Caio Prado Jr
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Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 5
Caio Prado Jnior, Jacob Gorender e a escravido colonial brasileira: uma apreciao crtica
Andrs Ferrari1
Pedro Cezar Dutra Fonseca21. Introduo
Aparentemente, se trataba de un problema sencillo. Un seor feudal no deba ser difcil de distinguir de un empresario capitalista. Tampoco una economa feudal de una capitalista, ni de una sociedad feudal de una burguesa. Sin embargo, el problema de discernir si las sociedades hispanoamericanas eran de naturaleza feudal, capitalista u otra, se convirti - y contina en ese estado - en uno de los ms arduos en el campo de las ciencias sociales a lo largo del XX. (CHIARAMONTE, 1983:17).
A citao acima apresenta claramente o objetivo deste
artigo: definir o carter da produo escrava brasileira de
acordo com Caio Prado Jnior e Jacob Gorender, dois
autores provindos da mesma linha terica: o marxismo. Mas
esta mesma observao de Chiaramonte expressa a
dificuldade e as motivaes da controvrsia que envolve a
questo da determinao dos sistemas econmicos previstos
anteriores formao do capitalismo no continente
americano. Por isto, a apreciao adequada da posio de
cada autor requer ateno a esse debate que, por outro
lado, excede os limites do prprio caso brasileiro. Essa
controvrsia resulta mais complexa porque, se para
Chiaramonte (1983:101) el concepto de modo de
produccin no constituy, en el uso de Marx, el concepto
1 Doutorando do Programa de Ps-Graduao em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). [email protected] Professor Titular do Departamento de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Pesquisador do CNPq. [email protected]
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central para la interpretacin de la historia, Cardoso
(1973:137) distingue trs significados em Marx do mesmo:
como manera de producir, como modo dominante que
define una poca histrica, y para distinguir otros modos
secundarios de ste.
Alm disso, Cardoso sustenta que Marx no tinha una
verdadera teora de los modos de produccin coloniales,
sendo que suas referncias mais numerosas e mais especficas
referem-se a plantaes escravas do sul dos EUA. No sculo
XIX, que proveen elementos tiles para una teora del modo
de produccin esclavista colonial. Aceita que el hecho de
querer considerar las sociedades coloniales americanas como
dependientes de modos de produccin especficos trae
consigo la posibilidad de muchas crticas, e tendo como
base cita Jean Souret-Canale que afirma:
La esclavitud reaparece, igualmente, en las colonias en el perodo de la acumulacin primitiva, y an despus del triunfo del modo de produccin capitalista, sin que por ello se pueda concluir que existi un modo de produccin esclavista en los siglos XVIII y XIX () En resumen, no se puede definir un modo de produccin solamente a partir de la presencia o la ausencia de una forma de explotacin, an cuando sta sea dominante a nivel local. El slo puede ser definido tomndose en cuenta el conjunto de las relaciones de produccin, que a su vez corresponde a un tipo y un nivel determinado de las fuerzas productivas (SURET-CANELE apud CARDOSO, 1973:135-36).
No obstante, Cardoso afirma que quedara
enteramente de pie el problema de cmo considerar, en cuanto
a su modo de produccin, las sociedades esclavistas de Amrica
antes del advenimiento del capitalismo como modo de
produccin dominante. Assim, neste debate necessrio definir
se houve modos de produo especficos na Amrica; e, caso a
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resposta seja afirmativa, qual seria sua natureza. Para Cardoso
houve modos de produo coloniais3, noo que ser
retomada por Gorender.
Nesta rbita esto situadas as diferentes utilizaes do
conceito dos modos de produo americanos prvios ao no
capitalismo. Procurando restringir este extenso debate aos
aspectos mais diretamente voltados a comparao dos
conceitos de Prado Jnior e Gorender, duas verses principais
precisam ser examinadas. Uma que sustenta que a escravido
colonial, em particular a brasileira, havia se constitudo em um
modo de produo feudal. A linha feudal vinculava-se matriz
ortodoxa que procuravam ajustar o curso histrico a atravs
de uma estranha e anti-cientfica maneira de interpretar os
fatos (RB:35) nas etapas de modos de produo mencionadas
por Marx na Crtica de 1859, os quais todo pas deveria atravessar
antes de ou para poder chegar ao socialismo4. Deste
conceito, denuncia Caio Prado, surge a necessidade de definir a
escravido como feudal, mal entendendo as especificidades
brasileiras.
Feudal tornou-se assim sinnimo ou equivalente de qualquer forma particularmente extorsiva de explorao do trabalho, o que naturalmente falsoescravismo e feudalismo no so a mesma coisa, e no que se refere estrutura e organizao econmica, constituem sistemas bem distintos. E se distinguem sobretudo no que concerne ao assunto de que estamos tratando, isto , a natureza das relaes de trabalho e produo e o papel
3 Por modos de produccin coloniales designo, pues, aquellos, modos de produccin que surgieron en Amrica en funcin de la colonizacin europea, pero que en ciertos casos pudieron sobrevivir a la independencia poltica de las colonias americanas, y seguir existiendo durante el siglo XIX, hasta la implantacin que se dio en pocas distintas segn los pases- del modo de produccin capitalista (CARDOSO, 1973:143).4 Segundo esse esquema, a humanidade em geral e cada pas em particular - o Brasil naturalmente includo - necessariamente teriam que passar por estgios sucessivos em que as etapas a considerar, anteriores ao socialismo, seriam o feudalismo e o capitalismo. Em outras palavras, a evoluo histrica se realizaria invariavelmente atravs daquelas etapas, at chegar no socialismo (RB:32). que la realidad social latinoamericana se ha mostrado persistentemente rebelde a las clasificaciones marxistas tradicionales.
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que essas relaes desempenham no processo poltico-social da revoluo. (RB:42-43).
Esta interpretao feudal ser tambm negada por
Gorender, que reconhece que fora Caio Prado o precursor da
crtica desta idia, de modo que no h mais sentido nela se
aprofundar5. A outra tese que alimenta a polmica a
chamada de circulacionista, a qual, como explica Ciafardini
(1973:114) postula que el desarrollo del comercio habra
determinado en cierta forma la instauracin del capitalismo,
disolviendo las formas precapitalistas de produccin. De
acordo a Assadourian (1973:68), Marx, no terceiro tomo do
Capital, escreveu que a verdadeira cincia da economia
poltica comea aonde o estudo terico se desloca do
processo de circulao ao processo de produo,
consequentemente:
Marx rechaz definir una formacin econmica-social por la simple y nica presencia del capital comercial, pues ste, encuadrado en la rbita de la circulacin y con la exclusiva funcin de servir de vehculos al cambio de mercancas, existe cualquiera sea la organizacin social y el rgimen de produccin que sirva de base para producir los productos lanzados a la circulacin como mercancas. Por estas razones Marx negaba, por superficiales, aquellos anlisis que estudiaban exclusivamente el proceso de circulacin (ASSADOURIAN, 1973:68).
Para Assadourian, Marx referia-se como regime de
produo pr-capitalista ao longo perodo de trnsito do regime
feudal de produo, formas anteriores forma bsica moderna
do capital, perodo do aparecimento da produo capitalista.
Precisamente, este ser o ponto crucial do trabalho, porque a
5 Esta viso aceita tambm por Ciro Cardoso (1973:148), Feudalismo y capitalismo, entendidos como modos de produccin, no existieron en Amrica colonial. No es suficiente constatar formas de trabajo forzados (corve) o de servidumbre para poder hablar de feudalismo, y la vinculacin al mercado mundial no constituye un criterio vlido como para clasificar a una formacin social como capitalista; tampoco lo es la constatacin, sin ms, de ciertas formas de trabajo asalariado.
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escravido brasileira deste perodo parte integrante do
debate. Mais ainda, Gorender classifica Caio Prado como
circulacionista, e sustentar a existncia de um modo de
produo escravista colonial que ser pr-capitalista. Para
analisar a validade desta proposio e entender as respectivas
vises crticas deste debate, a seguir sero discutidos os
argumentos de cada um, quando ser expressa nossa
concordncia com a viso de Prado Jnior.
2. A escravido como resultado do sentido de colonizao: Caio Prado Jnior
Ao contrrio de Gorender, Caio Prado no apresenta uma
viso sobre a escravido brasileira em uma nica obra, nem
tampouco aborda esta questo direta ou sistematicamente
como objeto de anlise. A sua concepo encontra-se em
diversos livros que tratam da evoluo do Brasil desde a
chegada dos portugueses, uma colonizao que como a
europia em geral teve desde seu incio um sentido
primordial: realizar apenas um negcio, embora com bons
proveitos para seus empreendedores (FBC:279). Esse sentido,
permanecer como fora motriz dos comportamentos que
afetaro o Brasil. Quando se diz que esse sentido se concretizou
por meio da explorao do territrio atravs da produo
extensa de bens tropicais de alto valor para o mercado europeu,
logo se remete ao aparecimento da enorme importao de
africanos como escravos:
Aquilo que essencial e fundamentalmente forma esta nossa economia agrria, no passado como ainda no presente, a grande explorao rural em que se conjugam, em sistema, a grande propriedade fundiria com o trabalho coletivo e em cooperao e conjunto de numerosos trabalhadores. No passado essestrabalhadores eram escravos, e era isso que constitua o sistema, perfeitamente caracterizado, que oseconomistas ingleses de ento denominaram plantation system (sistema de plantao), largamente difundido por
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todas as reas tropicais e subtropicais colonizadas por europeus e a que Marx se refere em diferentes passagens de O CAPITAL. (RB:46).
