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DINA KLUG JAKUBOWICZ1
(Bełchatów, Polônia, 1920)
Dina Jakubowicz, com 96 anos. São Paulo, 2016.
Acervo: Jakubowicz/SP; Arqshoah-Leer/USP.
Minhas raízes judaico-polonesas
Meu nome é Dina Jakubowicz, sendo Klug o sobrenome de solteira. Nasci em
Bełchatów,2 na Polônia, perto da fronteira com a Alemanha. Sei a data do meu
1 Entrevista concedida por Dina Jakubowicz a Rachel Mizrahi, coordenadora do Núcleo de História Oral,
e Lilian Souza, pesquisadora do Arqshoah. Gravação em áudio. São Paulo, 5.7.2011. Transcrição: Laís
Rigatto Cardilo. Iconografia: Nanci Souza e Samara Konno.
2 Desde o século XVIII, Bełchatów tornou-se uma cidade industrial, dedicada à produção têxtil. A partir
de 1801, ficou conhecida pela produção em tecidos de lã, com tradição na fabricação de vestuário. O
crescimento dessa indústria deveu-se principalmente ao empresário rio Kaczkowski incluído nas listas das
fábricas do Reino da Polônia pelo decreto do governador em 18 de setembro de 1820. Em 1840, foram
inauguradas 18 novas fábricas de processamento de algodão, incluindo a de Bełchatów na esfera do
distrito industrial de Łódź. Em 1861, a falta de algodão provocou o colapso das pequenas e médias
empresas. Em 10 de outubro de 1870, Bełchatów perdeu os direitos municipais e foi incorporada ao
município de Bełchatówek. Em 1887, Henry Hellwig Tuszyna fundou uma cervejaria, que produzia e
entregava cerveja a quase toda a província de Piotrkow. Até setembro de 1939 viviam na cidade cerca de
seis mil judeus e, após cinco anos de ocupação alemã, restaram apenas 3,5 mil. A partir de janeiro de
1958, a cidade entrou em uma nova fase após ser promovida à cidade de distrito com a descoberta de
grandes depósitos de lenhite nas areias perto de Bełchatów, projetando-se na mineração de carvão
marrom e na indústria de energia.
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nascimento, mas não tenho nenhum documento: 20 de novembro de 1920. Meu pai
chamava-se Chaim Meier Klug e minha mãe Marien [Miriam] Grinvald, que, após o
casamento, adotou o sobrenome Klug. Até então, meu pai era viúvo. Sua primeira
esposa faleceu e deixou três filhos casados. Havia assim uma grande diferença de idade
entre meu pai e minha mãe. Com ela, meu pai teve cinco filhos, e com a primeira esposa
outros três. Meus irmãos chamavam-se: Dvoireh (Deborah), Macha, Mendel e Benjamin
(Tzvi). Depois de casada, Macha passou a assinar Rotnitzki.3
Bełchatów (Polônia), cidade natal de Dina Klug Jakubowicz.
Google Maps
De Bełchatów não tenho nenhum documento. Nada, nada, nada! Isso porque a
cidade foi queimada pelos nazistas. Nem procurei mais o meu registro de nascimento,
pois não tinha nada mais...! E também porque não tínhamos nada, nem do período de
antes e nem depois da guerra. Não tenho documento nenhum.
3 Na base de dados do Yad Vashem, consta que um dos filhos chama-se Benjamin Klug [Tzvi] que, com
16 anos, morreu na Shoah, segundo testemunho dado por Macha. Consta também que Chaim Meier tinha
uma irmã chamada Ester Klug, casada com Zicher, e que moravam em Piotrkow, na Polônia. Zicher
também morreu na Shoah, segundo Macha.
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Cidade natal de Dina Klug Jakubowicz, em Bełchatów, na Polônia, 1920.
Fotógrafo não identificado.
Disponível em: <http://belchatow.pl/images/2014/gal2_protokoly/Malarski001.jpg>. Acesso em: 12 ago
2017.
Eu era muito religiosa, assim como a minha família. Em Bełchatów existia uma
única sinagoga. Frequentei a escola pública durante oito anos, sendo sempre a primeira
aluna. Estudava de manhã e à tarde, e era a melhor aluna em matemática. Estudei muito
e nunca repeti nenhum ano. À tarde eu frequentava a Beit Yaacov, uma escola judaica só
para meninas, onde ficava até a noite. Voltava para casa somente para jantar e depois
retornava para participar de um outro grupo, sempre de meninas. Apenas dormia em
casa, pois levantava cedo para ir para a escola, onde ficava das 7 até as 13 horas. Nessa
época, eu costumava almoçar em casa, pois era muito religiosa. Depois ia à Beit Yaacov,
onde professores vindos de Kraków (Cracóvia) nos ensinavam ídiche e hebraico. Eu
escrevia bem em ídiche e português, hoje já nem tanto, pois a minha mão está tremendo
um pouco. Mas antes eu escrevia muito bonito.
Os judeus davam muito respeito à família, vivendo como uma grande
comunidade. Éramos pobres, razão pela qual fui trabalhar desde o momento em que me
formei na escola, com 14 anos. Estudei desde os 7 anos, formei-me, mas não consegui
continuar estudando, pois fui trabalhar na fábrica de tecidos que era do meu tio, irmão
do meu pai. Então, durante oito anos, trabalhei das 5 às 21 horas. Tínhamos apenas uma
hora de almoço. Íamos almoçar em casa, pois a fábrica ficava na mesma rua.
Em Bełchatów, onde passei a minha juventude, sentíamos o antissemitismo.
