Bagatelas (Lima Barreto)

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Coletânea de textos de Lima Barreto.

Transcript of Bagatelas (Lima Barreto)

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  • Advertncia

    Composto de artigos de varias naturezas e que podem mere-cer varias classificaes, inclusive a de no classificveis, este pe-queno livro no visa outro intuito seno permittir aos espritos bon-dosos que me tm acompanhado, nos meus modestos romances, a lei-tura de algumas reflexes obre factos, cousas e homens da nossa terra, que, julgo, talvez sem razo, muito prprias a mim.t

    Apparecidos em revistas e jornaes modestos bem de crer que taes espritos no tenham lobrigqdo a existncia delles; e so-mente por esse motivo que os costuro em livro, sem nenhuma outra preteno, nem mesmo a de justificar a minha candidatura Aca-demia de Letras.

    Percebo perfeitamente que seria mais prudente deixal-os en-terrados nas folhas em que appareceram, pois muitos delles no so l muito innocentes; mas, conscientemente, quero que as inimizades que elles possam ter provocado contra mim, se consolidem, porquan-to, com S. Ignacio de Loyola, penso que no ha inimigo to peri-goso como no ter absolutamente inimigo.

    Rio de Janeiro, 13818. LIMA BARRETO.

  • A superstio do doutor

    JOAQUIM VERSSIMO DE CERQEIRA LIMA, amanuense dos Correios da Bahia, pedindo fazer constar em seus assentamentos o titulo de doutor em sciencias me-dico-cirurgicas. Deferido.

    ("Gazeta de Noticias", de 25 de Maro de 1917.) i

    Tratando o Sr. Veiga Miranda, na edio de S. Paulo do "Jornal do Commercio", de um dos meus humildes livros, disse que eu tinha birra do doutor.

    Quiz, ao lr o artigo do meu amvel critico, explicar detida-mente por que, de facto, tinha eu essa birra; mas, lembrei-me que jurara a mim mesmo acceitar em silencio todas as criticas que me fizessem, e nada respondi, tanto mais que qualquer resposta: poderia magoar a quem tivera a bondade e a lealdade de occupar-se com a minha obrinha. Gomtudo, escrevi-lhe uma carta, em que jul-go ter manifestado plenamente a rainha satisfao, sem deixar tran-sparecer qualquer azedme que verdadeiramente no tinha, explir cando brevemente a minha opinio sobre o assumpto.

    Citei aqui o Sr. Veiga Miranda no s por que pretendo desenvolver algumas razes da minha birra com o doutor, encontra-da por elle nos meus escriptos, como tambm lhe dar parajbens por ter sido reconhecido deputado.

    Sinto que o seja! para representar a calamitosa olygarchia pau-lista, a mais odiosa do Brasil, a mais feroz, pois no trepida em esmagar as suas barulhentas dissidncias, a massete, a pilo ou pi-les, como se castram ou se castravam touros valentes para serem depois, muf mansos, bois de carro.

    No me cabendo nem querendo metter-me em bobagens polf-ticas, cumpri o meu dever de civilidade, dando-lhe os parabns e devo continuar o artigo, atacando o thema de que elle objecto.

    Em outro qualquer paiz, talvez, no fosse um temperamento liberal chocado com a espcie zoolgica e social doutor; mas no Brasil, com a importncia descommunal, o ar de sagrado que os costumes lhe emprestam, e os privilgios que a lei lhe outhorga, no possvel deixar de revltar-se contra ella, todo aquelle que no quer ver renascer nos tempos actuaes, uma nobreza;, principalmente

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    uma nobreza que indica para as suas bases, justamente aquillo que ella no possue o saber.,

    Essa birra' do doutor no s minha, mas poucos tm a coragem de manifestal-a. Ningum se amima a dizer que elles no tm direito a taes prerogativas e isenes, porque a maioria delles de igno-rantes. E que s os sbios, os estudiosos, doutores ou no, que me-recem as attenes que,,vo em geral para os cretinos cheios de an-neis e empfia.

    Todas as variedades do doutor acreditam que os seus privilgios, honras, garantias e isenes, como se diz nas patentes militares, se originam do saber, da sciencia de que so portadores; entretanto, entre cem, s dez ou vinte sabem razoavelmente alguma cousa., So mais sempre, alm cie medocres intelectualmente, ignorantes como um boror de tudo o que fingiram estudar. Aquillo que os antigos chamavam humanidades, em geral, elles ignoram completa-mente. No so falhas, que todos tm na sua instruco; so abys-mos hiantes que a delles apresenta.

    A maioria dos candidatos ao doutorado de meninos ricos ou parecidos, sem nenhum amor ao estudo, sem nenhuma vocao nem ambio intellectual. O que elles vem no curso no o estudo serio das matrias, no sendem a attraco mysteriosa do saber, no se comprazem com a explicao que a sciencia offerece da natureza; o, que elles, vem o titulo que lhes d namoradas, consi-derao social, direito a altas posies e os differencia do filho de seu Costa continuo de escriptorio do poderoso papae

    Animados por esse espirito, vo, com excellentes approvaes, s vezes, obtendo os exames preliminares e, afinal, matriculam-se na Academia, como dizem elles no seu gasgo pretncioso poden-do ella ser civil ou militar.,

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    Na escola ou faculdade as cousas se passam muito mais facilmente. No ha filho de sujeito mais ou menos notvel, que no v adiante no curso, sem a menor difficuldad. E' mais fcil que obter os preparatrios.

    Na Escola Polytechnica, de praxe, de regra at, que todo o filho, sobrinho ou parente de capitalistas ou de brasseurs d'affawes, mais ou menos iniciados na Kabala chrematistica do Club de En-genharia, seja approvado. E' bem de vr porque. Os lentes das nossas escolas, com raras excepes, no se contentam com os seus vencimentos officiaes. Todos elles so mundanos, querem fa-zer parada de luxo, teatros, bailes, com as suas mulheres e filhas. A situao official que.tm, d-lhes prestigio, fazem-n'os figuras de proa e os seus nomes so procurados para apadrinhar as companhias, as emprezas, mais ou menos honestas, que os especuladores de todos os matizes e nacionalidades organizam por ahi.,

    No possvel que um lente de chimica orgnica, por ex., que, devido s relaes que tem com o capitalista Joab Manasses, foi feito, com grandes honorrios, presidente da Companhia de Docas de um porto do Mar de Hespanha, consiga do seu corao a vio-lncia de reprovar-lhe o filho. O Ephraim, o filho de Joab Manasses,

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    vae assim correndo os annos; e, se encontra um lente honesto, pro-cura uma escola outra para fazer o exame que no lhe querem dar.

    O que se diz do filho de Joab, pode-se dizer de milhares de outros em toda a espcie de faculdades; e todos elles, ignorantes e arrotando um saber que no tm, vm para a vida, mesmo fora das profisses a cujo exerccio lhes d direito o titulo, crear obstculos os honestos de intelligencia, aos modestos que estudaram, dando esse espectaculo ignbil, de directores de bancos officiaes, de chefes de reparties, de embaixadores, de deputados, de senadores, de ge-neraes, de almirantes, de delegados, que tm menos instruco do que um humilde continuo; e, apezar de tudo, quasi todos mais en-riquecem, seja pelo casamento ou outro qualquer expediente, m|.is ou menos confessavel. Toda a gente conhece a nossa peculiar institui-o do muleta,. Chama-se isto ao auxiliar illustrado e entendido que todo o nosso figuro pssue, e leva como secretario ou cousa semelhante para todas as commisses em que vae empregar a sua reconhecida capacidade, como dizem os jprnaes. O engenheiro F muleta] do Dr. H; o capito X, d general F ; o capito de corveta Y, do almirante D; e assim por diante, com os mdicos, advogados, etc. Elles, os doutores, s nobreza, como se a fidalguia de sangue, feudal e militar, fosse composta d filhos naturaes, no possusse castellos ou manoirs e formada fosse de poltres ! Fresca nobreza !

    Do Imprio ns herdmos um respeito hindu' pelo doutor e o augmentamos, como tudo o que elle tinha de mo. Parece que era seu pensamento organizar um tchin, russa, com o titulo, o per-gaminho, como diz-se por ahi; e foi feliz; porque conseguiu implan-tar no espirito do povo uma venerao brahmainica pelos seus ba-charis, mdicos e engenheiros.

    O subalterno, o enfermeiro, por exemplo, no chama o medico nem mesmo o interno estudantey por senhor. Chama-o Vossa Senhoria. Se, minutos depois, chegar o administrador do Hospital, elle o tratar por senhor. Os soldados russos tratam ou tratavam os officiaes por Vossa Nobreza. Nas estradas de ferro, d-se o mesmo que nos hospitaes; e, com os juizes, ha de (se passar a mesma cousa, por parte dos marinheiros e escreventes.

    O povo do Brasil, que, raramente, se deixai infiltrar por idas teis que lhe so favorveis; neste ponto, foi de uma morosidade de espantar, to dcil foi ella ! f

    Para a massa total dos brasileiros, o doutor mais intelligente do que outro qualquer, e s elle intelligente; mais sbio, embora esteja disposto a reconhecer que elle , s vezes, analphabeto; mais honesto, apezar de tudo; mais bonito, comquanto seja um Quasi-modo; branco, sendo mesmo da cr da noite; muito honesto, mesmo que se conheam muitas velhacadas delle; mais digno; mais leal e est, de algum modo, em communicao com a divin-dade. E' essa abuso de feitaria, essa grosseira religiosidade de candombl ou de macumba, pelo nosso titulo universitrio, que leva os jornalistas panurgianos a pedir a suppresso do jury, por que, em certas occasies, absolve certos rus que lhes parece deviam ser condemnados .j _

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    Esses senhores d to grande coragem moral no anonymato das folhas dirias, no tm absolutamente a deciso de sentar-se no jury e julgar segundo a sua prpria conscincia. Esquivam-se de todo o geito; e, fceis em condemnar os jurados porque no so, em gerai, doutores, elles se esquecem de examinar os julgados dos juizes de beca, desde o pretor at o Desembargador e o Ministro do Supremo, onde poderiam encontrar muita cousa que os faria diminuir o seu assombro diante das, absolvies do Jury.

    C e l, ms fadas ha . . . Esse estado de espirito geral no nosso paiz, essa superstio,

    essa estpida crendice dos illustrados e dos analphabetos, dos nscios e dos atilados, levou ultimamente os nossos legisladores, num pha-risiaco zelo pela verdade eleitoral, a entregar o alistamento dos ci-dados votantes e tambm as mezas eleitoraes aos juizes, isto , a doutores e bacharis.

    E todos ns vimos como a cousa saiu. Houve fraudes ou dupli-catas no Cear, no Espirito Santo, em Alagoas, na Bahia, no E. do Rio, no Par, no Rio Grande do Sul, em Sergipe; e o Rio de Janeiro continuou a mandar como seus representantes alguns respeitveis desconhecidos apelintrados, que no sabem nem a data da fundao da cidade.

    O Sr. Erico Coelho, na sua contestao ao Sr. M. Leal, diz textualmente:

    "Fiou o Congresso Nacional nos juizes estaduaes a organisa-co de alistameno e a vigilncia de comcios populares. O decente pleito, no infeliz Estado do Rio, veio a ser o ludibrio das nossas as-piraes legislativas".

