Caderno Diário A revolução russa e o marxismo leninismo n.º 16 1415

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1 A implantação do Marxismo Leninismo na Rússia A revolução do proletariado Por Raul Silva Em outubro de 1917, a Rússia viveu uma revolução que fez do país o primeiro Estado socialista do mundo. Em Marx procuraram os revolucionários a inspiração. Em Lenine encontraram o líder incontestado e o grande responsável pela implementação dos princípios marxistas. As suas ideias e a sua ação deram corpo ao chamado marxismo-leninismo. Na Rússia construiu-se um novo modelo de organização económica, social e política que deixou profundas marcas na História do século XX. O marxismo-leninismo caracterizou-se por enfatizar o papel dos operários e camponeses, na conquista do poder, pela via revolucionária e jamais pela evolução política; a identificação do Estado com o Partido Comunista, considerado a vanguarda do proletariado; o recurso à força e à violência na concretização da ditadura do proletariado. CADERNODIÁRIO EXTERNATO LUÍS DE CAMÕES N.º 16 https:// www.facebook.com/ historia.externato http:// externatohistoria.blog spot.pt externatohistoria@gm ail.com 20 de Abril de 2015

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A implantação do Marxismo Leninismo na RússiaA revolução do proletariadoPor Raul Silva

Em outubro de 1917, a Rússia viveu uma revolução que fez do país o primeiro Estado

socialista do mundo. Em Marx procuraram os revolucionários a inspiração. Em Lenine

encontraram o líder incontestado e o grande responsável pela implementação dos princípios

marxistas. As suas ideias e a sua ação deram corpo ao chamado marxismo-leninismo.

Na Rússia construiu-se um novo modelo de organização económica, social e política que

deixou profundas marcas na História do século XX.

O marxismo-leninismo caracterizou-se por enfatizar o papel dos operários e camponeses, na

conquista do poder, pela via revolucionária e jamais pela evolução política; a identificação do

Estado com o Partido Comunista, considerado a vanguarda do proletariado; o recurso à força

e à violência na concretização da ditadura do proletariado.

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EXTERNATO LUÍS DE CAMÕES

N.º 16

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15 1917: o ano das revoluçõesde fevereiro a outubro

Ao iniciar-se o século XX, o extenso império russo vivia ainda à maneira feudal, com 100 milhões de camponeses (85% da população) a trabalharem as terras dos nobres, pouco férteis e geladas, e com instrumentos rudimentares, de cujo rendimento tinham de entregar 50% aos proprietários. O operariado era escasso (3 milhões) e sofria más condições de trabalho e de vida. A burguesia (advogados, médicos, professores, inteletuais) e nobreza liberal ansiavam por modernizar o país, através de reformas. As vozes descontentes faziam-se ouvir nos diversos partidos políticos (Sociais-Democratas, formado por inteletuais no exílio, como Lenine; Socialistas Revolucionários, constituído por operários e inteletuais defensores da socialização dos meios de produção; Constitucionais Democratas, composto por burgueses apoiantes de um governo parlamentar) apesar da reduzida liberdade e perseguições à oposição. Em 1903, devido a divergências de programa os Sociais-Democratas dividem-se em bolcheviques, adeptos do Marxismo-Leninismo e Mencheviques, adeptos do socialismo reformista.Enquanto estes partidos vivam na clandestinidade, o czar Nicolau II governava autoritariamente rodeado de uma corte faustosa e corrupta.Em 1905, o descontentamento era generalizado, agravado com a derrota

russa frente ao Japão (1904), pela posse da Manchúria. Após o episódio do “Domingo Sangrento”, o czar vê-se obrigado a acalmar os ânimos com algumas medidas liberais, convocando eleições para o Parlamento para este elaborar uma Constituição e abolindo certos privilégios à nobreza. Perante deputados “fantoches” ou a dissolução constante da Duma, a revolta cresce e acaba por se tornar imparável com a entrada da Rússia na Grande Guerra, como membro da Aliança Entente, ao lado da França. Devido à má preparação do exército, as derrotas sucedem-se e custam milhares de mortos e inválidos e desorganizam a já débil economia russa. Ao descrédito militar junta-se a agitação social com o desemprego, a falta de géneros, inflação e repressão.