Caio Prado expressa tambm com muita clareza e
preciso as razes que fizeram o colono europeu instalar-se no
Brasil. Vir o colono (branco) europeu para especular, realizar
um negcio: inverter seus cabedais e recrutar a mo de
obra de que precisa: indgenas ou negros importados. Como
tais elementos, articulados em uma organizao puramente
produtora, mercantil, constituir-se- a colnia brasileira
(FBC:20). Depois de analisar e descrever as implicaes sociais
e culturais que surgiram como conseqncia da evoluo
correspondente a este sentido de colonizao, aborda a
funo do escravo, definindo seu lugar nessa estrutura: Nada
mais se queria dele, e nada mais se pediu e obteve que a sua
fora bruta, material. Esforo muscular primrio, sob direo e
aoite do feitor. A diferena da Antiguidade onde a
escravido se nutre de povos e raas que muitas vezes se
equiparam a seus conquistadores, se no os superam -, na
modernidade o escravo era s uma simples mquina de
trabalho bruto, recrutados de povos brbaros e semi-
brbaros, arrancados se seu habitat natural e includos, sem
transio, em uma civilizao inteiramente estranha. Por isso,
sustenta que s era um recurso de oportunidade de que
lanaram mo os pases da Europa, a fim de explorar
comercialmente os vastos territrios e riquezas do Novo
Mundo (FBC:278-8)6. Este contedo e carter da escravido
6 Ressalta isso da comparao que podemos fazer daqueles dois momentos histricos da escravido: o do mundo antigo e do moderno. No primeiro, com o papel imenso que representa, o escravo no seno a resultante de um processo evolutivo natural cujas razes se prendem a um passado remoto; e ele se entrosa por isso perfeitamente na estrutura material e na fisionomia moral da sociedade antiga (...) a escravido moderna...nasce de chofre, no se liga a passado ou tradio alguma. Restaura apenas uma instituio justamente quando ela j
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brasileira manter-se-o ao longo dos sculos; uma constante
que se combinar com qualquer evento novo que surja7.
As variantes do ponto de vista econmico, que o Brasil
apresentou enquanto utilizou mo-de-obra escrava referem-
se, basicamente, em torno de que produto organizada toda
a produo principal. Em todo o caso, um produto pode
diferenciar do outro em mltiplos aspectos, como: localizao
geogrfica, europeus, forma de comercializao, exigncias
produtivas, ciclo econmico, etc. No obstante, em todos os
casos est a mesma estrutura produtiva que se caracterizara
por trabalho escravo, exportao latifundiria e monocultura.
Estas so caractersticas fundamentais, permanentes, que
definiram a organizao econmica deste perodo. Esta ser
a clula fundamental da economia agrria brasileira
(FBC:121)8, sustentada pelo trabalho escravo, o elemento mais
essencial.
O ramo mais importante do comrcio de importao contudo o trfico de escravos que nos vinham da costa da frica esta mais uma circunstncia digna de nota que vem comprovar o carter da economia colonial: o escravo negro quer dizer, sobretudo, acar, algodo,ouro, gneros que se exportam. (HEB:116).
O aspecto comercial alcanar outra dimenso, a qual
Caio Prado ressaltar com insistncia. Esta refere-se
dependncia histrica de economia brasileira s exigncias
do mercado europeu, condicionante externa que influenciar
perdera inteiramente sua razo de ser, e fora substituda por outras formas de trabalho mais evoludas (FBC:278-80).7 O trabalho escravo nunca ir alm do seu ponto de partida: o esforo fsico constrangido; no educar o indivduo, no o preparar para um plano de vida humana mais elevado. No lhe acrescentar elementos morais; e pelo contrrio, degrad-lo-, eliminando mesmo nele o contedo cultural que por ventura tivesse trazido de seu estado primitivo (FBC355).8 Esta se realizar em larga escala, isto , em grandes unidades produtoras fazendas, engenhos, plantaes (as plantations das colnias inglesas) que renem cada qual um nmero relativamente avultado de trabalhadores. Em outras palavras, para cada proprietrio (fazendeiro, senhor ou plantador), haveria muitos trabalhadores subordinados e sem propriedades (FBC:17-18).
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decisivamente as possibilidades, os ritmos, os momentos, os
participantes, as especificidades e as localizaes de seu
desenvolvimento. Esta dependncia, justificada com o fato de
voltar-se para fora, ser um fator que subsistir a todos os
eventos econmicos e polticos Independncia, Repblica,
Abolio, industrializao, etc.-, e constitui um desafio a
vencer, tal qual o objetivo de explicar em A Revoluo
Brasileira9. O objetivo deste trabalho no analisar estas
ponderaes do autor nestes pontos. No obstante, h uma
dimenso que fundamental para compreender seu
entendimento da escravido brasileira e, como ser visto mais
adiante, ser um dos elementos contestados por Gorender.
Embora sejam escassas as referncias diretas obra de
Marx nas obras de Caio Prado, ele deixa claro que esta sua
maior inspirao terica. Assim mesmo, em momento algum
ele torna explcita a qualificao de que tipo de organizao
econmica se observou no Brasil tendo como base o trabalho
escravo. Entretanto, assim como tambm Caio Prado claro
nessas poucas referncias sobre sua adeso ao marco terico
de Marx, sua descrio da organizao produtiva escravista
brasileira no deixa dvidas de que esta apresenta um carter
capitalista. Mas, ele no diz isto diretamente. uma
interpretao, a qual se baseia na utilizao de conceitos e
fica mais clara ainda quando aborda o marco histrico geral
em que se apresentou a colonizao americana desde o
sculo XVI.
Os pases da Amrica Latina sempre participaram, desde sua origem, na descoberta e colonizao por povos
9 Mas, qualquer que seja o caso, o trabalhador livre de hoje se encontra, tanto quanto seu antecessor escravo, inteiramente submetido na sua atividade produtiva direo do proprietrio que o verdadeiro e nico ocupante propriamente da terra e empresrio da produo, na qual o trabalhador no figura seno como fora de trabalho a servio do proprietrio, e no se liga a ela seno por esse esforo que cede a seu empregador (RB:47).
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europeus, do mesmo sistema em que se constituram as relaes econmicas que, em ltima instncia, foram dar origem ao imperialismo, a saber, o sistema do capitalismo. So essas relaes que, em sua primeira fase do capital comercial, presidiram instalao e estruturao econmica e social das colnias, depois naes latino-americanas. assim, dentro de um mesmo sistema que evoluiu e se transformou do primitivo e originrio capitalismo comercial, a, e por fora das mesmas circunstncias (embora atuando diferentemente no centro e na periferia), que se constituram de um lado as grandes potncias econmicas dominantes no sistema imperialista, e de outro os pases dependentes de Amrica Latina (RB:68).
Observe-se que Caio Prado no est afirmando que
houve relaes sociais capitalistas nas colnias, e sim que a
Amrica Latina foi parte do sistema capitalista na medida em
que este se constitua. Por isto: que, em ltima instncia,
foram dar origem ao imperialismo, a saber, o sistema do
capitalismo. As colnias foram capitalistas na medida em
que o sistema se definia como modo de produo na prpria
Europa. Mas o carter capitalista das colnias desvendado
to logo esse sentido imprima sua evoluo. Obviamente as
colnias latino-americanas no apresentam o modo
capitalista de produo antes que a Europa, j que o mesmo
ainda no existia como tal em nenhum lugar; mas so
capitalistas na medida em que fazem parte do processo de
expanso do capital que vai construindo seu sistema de
produo. Este carter dependente importante quando o
Brasil passa do status colonial ao de um pas politicamente
independente10, na medida em que surge a nova ordem
10 O Brasil continuar, neste sentido, como era antes. Mas o que se modifica, e profundamente, a ordem internacional em que o pas e a sua economia se enquadram. Essa ordem agora a do capitalismo industrial, ou capitalismo propriamente, que acompanhado, ou antes se dispe dentro de um sistema de nvel econmico muito mais elevado, dotado de foras produtivas consideravelmente mais poderosas, e dinamizado por intensa atividade sem paralelo no passado (HD:57).
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instituda pelo capitalismo industrial, embora sem modificar
sua posio perifrica e marginal (HD:55)11
Referimo-nos ao capitalismo industrial que assinala a complementao do processo de mercantilizao dos bens econmicos, e em particular da fora de trabalho cuja incluso generalizada no rol das mercadorias, e caracterizao como tal, completa aquele processo que assim penetra no mais ntimo da atividade econmica que so as relaes de produo. Essa mercantilizao generalizada da fora de trabalho se faz possvel graas sem dvida revoluo tecnolgica (ordinariamente conhecida por revoluo industrial) ocorrida na segunda metade do sculo XVIII. E a ela se costuma por isso atribuir a gnese do capitalismo moderno. (HD:51).
Aqui se observa que Prado Jnior distingue claramente
as relaes sociais capitalistas, e que vincula a apario do
trabalho assalariado com a poca do capitalismo industrial,
sendo esta uma nova etapa na configurao deste modo de
produo. Quis dizer que a colonizao americana em geral,
e a brasileira em particular, estiveram definidas pelos impulsos
europeus do surgimento e posterior evoluo do capitalismo
naquele continente. Primeiro em sua etapa comercial e, logo
aps, sob o domnio do capital industrial. No est explicando
os acontecimentos brasileiros por meio de fatores externos,
mas como partes integrantes, inseridas dentro do sistema
capitalista mundial. Conseqentemente, a etapa de
capitalismo industrial fragiliza o Pacto Colonial, que
significava o exclusivismo do comrcio das colnias para as
respectivas metrpoles. O Pacto Colonial expresso perfeita
do domnio do capital comercial que a nova ordem
11 Isto decorre do fato de o Brasil entrar para a histria contempornea, e passar a participante da nova ordem instituda pelo capitalismo industrial, na condio, que j era a sua, de uma rea perifrica e simples apndice exterior e marginal dos centros nevrlgicos e propulsores da economia internacional E desse sistema e de um mundo bem distinto do anterior e em plena efervescncia de progresso impelido pelo capitalismo industrial, que receber agora os impulsos, as iniciativas e os estmulos econmicos e culturais (HD:54-55).