    O "Correio da Manh", em sua edio de 4 do corrente, conta este eloqente caso, depois de registrar o enthusiasmo que lhe des-pertou a nova lei eleitoral:

    "Mas ha casos que esfriam os mais fortes enthusidsmos. Ante-hontem, na reunio da commisso de Podercs do Senado,

    cmquanto se discutia o pleito do Espirito Santo, fazendo-se terrveis aceusaes magistratura local, quantos l estavam testemunharam um facto desconcertante. Achava-se na sala, e foi apontado pelei procurador do poltico que contestou a referida eleio, o juiz de direito da comarca de Alegre. Este] homem, quando delegado de policia de Victoria, soffrera um grande insulto, por oceasio de um discurso, em que endeosava os Monteiros. Foi, por isto, nomeado para aquelie cargo., Indo o Sr. Jeronymo Monteiro defender na Senado os seus interesses, o juiz acompanhava-o todos os dias, car-regando-lhe a pasta dos papeis, e serviu de seu auxiliar no exame dos livros e documentos relativos ao pleito, desde a primeira hord. Ao ouvir a contra-contestao do seu protector tinha gestos de ef-fusiva ternura, como de indignao ao ouvir o discurso do Sr. Mo-niz Freire. E elle dirigiu entre essas paixes, o alistamento e a, elei-o em Alegre".

    A "Gazeta de Noticias", de 8 tambm do corrente, referindo-se s eleies de Sergipe, assim diz:

  • "A Cornara deve hoje reconhecer s deputados eleitos por Sergipe.

    0 Entre os diplomados pela junta aipuradora de Aracaju' est

    o famigerado major Manoel de Carvalho Nobre, prmo-kmo 0. cunhado do Dr. Nobre de Lacerda, juiz'seccional do Estado, presi-dente da mesma junta..

    Contestando o diploma, producto de um arranjo immoralissimo de famlia, feito sob o patrocnio do incorrigivel politiqueiro general Vallad"..,

    Poderia adduzir mais exemplares com os quaes mostrasse como 03 sobrehumanos doutores' incorruptveis procederam; mas no preciso. E' fcil de adivinhar. *

    Sentindo que a crendice geral dava esse prestigio quasi divino ao doutor, todos os pes, desde que pudessem, um bocadinho, come-aram a encaminhar os filhos para as escolas ditas superiores. E' preciso, no Brasil, ter uma carta nem que seja) de embrulhar man-teiga; um aphorisma domstico, conhecido e repetido, nos seres do lar, do Norte ao Sul do paiz.

    Os doutores, ento, cresceram em numero, e o execicio da pro-fisso para que estavam officialmente habilitados, no dando mar-gem, devido plethora delles, para o ganho remunerador de cada um, encaminharam-se elles para os empregos pblicos que nenhuma capacidade especial exigeri.

    O Thesouro, o Tribunal de Contas, as Secretarias Ministeriaes e outras reparties menos importantes, officiaes engenheiros, m-dicos, advogados, dentistas, phTmaceuticos; e todos estes, no in-timo ou claramente, se julgam com mais direito s recompensas bu-rocrticas e s promoes que os seus collegas, que no tm titulo algum.

    A prova est na noticia que epigrapha estas linhas. Aquelle amanuense dos Correios pediu ao director geral que fizesse constar, na sua f de officios que era doutor, para, quando se tratasse de al-legar merecimento, pudesse apresentar o "canudo" com o maior de espadas. E a administrao p que extranho levar, porque tem levado muitas vezes, em considerao semelhante allegao, esquecendo que s se pode comprar quantidades homogneas. Me-recimento a comparao dos servios das aptides para elles, en-tre dous ou mais funccionarios. Sero os servios e aptides do ama-nuense da mesma natureza que as aptides e servios que pode re-velar ou possuir um medico ?

    Um medico s pode ter merecimento sobre outro medico; e um amanuense sobre outro amanuense.

    Quando meVlico, o tal amanuense s pode ser comparado a outro medico; e quando amainuense elle s pde entrar em relao com outro amanuense no que a profisso deste tem de peculiar a elle, eliminando-se da comparao a duvidosa medicina do burocrata. Isto que lgico, penso eu; seno teramos que comparar os m-ritos de um flautista com os de um marcineiro, para dizer qual dos dous o melhor nas suas profisses. Conebe-se ?

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    Mas, a superstio do doutor tal, que faz o governo, em ca-sos destes, no raciocinar claramente e proceder contra as mais co-mesinhas regtas do bom senso.

    E' contra tafes disparates que me insurjo e procuro, por todos os meios, mostrar a imbecilidade desse respeito cabalistico, esot-rico pelo doutor, respeito e venerao que esto creando entre ns uma nobreza das mais atrozes que se pde imaginar.

    Se a humanidade cortou cabeas de reis, de rainhas, de duques, de marquezas (Ah ! Que pena, eu no lhes ter visto os lindos, os alvos, os rolios pescoos, entrarem na janella da guilhotina !), de viscondes, e t c , para acabar com'a nobreza feudal, como que ns estamos criando uma de ps de barro e que amanh, pde entor-pecer a vida de nossos filhos ? E' preciso combater a superstio emquanto tempo. Mostrarei mais...

    A policia daqui, em um seu regulamento, expedido quando chefe o Sr. Alfredo Pinto, marcou para os doutores criminosos priso especial; o Sr. Nilo Peanha, em dias prximos, dispensou de con-curso para os logares de cnsules, os bacharis em direito. Por que ? Por que tambm os delegados so obrigatoriamente bacharis ?

    Na Contabilidade da Guerra, ha poucos annos, os encarrega-dos de fazer-lhe um novo regulamento, exigiram um concurso des-communal para provimento do Io logar da respectiva hierarchia; mas- dispensaram delle os formados pelas faculdades da Republica,, s matrias exigidas para o concurso eram quasi o dobro das que se exigem para matricula no curso de pharmacia e odontologia, que do, como os demais cursos, formados pelas faculdades da Republica.

    Sob o pretexto de Saneamento do Interior um joven sbio, o Sr., Belisario Penna, anda fazendo propaganda da creao de um Ministrio da Sade Publica. Este moo um caso typico da pre-sumpo doutorai. Elle, ou no leu a Constituio ou se a leu julga que um medalho medico, ahi qualquer, pode sobrepr-se a ella., Um ministrio to estreitamente profissional ha de querer um mi-nistro medico; e como conciliar essa restrico com a nossa lei fundamental que autorisa o presidente a nomear LIVREMENTE, os seus ministros ? A superstio do doutor, por parte do gpvo, e a presumpo delles como conseqncia, obliteram certos espritos, at faze-os chegar a essa cegueira completa. A Academia de Let-tras. onde era de esperar houvesse mais independncia espiritual, s elegeu o Sr. Oswaldo Cruz, o Sr., Miguel Couto e o Sr. Aloysio de Castro, todos muito estreitamente mdicos, ou cousa aparentada com a medicina, entre outros motivos, e que nada tinham com as let-tras, porque eram doutores. No ha a argumentar com a Academia Franceza. Delia, nos bons tempos da nobreza, j foram seus mem-bros, marquezes de quinze annos, que deviam ainda estar nas de-dinaes latinas. As tradies fidalgas e ulicas da Academia Franceza permittiram essas cousas e outras antecedentes, algumas tanto ou mais estramboticas. A nossa no tem essa herana secular; e no sufficiente que tun doutor pastiche os quinhentistas ou seis-centistas para ser homem de lettras e acadmico dellas. Mais direito tem um mo poeta. Cada macaco no seu galho.

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    Todo esse ri de manifestaes da superstio do doutor podia ser infinitamente augmentado, pois," ha muito que, a tal respeito, respigar, nas leis e regulamentos. Poderamos mostrar que o titulo universitrio, que s* pode e deve dar direito ao- exerccio de uma certa profisso est se transformando em um foial de nobreza, em-prestando ao sujeito que delle portador, capacidades' superiores aos outros e habilidades que elle no tem ou todos podem ter. As cartas de nossas faculdades esto ficando como os pergaminhos da antiga aristocracia que, nos tempos passados, permttiram os seus possuidores, sem a mnima noo de cousas navaes, serem investidos de commandos de navios e esquadras, como se dava na Hespanha, em Portugal e at na Inglaterra, como conta Macaulay.

    Os pilotos, cujos nomes foram em geral esquecidos, os humildes pilotos eram que governavam os navios; mas a gloria militar ou a pacifica das descobertas cabia aos Dons Qualquer Cousa ou a um baronnet felizardo.

    As carteiras do Banco do Brasil tm sido testemunhas de cou-sas anlogas e outros departamentos da administrao tambm.

    E' um erro prestigiar todo o entrave que se oppe ao livre jogo das foras sociaes. E' da autonomia de cada uma dellas e do seu desenvolvimento total que podemos obter, no s o seu melhor aproveitamento para beneficio commum, como seu equilibrio per-feito e efficaz.

    O que o governo e os costumes do Brasil esto fazendo, com essa superstio do doutor, cercear iniciativas, cordemnar in-telligencias innovadoras, seno obscuridade completa, desanimo e ao relaxamento.

    S os ricos podem formar-se e ns j sabemos como, em geral, elles se formam. Os pobres que procuram logares subalternos, logo na adolescncia e so diligentes e capazes, adquirem, por isso mesmo, nas suas especialidades um tirocinio maior e uma pratica mais esti-mavel para os officios do que o duvidoso saber da maioria dos me-docres que saem das nossas escolas. A lei e os regulamentos no deviam impedir que aquelles fossem recompensados, conforme o m-rito revelado, com lugares de certa importncia no finj da vida-

    * Na Estrada de Ferro Central era assim at bem pouco tempo. Os sub-inspetores do movimento e dos telegraphos, eram escolhidos entre os antigos telegraphisjas e chefes de trem; mas veiu a Repu-blica e a avidez dos doutores do Largo de S. Francisco tomou os lugares para elles. Ha republicas aristocrticas.

    A alliana do doutor com a burguezia, que se faz em geral pelo casamento, d ao formado toda a fora que, nos nossos tempos, o dinheiro tem, e a sua simulao intellectual e de saber, acabando em superstio na massa, d por sua vez, o prestigio que a intelligencia sempre teve, tem e ter, sem lhe dictar mais amor ao estudo, mais honestidade mental, mas abnegao profissional e critrio no cum-primento do dever. So mos pastores... Em geral, elle perde a pou-ca curiosidade intellectual que tinha na Escola, esquece as poucas noes que recebeu, atem-se a formular, a gastas receitas e fica um fausto silencioso e solemne, defendendo a sua inopia cerebral,

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    a sua ignorncia com a superstio pelo" titulo que todos tm, prin-cipalmente as moas, de todas as condies, nas, em muitas das quaes, sabe Deus! com que amargura, ellas se vm desfazer, quando conhecem intimamente o doutor que marido dellas. Estas que so as mais francas quando falam dellas, pois, o manipanso se lhes mostra completamente o que era: um toco de pau riem duro.

    Essa abuzo doutorai, alm de impedir a innovao, pondo todas as intelligencias num mesmo molde, installando nellas precon-ceitos intellectuaes obsoletas; alm de tudo isso, com o nosso,ensiuo superior, feito em pontos manuscriptos ou impressos, em cadernos e outros bagaos, muito exprimido, das disciplinas do curso, sem professores attentos ao progresso do saber professado por elles e, por elles encarado no dia que recebem o decreto de nomeao causa toda a nossa estagnao intellectual, desalenta os mais ani-mosos, no d vontade s intelligencias livres para o esforo men-tal e vamos assim ficando como os chinezes, parados intellectual-mente mas sempre cheios de admirao pelos grotescos exames de Canto.

    0 Sr. Tobias Monteiro, m uma interessante brochura "Funccionarios o Doutores", aconselhou nossa mocidade a procu-rar outros caminhos, entre os quaes, apontou o da lavoura. O il-lustre publicista, como em geral todos os nossos publicistas, jorna-listas, romancistas, e t c , no quiz descer a detalhes de dinheiro. Nos nossos dias, so os mais importantes. Qual a mocidade que o Sr., T . M. quer que se dedique lavoura ? A rica ?

    Esta no tola de abandonar o trilho batido que lhe d todos os privilgios, lhe disfara a misria mental, e lhe abre todas as portas, para se metter no matto e exercer uma profisso que, para ser remuneradora, exige trabalho, actividade, pratica, seno saber.

