Caderno C: Entrevista Gabriel Correa

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O brasileiro na série Supernatural

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Fábio Trindade*DA AGÊNCIA ANHANGUERA

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Supernatural é uma das sériesde TV mais longas no ar atual-mente. Com bons índices de au-diência, elenco e produtoresdispostos a continuar com oshow “até quando for bom pa-ra nós”, como disse o astro Ja-red Padalecki, a première da11ª temporada está marcada pa-ra o dia 7 de outubro, nos Esta-dos Unidos (ainda sem estreiaprevista no Brasil), prometendocolocar os irmãos Winchesterjuntos, novamente, na luta con-tra seres do mal. Um recomeçoque certamente mexerá com osânimos da gigantesca base defãs existente ao redor do mun-do.

O que poucos sabem, poroutro lado, é que um brasileirotrabalha diariamente na cons-trução desta prestigiada produ-ção há muito tempo — desde a2ª temporada para ser mais es-pecífico. Gabriel Correa, conhe-cido como Gabe, é diretor assis-tente de Supernatural em Van-couver, no Canadá, onde a sé-rie é gravada. O paulistano de34 anos estudou cinema naFAAP, mas deixou o País com afamília aos 19 anos em buscade um lugar nas maiores indús-trias do planeta. Foram anos fa-zendo pequenos trabalhos, emproduções como Criminal Min-ds e Arquivo X, até se sentir emcasa, em família, em Supernatu-ral.

O Caderno C conheceu o setda série na semana passada econversou com Gabriel sobrecarreira e os desafios de fazerparte de uma produção desteporte.

Caderno C - Gostaria quevocê explicasse, antes de maisnada, o que um assistente dedireção de uma série faz.

Gabriel Correa - Legal, é im-portante falar disso porque mui-ta gente não tem ideia de comofunciona essas coisas. Mas basi-camente, os assistentes de dire-ção são as pessoas que pegamo roteiro, pegam a história,leem, fazem uma decupagem,um break down de todos os ele-mentos necessários para o epi-sódio e constroem o schedule(cronograma). O assistente dedireção é quem arruma o me-lhor jeito de filmar nos oito diasque temos para rodar o episó-dio. Qual cena deve ser feita an-tes, qual cena casa com qual ce-na para serem rodadas juntas.Tem uma série de regras dossindicatos dos atores, das equi-pes, e uma série de restriçõesde locação, ou mesmo se umacena precisa ser de dia, notur-na, externa, interna, que nósprecisamos nos preocupar. Es-se é o job, começando pelo 1ºassistente de direção. A gentesenta exatamente aqui nestamesa (na sala de criação onde aentrevista foi feita), com todosos departamentos, abre o rotei-ro e vai na cena um, e lê, cena2... cena por cena, todos os ele-mentos. Efeitos especiais, vocêfaz isso, faz aquilo, cenário, epor aí vai. Somos como ummaestro. A gente não é o com-positor, os compositores estãoem Los Angeles, escrevem amúsica e entregam pra gentecolocá-la em prática.

E como começou sua traje-tória em Supernatural?

Eu comecei na série, aquiem Vancouver mesmo, na 2ªtemporada, como assistente dedireção trainee, lá 2006. No fi-nal da segunda temporada, eujá passei para 3º assistente de di-reção. Essa figura é o cara quetrabalha basicamente com oelenco. Recebe o elenco, prepa-ra todo mundo, e manda parao set, Fiquei muito tempo fazen-do isso, então fiquei muito pró-ximo dos atores, do Jared (Pada-lecki) e do Jensen (Ackles, intér-pretes dos protagonistas, os ir-mãos Winchester). A gente atébrincava que se via mais doque via a própria família. Daí,na sétima temporada, fui para2º assistente de direção, ondeestou até hoje, que é o cara quepensa no amanhã. O 1º assisten-te está no set, focado no agora,

daqui a três tomadas pra fren-te, está naquele jogo de xadrez,enquanto eu penso no ama-nhã. Faço a ordem do dia se-guinte. A gente fala que o 1º as-sistente é o presente e o 2º o fu-turo.

Você já atuou como o pri-meiro assistente?

