Bessarabia

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1 Bessarábia, era uma terra doce e bonita... Bessarábia, era uma terra doce e bonita... Bessarábia, era uma terra doce e bonita... Bessarábia, era uma terra doce e bonita... por Zevi Ghivelder Foto Ilustrativa Revista Morashá - Edição 67 - março de 2010 "Oi, Romênia, Romênia, antigamente era Uma Terra Doce e Bonita"... Assim começa uma canção popular iídiche, muito cantada até hoje, composta na Diáspora dos Estados Unidos por Aaron Lebedeff. A rigor, ele teve apenas um devaneio nostálgico ao se referir aos tempos antigos, porque, ao longo dos séculos, os judeus da Bessarábia sofreram incontáveis amarguras, perseguições e matanças.

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Os judeus da Bessarabia e sua história em São Paulo

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Bessarábia, era uma terra doce e bonita...Bessarábia, era uma terra doce e bonita...Bessarábia, era uma terra doce e bonita...Bessarábia, era uma terra doce e bonita...

por Zevi Ghivelder

Foto Ilustrativa

Revista Morashá - Edição 67 - março de 2010

"Oi, Romênia, Romênia, antigamente era Uma Terra Doce e Bonita"... Assim começa uma canção popular iídiche, muito cantada até hoje, composta na Diáspora dos Estados Unidos por Aaron Lebedeff. A rigor, ele teve apenas um devaneio nostálgico ao se referir aos tempos antigos, porque, ao longo dos séculos, os judeus da Bessarábia sofreram incontáveis amarguras, perseguições e matanças.

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A Bessarábia, hoje República Moldova, teve a pouca sorte de ter seu território

de 34 mil quilômetros quadrados (pouco menos do que o estado de Alagoas),

ladeado pelos rios Dniester e Prut, ou seja, localizado entre a Romênia e a

Ucrânia, dois assumidos bastiões do anti-semitismo no leste europeu e que

inclusive se aliaram aos nazistas durante a 2a Guerra Mundial. A presença

judaica naquelas paragens, então chamada de Moldávia, é assinalada por volta

do século 16. Os judeus se dedicavam ao pequeno comércio, mas, assim que

alcançaram algum progresso em suas atividades, foram expulsos para a

Galícia, na Polônia, e para a Podólia, no sudeste da Ucrânia. Em meados do

século 18, os judeus tentaram novamente se radicar na Moldávia, tendo como

principal ocupação a travessia de pessoas e cargas através do rio Dniester.

Mais uma vez foram expulsos. Só retornaram no século seguinte, depois do

conflito entre a Rússia e a Turquia. Como vencedor, o império russo anexou o

território denominado Bessarábia. Em 1818, foi editado um decreto segundo o

qual os judeus ficavam proibidos de possuir qualquer tipo de terra para fins de

agricultura, mas podiam comerciar variadas mercadorias e operar moinhos de

trigo. Um censo do ano anterior apontava a existência de cerca de 19 mil

judeus na Bessarábia, correspondendo a 4,2% do total de seus habitantes.

Desde então, a população judaica foi crescendo de forma significativa na

região por força de uma decisão do Czar Nicolau I, que encorajou o

assentamento de judeus em pequenas cidades e aldeias, dando-lhes dois anos

de isenção de impostos. Para os judeus que quisessem deixar a Podólia e

atravessar o rio Dniester rumo à Bessarábia, a isenção era de cinco anos, além

da concessão do direito de possuir terras. Foi uma forma hábil de alijar os

judeus de seu país. Estes, entretanto, preferiram dedicar-se ao comércio de

gado, couro, lã e tabaco. Quanto às terras cultiváveis que lhes foram

concessionadas, julgaram mais lucrativo arrendá-las para os camponeses

cristãos. O censo de 1856 registrou a presença de 78 mil e 700 judeus, oito

por cento do total da população da Bessarábia, que tinha cerca de 900 mil

habitantes. O número de judeus foi crescendo em ritmo acelerado,

notadamente na cidade de Kishinev onde, no início do século 20, viviam 50 mil

judeus, correspondendo a 46 por cento do total.

A primeira e grande tragédia dos judeus bessarabianos aconteceu no dia 16 de

fevereiro de 1903, em Kishinev, onde havia uma florescente comunidade, com

110 mil almas. Suas atividades sociais e culturais eram intensas e ali se

contavam 16 escolas judaicas e um bom hospital, além da publicação de

periódicos no idioma iídiche. Naquele dia, um menino cristão foi encontrado

assassinado a 12 quilômetros ao norte da cidade, às margens do rio Dniester.