    Pois se um vulgar bacharelete, mais ou menos rico de si, porm muito mais rico, por ser casado com a filha de um judeu milionrio, pode, apezar de completamente desconhecido, fazer-se deputado, cqmprando votos a trinta mil ris cabea e com vales de jantar, por que havia elle de deixar de ser bacharel para estar testa de uma plantao de arroz, em lugar ermo, sem Lyrico, Mu-nicipal e ssias de celebridades europas do palco e outros lugares, ssias destinadas unicamente America do Sul ? Era engra-ado. . .

    Seria mocidade pobre, que o Sr. T . M. queria se referir ? Pense bem o illustre jornalista: um moo pobre, verdadeiramente pobre, consegue uma carta de agrnomo, onde elle ir arranjar di-nheiro para comprar terras em que exera a sua agronomia ? Em parte alguma. Tem que procurar emprego, no ? O particular, o fazendeiro no lhe d porque no acredita nessa nova espcie de doutor. Onde, ento ? O remdio cavar com o Pereira Lima um emprego.. .

    De resto, os pobres devem, seja como fr, empregando mesmo os mais desesperados recursos, concorrer com os burguezes no dou-torado. Seria uma calamidade que esses annelados ficassem S constando de gente como o Sr. Aloysio de Castro, uma auspiciosa

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    reincarnao d Mestre Garcia de Orta, physico d'El-Rei ou como - Sr. Hlio Lobo, vulgo "secretario da presidncia" ou "paga-ajudas de custo". E' preciso que os pobres fam-se doutores para contrabalanar a influencia nefasata dos burguezetes felizes e pre-cocemente guindados a alturas em que se no dispensa a idade, mesmo quando se trata de gnios; mas que elles conseguem com disfarces, peloticas e mais habilidades de feira.

    1 Para terminar, observo ainda que tal a fascinao pelo titulo, a superstio que se tem por elle, que, uma revista desta cidade "Kodak", de 3 de Agosto do anno passado, chegou ao displante de pr em baixo do retrato de uma senhora, a seguinte e expressiva legenda: Mme. DR. V. R. J se viu cousa igual ?

    Alm desse facto curioso e denunciador do nosso estado de es-pirito em relao ao doutor, temos ainda que o Sr. Pereira Lima, doutor no sei em qu, Presidente da Associao Commercial; e os mercados^ do Rio de Janeiro elegeram como seu representante na Cmara dos Deputados, o dr. Sampaio Corra, que, alis, um homem de verdadeiro talento.

    Depois disto tudo, querer ainda o Sr. Tobias Monteiro mandar os moos pobres para a lavoura e para o commercio ? O remdio outro, Sr. Tobias; e s se poder applicaLo quando a occasio propicia surgir. No tardar muito.

    "Expuz, talvez, mal, os motivos da minha birra; mas no me despeo sem prometter que hei de continuar a campanha emquanto tiver um pingo de vida.

    Maio, 1918.

  • So Paulo e os estrangeiros Quando, em 1889, o Sr. marechal Deodoro proclamou a Repu^

    blica, eu era menino de oito, annos. lEmbora fosse tenra a edade em que estava, dessa poca e de al-

    gumas anteriores eu tinha algumas recordaes. Das festas por oc-casio da passagem da lei de 13 de maio ainda tenho vivas recorda-es; mas da tal historia da proclamao da Republica s me lembro que as patrulhas andavam, nas ruas, armadas de carabinas e meu pai foi, alguns djas depois, demittido do logar que tinha.

    E e so. Si alguma cousa eu posso accrescentar a essas reminiscenias

    de que a physionomia da cidade era de estupor e de temor. Nascendo, como nasceu, dm esse aspecto de terror, de vio-t

    lertcia, ella vae aos poucos accentuando as feies que j trazia no bero. *

    No quero falar aqui de levantes, de revoltas, de motins, que so, de todas as coisas violentas da politica, em geral, as mais in-nocentes talvez.,

    Ha uma outra violncia que constante, seguida, tenaz e no espasmodica e passageira como as das rebellies de que falei.

    Refiro-me aco dos plutocratais, da sua influencia seguida, constante, diurna e nocturna, sobre as leis e sobre os governantes, em prol do seu insacivel enriquecimento.

    A Republica, mais do que o antigo regimen, accentuou esse po-der do dinheiro, sem reio moral de espcie alguma; e nunca os ar-gentarios do Brasil se fingiram mais religiosos do que agora e ti-veram da egreja mais apoio.

    Em outras pocas, no tempo do nosso imprio regalista, sce-ptico e voltereano, os ricos, mesmo quando senhores de escravos, ti-nham, em geral, a concepo de que o poder do dinheiro no era illimitado e o escrpulo de conscincia de que, para augmentar as suas fortunas, se devia fazer uma escolha dos meios.

    Mas veiu a Republica e o ascendente nella da politica de So Paulo fez apagar-se toda essa. fraca disciplina moral, esse freio na conscincia dos que possuem fortuna. Todos os meios ficaram sen-do bons para se chegar a ella e augmental-a desmarcadamente.

    Protegidos, devido a circumstancias que me escapam, por uma alta fabulosa no preo da arroba de caf, de que, aps a Republica,

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    os ricaos da Paulica se fizeram os principaes productores, pude-ram elles melhorar os seus servios pblicos e ostentar, durante al-gum tempo, uma magnificncia que parecia fortemente estabele-cida.

    Seguros de que essa gruta alibabesca do caf a quarenta mil reis a arroba no tinha conta em thesouros, trataram de attrair para as suas lavouras immigrantes, espalhando nos paizes de emigrao fo-lhetos de propaganda em oue o clima do Estado, a facilidade de ar-ranjar fortuna nelle, as garantias legaies tudo, emfim. era excel-lente e excepcional.

    A esperana forte nos governos, quer aqui, quer na Itlia ou na Hespanha; e desses dois ltimos paizes, em chusma, accorre-ram famlias inteiras e milhares de indivduos isolados, em busca da abastana, que os homens do Estado diziam ser fcil de obter.

    A gente que o vem dominando ha cerca de trinta annos ecthia-se de contentamento e at estabeleceu a excluso, da sua-policia de gente com sangue negro nas veias.

    A produco do caf, porm, foi transpondo o limite do consu-mo universal e a descer de preo, portanto; e os dogs do Tiet comearam a encher-se de susto e a inventar palliativos e remdios de feitiaria, para evitar a depreciao.

    Um dos primeiros lembrados foi a prohibio do plantio de mais um p de caf que fosse.

    Esta sbia disposio legislativa tinha antecedentes em certos alvars ou cartas regias do tempo da colnia, nos quaes se prohibiam certas culturas que fizessem concorrncia s especiarias da ndia, e tambm o estabelecimento de fabricas de tecidos de l e mesmo de officinas de artefactos de ouro para no tirar a freguezia dos do reino.

    Que progresso administrativo ! Os palliativos, porm no deram em nada e um judeu allemo

    ou americano inventou a tal .historia da valorisao com que a gente de S. Paulo taxou mais fortemente os agricultores e favoreceu os grandes e poderosos, nas suas especulaes.

    A situao interna principiou a ser horrvel, a vida cara, em-quanto os salrios eram mais ou menos os mesmos anteriores O descontentamento se fez e os pobres comearam a ver que, emquanto elles ficavam mais pobres, os ricos ficavam mais ricos.

    Os governantes do Estado, que influiam quasi soberanamente nas decises da Unio, deixaram de fazer a tal propaganda do Esta-do no estrangeiro, mas augmentaram a policia, para a qual adquiriram instructores e mortferas metralhadoras e deram em excommungar estrangeiros a que chamam de anarchistas, de inimigos da ordem social, esquecidos de que andavam antes, a proclamar que a elegncia da sua capita), os seus lambrequins, as suas fanfreluches eram devi-das a elles, sobretudo aos italianos. A influencia dos estrangeiros, diziam, fez de S. Paulo a nica coisa decente do Brasil. E todos a acceitaram porque os dominadores de S. Paulo sempre se esfora-ram por esconder as dilapidaes ou coisas parecidas, convencendo

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    os seus patrcios de que o Estado, a sua capital, sobretudo, era coisa nunca vista.

    No havia um casaro burguez com umas columnas ou uns vitraes baratos, que elles logo no proclamassem aquillo, o castello de Chenonceaux ou o palcio dos Doges.

    Tudo o que havia em S. Paulo no havia em parte alguma do Brasil. A sua capital era uma cidade europa e a capital artstica do paiz.

    Entretanto, a antiga provincia no dava, a no ser o Sr. Ra-mos de Azevedo, um grande nome ao paiz em qualquer departa-mento de arte.

    No contentes de prodfcmar isto dentro do Estado, comearam a subvencionar jornaes e escriptores de todo o paiz para espalha-rem to pretenciosas affirmaes, que o povo do Estado recebia como artigos de f a fazer respeitar o "trust" poltico que o explo-rava ignobilmente. "Vanitas vanitatum"...

    Seguros de que a opinio os apoiava, porque tinham feito o Estado o primeiro do Brasil, os polticos profissionaes de S. Paulo trataram de abafar as criticas dos estrangeiros descontentes ou com opinies avanadas, a todos, emfim, que no se deixavam embair com a tal historia da capital artstica e cidade europa.

    Os estrangeiros, agora, j no serviam e elles queriam livrar-se do incommodo que os forasteiros lhes davam criticando-lhes os actos, a sua cupidez, % esquecimento dos seus deveres de governantes^ para s protegerem os ricaos, os monopolistas, que eram tambm estrangeiros, mas no no ponto de vista do governo estadpal, que s julga assim aquelles que no partilham a opinio de que elle o mais sbio do mundo e affirmam que, em vez de estar fazendo a fe-licidade geral, est concorrendo para .enriquecer os seus filhos, seus genros, seus primos, seus netos e afilhados e os plutocratas vidos.

    Trataram logo de se armar de leis que fizessem abafar os seus gemidos ;> uma dellas a celebre de~ exportao que no se x:oaduna com o espirito da nossa Constituio; que inconseqente com a propaganda feita por ns para attrair estrangeiros, que po-dem e-devem fiscalisar as nossas coisas, pois ns os chamamos e elles suam por ahi. -, Sem mais querer dizer, podemos af firmar que todo o nosso mal estar actual, todo o cynismo dos especulado/es com a guerra, inclu-

    . sivel Z Bezerra e Pereira Lima, vm desse, malfico espirito de cupidez de riqueza com que S. Paulo infeccinou o Brasil, tacita-mente admittindo no se dever respeitai qualquer escrpulo, fosse dessa ou daquella ordem, para obtel-as, nem mesmo o de levar em conta o esforo, a dignidade^e o trabalho dos immigrantes, os quaes s lhe servem quando curvam a cerviz sua deshumana ambio chrematistica.

    1-917.

  • Casos de bovarysmo . . . Un grand oiseau aa plumage rose, ptanant dans le esplehdur des cieis poetiques...

    Gaultier Le Bovarysme.

    Notou Jules Gaultier, um moderno philosopho francez, que Flau-bert sellara quasi todos os personagens dos seus romances com a marca genial de um s modo de-ver.

    E' caso que uma espcie de Mal do Pensamento, mal de ter conhecido a imagem das sensaes e a dos sentimentos antes das sensaes e dos sentimentos, como j dissera P . Tiourget, anima e perturba as almas de Frederic Moreau, de Regimbard, Homais, Ar-noux e sobretudo, de Mme. Bovary, em quem essa sorte de embria-guez absorveu-a de tal modo que conduziu sua vida para o trgico.

