Chomsky Ou Everett

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 Não é de hoje que discussões calorosas a respeito da linguagem  sua função, sua origem e sua manifestação na dinâmica humana  tomam espaço relevante frente a nossa atenção. Desde que se entendeu linguagem como fenômeno de observação em Genebra, 1602, troncos teóricos surgiram e exploram basicamente dois aspectos dessa temática: seria a linguagem algo inato ao homem ou seria manifestação proveniente do contato com a cultura? Posicionamentos, aparentemente tão díspares, só poderiam suscitar no cenário intelectual uma disputa pela valorização da teoria a ser estudada. No entanto, compreender a discussão como aspecto relevante na construção do conhecimento seria, provavelmente, postura de maior dignidade em campo científico. Na última semana, a revista Veja veiculou entrevista com o mais novo renomado estudioso da linguagem Daniel Everett. Ele se posicionou radicalmente contra o pensamento de Noam Chomsky que afirma que a linguagem é elemento inato ao homem. Everett afirma que a linguagem é produto direto da cultura produzida pela humanidade e que só em meio a outros seres humanos ela poderia ser manifestada. Por muitos anos, levou-se em consideração que a linguagem, com manifestação mais aparente na existência das variadas línguas ao redor do mundo, deveria ser estudada em seu aspecto mais exato. Saussure levou em consideração os aspectos que não variavam tanto de língua para língua e valorizou, assim, a linguagem em sua dimensão mental. Estudou as dicotomias langue/parole e sincronia/diacronia. Para Saussure, seria impossível ao estudioso das línguas fazer levantamento científico das manifestações da linguagem através da fala (visto que todos falam de forma diferente) e através do tempo (visto que línguas se perderam ou sofreram modificações radicais). Dessa forma, Saussure valorizou a língua, e não a fala; a sincronia, e não a diacronia. Após Saussure, outros se debruçaram sobre os estudos da linguagem e enveredaram por outras teorias que geraram posicionamentos radicais em relação ao objeto de estudo. Não percebiam, porém, os cientistas que antes de construírem um cenário turbulento, construíam uma visão bem mais ampla do que seria a linguagem. Saussure posicionou-se em relação ao seu objeto de estudo de acordo com a ciência clássica  que valoriza os eventos recorrentes, a criação de um modelo que descreva o fenômeno, a criação de uma teoria e a desvalorização das exceções  e isso deve ser levado em consideração para que se entenda que quando se estuda algo, se constroem e se reproduzem discursos que se interligam durante toda a história da existência humana: isso não daria espaço para uma mais verdade ou menos verdade. Na entrevista a Veja, Daniel Everett afirmou serem mentiras os princípios que Chomsky defendeu durante toda sua vida. Afirmar isso é reproduzir a ideia de que existe apenas uma direção para o conhecimento. Seria, no mínimo, postura imatura ou calorosa de quem recentemente encerrou pós-doutorado. É importante lembrar que Chomsky tem formação em Ciências Naturais e que a Matemática foi seu objeto de estudo por muito tempo. Apenas em contato com ativistas e pacificadores foi que Chomsky interessou-se pela Linguística. Entendeu que a partir do domínio da linguagem poder-se-ia encontrar a paz. Estudou Linguística e compreendeu duas coisas importantes: a primeira é que a língua é produto da mente e elemento inato ao ser humano e a segunda é que a partir de um número finito de sons é possível construir um número infinito de sentenças. Para Chomsky, se dominássemos ao

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Não é de hoje que discussões calorosas a respeito da linguagem  – sua função, sua

origem e sua manifestação na dinâmica humana  – tomam espaço relevante frente a nossa

atenção. Desde que se entendeu linguagem como fenômeno de observação em Genebra,

1602, troncos teóricos surgiram e exploram basicamente dois aspectos dessa temática: seria a

linguagem algo inato ao homem ou seria manifestação proveniente do contato com a cultura?

Posicionamentos, aparentemente tão díspares, só poderiam suscitar no cenário intelectual

uma disputa pela valorização da teoria a ser estudada. No entanto, compreender a discussão

como aspecto relevante na construção do conhecimento seria, provavelmente, postura de

maior dignidade em campo científico.

Na última semana, a revista Veja veiculou entrevista com o mais novo renomado

estudioso da linguagem Daniel Everett. Ele se posicionou radicalmente contra o pensamento

de Noam Chomsky que afirma que a linguagem é elemento inato ao homem. Everett afirma

que a linguagem é produto direto da cultura produzida pela humanidade e que só em meio a

outros seres humanos ela poderia ser manifestada.