Sim. Recentemente, eu tivea oportunidade de ser o 1º assis-tente no que a gente chama desecond unit. Quando o roteiroé muito elaborado e a gentenão consegue filmar em oitodias, existe a second unit, pararodar cenas ao mesmo tempo.E no ano passado eu passei aatuar como o 1º assistente de di-reção da second unit. E, ainda,no ano passado, fui o 1º assis-tente de direção do episódioAsk Jeeves, a primeira oportuni-

dade que tive nessa função docomeço ao fim. Foi bem gratifi-cante. E agora, acabei de fazero episódio 4 da 11ª temporada.Obviamente, não posso falarmuita coisa, sobre o que é, masposso dizer que foi muito inte-ressante porque é um episódiobastante diferente. Um desafioenorme, mas muito gostoso.

Acredito que o trabalho,apesar de ser a mesma série,vai mudando muito, já que otamanho da produção lá no co-meço é bem diferente da de-manda exigida hoje em dianessa gigantesca competiçãopela atenção do público. É issomesmo?

O trabalho só vai ficandomais difícil. Sempre. Fica maisfácil no sentido de você estaracostumado com o que vocêfaz, por estar familiarizado coma equipe, com os atores, é real-mente uma grande família. Nes-se aspecto, fica mais fácil por-que você se sente confiante econfortável nesse ambiente. Poroutro lado, é cada vez mais difí-cil conforme as responsabilida-des aumentam. Como trainee,se eu cometo um erro, as conse-quências são pequenas. Como3º assistente, se eu esqueço umelemento, eu não entrego umator pronto e o set todo temque esperar 15 minutos, meiahora, até arrumar. Já como 2º,se eu esqueço de agendar umator para amanhã, e ele estavana cena, estamos falando deum problema enorme. Agoraquando o 1º assistente erra, vo-cê automaticamente mexe com150, 200 pessoas. Ou seja, mui-to dinheiro. Aqui é minha casa,conheço tudo, mas o nível de es-tresse é gigante, a concentração

exigida é absurda.

Quais são as barreiras quevocê enfrenta nesse trabalho?

A grande dificuldade numset é que quase tudo, no fundo,está fora do seu controle. A gen-te brinca de tentar de ter contro-le, mas a realidade é que exis-tem tantos elementos que fo-gem da nossa alçada, que ficaimpossível. Vou te dar umexemplo. Esse episódio 4 quefui o 1º assistente de direção,ele tinha uma quantidade exor-bitante de cenas que depen-diam de luz do dia. Ou seja, deexternas. E você pode fazer oque você quiser, ser o mais efi-ciente possível, espernear, ten-tar fazer mágica, mas quando osol se põe, já era. A gente se pre-para para ser o mais eficientepossível, só que tem que ter umjogo de cintura, saber trabalharem equipe, sempre pensandoem alternativas. Se não rolarnessa marcação, o que dá parafazer no estúdio? Se acabar aluz e não tiver como voltar paraaquela locação, o que eu consi-go suprir em outro lugar? O Im-pala (famoso carro dos Win-chester) eu posso trazer para oestacionamento daqui e usartais coisas. Esse é o jogo. A suafalta de controle é enorme. Chu-va, sol, um ator que fica doente,adversidades que acontecem,mas que não mudam nada noseu prazo. Oito dias para entre-gar o episódio, oito dias é o quemartela na sua cabeça, oitodias e não tem conversa.

Você chegou a trabalhar noBrasil?

Não. Eu saí do Brasil aos 19anos. Eu estudava cinema naFaap (Fundação Armando Álva-

res Penteado, em São Paulo) ejustamente um dos motivospor eu ter vindo para o Canadáfoi para trabalhar com filmesaqui. Minha família estava mu-dando para Vancouver e nósacordamos que eu viria tam-bém para seguir meu sonho,tentar trabalhar com produ-ções reais. Assim que cheguei,estudei cinema um ano na Van-couver Film School e, desde en-tão, toda a minha vida profissio-nal tem sido aqui. Eu amo vol-tar ao Brasil, tenho agora aque-le sonho de trabalhar com men-tes criativas de lá, é algo queme atrai, porém é difícil porqueminha carreira foi construídaem Vancouver, fiz outros sho-ws, mas principalmente em Su-pernatural.

Apesar de estar há tantotempo em Supernatural, os di-

retores mudam muito, entãoseu trabalho deve mudar tam-bém. Como funciona isso?

Pois é, cada episódio, e nor-malmente são 23 por tempora-da, nós temos um diretor dife-rente. Mas temos diretores quesempre voltam, tanto que amaioria dos que participam da11ª temporada já trabalhoucom a gente. Claro que sempretem gente nova, gente que nun-ca dirigiu antes ou que nuncadirigiu um episódio de Superna-tural. Misha Collins, que inter-preta Castiel, dirigiu pela pri-meira vez um episódio na 9ªtemporada. Tem gente que temexperiência em outros shows,mas não no nosso. Isso é partedo trabalho, se adaptar, porquediretores diferentes têm aborda-gens diferentes, e de alguma for-ma você é o cara familiarizadocom tudo, que precisa ajudá-loa navegar por essa família.