    E' intil lembrar a heroina de Flaubert. Toda a gente a co-nhece. Emma Bovary, pequena burgueza, educada num estabeleci-mento aristocrtico, casada com um estpido medico, ou cousa que o valha, faz de si um retrato de grande dama, talhada para altas ca-vallaras e satisfaes, desenvolvendo para se approximar de uma tal imagem todo o vigor de sua natureza violenta. O reflexo dessa imagem sobre a sua conscincia faz que ella deforme toda a rea-lidade, creando dentro de si um principio de ihsaciabilidade, de ruptura que impede sempre o equilbrio com o mundo externo. Sua vida assim constantemente perturbada. A realidade no a-sa-tisfaz., Mal casada com o medocre Charles, desgosta-se, despreza-o, abomina-o. Sonha amantes. Retrata-os carinhosamente na sua imaginao; idalisa-os supprimindo inconscientemente os perigos do adultrio. Desvia-se da calma conjugai e estonteamehto que o so-nho de irregularidade leva sua alma, arrasta-a a falsificar a firma de seu marido, que, descoberto a impelle ao suicdio.

    Devido fora com que a pobre Emma escravisou-se ao mal, pela alta dose de que delle ella era dotada, pareceu ao philosopho que Mme. Bovary, mais do que nenhum outro personagem de Flau-bert, symbolisava essa funco original de nossa alma, dahi bova-rysmo, como elle a chamou.

    E' um caso agudo; outros ha, porm, em que o indivduo at-tingido delle para se approximar da imagem creada, emprega meios

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    pueris, minsculos em comparao com o fim proposto. Na "?d u c a"j< o Sentimental", do mestre, que temos o taciturno Regimbara; que, no fito de justificar a -sua preteno a entender de artilharia, se vestia no alfaiate de certa Escola Militar.

    No "Bouvard te Pcuchet", a viso toma outra feio. J no mais uma questo de orgulho pessoal, de preteno ou vai-dade ; nenhum baixo movei anima os dous bonanches, mas o que se revela nelles a desproporo entre o trabalho legado pela intelli-gencia das.geraes passadas e o fraco poder intellectual d indiv-duo para apprehendel-o rapidamente. E ' a grandiosa imagem da Sciencia, da Littratura, que perturba a conscincia delles: e, como bem nota Gaultier: un comique superier se degage au contraste ma-nifeste entre Ia fauvret du fantoche et Ia grandenr complexe d'ideal qu'il a entrevu et qu'il voudrait atteindre.

    Num vo de metaphysica, o philosopho se distancia, analysando luz do modo de vr flaubertiano, concepes, idas, e chega a mostrar no s o bovarysmo como essencial humanidade, neces-srio at e explicando a ida de evoluo e sendo sua causa, como tambm constituindo um creador do real.

    E ' um livro luxuriamente, rico de apercebimentos novos e que tem sobretudo o mrito, como adverte o seu autor, de no visar in-stituir qualquer reforma, propondo-se somente: mettrc entre les mains de quelques-uns un appareil Voptique mental, une lorgnette de spetacle qui permette de s'intresser ou jeudu phnomne hu-main par Ia connaissance de quelque-unes des .rgles qu'il 1'ordon-nent.

    Armado, pois, desse binculo de theatro que pde definir como o poder que dado ao homem de se conceber outro que elle no , e de encaminhar para esse outro, todas as energias de que capaz vamos experimentar no vulgar de dia a dia a Jora de suas lentes.

    Andava eu com um meu amigo a visitar'uma casa de loucos. * Queres vr um que curioso ? disse-me. ff Quero, respondi-lhe.

    E ' o Fernandes. Um bondoso official de pharmacia que as leituras enlouqueceram.

    Chegmos. Fernandes, pergunta-lhe o interno, meu amigo, como vae

    teu livro ? Sim ! (dirigia-se agora a mim) porque aqui o Sr. Fernandes tem um grande livro.

    A obra immortal da verdade. Como vae ? perguntei eu ? Vocs so pequenos, mesquinhos para me comprehender

    eu, disse o doente, bebo o leite de Minerva na taa da philosophia. E, quando de volta de novo passmos por elle, eu lhe indaimi

    de sopeto: KCI No verdade que 7 x 8 so 64 ? No, senhor, so 54. Eis como estava o leite de Minerva j estragado: a taloada falhava no Fernandes. tauoada ^

    . . ? r a , u m , o u c o ' P r i s s o n o me animo a classificai-o comn a , tingido do bovarysmo. n o a t "

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    E' no trem, trem de subrbios; vem cheio. Entra o recebedor pela porta da frente. No segundo ou terceiro banco, algum diz:

    Sou delegado, tenho passe. O conductor afastou-se. Continua o auxiliar a receber os bilhe-

    tes de passagens pacientemente. Quasi ao chegar portinhola do vago, espera que um retardaiario lhe mostre o seu. Eil-o que olha o pequeno papel: um ministro de Estado que o apresenta ordina-riamente ,,

    Ao olhar de quem no estiver armado do binculo bovary, no se apresentaro os dous actos como idnticos. Ambos so, entre-tanto, idnticos; partem do mesmo facto que os dous; o commum de-legado e o poderoso ministro se concebem outros que no so.

    O delegado acredita-se participando de Jpiter Tonante, tem algo de omnipotente. Quando olha a rua povoada de gente que se cruza da direita para a esquerda, de l para c, diz de si para si:

    Se andam soltos, porque eu quero, seno... Ao ministro, j a imagem do poder no perturba'. Cr-se outr

    Colbert,. Richelieu, Marquez de Pombal ou, no minimo, Cotegpe, Saraiva, Dantas, Zacharias, Ouro-Preto, ou outro qualquer dos nos-sos: ,de*modo que p'ra isso deve estar attento com a immortalidade, ficar certo de que esta vae lhe registrar os actos, os gestos, as phrases... Como os dous se enganam, meu Deus ! /

    E' puro bovarysmo! Foi meu collega um rapaz razoavelmente intelligente que a

    sympathia de um governador guindou a uma alta posio num Es-tado dos nossos. Ha mezes, eu o vi aqui pelas ruas, a andar solemne-mente de sobrecasaca, passando por mim a estourar como um peru' em roda, espreitando as sentinellas como quem espera brados de ar-mas. Foi o bovarysmo... Como ? Concebendo-se outro, muito gran-de, extraordinrio, o pobre moo deformou a realidade: o-que elle deveu pura e simples affeio de um governador que o esperava para genro, attribuiu elle a seu mrito.

    O meu amigo H., velho funccionark) publico, com tentos e tantos annos de servio, sem uma licena, est atjtingido de bova-rysmo. Aquelle contacto dirio com a premia, com o papel e rmteira; o constante elogio dos directores pela sua calligraphia, pelos seus offtcios, despertaram-lhe n'alma uma curiosa imagem. Acreditou-se escriptor, litterato; e o humilde escriba para quem o talhe da lettra era a nica preoccupao, poz-se febrilmente a escrever versos, ro-mances, contos e, ha dias coitado ! veio me dizer:

    Voc sabe ? tenho uma grande obra .^ Qual ? A Comedia do P ? ? E' melhor do que a Divina Comedia e um pouco superior ao.

    D. Quixote. Relatou-me um conhecido que muito se dera com o philantropo

    Z, um facto revelador do bovarysmo. Z, com o seu talento e a sua philantropia, ganhara uma for-

    tuna. O que lhe valera dar grande expanso ao seu amor ao luxo

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    e s satisfaes de uma natureza exigente. No havia quem como elle amasse as roupas bem cortadas, os sapatos caros, a roupa bran-ca fina. O seu amor mesa, s iguarias era uma paixo. Parecia que Z verificava o aphorismo de Brillat-Savarin: os animaes nu-trem-se; o homem come; s o homem de espirito sabe comer.

    Entretanto, Z com essa natureza exigente sonhava o martyrio social. Batia-se pelas reformas, idealisava perseguies, creava pha-lansterios. Em rodas de amigos s falava no grande problema, na questo mxima; no soffrimento das classes pobres; e, pela sobre-mesa, contaram-me depois de farto jantar em viandas e vinhos, roia um pedao de po velho para, af firmava, nunca se esquecer dos que passam e curtem fome.

    Mais casos poderia citar; mas bom parar, visto ter muita ra-zo o suave Remy de Gourmont, com o assegurar que a philoso-phia se dirige a cada um de ns em particular.

    Bacon e Descartes, Spencer ou Schopenshauer, narram, como Shakespeare ou Racine as aventuras de um heroe e de um prncipe que somos ns mesmos e est nossa mysteriosa alma de homens; e que no ha uma pagina de seus livros em que o leitor no pare para levantar a cabea e reflectir sobre o seu destino, com os olhos vagos e o corao perturbado.

    Paremos. 1904.

  • Tenljo esperana que... Certas manhs, quando deso de bonde para o centro da cidade,

    naquellas manhs em que, no dizer do poeta, um archanjo se le-vanta de dentro de ns quando deso do subrbio em que resido ha quinze annos, vou vendo pelo longo caminho de mais de dez kilometros, as escolas publicas povoadas.

    Em algumas, ainda surprehendo as crianas entrando e se es-palhando pelos jardins espera do comeo das aulas, em outras, po-rm, ellas j esto aibancadas e debruadas sobre aquelles livros que meus olhos no mais folhearo, nem mesmo para seguir as li-es de meus filhos*. Braz Cubas no transmittiu a nenhuma crea-tura o legado da nossa misria; eu, porm, a transmittiria de bom grado.

    Vendo todo o dia, ou quasi, esse espectaculo curioso e sugges-tivo da vida da cidade, "sempre me hei de lembrar da quantidade das meninas que, annualmente, disputam a entrada na Escola Normal, desta cidade; e eu, que estou sempre disposto a troar as pretenes feministas, fico interessado em achar no meu espirito uma soluo que satisfizesse o afan do milheiro dessas candidatas a tal matri-cula, procurando com isso aprender para ensinar, o.que ? O curso primrio, as primeiras letras a meninas e meninoa pobres, no que vo gastar a sua mocidade, a sua sade e fanar a sua belleza. Dolorosa coisa para uma moa...

    A obscuridade da misso e a abnegaro que ella exige, carcam essas moas de um halo de herosmo, de grandeza, de virtudes que me faz naquellas manhas em que sinto o archanjo dentro da minha alma, cobrir todas ellas da mais viva e extremada sympathia. Eu me lembro tambm da minha primeira dcada de vida, de meu pri-meiro collegio publico municipal, na rua do Rezende, das suas duas salas de aula, daquellas grandes e pesadas carteiras do tempo e, sobretudo, da minha professora D. Thereza do Amara] de quem, talvez se a desgraa, um dia, enfraquecer-me a memria no me esquea de todo.

    De todos os professores que eu tive, houve cinco que me impres-sionaram muito; mas delia que guardo mais forte impresso.

    O doutor (assim o tratvamos) Fructuoso da Costa, um del-les, era um preto mineiro, que estudara para padre e no chegara a ordenar-se. Tudo nelle era desgosto, amargor; e, s vezes, deixava-

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    rnos de analysar a "Seleco", para ouvirmos de sua feia bocca his-torias polvilhadas dos mais atrozes sarcasmos. Os seus olhos intel-ligentes luziam debaixo do pince-nez e o seu sorriso de remate mos-trava os seus dentes de marfim de um modo que no me atrevo a qualificar. O seu enterro saiu de uma quasi estalagem.