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capitalista encontra pela frente e deve destruir para se
desenvolver, levando em conta agora a figura central do
empresrio cujo objetivo vender seus produtos, para o que
a situao criada pelo Pacto desfavorvel. O monoplio
comercial de que no participa diretamente porque no
comerciante, no lhe traz benefcio algum. Como resultado
deste processo, sucumbe a proeminncia portuguesa,
enquanto o Brasil se organiza em um Estado nacional
integrado na nova ordem internacional do capitalismo e
desencadeia um processo que comandar a evoluo
histrica e as transformaes ocorridas at mesmo nos dias de
hoje, cujo efeito mais profundo haver golpeado a prpria
estrutura tradicional de classes e o regime servil (HD:52-3). Fica
claro que as relaes propriamente capitalistas se firmaram
depois do desmoronamento do Pacto Colonial e da Abolio.
Note-se bem, novamente, que mais adiante Caio Prado
no expressa em momento algum que a organizao
produtiva verificada no Brasil seja capitalista; da provm,
seguramente, a expresso sentido da colonizao.
Gorender criticar esta interpretao. Mas de notar para a
discusso posterior que o afirmado por Prado Jnior que no
Brasil, o que tivemos como organizao econmica, desde o
incio da colonizao, foi a escravido servindo de base a
uma economia mercantil12. Tambm sustenta que com a
abolio da escravatura sero consolidadas as relaes
capitalistas de produo em toda a economia brasileira
(RB:115). Mas estas relaes no so um fato isolado ou
decorrentes, simplesmente, da evoluo do processo histrico
brasileiro, mas bastante integradas com o capitalismo que j
tinha avanado, produto da Revoluo Industrial. Mas se a
12 A questo agrria, Pg. 191.
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revoluo tecnolgica faz possvel esta profunda modificao
das relaes de produo e trabalho, a mesma
modificao (que alis, nos seus primeiros esboos, estimula a
revoluo tecnolgica), ela que direta e essencialmente
assinala o advento da nova ordem capitalista (HD:52).
Apesar destes comentrios, Gorender qualificar a Prado
Jnior de circulacionista por ter afirmado que da estrutura
comercial extrai a sntese que resume o carter da
economia13. Seguramente a frase permite uma compreenso
ambgua. Mas em seu contexto, parece-nos claro que essa
no sua viso:
O carter geral da colonizao brasileira, empresa mercantil explorada dos trpicos e voltada inteiramente para o comrcio internacional, em que, embora pea essencial, no figura, seno como simples fornecedora dos gneros de sua especialidade. Nos diferentes aspectos e setores da economia brasileira constatamos repetidamente o fato, que pela sua importncia primordial merece tal destaque, pois condicionou inteiramente a formao social do pas (HEB:118)14.
Para ele, o comrcio sintetiza o carter da economia
brasileira enquanto parte do modo de produo capitalista,
o qual ocorre em escala mundial, enquanto condiciona o
desenvolvimento do Brasil. Ademais, quando Caio Prado
aborda especificamente a formao histrica brasileira
13 A anlise da estrutura comercial de um pas revela sempre, melhor que a de qualquer um dos setores particulares de produo, o carter de uma economia, sua natureza e organizao. Encontramos a uma sntese que a resume. O estudo do comrcio colonial vir assim como coroamento e concluso de tudo que ficou dito relativamente economia do Brasil colonial (HEB:113).14 Observamo-lo no povoamento, constitudo, ao lado de uma pequena minoria de dirigentes brancos, da grande maioria de outras raas dominadas e escravizadas, ndios e negros africanos, cuja funo no foi outra que trabalhar e produzir acar, tabaco, algodo, ouro e diamantes que pediam os mercados europeus. O mesmo se deu na distribuio daquele povoamento, condensando-se exclusivamente l onde era possvel produzir aqueles gneros e se pudessem entreg-los com mais facilidade ao comrcio internacional. Na organizao propriamente econmica, na sua estrutura, organizao da propriedade e do trabalho, encontramos ainda, dominante, aquela influncia. E finalmente, neste quadro que sumaria as correntes do comrcio colonial, e com elas a natureza da nossa economia, a mesma coisa que se verifica (HEB:118).
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sempre assume os determinantes internos como essenciais,
basicamente as relaes de produo e, em particular para
este tema, a escravido. Assim, por exemplo, destaca o
vnculo entre o desenvolvimento da economia e a passagem
do regime servil ao assalariado, como no caso do escravo
africano ao imigrante europeu.
De todas as conseqncias diretas ou indiretas (mas em sucesso imediata) derivadas do considervel e to rpido progresso da economia cafeeira verificado no Brasil, a mais importante e de efeitos mais amplos e profundos na vida do pas, foi sem dvida o papel que teve na abolio do trabalho servil e na instituio generalizada do trabalho livre, bem como neste outro fato to intimamente associado abolio e que vem a ser a afluncia macia de imigrantes europeus j desde meados, mas sobretudo a partir do ltimo quartel do sculo passado. (HD:67).
Conseqentemente, a viso global de Caio Prado
Jnior foi sumamente coerente nos diversos textos que tratou
da escravido brasileira. Ele parte da motivao econmica/
comercial com que o colonizador europeu se instala, produz
e, fundamentalmente, importa escravos africanos como
simples fora de trabalho. Este desenvolvimento culminar
como sendo parte das primeiras etapas do modo de
produo capitalista, na medida em que este modo vai
surgindo, desenvolvendo-se, concretiza-se e impe-se como
marco internacional. Assim mesmo, nota-se que Caio Prado
no s entende a organizao da produo clula
fundamental da economia agrria brasileira como base da
sociedade escravista colonial, mas tambm distingue, de
forma ntida, tanto conceitual como historicamente, e tanto
interna como internacionalmente, as relaes de produo
capitalistas das no-capitalistas. No obstante, Gorender ter
uma viso crtica de Caio Prado Jnior em mltiplos aspectos
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em sua defesa da existncia de um modo de produo
escravista colonial.
3.O modo de produo escravista colonial: Jacob Gorender
Ao contrrio de Caio Prado, Gorender deixa explcito,
tanto na temtica como na linguagem, sua perfilhao ao
marco marxista de anlise e, ademais, restringe seu tpico de
estudo ao desvendar o carter da escravido brasileira15. Em
600 pginas apresenta o Escravismo Colonial como um modo
de produo especfico, correspondente as plantagens16 do
novo continente. Critica as interpretaes anteriores por
desviarem-se ante o obstculo que opuseram ao estudo da
categoria central de todas as formaes sociais: a categoria
de modo de produo. Assim, percebido que a
colonizao, originou nas Amricas modos de produo que
precisam ser estudados em sua estrutura e dinmica prprias.
Para isso, argumenta, seria necessria uma inverso radical
do enfoque: as relaes de produo da economia colonial
precisam ser estudadas de dentro para fora, ao contrrio do
que tem sido feito, isto , de fora para dentro (EC:6-7). Em sua
15 Para concentrar o trabalho nos pontos cruciais, somente se mencionara que quando Gorender (EC:77-98) detalha os quatros pontos caractersticos da escravido colonial, apia-se e concorda com a exposio de Caio Prado: (1) a especializao na produo de gneros comerciais destinados ao mercado mundial, o que implica monocultura ainda com dependncia de um setor de economia natural; (2) trabalho em equipe sob um comando unificado, com nenhuma iniciativa autnoma do trabalhador direto, a diferena da organizao feudal; (3) a conjugao estreita e indispensvel, no mesmo estabelecimento, do cultivo agrcola e de um beneficiamento complexo do produto (EC:81); e (4) a diviso do trabalho quantitativo e qualitativo. O mesmo sucede em geral ao tratar a forma organizativa bsica, salvo quando afirma a plantagem absorveu inovaes tecnolgicas, o que afasta a idia da incompatibilidade absoluta entre progresso tcnico e trabalho escravo (GORENDER, 1989:95)16 Gorender prope este termo em lugar de plantation, Juntamente com a escravido, a plantagem constituiu categoria fundamental do modo de produo escravista colonial (EC:78).
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Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 19
viso, o ponto essencial sero as relaes de produo que
definam o modo de produo e que so a base das
formaes sociais coloniais, com o intento de avanar na
linha mencionada de Cardoso. Para ele, essas anlises
interpretativas encontram um obstculo insupervel por sua
inadequao terica, redundando em contradies que se
revelam com toda fora quando se deve enfrentar a questo
das relaes de produo (EC:4). Posto que, em sua opinio,
o estudo de uma formao social deve comear pelo
estudo do modo de produo que lhe serve de base
material (EC:11), procurar avanar na mencionada linha de
Cardoso.
Um passo srio e pioneiro em direo a tal problemtica foi dado por Ciro Cardoso, que, ao invs da abstrao de um modo de produo colonial, nico e indefinido, ateve-se proposio concreta de modo de produo escravista colonial. O de que se carece, a meu ver, de uma teoria geral do escravismo colonial que proporcione a reconstruo sistemtica do modo de produo como totalidade orgnica, como totalidade unificadora de categorias cujas conexes necessrias, decorrentes de determinaes essenciais, sejamformulveis em leis especficas. (EC:7-8)17.
