C&E n25

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JANEIRO E FEVEREIRO 2014 | N.º 25 | 2ª SÉRIE ENTREVISTA • A reforma do IRC vai ter um impacto positivo nas empresas portuguesas, considera Tiago Veloso, da Baker Tilly CONTABILIDADE • CNC apresenta linhas orientadoras para sistema de normalização contabilística • Harmonização da contabilidade europeia é inevitável • Europa terá novo modelo de contabilização das contas nacionais FISCALIDADE • União Europeia quer evitar mais situações de dupla tributação • Maioria das empresas paga apenas o IRC estatutário • Novas regras levam a agravamento das taxas de IRS CONTABILIDADE & EMPRESAS

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Contabilidade & Empresas Jan/Fev 2014

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JANEIRO E FEVEREIRO 2014 | N.º 25 | 2ª SÉRIE

ENTREVISTA

• A reforma do IRC vai ter um impacto positivo nas empresas portuguesas, considera Tiago Veloso, da Baker Tilly

CONTABILIDADE

• CNC apresenta linhas orientadoras para sistema de normalização contabilística

• Harmonização da contabilidade europeia é inevitável

• Europa terá novo modelo de contabilização das contas nacionais

FISCALIDADE

• União Europeia quer evitar mais situações de dupla tributação

• Maioria das empresas paga apenas o IRC estatutário

• Novas regras levam a agravamento das taxas de IRS

CONTABILIDADE& EMPRESAS

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3CONTABILIDADE & Empresas | JAN/FEV 2014 | nº 25 - 2ª série

O buracO da agulha

Enfiar a linha no buraco da agulha revela-se uma tarefa sempre difícil. Obriga a mão firme e visão em excelentes condições. Quando não se consegue realizar a tarefa, pede-se a alguém mais apto para o fazer. Precisamente o que deve acontecer nas áreas fiscal e até contabilística. Também não é intelectualmente honesto dizer que se enfiou a linha quando esta passou ao lado.

Importa ter em conta os factos mais recentes. Desde logo, o que se tem passado ao nível fiscal. Não têm faltado os arautos a anunciarem aos quatro ventos que a austeridade fiscal está a chegar ao seu termo, basta esperar pela saída da tão famigerada “troika” – que importa notar veio para cá a “convite” do Governo português e proporcionou as necessárias verbas para sustentar as contas públicas –, quando é sabido que não é uma intenção isenta de oportunismo político. É um facto que o défice orçamental foi reduzido, mas sobretudo através do pesadelo da carga fiscal e não de um controlo efetivo da despesa pública. O Governo optou pelo caminho mais imediato e mais simples, aumentar a carga fiscal sobre os contribuintes cumpri-dores. Com uma agravante não isenta de falta de moral, o ataque aconteceu sobre os mais desprotegidos.

Se se tiver em conta o contexto europeu, as coisas não são mais animadoras. É verdade que a Comis-são Europeia tem tentado mudar o panorama fiscal e tornar as regras mais rígidas e menos benéficas para os privilegiados do costume. Apesar das boas intenções, a realidade é que os resultados são praticamente nulos. O exemplo paradigmático é o que sucede ao nível da taxa sobre as transferências financeiras. Os “lo-bbies” não se fizeram esperar e a proposta não passou disso mesmo, de uma proposta. Ou seja, Bruxelas vai recuar e muito pouco mudará. Os interesses de alguns acabam por ser superiores ao bem-estar de muitos e sobretudo à equidade fiscal.

Quanto à contabilidade, continuam os problemas. É evidente que não existe uma estratégia claramente definida nesta área. É verdade que surgem alguns resultados, mas são sempre de carácter pontual e niti-damente numa ótica de “navegação à vista”. Os serviços de Finanças estão em rutura e os profissionais da contabilidade têm cada vez mais dificuldades em encontrarem soluções junto dos trabalhadores dos im-postos. Como se não bastasse, só a administração fiscal é que parece não notar que o sistema informático está obsoleto e pouco eficaz. Os incumpridores conseguem, de uma maneira geral, superar em evolução a máquina do fisco. É altura de reexaminar todo o edifício contabilístico e fiscal.