    Um outro foi o Sr. Francisco Vartta, homem de muito mrito e intelligente, que me ensinou Historia Geral e do Brasil. Tenh uma noticia de policia que cortei de um velho "Jornal do Commer-cio" de 1878. Desenvolvida com a habilidade e o "savoir-faire^.da-quelles tempos, contava como foi preso um sujeito por trazer cm-sigo quatro canivetes. "Explorava-a", como diz hoje nos jornaes, criteriosamente o redaotor dizendo que "ordinariamente basta que um homem traga comsigo uma nica arma qualquer para que a po-licia ache logo que deve chamal-o a contas". Isto era naquelle tem-po e na Corte, pois o professor Chico Varella usava impunemente nao sei quantos canivetes, quantos punhaes, revolvers; e um dia appareceu-nos com uma carabina. Era no tempo da Revolta. Ga-bava-se, no que tinha muita razo, de ser parente de Fagun-des Varella; mas sempre citava a famosa metaphora de Castro Al-ves, como sendo das mais bellas que conhecia; "Qual Prometteu tu me amarraste um d ia . . . "

    Era um belle homem e, se elle ler isto, no me leve a maL Re-cordaes de menino...

    Foi elle quem me narrou a lenda dos comeos da guerra de Tria, que, como sei hoje, da autoria de um tal Stasinos de Chy-pre. Parece que fragmento de um poema deste, conservado no sei em que outro livro antigo. O filho do rei de Tria, Paris, foi cha-mado a julgar uma contenda entre deusas, Venus, Minerva e Juno.

    Houvera um banquete no Co e a Discrdia, que no havia sido convidada, para vingar-se, atirou um pomo de ouro, com a inseri-po A' mais bea. Paris, chamado a julgar quem merecia o prmio, entre as trs, hesitou. Minerva promettia-lhe a sabedoria e a coragem; Juno, o poder real e Venus... a mulher mais bella do mundo.

    Ahi, elle no teve duvidas: deu "O Pomo" Venus. Encon-trou-se com Helena, que era mulher do rei Menelo, fugiu com ella; e a promessa de Aphrodite foi cumprida. Menelo no quiz acceitar esse rapto e declarou guerra com uma poro de outros ris Tria. Essa historia da tnythologia; pois hoje me parece do cathecismo. Naquelles dias, ella me encantou e fui da opinio do troyano; actuamente, porm, no sei como julgaria, mas certo no desencadearia uma guerra por to pouca cousa.

    Varella contava tudo isto com uma eloqncia cheia d* A , , siasmo, de transbordante paixo; e, ao me lembrar delle I . " ro-o sempre com o Dr. Ortiz Monteiro, que foi meu lent* mp*~ cakno, methodico, no perdendo nunca um minuto oara ns ^"f6 romper a exposio de sua geometria descriptiva. A sua 1 L " v dade e o seu amor em ensinar a sua disciplina faziam-no um? pao no nosso meio, onde os professores cuidam pouco n a s ^ ! deras, para se oecuparem de todo outro qualquer af fazer

    exce-ca-

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    De todos eu queria tambm falar do Sr. Otto de Alencar, mas que posso eu dizer da sua cultura geral e profunda, da natureza to differente da sua intelligencia da nossa iritelligencia, em geral? Elle tinha alguma cousa daquelles grandes geometras francezes que vm de Descartes, passam por d'Alembert e Condorcet, chegam at nos-sos dias em Bertrand e Poincar. Podia tocar em tudo e tudo rece-beria a marca indelvel do seu gnio. Entre ns, ha muitos que sa-bem; mas' no so sbios.Otto, sem eiva de pedantismo ou de suffi-ciencia presumida, era um gnio universal, em cuja intelligencia a total representao scientifica do mundo tinha lhe dado, no s a accelerada anci de mais saber, mas tambm a certeza*de que nunca conseguiremos sobrepor ao universo as leis que suppomos eternas e infalliveis. A nossa sciencia no nem mesmo uma appro-ximao; uma representao do Universo peculiar a ns e que, tal-vez, no sirva para as formigas ou gafanhotos. Ella no uma deusa que possa gerar inquisidores de escalpello e microscpio, pois devemos sejnpre julgal-a com a cartesiana duvida permanente. No podemos opprimir em seu nome.

    Foi o homem mais intelligente que conheci e o mais honesto de intelligencia.

    Mas, de todos, de quem mais me lembro, da minha profes-sora primaria, no direi do A. B. C, porque o aprendi em casa, com minha me, que me morreu aos sete annos.

    E' com essas recordaes em torno das quaes esvoaam tantos* sonhos mortos e tantas esperanas

  • 26 ensino do Districto. Elle julga, porm, que s so os homens que necessitam delle; e mesmo aos rapazes, elle o faz com estabelecim tos fechados, pata onde se entra custa de muitos empennos;...

    A despesa que elle tem, com os Gymnasios e o Collegio Militar bem empregada daria para maior numero de externatos, de Lyceus. Alm de um internato no Collegio Militar do Rio, tem outro em Bar-bacena, outra em Porto Alegre, e no sei se projectam mais al-guns por ahi.

    Onde elle no tem obrigao de ministrar o ensino secundrio, ministra; mas aqui, onde elle obrigado, constitucionalmente, deixa milhares de moas a impetrar a benevolncia do governo muni-cipal.

    A municipalidade do Rio de Janeiro que rende cerca de 40 mil contos ou mais, podia ter ha muito tempo resolvido esse caso; mas a politica que domina a nossa edilidate no aquella que Bossuet definiu. A nossa tem por fim fazer a vida incommod e os povos infelizes;, e os seus partidos tm por programma um nico: no fazer nada de til.

    Deante desse espectaculo de mil e tantas meninas que querem aprender alguma cousa, batem porta da Municipalidade e ella as repelle em massa, admiro que os senhores que entendem de instru-co publica, no digam alguma cousa a respeito.

    ^ E creio que no facto insignificante; e, por mais que fosse e capaz de causar prazer ou dr mais humilde creatura no seria demasiado insignificante para nto merecer a atteno do philosopho. Creio ser de Bacon essa observao.

    O remdio que julgo to simples, pde no sel-o; mas, espero despertar a atteno dos entendidos e sero elles capazes de achar um bem melhor. Ficarei muito contente e tenho esperana que tal se d.

    3518.

  • O caso do mendigo

    Os jornaes annunciaram, entre indignados e jocosos, que um mendigo, presa pela policia, possua em seu poder valores que mon-tavam respeitvel quantia de seis contos e pouco.

    Ouvi mesmo commentarios cheios de raiva a tal respeito. O rneu amigo X, que o homem mais esmoler desta terra, decla- rou-me mesmo que no d mais esmola. E no foi s elle a indi-gnar-se. Em casa de familia de minhas relaes, a dona da casa, senhora compassiva e boa, levou a tal ponto a sua indignao, que propunha se confiscasse o dinheiro ao cego que o a juntou.

    No sei bem o que fez *a. policia com o cego. Creio que fez o que o Cdigo e as leis mandam; e, como sei pouco das leis e dos cdigos, no estou certo se elle praticou o alvitre lembrado pela dona da casa de que j falei.

    O negocio fez-me pensar e, por pensar, que cheguei a con-cluses diametralmente oppostas opino geral.

    O mendigo no merece censuras, no deve ser perseguido, por-que tem todas as justificativas a seu favor. No ha razo para indignao, nem tampouco para perseguio legal ao pobre ho-mem.

    . Tem elle, em face dos costumes, direito ou no a esmolar ? Vejam bem que eu no falo em leis; falo ds costumes. No ha quem no diga: sim. Embora a esmola tenha inimigos, e dos mais conspicuos, entre os quaes, creio, est Mr. Bergeret, ella ainda continua a ser o nico meio de manifestao da nossa bondade em ace da misria dos outros. Os sculos a consagraram; e, penso, dada a nossa defeituosa organizao social, ella tem grandes justi-ficativas. Mas no bem disso que eu quero falar. A minha que-sto que, em face dos costumes, o homem tinha direito de esmo-lar. Isto est fora de duvida.

    Naturalmente elle j o fazia ha muito tempo, e aquella respei-tvel quantia de seis contos talvez represente economias de dez ou vinte annos.

    Ha, pois, ainda esta condio a attender: o tempo em que aquelle dinheiro foi junto. Se foi assim num prazo longo, suppo-

    -nhamos dez annos, a coisa assim de assustar ? No . Vamos adiante.

    Quem seria esse cego antes de ser mendigo ? Certamente um

  • 28

    operrio, um homem humilde, vivendo de pequenos v e . . tQ8 an_ tendo s vezes falta de trabalho; portanto, pelos seus i ^ ^ _ teriores de vida e mesmo pelos meios de que se serv p ^ nhal-a, estava habituado a economizar. E' fcil de ve ^

    Q$ ^ Os operrios nem sempre tm servio constante. A n a contam grandes fabricas do Estado ou de particulares, os outros que, mais dias, menos dias, estaro, sem trabalhar, portanto sem di-nheiro; dahi lhes vem a necessidade de economizar, para attender a essas pocas de crise.

    Devia ser assim o tal cego, antes de o ser. Cegando, foi esmo-lar . No primeiro dia,- com a falta de pratica, o rendimento no foi grande; mas foi o sufficiente para pagar um caldo no primeiro rge que encontrou, e uma esteira na mais srdida das hospeda-rias da rua da Misericrdia. Esse primeiro dia teve outros iguaes e seguidos; e o homem se habituou a comer com duzentos ris e a dormir com, quatrocentos, temos, pois, o oramento do mendi-g o feito: seiscentos ris (casa e comida) e, talvez, cem ris de caf; so, portanto, setecentos ris por. dia.

    Roupa, certamente, no comprava: davam-lh'. E' bem de crer que assim fosse, porque bem_ sabemos de que maneira prdi-ga ns nos desfazemos dos velhos*ternos.

    Estar portanto, o mendigo fixadjo ria despeza de setecentos ris por dia. Nem mais, nem menos; o que-elle gastava. Certa-mente no fumava e muito menos bebia, porque as exigncias do" officio haviam de afastal-o da "canninha". Quem d esmola a um pobre cheirando a cachaa ? Ningum.

    - Habituado a esse oramento, o homenzinho foi se aperfeioan-do no officio. Aprendeu a pedir mais dramaticamente, a aflau-tar melhor a voz; arranjou um cachorrinho, e o seu suocesso na profisso veiu.

    J de ha muito que ganhava mais do que precisava. Os ni-ckeis cahiam, e o que elle havia de fazer delles ? Dar aos outros ? Se elle era pobre, como o podia fazer ? Pr fora ? No; dinheiro no se pe fora. No pedir mais ? Ahi interveiu uma outra con-siderao. -t

    Estando habituado previdncia e economia, o mendigo pen-sou l comsigo: ha dias que vem muito; ha dias que vem pouco, sendo assim; vou pedindo sempre, porque, pelos dias de muito, tiro os dias de nada. Guardou. Massa quantia augmentava. No co-meo eram s vinte mi! ris; mas, em seguida foram quarenta cincoenta, cem. E isto em notas, frgeis papeis, capazes de s deteriorarem, de perderem o valor ao sabor de uma ordem admini-strativa, de que talvez no tivesse noticia, pois, era cego e no !ia, portanto. Que fazer, em tal emergncia, daquellas notas > Trocar em ouro? Pesava e o tilintar especial dos soberanos tal vez attraisse malfeitores, ladres. S havia um caminho- tra cafiar o dinheiro no banco. Foi o que elle fez. Esto ahi um ceim de juizo e um mendigo rico. __

    Feito o primeiro deposito, seguiram-se a este outros-poucos, como habito segunda natureza, elle foi encarando a men-

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    dicidade no mais como um humilhante imposto voluntrio, taxa-do pelos miserveis aos ricos e remediados; mas como uma profis-so lucrativa, licita e nada vergonhosa.

    Continuou com o seu cozinho, com a sua voz aflautada, com o seu ar dorido a pedir pelas avenidas, pelas ruas commerciaes, pelas casas de famlias, um nickel para um pobre cego. J no era mais pobre; o habito e os preceitos da profisso no lhe per-mittiam que pedisse uma esmola para um cego rico.

    O processo por que elle chegou a ajuntar a modesta fortuna de que falam os jornaes, to natural, to simples, que, julgo eu, no ha razo alguma para essa indignao das almas generosa*.