Relaes de produo e suas leis especficas sero,
ento, o mecanismo pelo qual Gorender tentar definir um
sistema prprio correspondente ao escravismo colonial. Busca-
se uma teoria geral para um modo de produo especfico,
esclarecendo que sua obra se limita a este objetivo, tendo
como o fundamento da formao social escravista, no
toda ela(EC:11)18. No obstante, Gorender apresenta, em
17 Advirta-se que o obstculo continuar intransposto enquanto nos ativermos a formulaes do gnero de modo de produo colonial ou sistema de produo colonial, pois, ainda aqui, o enfoque no deixou de ser exterior estrutura econmico-social e, por isso mesmo, a escravido permanece em tais conceituaes elemento contingente a acessrio (EC:7).18 Impe-se, por conseguinte, a concluso de que o modo de produo escravista colonial inexplicvel como sntese de modos de produo preexistentes, no caso do Brasil. Seu surgimento no encontra explicao nas
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primeira instncia, uma dificuldade de envergadura. Alinhado
ao campo marxista, enfrenta uma manifestao do prprio
Marx, nos Grundrisse, que afirma que os plantadores
escravistas so capitalistas como anomalias dentro do
mercado mundial capitalista. Deste modo, tenta enfrentar o
dilema:
Embora no o diga expressamente, a interpretao literal do texto conduz a considerar capitalista o modo de produo das plantagens americanas, que empregavam escravos, uma vez que seus donos so declarados capitalistas. Mas esta classificao apela discursivamente ao conceito de anomalia, sob o argumento de sua incluso no mercado mundial capitalista. As anomalias sociais no so inconcebveis sem relao com julgamentos de valor - e um exemplo delas pode ser identificado nas redues jesuticas rio-platenses. Creio, porm, implausvel classificar de anmalo um modo de produo que representou uma tendncia dominante, durou sculos, avassalou enormes extenses territoriais, mobilizou dezenas de milhes de seres humanos e serviu de base organizao de formaes sociais estveis e inconfundveis. (EC:42).
Gorender considera que Marx, ao passar dos Grundisse
a O Capital, adquiriu mais maturidade e abandonou a tese
da anomalia19. A resoluo , no mnimo, polmica, e na
direes unilaterais do evolucionismo nem do difusionismo. No que o escravismo colonial fosse inveno arbitrria fora de qualquer condicionamento histrico. Bem ao contrrio, o escravismo colonial surgiu e se desenvolveu dentro de determinismo scio-econmico rigorosamente definido, no tempo e no espao. Deste determinismo de fatores complexos, precisamente, que o escravismo colonial emergiu como um modo de produo de caractersticas novas, antes desconhecidas na histria humana. Nem ele constituiu repetio ou retorno do escravismo antigo, colocando-se em seqncia regular ao comunismo primitivo, nem resultou da conjugao sinttica entre as tendncias inerentes formao social portuguesa do sculo XVI e s tribos indgenas. (EC:40).19 A tese de que o escravismo americano constituiu um capitalismo anmalo (ou foi uma aberrao, como disseram depois outros historiadores) reflete um entendimento imaturo que, com relao a este problema, era certamente o de Marx, quando desenvolvia, sem finalidade de publicao, as reflexes preparatrias de O Capital. Nesta obra, a tese sobre a anomalia est ausente de todo, e o tratamento que seu autor d questo do escravismo americano se traduz em conceituao muito diferente e oposta anterior. () Estritamente pelo que diz e pelo critrio cientfico em si mesmo, sem subordinao a argumentos de autoridade ou de autenticidade filolgica, que, na questo do escravismo americano, considera inaceitvel a tese do carter capitalista, anmalo ou no.Tanto mais, adiciono a ttulo de reforo, que o prprio Marx se encarregou de
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seguinte seo levantar-se-o dvidas sobre a mesma. Mas
preciso ressaltar que Gorender define o modo de produo
escravista colonial como possuindo um carter pr-capitalista.
Foi mencionado que para ele o ponto de partida so as
relaes de produo, embora mostre que a escravido no
indica por si s um modo de produo da mesma forma que
o assalariado e a servido - reparando que diferena do
escravismo colonial moderno, o escravismo romano incluiu
indivduos de elevado nvel cultural (EC:66), separando-os em
forma similar a Caio Prado20. Considera, porm, que o
materialismo histrico distinguiu claramente estas formas de
trabalho e as definiu como relaes de produo inerentes,
cada qual, a modos de produo rigorosamente especficos
(EC:71)21.
Para Gorender, alguns autores interpretaram mal a viso
de colonizao de Marx, desabando em explicaes supra-
histricas em que os fatores da produo aparecem
despidos das relaes sociais com que lidam os homens de
cada poca determinada22. Para ele, se bem a abundncia
de terras tivesse sido uma das condies indispensveis do
demonstrar essa inaceitabilidade com o que sobre o assunto escreveu em sua obra principal (EC:43).20 A escravido uma categoria social que, por si mesma, no indica um modo de produo No entanto, desde que se manifesta como tipo fundamental e estvel de relaes de produo, a escravido d lugar no a um nico, mas a dois modos de produo diferenciados: o escravismo patriarcal, caracterizado por uma economia predominantemente natural, e o escravismo colonial, que se orienta no sentido da produo de bens comercializveis. Observe-se, a propsito, que tambm a servido e o salariado no indicam, por si mesmos, situaes econmico-sociais unvocas (EC:46).21 Tanto na escravido como na servido, a explorao do produtor direto se faz mediante coao extra-econmica, o que as rene num mesmo tipo geral de sujeio pessoal. Quando se trata, porm, das relaes de produo concretas,da estrutura econmica e de suas leis, a diferena entre ambas substancial(GORENDER, 1989:73).22 Gorender menciona que esse seria o caso de F. H. Cardoso, Octavio Ianni e Fernando Novais, que o escoraram na teoria da colonizao de Wakefield filtrada pela crtica de Marx (EC:139). Por outro lado, Gorender critica tambm as vises de vrios outros autores (por exemplo, Celso Furtado, Florestn Fernandes, etc.), mas neste trabalho s se tratar suas opinies sobre o Caio Prado Jnior.
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escravismo colonial, de todo incoerente fundamentar na
crtica de Marx o surgimento da escravido colonial23.No foi
esta que determinou a plantagem, mas o contrrio (...) o
emprego do trabalho escravo teve como pressuposto as
caractersticas da forma plantagem. Era preciso que houvesse
uma fora produtiva qual o trabalho escravo se adaptasse
em condies de rentabilidade econmica para que os
escravos fossem requeridos em to enorme escala durante
sculos (EC:139-40). Esta pergunta interessa-nos, pois permite
ver como Gorender explica este surgimento:
A fora produtiva encarnada na plantagem adequava-se ao trabalho abstrato e a ela se associou no s na Amrica, mas antes na prpria Europa. Sucede, contudo, que a Amrica oferecia imenso fundo de terras fertilssimas inapropriadas, o que deu plantagem canavieira do continente americano viabilidade muitssimo maior do que nas Ilhas mediterrneas e atlnticas. Mas esta mesma viabilidade s secompreende por ser o continente americano um continente colonizado. De outra maneira, ficaria inexplicado o escravismo colonial. (EC:140).
Nesta mesma linha, critica a tese de inegvel feio
geodeterminista de Caio Prado (EC:141), e tambm
questiona haver considerado o escravo como mero
expediente ditado pelas circunstncias, destitudo, por
conseguinte, de influncia decisiva nas relaes de produo,
na estrutura e na dinmica da sociedade colonial (EC:148).
Segundo sua viso, a escravido se apresenta determinada
23 A plantagem escravista imps-se nas Ilhas mediterrneas e atlnticas, apesar de nelas ser a terra escassa em comparao com sua disponibilidade no continente americano. Nos Estados Unidos, a abundncia geral de terras no impediu que se firmassem dois tipos opostos de colonizao e de vida social: o das pequenas propriedades familiais no Norte e no Oeste e o da plantagem escravista no Sul. A colonizao inglesa e francesa das Antilhas comeou com pequenos cultivadores, que produziam tabaco e anil para exportao, mas eles se viram implacavelmente deslocados quando deu entrada nas ilhas o engenho de acar. Em que pesem s diferenas do regime jurdico de apropriao da terra conforme cada metrpole colonial, por toda parte a plantagem escravista se associou grande propriedade fundiria (EC:140).
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por foras produtivas as quais se vincula e de acordo com seu
peso dentro da respectiva formao social. Entende que a
escravido presente na colonizao do Novo Continente s
pode ser compreendida se estudada em conjunto com as
foras produtivas e sua organizao fundamental: a
plantagem (EC:148)24. Esta relao entre o plantador e os
escravos determina todo o carter do modo de produo
(EC:147) 25.
Assim, Gorender comea a arrolar as leis que so
especficas a este modo de produo colonial, as quais se
diferenciam das que so vlidas para alguns ou todos os
outros modos, que denomina monomodais26. Seu trabalho,
portanto, tem a inteno de apresentar um sistema de leis,
de um conjunto articulado que reflete teoricamente uma
totalidade orgnica (EC:154); so leis que, interligadas,
expressam a lgica do modo de produo escravista colonial.
Este sistema, que aborda a terceira parte do livro, est
constitudo por cinco leis monomodais, a saber: (1) a lei da
renda monetria; (2) a lei do investimento inicial na aquisio
do escravo; (3) a lei da rigidez da mo-de-obra escrava; (4)
a lei da correlao entre a economia mercantil e a economia
24 O mesmo raciocnio aplica-se servido, que nem sempre feudal, e ao trabalho assalariado, que j aparece na Antigidade e existiu tambm na Idade Mdia, sob condies e formas distintas do salariado capitalista (EC:148).25 Meu ponto de partida reside na convico de que o tipo de utilizao da fora de trabalho no pode constituir fator contingente ou acidental em qualquer modo de produo. Pelo contrrio, do tipo de trabalho decorrem relaes necessrias, absolutamente essenciais, que definem as leis especficas do modo de produo. Do ponto de vista mais abstrato, no h diferena entre o escravo, o servo e o operrio assalariado. Todos eles tm sua jornada dividida em trabalho necessrio esobre-trabalho. No entanto, cada um deles caracteriza modos de produo diferentes pela simples razo de que so diferentes os modos de explorao de seu trabalho e de apropriao do trabalho excedente ou sobre-trabalho pelo explorador (EC:147).26 Onimodais as leis vigentes em todos os modos de produo sem exceo; plurimodais, uma vez que sua vigncia no se verifica em todos os modos de produo, mas apenas em mais de um deles; monomodais ou especficas, cuja vigncia exclusiva de um nico modo de produo () As leis do modo de produo escravista colonial tambm so, ao mesmo ttulo, monomodais ou especficas (EC:152).