Por muitos anos, levou-se em consideração que a linguagem, com manifestação mais

aparente na existência das variadas línguas ao redor do mundo, deveria ser estudada em seu

aspecto mais exato. Saussure levou em consideração os aspectos que não variavam tanto de

língua para língua e valorizou, assim, a linguagem em sua dimensão mental. Estudou as

dicotomias langue/parole e sincronia/diacronia. Para Saussure, seria impossível ao estudioso

das línguas fazer levantamento científico das manifestações da linguagem através da fala (visto

que todos falam de forma diferente) e através do tempo (visto que línguas se perderam ou

sofreram modificações radicais). Dessa forma, Saussure valorizou a língua, e não a fala; a

sincronia, e não a diacronia.

Após Saussure, outros se debruçaram sobre os estudos da linguagem e enveredaram

por outras teorias que geraram posicionamentos radicais em relação ao objeto de estudo. Não

percebiam, porém, os cientistas que antes de construírem um cenário turbulento, construíam

uma visão bem mais ampla do que seria a linguagem. Saussure posicionou-se em relação ao

seu objeto de estudo de acordo com a ciência clássica  – que valoriza os eventos recorrentes, a

criação de um modelo que descreva o fenômeno, a criação de uma teoria e a desvalorização

das exceções  – e isso deve ser levado em consideração para que se entenda que quando se

estuda algo, se constroem e se reproduzem discursos que se interligam durante toda a história

da existência humana: isso não daria espaço para uma mais verdade ou menos verdade.

Na entrevista a Veja, Daniel Everett afirmou serem mentiras os princípios que Chomsky

defendeu durante toda sua vida. Afirmar isso é reproduzir a ideia de que existe apenas uma

direção para o conhecimento. Seria, no mínimo, postura imatura ou calorosa de quem

recentemente encerrou pós-doutorado. É importante lembrar que Chomsky tem formação em

Ciências Naturais e que a Matemática foi seu objeto de estudo por muito tempo. Apenas em

contato com ativistas e pacificadores foi que Chomsky interessou-se pela Linguística. Entendeu

que a partir do domínio da linguagem poder-se-ia encontrar a paz. Estudou Linguística e

compreendeu duas coisas importantes: a primeira é que a língua é produto da mente e

elemento inato ao ser humano e a segunda é que a partir de um número finito de sons é

possível construir um número infinito de sentenças. Para Chomsky, se dominássemos ao

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máximo a capacidade de construir sentenças e organizar o pensamento, poderíamos melhor

organizar a sociedade. Nasceu a Línguística da Paz.

O fato de Chomsky defender a investigação do pensamento para se justificar a

existência da linguagem não nega que a linguagem também seja um aspecto transcultural.

Após os estudos iniciais de Chomsky, houve um distanciamento da linguística cognitiva e asupervalorização da linguística enunciativa. Isso ocorreu devido ao desenvolvimento dos

estudos sociais. Jacobson, Bakhtin e Morin muito contribuíram para isso. Jacobson valorizou as

funções interlocutivas da linguagem, Bakhtin debruçou-se sobre os aspectos interacionistas e

Morin valorizou a dinâmica complexa da existência social. Os estudos do discurso,

principalmente com a escola francesa que deu enfoque à psicanálise e à sociologia  – discurso

como elemento de ideologia -, também contribuíram nesse sentido. E foi muito recentemente,

com a escola linguística canadense (representada no senhor Steve Pinker), que a linguística

cognitiva assumiu posição de relevância novamente. Em O instinto pela linguagem, Steve

Pinker discute argumentos em relação à existência de um gene da linguagem. Vê evidencias

disso na capacidade humana de construir idiomas (a partir da manipulação linguística das

crianças em relação a pidgins e crioulos), em um estudo de caso de uma paciente com

comprometimento de áreas nobres do cérebro que manipulam a linguagem e na capacidade

de significação que povos (sem educação formal ocidental) têm em relação ao mundo. A

discussão de Pinker, presente em outra obra sua intitulada Tábula rasa (nome bem sugestivo,

por sinal) fortalece novamente os estudos cognitivos da linguagem.

Se observarmos o andar da ciência ao longo das eras, perceberemos que valorizações

específicas de pesquisas ocorrem por interesses específicos de determinadas épocas. A

necessidade que o homem tem de descobrir algo é diretamente referente à necessidade de

dar respostas a sua época. Saber se Noam Chomsky está correto ou se Daniel Evertt está

errado, ou vice-versa, não é e nem será o objetivo da ciência  – que tem como função maior

estimular a condição investigativa humana para benefício do próprio homem. Intensificar o

calor dessa discussão é assumir postura leviana e estimulante em relação ao que melhor uma

revista sabe fazer: vender exemplares.

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