    Se ainda continuasse a ser operrio, ns ficaramos indigna-dos se-elle tivesse juntado o mesmo peclio? No. Por-que ento ficamos agora ?

    ^ E' porque elle mendigo, diro. Mas um engano. Ningum mais que um mendigo tem necessidade de previdncia. A esmola no certa est na dependncia da generosidade dos homens, do seu estado moral psyhologico. Ha uns que s do esmolas quando esto tristes, ha outros que s do quando esto alegres e assini por diante. Ora, quem tem de obter meios de renda de fonte to incerta, deve ou no ser previdente e econmico ?

    No julguem que fao apologia da mendicidade. No^ s n fao como no a detracto.

    Ha occasies na vida que a gente pouco tem a escolher; s ve-zes mesmo nada tem a escolher, pois ha um nico caminho. E' o caso do cego. Que que elle havia de fazer? Guardar. Positi-vamente, elle procedeu bem, perfeitamente de accordo com os pre-ceitos sociaes, com as regras da moralidade mais comezinha e attendeu s sentenas do "Bom Homem Ricardo", do fallecido Benjamin Franklin.

    As pessoas que se indignaram com o estado prospero da forj tuna do cego, penso que no reflctiram bem, mas, se o fizerem, ho de ver que o homem merecia figurar no "Poder da vontade", do ,conhecidissimo Smiles. - < -

    De resto, elle era hespanhol, estr/uigeiro, e tinha por dever voltar rito. Um accidente qualquer tirwj-lhe a vista, mas lhe fi-cou a obrigao de enriquecer. Era o que estava fazendoV/iuando a policia foi perturbal-o. Sinto muito; e^so meus desejos que elle seja absolvido do delcto que commetteu, volte sua gloriosa Hespanha, compre uma casa de campo, que tenha um pomar com oliveiras e a vinha generosa; e, se algum dia, no esmaecer do dia, a saudade lhe vier deste Rio de Janeiro, deste Brasil immens e feio, agarre em uma moeda de cobre nacional e leia o ensinamento que o governo da Republica d . . . aos outros, atravs dos seus vintns: "A economia a base da prosperidade".

    1911.

  • Vera Zassulitch

    Affirmou Dostoiewsky, no me lembro onde, que a realidade mais fantstica do que tudo o que a nossa intelligencia pde fantasiar. Passam-se, na verdade, deante dos nossos olhos coisas que mais poderosa imaginao creadora seria capaz de combi-nar os seus dados para creal-as.

    Esse caso de Vera Zassulitch, cujo retumbante processo, fez estremecer a Europa, em 1878, - um delles. Tudo nelle estra-nho e convm ser elle lembrado agora, quando a Revoluo Russa abala, no unicamente os thronos, mas os fundamentos da nossa vill e vida sociedade burgueza. -

    No posso negar a grande sympathia que me merece um tal movimento; no posso esconder o desejo que tenho de ver um se-melhante aqui, de modo a acabar com essa chusma de tyrannos burguezes, accrados covardemente por detraz da Lei, para nos matarem de fome, elevando artificialmente o preo dos gneros e artigos de primeira necessidade, como: o assucar, a carne, o*feijo, o arroz, o caf, o sal, o panno, custa de estancos, de "Jtrusts", de "corners", de "allivios", trficos de homens e outras inacredi-tveis espcies de assaltos economia de toda uma populao mi-servel que j no tem por si nem os ministros do Evangelho, pois os padres, freiras e irms de caridade, todo o clero emfim, est amarrado causa de semelhantesr^ppressores e os apoia de todas as formas. *j

    Disse Macaulay, num dos magnficos seus ensaios, que os philosophos francezes do sculo XVIII, quando combatiam a Igreja estavam com os Evangelhos, pois a vetusta instituio re-ligiosa - de Roma, cada vez mais se afastava delles; e os philor sophos cada vez mais se impregnavam do espirito de Jesus. Hoje, parece que est acontecendo o mesmo com os revolucionrios...

    Ns, porm, continuando tal e qual a Rssia de 1878, dormimos. Como se l no artigo de Victor Cherbuliez (G. Val-bert), na "Revue des deus mondes", de 1 de maio desse anno, os russos daquelles tempos, assim falavam do seu torpor:

    "Tudo dorme; por toda a parte, na alda, na cidade, na "te-lga", no tren de dia, de noite, assentado, de p, o negociante, o "tchinovnik" dorme; na sua ronda, dorme o vigilante sob o frio da neve sob ardor do sol. E o ro dorme e o juiz dorme, os

  • 32

    camponezes dormem com um somno de morte; se^e es c A ( j u d _

    vram - dormem; se elles "surram o trigo, dormemama ^ ^ le que fere e aquelle que ferido dormem J*"" g agarran-tequim est acordado, com os olhos sempre abe"*V' '

    a r o n t e do com os seus cinco dedos um garrafo de a g u a r u e i , ^

    e t e r n o para o polo norte e os ps no Caucaso, dorme um a nossa ptria, a Santa Rssia." .. ..

    E ns poderamos dizer do nosso resignado lrasu, que cue, grande, immenso, rico e generoso, tendo os ps no Prata e a cabe-a nas Goyanas, com a gravata kucuosissima do Amazonas* ao pescoo, dorme completamente encachaado, deixando que toda uma quadrilha, com lbias de patus vrios, o saqueie e o ponha mi, como os judeus fizeram a N. S. J. C.

    E' assim o 3rasil. Todos dormem e s se lembram, quando in-terrompem um pouco o somno, de appellar para o Estado, pedin-do taes ou quaes providencias; e ningum v" que a Estado, actual o "dinheiro" e o "dinheiro" a burguezia que aambarca, que fomenta guerras, que eleva vencimentos, para augmentar os im-postos e emprstimos, de modo a drenar para as suas caixas for-tes todo o suor e todo o sangue do paiz, em forma de taxa alta de preos e juros de aplices.

    Precisamos deixar de panacas; a poca de medidas ra-dicaes.

    No ha quem, tendo meditado sobre esse estupendo movi-mento bolshevikista, no lobrigue nelle uma profunda e original feio social e um alcance de universal amplitude sociolgica.

    Pondo de parte os panurgiahos e aquelles de mentalidade fs-sil a servio dos magnatas da Bolsa, da Industria e do Commercio, de todos os homens de intelligencia e de corao, independente, tanto anui cjmo acol, ficaram penstivos deante de uma revolu* o que to fundamente attingiu os alicerces, no, s os de um grande e poderoso imprio, como tambm os de todas as concepes matrizes das actuaes agglomeraes humanas, chamadas civili-sadas. '

    No se podia compfftender com a nossa mentalidade jurdico- -hurgueza, feita de detrictos de tantas idas collectivas differentes e, por vezs, antagnicas, que meia dzia de doidos vagabundos' e idelogos.licenciassem, do p para a mo, um exercito de milhes de homens e puzessem um imperador, a sua mulher e seus filhos, na Sibria.

    No foram os doidos, como Lenine e os outros so chamados pelos burguezes; no foram elles. Foram os officiaes e os solda-dos que se desarmaram a elles mesmos. E' que a reforma de idas e sentimentos j estava feita no intimo delles todos; e, como observou Oliveira Lima, no lhes satisfaziam mais os idaes patri-ticos e polticos; o essencial eram as medidas sociaes. Puzeram fra as carabinas...

    De resto, tomo a liberdade de repetir aqui o que disse em "A Lanterna", de 21 de janeiro ultimo, com o pseudonymo de Dr. Bcoloff, tratando do terremoto maximalista:

  • 33

    "Loucas ou no, preciso contar com as suas utopias, pois se assim nos parecem hoje, talvez amanh sejam disposies da legislao commum. A Historia nos ensina esse poder de que o nosso glorioso e ajuizado Afranio Peixoto, desdenhosamente, com toda a superioridade de sua integridade mental, d o nome de lou-cura ou outros mais rebarbativos. E' uma fora que no leVa a Petropolis; mas faz descer em um instante os que l esto em namoro."

    E' de toda utilidade notar que e~ tinha antes citado o Dr. Gus-tavo Le Bon, que anarchista em physica e ultramontano em so-ciologia, mas que no trepida em af firmar, no seu livro "Civili-' sation des rabes", que "a aco da loucura ha sido immensa. Os loucos fundam religies, destroem imprios e levantam as mas-sas. Sua mo poderosa tem conduzido a humanidade at aqui e a historia seria toda outra, se a razo, e no a loucura, houvesse reinado sobre o mundo".

    So de meditar taes palavras quando vemos o baixo interesse )^u a nossa proverbial preguia mental tentar amesquinhar os re-

    volucionrios russos com o epitheto: loucos. Entre elles, ha mu-lheres. Ha at uma Mme. Kolentay, que ou foi ministro do Bem Publico; no de hoje, porm, que as mulheres russas, mo-as, em geral, se envolvem nesses movimentos, altruisticamente subversivos, do imprio dos Romanoffs. Esta Vera Zassulitch, que teve uma celebridade universal, como o symblo dellas todas.

    Acoimada de louca, foi verificado^ que nada tinha disso. De resto, essa historia de loucura, como muitas outras, sim-

    plesmente questo de sentido da contagem; para esquerda do O, negativo; para a direita, positivo. Mais nada.

    No dizer de Cherbuliez, a deplorvel vida que lhe haviam fei-to padecer os homens, teria perturbado uma razo menos solida que a sa. Com dezesete annos, apenas acaba de terminar a sua educao em um pensonato de Moscou, encontra-se com o revolu-cionrio Netchaieff, e, por ter se enconjtrado com Netchaieff, pas-sa dous annos nas casamatas de uma fprtaleza, sem que pudesse Saber do que era accusada. No via pessoa alguma; no recebia visitas dos pes ou parentes; os nicos rostos humanos que viu, durante esse largo prazo de tempo, mais largo ainda por no lhe darem tarefa alguma, foram o do guarda encarregado de lhe dar comida e o de sentinella que lhe perguntava, todo o dia, atravez das grades: como vae a senhora ?

    Os seus vinte annos, ella os viu passar assim sepultados na escurido de uma masmorra, quando elles lhe pediam sol, luz, ale-gria, brinquedos, namoros, Amor !

    Solta, foi s em apparencia, pois por toda a parte a perseguia a policia, a terrvel policia russa. Sois livre, diziam, mas todos os sabbados tendes de ir presena do commissario.

    Foi assim a sua mocidade; no enlouqueceu: mas a sua alma, como quer Charbuliez, foi invadida por essa tristeza russa que

  • 34

    tem a immensidade e o silencio, das steppes; e, de todas as triste-zas humanas, a mais triste.

    Um certo dia, o general Trepoff, ministro ou prefeito ou che-fe de Policia de So Petersburgo, vae visitar na priso os presos polticos.

    Entre estes, havia um certo Bogoluboff que se anima a falar ao inquisidor do Estado, de gorro de prisioneiro, cabea.

    Por causa disto, Trepoff manda dar-lhe uma surra de varas e o detento vergastado sem piedade.

    Vera, uma espcie de Mariana das "Terres Vierges", de Tsurgneneff, revolta-se ao ter noticia do facto.

    Ella, no parecer do autor do artigo que estou resumindo; ella no era desgraada por sua prpria desgraa. Soffria por todos os opprimidos, por todjbs os desherdados; ou, antes, ella no soffria, ella se indignava, se revoltava. Vera ficava irritada ao mesmo tempo contra a sua impotncia e contra a felicidade dessa gente por ahi, calma, gorda e saciada, apezar de saber que milhes de pes-soas gemiam eram perseguidas de todos os modos.

    Movida por esses sentimentos, ella, que nunca vira Bogoluboff? to ferozmente injuriado e rebaixado de sua condio de Homem, jura vingar a offensa e o supplicio que lhe inflingiram. Arma-se, procura Trepoff e mata-o, descarregando sobre elle todo o re-volver que levava.