As autoridades locais afirmaram que o garoto tinha sido vítima de um ritual

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judaico destinado a extrair seu sangue para a fabricação de matzot (pães

ázimos consumidos na festa do Pessach, a celebração do Êxodo). Os

governantes sabiam que o menino havia sido morto por um parente, conforme

este mesmo logo confessou. No entanto, apegaram-se à mentira do ritual

judaico, incitando e levando à histeria a população não-judaica da cidade,

sobretudo por causa dos virulentos textos contidos em um jornal local de

conhecida postura anti-semita, publicado em idioma russo. Começou, então,

um pogrom (assassinato de judeus), que durou três dias, porque o ministro do

interior, Viacheslav Plehve, nada fez para impedir a matança. As notícias

referentes ao pogrom desencadearam protestos de governos ocidentais,

porém a tragédia já estava consumada: 49 mortos, 500 feridos e 700 casas

destruídas ou incendiadas.

Vladimir Korolenko (1853-1921), escritor e jornalista russo não-judeu, esteve

em Kishinev dois meses depois do massacre, quando, conforme escreveu,

"seus ecos ainda reverberavam". Seu relato é impressionante. Ele narra que

percorreu as ruas da cidade e conversou com dezenas de judeus e não-judeus

"pelo menos para entender o que havia acontecido". Acentuou que não

encontrou nenhum motivo para aquela explosão de bestialidade e indagou-se

como era possível que pessoas em princípio decentes pudessem de súbito se

transformar em verdadeiros animais selvagens. Em seguida escreveu: "Desejo

que os leitores possam refletir sobre o sentimento de horror que de mim se

apossou durante minha permanência em Kishinev. Espero que a justiça

encontre uma resposta, mas dificilmente isto vai acontecer".

Em 1905, quando ocorreu a primeira revolução russa, os pogroms se

repetiram em toda a Bessarábia e, mais uma vez, uma das localidades mais

visadas foi Kishinev. Desta vez, porém, embora os judeus tivessem organizado

um sistema de defesa, 19 morreram e 56 ficaram feridos. Este segundo

massacre deu origem ao célebre poema, Be-ir Ha-Haregá (A Cidade da

Matança), escrito em hebraico pelo grande poeta Chaim Nachman Bialik, que

assim termina: Por causa da sucessão de trágicas mortes e violências, milhares

de judeus da Bessarábia emigraram para a antiga Palestina, Estados Unidos,

Europa Ocidental e diferentes países da América do Sul. Após a vitoriosa

revolução russa de 1917, a Bessarábia foi incorporada ao domínio soviético. Os

novos governantes aboliram muitas das restrições aplicadas aos judeus, porém

sua tranqüilidade pouco durou. No ano seguinte, os bolcheviques perderam a

Bessarábia para a Romênia, que a possuiu de 1918 a 1940. Apesar de alguns

isolados surtos anti-semitas, estes foram os melhores anos para os judeus

bessarabianos, que, de forma automática, passaram a ser cidadãos romenos,

tendo recebido do governo de Bucareste permissão para abrir escolas

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primárias e secundárias nas quais eram lecionados o iídiche e o hebraico. A

situação era a tal ponto favorável que, em 1922, viviam em toda a Bessarábia

270 mil judeus que ali instalaram 140 escolas, 13 hospitais e dezenas de lares

para os idosos. Essa população se espalhava por dezenas de pequenas

cidades.

Cito algumas das mais conhecidas, grafando-as conforme a pronúncia que

ouvi de meus pais: Britshon, Sicuron, Iedenitz, Britsheve, Lipkon, Beltz e

Chotin, nas quais os judeus eram maioria, além da martirizada Kishinev. Em

Britshon, por exemplo, havia 7 mil habitantes, dos quais 5 mil eram judeus.