Responder:

a) Enunciar os principais fatores que levaram à revolução socialista soviética.

Pesquisar:

https://www.youtube.com/watch?v=gf3vdUR1R4Y

A Revoluçãoe os antecedentesin A. Nenarókov, 1987

“A greve dos operários ontem ocorrida por motivo de falta de pão prosseguiu hoje, não tendo trabalhado durante o dia 131 empresas com 158583 trabalhadores. (...) Entre os manifestantes observava-se um número considerável de jovens estudantes. (...) Hoje a agitação adquiriu ainda maiores dimensões e pode já assinalar-se um centro dirigente, de onde são recebidas as diretivas... Se não forem tomadas medidas decididas para reprimir as

desordens, é possível que na segunda-feira sejam erguidas barricadas.De assinalar-se que entre as unidades militares chamadas para esmagar as desordens se observa simpatia pelos manifestantes, e algumas unidades, assumindo mesmo uma atitude protetora, encorajam a multidão dizendo: avancem com mais força. (...)”

“A 3 de dezembro, o grão duque Paulo pediu uma audiência ao czar. (...) Ele contou toda a efervescência social de Petrogrado e Moscovo, onde as vozes se tornavam mais atrevidas e as críticas mais duras. Falou do descontentamento do povo que, desde há meses, fazia fila para obter pão, cujo preço triplicara. (...)”

Princesse Paley, 1923

Czar Nicolau IIÚltimo monarca da longa dinastia dos Romanov e derradeiro czar da Rússia, ascendeu ao trono em 1894, com 26 anos, sucedendo a Alexandre III. Pautou-se por uma política absolutista.

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15 A revolução de outubroa revolução do proletariado

Em 1917, estavam reunidos as condições para acontecer uma revolução, que estalaria em fevereiro/março, onde a burguesia ascende ao poder, pondo fim ao czarismo e instaurando um regime republicano, na Rússia. Os revolucionários exigem abdicação de Nicolau II e formam um Governo Provisionário, constituído por Kerensky e pelo princípe Lvov e mais nove membros.Paralelamente, formam-se Sovietes por todo o país, que serão liderados pelo Soviete de S. Petersburgo, onde se destacará Lenine, logo que regressa do exílio. Verifica-se uma espécie de duplo poder a atuar em pararelo: o governo provisório, de cariz burguês, liberal e reformista e os sovietes, operários e camponeses adeptos do marxismo. O governo esforça-se por impor uma democracia parlamentar e toma várias medidas liberalizantes: libertação dos presos políticos e regresso dos exilados; promulga as liberdades civis; preparação de eleições para a Assembleia; separação da Igreja do Estado. Mas recusou retirar-se da guerra mundial e a distribuir terras aos camponeses. A população descontente, integra-se nos sovietes, controlados pelos bolcheviques, insurge-se e exige a retirada da guerra e a confiscação das terras ou então o derrube do governo burguês e a entrega do poder aos sovietes. Em outubro estala uma nova revolução, liderada pelos bolcheviques,

constituídos em Guardas Vermelhos, que assaltam o Palácio de Inverno, em S. Petersburgo, sede do governo provisório, para assumirem o poder.Com o poder nas mãos dos Sovietes, são decretadas, de imediato, medidas revolucionárias que vão ao encontro das aspirações da população, sua base social de apoio: abolição, sem indemnizações, do direito de propriedade privada sobre a terra que foi distribuída pelos camponeses, sem ter de pagar qualquer renda; controlo operário nas fábricas privadas pelas comissões de trabalhadores; nacionalização dos bancos e comércio externo; promulgação da 1ª Constituição e instituição do regime de partido único; direito de todos os povos do antigo império russo disporem da sua soberania, incluindo a independência;

cisão dentro do movimento socialista; negociações para a Paz com a retirada imediata da guerra, através do tratado de Brest-Litovky (março de 1918), assinado com a Alemanha, embora com inúmeras perdas: regiões bálticas (Estónia, Letónia, Lituânia e Finlândia), Polónia e Ucrânia.

Responder:

a) Explicar as razões da eclosão da revolução de Outubro.

b) Identificar as primeiras realizações do Governo revolucionário.

