento.
Mas, a velhice no uma questo to simples de ser definida. Na
25
verdade, uma tarefa complexa que implica mltiplas dimenses: a biolgica, a
cronolgica, a psicolgica, a existencial, a cultural, a social, a econmica, a poltica,
entre outras. Em sua tese Envelhecer num pas de jovens, Nri (1988) considera
que no nada fcil detectar na literatura gerontolgica as distines conceituais
entre envelhecimento, velho e velhice, embora entendidas como claras e
devidamente contextualizadas por dimenses espao-temporais, scio-culturais e
individuais. Da resulta um estado de confuso mais ou menos generalizado, que
abre espao para inmeras interpretaes, nem sempre adequadas e/ou corretas
(1988:34).
Como entender o envelhecimento? E a velhice? Ou ainda, que ser
velho? A primeira constatao que no possvel dar uma definio nica. Na
verdade, a velhice mais do que uma palavra. Para aqueles que se fixam no
aspecto cronolgico, o envelhecimento entendido como um processo irreversvel,
que se inscreve no tempo entre o nascimento e a morte do indivduo. Assim posto,
um processo contnuo que acompanha a todos, em qualquer situao. Mas, no
existe um consenso sobre o que se chama de velhice, porque as divises
cronolgicas da vida humana so conceitos construdos historicamente e que se
inserem na dinmica dos valores e da cultura de cada sociedade. Isso no significa
que tais conceitos no tenham efetividade. A idade cronolgica tem se mostrado
fundamental para determinar o lugar de cada indivduo na sociedade. Na verdade,
ao se aproximarem de realidades especficas, tais conceitos operam recortes no
tecido social, dimensionando direitos e deveres, definindo relaes entre as
geraes e distribuindo poder e privilgios (Nri, 1988).
Contudo, conceituar uma pessoa como velha apenas por critrios
cronolgicos esquecer sua dimenso temporal subjetiva. O calendrio externo
pode no corresponder jovialidade interna que mantm um indivduo de idade
avanada, ativo e motivado. Existem fatores individuais, como temperamento,
sade, famlia, e fatores sociais, como classe social, condies scio-econmicas,
condies de trabalho, entre outros, que interagem e influenciam o conceito de
velhice. A pobreza, a falta de sade, as condies precrias de trabalho podem
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contribuir e/ou fazer um indivduo velho precocemente. o que confirma Tnia
Kaufmann (1985), quando diz:
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mais importante do que a idade cronolgica so a idade fisiolgica e apsicolgica. Muita gente tem uma idade biolgica diferente da cronolgica,dependendo de fatores genticos e ambientais. Alm disso, nem todas aspessoas envelhecem do mesmo jeito: as alteraes fisiolgicas associadas idade variam de pessoa para pessoa.(1985:23)
A ideologia cientificista do evolucionismo foi a base cientfica que formulou
o ciclo biolgico da existncia humana em faixas etrias bem definidas. Nesta tica,
o conceito de velhice se constitui apenas como o momento de decadncia da
existncia humana, caracterizado, exclusivamente, por especificidades no seufuncionamento biolgico. Essa concepo positivista e naturalista da existncia
humana considerava que todos os seres estavam fadados a uma evoluo contnua:
nasciam, cresciam, reproduziam, envelheciam e morriam. Essa era a perspectiva da
antiga geriatria, cuja fundamentao terica se apoiava na teoria do desgaste dos
rgos. A moderna gerontologia no compreende a velhice somente do ponto de
vista biolgico, mas, principalmente, a partir de uma tica social e existencial.
Beauvoir (1970) explicita que
a velhice, como todas as situaes humanas, tem uma dimenso existencial:modifica a relao do indivduo com o tempo e, portanto, sua relao com omundo e com a prpria histria. Por outro lado, o homem no vive nunca emestado natural; na sua velhice, como qualquer idade, seu estatuto lhe imposto pela sociedade a qual pertence.(1970:34)
Para a referida autora a sociedade que destina ao velho seu lugar e seu
papel levando em considerao sua idiossincrasia individual: sua impotncia, sua
experincia; reciprocamente, o indivduo condicionado pela atitude prtica e
ideolgica da sociedade em relao a ele. Neste sentido, no basta descrever de
maneira analtica os diversos aspectos da velhice, uma vez, que cada um deles
reage sobre todos os outros e afetado por eles. , justamente no movimento
indefinido desta circularidade que preciso apreend-la (Beauvoir, 1970).
Para o gerontlogo Heinz Woltereck (1959), a velhice no representa
necessariamente declnio. Pode significar, inclusive, plenitude, j que o importante
no so os anos acumulados, mas o contedo em termos de vivncia. O termo
envelhecer, apresenta, assim, dois grandes significados: um, restrito, de ordem
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biolgica, que corresponde idade da regresso fsica; outro, amplo, existencial, em
que ser velho compreende um processo dialtico, prenhe de amadurecimento e
sabedoria. Essa viso bipolar regresso progressiva das condies biolgicas e,
27
paradoxalmente,acmulo do saber no constitui, porm, uma concepo exaustiva
exaustiva e nica da questo do envelhecimento no contexto atual.
San Martin e Pastore (1990) assim advertem:
No existe um consenso sobre o que se chama velhice porque as divisescronolgicas da vida humana no so absolutas e no correspondemsempre s etapas do processo de envelhecimento natural, os desvios seproduzem em ambos os sentidos, isto , a velhice no definvel porsimples cronologia, seno e melhor! pelas condies fsicas, funcionais,mentais e de sade das pessoas analisadas, o que vale afirmar que podemser observadas diferentes idades biolgicas e subjetivas em indivduos coma mesma idade cronolgica. Sucede assim porque o processo doenvelhecimento, em geral, muito pessoal e cada indivduo envelhecendopode apresentar involues em diferentes nveis e em diversos graus, nosentido de que certas funes e dificuldades declinam mais rapidamenteque outras. (1990:74)
O envelhecimento apresenta-se como um processo gradativo que varia de
indivduo para indivduo. No se pode falar de velhice segundo o critrio de
homogeneidade.