Essas aldeias ficavam relativamente próximas umas das outras e obedeciam ao

mesmo padrão: casas e calçadas de madeira alinhadas nas margens de ruas de

terra batida que, na época das chuvas, transformavam-se num imenso lamaçal

que levava meses para se desfazer. A meca dos jovens era estudar, ou pelo

menos conhecer Tchernovitz, cidade com vocação para a modernidade, situada

na região conhecida como Bucovina. Sei de um episódio curioso, contado por

meu pai, que viveu em Britshon, envolvendo as localidades a que me referi. O

governo romeno traçou o plano de uma nova estrada de ferro que passaria ao

largo daquelas cidades, o que significaria um empecilho para o transporte das

pessoas, até então limitado a carruagens puxadas por cavalos. Certa ocasião,

apareceu em Britshon uma comissão de engenheiros romenos encarregados da

construção da linha férrea. Sua proposta era simples e direta: se os judeus se

cotizassem e lhes dessem uma apreciável quantia em dinheiro, eles poderiam

redesenhar a estrada e levá-la até onde os compulsórios doadores

pretendessem. Assim foi feito. Só que a estrada foi construída e jamais tocou

os lugares combinados. Foi então que os judeus ficaram sabendo que os

cocheiros locais também se haviam reunido e dado mais dinheiro aos

engenheiros para afastar a ferrovia. Isto porque, se os trens por ali passassem,

eles perderiam sua principal fonte de renda. Se nos últimos anos da década de

20 as condições na Bessarábia eram satisfatórias para os judeus, por que

milhares deles resolveram emigrar, e em expressiva quantidade, para o Brasil?

Porque a Bessarábia não lhes apontava perspectivas para o futuro em função

das mínimas cotas para judeus então vigentes no ensino superior. Além disso,

os jovens corriam o risco de serem convocados para o exército romeno, um

caminho certo de ida, porém mais do que incerto para a volta. Por que o Brasil?

Porque os Estados Unidos haviam esgotado suas cotas para imigrantes do leste

europeu. Assim, alguns judeus, entre os quais meu avô materno,

empreenderam viagens para o Rio de Janeiro e São Paulo para apurar os meios

de vida e constatar in loco se era verdadeira a lenda circulante na Bessarábia

segundo a qual jazia dinheiro nas ruas do Brasil. Bastava se abaixar e recolher.

Ele ficou quatro anos no Rio, impedido de voltar para a Europa por causa da 1ª

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Guerra Mundial. Acabou voltando para casa com pouco ânimo para emigrar,

apesar de ter gostado da vida no Rio de Janeiro. Contudo, outros tantos vieram

para o Brasil e ficaram, criando uma corrente imigratória de amigo para amigo,

de parente para parente, assim como há anos acontece com os habitantes da

cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, com relação a emigrar para

os Estados Unidos.

Em Britshon, cidade que me ficou mais íntima por causa dos relatos de meus

pais, havia uma intensa atividade sionista e os movimentos juvenis se

espalhavam por toda a Bessarábia. Moshe, meu avô paterno, era um dos

líderes da comunidade e ativista do partido de centro, Sionistas Gerais. Ele ali

desempenhava as funções de kazioner ruf, uma espécie de autoridade civil,

que tinha o poder de validar documentos que não tivessem origem religiosa.

Meu pai, que veio para o Brasil em 1929, com 24 anos de idade, era professor

de uma escola primária em Britshon, fez o ginásio em Tchernovitz, mas não

teve oportunidade para seguir adiante, daí ter feito as malas e rumado para o

Brasil, onde o aguardava grande grupo de amigos. Meus avós paternos, junto

com uma filha e o genro, emigraram em 1933 para a Palestina, e o plano

familiar era no sentido de que meu pai fosse ao seu encontro alguns anos

depois de ter feito algum dinheiro no Brasil. Entretanto, meu avô morreu ainda

jovem, em Tel Aviv, em um acidente, e a 2ª Guerra impediu que meus pais

seguissem para o Oriente Médio e inclusive porque não havia dinheiro à

disposição nas ruas do Rio de Janeiro, muito pelo contrário.

A partir da década de 30, a frágil democracia existente na Romênia foi-se

deteriorando no rumo de uma ditadura fascista. Houve uma sucessão de

frágeis governos e, como sempre acontece em períodos de instabilidade

política, os judeus passaram a ser o bode expiatório. As manifestações

nacionalistas exploravam o medo do comunismo e na vertente anti-semita

repetiam que os judeus tramavam a dominação da economia. Como

conseqüência do início da 2ª Guerra, em 1939, as tropas nazistas começaram

a entrar na Romênia, em outubro de 1940. No dia 22 de junho de 1941, a

despeito do pacto de não agressão germano-soviético, as tropas nazistas

invadiram a União Soviética e, em seguida, ocuparam a Bessarábia e a

Bucovina. A essa altura, a Romênia era governada pelo ditador Ion Atonescu,

que estimulou a matança de judeus na capital, Bucareste, e colocou suas

tropas ao lado das forças nazistas, em direção a Odessa e Stalingrado. Há o

registro do seguinte pronunciamento feito por Antonescu ao seu Conselho de

Ministros no dia 8 de julho de 1941: "Mesmo correndo o risco de não ser

compreendido por alguns tradicionalistas, sou a favor da total migração

forçada dos elementos judeus da Bessarábia e da Bucovina. Não me importa se

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formos apontados como bárbaros, perante a história. O Império Romano

também cometeu atos de barbárie, mas foi a maior potência de seu tempo. O

momento é este e, se necessário, saberemos como utilizar nossas

metralhadoras".