Sempre havia! A gente sentia na rua, pois existiam mais judeus do que polacos. Como
nós éramos religiosos, acendíamos as velas na sexta-feira, sem usar a luz. Em seguida,
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vinham os polacos nos ajudar a acender a luz. E nós tínhamos que apagar. Isso
acontecia sempre, e, em todos os Yom Kipur, eles vinham acender a luz. Nós éramos
muito religiosos, e pobres. Fazíamos parte de uma elite, apesar de não termos dinheiro,
mas éramos uma elite... Éramos mais religiosos, mais cultos.
Os judeus davam muito respeito à família,4 vivendo em uma grande
comunidade. Eu não costumava andar com rapazes, somente com as minhas colegas,
meninas. Lembro-me de uma moça judia que começou a namorar um goi. Ela era pobre
e ele goi. Então, jogávamos pedras nela. Isso mesmo: mandaram jogar pedra, e nós
obedecíamos. A gente não achava nada de errado, porque éramos crianças. A gente não
gostava deles [os gois], e eles não gostavam da gente. Quando essa moça judia casou,
nós não fomos ao casamento, pois ela não era religiosa. Olha só! Uma judia não
religiosa. Nem a família esteve presente. Depois nasceu um menino, nem lembro o
nome, nem conheci. A família não foi assistir à cerimônia de Brith Milá, tão religiosos
que éramos...! E ela não era religiosa, imaginem se fosse. Antigamente, era assim.
Na região onde morávamos, havia muitos judeus ortodoxos que costumavam
rezar em suas pequenas casas. Apesar de haver uma sinagoga na cidade, eles não
rezavam nesse templo e sim na residência de alguém que mantinha o Cheder, um
quartinho onde ficavam aqueles que eram os mais religiosos.5
Época de mudanças: a guerra e os nazistas
Bełchatów, a cidade onde morávamos, ficava perto da fronteira com a
Alemanha. Assim, que a guerra estourou em 30 de setembro de 1939, nós estávamos na
4 Desde o final do século XIX, existia na cidade um grupo de homens jovens, na maioria tecelões,
incluindo Shmuel Zanwel e Zaken Altman, que estudavam a Mishná ou o “Ein-Yakov” (“Jakob’s Well”,
livro de literatura rabínica talmúdica do século XVI). Todos os dias ao anoitecer reuniam-se no beit
hamidrash (casa de estudo e oração). Para preservarem as tradições de Kabbalat Shabbat (o serviço da
noite de sexta-feira, recebendo o sábado) reuniam-se em um quarto na casa de Ezriel Graber onde
rezavam com seu próprio minian (quorum de dez homens necessários para realizar um serviço de oração
judaica) e até mesmo apresentavam sua própria Torá. No início do século XX, já existia uma yeshivá em
Bełchatów com 400 estudantes de todas as regiões da Polônia. Estava localizada no beis hamedresh, cujo
diretor era o rabino Belchatower Braun, mais tarde Lukower Rebbe (rabino chassídico). Em Bełchatów
havia uma sinagoga de alvenaria, uma grande beis hamedresh e muitas pequenas casas de oração
Chasidic. As pessoas comuns oravam no shul e no beis hamedresh.
5 Até o final da Primeira Guerra Mundial, a vida comunal judaica cresceu, e ali surgiram os grupos
Po’alei Zion (Trabalhadores de Sião) e o Bund (União Geral Operária Judaica Judaica da Polônia). Em
1918, os judeus religiosos se reuniram no “Tiferes Bukherim”, que envolvia os membros das casas de
estudo e oração e membros da classe de proprietários, com o objetivo de dar aos jovens religiosos a
possibilidade de viver uma vida espiritual. A maioria dos membros desses grupos era de trabalhadores e
artesãos de vários ofícios: tecelões, barbeiros, alfaiates, porteiros, açougueiros, motoristas de vagões e
jovens homens chassídicos de casas pobres.
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cidade.6 Desde o início da ocupação da Polônia, os nazistas se apropriaram das casas
dos judeus. Perto de nós havia um prédio de três, nem me lembro bem, ou quatro
andares. Ocuparam esse prédio, mandaram embora todos os judeus e ali fizeram a sede
deles, com os escritórios etc. Depois, obrigaram a gente a trabalhar para eles: limpar
banheiros, por exemplo. E depois fizeram o gueto na nossa própria cidade, proibindo-
nos de andar na calçada, apenas na sarjeta. Além disso, obrigaram-nos a colocar a
estrela amarela de David nas roupas. Para ajudá-los, os alemães criaram também um
conselho formado pelos judeus da cidade. Minha família toda entrou para viver no
gueto, sendo obrigada a deixar o local onde morava. Nós morávamos aqui e o gueto foi
construído logo ali, e, nesse outro lugar, ficavam apenas os alemães. Eu tinha o mapa,
não sei mais onde está.
Judeus, conduzindo suas carroças ao longo da Rua Kosciuszko, são deslocados para o gueto. Bełchatów,
1940-1941.
Fotógrafo não identificado.
Instytut Pamięci Narodowej. Copyright: Agency Agreement Provenance: County Court of Bełchatów.
United States Holocaust Memorial Museum, cortesia do Instytut Pamięci Narodowej.
Disponível em: <https://collections.ushmm.org/search/catalog/pa13565>. Acesso em: 12 ago 2017.