A Revolução de outubroe o seu impactoLenine, abril de 1917

“3) Nenhum apoio ao governo provisório. 4) Explicar às massas que os sovietes de deputados operários são a única forma possível de um governo revolucionário. 5) Não à república parlamentar, sim à república de camponeses operários, assalariados agrícolas e camponeses, no país inteiro, de baixo até cima (...). 6) Nacionalização de todas as terras no país; as terras serão postas à disposição

dos sovietes locais de deputados dos assalariados agrícolas e camponeses. (...) 8) A nossa tarefa imediata não é a de introduzir o socialismo, mas unicamente de passar ao controlo da produção social e da repartição de produtos pelos sovietes de deputados operários.”

“O Comité provisório (...) deixar-se-á guiar pelos seguintes princípios:1. Amnistia imediata e completa (...).2. Liberdade de palavra, de imprensa e de reunião, assim como o direito de se sindicalizar e de fazer a greve (...).3. Abolição de todas as restrições fundadas na origem social (...).4. Preparação de uma Assembleia Constituinte (...).”

Propósitos de Governo Provisório, 16 de março de 1917

LenineRevolucionário e chefe de Estado russo, responsável em grande parte pela execução da Revolução Russa de 1917. Líder do Partido Comunista e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética.

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15 A ditadura do proletariadoe o comunismo de guerraO arrastamento das negociações, a resistência dos proprietários e empresários aos novos decretos, o regresso de 7 milhões de soldados, o desemprego e a persistência da agitação social não permitiram a adesão fácil ao bolchevismo, tendo resultado numa guerra civil (1918-1920).A contra-revolução não se fizera esperar. Os Mencheviques, apoiados pela Igreja, latifundiários, burgueses e potências ocidentais, reuniram-se à volta do Exército Branco para enfrentar o já existente Exército Vermelho, dos bolcheviques.Os confrontos terminarão devido aos desentendimentos internos entre Mencheviques e ao receio da população em regressar ao passado pelo que apoiaram o Exército Vermelho. Saldou-se em 10 milhões de mortos pelo frio, fome, epidemias e pelos ferimentos.Embora seguindo os princípios do Marxismo, Lenine teve de fazer adaptações ao caso russo, nomeadamente incluir os camponeses no proletariado, e enfrentar a pouca adesão popular aos decretos revolucionários. Teve, por isso, de atuar energeticamente perante a guerra civil através do comunismo de guerra. Nesta fase, Lenine vê-se obrigado a esquecer a democracia dos sovietes e a tornar medidas excepcionais, no sentido de nacionalizar a economia (os bens na mãos do estado) para garantir o abastecimento das populações e do

exército vermelho: os excedentes agrícolas foram requisitados aos camponeses que os deviam vender obrigatoriamente ao estado a preços fixos e baixos; as indústrias com mais de 100 operários foram retirados aos seus donos e entregues aos trabalhadores; o comércio externo e interno livres foram reduzidos e as embarcações nacionalizadas; as grandes propriedades que ainda persistiam foram expropriadas, sem indemnizações, sendo entregues aos sovietes ou Comités agrícolas; o trabalho passou a ser obrigatório dos 16 anos aos 50 anos e, muitas vezes, pago em géneros de 1ª necessidade; os salários eram atribuídos conforme o rendimento e a indisciplina laboral reprimida.Foram proibidos todos os restantes partidos e os jornais ditos burgueses, os

mencheviques afastados dos sovietes e dissolvida a Assembleia Constituinte. Instala-se um clima de Terror com a polícia política russa - Tcheca - a atuar como arma do governo e substituindo-se aos tribunais.

Responder:

a) Enunciar as principais dificuldades sentidas pelo Governo revolucionário.

b) Explicar as razões de Lenine para aplicar a ditadura do proletariado e o comunismo de guerra.

