Capítulo II - O Setor Elétrico...Capítulo II Efeitos de harmônicos no sistema de distribuição...
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34O Setor Elétrico / Fevereiro de 2010
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Harm
ônic
os p
rovo
cado
s po
r el
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elet
rôni
cos
Os harmônicos estão associados a perdas.
Desta forma, quais são seus efeitos para o sistema
elétrico e seus componentes?Quais seriamos níveis
“suportáveis” de harmônicos e o que recomendam
asnormas relacionadas ao tema? Este eospróximos
capítulospretendemresponderestasperguntas.
O capítulo está dividido em três partes, uma
apresentadaaseguireasoutrasqueserãopublicadas
nas próximas edições.Além disso, ele está separado
em subitens, que irão abordar diferentes dispositivos
dosistemaelétricoquantoaosefeitosprovocadospor
harmônicos.Logoapós,seráapresentadoumsubitem
resumindo estes efeitos e os níveis permissíveis de
harmônicos. Por fim, serão mostrados os limites
de harmônicos das principais normas nacionais e
internacionais.
Conforme a norma IEEE Std 519-1992, o grau
de tolerância dos harmônicos é determinado pela
susceptibilidadedacargasàinfluênciadesses.Cargas
pouco susceptíveis são as que utilizam a energia
harmônica no processo, sendo então tolerável à
existência de harmônicos para si mesmas. Exemplos
destascargassãocargasdeaquecimento,comofornos
ouchuveiroselétricos.
Cargas muito susceptíveis a harmônicos são
aquelasqueseusprojetosassumiamaformadeonda
dealimentaçãocomosendoperfeitamentesenoidal.Os
equipamentosquefrequentementeseencaixamnesta
categoriasãoprocessadoresdedadosedispositivosde
comunicação.
Ummeio termoentreestasduascategoriasseria,
porexemplo,asmáquinasrotativas.Amaiorpartedos
motoresérelativamentetolerávelaosharmônicos.Em
Igor Amariz Pires*
Capítulo II
Efeitos de harmônicos no sistema de distribuição e limites segundo as principais normas nacionais e internacionais – Parte I
um sistema elétrico, os harmônicos podem excitar
ressonâncias entre seus componentes, tais como
capacitoresecabosoutransformadores.
Medidores de energia Medidoresindutivosdeenergiaelétricaapresentam
errosquandoinstaladosemumambientecomgrande
presença de harmônicos, tanto de tensão quanto de
corrente.Os erros podem ser positivos ounegativos,
dependendodoespectroharmônicoqueoinstrumento
pertencesse.
Alguns pesquisadores daUniversidade de Brasília
edaCompanhiaEnergéticadeBrasíliadesenvolveram
um trabalhodecampovisandocomparara leiturade
medidores de energia eletromecânicos e eletrônicos.
Para tal, foram escolhidos cinco consumidores,
representando diferentes segmentos e distorções
harmônicasdistintas.Estesconsumidoresestãodescritos
naTabela1comseusrespectivosTHDdetensão,THDde
correnteeerrosdemediçãoencontrados,comparando
osmedidoreseletromagnéticoseeletrônicos.
Cada consumidor teve as medições da energia
elétrica realizadas pelo seu próprio medidor
eletromecânico e por um outro medidor eletrônico
instaladoemparaleloaoeletromecânico.Dosresultados
obtidos, as diferenças na tarifação de energia ativa
forambastantepequenas,sendobemmenoresdoque
asclassesdeexatidãodosinstrumentos.Dasgrandezas
medidaseapresentadas(energiaativa,demandaativa
empontaeforadeponta,energiareativa,estamedida
indiretamentepormeiodeumalgoritmoespecífico),
aúnicaquetevediferençafoiaenergiareativa,sendo
queomedidoreletrônicoapresentouvaloresmaiores.