6 A ocupação da Polônia pela Alemanha em 1º de setembro de 1939 interrompeu o desenvolvimento de
Bełchatów, um importante centro têxtil polonês. A cidade foi ocupada pelas tropas da Primeira Frente
Ucraniana. Nessa ocasião, viviam na cidade cerca de seis mil judeus que tiveram suas casas e empresas
destruídas pelo fogo, seus objetos sagrados profanados e suas propriedades confiscadas. Na nova praça da
cidade, livros sagrados foram jogados nas fogueiras e os judeus foram obrigados a assistir enquanto
dançavam e cantavam ao redor, pisando nos livros. Os velhos judeus foram forçados a comer alimentos
não kosher e tiveram as barbas cortadas. Alguns judeus tentaram sair, na esperança de encontrar lugares
mais seguros. Após cinco anos de ocupação, restaram na cidade apenas 3,5 mil judeus.
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O leite era kosher. Explico: aqui moravam os alemães, e a gente ia até lá para
ver como eles tiravam o leite. A gente assistia! Depois, com a caneca deles, medíamos
os litros. Era muito kosher! Não cortávamos a unha às quintas-feiras, porque falaram
que unha começa a crescer no segundo dia, então era shabat... shabat não podia
começar a crescer, porque era shabat. A nossa religiosidade era tão grande que até isso
eles controlavam, o tamanho das unhas: se podia ou não podia cortar as unhas...! E fora
disso, quando cortávamos as unhas, não podíamos jogar fora. Precisávamos pegar um
pedaço de madeira para jogar fora no fogo junto com um pedaço de unhas, porque não
podíamos jogar assim. Éramos muito religiosos.7
Essa religiosidade permaneceu...! Não era difícil ser religioso nesse período,
vamos dizer assim, porque tínhamos tudo separado. Carne kosher separada, nós
comprávamos, mesmo que com limites dentro do gueto. Tínhamos sempre carne, pois
havia uns dois ou três açougues kosher e somente comprávamos deles. Nós
comprávamos manteiga de algumas mulheres que moravam no interior e traziam para a
cidade. A gente comprava dessas mulheres que traziam a manteiga escondido nas folhas
de “couve de manteiga”. Por isso essa folha grande chama couve, couve de manteiga
porque era embrulhada, vinha com manteiga assim, mas é grossa, desse tamanho, mais
grossa um pouco, embrulhada nessa folha.
O gueto não era fechado, assim todos os dias cedo eles iam buscar. Nós
morávamos perto dos alemães, razão pela qual eles pegavam gente para fazer limpeza.
E nós morávamos no primeiro andar. Depois, todos os judeus das outras cidades
pequenas que existiam em volta foram reunidos na nossa cidade. Como tínhamos três
quartos, cozinha e mais um quarto, os nazistas puseram uma casal na cozinha e um
outro no segundo quarto, enquanto nós ocupávamos somente o quarto do meio.
Embaixo morava uma mulher que não era “boa bisca”! Nós éramos três irmãs, e ela
costumava falava assim: “As três irmãs nunca aparecem na minha casa?”. Mas a gente
não se misturava com ela.8
7 Sobre a história dos judeus em Bełchatów, ver PODLOWSKI, Leib. The Destruction of Belchatow
Under The Nazi Occupation. Disponível em: <http://www.jewishgen.org/yizkor/Belchatow/bel002.html>.
Acesso em: 12 ago 2017.
8 Por uma questão “técnica”, os alemães não instalaram um gueto oficial em Bełchatów. Mantiveram sob
seu controle o bairro judeu onde viviam 90% dos judeus da cidade ocupando as ruas: Pabianicer
[Pabianicka], Mercado Antigo [Stare Rynek], Ewangelicka, Piotrkower [Piotrkowska] e todas as casas
localizadas atrás da sinagoga. O bairro judeu estava extremamente lotado, pois a maioria das casas
judaicas tinha sido queimada no início da guerra, e depois, quando outras pessoas começaram a chegar, a
população foi aumentada em mil pessoas. As condições higiênicas eram péssimas e com perigo de
epidemia de tifo, conforme escreveu o prefeito Trahner de Bełchatów ao conselheiro estadual de Lask em
24 de novembro de 1941.
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Para os alemães, o importante era concentrar os judeus dentro do gueto, a área
de que eles podiam controlar tudo. Todos os judeus usavam a estrela amarela, na frente
e atrás das roupas, pois assim poderiam ser logo reconhecidos. Todos os dias chamavam
a gente para fazer serviços, mas não recebíamos coisa alguma, nada. Nem comida, nem
um prato de comida. Mas nós não chegamos a sentir fome no gueto porque vendíamos
as coisas. Meu pai trabalhava num mercado aberto, assim, na rua, vendendo couro. E aí
vinham os gois [os polacos] que trocavam por comida. No gueto, nós também
vendíamos coisas dentro de casa.
Meu pai vendia esse couro que dava para fazer um par desses chinelos, e os
polacos vinham em casa comprar. Naquela época, isso antes da guerra, não só os
polacos, mas todos usavam sapatos de madeira com uma tira de couro. Assim,
conseguimos juntar bastante dinheiro, uma gaveta de dinheiro. Mais dinheiro do que
antes da guerra, mais dinheiro para sustentar a família que era muito grande.
Judeus pulam a parede do gueto. Berek Jakubowicz, marido de Dina Klug Jakubowicz, aparece na
fotografia à direita e abaixo. Aldeia não identificada, s. d.
Fotógrafo não identificado.
Acervo: Yad Vashem.
Disponível em: <http://www.sztetl.org.pl/en/gallery/24198/?r=N&tags[0]=9&tags[1]=20>. Acesso em:
12 ago 2017.