    Foi a jury, confessou que obrara com todo o discernimento, com premeditao, de emboscada, e t c , etc. ; e absolvida.

    O resto no nos interessa; o que nos interessa, o caracter dessa mulher, a sua abnegao o seu sacrifcio em prol do sof-frimento de outrem que ella absolutamente no conhecia.

    No trepidou ella em cobrir-se com o opprobio de um assas-sinato de arriscar-se ao crcere de cujas dores tinha experincia pessoal, de jogar at a Cabea, para mostrar que era "solidaria" com a desgraa, com "a angustia, com a dr de um semelhante...

    Ha um epitaphio de um navegante grego, antigo, encommen-dado por elle mesmo, caso morresse de naufrgio, que assim diz: "O marinheiro que aqui jaz, diz-te: faze-te de vela ! O golpe de Vento que aqui nos perdeu,; fazia vogar ao largo toda uma flotilha de barcos alegres.."

    # Vera no naufragou de todo; mas se a Rssia morrer nesse

    transe, ella ver que o golpe de vento que a matou, far singrar ao largo toda uma flotilha de povos felizes.

    14-7-18.

  • Que fim levou ? Foi um triumpho, lembro-me bem. O homem chegou aqui,

    debaixo de palmas, de ovaes; houve recepes solemnes nas es-colas, nas sociedades sabias. Uma noite, depois de vir no sei de onde, desatrellaram-lhe os cavallos do carro, e elle andou puxa-do e empurrado por milhares de braos pelas ruas da cidade. O triumpho no durou um s dia, mas perto de uma semana; e, como nos nossos no ha aquella praxe romana que permittia dizer-se aos generaes algumas liberdades, para que no se suppuzessem deu-ses, no appareceu uma voz destoante: era mesmo um demiurgo.

    A poesia nacional trabalhou; trabalhou tambm a eloqncia, e o jornalismo, noticirio, chronica, artigo de fundo, entraram tambm no unismo das acclamaes jo homem. '

    Pouca coisa desse escachoar de escriptos e palavras ficou. Houve odes, e poemetos, e artigos; mas, verso algum das odes, dos poemetos, dos sonetos, se imprimiu na memria dos contempor-neos; e os artigos foram esquecidos depressa, logo, como um be-neficio .

    , Mas, do movimento literrio que a presena do here deter-. minou, uma coisa ficou, resistiu, incrustou-se na memria* de to-dos, foi da Saud a Botafogo, correu os Estados' e,'ainda hoje, aps quasi 10 annos, qualquer ainda se lembra de uma quadra, de um verso da cano famosa:

    A Europa curvou-se ante o Brasil E clamou paraberis em meigo tom...

    No se lembram ? Lembram-se, sim; todos ainda a sabem. E romo estranho o destino das coisas ! O homem, o homem extraor-dinrio, que tanto tinha levantado o nome do Brasil na Europa, s teve em sua honra uma poesia immorredoura, e foi essa cano. Repetida nos cafs concertos de terceira ordem, trauteada . pelos moleques, debochada pelos letrados, foi ella que cantou, que deu a immortalidade da poesia ao homem glorioso que ameaava con-quistar os ares.

    O autor no anonymo; o Sr. Eduardo das Neves, a quem o meu amigo Catullo chama, em livro publicado, popular canCio-nista brasileiro.

  • 36 Onde foram as odes ? Onde foram os epenicios ? Onde esto

    os sonetos e os poemetos ? O que ficou, cantando ? a ai* . f a gloria do heroe, foi a cano do popular palhao brasuei .

    A Europa curvou-se ante o Brasil E clamou parabns em meigo tom, Surgiu l no co mais uma estrella E appareceu Santos Dumont.

    Naquelle tempo elle apparecia; hoje, ou melhor, de uns annos a esta parte, elle desapparec.

    Vejam s como nestes ltimos annos, o problema da viao area vae tendo um immenso avano; vejam a quantidade de ou-sadias, de vontades que elle emprega, e de vidas que elle ceifa tambm. Onde est Santos Dumont ? Bleriot atravessou a Mancha, em monoplano de seu invento; Chavez, esse mallogrado Chavez, fez a travessia dos Alpes; Winmalen, ganhou o raid Paris-Bru-xellas-Paris; Vdrine foi de Paris a Madrid; Beaumont, chegou Roma, partiu de Paris; e Santos Dumont ?

    Ha ainda mais nomes gloriosos na aviao que se podem citar de memria com simples leitura de jornaes.Ha Latham, Farmand, Morane, Garros, Legagneux e quantos outros? Que faz Santos Dumont ?

    Ha um anno e pouco, li na "Gazeta de Noticias", em chro-nica de Demetrio Toledo, que elle tinha feito uma pequena viagem nos arredores de Paris, no seu famoso (para ns) "Demoiselle". Era uma proeza clandestina, mas, cujos resultados foram porten-tosos, porque elle cobriria no sei que record, se a coisa fosse s claras.

    E' essa a ultima noticia que temos delle; antes tnhamos tido a dos hydroplanos; mas concordem para quem foi o rei dos ares, .muito pouco tudo isso.

    E' verdade que elle foi rei quando no tinha concurrentes sua realeza. No tempo de suas performances com os seus dirigiveis ns. 1, 2, 3 e no sei que numero mais, ningum lhe disputava o caminho do throno, e era natural que fosse rei; hoje ha bem uma centena e prudente no arriscar essa realeza honorria que lhe ficou.

    No pde ser seno temporria e decorativa. As viagens;: areas de Santos Dumont eram pequenos passeios sobre Paris,/ dando volta pela Torre Eiffel; hoje, por exemplo, no raid Paris-Roma, alguns aviadores bateram a etape Paris-Avignon, cuja ex-tenso de 645 kilometros, com interrupes insignificantes.

    Os seus amigos dizem que o seu monoplano uma maravi-lha; elle mesmo j o poz no domnio publico. Se fosse a maravi-lha que dizem, sendo j propriedade de todos, seria de esperar que nos raids e nos circuitos apparecessem typos do seu Demoi-selle no acham ? Mas no acontece isso. Apparecem mono" planos Bleriot, Morane e at desse desastrado Train, cujo fu selage todo de ao; mas typo Santos Dumont, nenhum f P0r

  • 37

    que ? No me compete dizer, porque no entendo de aviao; mas quem fr um poucochito mais entendido do que eu, poder com justeza explicar.

    No estou tomando satisfao ao Sr. Santos Dumont, embo-ra elle tivesse recebido uma dotao votada pelo Congresso Nacional. Commento to smento o desapprecimento de um here, de uma gloria nacional, que tantas esperanas despertou no paiz todo e to fortes emoes provocou.

    Sei bem que Santos Dumont como o baro do Rio Branco; est sagrado, est sob tabu; mas que diabo! isto de pergun-tar simplesmente que fim levou? no sacrilgio, no of-fensa que v ferir o respeito polynesico que temos por certo dos nossos grandes homens.

    De resto, eu era como todos os brasileiros; acreditava que a soluo da navegao area ficasse c em casa, mesmo em menino tive um projecto; e vendo que a cousa nos vae escapando, que o Sr. Santos Dumont no faz mais nada, fico triste e clamo pelo here.

    No ha, portanto, nestas palavras, nada de iconoclasta, nada de inconveniente; o que ha, magoa de um patriota, sincero no mais intimo de sua alma, ao ver^que aquelle que estava fadado para legar Ptria uma alta conquista de7 progresso e civilizao, est se deixando bater, arredado dos seus propsitos, sepultando-se no esquecimento.

    Quando leio, por exemplo, Andr Beaumont chegou, partindo de Paris, em primeiro logar a Roma, tendo voado de Nice a Roma, em 11 horas e 15 minutos, vencendo nesse tempo cerca de 400 kilo-metros de Nice a Pisa, incluindo uma grande parte sobre o mar, de Nice a Gnova; e 260 de Pisa a Roma; eu pergunto: por que Santos Dumont no fez isso?

    Quando leio: Vdrines ganhou o raid Paris-Madrid. O ou-sado piloto, o corajoso rapaz transpoz, voando altura de 2.000 metros a serra, de Guadarrama, e chegou ao aerodromo de Getafa, perto de Madrid, onde uma ovao formidvel o acolheu, apesar da hora matinal; eu pergunto: por que no aconteceu isso com San-tos Dumont ? -

    No de desgostar? Concordem que . Ns, quando o recebe-mos ha alguns annos, com bandas de musica, sonetos, discursos, fo-guetes e artigos, espervamos que elle fizesse tudo isso, que elle ,viesse a ser o rei dos ares, de facto, voando sempre, mostrando a sua percia, a sua coragem, a sua familiaridade com o novo elemen-

    Jo aberto actividade humana, de frma a secundar os nossos an-ceios e cumprir a grande misso que parecamos ter no mundo; mas, j que no elle quem faz taes proezas, j que no elle quem bate etapes de 650 kilometros, fica a nos parecer que o sonho ou o pro-jecto do padre Gusmo vae mais uma vez parar em outras mos que no as nossas.

    Oh! Triste Brasil! Se no roubado, falha. Inventou a machina de escrever e roubaram os americanos o

    invento a um pobre padre da Parahyba; tinha ouro e diamantes a

  • 38

    frica do Sul e outros paizes, acabaram roubancro-os; tinha o maior rio do mundo, mas j descobriram que n o ; tinha a porten-tosa batalha de Riachuelo, mas Fushima lhe furtou a gloria; tinha o Afinai Geraes, mas a Argentina j mandou fazer um maior; tinha a maior capital da America do Sul, mas Buenos Aires aca-ba de dizer que no; tinha borracha, elle nico, quasi, mas os in-glezes da sia lhe querem furtar o rico producto; e, agora, por ultimo e talvez por fim, vae fugir do lbum de nossas glorias, a conquista do ar, cousa que lhe parecia reservada, porque um padre cie bantos, chamado Gusmo, desenhou ha mais de 100 annos um projecto extravagante de machina de voar a n , iCo, lrSe' "ais t r i ? e ' p o r m- h a d e f i c o poeta popular, aquelle que deuimmorredoura, gloria ao heroe que se esvae W 7 S " a C a , ^ a n o e s t c e r t a ; a E u r P a "ao M curvou ante o Brasil, nao clamou parabns em meigo tom; no meu Z ZL Ogque a Europa fez, foi sqrrir leve^ e i r a n j e S S ^ d i S o ^

    A J?ZL e" a " f a 2 e ^ ' P r q u e ' * l d i s s e tro poeta: . A Europa e sempre a Ekrop, a gloriosa.'...

    Julho de 1911.

  • O convento

    Noticiam os jornaes, com pompa de photogravuras e alarde de sabenas histricas, que o convento da Ajuda* aquella ali da Ave-nida, fora vendido a alguns inglezes e americanos pela bella quantia de mil oitoceritos e cincoenta contos.

    Houve grande contentamento nos arraiaes dos esthetas urbanos por tal facto. Vae-se o mostrengo, diziam elles; e ali, naquelle can-to, to cheio de bonitos prdios, vo erguer um grande edifcio, moderno, para hotel, com -dez andares.

    Eu sorri de to santa crena, porque, se o convento da Ajuda no to bcnito como o theatro Municipal, tanto um como outro no so bellos. A belleza no se realisou em nenhum dos taes edi-fcios daquelle funil elegante; e se deixo o theatro Municipal, e olho o Club Militar, a monstruosa Bibliotheca, a Escola de Bellas-Artes, penso de mim para mim, que elles so bonitos de facto, mas um bonito de nosso tempo, como o convento o foi dos meiados do nosso sculo dezoito.