Os romenos se excederam com louvor como aliados de Hitler, a ponto de o 6º

exército alemão ter sido comandado pelo general Petre Dumitrescu. Coube a

Antonescu ordenar o assassinato de milhares de judeus na Bessarábia. Os

judeus de Kishinev foram aniquilados por fases. Quando as tropas nazistas e

romenas ocuparam a cidade, 10 mil judeus foram assassinados em suas casas

e no meio das ruas. Depois de confinados em um gueto, os alemães se

ocuparam de matar os judeus que poderiam exercer alguma liderança sobre os

demais: médicos, advogados, engenheiros e intelectuais. Uns 11 mil ficaram

confinados no gueto e foram-se extinguindo aos poucos por causa da fome,

doenças, torturas e trabalhos forçados. Em Tchernovitz, onde viviam 50 mil

judeus, não foi demarcado um gueto, mas eles ficaram restritos a circular em

poucas ruas da cidade. Porém, o que os romenos-nazistas de fato queriam,

conseguiram: representantes do Banco Nacional da Romênia confiscaram todas

as suas propriedades e contas correntes. À medida que as tropas alemãs se

aproximavam, aos judeus só restava fugir atravessando o rio Dniester para

alcançar a Ucrânia. Abandonaram tudo o que tinham. Eu soube que minha avó

materna, Esther, que depois da guerra veio para o Brasil, ainda se deu ao

cuidado de varrer a casa antes de partir em fuga com sua filha Hannah, minha

tia. Meu avô, Itzik, resolveu ficar mais um dia para ver se conseguia vender

mais alguns pertences. Ele cruzaria o rio no dia seguinte. Não deu tempo. Os

nazistas entraram em sua aldeia, chamada Rujnitsa, e, ato contínuo, o

executaram com um tiro na nuca.

O mesmo aconteceu nas redondezas com outros 10 mil judeus. Minha avó e

minha tia continuaram fugindo pelos caminhos encharcados de sangue da

União Soviética, até pararem na cidade de Alma-Ata, no Casaquistão, onde

sobreviveram à guerra com uma alimentação à base de pão, rabanetes,

pepinos e sopa de cascas de batatas. Ao todo, calcula-se que cerca de 250 mil

judeus da Bessarábia tenham morrido em campos de concentração e de

extermínio, tendo sido o campo de Transnístria o mais populoso e sob

controle dos romenos. Ao contrário dos nazistas, que mantiveram registros

minuciosos de suas ações de extermínio, os romenos quase não guardaram

documentos referentes aos guetos e campos sob sua guarda. Apesar de os

romenos terem-se aproveitado da oportunidade para desferir sobre os judeus

sua ira ancestral, houve exceções. O prefeito de Bucovina, Traian Popovici,

salvou cinco mil judeus, mas não conseguiu impedir que outros vinte mil

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fossem levados para o campo de Transnístria. Ali, dos 150 mil internos, 120

mil morreram. Em Kishinev, de seus 65 mil judeus, apenas 12 mil

sobreviveram.

Em agosto de 1944, os russos ocuparam a Bessarábia e a incorporaram à

União Soviética, batizada como República Socialista Soviética da Moldávia,

tendo Kishinev (hoje, Chisnau) como capital. O regime comunista não foi

particularmente amigável com os judeus que para lá haviam regressado após o

conflito. As festas judaicas foram proibidas de serem celebradas, inclusive o

bar mitzvá. Das dezenas de sinagogas que existiam antes da guerra, apenas

uma, em Kishinev, foi mantida de pé. Em 1989, depois da derrocada do

comunismo, o país ganhou novos rumos. Finda uma guerra civil que durou três

anos, Moldova tornou-se uma democracia parlamentar, tendo um presidente

como chefe do estado e um primeiro-ministro como chefe do governo. O país

foi acolhido em 1992 pelas Nações Unidas e hoje participa dos mais diversos

organismos internacionais.