Editorial

Guilherme [email protected]

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EntrEvistaA reforma do IRC vai ter um impacto positivo nas empresas portuguesas ........................5

OpiniãOQuais os objetivos da sua organização? .............................................................................8

COntabilidadECNC apresenta linhas orientadoras para sistema de normalização contabilística ............12Harmonização contabilística europeia é inevitável .........................................................13Europa terá novo modelo de contabilização das contas nacionais ...................................14

FisCalidadEReforma do IRS implica maior envolvimento do Partido Socialista ...............................16Parlamento Europeu aceita proposta de criação de gabinete de Procuradoria Pública .....17Portas admite descida no IRS no próximo ano ...............................................................18Troca de informação em sede de IVA chega à Rússia e à Noruega ..................................19União Europeia quer evitar situações de dupla tributação ..............................................20Maioria das empresas paga apenas o IRC estatutário ......................................................21Novas regras levam a agravamento das taxas de IRS .......................................................22Reforma do IRC não vai captar potencial investimento .................................................25Bruxelas investiga se mobilidade laboral está sujeita a discriminação fiscal......................26Dívida pública portuguesa foi a que mais desceu na UE ................................................27Bruxelas leva Portugal a tribunal por questões fiscais ......................................................28Estado encaixa mais 13% em receita fiscal .....................................................................29Reforma da “fiscalidade verde” pode reduzir dependência energética .............................30Controlo da despesa e receitas fiscais permitiram cumprir Programa de Ajustamento.....31CES chega a mais de 500 mil pensionistas .....................................................................32

sEtOtrEsTaxa sobre as transações financeiras corre risco de não ser implementada .......................33“Pior que o défice orçamental é o défice de competitividade das empresas” ....................34Reforma da auditoria da UE conta com novo pacote legislativo .....................................35RFF questiona constitucionalidade das taxas parafiscais no setor segurador ....................36Bruxelas reforça legislação aduaneira sobre direito de propriedade inteletual ..................37Alterações legislativas pretendem reduzir custos nas energias renováveis .........................38Banco de Portugal aperta regras na prevenção do branqueamento de capitais .................39Setor público empresarial passa a contar com unidade técnica de acompanhamento ......40Concorrência fiscal justa é crucial para a sustentabilidade orçamental ........................ 41

assOCiativismOSTI volta a avisar para a falta de recursos humanos nas Finanças ....................................42Redução do investimento público faz com que se desperdicem fundos comunitários .....43

nOtíCias E inFOrmaçõEsBruxelas dá luz verde a programa contra a fraude e a corrupção .....................................45Cobrança coerciva de impostos bate valor recorde .........................................................45Sociedade não valoriza a contabilidade...........................................................................46Efeitos fiscais da classificação de uma locação como financeira ou operacional ...............46Faturação em matéria de IVA suscita dúvidas .................................................................47Bruxelas prepara proposta de normas contabilísticas no setor público ............................47Impostos especiais de consumo contam com novas regras ..............................................48Europa renova financiamento do processo de harmonização contabilística .....................48Reforma do IRC tem forte impacto no conceito de transparência fiscal .........................49Auditores em nome individual podem ser registados na CMVM ...................................49

livrOsInovação para a mudança...............................................................................................50Euro é igual a neoliberalismo mais socialismo ................................................................50Árvores de decisão nos projetos de investimento ............................................................50

sumário

PrOPriedadeVida Económica - Editorial S. A.

ediTOrGuilherme Osswald

cOlabOradOreSAbílio MarquesAgostinho Manuel dos Santos CostaAna RibeiroBruno José Machado de AlmeidaCatarina FernandesCristina Costa PintoGonçalo Rodrigues BrásGuilherme OsswaldJosé Alberto Pinheiro PintoJosé Joaquim Marques de AlmeidaManuel LiberalMaria José FernandesMário da Cunha GuimarãesMiguel PimentelPatrícia RamosPaulino SilvaPaulo Moura CastroRui AlmeidaRui Bertuzi da SilvaSílvia MouraTomás Pessanha