Até que as coisas começaram a mudar a partir de janeiro de 19429 quando os
nazistas passaram pelas ruas falando em um megafone. Mandaram que pegássemos as
9 No início de 1942, o terror contra os judeus na Polônia tornou-se um prelúdio para a liquidação geral:
em fevereiro, os alemães prenderam ou mataram a maioria da população judaica por suas atividades
políticas, e a outra parcela foi enviada para campos de extermínio. Em março de 1942, os alemães
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roupas mais bonitas e nos vestíssemos melhor. Meu irmão Mendel, casado, veio cedo
para a nossa casa, pois havia tempos que não falávamos com ele. Mas, nesse dia 11, ele
veio. Meu pai ainda estava na cama, pois já era velho, com quase 84 anos. Então, ele
perguntou ao meu papai: “O que vamos fazer? Vamos nos apresentar ou não?”. Meu
pai, como era muito religioso, falou: “Vamos, sim, pois eles não irão fazer nada”.
Então, até meu pai pegou a mochila, vestimo-nos bonitos e fomos nos apresentar
aos alemães que mandaram todos para o shil. Assim fizemos também. Lá, os alemães
escolheram os mais novos para ficarem do lado de fora, enquanto puseram os mais
velhos e doentes dentro do shil. Logo começou a pingar água pelas janelas porque lá
dentro era muito quente. Nós, como éramos mais jovens, ficamos do lado de fora
esperando. Foi quando a minha irmã mais velha falou: “Eu não vou deixar o papai
sozinho!”. Assim, ela foi levada junto com o meu pai e todos os demais que estavam
dentro do shil em caminhões para Treblinka. Nessa época, meu pai já estava viúvo, pois
minha mãe havia morrido em 1937 com 52 anos. Ela morreu de doença, não morreu na
guerra. Quando meu pai foi exterminado no campo de concentração de Treblinka,
estava com 84 anos.10
Para nós que ficamos do lado de fora, vieram caminhões que nos levaram para
Łódź, que, naquela época, era Litzmannstadt. Lembro-me de mais uma coisa: quando
meu irmão Mendel veio conversar com meu pai, ele sequer conseguiu se despedir da
mulher e do filho porque foi levado junto conosco. Ele pretendia voltar para casa, mas
pegaram-no e o puseram num caminhão, enquanto nós três fomos em um outro
transporte. Durante todo o tempo da guerra, não sabíamos se ele estava vivo ou morto.
Felizmente ele se salvou.11
prenderam 16 judeus de Bełchatów considerados “conspiradores”, sendo dez deles condenados à forca.
Os seis salvos foram: Shlomo Szmulewicz, Meyer Zuchowski, Berl Rubenstein, Szmuel Jakubowicz,
Yankl Flakowicz e Moshe Klug. Por isso, uma enorme contribuição foi imposta à população local:
fornecer dois quilos de ouro, dez quilos de prata e uma grande quantia em dinheiro. No dia 18 de março,
pela manhã, os dez judeus foram levados para um lugar que pertencia a Yankl Ber Lieberman e ali foram
enforcados. Disponível em: <http://www.jewishgen.org/Yizkor/Belchatow/bel432.html>. Acesso em: 12
ago. 2017.
10 Segundo a Central Database of Shoah Victims’ Names do Yad Vashem, Chaim Meir Klug nasceu em
Bełchatów, em 1864, sendo filho de Benjamin e Rivka. Trabalhava como comerciante e morava em
Bełchatów com a família. Durante a guerra, foi preso e levado para Treblinka, segundo testemunhou sua
filha Mikhaela Rotnitzki, nascida Klug. Era casado com Miriam Grinvald. Consta também que o filho
Benjamin Klug morreu durante a Shoah com 16 anos e ainda que, em 1942, morreu na Shoah o Sr. Zicher
(Zihker), nascido em Piotrkow em 1914, comerciante, casado com Ester Klug, irmã de Chaim Meir.
Testemunhos assinados por Mikhaela Rotnitzki números: 866299, 8814887 e 611527.
11 Em outubro de 1942, o prefeito de Bełchatów ordenou aos anciãos do Judenrat que entregassem, nos
próximos três dias, uma lista de todos os habitantes judeus da cidade de acordo com o sexo. Atenção
especial deve ser dada às crianças com menos de 6 anos. Essa lista deveria ser entregue até o dia 26 de
outubro, o mais tardar. O Judenrat enviou a lista dos habitantes judeus de Bełchatów ao prefeito em 25 de
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Somente sobreviveram os mais jovens! Eu nasci em 1920 e estava com 22 anos,
Deborah, que já era casada, tinha uns seis anos mais do que eu, enquanto Macha, que
era a mais nova, ainda menina, tinha uns 17 anos. Assim, eu tinha 22, minha irmã mais
velha, 28, e Macha, 17.
No gueto de Łódź, conseguimos ficar juntas, mas ninguém sabia que éramos
irmãs: Dvoireh (Deborah), Macha e eu. Assim fomos levadas naquele caminhão para
Łódź, e o meu irmão Mendel estava no outro caminhão. Aí chegamos a Łódź onde
conseguimos ficar juntas o tempo todo, durante toda a guerra inteira. Ninguém sabia
que éramos irmãs...! Ninguém sabia que éramos irmãs. Após a guerra, minha irmã mais
velha foi para Argentina e a mais nova para Israel, onde vive. Conversávamos uma vez
por semana.