Nas eleições gerais, realizadas em julho de 2009, o partido comunista

alcançou 48 assentos no parlamento, em um total de 101, porém prevaleceu a

economia de mercado que havia sido implantada por ocasião da

independência. Moldova, atualmente, é um país afundado em extrema

pobreza, desprovido de recursos naturais, com a economia centrada na

agricultura, exportação de frutas e vegetais, produção de vinho e tabaco. Foi-

se o tempo em que a Bessarábia era uma terra doce e bonita.

Por fim, vale contar a trajetória de dois jovens irmãos, judeus bessarabianos,

primos em segundo grau de minha mãe. Antes que os alemães chegassem,

ambos fugiram na direção da União Soviética, onde foram alistados no Exército

Vermelho. Lutaram em Estalingrado e atrás ou à frente dos tanques e

blindados chegaram até Berlim, testemunhando o colapso final do nazismo.

Em junho de 1945, pouco depois da vitória, o primo Berl aconselhou o irmão:

"Escute bem, nós somos judeus e quando voltarmos para a União Soviética

alguma coisa ruim há de acontecer conosco. Melhor desertarmos". Dito e feito.

Tiraram os uniformes e seguiram a pé na direção do leste europeu, rumo à

antiga casa, na Bessarábia. Um deles, ferido na perna, mal conseguia caminhar.

Por fim, entregou os pontos: "Não faz sentido sermos os dois fuzilados como

desertores; pelo menos um tem que sobreviver. Vai em frente que eu vou me

recostar aqui nesta árvore e seja o que D'us quiser". Contrariado, Berl tomou

seu rumo. Caminhou alguns poucos quilômetros e, conforme ele mesmo me

contou, pensou assim: "Mas, se eu sobreviver e encontrar a família, o que vou

dizer para a minha mãe? Que deixei meu irmão ferido, embaixo de uma

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árvore?" Voltou e carregou-o nas costas por trinta quilômetros. Depois de uma

série de peripécias, conseguiram embarcar num trem que os conduziu até a

Romênia. Por causa do esforço despendido, ficou com as duas pernas

arqueadas para sempre. Na cidade de Iassi, na Romênia, encontraram minha

avó e minha tia que haviam regressado do Casaquistão. Berl casou-se com

Hannah e, em 1962, obtiveram vistos para emigrar para Israel com os dois

filhos, um menino e uma menina. O ministério da absorção deu-lhes moradia

em Cholon. Talvez algum leitor tenha comprado, anos atrás, um refrigerante

no popular quiosque que Berl manteve em Jaffa, até morrer.

Zevi Ghivelder é escritor e jornalista

A Bessarábia em São PauloA Bessarábia em São PauloA Bessarábia em São PauloA Bessarábia em São Paulo

Em geral, os judeus provenientes da Bessarábia viajavam de trem até o porto

de Hamburgo, ou de Gênova, de onde embarcavam em navios que os levavam

para os Estados Unidos (enquanto havia cotas), Canadá, Argentina e Brasil.

Aqui, esses imigrantes desembarcavam nos portos do Rio de Janeiro ou de

Santos. Alguns aportavam em Recife e Salvador, para onde a passagem era um

pouco mais barata. Os chegados em Santos tentavam se estabelecer na capital,

São Paulo, ou no interior, em Campinas, Franca, Piracicaba, Sorocaba ou

mesmo, em Santos. Apesar de não ter posses, os bessarabers (originários da

Bessarábia) ajudavam seus correligionários na adaptação à nova vida em São

Paulo. Ainda na década de 1910 fundaram associações comunitárias,

sinagogas e escolas espelhadas naquelas que existiam em suas cidades na

Europa. O Cemitério Israelita de Vila Mariana, cujos registros apontam cerca de

450 sepulturas pertencentes a pessoas nascidas em pequenas cidades e

vilarejos do norte da Bessarábia, foi fundado e dirigido pelos bessarabers de

Securon (família Tabacow) e de Iedenitz (família Teperman), ajudados pelos já

bem posicionados lituanos da família Lafer-Klabin. Com eles seguiram os

Blacher, Kaufman, Balaban, Koifman, Chapaval, Gandelman, Guelman, Chansky,

Cambur, Krasilchik, Palatnik, Schneider, Rosenblit, Kuperman, Naslausky,

Polacow, Schwartzman, Waidergorn, Zaguer e outros tantos.

Fonte: Extraído do livro "Os Primeiros Judeus de São Paulo: uma breve história

contada através do Cemitério Israelita de Vila Mariana", de Paulo Valadares,

Guilherme Fainguenboim e Niels Andréas.