O conteúdo dos artigos é da exclusivaresponsabilidade dos autores

PagiNaÇÃOJosé Barbosa

redaÇÃO e adMiNiSTraÇÃO R. Gonçalo Cristóvão, 142º Esq. 4000-263 Porto Telef.: 223 399 400Fax: 222 058 098E-mail: [email protected]

delegaÇÃO eM liSbOaAv. Fontes Pereira de Melo, nº 61069-106 Lisboa Telef.: 217 937 747Fax: 217 937 748

iMPreSSÃOUniarte Gráfica - Porto

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Jan/fev 2014 | nº 25 - 2ª série

Assinatura anual: 64 euros

Janeiro/Fevereiro 2014 – Este suplemento faz parte integrante da Vida Económica nº 1529, de 21.02.2014

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EntrEvista

As medidas previstas na reforma do IRC vão afetar positivamente as empresas portuguesas, indepen-dentemente da sua dimensão. Ain-da assim, é natural que as grandes empresas e os grupos de empresas consigam retirar benefícios mais ex-pressivos da nova legislação, face às pequenas e médias empresas. Se tudo correr como previsto, as empresas nacionais poderão tornar-se das mais competitivas de toda a Europa, na perspetiva de Tiago Almeida Veloso, “partner” da Baker Tilly. O Governo terá responsabilidades acrescidas em todo este processo, bem como todos os responsáveis políticos.

contabilidade & empresas – como carateriza, em termos ge-rais, a reforma de irc apresentada pelo governo?

Tiago almeida Veloso – A mé-dio prazo, a taxa de IRC pode vir a descer até 17%, dependendo da evolução da situação económica e financeira do país. Se à redução da taxa nominal de IRC se acrescentar a intenção de eliminar as derramas municipal e estadual, as empresas portuguesas ficarão sujeitas a uma das taxas mais competitivas de im-posto sobre os lucros no contexto europeu. No espaço de cinco anos, a taxa nominal agregada pode baixar de 31,5% para 17%. Foi também reintroduzido um escalão de IRC com taxa reduzida. Esta será de 17% sobre os primeiros 15 mil euros de matéria coletável. Esta medida visa beneficiar as pequenas empresas,

Tiago Almeida Veloso, da Baker Tilly, está otimista

a reforma do irc vai ter um impacto positivo nas empresas portuguesas

significando, na prática, que, se a matéria coletável de uma empresa se fixar dentro daquele escalão, a respetiva taxa efetiva de IRC será de 17% (mais derrama municipal), an-tecipando-se para essas empresas a redução das taxas nominais daquele imposto, que apenas se verificará no longo prazo para as restantes empre-sas. Em termos absolutos, a criação deste escalão reduzido de IRC per-mitirá poupar menos de mil euros. Ainda assim, a reforma poderá sig-nificar uma redução substancial do IRC a pagar pelas PME.

c&e – e quanto às empresas de maiores dimensões, o que se vai passar?

TaV – A criação de uma nova taxa da derrama estadual de 7% e o alargamento dos respetivos esca-lões irão compensar, no curto prazo, a descida da taxa nominal do IRC. No curto prazo – analisando exclusi-vamente as taxas nominais –, da re-forma poderá não decorrer a redução do IRC a pagar por essas empresas. Contudo, numa visão integrada da reforma, e considerando os regimes fiscais vantajosos que serão intro-duzidos, as grandes empresas e os grupos poderão melhorar a sua efi-ciência fiscal. Não terão, por exem-plo, necessidade de adotar estruturas societárias complexas ou geografi-camente dispersas, com o propósito de maximizar a eficiência fiscal das

Se tudo acontecer como o previsto, é muito possível que, a nível fiscal, as empresas nacionais se tornem das mais competitivas da União Europeia, na perspetiva de Tiago Almeida Veloso.