Em Łódź, fomos morar dentro do gueto, em uma casa vazia. Fomos logo
procurar serviço para sobreviver. Achamos...! Fomos falar com um homem chamado
Klugmann. Por coincidência, nosso sobrenome era Klug, pois, como meu pai era
religioso, ele tinha muitos livros sagrados marcados com um carimbo: Klug. Vejam:
Klug, Klugmann. Como achamos esse homem com o nome Klugmann, pensamos que
era da família. Nós três fomos procurá-lo e, pelo jeito, “cantamos muito bem”. Digo
isso porque ele gostava de ouvir músicas antigas. Ele se parecia com um tio meu, mas
não era da família. E assim ele nos deu serviço. Eu fazia tapetes de pano, e assim a
gente ganhava. Apenas nós duas, eu e a minha irmã mais nova, trabalhávamos para ele;
a outra foi trabalhar numa fábrica de palha, nem sei o que fazia... Foi esse Klugmann
que também arrumou trabalho para ela.
Quando chegamos ao gueto de Łódź, falaram que Mendel, nosso irmão – aquele
que foi levado em outro caminhão –, estava lá. E assim nós o encontramos e fomos
morar juntos: os quatros irmãos e mais um cunhado com a sobrinha. A família inteira se
reuniu nesse mesmo quarto que era grande. Passamos a trabalhar e assim vivemos. Mas,
justo eu, fiquei doente dos pulmões e não pude trabalhar acho que durante um mês.
Minhas irmãs traziam um médico todos os dias para tirar pus do meu pulmão. Atrás há
pulmão? É pulmão. Ele vinha todos os dias! Assim, minhas irmãs deixavam uma bacia
debaixo da cama que eu usava para cuspir.
As minhas irmãs traziam sopa do serviço para onde costumavam levar uma
panela para colocar a sopa. O Sr. Klugmann avisou na cozinha e também nos avisou
para deixar a panela assim para recebermos uma sopa mais grossa: assim quer dizer,
outubro. Havia 2.067 homens, 2.519 mulheres e 536 crianças menores de 6 anos. Um outro documento de
8 de janeiro de 1942 é ainda mais claro e mais explícito quanto aos planos para exterminar os judeus.
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com o fundo virado para cima. Esse era o sinal para quem distribuía sopa: dar sopa mais
grossa, mais consistente. Éramos “mais ou menos” protegidas por ele. Em troca, ele nos
chamava para cantar, pois gostava de ouvir as músicas antigas. Isso aqui nunca contei.
Mulheres marcadas com a estrela de David caminham para o trabalho no gueto de Łódź, 1940-1945.
Fotografia de Henryk Ross.
Disponível em: <http://cameralabs.org/media/lab17/04/05/Lodzinskoe-getto-Fotograf-Genrik-
Ross_5.jpg>. Acesso em: 12 ago 2017.
No gueto de Łódź, a vida era muito dura, mas nós tínhamos trabalho. O Joint
sustentava a gente, dava-nos roupas e comida. Tanto o Joint como o Hias eram
associações americanas. Não tínhamos tempo para descansar, pois trabalhávamos o dia
inteiro e à noite precisávamos cozinhar. Eu era a cozinheira e dividia a comida entre
todos. Se alguém ficava mais fraco, nós dávamos óleo que servia de vitamina. Então,
óleo servia para todos os doentes. Por exemplo, quando fiquei doente, usei a cota de
óleo de todos os outros quatro companheiros. Quando o meu irmão Mendel ficou
doente, o nosso óleo foi para ele, assim como um pedaço a mais de pão. Eu dividia, eu
cozinhava, sabendo que a maior porção deveria ir para quem estava doente. Cada
migalha servia para viver, para o nosso sustento.
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Do gueto de Łódź para Auschwitz
Permanecemos no gueto de Łódź cerca de três anos, não sei bem, nem lembro.
Ficamos ali até a saída do gueto em direção a Auschwitz. Foi da mesma forma:
chamaram pelos megafones, mas nós (as três irmãs) não comparecemos. Saímos de casa
e fomos para um outro lugar onde pudéssemos nos esconder. Fizemos assim: aqui era a
parede e aqui ficava a cama... Então, pusemos uma tábua aqui e, na frente, pusemos a
roupa de cama. Pronto, escondemo-nos assim, as três irmãs escondidas. Nunca ninguém
nos encontrou, ninguém. Ficamos lá durante uma semana, e, todas as noites, a gente ia
procurar pessoas da nossa cidade para ouvir o que elas diziam. Então, um dia, elas
falaram que iriam se apresentar, e nós resolvemos fazer o mesmo. Não havia saída, não
tínhamos condições de sair do gueto. Não tínhamos! Precisávamos comer, não tínhamos
o que comer. Nos primeiros dias, a gente ia daqui para lá para comer, algumas pessoas
nos chamavam, e à tarde voltávamos para casa para nos esconder.
Assim, depois de uma semana fomos encaminhadas para Auschwitz. A ordem
foi vestir uma roupa bonita porque iríamos para o trabalho. Como tínhamos um pão
redondo de dois quilos, resolvi escondê-lo embaixo do casaco preto que eu havia
ganhado do Joint. Assim, o pão ficou na altura da barriga. Apresentamo-nos as três, em
fila: minha irmã mais velha, eu no meio e a mais nova atrás. Lá estava em uma mesa o
Dr. Mengele, fazendo a seleção. Mandou-me para o outro lado, e, então, Dvoireh, a
mais velha, começou a gritar e perguntou:
– Por que devo ir para o outro lado sem elas? Elas vão para um lado, e eu vou
para outro?
– É o destino! – respondeu Mengele, explicando que eu estava grávida.
Então Dvoireh gritou em iídiche: “Jogue fora o pão! Jogue fora o pão!”.