Biologicamente, o envelhecimento comea pelo menos to precocemente
quanto a puberdade (alguns geriatras afirmam que esse processo se inicia aps a
concepo) e continua durante a vida.
O fentipo do envelhecimento, que representado por indicadores tpicos,
como perda do peso, reduo da massa corprea, cabelos grisalhos, pele enrugada,
etc, o reflexo de um somatrio de alteraes somticas que, mais rpida ou mais
lentamente, estaro presentes em todos os idosos. Essas manifestaes, emboraevidente e facilmente observveis, no tm hoje esclarecidos os mecanismos
envolvidos em sua gnese, apesar do envelhecimento biolgico ser um fenmeno
universal e comum a praticamente todos os seres vivos animais (Papalo, 1996). A
maioria da literatura geritrica e gerontolgica internacional aceita um ponto de corte
aos 65 anos, idade a partir do qual os indivduos so considerados idosos. Esse o
critrio adotado pela Organizao das Naes Unidas (ONU) para os pases
desenvolvidos. Para os pases em desenvolvimento, onde a expectativa mdia
menor, reconhecido o limite de 60 anos como a idade de transio das pessoas
para o segmento idoso (ONU, 1986). A Assemblia Mundial sobre Envelhecimento
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(Viena, 1982) tambm define populao idosa como o grupo de pessoas com 60
anos e mais. O critrio cronolgico ainda o mais utilizado sempre que existe a
necessidade de delimitar a populao idosa, seja nos estudos de fundo
28
epidemiolgico, seja nos estudos com propsitos administrativos, de planejamento
ou de oferta de servios, entre outros.
Sob a influncia da economia liberal a definio do estatuto de pessoa
idosa assumida segundo padres baseados na igualdade jurdica. Caminha-se por
a para a periodizao das fases da vida, prevalecendo a cronologia de idades
biolgicas absolutas. O valor dos indivduos no mercado de trabalho sem dvida
uma das variveis que influenciam a determinao do envelhecimento social. Esse
aspecto apontado por Lnoir (1989), lembrando que duas condies lhe so
explcitas: a posio de grupos sociais e o confronto de outras geraes. Os
princpios da diviso do trabalho estruturam a reproduo das tarefas entre os
grupos sociais e, conseqentemente, as categorias de percepo e de avaliao
desses grupos. A afirmao dos interesses de classe dominante acaba se
traduzindo nas diferenas e antagonismos entre esses grupos.
Ao abordar o problema das divises entre as idades, Bourdieu (1983)
salienta os mecanismos de reproduo da ordem social e afirma: as classificaes
por idade (mas tambm por sexo, ou, claro por classe) acabam sempre por impor
limites e produzir uma ordem onde cada um desses se mantm em seu lugar
(1980:112). Ao defender a idia de que o lugar de cada um na sociedade est pr-
estabelecido, Bourdieu considera a sociedade constituda por dois plos
hierarquicamente opostos: a dos dominantes e o dos dominados. O problema da (in)
indefinio dos limites etrios vincula-se partilha do poder e de disputa de
privilgios entre as geraes. Ou seja, a definio de fronteiras entre maturidade e
velhice seria objeto de disputa entre adultos jovens e adultos mais velhos: a
transio da maturidade velhice ficaria reduzida reproduo do sistema de
dominao e das desigualdades sociais.
A suposta homogeneidade das idades criticada igualmente por
Galland (1996) ao chamar ateno para sua configurao diferenciada, segundo as
condies sociais e o sexo. Assim como a juventude, a velhice deve ser analisada e
estudada segundo o contexto em que se insere, importando compreender, os
espaos em que se movimenta e suas formas de sociabilidade. No seu
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entendimento, as transformaes histricas na sociedade contempornea levam ao
questionamento de qualquer ideal de unidade e homogeneidade social. Ganha
nfase a subjetividade individual. O sujeito individual, as prticas e os processos que
29
ele protagoniza passam a ser o foco de anlise.
A moderna gerontologia ultrapassa a idia do envelhecimento como um
processo contnuo de perdas e decadncia fsica. A partir dos avanos trazidos pela
psicanlise e pelas cincias sociais, a velhice passa a ser compreendida tambm
por dimenses subjetivas e existenciais, sujeita capacidade individual de
reelaborao da experincia social. Neste sentido, merece destaque o trabalho de
pesquisa de Paulo Battes 2, cujos resultados servem consolidao do conceito de
velhice bem-sucedida com base nas seguintes proposies:
o envelhecimento uma experincia heterognea, que varia de indivduo
para indivduo, dependendo da forma como cada um organiza seu
curso de vida;
na velhice fica preservado o potencial de desenvolvimento, dentro dos
limites da plasticidade individual;
os mecanismos de auto-regulao da personalidade mantm-se intactos
em idade avanada;
a velhice inclui ganhos e perdas e determinada por um vasto espectro
de variveis (histria de vida, condies de trabalho, meio-ambiente,
fatores individuais, interindividuais, grupais, scio-culturais, entre outros)
em constante interao.