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EntrEvista

suas operações, podendo obter uma redução direta dos custos associados a essas estruturas.

c&e – Significa que serão in-troduzidos sistemas fiscais vanta-josos…

TaV – Destaco o regime de “participation exemption”, em li-nha com os regimes fiscais europeus mais vantajosos nesta matéria. Só se condena o facto de se ter duplicado (de 12 para 24 meses) o prazo mí-nimo de detenção das participações sociais para aceder ao regime, antes da publicação da lei que introduziu a reforma. Neste contexto, assisti-mos à oportunidade de os grupos poderem promover a simplificação das suas estruturas societárias, con-siderando que a isenção nas mais--valias na alienação de participações sociais será alargada a qualquer so-ciedade comercial, mesmo sem a forma jurídica de SGPS. Por outro lado, o alargamento do regime da eliminação da dupla tributação dos dividendos recebidos de subsidiá-rias situadas noutros estados, para além daquelas localizadas na UE, permitirá também, em certa medi-da, a simplificação das estruturas societárias dos grupos portugueses. Esta medida pode ter um impac-to expressivo no financiamento da economia, através do repatriamento de lucros gerados no estrangeiro.

c&e – Mas o repatriamento dos lucros implica uma maior in-tervenção do estado?

TaV – Competirá ao Estado português a difícil tarefa de promo-ver a renegociação dos acordos de dupla tributação com aqueles esta-dos onde o investimento nacional é mais relevante, com o propósito de os mesmos preverem taxas de re-

tenção na fonte mais competitivas sobre a repatriação dos lucros. Com a reforma elimina-se o imposto em Portugal, porém, na maioria dos casos, sofrem-se retenções na fonte de imposto no país de origem dos dividendos. Essas taxas de retenção na fonte são reduzidas ao abrigo dos acordos, mas Portugal nunca foi muito agressivo na negociação desses acordos, pelo que se estabe-leceram taxas de retenção sobre di-videndos elevadas. Compreende-se esta situação porque o nosso país sempre negociou os acordos numa perspetiva de salvaguardar a sua base tributária, relativamente aos rendimentos cá obtidos por entida-des não residentes. Com a crescente presença das empresas portuguesas no estrangeiro, Portugal deve nego-ciar com os estados taxas de reten-ção na fonte de imposto reduzidas ou mesmo isenções de imposto.

Patentes e direitos de propriedade industrial

c&e – Que está previsto em sede das patentes e direitos de pro-priedade industrial?

TaV – O novo regime fiscal das patentes e dos direitos de proprieda-de industrial permitirá que os mes-mos se mantenham no nosso país, gerando cá o respetivo rendimento, ao contrário do que se verificava, com a criação no estrangeiro de so-ciedades especialmente vocacionadas para a detenção e gestão deste tipo de ativos dentro dos grupos. A medida é complementada pelo alargamento da dedutibilidade da amortização fiscal de determinados ativos intangíveis. Esta medida também pode favorecer a entrada em Portugal de rendimen-tos gerados no estrangeiro, podendo ter um impacto muito positivo no fi-

nanciamento da economia nacional. No sentido inverso, o alargamento da isenção de retenção na fonte de IRC sobre os lucros pagos a inves-tidores estrangeiros pelas empresas portuguesas pode potenciar o inves-timento estrangeiro na economia na-cional, eliminando-se um entrave à remuneração do investidor.

c&e – a tributação autónoma, pelo contrário, terá um impacto negativo, no âmbito da reforma?

TaV – A efetiva redução do imposto a pagar pelas empresas portuguesas será condicionada por um aumento significativo da tribu-tação autónoma. A descida da taxa do IRC é contraposta com a subida radical das taxas de tributação au-tónoma sobre viaturas ligeiras de passageiros que, nos veículos com um valor de aquisição igual ou su-perior a 35 mil euros, pode ascen-der a 45%. Há cinco anos, a taxa normal da tributação autónoma que incidia sobre as despesas com viaturas era de 5%. Esta medida só pode ser compreendida num cená-rio em que as autoridades fiscais se desresponsabilizam pela fiscalização das empresas. Esta seria uma reação à utilização generalizada para efeitos pessoais das viaturas das empresas pelos trabalhadores, enquanto com-plemento remuneratório. Acontece que o CIRS já estabelece há mais de uma década regras precisas sobre a tributação desses complementos re-muneratórios, que não foram obje-to de alteração com esta reforma do IRC ou com o OE. Se as viaturas em questão são, de facto, utilizadas na esfera pessoal dos trabalhadores ou sócios/acionistas, já existiam mecanismos legais ao dispor das autoridades fiscais para tributar essa utilização.