    Naquelle tempo, isto , entre, 1748 e 1750, quando elle ficou mais ou menos prompto, se j houvesse jornaes, certamente elles falariam no lindo e importante edifcio com que ficou 'dotada a leal e herica cidade de S. Sebastio do Rio de Janeiro. Falariam com o mesmo enthusiasmo com que ns falmos ao se inaugurar o thea-atro do Dr. Passinhos. No os havia e no podemos passar de sup-posies. Decorreram cento e cincoenta annos e ns ficamos abor-recidos com o tal lindo edifcio.

    O bonito envelhece, e bem depressa; e eu creio que, daqui a cem annos, os esthetas urbanos reclamaro a demolio do theatro Municipal com o mesmo afan com que os meus contemporneos re-clamaram a do convento.

    E' de vr como os homens tidos por umas carrancas, mais tra-dicionalistas, mais misoneistas, no apresentaram, j no direi protesto, mas queixumes contra essa mutilao que vae soffrer a cidade.

    Nenhum delles se enterneceu com a prxima morte daquellas paredes; e havia tanto motivo para isso! Um convento de freiras de alguma frma quinto acto de dramas amorosos.

    Certas vezes serviram de priso domestica, priso s ordens desse juiz-algoz, o pae de famlia, sempre obediente aos vagos co-

  • 40

    digos da honra e da pureza da famlia, mettendo as j ^ ^ t t a h a m , tas nos conventos, quando implicava com o namoraao -a ou no o julgava de nobreza sufficiente para a sua pr V

    Em outras, havia de ser voluntria a recluso; mas, w v queno crebro de mulher, naturalmente esse piedoso desejo_M U uma decepo amorosa ou de uma forte crena da moigenc a sua belleza. O amor de Deus vinha aps o amor dos homens; e aquellas paredes que vo ruir sob os applausos dos esthetas e anti-clericaes, longe talvez de estarem impregnadas de sonhos mysti-cos, esto, talvez, saturadas de decepes, de desilluses, de melan-colias e desesperos, posso bem dizer, de revoltas bem humanas.

    Com as minhas idas particulares posso passar sem o passado e sem a tradio; mas, os outros, aquelles que, diariamente, contam nos jornaes historias do aougue dos jesutas, anecdotas do prn-cipe-Natruza e outras cousas edificantes e picas, como que dei-xam desapparecer sem uma lagrima, debaixo do alvio brbaro, aquelle velho monumento, pantheon de rainhas, de imperatrizes e princezas ?

    E' que elles estavam convencidos da sua fealdade, da necessida-de do seu dsapparecimento, para que o Rio se approximasse mais de Buenos Aires.

    A capital da Argentina no nos deixa dormir. Ha conventos de fachada lisa e montona nas suas avenidas? No. Ento esse casa-ro deve ir abaixo.

    O Passos quiz; o Frontin "tambm; mas, a desappropriao custaria muito e recuaram.

    No sei bem que vantagens trar tal cousa. Se, ao menos, fossemos levantar ali um Louvre, um Palcio dos Doges, alguma cousa de bello e grandioso architectonicamente, era de justificar todo esse contentamento que vae pelas amas dos esthetas; mas, para substituil-o por um hediondo edifcio americano, enorme, pre-tencioso e pifio, o embellezamento da cidade.no ser grande e a satisfao dos nossos olhos no ha de ser de natureza altamente artstica. Uma cousa vale a outra.

    No que eu tenha grande admirao pelo velho casaro; mas, que tambm no tenho grande admirao nem pelo estylo, nem pela gente, nem pelos preceitos americanos dos Estados Unidos.

    Em matria de immenso l esto as pyramides do Egypto; e, como so simples de linhas e de destino, ainda podem ter alguma belleza; mas uma casa, uma habitao, com centenas de metros de altura, com uma fachada de superfcie immensa, de frma que no se pde abranger ,de um golpe de vista o conjuncto e o movimento dos detalhes, no s monstruoso, besta e imbecil.

    O convento no tinha belleza alguma, mas era honesto- o tal hotel no ter tambm belleza alguma e ser deshonesto, no seu in-tuito de surripiar a falta de belleza com as suas propores mas-todonticas.

    De resto, no se pdf. comprehender uma cidade sem esses marcos de sua vida anterior, sem esses annaes de pedra que contam a sua historia.

  • _ 41

    Repjto: nb gosto do passado. No pelo passado em si; pelo veneno que elle deposita em forma de preconceitos, de regras, de prejulgamentos-nos nossos sentimentos.

    Ainda so a crueldade e o autoritarismo romanos que dictam inconscientemente as nossas leis; ainda a imbecil honra dos ban-didos feudaes, bares, duques, marquezes> que determina a nossa taximonia social, as nossas relaes de famlia e de sexo para sexo; ainda, so as cousas de fazenda, com senzalas, sinhs moas e mu-carnas, que regulam as idas da nossa diplomacia; ainda , portan-to, o passado, daqui, dali, dacol, que governa, no direi as idas, mas os nossos sentimentos. E' por isso que eu no gosto do passa-do; mas isso pessoal, individual. Quando, entretanto, eu me fa8 cidado da minha cidade no posso deixar de querer de p os attes-tados de sua vida anterior, as suas egrejas feias e os seus conven-tos hediondos.

    Esse furor demolidor vem dos forasteiros, dos adventicios, que querem um Rio-Paris barato ou mesmo Buenos Aires de tosto.

    O aspecto anti-clerical com que elles escondem esse desejo de fazer da cidade um improviso catita, nada vale.

    Em geral, so sempre os monumentos religiosos que ficam. O Parthenon era um edifcio religioso; e religiosos eram os

    monumentos de Karnak. As cathedraes gothicas iro abaixo, quando o catholicismo no

    tiver mais nem um adepto? No. A no ser que os velhos turcos venham a conquistar a Europa inteira.

    O convento por si s no enfeiava tanto a cidade, como dizem; nem to pouco a sua demolio vae diminuir o espirito religioso* nem trazer para as alegrias da vida as freiras que l estavam en-clausuradas .

    Demais, no eram muitas; uma meia dzia e o seu livramento pde ser obtido com a dcima parte do dinheiro por que venderam o immovel. E' s requerer "habeas-corpus"...

    De todas as instituies religiosas, uma das mais sabias o convento. Nos antigos tempos, e um pouco no nosso, em que a vida social era baseada na lucta e na violncia, devia haver naturezas de-licadas que quizessem fugir a taes processos; e o nico meio de fu-gir era o convento.

    Era til e conseqente; e, se hoje o gosto por taes recluses di-minue, porque j na nossa vida ha mais tolerncia, menos exhibi-es de virtudes e de fora, menos tyrannias domesticas, religiosas e governamentaes.

    No ha de ser diminuindo conventos com auxilio do alvio dos americanos que teremos a felicidade sobre a terra. Elles podem fi-car, como cousas de museu ao lado de canhes, de obzes, de fi-chas de identificao policial, dos cdigos forenses, de todo esse ap-parelho de coaco intil, quasi sempre, e contraproducente, nas mais das vezes; o que porm, precisamos fazer desentupir a nossa intelligencia de umas tantas crenas nefastas, que pesam sobre ella como castigos atrozes do destino.

    Os conventos so mudos; mas essas falam. So como os taes

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    mortos que falam, peores do que espectros, do que 'fantasmas e a k m a s

    . d outro mundo, porque no s mettem medo s creanas e s mulheres, mas tambm aos homens cheios de coragem e ousadia.

    Elias que so fjagello; ellas que nos crestam; ellas que nos tiranxa felicidade de viver.

    Se fosse possvel, com ellas, pr abaixo certos nomes a alvio e a picareta, com bombas de dynamite e com plvora negra, eu to-cac ' e a t i ^ e t U d o S e s e t r a t a s s e de um tal padre Antnio Vieira, um pensamento ^ o n a n o i u m mattoide trocadilhista, ausente total do Sns! S c S d o S . r 1 ? 8 0 * d e e s t y l o b e s o ' c o m o d i z O H v e i r * Mar-algunfTouTa " J u ^ S i o T ^ J ? " ' . C T .SC ^S** c r i * vento em paz ! u t e r a r , o ! V a m s pol-o abaixo e deixemos o con-

    Julho de 1911.

  • No ajuste de contas ...-A nossa burgueza finana governamental s conhece dous re-

    mdios para equilibrar os oramentos: augmentar os impostos e cortar logares de amanuenses e serventes. Fora desses dous pallia-tivos, ella no tem mais beberagem de feiticeiro para curar a chro-nica molstia do "dficit".

    Quanto ao cortar logares, engraado o que se passa na nossa administrao. Cada ministro, e quasi annualmente, arranja uma autorizao para reformar o seu ministrio. De posse delia, um, por exemplo, o da Guerra, realisa a sua portentosa obra e vem c para fora blasonar que fez uma economia de 69 contos, emquanto o do Exterior, por exemplo, com a sua, augmentou as despezas de sua pasta em mais de cem contos.

    Cada secretario do presidente, concebe que governo s c unicamente o seu respectivo ministrio e cada qual puxa a braza para a sua sardinha.

    Cabia ao presidente coordenar estes movimentos desconexos ajustal-os, conjugal-os; mas, elle nada faz, no intervm nas re-formas e deixa correr o marfim, para no perder o precioso tempo que tem de empregar em satisfazer os hypocritas manejos dos cai-xeiros da fradalhada obsoleta ou em pensar nas cousas de sua poli-tiquinha de aldeota.

    Emquanto as reformas com as hypotheticas economias so em geral obra dos ministros, o augmento de imposto parte, em geral, dos nossos financeiros parlamentares. Elles torram os miolos para encontrar meios e modos de inventar novos; e, como bons burgue-zes que so, ou seus propostos, sabem, melhor que o imperador Vespasiano, que ,p dinheiro no tem cheiro. Partem desse postu-lado que lhes remove muito, obstculo e muitas difficulddes e che-gam at s latrinas, como aconteceu o anno passado.

    Essa pesada massa de impostos, geralmente sobre gneros de primeira necessidade, devendo ser democraticamente igual para to-dos, vem verdadeiramente recahir sobre os pobres, isto , sobre a quasi totalidade da populao brasileira que de necessitados e pobrssimos, de forma que as taxas dos Colberts da nossa represen-tao parlamentar conseguem esta cousa maravilhosa, com as suas medidas financeiras: arranham supercialmente os ricos e apunha-lam mortalmente os pobres. Paes da ptria !

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    Desde que o governo da Republica ficou entregue voracidade insacivel dos polticos de S. Paulo, observo que o seu desenvolvi-mento econmico guiado pela seguinte lei: tornar mais ricos, 03 ricos; e fazer mais pobres, os pobres.

    S. Paulo tem muita razo e procede coherentemente com as suas pretenes; mas, devia ficar com os seus propsitos por l e deixar-nos em paz. Eu me explico. Os polticos, os jornalistas e mais engrossadores das vaidades paulistas no cessam de berrar que a capital de S. Paulo uma cidade europa; e bem de ver que uma cidade europa que se preza, no pode deixar de offerecer aos forasteiros, o espectuculo de misria mais profunda em uma parte de sua populao.

    S. Paulo trabalha para isso, afim de acabar a sua flagrante semelhana com Londres e com Paris; e podem os seus eupatridas estar certos que ficaremos muito contentes quando fr completa, mas no se incommodem comnosco, mesmo porque, alm de tudo ns sabemos com Lord Macaulay que, em toda parte, onde exis-tiu olygarchia, ella abafou o desenvolvimento do gnio.

    Entretanto, no attribuirei a todos os financeiros parlamentares que tm proposto novos impostos e augmento dos existentes; no attribuirei a todos elles, dizia, tenes malvolas ou deshonestas. Longe de mim tal cousa. Sei bem que muitos delles so levados a empregar semelhante panaca, por mero vicio de educao, por fa-talidade mental que no lhes permitte encontrar os remdios radi-caes e infalliveis para o mal de que soffre a economia da nao.

    Quando se tratou aqui da abo