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Tabela 1Consumidores seleCionados para avaliação de medidores de energia
Consumidor
Indústriadecimento
Autarquiamilitar
Universidade
EdifícioInteligente
Serviçodeinformática
THD –
tensão
(%)
1,77
2,70
3,00
8,1
12,50
THD –
corrente
(%)
15,90
15,40
5,60
72,4
14,00
kWh
-0,03
-0,27
-0,37
0,05
-0,17
kW
(ponta)
-0,76
0,89
-1,17
0,40
-0,10
kW
(fp)**
-0,08
0,18
-0,42
0,12
-0,09
kVArh
-27,65
-18,48
-17,28
-15,85
11,29
Erros (%)*
* Erros do medidor eletromagnético em relação às medições realizadas em medidor eletrônico que considera as harmônicas** fp = fora de ponta
Estas diferenças ocorrem, pois as definições de potência
ativa,reativaeaparenteemambientescomdistorçõesdetensão
e corrente são diferentes das definições utilizadas, admitindo
formasdeondasenoidal,tantoparatensãoquantoparaacorrente.
Aspotênciasativaereativa,nestenovocenário,serãoassomas
dosprodutosdastensõesecorrentesnamesmafrequência,mais
os cossenos e senos do ângulo diferença das variáveis citadas.
Umaterceirapotência,quecontabilizaainteraçãoentretensões
e correntes de frequências distintas, é chamada de potência
harmônica.Ainteraçãoentreessastrêspotênciasseráapotência
aparente. A definição matemática das potências ativa, reativa,
harmônicaeaparentesãoapresentadasnasequações(1),(2),(3)
e(4),respectivamente.
(1)
(2)
(3)
(4)
Algunsestudosmostramosresultadosdecalibraçãodemedidores
de energia elétrica ativa submetidos às condições senoidais e não-
senoidais.Emumdesses,ospesquisadorescalibraram30medidores
eletromagnéticos monofásicos, classe 2 (2% de erro de medição),
trabalhandocomosseguintesparâmetros:fatordepotência,variação
simultânea da frequência da tensão e corrente, tensões e correntes
distorcidas com diferentes THDs e, por fim, tensões e correntes
distorcidasevariaçãodoatrasodacorrenteemrelaçãoàtensão.
Diminuindoofatordepotência,émostradaumapequenatendência
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Tabela 2 erros experimenTais e simulados em medidores eleTromagnéTiCos
THD tensão (%) – experimentale simulação
3,6
5,0
9,0
11,0
11,9
21,0
22,0
37,1
THD corrente (%) – experimental e
simulação
117,0
30,0
26,0
113,0
11,9
32,0
22,0
37,1
Erro experimental
(%)
-1,86
0,56
1,45
-4,31
1,10
3,97
4,10
9,54
Erro simulação
(%)
-1,97
0,61
1,37
-4,56
1,08
4,10
3,95
9,61
de diminuição da energia ativa medida, sendo, porém, não muito
expressiva.Paraumfatordepotência0,2indutivosemharmônicos,no
piorcaso,houveumadiminuiçãonacontabilizaçãodeenergiaativade
apenas0,8%,sendoqueparaumfatordepotênciaiguala0,5indutivo,
houve um aumento de 0,1%. Em relação à variação simultânea da
frequênciadatensãoecorrente,observa-seumatendênciadeaumento
do desvio, em relação ao padrão, com o aumento da frequência.
Este comportamento pode ser explicado pelo fato de que o torque,
que provoca omovimento do disco domedidor eletromecânico, é
proporcionalaoprodutodascorrentesquepassampelasduasbobinas,
eestasdiminuemcomoaumentodafrequência.