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natural na plantagem escravista; e finalmente, (5) a lei da
populao escrava. No cabe aqui analisar o sistema de leis
proposto por Gorender, e sim comparar sua viso de
escravido de Prado Jnior. Por isto, s sero feitas algumas
consideraes a estas leis no que se refere ao tpico
proposto.
Da lei de renda monetria, Gorender define que a
explorao produtiva do escravo resulta no trabalho
excedente convertido em renda monetria, e sobre este
aspecto distingue o escravismo mercantil/colonial do
antigo/patriarcal (EC:155-6). Da Gorender extrai como
inevitvel sua ligao com o mercado externo, sua premissa
incondicional27. No obstante, esclarece que esta concluso
o afasta das teorias circulacionistas cuja anlise se concentra
no modo de circulao e por meio deste pretende com o
resultado de tais anlises chegar a iluso renovada do
escravismo capitalista gerada por semelhante erro
metodolgico. Considera que a esfera da circulao se
autonomizou com relao ao modo de produo escravista
colonial e, ao mesmo tempo, se adequou a ele, sem
determinar suas leis internas, sua natureza essencial, ainda
que dependente do mercado externo, o modo de produo
escravista colonial no deixa de ser uma totalidade orgnica,
conceitualmente definida como tal pela articulao de leis
especficas (EC:164).
Com respeito segunda lei, Gorender afirma que esta
se baseia na aquisio do escravo por parte do plantador
que adianta valor-dinheiro na compra e espera v-lo
27 O escravismo colonial nasce e se desenvolve com o mercado como sua atmosfera vital. A explicao j se contm no exposto acima: um modo de produo baseado na escravido compatvel com a finalidade mercantil se estiver conjugado a um mercado externo apropriado. A existncia prvia do mercado externo constituiu, portanto, premissa incondicional (EC:164).
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aumentado por meio do emprego produtivo do escravo,
(embora, para isso, deva incorrer em outro tipo de despesa, o
da manuteno do escravo)28. Gorender sustenta que a
singularidade do modo de produo escravista colonial
que, alm da lei onimodal da reproduo necessria da mo-
de-obra , rege-se por outra lei monomodal relativa ao
investimento da compra do escravo que representa um falso
gasto de produo, imposto pela natureza peculiar das
relaes de produo escravistas (EC:169). Critica, assim,
aqueles que, como Caio Prado, caracterizam este
investimento como capital fixo, at a concluso que
implicava uma esterilizao do capital, cujo resultado era a
desacumulao, do qual se deduz o carter pr/ou anti-
capitalista do regime escravista colonial29:
a importao de escravos constitua umadesacumulao, um corte nas possibilidades de acumulao de fundos produtivos, uma reduo sempre substancial dos recursos poupados para investimento. Nem preciso mais do que isto a fim de demonstrar o carter, no somente pr-capitalista, mas tambm anti-capitalista do regime escravista colonial. (EC:204).
Logo, Gorender explica que apesar de seus mltiplos e
graves problemas, a adoo do trabalho escravo se imps
no como alternativa para o trabalho livre: foi adotado
28 evidente que o sustento do escravo no representa dispndio anlogo inverso inicial, uma vez que no resulta de um adiantamento, mas do prprio trabalho do escravo. (EC:167). Temos, assim, dois dispndios do escravista inteiramente distintos: o do preo de compra do escravo e do seu sustento. O preo de compra do escravo no pago a este, porm ao seu vendedor, personagem que nenhuma relao entretm com o processo de produo Enquanto, porm, o primeiro dispndio - o de preo de compra - se deu fora doprocesso de produo, o segundo - o do sustento do escravo - se d dentro dele(EC:168). 29 a inverso inicial de compra do escravo no funciona como capital. No processo real da produo escravista, esta inverso se converte em no-capital.Seria incorreto afirmar que ela imobilizada, pois assim a incluiramos no capital fixo. O correto concluir que o capital-dinheiro aplicado na compra do escravo se transforma em capital esterilizado, em capital que no concorre para a produo e deixa de ser capital. Por conseguinte, cabe-nos concluir tambm que a inverso inicial da compra do escravo somente pode ser recuperada pelo escravista custa do sobre-trabalho do seu produto excedente. (EC:183)
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simplesmente por no haver alternativa. E, obviamente,
tambm por ser vivel do ponto de vista econmico. Mais do
que vivel, o trabalho escravo era vantajoso na produo em
grande escala de gneros tropicais de exportao e
enquanto houvesse reas de terras frteis
apropriveis(EC:206). Da, critica a Weber por haver efetuado
uma comparao entre o trabalho escravo e o assalariado
desconsiderando as circunstncias histricas que o levaram a
julgar o primeiro como tendo elementos irracionais30.
Gorender sustenta que este ponto de vista parte do prisma da
racionalidade capitalista, estabelecida como padro supra-
histrico de racionalidade econmica, mesmo que ainda
esta produtividade seja muito inferior e o desperdcio muito
superior em frente ao capitalista assalariado, no se segue
que o emprego do trabalho escravo fosse irracional em
determinada poca. Pelo contrrio, nesta determinada
poca, s o emprego do trabalho escravo seria racional
(EC:205). Ento, conclui que o escravo no representou fato
contingente, expediente ditado pelo arbtrio ou surgido de
circunstncias ocasionais.
Gorender contesta Caio Prado por sua viso de um
patriarcalismo que embora seja dito que brotava do regime
econmico, recebe significado unicamente de fenmeno
superestrutural ou, se quiser, de epifenmeno cultural. No
mbito da estrutura propriamente dita, o que sobreleva o
carter empresarial da economia (EC:280), ao imputar-lhe
um economicismo peculiar que nega ter se originado da
escravido, uma formao social na acepo totalizante do
30 No possvel, como acontece infelizmente com certa freqncia, ter um p em Karl Marx e outro em Max Weber; isto no da, no da p: ou estamos com um ou estamos com outro, em particular no que se refere ao conceito de capitalismo (GD:13)
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conceito, uma vez que afirma o carter primrio das
relaes sociais delas resultantes e a (...) ausncia quase
completa de superestrutura (FBC:354), chegando a uma
viso da plantagem e do plantador como empresa e
empresrio, que por um processo associativo...so postulados
na acepo do regime capitalista (EC:280). Tendo em conta
ambos os anacronismos racionalidade e empresrio
capitalista -, Gorender critica aqueles que inspirados nas
tipologias weberianas, afirmam a vigncia de um capitalismo
incompleto como capitalismo escravista, tanto na
Antiguidade como nos tempos modernos. Para ele, a noo
de capitalismo incompleto vincula-se somente subsuno
formal de trabalho ao capital de Marx: O capitalismo j a
capitalismo, por implicar a explorao de operrios livres pelo
capital e o domnio destes no processo de produo, mas
capitalismo incompleto, por ser incapaz ainda de produzir
mais-valia relativa. Porm, a subsuno formal do trabalho no
capital nada tem a ver com um processo de trabalho
executado por escravos (EC:301-02). Critica, tambm, o
integracionismo, por sua idia de que o surgimento do
mercado mundial, no sculo XVI, marcou o surgimento de um
modo de produo tambm mundial, evidentemente
capitalista, j que implica a identidade entre mercado e
modo de produo, a qual se formula de acordo com o
termo capitalista (EC:313-14)31.
31 Ao invs de insistir numa categoria inconsistente como a de capitalismo comercial, a explicao do processo de formao do mercado mundial, a partir dos descobrimentos hispano-portugueses, ser encontrada na expanso do capitalcomercial, ento ainda uma modalidade pr-capitalista do capital. Modos de produo essencialmente diversos puseram-se em contacto atravs do mercado mundial nascente e neste o modo de produo capitalista, em formao na Europa Ocidental, encontrou terreno apropriado ao seu fortalecimento acelerado. (EC:313).
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Para validar seu argumento, Gorender apresenta uma
frase de Marx em que manifesta que um pas capitalista
Inglaterra pode negociar com outro China sem que o
mesmo seja tambm capitalista. Com isso, tambm critica
Caio Prado Jnior por ter sustentado isso no comrcio,
encontramos a uma sntese que a resume e explica: A
partir deste enfoque terico hoje chamado de circulacionista,
no se vai mais longe do que foi o prprio Caio, ou seja, at a
demonstrao de que a produo escravista era orientada
para exportao e subordinada espoliao colonialista
(EC:523)32.
A primeira se refere aos preos de mercado, os quais,
alm do prprio valor, devem incluir os falsos gastos de
produo inerentes produo escravista, o gasto de
inverso inicial de aquisio do escravo, o gasto do
inaproveitamento parcial da mo-de-obra, em virtude de sua
rigidez e o gasto excepcionalmente elevado da vigilncia. A
segunda, que os preos de mercado se fixassem, em
carter prioritrio, fora de influncia do jogo da concorrncia,
dada a incapacidade da produo escravista de responder
s baixas de preos, como sucessivas redues dos custos de
produo. Assim, Gorender conclui que s a possibilidade de
um lucro de monoplio outorgava produo escravista
32 Os agentes do processo de circulao podem dominar os titulares do processo de produo, mas isto no significa que a circulao explique a natureza inerente, a estrutura ntima e as leis especficas da produo. Em qualquer caso, a circulao mercantil no mais do que o prolongamento da produo, o processo de realizao do valor do produto, da converso deste em dinheiro e, em sentido contrrio, da converso do dinheiro em mercadorias, a serem consumidas produtiva ou improdutivamente. Em ltima anlise, no a circulao que desvenda a organizao da produo, mas o contrrio. () Nas formaes no-capitalistas ou pr-capitalistas que o capital mercantil - geralmente conjugando as duas formas de capital comercial e de capital de emprstimo - se apresenta como a encarnao por excelncia do capital, podendo mesmo chegar a uma posio de sobranceira com relao produo, sem contudo, modificar seu processo ou interferir em sua natureza inerente. Nessas formaes, o capital mercantil surge substantivado e em estado de pureza, flutuando entre as esferas de produo e sem se mesclar com elas. (EC:523).