O que faz Supernatural serum show tão longevo?

Olha, vou ser bastante ho-nesto. Quando eu entrei na sé-rie, voltando lá em 2006, comotrainee, eu não era nada familia-rizado com o show. E isso fazparte do trabalho em televisão,você faz TV, mas não assiste,porque você está o tempo todono set. Eu tinha 25 anos e não ti-nha assistido a 1ª temporada,porque trabalhava em outras sé-ries. Mas, em seguida, muitono começo mesmo, talvez de-pois de apenas uns dois ou trêsepisódios que eu estava vendoaqueles caras trabalhando jun-tos, lendo os roteiros, vendo fi-nalmente a série e sua qualida-de, eu virei para um dublê gran-de amigo meu, que já tinha tra-balhado em muitas séries, en-tre elas Arquivo X, mas infeliz-mente morreu este ano, vireipara ele e disse: essa série vaiter uma vida longa, e meu fee-ling me diz que o segredo doshow não está no fato de seruma superprodução, com boaqualidade, bons roteiristas, en-fim... a questão é outra. Quan-do você vê esses dois caras, Ja-red e Jensen, na vida real, vocêacredita neles, você acreditaque eles são irmãos. A químicaentre eles é algo que não dá pa-ra explicar. E esse tipo de coisaou dá certo ou não dá, não temcomo fingir. Sem dúvida, essescaras, com todo o suporte queeles têm, as boas decisões queforam tomadas, são a razão pa-ra o sucesso de Supernatural.

E quais são os planos ago-ra?

Para alguém que veio do Bra-sil, que estudou cinema lá, nãodenegrindo meu País, mas sa-bendo que existe aquele sonhoque ronda toda a América Lati-na, de ser bem-sucedido numanova terra, no maior mercadoda área, eu sinto que já alcanceimuita coisa e que estou no ca-minho certo. Claro que eu que-ro dirigir um dia, mas não vejoisso acontecendo em Superna-tural. Ser 1º assistente é muitogratificante, claro. Você traba-lha com pessoas incríveis, e dealguma forma, é como dirigir.Esse episódio 4 que eu acabeide fazer, posso afirmar com cer-teza que quando você assistir,vai ver que se trata de algo me-morável. E depois de 11 tempo-radas ser possível fazer um epi-sódio tão distinto, tão bom, éfantástico. Daqui dez, 20 anos,quem ver esse episódio, logoapós os nomes dos produtores,virá meu nome, e me sinto mui-to orgulhoso disso. É como umlegado, mesmo não sendo Ja-red e Jensen. Não somos as es-trelas, mas somos os construto-res disso. Aos 19 anos, achavaque ia chegar aqui e com 20anos viraria diretor e com 25sentaria na cadeira do StevenSpielberg. Não é bem assim,mas você começa a pensar queum cara que saiu do Brasil econseguiu construir sua carrei-ra aqui já é algo de se ter orgu-lho. Muitas vezes tentamos seroutra pessoa, sempre querendomais, mas temos, primeiramen-te, que valorizar as nossas mar-cas pessoais.

*O jornalista viajou a conviteda Warner Channel

Fábio Trindade/AAN

Quando você vêJared e Jensen, navida real, vocêacredita neles, queeles são irmãos. Aquímica entre elesé algo que não dápara explicar.”

A gente se preparapara ser o maiseficiente possível,só que tem queter um jogo decintura, semprepensando emalternativas.”

O ladoreal dosobrenatural

FORÇAS sobrenaturais causaram a morte da mãe de SAM E DEAN WINCHESTER. Desde então, os irmãos lutam contra o mal.BRUXAS E DEMÔNIOS são alguns dos seres que enfrentam. Neste cenário dominado pela maldade, SUPERNATURAL tem tambéma assinatura de um brasileiro: GABRIEL CORREA, paulistano que mora em VANCOUVER e que é o 2º assistente de direção da série

Gabriel Correa em Men of Letter, bunker da série Supernatural, nos estúdios da Warner, em Vancouver: “Nível de estresse (da produção) é gigante”

CampinasQUINTA-FEIRA 17 / 09 / 2015

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