Abri o casaco, joguei fora o pão, e, então, Mengele juntou-me com as minhas
duas irmãs. Foi sorte, pura sorte! Assim, não me apanharam, pois na seleção eles não
tinham tempo para isso. Seleção era decisão: quem ia para um lado, quem ia para o
outro? Assim, minha irmã me salvou. O meu irmão também já estava lá, mas nem sei
para onde foi, não o vimos mais; e também o meu cunhado com a sobrinha.
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Trem lotado de prisioneiros a caminho de Auschwitz, 1942.
Fotógrafo não identificado.
Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-
E9lbUhDh8NY/U2XZq6EBvMI/AAAAAAAABfk/H0LSHU2wooQ/s1600/134603-train.jpeg>. Acesso
em: 12 ago 2017.
Após a seleção, mulheres judias com seus filhos caminham para as câmaras de gás, s. d.
Fotógrafo não identificado.
Acervo: Yad Vashem.
Disponível em:
<https://ep01.epimg.net/internacional/imagenes/2017/01/25/mundo_global/1485360106_399421_148536
0904_sumario_normal.jpg>. Acesso em: 12 ago 2017.
Assim que chegamos a Auschwitz, cortaram todo o nosso cabelo, cabelo de
cabeça, daqui, debaixo, cortaram tudo. Cortaram todo o cabelo, e a gente não se
reconheceu mais. Porque sem cabelo parecia bicho, só bicho andando. A gente começou
chamar cada uma das pessoas pelo nome e assim nos juntamos. Em seguida nos
mandaram para o chuveiro. Depois fizemos uma fila e ganhamos um vestido, e o meu
era muito bonito. Fomos levadas para as barracas, mas a mulher que tomava conta do
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local gostou muito do meu vestido. Eu falei: “Me dá três sopas e eu vendo o vestido”.
Ela falou que somente daria uma sopa, e eu retruquei: “Uma sopa não dá para três!”.
Mulheres destinadas para o trabalho escravo caminhando para os barracões após seleção e o registro.
Auschwitz, 1942.
Fotógrafo não identificado.
Acervo: Yad Vashem. Disponível em:
<http://www.yadvashem.org/yv/en/exhibitions/album_auschwitz/images/assignment_to_slave-
labor/268_154.jpg>. Acesso em: 12 ago 2017.
Nós éramos muito unidas. Então, ela nos deu uma sopa bem grossa em troca do
meu vestido. Para eu não ficar sem nada para vestir, ela deu-me um outro vestido.
Quando ela me deu sopa, dividi com as minhas irmãs: comemos a sopa com a mão
porque não havia colher. Dividimos a sopa em três, sentamos assim... e comemos a sopa
em três. Outro dia, Macha foi buscar a panela de sopa e recebeu três batatas dentro da
sopa. Comemos com as mãos as três batatas. Depois ela apanhou muito, muito... Acho
que alguém viu. Ela apanhou muito. Mas nós ganhamos três batatas, portanto valeu
porque tínhamos o que comer. Vocês já ouviram isso?
E pensar que ali não havia nem água, não havia nada, nada, nada. Dormíamos
em beliches, sete pessoas numa única cama. Sem colchão, em cima da palha.
Dormíamos com os pés e a cabeça do lado de fora, assim cabiam sete pessoas. Minhas
irmãs e eu estávamos sempre juntas, uma atrás da outra. Aonde ia uma, a outra ia atrás.
E cedo, cada uma estendia a mão assim, e eles punham um pedaço de pão desse
tamanho. Assim. Certo? Um pedaço de pão. Lembro-me de uma amiga que morreu
assim: colocamos o pão na mão dela, mas já estava morta. Aí pegamos esse pedaço de
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pão e dividimos, dando para o dia todo. Saímos do barracão e à noite, de noite o corpo
já não estava mais. Não foi a única, não só ela morreu. Morria muita gente.
Trabalhei numa fábrica da aviação, indo a pé para o serviço. Lá eu ajudava a
fabricar asas de avião. Eu batia “preguinhos” nas asas, rebites. Não podíamos sequer
nos lavar, porque não havia água para tomar banho, não havia água nem para lavar a
mão. Não havia nada! Assim como íamos para casa assim voltávamos no outro dia. Um
dia, o mestre da fábrica – um alemão político, preso, uma espécie de chefe – me trouxe
um pedaço de pão, pois percebeu que eu não comia. Assim, ele passou a trazer um
pãozinho para mim todos os dias. Apenas para mim, pois eu trabalhava sozinha com ele.
Minhas irmãs trabalhavam em outra parte. E depois, eu dividia com elas esse
pãozinho... um pãozinho, em três. E comíamos as três.
Nem lembro quanto tempo ficamos no campo de Auschwitz. Mesmo assim a
gente dançava, cantava, mas ninguém chorava, não havia nenhuma lágrima. Ninguém
chorava. Não tínhamos outra alternativa. A gente estava contente, porque... sei lá, todo
mundo vivia nas mesmas condições. Não havia lágrimas. O dia que passou, quando
voltávamos à noite, a gente andava se segurando, e quem não dormiu bem à noite
dormia andando. Lembro-me de que as minhas duas irmãs me puxavam para o lado e
diziam: “Para o serviço...!”. Aí eu andava. Lá na fábrica, até para irmos ao banheiro,
não podia ir sem ter uma alemã ao lado, tomando conta dos prisioneiros. Para irmos ao
banheiro, deveríamos avisá-la: “Preciso ir ao banheiro!”. E ela falava se poderia ou não.