A ditadura do proletariadoa caminho do comunismoLenine, O Estado e a Revolução, 1917

“A sociedade capitalista, considerada nas suas condições de desenvolvimento mais favoráveis, oferece-nos uma democracia mais ou menos completa. Mas esta democracia (...) permanece, no fundo, uma democracia para a maioria, unicamente para as classes possidentes, unicamente para os ricos.A ditadura do proletariado, isto é, a organização da vanguarda dos

oprimidos em classe dominante para abater os opressores, não pode limitar-se a um simples alargamento da democracia. (...) Tornada, pela primeira vez, democracia para o povo e não para os ricos, a ditadura do proletariado traz uma série de restrições à liberdade dos opressores, os exploradores, os capitalistas. Estes devem ser abatidos a fim de libertar a humanidade da escravatura assalariada (...)”

“1) A propriedade dos proprietários fundiários sobre a terra é abolida imediatamente sem qualquer indemnização. 2) Os domínios dos proprietários fundiários, assim como todas as terras dos mosteiros e da Igreja, com todos os seus animais mortos e vivos, todas as construções e dependências, são postos à disposição dos comités agrários.”

Decreto sobre a terra, 8 de novembro de 1917

Ditadura do proletariadoA superioridade numérica e a capacidade revolucionária do proletariado devia traduzir-se num esforço de cariz revolucionário contra a burguesia, de modo a desalojá-la do poder e assim eliminar a economia capitalista.

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15 Nova Política Económicao abandono do comunismo de guerraEntre 1920 e 1921, a Rússia encontrou-se num verdadeiramente no caos económico e as vítimas da fome ascenderam aos 6 milhões: os camponeses produziam apenas para consumo próprio, fazendo descer para 50% da produção agrícola verificada em 1913 (antes da guerra); a produção industrial diminuiu, relativamente a 1913, e os caminhos de ferro e extração mineira estavam parados; a insatisfação e a miséria generalizaram-se. Em 1921, Lenine opta por fazer um recuo estratégico. A nova política económica (NEP) consistiu num conjunto de medidas liberalizadoras da economia num misto de iniciativa estatal e privada. Na agricultura, as requisições das collheitas foram substituídas por impostos em géneros; deu liberdade aos camponeses para cultivarem o que desejassem e de vender os seus excedentes no mercado de modo a estimular as trocas e a produção. Na indústria, as empresas com menos operários foram entregues aos seus antigos donos; foi permitida a entrada de capitais, técnicos e matérias-primas estrangeiras; criaram-se prémios de produtividade.Os resultados desta abertura ao capitalismo, embora parcial, permitiram relançar a produção agrícola e as relações campo-cidade. A produção industrial foi a que menos cresceu, mas

mesmo assim, as empresas estatais triplicaram-na em 3 anos. A criação de uma nova classe média burguesa, de proprietários rurais abastados e pequenos comerciantes irá por em causa o comunismo e chocar com os bolcheviques.

Responder:

a) Indicar as consequências económicas, sociais e políticas da nova política económica.

Pesquisar:

https://www.youtube.com/watch?v=Zz4xaqdxUz4

A Nova Política Económicarecuo estratégicoLenine, 1921

“O comunismo de guerra particularizava-se pelo facto de nós tomarmos aos camponeses todos os excedentes e, por vezes mesmo, uma parte dos produtos necessários à sua subsistência, para podermos alimentar os operários. (...)Estamos tão arruinados, tão abalados pelo fardo da guerra, que não podemos dar ao camponês os produtos industriais em troca do trigo. (...)

A miséria e a ruína são tais que não podemos restabelecer a grande produção socialista, nas grandes fábricas do Estado. (...) Por conseguinte, é necessário restabelecer a pequena indústria.(...) Que resulta daí? Seguindo uma certa liberdade de comércio, renascem a pequena burguesia e o capitalismo. (...) O capitalismo privado poder ajudar ao desenvolvimento do socialismo. (...) Nada há de perigoso nisto enquanto o proletariado detiver firmemente o poder, enquanto detiver firmemente entre as suas mãos os transportes e a indústria pesada.”

“A fome era tão severa que era duvidoso que os grãos de sementes seriam plantadas em vez de comidas. Os camponeses, muitas vezes tiveram que recorrer a ervas alimentares, alimentos substitutos e até ao canibalismo tentando guardar sementes para o plantio no outono.”

Célia Couto

A Grande FomeA fome e as epidemias que se lhe seguiram, causaram mais de 3 milhões de mortos. Grupos de crianças abandonadas deambulavam por aldeias e cidades, esgaravatando no lixo e roubando.