A velhice aparece, ento, como uma nova fase de vida, construda no
decorrer da trajetria social ao longo de um processo interativo, multiforme,
descontnuo. A diversidade das trajetrias individuais e a complexidade de suas
determinaes sociais condies de vida, sexo, etnia, grau de escolaridade,
modelo de educao, experincia cultural, conflitos emocionais, etc vo possibilitar
os comportamentos e as prticas do idoso, as quais no esto descoladas da
estrutura social. Ao contrrio, so influenciadas tanto por foras sociais como pelas
aes dos indivduos na vida cotidiana.
Para alm da velhice biolgica, a histria e o sistema de relaes sociais,
bem como as referncias econmicas, institucionais, polticas e culturais fornecem o
contexto que servir ao estudo e caracterizao do idoso na sociedade. Isso significa
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__________2Paulo Battes desenvolveu um trabalho de pesquisa, no Max Planck Institute em Berlim, buscandouma compreenso do envelhecimento humano contextualizado histrico e culturalmente e embasaem pressupostos e dados cientficos, dando destaque a uma nova forma de velhice com reduzidasperdas (Velhice bem sucedida, 1994).
30
que as caractersticas geralmente percebidas como prprias de pessoas idosas
(progressiva perda do poder decisrio, esvaziamento dos papis sociais, gradativa
perda de autonomia e independncia, entre outros) variam de acordo com os valores
culturais, com o transcorrer das geraes e, principalmente, com as condies de
vida e trabalho a que esto submetidos os membros dessa sociedade. As
desigualdades dessas condies levam desigualdade no processo de envelhecer.
Simone de Beauvoir, no seu amplo estudo sobre a velhice, considera que
essa etapa da vida no a concluso necessria e/ou final da existncia.
diferente, sim, da juventude e da maturidade, mas dotada de um equilbrio prprio e
de possibilidades (1990:25). Entretanto, esta possibilidade depende estreitamente
da natureza da sociedade e do lugar que nela ocupa o indivduo em questo.
A velhice no uma espcie de propriedade natural que advm com o
tempo, mas, sua delimitao se inscreve no estado da relao de foras entre as
classes sociais e das relaes entre as geraes. Essas desigualdades se refletem
na expectativa de vida, na incapacidade e na qualidade de vida de cada um.
Conseqentemente, a velhice s pode ser compreendida como processo, vivenciado
e sentido no contexto histrico-social.
1.3 O envelhecimento populacional e o idoso no Brasil
Nos pases em desenvolvimento, o envelhecimento populacional impe-
se como uma realidade, ao mesmo tempo presente e desconhecida. No Brasil, essarealidade surge como um grande desafio. Enquanto os estudos na rea da
gerontologia desmistificam e apontam caractersticas positivas e potenciais que
envolvem o envelhecimento, cresce a inquietao dos governantes, planificadores e
gestores de polticas sociais. Se por um lado se faz urgente a efetivao de medidas
que permitem a populao idosa usufruir a vida que lhe foi estendida, com mais
qualidade e dignidade, com a adequao dos sistemas de sade e previdncia, por
outro lado ainda persiste uma concepo tradicional de velhice, na sociedade, que
tende a reduzir a questo aposentadoria, contemplando apenas a perda do valor
mercantil no processo de reproduo da fora de trabalho. Assume, ento, o
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primeiro plano a discusso sobre o custo da improdutividade, simplesmente
metamorfoseada nas projees sobre os custos da aposentadoria e da cobertura
31
mdico-assistencial da velhice. Chama-se a ateno para a inviabilidade do sistema,
mesmo que a qualidade dos servios prestados continue precria, responsabiliza-se
o valor da aposentadoria pelos baixos salrios no mercado de trabalho, transfere-se
enfim, ao envelhecimento da populao a responsabilidade de seu empobrecimento.
Como resultado desses equvocos interpretativos e estratgias de polticassociais, temos um idoso sem pai e sem me, onde a famlia tem cada vezmenos condies de assumir, nem a sociedade e o Estado querem assumiros encargos gerados pelo novo perfil da populao.(Adorizzi, 2000:489)
Essas questes ganham especial importncia no Brasil, onde asestatsticas mostram que a populao idosa vem crescendo, alcanando taxas mais
elevadas do que o crescimento da populao total desde 1950.
Nas ltimas dcadas nossa evoluo demogrfica vem registrando
alteraes significativas em decorrncia, sobretudo, de mudanas nos ndices de
fecundidade e mortalidade 3. Segundo o Censo 2000, a populao de 60 anos ou
mais de idade, era de 14.536.029 de pessoas, contra 10.722.706 em 1991,
conforme evidenciado no Grfico 1.
Grfico 1
Populao residente de 60 anos ou mais de idade,por grupos de idade
Brasil 1991/ 2000
14.536.029
10.722.705
3.636.8582.776.060 1.889.918 2.419.869
4.600.9293.581.106 2.742.302 3.611.692
60 anos ou mais 60 a 64 anos 65 a 69 anos 70 a 74 anos 75 anos ou mais
1991 2000
Fonte: Censo demogrfico 1991: resultados do universo: microdados. Riode Janeiro : IBGE, 2002.21 CD-ROM: IBGE, censo Demogrfico, 2000.
-
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__________3 Esse um momento significativo da transio demogrfica brasileira, j que imigraesinternacionais deixaram de ter influncia a partir de 1940, sendo a sada de brasileiros para o exteriorum fenmeno mais recente.
32
O peso relativo da populao idosa no incio da dcada (1991)
representava 7,3%, enquanto, em 2000, essa proporo atingia 8,6%. Neste
perodo, por conseguinte, o nmero de idosos cresceu em quase 4 milhes de
pessoas, fruto do crescimento vegetativo e do aumento gradual da esperana mdia
de vida.
Na populao idosa, o segmento que, no perodo intercensitrio, mais
cresceu relativamente foi o do grupo das pessoas de 75 anos ou mais, como mostra
o Grfico 2, alterando a composio interna do prprio grupo e revelando umaheterogeneidade de caractersticas deste segmento populacional.