Um dia, tive um desarranjo intestinal não sei por que e precisei ir ao banheiro. Fui pedir
para ela... Eu estava trabalhando aqui e ela estava sentada naquele canto. Disse que eu
que não poderia ir. Então, fiquei amarela e preta, porque precisei fazer ali mesmo. Não
tinha calças, não tinha nada, se fizesse ali mesmo ia direto para o chão.
Então o mestre alemão – aquele que me dava pão – perguntou por que eu estava
tão impaciente? Falei que precisava ir ao banheiro. Ele foi falar com aquela mulher, pois
também era alemão, mas ela não autorizou. Assim mesmo ele levou-me ao banheiro.
Não é que ele gostava de mim, mas viu que fiquei amarela e preta, que mudei de cor,
pois não queria fazer no chão. Só andava com um vestido, descalça, sem nada. E ele me
levou, eu fiz as necessidades e voltei com ele. Ele também me trazia sabão, pois me
perguntou um dia por que as minhas mãos não eram lavadas. Eram pretas... E até
machuquei o dedo, a unha... Machuquei duas unhas! Sempre me trazia pão e sabão para
lavar as mãos. Então, nós três lavávamos as mãos. Roupa não tinha mesmo, não tinha o
que lavar.
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De Auschwitz para Mauthausen
Isso tudo aconteceu entre 1942 e 1945. Demorou bastante, até que acabou a
guerra em abril ou maio de 1945. Aí, antes que o campo fosse invadido pelos russos e
pelos americanos, os alemães – sabendo que estavam perdendo a guerra – juntaram
todos os homens e mulheres, e nos levaram para Áustria, para o campo de concentração
de Mauthausen. Foi de noite. E lá já havia um buraco grande, muito grande com 180
escadas, degraus. Pegavam os prisioneiros, tiravam as roupas e jogavam no buraco. Lá
embaixo já estava cheio de homens, todos nus. E em cima os alemães com armas assim
apontadas. Nisso, apareceram aviões que os homens reconheceram mais rápido que as
mulheres. Os homens lá embaixo juntos, homens com mulheres, nus sem nada, sem
sapato, sem vestido, sem roupa, sem nada. E eles falaram que os aviões eram russos.
Esses homens estavam lá embaixo, no buraco cheio tudo... e ainda eles falaram que
eram aviões russos. Quando os alemães viram os aviões, fugiram. Nem tiveram tempo
de atirar. Fugiram...!
Não sei quanto tempo ficamos lá. Mas logo cedo vimos que não havia mais
alemães naquele lugar. Então começamos a subir os 180 degraus da escada. Não sei
bem, mas lá em cima não havia alemães, mas americanos com uns barris. Não eram os
russos como eles pensaram. Eles traziam barris com sopas, com comida assim. Acho
que havia alguma coisa, nem lembro. E davam comida. Não me recordo se vieram
médicos, nem sei, nem sei. Acho que depois os médicos foram avisados. Nós – como
éramos três – comemos devagar, e quem comeu rápido caiu morto. Caiu muito gente
perto de nós, pois o corpo não estava acostumado a receber tanto alimento, e era pesado,
enlatados. Eles deram a cada um de nós um pijama para não andarmos nus. Um pijama
e um sapato. Alguém disse para irmos para a cidade procurar uma casa para ficar,
porque os alemães haviam fugido. Até mesmo quem estava na cidade fugiu porque
tinha medo dos americanos. Fugiu muita gente, assim como morreu muita gente.
Nem as minhas irmãs lembravam direito como chegamos em casa, não sei como
cheguei à Polônia. Chegamos a Łódź. Meu irmão, não vi mais. De Łódź fomos para
nossa cidade que estava ocupada pelos russos. Também não me lembro de que jeito
chegamos à nossa cidade, nem as minhas irmãs lembravam. Na nossa casa morava um
polaco que não nos deixou entrar. Não deixou. Então falei:
– Ah, o senhor não pode não nos deixar entrar? É que eu esqueci uma corrente
grande de ouro que guardei lá em cima, no sótão... Era da minha mãe.
No Exército russo havia muitos judeus. Isso foi bom, porque faziam festa toda
noite para a gente. E falavam que quem tivesse casa deveria avisá-los para levar comida.
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Lembro-me de que estávamos andando pela cidade quando encontramos uns 60 rapazes,
pois agora todo mundo vivia como irmãos. Eles cuidavam das meninas, traziam comida,
iam ao matadouro. Ainda na Áustria, um deles achou uma panela com leite, pensando
que a alemã pôs fora para esfriar. Ele pegou o leite e trouxe para casa. Acho que isso foi
depois, não me lembro. Esses 60 rapazes nos ajudavam, faziam festas.
Um dia, os judeus russos mandaram que nos juntássemos na casa deles. Então,
fomos para lá e ali ficamos por bastante tempo. Foi quando conheci Berek Jakubowicz,
que depois se tornou meu marido. Éramos da mesma cidade e nos conhecíamos desde
criança. Casamo-nos e fomos para a Alemanha. Resolvemos vir para o Brasil, mas,
como eu estava grávida, paramos na França.
Certidão de nascimento de uso administrativo de Berek Jakubowicz. Paris, 02.12.1946.
Acervo: Jakubowicz/SP; Arqshoah-Leer/USP.
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Sobreviventes da cidade de Bełchatów, entre os quais estão as irmãs Dvoireh Klug, radicada em Buenos
Aires, na Argentina, e Dina Jakubowicz, nascida Klug. Ao seu lado está Berek [Beirish] Jakubowicz, seu
marido (de pé ao fundo, os três primeiros da esquerda para direita). Macha Klug, irmã de Dina, residente
em Israel (terceira, de blusa branca, terceira fileira, de pé). Freising, Alemanha, 1946.