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colonial viabilidade para o funcionamento regular e
prolongado em situao favorvel (EC:524)33.
Mesmo que uma pesquisa quantitativa minuciosa e convincente demonstrasse as vantagens auferidas pelo capital mercantil, ainda assim o enquadramento terico da questo no se alteraria. Pois inadmissvel que o plantador colonial fosse um pobre coitado, condenado a uma situao de prejuzo incessante e irremedivel. Omodo de produo escravista colonial seriasimplesmente invivel se no implicasse um processo de circulao ajustado a ele em sua tipicidade e incorporado como pressuposto sistemtica da produo. (EC:526).
Gorender explica que lucro e preo de monoplio,
naturalmente, se pressupem e, portanto, o especfico do
processo de circulao do escravismo colonial era, por
conseguinte, o preo do monoplio, no o valor, e que este
ltimo se refere ao preo mais elevado que o comprador
est disposto e obrigado a pagar pela mercadoria, sem
considerao pelo seu valor intrnseco. O comprador se
submete, portanto, a uma troca de no-equivalentes(EC:524-
25). Possibilitar este comrcio foi tarefa do Pacto Colonial,
porque beneficiava tanto aos plantadores, que precisavam
de exclusividade de mercado, como aos produtores de
manufaturas e comerciantes metropolitanos, que se
apoiavam nas colnias como mercado: Exatamente porque
necessitava de mercados fechado, o escravismo moderno
necessitava de uma metrpole que os garantisse com a fora
33 Marx e Engels, por sua vez, num artigo escrito em 1850, chamaram a ateno para o fato da produo algodoeira norte-americana, base do trabalho escravo, ser vivel somente em virtude da posio monopolista de que desfrutava no mercado mundial. A supresso do monoplio algodoeiro traria consigo tambm a supresso da escravido. () Por outro lado, se o escravismo colonial precisava de um tipo de circulao mercantil regido pelo preo de monoplio, no teve de cri-lo, j o encontrou institudo no comrcio internacional da Europa, desde a baixa Idade Mdia. Em conseqncia, o capital mercantil e o incipiente capital industrial estavam ambos interessados na preservao de privilgios monopolistas em mercados fechados, que cada Estado assegurava pela interveno direta da fora poltica. (EC:527-28).
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poltica. Pela natureza dos fatos, s podia ser escravismo
colonial (EC:528). Logo, Gorender encerra seu argumento
com uma clara crtica a Caio Prado: Uma vez que nos
desprendamos da concepo teleolgica de que a
colonizao foi montada com o fim ou o sentido de
propiciar a acumulao originria do capital e gerar o
capitalismo na Europa, poderemos analisar a objetividade do
processo, sem cair em contradies formais (EC:350). Desta
maneira, Gorender apresenta as justificativas e as
caractersticas do modo de produo escravista colonial,
correspondente a uma modalidade produtiva pr-capitalista
para explicar a estrutura da produo baseada no trabalho
escravo no Brasil. Sua crtica forte e em alguns pontos,
Gorender distancia-se de forma importante de Caio Prado.
Entretanto, no est clara a solidez de sua argumentao,
como se mostrar adiante.
4. Caio Prado Jnior, Jacob Gorender e a escravido colonial: Uma apreciao crtica.
Como Gorender quem faz observaes sobre Caio
Prado, e no o contrrio, uma apreciao resulta
inevitavelmente condicionada em avaliar seus comentrios.
Embora, simultaneamente seja preciso levar em conta a
posio de Marx sobre a escravido colonial, j que ambos os
autores nela pretendem se apoiar, implcita ou explicitamente,
neste debate terico. Das crticas de Gorender, duas se
destacam: a imputao de ser circulacionista, e a viso
capitalista dos plantadores escravistas. Outro ponto trata de
que se Gorender avanou conceitualmente neste debate,
no somente com respeito a Prado Jnior, como tambm
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Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007. 31
com relao aos outros autores. Aqui somente se considerar
a relao entre Gorender e Caio Prado.
Com respeito validade de um modo de produo
escravista colonial, resulta claro que para Caio Prado no
seria legtimo sustentar essa categoria terica, j que a
escravido s teria sentido histrico e razo de ser quando
entendida como parte do processo de gestao da
produo capitalista numa escala mundial. J se havia
assinalado que Cardoso observara que em Marx no
evidente o alcance deste conceito. Mas ainda, discute-se at
onde Marx se debruou na anlise daqueles modos pr-
capitalistas. Deste modo, Hobsbawm (1972:13) sustenta que
Marx concentr sus energas en el estudio del capitalismo, y
se ocup del resto de la historia con diversos grados de
detalle, pero principalmente en la medida en que se
vinculaban con los orgenes y el desarrollo del capitalismo, e
Hilton (1998:91) afirma que although their historical interests
were wide, Marx and Engles were primary interested in the
definition of the capitalist mode of production. Aqui surge um
ponto crtico, que avana para outras objees de Gorender:
como Marx utiliza geograficamente o conceito de modo de
produo capitalista em O Capital.
The opening sentences indicates that Marx will be talking of those societies in which the capitalist mode of production prevail, and the implication (common to most nineteenth-century thinkers) is that the boundaries of a society are normally those of a state. It is also implied, therefore, that there are some societies in which capitalism prevails and others in which it does not (WALLERSTEIN, 1998:590).
Entretanto, como Wallerstein destaca, O Capital traz
frases contundentes que do a entender que sua geografia
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o mercado mundial34. Wallerstein observa que est ausente
uma anlise concreta de como se opera o mercado
mundial, visto que, de acordo com o plano original pensado
por Marx, constituiria o sexto volume, que nunca chegou a
escrever. Enquanto Hobsbawm (1972:21) sustenta que o
desenvolvimento crucial do capitalismo o do mercado
mundial, para Wallerstein (2000:76) Capitalism and world-
economy (that is, a single division of labor, but multiple polities
and cultures) are obverse sides of the same coin.
Capitalism was from the beginning an affair of the world-economy and not of nations-statescapital has never allowed its aspirations to be determined by national boundaries in a capitalist world-economy. (WALLERSTEIN, 2000:88-89).
Aqui se encontram vinculadas no somente a noo do
modo de produo capitalista, mas tambm a denominao
de circulacionista sobre Prado Jnior e a caracterizao de
fazendeiros como capitalistas, porquanto a viso de
Gorender do modo de produo capitalista rigorosamente
exata s no sentido de que unicamente aceita como
capitalista quem tem como contraparte o trabalhador
assalariado35. Mas como tambm observa Wallerstein, o
34 The modern history of capital dates from the creation in the sixteenth century of a world-embracing commerce and a world-embracing market (I, chap.4) ; competition on the world marketthe basis and the vital element of capitalist production. He makes the creation of the world-market one of the three cardinal facts of capitalist production, on a par with the concentration of means of production in a few hands and the organization of labour itself into social labour (III, pt. 3, ch. 15, sect.14). And perhaps most strongly of all he summarizes his views by reasserting that production for the world market and the transformation of the output into commodities, and thus into money, [are] the prerequisite and condition of capitalist production (III, pt. 6, ch. 47, sect.1). Earlier, in the Grundrisse, Marx had asserted: The tendency to create the world market is directly given in the concept of capital itself (WALLERSTEIN, 1998:590).35 Eu defino o que capitalismo seguindo aquele que me inspira e que no tenho nenhum receio de declarar, que Marx. Defino o capitalismo como modo de produo em que operrios assalariados, despossudos de meios de produo e juridicamente livres, produzem mais-valia; em que a fora de trabalho se converte em mercadoria, cuja oferta e demanda se processam nas condies da existncia
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capital nunca aceitou determinar suas aspiraes pelos limites
nacionais, tampouco o fez pelas relaes sociais:
El esclavo romano estaba sujeto por cadenas a su propietario; el asalariado lo est por hilos invisibles. El cambio constante de patrn individual y la ficto juris del contrato, mantienen en pie la apariencia de que el asalariado es independiente. Anteriormente, cuando le pareca necesario, el capital haca valer por medio de leyes coercitivas su derecho de propiedad sobre el obrero libre. As, por ejemplo, en Inglaterra estuvo prohibida hasta 1815, bajo severas penas, la emigracin de obreros mecnicos (MARX 1998:706).
Que o trabalhador seja assalariado no modo de
produo capitalista uma conseqncia do
desenvolvimento deste sistema, do impulso por lucro abstrato
que o capitalista persegue. Isto , porque lhe mais
conveniente, j que a forma salarial faz parecer que no h
trabalho no pago, tudo aparecendo como trabalho pago;
entretanto, com o trabalho escravo, todo su trabajo toma la
apariencia de trabajo impago (MARX, 1998:657). O capital
usou a coero fsica quando a multido de proletrios optou
por no trabalhar e usar sua liberdade pela mendicidade, a
vagabundagem e o roubo. Est histricamente comprobado
que esa masa intent al principio esto ltimo, pero fue
empujada fuera de esa va y hacia el estrecho camino por
medio de la horca, la picota, el ltigo (MARX, 1972:88). No
modo capitalista de produo a classe proletria que est
escravizada, no o membro individual; mas quando no se
pode forar os proletrios a trabalhar devido s leis do
mercado livre, o capital apela para a coero fsica sobre
estes indivduos, e nem por isso deixa de ser capital.
de um exrcito industrial de reserva; em que os bens de produo assumem a forma de capital, isto , no de mero patrimnio mas de capital, de propriedade privada destinada a reproduo ampliada sob a forma de valor, no de valor de uso, mas de valor que se destina ao mercado (GD:14).