Grfico 2
Distribuio percentual da populao residente de 60 anosou mais de idade, em relao populao residente total,
segundo os grupos de idade
Brasil 1991/ 2000
8,67,3
2,51,9
1,3 1,6
2,72,1
1,62,1
60 anos ou mais 60 a 64 anos 65 a 69 anos 70 a 74 anos 75 anos ou mais
1991 2000
Fonte: Censo demogrfico 1991: resultados do universo: microdados. Riode Janeiro : IBGE, 2002.21 CD-ROM: IBGE, censo Demogrfico, 2000.
Berqu (1988) j alertava sobre o fenmeno do crescimento da populao
idosa, especialmente, sobre o significativo aumento da feminizao do
envelhecimento no Brasil e suas conseqncias para as polticas sociais, em
destaque, as de sade uma situao decorrente da mortalidade diferencial porsexo que prevalece h muito tempo na populao brasileira.
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Em 1991, as mulheres (com 60 anos ou mais) correspondiam a 54% da
populao de idosos, passando para 55,1% em 2000. Isto significa que para cada
33
100 mulheres idosas havia 81,6 homens idosos, relao que, em 1991, era de 100
para 85,2. Tal diferena explicada pelos diferenciais de expectativa de vida entre
os sexos, fenmeno mundial, mas que bastante expressivo no Brasil.
Analisando a Tabela 1 verificamos que a feminizao da velhice um
dado constante na quase totalidade das Regies, apenas a Regio Norte apresenta
um nmero maior de idosos do sexo masculino. Tal fato esta relacionado a questo
da expanso das fronteiras agrcolas, especialmente nos anos 70, contribuiu para
uma imigrao rural (Salim, 1992 apud Berqu, 1994).
Tabela 1
Populao residente de 60 anos ou mais de idade, em nmerosabsolutos e relativos, por sexo, segundo as Grandes Regies
2000
Populao residente de 60 anos ou mais de idade por sexo
Grandes Regies Absoluto Relativo (%)
Total Homem Mulher Homem Mulher
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
14 536 029
707 071
4 020 857
6 732 888
2 305 348
769 865
6 533 784
355 580
1 827 210
2 940 991
1 029 514
380 489
8 002 245
351 491
2 193 647
3 791 897
1 275 834
389 376
44,9
50,3
45,4
43,7
44,7
49,4
55,1
49,7
54,6
56,3
55,3
50,6
Fonte: IBGE. Censo Demogrfico, 2000.
Desde 1950, as mulheres tm correspondido maior esperana de vida ao
nascer, ou seja, maior tem-lhes cabido nmero de anos por viver. Em 1980,
enquanto a esperana de vida para o sexo masculino era de 59, ao grupo feminino
correspondia 65 (6 anos a mais). Em 1991 essa diferena cresceu para 7 anos.
Projees para 2010 e 2020 mantm uma diferena em torno de 6 anos (Berqui,
1994).
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A relao entre gnero e envelhecimento baseia-se nas mudanas sociais
ocorridas ao longo do tempo e nos acontecimentos ligados ao ciclo de vida. A maior
longevidade feminina implica transformaes nas vrias esferas da vida social, uma
34
vez que o significado social da idade est profundamente vinculado ao gnero
(Barbot-Coldevi, 2000:262).
Para Camarano (2002), as implicaes da feminizao da velhice em
termos sociais evidente, dado que grande parte das mulheres viva, vive s, no
tem experincia de trabalho no mercado formal e so menos educadas. No entanto,
h outras vises mais otimistas em relao condio atual das mulheres idosas.
Debert (1999), acredita que para as idosas de hoje tanto a velhice quanto a viuvez
podem representar uma certa independncia ou mesmo uma forma de realizao
e/ou de novos projetos de vida. No obstante as aparentes contradies entre estas
duas vises, ambas contribuem para discusso de questes importantes
relacionadas ao tema.
O aumento da longevidade deve ser reconhecido como uma conquista
social, que se deve em grande parte ao progresso da medicina e uma maior
cobertura dos servios de sade. No entanto, este novo cenrio visto como
preocupao, principalmente, pelos gastos sociais que representam consumo para o
Estado. J para os jovens, os gastos sociais so percebidos como investimento.
Nessa viso economicista no se considera o carter intergeracional dos gastos
sociais e, como resultado, as polticas sociais tendem a ser focalizadas no nvel
individual, secundarizando o coletivo (Galdini, 1998).
Por outro lado, o que se apresenta como situao preocupante, agrava a
precria condio de vida do idoso no Brasil, j que 12,2% sobrevivem com at meio
salrio mnimo per capita mensal. Se acrescentarmos o grupo que vive com renda
entre e 1 salrio mnimo per capita, esse percentual passa para 28,1%, enquanto
40,3% vivem com rendimento inferior a 3 salrio mnimo (IBGE, 2000 Perfil do
idoso).
O trato dado a questo ainda continua atrelado a uma cultura do
desdm que destri a respeitabilidade do idoso, marginalizado como produtor, mas
ironicamente requerido como um consumidor.
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Embora a velhice no seja sinnimo de incapacidade e doena, observa-
se uma tendncia a represent-la atravs de imagens negativas, que explicam o
tratamento discriminativo dispensado ao idoso na sociedade. Alm das limitaes
relacionadas ao envelhecimento biolgico, criam-se marcas de envelhecimento
35
social, com profundas repercusses psicolgicas. Nessa tica possvel ver a
poltica de aposentadoria (aposentadoria compulsria, por exemplo), tendo
subjacentes o reconhecimento da improdutividade e um projeto tecnocrtico de
distribuio de status e papis.