Avaliandooensaiodetensãoecorrentedistorcidascomdiferentes
THDs, a tensão foi distorcida em 5,82%, sendo que a primeira
componenteharmônicaerade5%easegunda3%.Acorrenteteveuma
distorçãode24,25%, sendoque a primeira componenteharmônica
erade20%easegunda15%,comosseguintesperfisdecomposição
harmônicaforam:1º,3ºe5º;1º,5ºe7º;1º,7ºe9º;1º,9ºe11º.Ou
seja,paraosegundoperfilmencionado(1º,5ºe7ºharmônicos),o5º
harmônicoteveummóduloiguala20%eo7ºharmônicomóduloigual
a 15%, porcentagem em relação à fundamental. Concluiu-se que o
valordaenergiaativavariacomaalteraçãodacomposiçãoharmônica,
comprovandoatendênciadoensaioanterior.
Oensaiofinaldetensãoecorrentedistorcidas,variandooatraso
dacorrenteemrelaçãoàtensão,foibasicamenteajunçãodosensaios
anteriormente realizados. As discrepâncias observadas na medição
variam de acordo com o atraso da corrente em relação à tensão
e à composição harmônica, tendo como resultados tanto valores
positivosquantonegativosdediscrepância.Comoexemplo,parauma
composiçãoharmônicacom fundamental,5ºe7ºharmônicoseum
fatordepotênciaiguala0,2indutivo,adiscrepânciaobservadafoide
-1,5%.Jáparaumacomposiçãoharmônicade1º,9ºe11ºefatorde
potênciaiguala0,5indutivo,adiscrepânciafoide+1%.Destaforma,
osvaloresencontradosdediferençanãosãomuitosignificativos.
Outros autores apresentam ainda o desenvolvimento de um
modelomatemáticodeummedidordewatt-horaindutivoparaavaliar
a influênciadesteemcondiçõesnão senoidais.Ascaracterísticasdo
medidorindutivodeumdessestrabalhoseram:1elemento,2fios,1
fase,classe2,60Hz,220V,15-100AeKd=3,6Wh/r.Ostestes,em
medidores reais para validaçãodomodelodesenvolvido, apontaram
que,para se terumadiferençana tarifaçãodaenergiaelétrica, seria
necessáriograndesTHDsdetensãoecorrente,naordemde20%.A
Tabela2mostraosresultadosobtidostantonoexperimentodemedição
quantoemsimulações.Oserrossãorelativosaosvaloresmedidospara
tensãoecorrentecomTHDsiguaisazero.
Enfim,paraosníveisdedistorçãonormalmenteencontradosnarede
elétrica,ouseja,tensõescomdistorçõesmenoresque5%,nãohaverá
errossignificativosnatarifaçãodeenergia,sendoesteserrosnormalmente
localizadosnafaixadeprecisãodosmedidoresdeenergia(2%).
Parahaverumgrandeerrodemedição,oTHDdetensãodeveser
bastantesevero,acimade20%.NãosãocitadososvaloresdeTHDsde
correntequedariamsignificativoserrosdemedição,poisénecessário
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que a tensão também esteja bastante distorcida.Assim, a referência
citaapenasovalordedistorçãodetensão,pois,havendoumagrande
distorçãodetensão,porconsequência,haveráumagrandedistorçãode
corrente,provocandoassimumsignificativoerrodemedição.
Em relaçãoaosmedidoreseletrônicos,devidoàs suasmodernas
técnicasdemedição,consegue-seincluirasenergiasdosharmônicos,
apresentandoerrosmuitopequenos.
Condutores As correntes harmônicas em condutores poderão provocar
sobreaquecimento, se comparadas com o aquecimento provocado
apenaspelafundamentaldacorrente.Hádoismecanismosparaanalisar
esteaquecimento.
Oprimeiromecanismoédevidoà redistribuiçãodecorrenteno
condutor, incluindo os efeitos pelicular e de proximidade. O efeito
pelicularédevidoàblindagemdaporçãomaisinternadocondutorpara
acamadamaisexternaemfunçãodafrequênciadarede.Oefeitode
proximidadeédevidoaocampomagnéticodoscondutorespróximos
distorcendoadistribuiçãodecorrentenoscondutoresadjacentes.Em
cabos com condutores circulares, o efeito de proximidade émenos
pronunciadoqueoefeitopelicular.