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Marx distingue claramente o processo de produo do
marco das relaes legais, sendo ambos relaes de
produo. Assim, afirma que la produccin capitalista slo
comienza, en rigor, all donde el mismo capital individual
emplea simultneamente una cantidad de obreros
relativamente grande (Marx 1998:391). O ponto de partida
da produo capitalista, histrica e conceitualmente, implica
a subsuno formal do processo de trabalho ao capital: un
proceso que se desenvuelve con los factores del proceso
laboral en los cuales se ha transformado el dinero del
capitalista y que se efecta, bajo la direccin de ste, con el
fin de obtener del dinero ms dinero (Marx, 1997:54). Como
processo de trabalho e de valorizao aos olhos do capital, a
esta essncia formal indiferente a situao jurdica do
trabalhador. Por isto afirma que as plantaes so
formalmente capitalistas, j que esta produo est
comandada, desde seu incio pelas especulaes comerciais
e a produo est destinada ao mercado mundial: existe el
modo de produccin capitalista, aunque slo en un sentido
formal, ya que la esclavitud de los negros impide el trabajo
asalariado libre, que es la base de la produccin capitalista.
Pero el negocio en que se utilizan esclavos lo dirigen los
capitalistas. El mtodo de produccin que introducen no
naci de la esclavitud, pero est injertado en ella(MARX,
1984: 257)36.
Assim tambm se entende a questo da abundncia
de terra mencionada por Marx. No se trata, como entende
36 lo que Marx dice es que en las economas de plantacin el modo de produccin dominante es slo formalmente capitalista. Y si es formalmente capitalista lo es porque sus beneficiarios participan en un mercado mundial en el que los sectores productivos dominantes son ya capitalistas. Esto permite a los terratenientes en la economa de plantacin participar del movimiento general del sistema capitalista, sin que su modo de produccin sea, sin embargo, capitalista (LACLAU, 1973:31).
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Gorender, que ela teria propiciado a escravido moderna,
mas evidencia-se que o capital, ante tal circunstncia, recorre
coero direta, como tambm pode fazer por outras razes
que impedem ou no favorecem a acumulao por meio do
mercado livre: Por otra parte, no bien en las colonias, por
ejemplo, se dan circunstancias adversas que impiden la
creacin del ejrcito industrial de reserva, menoscabando as
la dependencia absoluta de la clase obrera respecto de la
clase capitalista, el capital, junto a su Sancho Panza
esgrimidor de lugares comunes, se declara en rebelda contra
la sagrada ley de la oferta y la demanda y procura
encauzarla con la ayuda de medios coercitivos (MARX,
1998:797). Em ambos os casos, o que resulta claro o que
define o capital: seu desejo de acumular valores abstratos.
Sua prpria frmula [D-MPM-D], que Marx desenvolve em
extenso no Livro II, expresa que el dinero no se gasta aqu
como dinero, sino que slo se lo adelanta j que el proceso
de produccin se presenta slo como el eslabn intermedio
inevitable, como el mal necesario para alcanzar el objetivo:
hacer dinero. (MARX, 1984a:64). Isto o que diferencia o
colonialismo capitalista do antigo - que Gorender no trata -,
onde este impulso no estava presente.
The object of pre-capitalist colonialism was direct extraction of tribute from subjugated peoples and its essential mechanisms were those of political control. By contrast, in the case of the new colonialism, associated with the rise of capitalism, the objectives and mechanisms were essentially economic direct political control was not essential, though sometimes advantageous. Associated with that primary thrust was territorial conquest, with or without elimination of indigenous population of conquered territories, and the establishment of white settlers or slave plantations and mining enterprises. (ALAVI, 1998:94).
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Nas colnias, as plantaes eram uma forma para
acumular trabalho abstrato; assim como na Europa, o
capital que subsume formalmente o processo de trabalho, isto
, este subsumido en el proceso de produccin capitalista
Chiaramonte (1983:143): tendramos, entonces, un modo de
produccin no especfico del capital aunque ya dentro de la
produccin capitalista- en la subsuncin formal (por cuanto
entraa una continuidad del trabajo artesanal, aunque ahora
bajo la relacin de propiedad capitalista), y otro s especfico
de la produccin capitalista (CHIARAMONTE, 1983:149).
Ento, no est claro que as relaes sociais so
fundamentais para definir um modo de produo, como
explica Hilton, j que os limites histricos no esto claros.
The ancient world cannot simply be characterized in terms of a relationship between slave working in plantations or in mines, and their owners. There was probably always a minority of slaves and a majority of free and semi-free peasants and artisans. Surplus labour was realized more in the form of rent and tax than as the unpaid toil of the captive slave. On the other hand some slaves are found well into the feudal era, working on the estates of landlords up to the tenth century (even until the eleventh century in England). And although juridical serfs constituted an important, though fluctuating, element among the medieval European peasantry there was always a high proportion of peasants of free status. (HILTON, 1998:192)37.
Mesmo quando o capital inclui formalmente o processo
de trabalho, tampouco clara a diferena sustentada por
Gorender de que neste momento tratava-se de assalariados,
de trabalhadores livres: Podemos considerar que el trabajo
37 Com respeito ao Feudalismo, Hilton claramente manifesta esta insuficincia: a Marxist understanding of feudal society should depend on seeing it as a historical development, not as a static set of relationships between two principal and contending classes, the landowners and the peasants. That does not mean, of course, that it would be possible to understand feudal economy and society without an understanding of that relationship and the special (and changing) character of the coercion which was embedded in it. But there was a good deal more to feudal society than the exploitation of peasants by landowners, and their resistance to it. (Hilton, 1998:192).
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libre fuera entonces la regla? En modo alguno. La
dependencia feudal y el artesanado urbano constituan las
formas bsicas de la actividad productiva. La existencia de
una poderosa clase comerciante que amas grandes
capitales a travs del comercio ultramarino no modific en
absoluto el hecho decisivo de que este capital fue
acumulado por la absorcin de un excedente econmico
producido mediante relaciones de trabajo muy diferentes del
trabajo libre (LACLAU, 1973:32)38. to difcil, quanto na
Amrica Latina, definir o modo de produo na Europa
naquele tempo. Deste modo, a justificativa da existncia de
um modo de produo escravista colonial por parte de
Gorender, por sua longa durao temporal e por ter afetado
milhes de pessoas, insinuaria que tanto esta fase europia
como outras na histria deveriam tambm ser moldadas em
um modo de produo especfico. S uma vez alcanado o
modo capitalista de produo que surge da subsuno real.
A subsuno formal no implica necessariamente
assalariados:
La produccin del plusvalor relativo, pues, supone, un modo de producin especficamente capitalista, que, con sus mtodos, medios y condiciones slo surge y se desenvuelve, de manera espontnea, sobre elfundamento de la subsuncin formal del trabajo en el capital (MARX 1998:618).
Embora o capital mercantil e usurrio constituam formas
antediluvianas do capital (Marx, 1989:26), tambm se
diferenciam de si mesmas, enquanto nos tempos modernos
passaram a fazer parte do processo de constituio do modo
capitalista de produo. Quer dizer, so fases, como tambm
38 En las economas europeas durante los siglos XVI y XVII, el capital comercial ejerce la misma funcin, para ciertas reas de la produccin, que la que ejerce en las colonias. A travs del trabajo a domicilio, fundamentalmente, domina la produccin artesanal de reas campesinas o urbanas (Chiaramonte, 1983:175).
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as viu Caio Prado Jnior, por meio de expresses como
capitalismo comercial e capitalismo industrial, pelas quais
procurou distinguir mudanas qualitativas desta evoluo.
Neste sentido tem importncia a distino entre capital e
capitalismo, onde, como afirma Laclau, ocorre a coexistncia
do capital comercial como modos de produo
historicamente anteriores: Marx slo dice que la ampliacin
del mercado mundial en el siglo XVI, a consecuencia de la
expansin ultramarina, cre las condiciones y el marco
general dentro del cual la moderna expansin del capital
pudo verificarse, dando por sentado que existieron formas
anteriores de capital por ejemplo en la Edad Media y en la
Antigedad (LACLAU, 1973:33). No distinguir este perodo do
anterior como etapa do capital no poder explicar como se
gera o modo de produo capitalista, pois neste contexto o
termo pr-capitalista abarca toda poca anterior ao
mesmo39. Mas fazer isto no significa que corresponda ao
modo capitalista.
Ademais, significa entender mal o prprio modo
capitalista de produo, ao entender-se-lhe simplesmente a
partir da relao de produo capitalista-assalariado. Se por
um lado se viu como tanto o assalariado, o escravo e o servo
no se limitam de forma precisa aos modos de produo,
por outro lado esta relao por si s nada fala do modo em
questo. Da que Marx (1972:65) observa que na Antiguidade
a questo de propriedade versa sempre sobre de qual modo
geram os melhores cidados. Assim, em contraste, se entende
que a afirmao de que os plantadores escravistas so
39 Estabelecidas tais definies, v-se que no se pode deixar de distinguir o modo de produo capitalista das formas pr-capitalistas de capital, isso porque o capital precede o capitalismo. Marx falava inclusive nas formas antediluvianas do capital, o capital mercantil que j existia na prpria Antigidade, o capital comercial e o capital usurio, que so pr-capitalistas (GD:17).
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capitalistas porque seu comportamento est definido pela
acumulao de trabalho abstrato em si mesmo. Gorender
restringe-se rigorosamente a tal definio do modo capitalista,
mas Marx constantemente ressalta a essncia do mesmo sem
necessidade do termo assalariado: The capitalist mode of
production (essentially the production of surplus value, the
absorption of surplus-labour), produces thus with the extension
of the working day, not only the deterioration of human labour-
power by robbing it of its normal, moral and physical,
conditions of development and function. It produces also the
premature exhaustion and death of this labour-power itself. It
extends the labourers time of production during a given
period by shortening his actual life-time (MARX, 1906:292).