Essa concepo, at certo ponto hostil, em relao velhice tem sido
responsvel por um comportamento reducionista do Estado e da prpria sociedade
quando relaciona o envelhecimento populacional questo da aposentadoria que
a velhice decretada, tendo por base a inatividade. Ou seja, entendendo que nesse
segmento encontram-se os indivduos oficialmente inteis do ponto de vista
econmico.
Segundo Giddens (1996) na sociedade mais ativa, reflexiva, o
envelhecimento um processo caracterstico da evoluo demogrfica nas
sociedades que alcanaram ndices positivos de qualidade de vida.
De um ponto de vista gerativo, importante criar condies sob as quais ostalentos e habilidades dos idosos sejam usados [...]. Os idosos podem edevem ser considerados parte dos setores da sociedade que criam riqueza,igualmente capazes de contribuir para a renda tributria. (Giddens, 1996:210)
Em que pese a concepo de produtividade do autor, vale salientar a
valorizao da sociedade com a participao e a experincia do segmento idoso. Em
vez de entend-lo como risco, como se fosse motivo de vergonha, ou de ameaa
governabilidade, salienta sua influncia para um desenvolvimento bem sucedido.Cabe indagar, no entanto: quais os mecanismos sociais disponveis para que isso
acontea? Diante dessa realidade, esta a indagao que muitos gerontlogos e
cientistas sociais vm se fazendo: at que ponto a promoo do prolongamento da
existncia humana na sociedade brasileira vem contribuindo para a melhoria de sua
qualidade de vida?
Cronologicamente, a fronteira do envelhecimento no Brasil tende a
expandir-se. Biologicamente, porm, o idoso luta contra as endemias, as carncias
nutricionais que tem suas razes no prprio mundo do trabalho e nas relaes
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sociais que ai se estabelecem. Soma-se agora a crise de identidade que o leva, na
maioria das vezes, retrao, ao isolamento, sndrome da ps-aposentadoria,
acentuada pela falta de recursos.
36
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA,
1999) sobre o idoso brasileiro, ao desenhar o perfil sociodemogrfico da populao
idosa (60 anos e mais), apresentou algumas concluses importantes:
A inatividade potencial atribuvel aos iodos mais observvel entre
as mulheres. Na verdade, a questo passa necessariamente pela
dependncia econmica, o que se deve principalmente ao efeito coorte,
ou seja, a menor participao na atividade econmica das mulheres no
passado. Essa inatividade tambm est relacionada ao fato de que
essas mulheres estavam no trabalho domstico. Ao mesmo tempo em
que as mulheres idosas so mais dependentes, ou seja, necessitam
de ajuda, so elas que fornecem maior apoio famlia seja na condio
de me idosa para com os filhos e netos, ou de filha ajudando os pais
idosos.
O idoso encontra-se em melhores condies objetivas de vida,
propiciadas pelo seu momento no ciclo de vida, pela sua trajetria ao
longo da vida, pela situao econmica brasileira no seu auge de
atividade, dentro outros fatores, que lhe permitiram um acmulo
patrimonial, destacando-se ai a aposentadoria.
crescente a participao do idoso, at em idades avanadas, no
mercado de trabalho, mesmo na condio de aposentado.
Essas mudanas na estrutura demogrfica no Brasil podem acarretar
conseqncias na vida societria. Neste sentido, afirma Berqu:
O processo de envelhecimento pode reforar desigualdade em face daqualidade de vida do bem-estar dos diferentes estratos sociais, de homense mulheres, de brancos e no-brancos, de jovens, de adultos e os maisvelhos, contribuindo assim para aumentar a chance de excluso. (1988:12)
O fenmeno do envelhecimento acelerado da populao brasileira no
poderia deixar de ter importantes repercusses sociais, econmicas e polticas quecomportam, tambm, iniludveis exigncias ticas e polticas que afetam diretamente
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o governo. Muitos desses problemas esto longe de depender apenas de boa
vontade dos indivduos, visto que ultrapassam o mbito pessoal, adquirindo uma
macro-dimenso comunitria e poltica, na qual os seres humanos tm de sentir-se
comprometidos atravs de outras mediaes.
37
importante destacar que o problema do envelhecimento populacional,
notadamente, a questo de direitos e cidadania do idoso, tem sido uma das
preocupaes da Organizao das Naes Unidas ONU, que vem pressionando
os governos a incorporarem novas formas de programas e/ou aes direcionadas
para os idosos. Nessa perspectiva, em dezembro de 1991, a Assemblia Geral das
Naes Unidas adotou a Resoluo no 46/91, na qual elencou cinco princpios a
serem adotados nos programas nacionais de atendimento ao idoso: autonomia,participao, assistncia, auto-realizao e dignidade(Anexo 1).
Esses princpios vo alm das necessidades bsicas para sobrevida dos
idosos, eles esto calcados no princpio da igualdade fundamental de direito de
todos os homens, os quais exigem a co-responsabilidade tica e solidria de todo os
membros da sociedade, para que colaborem com um esforo comum, para a
mudana profunda de que necessita a cultura atual diante do fenmeno da velhice.
Azpitarte (1993) afirma: preciso que a gerontofobia, to universal e disseminada,
evolua progressivamente para uma verdadeira gerontofilia, na qual o idoso ocupe o
lugar que merece(1993:76).
No Brasil, a partir da dcada de 80, crescem as demandas de programas
sociais especficos para os idosos. Essas demandas no se reduzem, porm, ao fato
de estar ocorrendo um aumento populacional significativo deste segmento etrio,
mas se relacionam s modificaes que esse grupo vem processando na sociedade.