Fotografia: Abe e Helen Fajwelman Peck.
Disponível em: <http://liebowitzes.com/belchatow/groupphotograph_2.htm>. Acesso em: 12 ago 2017.
Quando reencontrei Berek, estávamos juntas, as três irmãs. Foi quando vieram
dois rapazes da Alemanha me buscar, pois queriam casar. Mas eu não gostei deles.
Eram alemães, judeus... eram livres, rapazes da nossa cidade. Eu era muito alegre, muito
alegre, sempre bem-disposta. Até hoje sou bem-disposta. Mas eu não quis. Um
chamava-se Israel, não sei se ainda vive. Ele era ruivo, sempre falo que era um ruivo.
Mas eu não quis. Foi quando as minhas irmãs falaram para “pegar” o Berek e ir para o
mundo afora.
E assim fui para a Alemanha, porque lá o Joint abriu umas barracas para
sobreviventes. Acabamos indo parar em Frankfurt onde meu marido trabalhou por uns
tempos. Mas, no caminho da França, casei-me com Berek, em Görlitz, na fronteira entre
a Polônia e a Alemanha.12
Em Frankfurt, meu marido trabalhou vendendo carne,
12 Görlitz foi fundada no século XI e, durante a Idade Média, fazia parte da liga das seis cidades da Alta
Lusácia (Oberlausitzer Sechsstädtebund). No século XVI, a maioria dos habitantes de Görlirtz tornou-se
luterana. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, a fronteira entre Alemanha e a Polônia ficou
delimitada pelo Rio Neisse. Do lado polaco, há a Görlitz do Leste, denominada Zgorzelec. Hoje moram
em Görliz aproximadamente 57 mil habitantes; e em Zgorzelec, 33 mil.
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cebolas, batatas; tudo o que achava vendia. Era muito esperto, muito esperto! E o Joint
sustentava a gente.
O Brasil como destino
Meu marido tinha uma irmã chamada Haika Ickowicz que vivia aqui no Brasil e
que o havia chamado para vir para cá. Deveríamos pegar o navio e vir para São Paulo.
Ela estava casada com um homem muito rico, rico, mas não nos ajudou. Estávamos
vindo para o Brasil quando fecharam a imigração na época do presidente Getúlio
Vargas. Eu estava grávida, e a minha filha Sara nasceu em Paris. Como a imigração
estava impedida, não conseguimos sair da França onde permanecemos 14 meses,
sustentados pelo Joint que nos dava dinheiro. Chegamos até mesmo a visitar um
cassino. Tudo era dado pelo Joint. Passeamos por todos os lugares acompanhados por
um primo do Berek que morava em Paris, de cujo nome não me recordo.
A passagem foi mandada pelo Joint saindo de Lyon, na França, onde pegamos o
um navio português, um navio de guerra. Nossa viagem demorou 32 dias, com pouca
comida, pois o navio estava voltando da guerra. E acha que não gostamos da comida?
Davam um pãozinho de manhã e um pãozinho à noite. Fui para cozinha, porque o navio
tinha muito português, italiano, e eu não sabia, a gente não sabia falar, não sabia se
entender. Mas dançávamos muito! Era todo mundo alegre. Nós dançávamos,
cantávamos. Eram todos jovens, mais ou menos da mesma idade, e estávamos vindo
para o Brasil...! Acho que desse pessoal do navio um casal ficou no Rio de Janeiro e
depois foi para Porto Alegre, ambos já falecidos.
Chegamos ao Brasil em 17 de novembro de 1946. Depois, o Joint veio nos
cobrar. Em São Paulo, meu marido Berek foi vender guarda-chuva da marca Jardim,
que era o nome da fábrica. Tia Haika nos alugou uma casa com a condição de pagarmos
o aluguel. Mandou a gente pagar...! Não pagamos. Mas meu marido falou que assim que
recebesse o primeiro dinheiro iria pagar. Demorou três meses, pagou. Eu vim só com a
roupa do corpo e aqui me deram outras roupas. E assim, Haika ia todo dia à nossa casa.
Ela era muito bonita, mas isso não interessa.
A minha família cresceu. Hoje tenho duas filhas, seis netos e 14 bisnetos. Berek
morreu em 12 de janeiro de 1996.
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Passaporte de Dina Jakubowicz, 19.02.1947.
Fotógrafo não identificado.
Acervo: Jakubowicz/SP; Arqshoah-Leer/USP.
Passaporte de Berek Jakubowicz, 19.3.1947.
Fotógrafo não identificado.
Acervo: Jakubowicz/SP; Arqshoah-Leer/USP.
Minhas alegrias e tristezas
Guardo uma lembrança muito triste: quando fui visitar o túmulo de minha mãe
em Bełchatów, não havia cemitério. Procuramos e não achamos nada. Isso foi quando
retornamos para a nossa casa após a guerra. Nunca mais voltei à minha terra natal,
apesar de ter passeado com meu marido pela Europa, visitamos muitos países, mas
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nunca a Polônia. Uma coisa que me marcou muito foi a união, união com as minhas
irmãs, pois sempre estivemos juntas. Lembro-me de que, quando Macha, minha irmã
mais nova, ficou doente depois da guerra e foi levada para o hospital, nós fomos juntas
e lá ficamos ao lado dela. Enquanto isso eu costurava: de cobertor fazia calça, de lençol
fazia soutien para as moças. Nunca nos separamos. Isso eu sempre faço questão de
contar.