Assim, o anmalo nas plantaes era que tinham que
recorrer ao trabalho escravo, dado que para este era mais
proveitoso que a utilizao do assalariado. So as
circunstncias, como o prprio Gorender explica e Caio
Prado tambm - que foram esta escolha. Na realidade, no
parece, como afirma Gorender, que Marx tenha mudado de
opinio em O Capital, e que esta viso dos Grundrisse fora
mantida.
It is, however, clear that in any given economic formation of society, where not the exchange value but the use-value of the product predominates, surplus-labour will be limited by a given set of wants which may be greater or less, and that here no boundless thirst for surplus-labour arises from the nature of the production itself. Hence in antiquity overwork becomes horrible only when the object is to obtain exchange value in its specific independent money-form; in the production of gold and silver. Still these are exceptions in antiquity. But as soon as people, whose production still moves within the lower forms of slave-labour, corve-labour, etc., are drawn into the whirlpool of an international market dominated by the capitalist mode of production, the sale of their products for export becoming their principal interest, the civilized horrors of over-work are grafted on the barbaric horrors of
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slavery, serfdom, etc. Hence the Negro labour in the Southern States of the American Union preserved something of a patriarchal character, so long as production was chiefly directed to immediate local consumption. But in proportion, as the export of cotton became of vital interest to these states, the over-working of the Negro and sometimes using up of his life in 7 years of labour became a factor in a calculated and calculating system. It was no longer a question of obtaining from him a certain quantity of useful products. It was now a question of production of surplus-labour itself.(MARX, 1906:260).
Gorender, em sua crtica a Weber, que analisa a histria
a partir da racionalidade capitalista faz algo semelhante,
mas em sentido contrrio. Porque sua explicao de que os
plantadores escravistas atuavam racionalmente se sustenta
tambm nessa mesma lgica ou meta capitalista, mas que
ante as circunstncias, i.e., trabalho escravo, no podiam
lanar mo do trabalho assalariado. Assim mesmo, continua
criticando Caio Prado pelo uso empresa-empresrio que
Gorender limita ao modo capitalista de produo. Mas toda a
sua obra consiste em mostrar esse comportamento, assim
como utilizar constantemente categorias que Marx atribuiu ao
modo de produo capitalista. Para ele, o significado do
escravismo colonial somente se entende porque est
pressuposto que corresponde lgica do capital. Sozinhos ou
juntos, nem escravismo nem colonial permitem entender este
modo de produo.
Caso se restrinja ao uso do modo de produo
primeira acepo mais simples que assinalara Cardoso, isto ,
organizao da produo, a contribuio de Gorender
consistiria em um tratamento mais profundo que Caio Prado
Jnior. Mas j a surge a questo das leis do escravismo
colonial. De fato, Hobsbawm (1972:44) critica os marxistas que
buscam a las leyes fundamentales de cada formacin, que
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expliquen su pasaje a la forma siguiente ms elevado Este
fracaso en el descubrimiento de leyes fundamentales de
aceptacin general para el feudalismo y la sociedad
esclavista, no deja de ser significativo en s mismo. Este ponto
sobre a viabilidade das leis mostra seu significado quando
surge a questo da culminao da escravido moderna.
Gorender conclui sua obra com um captulo sobre
Reproduo e acumulao do modo escravista colonial.
Somente no captulo final que constitui um Adendo explica
porque no trata deste assunto.
Transcende o objetivo deste livro o estudo da decomposio e extino do escravismo colonial. Seria incorreto abord-lo sem entrar no tema da formao social, que emergiu do escravismo, e isto no poderia ser feito em poucas pginas, vol doiseau (EC:579).
Gorender afirma, em que pese considerar encerrada
sua contribuio, ser oportuno efetuar alguns comentrios
sobre os fazendeiros do oeste paulista. Basicamente critica a
historiografia paulista que considera os escravistas paulistas
portadores de uma racionalidade capitalista que no
possuam seus colegas nordestinos, porque no optaram pelo
trabalho assalariado e procuraram continuar acumulando
com o trabalho escravo40. Assim, sobre a questo do fim deste
regime de trabalho, afirma: o abolicionismo no foi uma
funo do imigrantismo. O oposto que verdade: o
imigrantismo foi uma funo, uma decorrncia do
abolicionismo41. Mas Gorender (EC:598) no entra em defesa
40 A idia de que os fazendeiros do Oeste Novo tiveram interesse em implantar um sistema de trabalho assalariado, capaz de formar o mercado interno adequado ao desenvolvimento capitalista, constituiu anacronismo historiogrfico, pois se baseia em fatos a posteriori, independente da vontade dos prprios fazendeiros (EC:595).41 Com o que tampouco pretendo negar que a soluo encontrada para a efetivao da imigrao europia em massa haja infludo na mudana de posio
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Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.42
nem de uma nem de outra, apenas adiciona, ao arrematar
sua obra, que no curso da histria, pertenceu ao
abolicionismo - como expresso e potenciao poltica de
contradies econmicas amadurecidas - o papel de fator
dinmico primordial.
As fragilidades desta proposta de Gorender sobre este
tema manifestam-se em vrias dimenses. Precisar recorrer ao
mbito da formao social para decifrar a decomposio do
escravismo colonial, em todo caso, mostra a ausncia de
um modo de produo especfico j que sua desintegrao
deveria poder explicar-se pelo movimento de suas prprias leis
econmico-materiais. Sua argumentao sobre os escravistas
paulistas somente refora que tais leis no existiam, j que
podiam seguir acumulando com trabalho escravo. Por outro
lado, o abolicionismo no parecia produto das
contradies econmicas das relaes de produo, j que
a participao dos escravos foi tardia, escassa e individual,
no social ou de classe, em outras palavras, no foi poltica.
Todas as demais consideraes que resultam vlidas
considerar, desde os registros histricos, retomam a questo
da anomalia que, precisamente, reflete-se nesta questo do
fim do regime escravo.
That anomalous position is surely the key to the distinction that, whereas New World slavery, was abolished, ancient slavery as not. American slavery came to an abrupt end through a constitutional amendment in 1865, to be replaced by free labour; Graeco-Roman slavery was replaced over a period of centuries, not by free labour but by another kind of depended labour that ultimately evolved into serfdom in a process and at a tempo that are still much disputed. The test of the dominance of a slave mode of production lies not in the numbers of salves but in their location, that is, in the extent to which the elite depended on them for their wealth (FINLEY, 1998:497).
dos fazendeiros do Oeste Novo e, por conseguinte, na acelerao do processo de extino da escravatura (EC:597-98).
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Sem decomposio natural ou transformao social
revolucionria, a outra face desta questo que Gorender
deixa de explicar por que as relaes de produo e sociais
que substituram s do modo de produo escravista colonial
foram capitalistas. Aqui, novamente, a abordagem de Caio
Prado resulta mais adequada ao distinguir o caso brasileiro do
europeu, onde o capital teve que enfrentar uma estrutura
scio-econmica resistente ao capitalismo, organizao
econmica na base de relaes capitalistas de produo. As
premissas do capitalismo j se achavam includas na ordem
econmica e social brasileira sendo a abolio o ltimo
complemento a essa consolidao das relaes capitalistas
de produo (RB:115). Para Gorender, esta interpretao
implica anular diferenas qualitativas abrangidas no termo
capitalismo42. Mas isto implica lanar mo de determinaes
altamente abstratas do modo de produo capitalista para a
anlise da realidade concreta de um pas sem fazer as
mediaes necessrias. De fato, no prprio O Capital, Marx
detalha o comportamento dos capitalistas ingleses, que no
trato com a fora do trabalho, apresentam muitas similitudes
com a dos escravistas paulistas, e foi mediante a ao do
Estado capitalista que tiveram que colocar limite ao mesmo.
Assim, tambm, Marx expressa que a definio da jornada
de trabalho, assim como suas condies, no esto
42 concepo a de o capitalismo nasceu no Brasil j no incio da colonizao portuguesa, quer dizer, o capitalismo foi trazido para o Brasil pela prpria colonizao portuguesa no sculo XVI. Segundo alguns defensores dessa tese, teria sido um capitalismo incompleto, segundo outros, j seria um capitalismo completo, acabado, sob a denominao de capitalismo colonial. No caso de semelhante formulao, a histria do Brasil seria a mera histria das mudanas de formas do capitalismo e, principalmente, da purificao do capitalismo; a histria do Brasil seria a histria da purificao do capitalismo brasileiro desde o sculo XVI at a dcada do sculo XX que ns estamos vivendo (GD:21).
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Revista de Economia Poltica e Histria Econmica, nmero 10, dezembro de 2007.44
determinadas pelas leis econmicas do capitalismo, mas pela
luta poltica.
Finalmente, Gorender acusa Caio Prado de
teleologismo por usar o termo sentido da colonizao. Mas
Gorender compreende este emprego como se Prado Jnior
estivesse assumindo que os colonizadores, ou a ventura,
soubessem que a colonizao realizaria o capitalismo.
Somente Caio Prado escreve como observador post-festum,
como fica claro ao iniciar Formao do Brasil
Contemporneo: Todo povo tem na sua evoluo, vista
distncia, um certo sentido (FBC:7). Sua viso se apia na
idia de Marx de que da anatomia do homem que se
entende a anatomia do macaco, e no ao contrrio.
5. Concluso
Este artigo prop-se a comparar as concepes de
Caio Prado Jnior e Jacob Gorender sobre a escravido
colonial brasileira. Entendeu-se que sua conceitualizao
envolve um debate complexo e inconcluso, o qual ultrapassa
o caso do Brasil, sendo um