Como adverte Camarano (1999:49),
apesar das fortes presses criadas pelas condies demogrficas, oincremento das demandas por polticas sociais orientadas a idosos nodeve ser tratado apenas como o resultado de uma determinada composioetria. Mudanas no papel dos idosos devem ser vistas como um dosdeterminantes dessas demandas.
O crescimento dessas demandas vem ocorrendo tanto na esfera pblica
como no setor privado. Neste trabalho procuramos verificar como, em termos
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operacionais essas polticas tm sido implementadas. Sob o iderio neoliberal, como
a poltica de proteo velhice atende a problemtica social da velhice?
CAPTULO 2
O ESPAO DA VELHICE NAS POLTICAS SOCIAIS
2.1 Da garantia de sobrevivncia cidadania da terceira idade
No Brasil, as primeiras medidas de proteo social tiveram origem em um
contexto rigidamente liberal, no qual se negava a necessidade de interveno estatal
nas questes de natureza social, sob a alegao da eficcia do mercado no trato
dos problemas emergentes. Nesse contexto, as medidas tinham marca do
assistencialismo e se confundiam com a caridade, e efetivavam-se, sobretudo,
atravs de instituies asilares (religiosas) que se preocupavam, exclusivamente,
com a sobrevivncia do idoso pobre e desamparado. A velhice era associada,
basicamente, situao de pobreza e considerada como um problema da esfera
privada e familiar.
As medidas governamentais em favor do idoso eram fragmentrias,
muitas vezes contraditrias e pontuais, sem compromisso de universalidade. Os
avanos observados na legislao decorriam menos do reconhecimento dos direitos
do idoso e muito mais das requisies de assistncia ao trabalhador, permanente ou
temporariamente incapacitado para o trabalho.
Historicamente, os direitos sociais do idoso no Brasil eram relacionados
invalidez. Ficam assim explicadas sua defesa e garantia atravs de polticas
direcionadas aposentadoria. A primeira Constituio Brasileira a Constituio
Imperial de 1824 j defendia os direitos humanos, assumindo a face humanitria
ditada pela ordem liberal. Com o mesmo esprito, a Constituio Republicana de
1891 previu a aposentadoria de funcionrios pblicos e ex-combatentes,
compreendidos como invlidos para o servio. Em 1923 a instalao da primeira
Caixa de Aposentadorias e Penses, com base na lei Eloy Chaves, formaliza a
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previdncia social, constituindo um novo marco na postura liberal do Estado
brasileiro frente aos problemas trabalhistas e sociais. Mais uma vez, a aposentadoria
traduzida em assistncia e benefcio social para invlidos e idosos, sem condies
para o trabalho.
39
Os anos 30 vo marcar a manifestao da questo social em seu terreno
especfico, ou seja, o do antagonismo entre capital e trabalho. O Estado brasileiro
passa a intervir na questo social atravs de polticas sociais, mas os problemas
sociais continuam a ser trabalhados na tica de individualizao. A questo do idoso
no merecia qualquer ateno, como tambm no era motivo de preocupao para
o Estado. As prioridades se voltavam para a populao jovem (exercito de reserva).
A Legio Brasileira de Assistncia, criada em 1942 com o objetivo de
prestar assistncia famlia dos soldados durante a II Guerra Mundial, ocupava-se
desde o ps-guerra com a assistncia materno-infantil, obedecendo a uma linha
programtica que lhe conferia a imagem de me da pobreza, lar do carente, socorro
dos aflitos (Sposati & Falco, 1989:9). A assistncia era um recurso operacional de
que o Estado se valia no s para conter a questo social, atingindo suas
manifestaes aparentes. A assistncia era uma concesso do Estado.
Somente, a partir dos anos 70, a noo de direitos de cidadania comea
a ser concebida, evocada e materializada no cenrio de industrializao, da
urbanizao e da transformao da estrutura social brasileira. Os direitos sociais so
reivindicados cada vez mais com base no pertencimento comunidade nacional e
no apenas no direito ao trabalho. Essa lgica implicou mudanas significativas no
arcabouo institucional e financeiro das polticas sociais, em particular na rea da
previdncia. Note-se que data desse perodo a extenso da previdncia aos
trabalhadores rurais 1.
O padro meritocrtico-particularista do sistema de proteo social
brasileiro acompanhado de mecanismos assistenciais nas dcadas de 70 e 80, diz
Guedes (2000): nesse perodo iniciam-se as lutas em torno da questo dos direitos
dos idosos, especialmente, a Renda Mensal Vitalcia (Lei 7.179/74), liderada pelo
gerontlogo Marcelo Salgado. Mas, no marco da transio democrtica, a partir de
1985, que se sucedem as lutas da sociedade civil por polticas scias mais efetivas
em resposta nossa realidade de Pas.
Passa-se, ento, a discutir a formulao de uma poltica de assistncia
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__________1A partir de 1971, os trabalhadores rurais passaram a fazer parte da previdncia social, como umdireito de cidadania e, para receber o benefcio os trabalhadores rurais no precisavam contribuirpara a previdncia social, ou seja, somente os empregadores pagavam um imposto destinado afinanciar o FUNRURAL (FERREIRA, B. S. Ivonete. Condio (no) salarial, seguridade social eexcluso. So Paulo : Cortez, 1999).
40
social voltada para o exerccio dos direitos e, nessa tica, do direito seguridade
social, na qual se incluem o direito sade, assistncia e previdncia.
A Constituio Federal de 1988 finalmente introduziu em seu art. 6o, os
direitos sociais, assim compreendidos: So direitos sociais a educao, a sade, o
trabalho, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e
infncia, a assistncia aos desamparados, na forma desta Constituio.