O segundomecanismo é o aumento da corrente de neutro em
sistemas trifásicos a quatro condutores alimentando cargas não-
lineares.Váriascargas,comoaseletrônicas,produzemcorrentesde3º
harmônicosignificativas.Sistemastrifásicosequilibradosesemtensões
harmônicas não terão corrente de neutro. Porém, 3º harmônicos e
seusmúltiplos inteiros irão se somaraoneutro,ao invésde subtrair,
podendoacorrentedeneutrochegaraser1,7vezesacorrentedefase
paracargasconversorasestáticas.Assim,comooscabosdeneutrosão
dimensionadosparaseremdomesmotamanhodoscabosdefase,ou,
atémesmo,menores,elesestarãosobrecarregados.
Esteproblemaémaisprováveldeocorreremedifícioscomerciais
que têm um sistema trifásico que alimenta várias cargas comerciais
monofásicas eletrônicas. Para situações como esta, é comum
dimensionarocondutordeneutroparaduasvezesocondutordefase.
Cabosdepotência,usadosemtransmissãoedistribuição,quando
submetidosaumaressonânciaprovocadaporalgumharmônico,podem
sersubmetidosaumestressedetensãoeumefeitocorona,quepodem
levar à disrupção dielétrica. Deve-se considerar, ainda, o cálculo da
ampacidadedoscabosincluindoosefeitosdosharmônicos.Estecálculo
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*emrelaçãoàrotaçãodocampogirantefundamental
Fundamental + Harmônico
1
3
5
7
Frequência(Hz)
60
180
300
420
Resistência(ohm/m)
0,000106
0,000123
0,000167
0,000187
Corrente (A)
350
80
12
12
αh (pu)
1
0,2285
0,0345
0,0345
βh (pu)
1
1,1582
1,5782
1,76
Tabela 3 exemplo de CálCulo do HdF
éresumidoemumfatordedepreciaçãoharmônico,chamadoHDF,do
inglêsHarmonicDeratingFactor,comomostradonaEquação5.
(5)
Emque:
HDF=fatordedepreciaçãoharmônico
αh=correnteharmônica,empu,tendocomobaseafundamental
βh=resistênciaharmônicanormalizada,empu,tendocomobase
aresistênciadafrequênciafundamental
Comoexemploparaumsistematrifásicoaquatrocondutores
com cabos de alumínio de 500 kcm e diâmetro de 0,999
polegadas,aTabela3apresentaoconteúdoharmônicoaplicado
nestescondutores,bemcomoseusvaloresderesistênciaparacada
harmônico.
Com este conteúdo harmônico, o HDF para os condutores
faseseráde0,96,ouseja,umareduçãonaampacidadedoscabos
para96%daampacidadeutilizandosomenteafundamental.Jáno
cabo de neutro, neste sistema equilibrado, a corrente de neutro
teráapenaso3ºharmônico,porémestaserátrêsvezesovalorda
correntedefase.
Portanto,acorrentede3ºharmônicoseráiguala3x0,2285
= 0,6855 pu.Desta forma, utilizando a Equação 5, oHDF será
de0,80,ouseja,reduçãonaampacidadedoneutropara80%da
ampacidadeemconsideraçãoaumregimesemharmônicos.
Jáaimunidadepráticadecondutoresaosefeitosdeharmônicos
édadopor <10%,emqueh>1eUhédadoemporcentagem.
Em suma, omaior problemaque se verifica emcabos é em
sua configuração de cabo neutro em ambientes com grandes
concentrações de cargas não lineares.Omais comum é fixar a
seçãodoneutropara,pelosmenos,duasvezesaampacidadedos
cabosfase,emumsistematrifásico.
*IGOR AMARIZ PIRES é engenheiro eletricista, mestre e doutorando em
engenharia elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
com ênfase em qualidade da energia elétrica. CONTINUA NA PRÓXIMA EDIÇÃO
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