Com a promulgao da Constituio, um novo conceito de poltica socialfoi materializado no conjunto da Seguridade Social, compreendendo a Sade, a
Previdncia Social e Assistncia Social.
A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de aes de
iniciativa dos poderes pblicos e da sociedade destinadas a assegurar direitos
relativos sade, previdncia e assistncia (Art. 194, da Constituio Federal).
Em seu pargrafo nico sintetiza que caber ao Poder Pblico organiza-la
segundo os ditames da lei, tendo como objetivos:
I universalidade da cobertura e do atendimento;
II Uniformidade e equivalncia dos benefcios e servios s
populaes urbanas e rurais;
III seletividade e distribuio na prestao dos benefcios;
IV irredutibilidade do valor dos benefcios;
V Equidade na forma de participao no custeio;
VI Diversidade da base de financiamento;
VII carter democrtico e descentralizado da administrao, mediante
gesto quadripartite, com participao dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos rgos
colegiados.
O Art. 201 da Constituio Federal traz uma srie de mudanas em
relao aposentadoria que servem indiretamente populao idosa:garantia do reajustamento dos benefcios;
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correo monetria de todos os salrios de contribuio considerados
no clculo do benefcio;
garantia que nenhum benefcio que substitua o salrio de contribuio
ou rendimento de trabalho do segurado seja inferior ao salrio mnimo;
41
garantia de que a gratificao natalina dos aposentados e pensionistas
ter por base o valor dos proventos do ms de dezembro de cada ano.
Ainda no Art. 203, inciso V, a Constituio formaliza um dos mecanismos
de assistncia ao idoso, ao estabelecer que far jus a um salrio mnimo quando
comprovada sua situao de carncia e a falta de meios de subsistncia ou de t-la
provida por sua famlia.
A Constituio de 1988 representa um avano em termos de direitos de
cidadania e torna-se referncia no que concerne ao idoso, ao estabelecer direitos e
obrigaes de assistncia na famlia: Os pais tm o dever de assistir, criar e educar
os filhos menores e os filhos maiores tm o dever de ajudar e amparar os pais na
velhice, carncia ou enfermidade (Art. 229).
A famlia, a sociedade e o Estado so chamados a assumir a proteo
social do idoso, conforme preceitua o Art. 230:
A famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de amparar as pessoasidosas, assegurando sua participao na comunidade defendendo suadignidade e bem-estar, garantindo-lhe o direito vida. 1o Os programas de amparo aos idosos sero executados preferencialmente em seus lares. 2o Aos maiores de 65 anos garantida a gratuidade nos transportes
urbanos. (Constituio Federal, 1988).
Na verdade, a Constituio de 1988 prdiga em normas de ateno ao
idoso.
A Constituio de 1988 constituiu, segundo Paulo Netto (1997), a
concretizao dos avanos democrticos nesse perodo, que tiveram na classe
operria urbana a sua coluna mestra. a consagrao de um projeto de sociedade
democrtica, com o reconhecimento da vinculao necessria entre regime
democrtico e direitos sociais. Contudo, foram necessrios mais alguns anos de luta
para que os idosos fossem contemplados efetivamente com alguns direitos e
benefcios. Somente em dezembro de 1993 foi editada a Lei no8.742 Lei Orgnica
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da Assistncia Social, voltada s pessoas em situao de vulnerabilidade social
como tambm excludas da sociedade.
Para Barroso (2000) a Era da velhice iniciada no Brasil em 1975, tem
sido pouco trabalhada no sentido de gerar cuidados, atenes governamentais e
iniciativas da sociedade. Observa-se que as medidas implantadas so ainda
42
incipientes para atender questo da velhice no pas, notadamente, nas regies
menos desenvolvidas. Por outro lado, a desarticulao dos rgos governamentais,
a ausncia de uma deciso poltica capaz de gerar aes amplas e efetivas concorre
para o assistencialismo, tornando o idoso objeto de proteo e assistncia, sem voz
e sem direitos. Neste sentido, argumenta:
impossvel silenciar, deixando o desprestgio da velhice e a noefetividade da cidadania. como se transferssemos para as geraesvindouras as situaes incorretas e a angstia de viver mais, como parias,sem direitos e sem o reconhecimento do poder pblico, que tem obrigaode assegurar padres mnimos de dignidade para todas as idades.(2001:73).
2.2 A Poltica Nacional do Idoso: do espao conquistado ao espao permitido
Na perspectiva neoliberal, o mercado responde naturalmente asdemandas e necessidades dos indivduos, torna-se desnecessria, e mesmo
prejudicial, a distribuio de renda pelo Estado atravs de servios sociais por ele
administrados. As polticas sociais tomadas a partir dessa perspectiva so pontuais
direcionadas aos mais necessitados. Por outro lado, tem sido prtica corrente suas
reformas neoliberais a privatizao dos servios pblicos, sob a alegao da
incapacidade do Estado para geri-lo. Uma inteno que prevalece, tambm, para os
servios sociais.
Concomitantemente tendncia de encaminhar as polticas sociais a
partir da privatizao e da focalizao, na conjuntura dos ajustes estruturais no
Terceiro Mundo, apresenta-se mais uma opo: a descentralizao dos programas
sociais. Em nome da agilidade e da eficincia da mquina estatal, abres-se, assim,
pontualidade de implementao de parcerias com organizaes da sociedade civil,
evidenciando uma tendncia de reforar a solidariedade local.
As aes sociais desenvolvidas pelo Estado so permeadas, portanto, por
uma srie de ambigidades, no entrecruzamento de interesses antagnicos de
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classe. Por um lado, satisfaz s determinaes do capital e, por outro, busca
satisfazer tambm s demandas dos diversos segmentos populacionais, com o
intuito de fortalecer e legitimar o poder poltico. neste contexto, sob inspirao da
LOAS e de suas diretrizes, que formalizada, em 1994, a Poltica Nacional do Idoso
PNI (Lei no8.842, de 04.01.94), somente regulamentada em 1996 (Lei no1.948, de
43
03.07.96). A referida poltica assume carter universalizante, balizada pela gesto
participativa e democrtica, elegendo como valores referenciais a condio e a
identidade do idoso, os quais foram traduzidos nos seguintes princpios:
I A famlia, a sociedade e o Estado tm o dever de assegurar ao idosotodos os direitos da cidadania, garantindo sua participao nacomunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito vida;II O processo de envelhecimento diz respeito sociedade em geral,devendo ser objeto de conhecimento e informao para todos;III O idoso no deve sofrer discriminao de qualquer natureza;IV O idoso deve ser o principal agente e o destinatrio das transformaesa serem efetivadas atravs desta poltica;V As diferenas econmicas, sociais, regionais e, particularmente, ascontradies entre o meio rural e o urbano do Brasil devero ser observadaspelos poderes pblicos e pela sociedade em geral, na aplicao dessa Lei.(Art. 3oda PNI).
Orientada pelos princpios maiores da Constituio Federal, a Poltica
Nacional do Idoso PNI valoriza a participao e a descentralizao. Alm disso,
essa poltica ressalta a necessidade de proteo integral do idoso atravs das
polticas pblicas, resgatando, porm, a importncia da sociedade civil na sua
efetivao. Pela primeira vez, conta-se com uma poltica especfica para o idoso que
se baseia no princpio fundamental da cidadania e se prope a perceb-lo como
sujeito de direitos, referenciando suas aes pelas necessidades fsicas, sociais e
polticas desse grupo etrio.
Constituem seus objetivos assegurar os direitos sociais dos idosos
criando condies para promover sua autonomia, integrao e participao efetiva
na sociedade, mediante um conjunto de aes a ser desenvolvido em parceria com
os setores de Assistncia; Sade; Trabalho; Justia; Habitao; Educao; Cultura;
Esporte e Lazer (Art. 1oda PNI).
Diferentemente das polticas pblicas de carter assistencialista, focalista
que o governo enfatizam at 91, a questo do idoso passou a ser tratada sob a
conotao do direito. Recorde-se que a assistncia no era compreendida como
dever do Estado e direito do cidado, e a ausncia ou precariedade de aes
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governamentais especificamente dirigidas ao idoso era justificada pelo fato da
populao idosa ser considerada irrelevante. Permanece, no entanto, a caracterstica
de homogeneizao da velhice, definida a partir do critrio de idade e dos
componentes biolgicos. Segundo a PNI idoso o indivduo acima de 60 anos de
idade. Essa lgica no permite vislumbrar as desigualdades regionais nem as
44
especificidades do grupo, sujeito s variaes scio-histricas e culturais.
Ponto relevante dessa poltica e que merece destaque sua
intersetorialidade. Para sua concretizao foi elaborado o Plano Integrado de Ao
Governamental (Anexo 2) que contou com a participao da sociedade civil, de
representantes dos seguintes ministrios: Cultura, Educao e Desporto, Sade,
Trabalho,Planejamento e Oramento, alm do Ministrio da Previdncia e Assistncia
Social. Atravs da ao interinstitucional todos buscam a efetivao de medidas
preventivas, educativas e promocionais visando a melhor qualidade de vida do
idoso.
Compete ao Ministrio da Previdncia e Assistncia Social, por meio da
Secretaria de Assistncia Social SAS, definir os instrumentos, os nveis de gesto
e os mecanismos de repasse de recursos necessrios normatizao e execuo
da Poltica do Idoso, em consonncia com as diretrizes constitucionais e da LOAS.
A Secretaria de Estado de Assistncia Social (SAS) encarrega-se da
coordenao das aes executadas em parceria com OGs, ONGs e os ministrios
setoriais. Dentro dos propsitos de descentralizao da PNI uma de suas atribuies
da SEAS apoiar tcnica e financeiramente Estado, municpios e instituies no
desenvolvimento das aes deproteo,promooe inclusosocial do idoso e sua
famlia. Para isso, busca estabelecer parcerias que integrem as diversas polticas
sociais, entendendo como fundamental a ao desenvolvida, em nvel local, atravs
de fruns e conselhos para sua adequao s reais necessidades do idoso em cada
municpio.
Essa nova forma de gesto social exige modelos flexveis e participao
plural de uma variedade de interlocutores nas decises e aes envolvidas nas
diversas polticas setoriais. Partindo da anlise das polticas sociais da velhice, Anne
Marie Gallimard (1988) mostra que o Estado, quando dispe de fraca margem deautonomia e manobra relativamente ordem das relaes sociais, inflecte sua
ao, pautando-a pelas foras sociais que dominam a sociedade. Nessa tica, pode-
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7/26/2019 Cidadania Do Idoso - Retrica Ou Realidade
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se ler a dinmica da Poltica Nacional do Idoso, apoiada na dialtica das relaes
entre governo e sociedade. Na reformulao dos conceitos sobre a velhice, o Estado
reconhece a cidadania dos idosos enquanto cidados da terceira idade, com os
direitos que da lhes advm. O Estado atua, assim, na redefinio de seu papel
gesto das relaes entre velhice e sociedade civil. Simultaneamente, o Estado
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realiza sua capacidade representativa e ganha crditos de legitimidade.
A velhice colocada, porm, em termos de modo de vida, exigindo uma
poltica de insero social que, por sua vez, supe novos grupos mediadores da
ao pblica e novas formas de implementao dessa poltica. Servios de apoio ao
idoso em domic